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Museus e ciência em Cabo Verde, 1850-1876 Luis Pequito Antunes1 RESUMO: O estudo realizado examina o contexto em que se procurou criar, no século XIX, um Museu de História Natural em Cabo Verde e as razões que levaram ao seu fracasso, resultantes da política museológica colonial levada a cabo pela Secretaria de Estado da Marinha e do Ultramar. Por outro lado a participação do arquipélago nas Exposições Universais e numa rede nacional e internacional de troca de informações científicas relacionada com a zoologia e a botânica não foram suficientes para criar uma dinâmica capaz de levar a cabo a sua efectivação. ABSTRACT: This study examines the context in which it sought in the nineteenth century to create a Museum of Natural History in Cape Verde and the reasons that led to its failure resulting from colonial museum policy carried out by the State Department of the Navy and Overseas. On the other hand, the archipelago's participation in Universal Exhibits and on a national and international network of scientific information exchange related to zoology and botany weren't enough to establish a dynamic capable of conducting its success. Introdução Após a vitória do liberalismo em Portugal é possível detectar a existência de uma política científica e museológica orientada para os territórios sob domínio colonial, com o objectivo de promover a sua valorização económica e garantir uma efectiva ocupação político-militar e administrativa2. A sua operacionalização é visível no enquadramento legislativo3 e no envio de expedições comerciais e científicas ao ultramar (Santos 1978; Rodrigues 2009). Estas assumiram particular relevância na resposta dada por Portugal à “cobiça” das Nações europeias pelas suas colónias tendo, entre outros aspectos, reforçado o levantamento cartográfico e a exploração científica de Angola e Moçambique, nomeadamente nos campos da mineralogia, da botânica e da zoologia. As duas últimas numa óptica utilitarista relacionada com o desenvolvimento agrícola e comercial. Esperava-se, assim, contribuir para a fixação das fronteiras e para o fomento e aproveitamento das “grandes riquezas existentes nos domínios portugueses do continente africano” (Alexandre 1998: 40), cujo mito alimentava a ideia de um novo Brasil. O movimento gerado ao longo do século XIX em torno das questões coloniais acabou por desencadear a criação de entidades particulares e públicas interessadas em explorar científica e comercialmente os territórios ultramarinos. Refira-se como exemplo a criação em 1870, do Museu Colonial de Lisboa, na dependência do Ministério da Marinha, para exibir as colecções provenientes das colónias e cujo acervo inicial foi o núcleo de produtos coloniais enviado em 1867 à Exposição Universal de Paris (Pereira 2005: 82) e a fundação, em 1875, da Sociedade de Geografia de Lisboa defensora, entre outros aspectos, da apropriação científica das colónias africanas (Guimarães 1984: 59-65). Também os jardins botânicos, os gabinetes e museus de história natural, sob tutela da Coroa ou na dependência das universidades, desde cedo puderam contar com um quadro legislativo promovido pela Secretaria de Estado responsável pelo Ultramar que obrigou à participação das estruturas administrativas e de saúde coloniais na colecta e envio dos produtos e espéci1 Colaborador do CEHFCi. Doutorando em História e Filosofia da Ciência, com especialidade Museologia, Universidade de Évora. 2 A continuidade desta política, sucessivamente revista e actualizada, é também patente ao longo do século XX. 3 Veja-se, como exemplo, o Decreto de 29 de Dezembro de 1868 que organiza a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar e atribui à 2ª Secção as explorações científicas, as colecções e a exposição dos produtos coloniais. 1 mes dos três reinos da natureza para as instituições sediadas na metrópole, o que contribuiu para o enriquecimento dos seus acervos. Por outro lado, o vai e vem constante de funcionários coloniais, militares e exploradores concorreu para um renovado interesse pelos testemunhos da cultura material dos povos extra-europeus, dando origem a várias colecções particulares de natureza etnográfica (Cantinho 2010). A concertação de interesses verificada, que Margaret Lopes (1997: 30) designou de “estatismo da produção científica”, considerava as províncias ultramarinas como campo para a colecta de exemplares ao mesmo tempo que reservava o seu estudo para a Metrópole. Os resultados científicos alcançados contribuíam para o avanço do saber nas áreas disciplinares incluídas na história natural e para o prestígio da comunidade de cientistas ligada às universidades e politécnicas, gabinetes, museus e jardins botânicos sediados em Portugal. Contudo ao longo da centúria de oitocentos a transferência da componente aplicada para as colónias, quer da parte do Estado quer das instituições científicas metropolitanas, não foi sistemática o que se traduziu na incapacidade de induzir um efectivo controlo e tratamento das epidemias nas pessoas e nos animais ou de estimular o progresso da agricultura, da indústria e do comércio. Note-se, igualmente, que a inconstância da política ultramarina e as dificuldades estruturais das instituições científicas e museológicas metropolitanas, nomeadamente as financeiras, acabaram por retirar competitividade a Portugal e dificultar a sua afirmação no contexto científico europeu (Baptista 1996). Noutra vertente e visando alcançar o contributo dos museus, enquanto instituições científicas, para o conhecimento dos recursos naturais de Angola, Cabo Verde e Moçambique foram feitas várias tentativas por via legislativa para a criação de museus de história natural naquelas províncias4. Pretendia-se assim promover uma política museológica de proximidade destinada a auxiliar os governadores-gerais no desenvolvimento económico das colónias, sobretudo nos sectores ligados à agricultura e à indústria, através de uma abordagem fundada nos avanços científicos das ciências naturais e na constituição de um repositório de amostras de produtos locais como sementes, madeiras e minérios5. A participação de Portugal nas Exposições Universais e Internacionais oitocentistas proporcionou, igualmente, o envio e divulgação naqueles certames das matérias-primas e da cultura material das colónias, muitos dos quais foram premiados pelos júris dos concursos, objecto de estudo científico ou acabaram por integrar os acervos e colecções de estudo de museus nacionais e estrangeiros. Desde a Great Exhibition of the Works of Industry of All Nations, realizada em Londres em 1851, que o espaço dedicado às representações coloniais foi ganhando dimensão e visibilidade. No caso português, para o período em análise, os territórios ultramarinos estiveram presentes através de expositores particulares e de comissões oficiais nas Exposições Universais e Internacionais de Paris (1855 e 1867), de Londres (1862), do Porto (1865), de Viena de Áustria (1873) e Filadélfia (1876) (Portugal 1997; Janeira e Massul 1998: 11-20). No âmbito da instrução pública colonial foram, também, publicados diplomas que contemplavam a criação de escolas e de estabelecimentos auxiliares de ensino – museus, bibliotecas e gabinetes de física – destinados à formação e preparação prática dos alunos6 e ao conhecimento das potencialidades económicas de cada território (Rodrigues 2007). Os museus e as 4 Vejam-se as Portarias de 14 de Julho [Macau], 19 de Julho [Moçambique] e 19 de Setembro [Angola] de 1838 no Boletim do Conselho Ultramarino, Legislação Novíssima. Vol. I (1834 a 1851), 1867; Portaria de 28 de Março de 1857 [Índia, Angola e Moçambique] e Portaria de 7 de Fevereiro de 1859 [Cabo Verde] no Boletim do Conselho Ultramarino, Legislação Novíssima. Vol. III (1857 a 1862), 1868. 5 Coutinho Gouveia (1985: 157) refere para Portugal, a propósito do pensamento de Rocha Peixoto, o seguinte “ (…) estando o País pouco sensibilizado para os domínios da história natural, e consequentemente para as possibilidades de aproveitamento oferecidas nesse campo, seria de facto vantajoso que em todos os distritos passassem a existir institutos dessa ordem com os «produtos naturais da região e as indicações relativas à sua utilidade, valor e exploração industrial». 6 Veja-se como exemplo o “Regulamento para a Escola Principal da Província de Cabo Verde”, BOGGPCV, nº 37 de 14/9/1872. 2 escolas confluíam assim numa perspectiva desenvolvimentista na qual assumiam um papel simultaneamente prático e didáctico na formação de base das populações (Torgal 1998: 531532; Gouveia 2007). Além dos aspectos mencionados é, igualmente, possível identificar ao longo da centúria de oitocentos movimentos e actores que em Angola, em Cabo Verde e em Moçambique contribuíram para a criação, nem sempre efectivada ou duradoura, de instituições museológicas e científicas locais que participaram na divulgação do saber produzido ou integraram redes regionais e internacionais de circulação do conhecimento científico. A dicotomia verificada entre a metrópole e as colónias no que respeita à museologia e à investigação científica será uma constante ao longo das centúrias de oitocentos e novecentos. Um museu de produtos naturais que não saiu do papel A 7 de Fevereiro de 1859, um ano depois da então vila da Praia ter sido elevada a cidade, uma Portaria assinada por Sá da Bandeira recomendava ao Governador-geral da Província de Cabo Verde, Sebastião Lopes de Calheiros e Meneses (1858-1860), a criação de um museu “dos produtos naturais” por ser “da maior conveniência” não só para o progresso científico mas, também, “para os industriais e do comércio” (ACU.PO 1867: 17). Aquele diploma fechava um ciclo legislativo de natureza museológica, da responsabilidade da Secretaria de Estado da Marinha e do Ultramar, que tinha começado em 1838 com a aplicação de um modelo tripartido (biblioteca, museu e jardim botânico), passado por um modelo duplo (biblioteca e museu) em 1857 para finalizar em 1859 num modelo simples (museu), sendo implícito que as propostas de criação destas instituições se destinavam a apoiar localmente o crescimento económico e a contribuir para a modernização das colónias portuguesas. A fim de facilitar a concretização da portaria o legislador designou, ainda que provisoriamente, o Capitão Januário Correia de Almeida7 (1829-1901) como responsável pela instalação do museu cabo-verdiano ao mesmo tempo que acautelava a possibilidade daquele ser substituído por um funcionário civil ou militar, com direito a gratificação. Terá pesado na nomeação o facto de Januário de Almeida ser correspondente provincial, desde Janeiro de 1858, da Real Academia das Ciências de Lisboa. Na carta de agradecimento, escrita pouco antes de partir para o ultramar, disponibilizava-se para receber “instruções especiais se por ventura a Academia [desejasse] informações ou qualquer género de trabalho sobre algum ponto científico importante da Província de Cabo Verde”8. Apesar da disponibilidade demonstrada não desempenhou, face às circunstâncias, qualquer papel na implementação do museu em Cabo Verde. Em Junho de 1860 Januário de Almeida era nomeado interinamente Governador-geral em substituição de Calheiros e Meneses que partia para Angola. Apesar de prevista não se procedeu à nomeação de um substituto para orientar a instalação do museu. Contudo deu continuidade à proposta do seu antecessor para a criação na cidade da Praia de um liceu, destinado a promover a instrução pública na Província de Cabo Verde alegando ser “um dos mais salutares princípios em que se baseiam o progresso e a felicidade dos povos”9. Situado nos Paços do Concelho e inaugurado com pompa e circunstância em Janeiro de 1861 atravessou, segundo Calheiros e Menezes refere nos seus Apontamentos (1866: 66), dificuldades diversas mais “por 7 Januário Correia de Almeida, mais tarde Barão (1886), depois Visconde (1887) e finalmente Conde (1889) de São Januário era à data da Portaria Engenheiro-chefe das Obras Públicas do arquipélago caboverdiano. Sob a sua responsabilidade tinham sido realizadas várias obras de infra-estruturação, como a construção do cais do porto da cidade da Praia, edifícios de alfândega (cidade da Praia, vila do Mindelo, ilhas do Fogo e do Maio), câmaras municipais, igrejas, fornos de cal, secagem de pântanos, abertura de poços e caminhos públicos em várias ilhas. 8 Academia das Ciências. Processo Académico de Januário Correia de Almeida. Em www.acad-ciencias.pt [acedido em Março de 2011]. A carta tem a data de 5 de Fevereiro de 1858. 9 Portaria Circular nº 313-A de 22/12/1860, BOGGPCV, nº 83. O Liceu tinha a designação de Liceu Nacional da Província de Cabo Verde, por se destinar a receber estudantes provenientes de todas as ilhas do arquipélago e calar as críticas feitas à escola da Brava. 3 falta de pessoal, do que de meios”. Aos olhos da administração metropolitana, pouco interessada em desenvolver a instrução pública no arquipélago, este não era um projecto para continuar (Carvalho, 1998; Almeida, 2003). As dificuldades financeiras, sociais e económicas existentes no arquipélago, associadas ao facto da acomodação do museu correr por conta do orçamento da Província também não contribuíam para a sua concretização imediata. Na prática as verbas para as despesas do ano económico de 1859 já estavam consignadas e não era fácil justificar no contexto existente a afectação de uma parcela destinada à criação de uma instituição cuja importância dificilmente era perceptível pelos industriais e comerciantes locais. Foi necessário esperar pela chegada do novo do Governador-geral Carlos Augusto Franco (1861-1864) para que fosse inscrita na rubrica de “diversas despesas”, da Tabella da Despeza Autorisada para o Ano Economico de 1863-1864 da Província de Cabo Verde (BCU.LN 1869: 106) a quantia de 270$000 reis destinada à criação de uma biblioteca e museu. A opção do Governador-geral não só reproduzia o modelo de “livraria e museu”, proposto pelas Portarias de 1857 aos então governadores-gerais das Províncias da Índia, Angola e Moçambique como, também, dava um sinal de que a escolha adequada seria conjugar numa só entidade as duas valências. Tanto mais que a vontade de criar uma biblioteca pública em Cabo Verde era antiga10 e congregava os interesses da burguesia letrada. A verba disponibilizada serviria assim para um triplo fim: “mandar arranjar a casa” escolhida para acomodar o museu, suportar os gastos com a colecção e transporte dos objectos, conforme o diploma de 1859, e promover a fundação de uma biblioteca pública na capital do arquipélago. Porém, a concretização da biblioteca e museu não conheceria grandes desenvolvimentos até finais de 1870. A falta de motivação da administração cabo-verdiana para executar a portaria criadora do museu contrastava com a disponibilidade para efectivar a política museológica colonial prosseguida pela Secretaria de Estado do Ultramar. Na verdade as medidas legislativas e recomendações, que faziam de Cabo Verde e das restantes colónias contribuintes obrigatórios das instituições museológicas sediadas em Portugal, eram operacionalizadas, com maior ou menor prontidão, pelos governos-gerais, ainda que muitas vezes se revelassem efémeras ou de difícil execução. Veja-se, por exemplo, a circular ministerial de 26 de Maio de 1848 dirigida aos membros das Juntas de Saúde das colónias para que coligissem “na capital das Províncias Ultramarinas exemplares devidamente preparados das espécies naturais, drogas e sementes, raízes e outros objectos próprios das Províncias a fim de serem distribuídos pelos museus e colecções científicas do reino” (BCU.LN 1867: 625), bem como enviar produtos zoológicos para o Gabinete de História Natural. Perante o atraso verificado na execução da portaria a Secção do Ultramar do Ministério da Marinha e Ultramar expediu, dois anos depois, uma Portaria Circular11 para todos os governadores-gerais com a indicação de que deviam colaborar no cumprimento efectivo do diploma anterior. A persistência tinha uma justificação. O texto introdutório da portaria de 1850 retratava o estado deficitário em que se encontravam os museus metropolitanos de história natural no que respeita às colecções coloniais e a necessidade de envolvimento das estruturas administrativas ultramarinas para superar aquela situação. A recolha de exemplares da fauna e da flora coloniais seria feita em nome dos “interesses do ensino e estudo das 10 Chegou mesmo a existir um imposto que ficou conhecido por “subsídio literário” para a criação de bibliotecas, que acabou por levantar alguma contestação por incidir sobre o sal da Boavista e a aguardente sacarina (Silva 1929). Em 1867 o Grémio Promotor de Cabo Verde propunha-se promover o “recreio útil” por meio da leitura e prelecções sobre diversos assuntos, exceptuado, claro está, os de âmbito político. Igualmente, em 1870, o Gabinete de Leitura da Praia tinha como objectivo difundir e promover a leitura. 11 Portaria Circular nº 1.935 de 18/02/1850 da Secretaria de Estado da Marinha e do Ultramar que foi reproduzida na Circular nº 67 de 18/05/1850, BOGGPCV, nº 20. 4 Ciências Naturais, e quanto importa ao desenvolvimento dos nossos estabelecimentos de Instrução Pública neste ramo das Ciências, que se procure enriquecer os Museus e aumentar mesmo o seu número, o que senão pode conseguir em quanto continuarem os mesmos a estar desprovidos de produtos da natureza nos seus três reinos, achandose, como desgraçadamente se acham, as suas colecções bastante deterioradas, e consumidos inteiramente alguns dos objectos, de que em outros tempos houve tamanha abundancia a que sucedeu a actual escassez porque há muitos anos deixaram de receber os subsídios, que as nossas Províncias Ultramarinas, costumavam remeter, e que eram uma parte diminuta das riquezas de que a natureza tão liberalmente as dotara”12. As razões apontadas pelo legislador coincidiam, nas suas linhas gerais, com as utilizadas em 1849 na petição enviada pelo Conselho da Faculdade de Filosofia da Universidade de Coimbra à Rainha D. Maria II para providenciar junto das autoridades coloniais a remessa de espécies zoológicas para o Museu de História Natural da Universidade. O pedido tinha por base a constatação feita por Simões de Carvalho em 1843, durante a realização do inventário geral, de que faltavam exemplares zoológicos e botânicos representativos das colónias portuguesas. Propunha-se o referido Conselho a providenciar as “instruções necessárias para a preparação, acondicionamento e transporte dos produtos dos três reinos da natureza redigidas por forma, que se tornem acessíveis a todas as inteligências” (Carvalho 1872: 119) e assim abarcar o maior número possível de colaboradores. Foram estas instruções, que na prática funcionavam como manuais destinados a orientar os trabalhos de campo, que em 1850 acompanharam os diplomas legislativos. Para Cabo Verde seguiram cinquenta exemplares impressos para serem distribuídos pelos colectores. A forma encontrada pelo Governador-geral João de Fontes Pereira de Mello (1848-1851) para executar a Circular de 1850 no arquipélago cabo-verdiano consistiu na criação, através de uma circular provincial13, de uma «Comissão preparadora dos produtos para a História Natural» em cada uma das ilhas e nas praças de Bissau e de Cacheu na Guiné. Constituídas por quatro membros as comissões destinavam-se a “descobrir, promover e prontificar para os museus do reino alguns exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos”14 existentes na Província. Formadas por cirurgiões, farmacêuticos, militares, comerciantes e funcionários da administração provincial as comissões deviam reunir uma vez por semana e enviar para o quartel-general, sediado na ilha Brava, um relatório das suas acções. A fim de garantir que não faltariam exemplares das instruções coimbrãs a quem quisesse colaborar com as autoridades insulares foi mandado publicar no Boletim Oficial cabo-verdiano uma versão adaptada sob o título «Instrucções para a colheita, preparações, acondicionamento e transporte dos productos e exemplares dos três reinos naturaes»15. A operacionalização do modelo proposto pelo Governador-geral João de Mello contou desde logo com dificuldades várias desde a falta de pessoal com formação científica ou capacitado para as tarefas inerentes a um naturalista até à disponibilidade para conjugarem as actividades profissionais com as de colectores. A estas acresciam a desorganização reinante, o desinteresse e falta de preparação da administração e as deficitárias ligações entre as ilhas do arquipélago. Atendendo a que não era de “contar numa época próxima com alguma expedição científica” (Bocage 1862: 10) às colónias e visando tirar partido da actividade museológica da Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar, José Vicente Barbosa du Bocage (1823-1907), recémnomeado director do Museu de Lisboa, solicitou em 1862 à administração cabo-verdiana a 12 Circular n.º 67 de 18/05/1850, BOGGPCV, nº 20, p. 78. Circular nº 67 de 18/05/1850, BOGGPCV, nº 20. 14 Ibidem. Ibidem. 15 As instruções foram publicadas com alterações formais na sua apresentação a começar pelo título “instruções para a colheita, preparação, acondicionamento, e transporte dos produtos dos três reinos da natureza” . O sublinhado indica as alterações. 13 5 colecta e envio de macacos, aves de rapina, nomeadamente abutres, águias, falcões, milhafres e répteis que eram os espécimes em falta na instituição. As despesas realizadas com a colecta, embalagem e remessa para Lisboa seriam garantidas pelo orçamento do Museu de Lisboa. O pedido endereçado ao Governador-geral Carlos Franco foi acompanhado por vinte exemplares impressos das «instruções praticas sobre o modo de colligir, preparar e remeter productos zoológicos para o Museu de Lisboa», da autoria de Barbosa du Bocage, para serem distribuídos pelos facultativos do quadro de saúde do arquipélago e por outras pessoas julgadas aptas para “alcançar e remeter para Lisboa os diferentes produtos zoológicos, que ali se encontrarem” (ACU.PO 1867: 21). As novas instruções destinavam-se a substituir as anteriores da autoria da Universidade de Coimbra. Conhecedor das dificuldades e atrasos na execução da legislação nas colónias o Director do Museu de Lisboa tratou de fazer com que a Secretaria de Estado enviasse, a 5 de Abril de 1862, um aditamento à Portaria Circular informando o Governador-geral que Sua Majestade teria em conta o serviço prestado no cumprimento e observância rigorosa das mesmas. Assim as instruções deviam ser entregues aos governadores subalternos, administradores de concelho e chefes de distrito com a recomendação para que “ponham toda atenção e cuidado [na execução] do fim que se deseja” (ACU.PO 1867: 30). O aditamento, extensivo às restantes colónias africanas, permite inferir que a associação expressa à vontade real se destinava não só a pressionar os governadores-gerais para o cumprimento da política museológica como também é revelador da capacidade de influência e empenho de Barbosa du Bocage em dotar o Museu de Lisboa com as colecções zoológicas necessárias para o tornar “interessante e digno de ser visitado pelos verdadeiros cultores da ciência (…) [conferindo-lhe] feições especiais e um carácter próprio e exclusivo que o recomendem e enobreçam” (Bocage 1862: 8). Note-se que o Regulamento do Museu Nacional de Lisboa, aprovado pelo Marquês de Loulé em 1862, apenas previa a “exploração zoológica regular do país” (Vasconcelos 1862: 6) e era omisso no que respeita à zoologia ultramarina. A aquisição de colecções coloniais para o museu inseria-se, assim, numa política de incorporação activa resultante da avaliação que Barbosa du Bocage fazia das colecções coloniais e da reflexão realizada sobre o papel a desempenhar pelos museus de história natural. A consonância encontrada entre as direcções dos museus de história natural metropolitanas e os governos do reino para que as províncias ultramarinas fornecessem, por obrigação legislativa, exemplares histórico-naturais para as colecções daquelas instituições museológicas, bem como espécies para os jardins botânicos e zoológicos, indicia a existência de uma política museológica colonial relacionada com as necessidades de estudo e investigação da história natural. Mas não era fácil alcançar resultados. Em 1865 Barbosa du Bocage dava conta, no seu «Relatório acerca da situação e necessidades da secção de zoologia» do Museu de Lisboa, do fracasso das diligências efectuadas anteriormente, apesar das colaborações prestadas ocasionalmente por alguns físicos-mores, cirurgiões, farmacêuticos e naturalistas amadores que se encontravam nas colónias portuguesas. O facto do Museu de Lisboa continuar deficitário em espécimes ultramarinos levou-o a solicitar ao então Ministro da Marinha e do Ultramar José da Silva Mendes Leal (1820-1886) que adoptasse medidas de modo a facilitar a aquisição de produtos zoológicos das colónias. O pedido de Barbosa du Bocage contou em Cabo Verde com a colaboração de Manuel Leyguarda Pimenta16, farmacêutico do quadro de saúde da Província, que por iniciativa própria enviou em 1864 para o Museu de Lisboa vários produtos e exemplares zoológicos entre os quais um esqualo, conhecido na ilha de São Vicente pelo nome de gata, do qual se extraia um óleo semelhante ao óleo de fígado de bacalhau. Além do interesse para a medicina Barbosa du Bocage chamou a atenção dos zoologistas para o espécime que apesar de não ser novo era 16 O seu nome completo era Manuel Joaquim Leyguarda de Villalva Yore Pimenta mas pediu para assinar como Manuel Leyguarda Pimenta. 6 desconhecido, como tinha sido demonstrado no estudo realizado no Museu por Félix de Brito Capelo. As amostras de óleo recebidas foram entregues ao Hospital de S. José para serem ensaiadas (Bocage 1865: 16-17). Dois anos depois Leyguarda Pimenta, “encarregado de coligir produtos de história natural para o Museu Nacional”17, era autorizado a deslocar-se à Guiné na companhia do Governador-geral José Guedes de Carvalho e Meneses da Costa (1864-1869) por ai se ter prontificado a fazer colecções de história natural para a instituição lisboeta (ACU.PO 1867: 15). Durante a sua estadia na Guiné visitou Bissau e Cacheu onde colectou peixes, répteis e aves que enviou vivos e em “despojos” para o Museu de Lisboa. Todavia os gastos efectuados foram abonados “pela verba de 270$000 reis do artigo 30º da tabela da despesa da Província” e os objectos coligidos “remetidos [por ordem de Sua Majestade] nos paquetes da carreira de África para o Museu de Lisboa” (ACU.PO 1867: 15). A utilização para outros fins da verba destinada à criação da biblioteca e museu em Cabo Verde resultava do facto de nada se ter feito e da insuficiência dos 1.100$000 reis da dotação do Museu de Lisboa para aquisição e conservação das colecções zoológicas. Para além das actividades referidas Leyguarda Pimenta desempenhou a função de observador chefe do Posto de Meteorologia existente na cidade da Praia. Nesta qualidade publicou em 1866, no Boletim Oficial, uma descrição da queda de um meteorito feita a partir da cidade da Praia. O relato da observação, registada às 16:50 da tarde, refere as condições meteorológicas e o conjunto de fenómenos associados como a explosão, o brilho da luz, a separação em dois fragmentos, uma coluna de fumo, o estrondo e um “estremecimento na terra”, correspondente, sabemos hoje, à propagação da onda de choque. Um conjunto de teorias explicativas, retiradas do Curso de meteorologia de Kaemtz, acompanhava a narração do avistamento18 como a hipótese atmosférica, que considerava os produtos ígneos produzidos pela atmosfera, ou à hipótese cósmica, sustentada por Halley, Wallis, Bergmann e outros, que diz serem os globos de fogo massas constituídas de pedra e de ferro em circulação no “espaço que a terra atrai para si”. O interesse científico pelos meteoritos resultava do facto de serem os únicos objectos provenientes do cosmos que podiam ser estudados pela geologia e pela química. O mencionado posto meteorológico, apesar de não fazer observações regulares, era o único nos territórios ultramarinos a ser referenciado no livro Curso de Meteorologia de Adriano Vidal, capitão de artilharia e lente substituto de Física Experimental e Matemática da Escola Politécnica de Lisboa, publicado em 1869. Note-se que a colecta de produtos histórico-naturais nas ilhas cabo-verdianas não era de agora. Desde a década de 1850 que as ilhas do arquipélago eram ponto de passagem e de destino para naturalistas nacionais e estrangeiros que, individualmente ou integrando expedições científicas, faziam colheitas de espécimes dos três reinos da natureza para as instituições museológicas europeias. Na maior parte dos casos as recolhas eram feitas, como refere Alberto Coutinho Saraiva (1961: 36), num só dia porque os naturalistas se encontravam em trânsito entre a Europa e as Américas e vice-versa, ou porque se dirigiam para sul e Cabo Verde era ponto de paragem para reabastecimento dos navios na ligação entre continentes 19. P. Barker Webb (1849-50), Johann Anton Schmidt (1851), Félix Capelo (1854), Johann Anton Schwidt (1854), John Gray e Hamlet Clark (Dezembro de 1856), Frederick Wollaston Hutton (Junho, 1857), A. Fray (Outubro, 1857), José de Anchieta (1857-1859), John Gray e Richard Thomaz Lowe (de 13 de Fevereiro a 2 de Abril de 1864), H. Dohrn (1865), T. Vernon Wollaston (1866) e A. H. R. Grisebach (1870) foram alguns dos naturalistas que colectaram no arquipélago exemplares botânicos e zoológicos (Saraiva 1961; Barbosa 1961: 81-86). Os espécimes enviados para os museus de história natural europeus foram posteriormente estudados, descritos, comparados e classificados, muitas vezes por serem espécimenes novos, contribuindo assim 17 Portaria nº 101 de 3/5/1866, BOGGPCV, nº 18. BOGGPCV, nº 25 de 23/6/1866. 19 O exemplo mais conhecido é a estadia de 23 dias do navio Beagle em que viajava Charles Darwin. 18 7 para o avanço das ciências naturais e para o mapeamento e distribuição das espécies na terra, incluindo a fauna e a flora cabo-verdiana. Noutras ocasiões os naturalistas obtinham facilidades para explorarem o arquipélago caboverdiano. Foi o caso de John Gray (1800-1875) 20 e Richard Lowe (1802-1872) em 1864. Nesta data foram dadas instruções às autoridades locais para prestar aos “dois sábios ingleses (…) todo o possível auxílio” e trata-los “convenientemente [facilitando-lhes] todas as comodidades e pesquiza a que não se oponha a lei”21. Como forma de agradecimento Lowe ofereceu ao Museu de Lisboa, segundo o seu director, uma “curiosa colecção de peixes” (Bocage 1865: 17). A estes colectores juntavam-se outros como o Cônsul de Inglaterra em Cabo Verde que recolheu e enviou para o Marques de Folin (Alexandre Guillaume Léopold, 1817-1896) um conjunto de crustáceos do arquipélago que, por terem ido parar às colecções do Museu de História Natural de Paris, Alphonse-Milne Edwards estudou e publicou em 186822. Desta forma as ilhas cabo-verdianas iam-se tornando conhecidas pelos naturalistas que as passavam a incluir nos seus roteiros e expedições científicas. Não obstante as referências na literatura científica nacional e internacional aos espécimes botânicos e zoológicos cabo-verdianos circulava nos meios locais a ideia de que o arquipélago ou, se quisermos algumas das suas ilhas, não tinham grande utilidade para a história natural. Francisco Frederico Hopffer (1828-1919), médico do quadro da Junta de Saúde da Província de Cabo Verde, escreveu nos seus Apontamentos para a topografia médica da ilha de Maio – coligidos no ano de 186923 que a flora era já conhecida e que a zoologia do país não tinha nenhum interesse científico no tocante a mamíferos, sendo a ornitologia, a herpetologia e a ictiologia “também de somenos importância”. Apenas “na divisão dos invertebrados, a malacologia e a entomologia oferecem exemplares que desafiam a curiosidade dos especialistas, assim como entre os crustáceos, batráquios, anelídeos e zoófitos” (Hopffer 1871: 6). Numa altura em que a “vulgarização científica”, entendida aqui como a utilização de uma linguagem, oral ou escrita, simplificada e acessível aos leigos (Vergara 2008: 325), encontrava nos periódicos um meio de difusão o Boletim Oficial de Cabo Verde publicava, no período aqui tratado, várias notícias sobre o êxito alcançado com a aclimatação de plantas, a criação de cochonilha ou novas descobertas científicas. Assim, era noticiado, em 1861, a plantação de 25.271 pés de café na Freguesia de Nossa Senhora da Ajuda, na ilha do Fogo24, como demonstrativa do grau de sucesso alcançado desde a sua introdução nos finais do século XVIII. Também nesta ilha, eram dados a conhecer os resultados conseguidos por Jerónimo do Sacramento Monteiro na criação de cochonilha, no sítio denominado Pico-Pires, para que “que todos os proprietários das ilhas de Cabo Verde”25 se dedicassem à criação deste insecto através da plantação de várias espécies de cactos, nomeadamente da figueira-da-índia, e tabaiba. Com este objectivo foi publicado o estudo feito por Bernardino António Gomes (1806-1877), a pedido do seu proprietário Teófilo José Dias, de uma porção de cochonilha colhida há alguns anos na ilha de S. Nicolau, e que “sendo bemcriada e convenientemente seca, se obteria igual, senão superior, à boa cochonilha da América; e que a de segunda qualidade, ou menos preparada, era mui pouco inferior em riqueza de prin- 20 John Edward Gray foi director (1840-1874) da secção de História Natural do British Museum. Foi-lhe negada a entrada na Sociedade Lineana de Londres por não usar a classificação de Lineu. Richard Thomas Lowe estabeleceu-se como clérigo na Ilha da Madeira em 1832. Dedicou-se ao estudo da fauna e da flora do arquipélago tendo publicado dois livros. 21 BOGGPCV, nº 10 de 19/3/1864. Voltaram a Cabo Verde em 1886, entre Janeiro e Fevereiro, com T. Vernon Wollaston. 22 “Observations sur la faune carcinologique des iles du Cap-vert”. Nouvelles Archives du Muséum d’Histoire Naturelle, 4, pp. 49-68. 23 O texto foi publicado ao longo de 1871, em vários números, no Boletim Oficial de Cabo Verde. 24 BOGGPCV, nº 7 de 16/2/1861. 25 Ibidem, nº 9 de 2/3/1861. 8 cípio corante à boa cochonilha do México”26. Com o objectivo de auxiliar os potenciais criadores daquele insecto foi igualmente publicado, em 1861, no Boletim Oficial o “Breve tratado sobre a criação da cochonilha” de Felipe Resinas27. O texto, datado de 13 de Janeiro de 1837, tinha sido escrito durante a permanência do autor como vice-cônsul nas ilhas Canárias, na época grande produtora de cochonilha. A vulgarização dos conhecimentos fazia-se, também, através da publicação de artigos sobre a “canna da china – chamada sorgho d’assucar” evidenciando que a farinha da sua semente podia misturar-se com a farinha no fabrico do pão28; ou a propósito da construção de poços artesianos com o intuito de fazer prosperar a agricultura no arquipélago29; ou dando conta dos resultados apresentados por Júlio Máximo de Oliveira Pimentel (1809-1884), em nome do Laboratório Químico da Escola Politécnica de Lisboa, da porção de sulfato de soda da ilha do Fogo enviada pelo Governador-geral “a fim de se conhecer se convirá tentar a sua laboração em grande escala nas fábricas de produtos químicos”30; ou, ainda, incentivando a plantação sistemática da purgueira por ser uma das maiores fontes de riqueza do arquipélago31. A circulação destas informações tinha, por um lado, a preocupação de estar ao alcance de todos por esta via conferir um efeito universal ao conhecimento (Vergara 2008: 326) e, por outro, o objectivo de divulgar saberes e técnicas, associados ao conhecimento científico, a fim de incentivar a aclimatação de novas espécies, tornar mais produtiva a agricultura ou rentabilizar as actividades industriais. Os principais destinatários destas informações eram, em primeiro lugar, os proprietários das terras e os industriais e, em segundo lugar, os funcionários da administração. A melhoria da indústria e da agro-pecuária fazia-se também com experiências locais realizadas por pessoal contratado para o efeito. Em 1865 o contrato com o veterinário lavrador Francisco Augusto Pereira Alves era prolongado para que propusesse as medidas julgadas necessárias ao desenvolvimento da agricultura e aperfeiçoamento das “raças dos animais domésticos32, feita na época através do cruzamento de raças. Entretanto a participação de Portugal nas Exposições Universais e Internacionais abria caminho à presença dos produtos coloniais naqueles certames. Com excepção da exposição londrina de 1851, em que não foi possível a participação das províncias ultramarinas, devido ao curto prazo de dois meses disponibilizado pela comissão portuguesa para os expositores habilitarem os seus artigos a um lugar. E da Exposição Universal de Paris de 1855, na qual a representação colonial portuguesa se restringiu à proposta da Comissão Central Portuguesa, sem a presença de expositores particulares. Os certames seguintes contaram com o envolvimento directo das administrações coloniais, que rapidamente perceberam a importância da participação naqueles eventos, apesar do retorno ser diminuto. Assim, entre 1862 e 1876 os expositores e produtos cabo-verdianos foram uma presença regular nas exposições universais e internacionais, muito devido ao empenho dos governadores-gerais que tudo fizeram para interessar e motivar os expositores particulares. O interesse museológico e científico dos países europeus, nomeadamente a Inglaterra e a França, pelas colecções de produtos coloniais presentes 26 BOGGPCV, nº 9 de 2/3/1861. Ibidem., nº 11 de 16/3/1861. 28 Ibidem, nº 46 de 8/4/1859. 29 Ibidem., nº 57 de 15/9/1859. 30 Portaria nº 216 de 27/12/1859, BOGGPCV, nº 61. A informação sobre a qualidade do produto refere que se podia “empregar imediatamente e sem prévia purificação” no fabrico da soda e que em Portugal as fábricas de produtos químicos poderiam dar 200 réis por arroba, havendo lugar ao consumo de “muitos milhares de arrobas”. Júlio Pimentel, 2º Visconde da Vila Maior, foi director do Instituto Agrícola, lente de química na Escola Politécnica de Lisboa e no Instituto Industrial e Reitor da Universidade de Coimbra. Entre 1840 e 1846 esteve em Paris para aprofundar os seus conhecimentos de química. 31 Circular nº 742 de 8/12/1860, BOGGPCV, nº 81; Portaria nº 190 de 29/11/1862, BOGGPCV, nº 9; Portaria nº 114 de 22/5/1869, BOGGPCV, nº 21. Sobre a introdução e importância da purgueira em Cabo Verde veja-se Carreira (1982) e Filho (1995). 32 Portaria n.º 139 de 26/8/1865, BOGGPCV, nº 34. 27 9 nos certames levou-os, muitas vezes a solicitar a sua cedência. Serve de exemplo o pedido da França a Portugal de alguns dos produtos presentes na Exposição de 1855, para poder formar um museu de história natural aplicado e comparado (Ávila 1857: 356). Com o intuito de “promover a participação dos industriais, sobretudo agrícolas” 33 na Exposição Universal de Londres de 1862, foram criadas comissões em todas as ilhas do arquipélago, em ligação com a comissão principal sediada na Cidade da Praia, que por sua vez garantiria a ligação com a comissão metropolitana nomeada para o evento. Por norma esta enviava as instruções necessárias, o regulamento geral, o sistema de classificação adoptado e, por vezes, a lista dos produtos coloniais a enviar a concurso. Os artigos deviam chegar à Comissão Central em quantidade suficiente e acompanhados das informações necessárias para o preenchimento dos catálogos. A criação das comissões locais justificava-se pelo conhecimento que tinham da realidade e pela proximidade aos industriais e comerciantes chamados a participar “com todo e qualquer produto que possa dar logar a permutações” ou ser uma “valiosa fonte de commercio”34. Para além dos aspectos económicos subjacentes ao discurso oficial é necessário ter presente que as comissões e os expositores tinham que reunir, classificar e sistematizar as informações recolhidas sobre os produtos destinadas à edição dos catálogos. Eram mencionadas a localidade e custos da produção, natureza dos terrenos, extensão e quantidade produzida anualmente, as causas que atrasavam ou promoviam as culturas, número de trabalhadores e respectivos salários, o nome vulgar e científico, “quando o produtor ou as comissões os saibam”35. O pedido de conversão “das unidades das quantidades” no sistema métrico decimal a que os expositores estavam obrigados resultava da necessidade de integração no novo modelo de medições adoptado internacionalmente. A aceitação daqueles valores permitia ao Estado caminhar no sentido da uniformização dos pesos e medidas que facilitariam o controlo fiscal e davam do país uma imagem de modernidade necessária à participação nos mercados internacionais (Nunes e Guelha 2004). Os produtos expedidos pelas colónias eram objecto de uma selecção prévia, através de uma exposição colonial em Lisboa, destinada a excluir os artigos repetidos ou com defeitos ou enviados em pequena quantidade. Nesta altura e também após o fim dos eventos universais os produtos coloniais podiam ser adquiridos pelos dos museus e estabelecimentos de ensino. Muitos dos exemplares enviados para as exposições universais acabavam por ir parar aos acervos dos museus e gabinetes de história natural e aos museus coloniais, por indicação regulamentar ou por vontade expressa dos expositores que não viam interesse na sua devolução. Esta era mais uma forma de abastecer com colecções de produtos naturais e testemunhos da cultura material as instituições museológicas e de ensino nacionais e internacionais. No certame londrino, que decorreu entre 1 de Maio e 1 de Novembro de 1862, estiveram representadas as ilhas de Santiago, Fogo, Boavista e Sal através de dezasseis expositores particulares e uma representação oficial36 com o que de melhor tinham: amostra de sementes (tamarindos, rícino, palma-crísti e purgueira), algodão (branco e amarelo com e sem semente), açúcar, café (com casca e limpo), urzela, estrela, suma-huma, arroz em casca, folhas de senne, lã de bombardeira, farinha de mandioca, aguardente-de-cana, anil, coral, sal natural, produtos vulcânicos, cal, areia fina e branca para fabrico de vidros, sacos de cinza extraídos dos vegetais que continham sal alcalino próprio para potassa, panos (chamado de obra) feito de algodão e dois panos de tecido com retros de cores “à moda do país” (ACU. PNO 1868: 9-12). A qualidade dos produtos a concurso foi reconhecida pelos juízes que premiaram com medalhas Manuel dos Reis Borges pelo café produzido nas fazendas da Boa-Entrada e Serrado em Santiago, o Capitão dos Portos de Cabo Verde Rodrigo de Sá Nogueira pelo algodão com caroço, produzido 33 Portaria nº 167-A, Suplemento ao nº 24 do BOGGPCV de 18/6/1861. Portaria nº 167-A, Suplemento ao nº 24 do BOGGPCV de 18/6/1861. 35 Ibidem. Ibidem 36 BOGGPCV, nº 29 de 20/7/1861 “Acta da sessão da comissão principal (…) ”,. 34 10 na mesma ilha e Porfírio António Oliveira pelo algodão criado na Boa Vista. Com uma menção honrosa foram premiados Gregório da Cruz Lima pelos sacos de sementes de palma-crísti que enviou desta última ilha37. A propósito da exposição londrina o Conselho da Faculdade de Filosofia de Coimbra requereu ao governo, em Fevereiro de 1862, a criação, em nome dos interesses do ensino e do mais precioso ramo da instrução pública, de uma comissão própria com o objectivo de visitar e estudar a Exposição Universal de Londres ou, em alternativa, a inclusão de um ou mais vogais na comissão a criar. A pretensão era considerada justa porque as exposições eram “verdadeiras escolas práticas, onde se ostentavam preciosas colecções de produtos, tanto artísticos como científicos de todos os povos” (Carvalho 1872: 64) e uma excelente ocasião “para que um vogal da Faculdade de Filosofia fosse estudar na exposição de Londres as colecções de produtos dos três reinos da natureza [e uma oportunidade] para adquirir instrumentos, aparelhos e modelos de máquinas” (Carvalho 1872: 65) indispensáveis para o ensino. O facto de as comissões não incluírem representantes da academia coimbrã38 era, segundo Joaquim de Carvalho, uma afronta do governo aos direitos da Universidade e uma falta de consideração pela Faculdade que perdia assim uma oportunidade de enriquecer os seus estabelecimentos científicos. Subjacente a esta arguição encontra-se um sentimento de injustiça e alguma rivalidade em relação aos estabelecimentos de ensino da capital que foram incluídos nas comissões enviadas a Londres e que puderam adquirir “pelas viagens dos seus professores, (…) preciosas colecções de produtos, principalmente de zoologia” (Carvalho 1872: 65). Será, igualmente, de crer que o pedido e insistência de Barbosa du Bocage em 1862, junto do Ministério do Ultramar para envolver as administrações coloniais e os particulares na recolha e envio de exemplares zoológicos para o Museu de Lisboa tenha sido influenciada pela amostra realizada em Lisboa para seleccionar os produtos coloniais destinados ao certame londrino e pela forma como as províncias ultramarinas se envolveram e participaram no evento. Anos depois o arquipélago cabo-verdiano repetia a presença na Exposição Internacional do Porto, realizada em 1865. Era a primeira vez que uma exposição do género se realizava em Portugal e contou com 3.139 expositores em representação de catorze Nações, dos quais 1.614 eram portugueses e 741 das colónias 39. Organizada à semelhança da Exposição de Londres de 1851 não contou no entanto com grande envolvimento da Coroa que evitou uma ligação oficial ao certame. O seu impacto foi mais de âmbito comercial do que industrial (Pimentel 2005: 56). Note-se que não eram tempos fáceis para Cabo Verde que atravessava uma crise geral marcada por secas, fomes e uma alta de mortalidade (Amaral 1964). Às dificuldades existentes juntou-se o atraso na recepção das Instruções que por engano foram na mala destinada a Angola. A solução encontrada foi a constituição de uma comissão central alargada, composta por 13 membros, presidida por Rodrigo de Sá Nogueira e secretariada por Manuel Leyguarda Pimenta, que enviou um ofício circular a todos os administradores de concelho para coligirem matérias-primas e suas transformações imediatas, máquinas, produtos manufacturados (algodão, linho, cânhamo, seda, lã, tapetes, etc.) e processos correlativos e belas-artes. Estas eram as quatro grandes divisões que reuniam as quarenta e cinco classes de artigos e produtos admissíveis ao certame. Além dos obstáculos referidos acrescem, igualmente, outros relacionados com as deficientes ligações entre ilhas e sobre quem pagaria as despesas de embalagem e de transporte. Mesmo assim, participaram no evento as ilhas de Santiago, do Sal, da Boavista, da Brava e do Maio, bem como Cacheu e Bissau da Guiné, com treze expositores particulares e dez oficiais (Catalo37 Portaria nº 114 de 26/5/1866, BOGGPCV, nº 21. O mesmo aconteceu na Exposição de Paris em 1867. 39 Os restantes expositores foram 499 da França, 165 da Alemanha, 107 do reino Unido, 89 da Bélgica, 62 do Brasil, 24 da Espanha, 1 da Holanda, 5 da Suíça, 16 da Dinamarca, 2 russos, 1 turco, 1 do Japão e 1 dos Estados Unidos da América. 38 11 go Oficial 1865: 13-17). Destino diferente tiveram os produtos naturais entregues por Marcelino Freire de Andrade fora do prazo estabelecido e que por isso não puderam ser despachados a tempo de figurarem na Exposição do Porto. A comissão central propôs, em função do valor científico que possuíam, o seu envio para o Museu de Lisboa40. A opção surge como natural se considerarmos que o museu cabo-verdiano ainda não tinha saído do papel. Aliás, terminada a exposição os produtos com interesse para a indústria ou susceptíveis de servirem ao desenvolvimento do arquipélago, como os minerais, foram entregues ao Museu de Lisboa para serem analisados e estudados nos laboratórios da Escola Politécnica. Mais uma vez a qualidade dos artigos presente na Exposição Internacional do Porto foi reconhecida e premiada com uma medalha de 1ª classe, atribuída à Comissão da Província da Boavista pela colecção de produtos, e outra de 2ª classe pelos tecidos de algodão, de lã e óleos de Pedro Pinto de Almeida. As cinco menções honoríficas foram atribuídas à qualidade dos óleos e algodões levados ao certame por Manuel dos Reis Borges, Porfírio António de Oliveira, Francisco Maria de Paula Serpa, Pedro António Fortes e João Zacarias Rodrigues (ACU.PNO 1868: 62). Desta vez os galardões reconheciam também a indústria transformadora ao premiar os óleos produzidos em Cabo Verde. A 13 de Junho de 1866 foi organizada na cidade da Praia uma cerimónia pública, com direito a feriado, para se proceder à entrega dos prémios alcançados pelos participantes nas Exposições de 1862 e 1865. O Governador-geral, membros do conselho do governo e autoridades participaram no evento deslocando-se a pé do quartel-general para os Paços do Concelho onde eram esperados por uma guarda de honra. Presentes na sala das sessões encontravam-se populares, comerciantes e funcionários públicos que ouviram da boca do Governador-geral um rasgado elogio à participação de Cabo Verde nos referidos eventos. Nomeadamente na exposição portuense onde ocuparam, segundo o Governador-geral, “um lugar distinto, mesmo superior ao de algumas das nossas províncias ultramarinas” 41 superiores em tamanho e riquezas. Rodrigo Sá Nogueira, António Ferreira Borges e Manuel Leyguarda Pimenta, “jovem inteligente, votado ao estudo e ao trabalho” a cargo do qual esteve a correspondência, coordenação e confecção do respectivo relatório, foram também enaltecidos pelo trabalho desenvolvido, que realizaram sem descurarem o dever dos cargos. Por fim o governador-geral referiu-se ao relatório da comissão científica que avaliou a exposição para realçar a “magnífica colecção de matériasprimas e produtos manufacturados, muito bem coordenadas e magnificamente expostos”42 das províncias ultramarinas, onde se incluíam naturalmente os produtos cabo-verdianos. Vivas e palmas fecharam a cerimónia que serviu para tornar visível e perpetuar os êxitos alcançados e mostrar aos habitantes de Cabo Verde o apreço com que eram tidas, por nacionais e estrangeiros, as produções naturais da Província. Em 1867 Cabo Verde voltou a estar presente na Exposição Universal de Paris, replicando o modelo organizativo e logístico seguido para a exposição portuense de 1865. A comissão central, composta agora por 16 elementos, tinha como presidente o então governador-geral Meneses da Costa, dois vice-presidentes Sá Nogueira, Capitão dos Portos, e Agostinho José Ramos de Carvalho, físico-mor, dois secretários José Martins Vera Cruz, facultativo da Comissão da Província, e, mais uma vez, o farmacêutico Leyguarda Pimenta. As autoridades, administradores e funcionários ficavam encarregues de constituírem comissões locais em cada ilha. A escolha das individualidades para as comissões, central e locais, voltou a recair sobre aqueles que dominavam o aparelho produtivo e comercial ou eram possuidores de estudos superiores como os funcionários do quadro de saúde. Apesar das dificuldades resultantes da crise económica a comissão revelou-se eficaz porque foi possível reforçar o número de participações a enviar ao certame parisiense. Estiveram presentes no Pavilhão de Portugal, no Champ de Mars em Paris, vinte e dois expositores particulares e onze representações oficiais em nome da 40 BOGGPCV, nº 29 de 30/9/1865. “Relatório apresentado à Comissão encarregue da Exposição”. Ibidem, de 16/6/1866, Suplemento ao n.º 24 [Relato da cerimonia] 42 BOGGPCV, de 16/6/1866, Suplemento ao n.º 24 [Relato da cerimonia]. 41 12 Comissão Provincial e do Conselho Ultramarino oriundos de todas as ilhas cabo-verdianas e de Bissau e Cacheu na Guiné (Catalogue spécial 1867). Note-se que a mostra dos produtos coloniais apresentada por Portugal no certame foi largamente apreciada quer pela variedade quer pela quantidade (Souto 2011: 113). Entre os artigos expostos por Cabo Verde encontravam-se: rapé, tabaco da Virgínia, carapaças e barbatanas de tartaruga, óleo de baleia, bolsas e pulseiras de sementes43, chapéus de palha e uma colecção de armas produzidas pelos nativos, para além dos vários produtos vulcânicos. É de destacar a forte presença da panaria cabo-verdiana e guineense representada por sete expositores oriundos das ilhas de São Nicolau, Santo Antão, São Vicente, Brava e de Bissau, Guiné com grande variedade de panos, mantas e colchas feitas de algodão, lã e seda, bem como um saiote bordado e camisas de crochet (Catalogue spécial 1867: 413-417). Ao contrário do que tinha acontecido nas participações anteriores verificava-se agora uma maior presença dos produtos manufacturados em detrimento das matérias-primas. Esperava-se que a divulgação dos produtos da província cabo-verdiana se traduzisse no aumento do seu consumo internacional e os prémios alcançados individualmente pelos produtores abrissem portas para novas transacções comerciais. Parte dos artigos presentes na exposição parisiense, como foi já referido anteriormente, integraram o núcleo inicial do Museu Colonial (Pereira 2005: 82). Contudo a dinâmica criada em torno das exposições universais e internacionais não foi aproveitada para dinamizar a implementação do museu cabo-verdiano. É evidente a viragem para o continente europeu dos reinóis e da burguesia letrada, para quem era mais prestigiante integrar uma rede internacional de troca epistolar de informações científicas e produtos históriconaturais do que participar na criação de um museu local. A Europa e cada vez mais as Américas eram, para todos os efeitos, o espaço onde as ciências naturais se efectivavam nos laboratórios e nos museus de história natural, transformados em «catedrais da ciência» que expunham à curiosidade e ao interesse científico a variedade e a diversidade existente nos três reinos da natureza (Lopéz-Ocón Cabrera 1999). A efectivação efémera de um museu nacional Em Janeiro de 1871 o Governador-geral, Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque (18691870-1876) recém-regressado às suas funções, nomeou uma “comissão directora da biblioteca e museu nacionais”44 para finalmente dar aplicação à verba de 270$000 reis inscrita no orçamento da Província. A comissão, constituída por João Cesário de Lacerda (1841-1903), secretário-geral que presidia, Alfredo Trony (1845-1904) e Francisco Frederico Hopffer (1828-1919), foi de imediato encarregue de elaborar um regulamento. Aprovado em Março daquele ano o Regulamento definia a missão, a organização e funcionamento da Biblioteca e Museu Nacionais na Província de Cabo Verde45. A biblioteca destinava-se a complementar a acção da escola e a promover a cultura geral por via do acesso ao livro e à leitura. O papel educativo da instituição, surgido com o liberalismo, era reforçado pela realização de palestras e leituras públicas sobre assuntos científicos e literários. O museu destinavase à formação prática através da constituição de colecções de produtos histórico-naturais que serviriam de exemplares de estudo. As duas instituições estavam abertas todos os dias das 7 às 10 horas da manhã e das 17 às 22 horas da noite. O horário nocturno a par do empréstimo de livros gratuito e domiciliário destinava-se a facilitar o acesso das mulheres à leitura. A atribuição da denominação “nacional” à instituição pretendia deixar claro que a nova entidade, ainda que sediada em Santiago, se destinava a ser expressão de todo o arquipélago e não de uma ilha em particular46 e assim poder colher o contributo de todos. A administração 43 Segundo uma nota no Catalogue spécial de la section portugaise, “(…) ces objets sont très-recherchés par les étrangers qui relâchent à Saint-Vicente” (1867: 416). 44 Portaria nº 15 de 14/1/1871, BOGGPCV, n.º 2. 45 Portaria n.º 80 de 11/3/1971, BOGGPCV, nº 10. 46 A mesma qualificação havia sido adoptada para o liceu criado em 1861 na cidade da Praia para servir os estudantes do arquipélago. Salvaguardadas as devidas distâncias e tendo como certo as diferenças 13 dos concelhos e as juntas de saúde pública do arquipélago ficavam obrigadas, através dos seus representantes e delegados, à colheita e remessa para o museu sediado na cidade da Praia de produtos histórico-naturais, de artefactos das indústrias locais, bem como de amostras que servissem para a indústria e para o comércio. O envolvimento da máquina administrativa do arquipélago surgia como natural ao decalcar a prática utilizada pela Metrópole para “abastecer” com exemplares das colónias os museus e os jardins botânicos localizados em Portugal. Esta proximidade de métodos é igualmente extensiva à utilização do museu cabo-verdiano como instrumento da ciência e promotor do desenvolvimento agrícola e industrial da província. A ideia de que os museus de história natural poderiam servir para o progresso científico e económico tinha começado a ganhar forma nos meios académicos e administrativos metropolitanos em finais de setecentos (Brigola 2003: 222-226) e conhecido vários desenvolvimentos ao longo de oitocentos. Rocha Peixoto, por exemplo, propunha em 1890 que os museus regionais em Portugal apresentassem produtos naturais das regiões e respectivas informações sobre a sua utilidade, valor e exploração industrial para que contribuíssem desta forma para o progresso das regiões (Gouveia 1985: 156-157). O apelo feito, no documento fundador do museu cabo-verdiano, para que as “pessoas que tomem interesse pela vulgarização dos conhecimentos úteis”47 participassem com subscrições mensais e donativos tinha como finalidade envolver, diríamos hoje, a sociedade civil insular. O seu empenho seria reconhecido “como serviço distinto em prol do progresso da província” 48. A resposta alcançada reflectiu-se apenas na oferta e depósito de livros para a biblioteca porque em 1875 Eduardo Pinto Balsemão, presidente da comissão directora, queixava-se da pobreza do museu e da verba de 270$000 reis já não chegar para o cumprimento dos objectivos da biblioteca49, dando a entender que aquela quantia era o único meio de financiamento das actividades da biblioteca e museu. Competia à comissão directora a responsabilidade da administração geral e financeira da instituição, bem como redigir o regimento interno, definir a política de incorporação da biblioteca e do museu, fazer os respectivos catálogos e escolher e nomear um empregado para cuidar da guarda e conservação da biblioteca e do museu. A escolha deveria recair sobre um indivíduo de conduta e honestidade abonadas e possuir aptidão para o desempenho do cargo, pelo qual receberia semanalmente da comissão o salário de 400 reis diários. O encarregado da biblioteca e do museu tinha por obrigação a conservação dos livros, periódicos e colecções, abrir as portas ao público, facultar a leitura e mostrar os objectos expostos, bem como cumprir e fazer cumprir o regimento interno. A comissão responderia anualmente perante a Junta da Fazenda pelos gastos efectuados. A instalação da biblioteca e museu, tidas como “eminentemente civilizadoras”50, em espaço próprio não se mostrou fácil por serem poucos os edifícios de “pedra e cal” existentes na cidade da Praia (Amaral 1964: 206) e o governo-geral não dispor de um imóvel apropriado. A solução encontrada foi a de aloja-los numa sala do quartel-general de forma a garantir a sua abertura ao público a 8 de Abril de 1871. Contudo um ano depois da inauguração as duas instituições mudavam-se para a sede do extinto Gabinete de Leitura (Figueiredo 1951: 19), que o governo-geral tinha alugado para o efeito. Em 1874 as instalações encontravam-se deterioradas e eram insuficientes face ao crescimento do fundo bibliográfico. Mas não eram estas as únicas dificuldades. A encadernação dos livros, “não só para melhor se conservarem, mas tamtemporais e conceptuais, veja-se o que Lopes Filho escreveu (1985: 112-113) sobre a criação do “Museu de Cabo Verde” “ (…) tal organismo poderia dar-nos uma perspicaz “visão de conjunto” das variadas manifestações culturais”, procurando deste modo vencer a insularidade inerente ao território. 47 Regulamento … BOGGPCV, nº 10 de 11/3/1871 48 Ibidem. Ibidem. 49 Os gastos anuais eram de 230$260 reis distribuídos pelos salários do pessoal (bibliotecário e encarregado da limpeza), luzes, água, correio, assinaturas de publicações estrangeiras e “outras miudezas” pelo que restam apenas 39$740 reis destinados a livros. 50 BOGGPCV, n.º 43 de 23/10/1875, p. 262. 14 bém para melhor adornarem as estantes da biblioteca”51, tinha que ser mandada fazer em Lisboa por falta de artesãos em Cabo Verde. No século XIX os livros eram vendidos em brochura, com as capas em papel, sendo a sua arrumação em pé mais difícil por se dobrarem com facilidade. Por isso a encadernação não só tornava mais fácil a sua arrumação e conservação como visualmente as encadernações, com os seus ferros e dourados eram esteticamente mais agradáveis à vista. Apesar do Regulamento contemplar a autonomia da biblioteca e do museu na prática não foi o que aconteceu. A gestão comum das duas entidades aliada à partilha do espaço e à escolha de um bibliotecário como encarregado da guarda e conservação dos acervos acabou por ditar a prevalência da biblioteca52. Esta contou com uma política activa de incorporações levada a cabo pela comissão através de aquisições, captação de ofertas e depósitos de livros tendo, inclusive, recebido o espólio pertencente ao Gabinete de Leitura na sequência da sua extinção. Entre os doadores da década de setenta contam-se Sá da Bandeira, Sousa Holstein, Sá Nogueira, a duquesa de Palmela, Rocha Peixoto, Cesar Machado, Félix Pereira, Francisco Hopffer e Gromicho Couceiro. O inventário mandado fazer em 1875 pelo presidente da comissão, Eduardo Pinto Balsemão, contabilizou 1493 livros, 453 folhetos, vários manuscritos e cartas geográficas. António Rogério Gromicho Couceiro, nomeado bibliotecário nesta data, em substituição de Gaudêncio da Silva Gonçalves, teve que trabalhar durante “15 noites das 7 às 10 horas” para fazer o balanço das existências. Os números apresentados estavam muito acima dos 400 referenciados à data da inauguração da biblioteca53, tendo sido necessária a aquisição, por 90$000 reis, de mais 4 estantes e um armário. A formação, organização e conteúdo da biblioteca cabo-verdiana não difere do modelo seguido por outras bibliotecas colónias (Silva 1999; Nunes 2010: 299-300) mas inovadora no que respeita à política de incorporação. Serve de exemplo a Relação dos livros que actualmente possuem e constituem a Biblioteca Pública da cidade da Praia da Província de Cabo Verde, mandada imprimir em 1874 em Lisboa, para ser distribuída pelos autores e potenciais doadores metropolitanos, evitando com isso a duplicação dos livros oferecidos. Por outro lado a actualidade e diversidade das obras adquiridas em português e francês e as sucessivas campanhas para alcançar doações tornavam acessível um vasto conjunto de livros e periódicos que permitiam servir a comunidade letrada de Santiago, o conhecimento técnico-científico e o ensino. A preocupação demonstrada encontra-se em linha com uma nova atitude, surgida com o liberalismo oitocentista, relativamente à leitura pública que passa a ser entendida como um complemento ao sistema de instrução pública (Ventura 2002: 58-60). Entre os exemplares que podiam ser encontrados na Biblioteca contam-se: a Sétima parte das comédias de Pedro Calderon de la Barca, as Fábulas de Lessing (traduzidas do alemão por João Félix Pereira, Lisboa,1853), Contos ao luar de Júlio Cesar Machado (Lisboa, 1861), La divine comédie de Dante Alighieri, Les aventures de Télémaque de Fénelon, Le Faust de Goethe e L’Ingénieu Hidalgo D. Quichot de la Manche (2 vol.s) de Miguel Cervantes de Saavedra na literatura ou O compêndio de Botânica de A.A. da Fonseca Benevides, La terre avant de Déluge de Louis Figuier (Paris, 1863) e Introdução à História Natural de João Félix Pereira (Lisboa, 1864), Discurso sobre as revoluções da superfície do globo de George Cuvier, Les parcs et jardins de Andre Lefevre, a Historia natural da urzela de Félix d’Avelar Brotero, os cursos elementares de zoologia, botânica e mineralogia de Edwards Alphonse-Milne na ciência ou Les dix livres d’architecture de Vitrúvio ou, ainda The history of England from the invasion of Julius Caesar to abdication of James the second, 1688 (6 vol.) de David Hume. As obras mais requisitadas pelos 1133 leitores, que no período de Abril a Setembro de 1876 visitaram a biblioteca, pertenciam à 51 BOGGPCV, n.º 43 de 23/10/1875, p. 262. Guilherme da Cunha Dantas (1849-1888) foi o primeiro bibliotecário nomeado pela Comissão. 53 BOGGPCV, nº 43de 23/10/1875, [Relatório…]. Sobre a história da biblioteca pública de Cabo Verde veja-se Jaime de Figueiredo, 1951. 52 15 literatura seguindo-se a história e depois as ciências54. A biblioteca assumia assim um papel importante na autoformação das elites da cidade da Praia, cuja educação de base era de matriz humanística em virtude do modelo de ensino adoptado no arquipélago. No ano seguinte à inauguração da biblioteca e do museu foi publicado o Regulamento para a Escola Principal da Província de Cabo Verde55 que previa no capítulo X «dos estabelecimentos auxiliares do ensino» a criação de uma biblioteca, um gabinete de física, uma colecção de objectos de história natural e instrumentos de planimetria. Todavia, aquele pequeno museu de história natural destinado a satisfazer tanto quanto possível as necessidades do ensino, como era referido no art.º 63, só teria existência quando fosse reconhecida a sua falta. Cabia aos professores que leccionavam a história natural a conservação da colecção e do Gabinete de Física, tendo como auxiliar um guarda nomeado pelo Governador-geral. Quanto ao museu o processo decorreu de forma diferente. Devido à falta de colecções histórico-naturais a exposição inicial era constituída por duas espingardas, uma bolsa com munições de guerra e objectos abandonados pelos gentios quando das operações levadas a cabo na Guiné pelo batalhão expedicionário de Cabo Verde (Figueiredo 1951: 13). A exibição deste conjunto de objectos, aos quais era atribuído um valor simbólico, deslocava a intervenção do museu do campo da história natural para a glorificação dos feitos de guerra relacionados com a história pátria56. Não é de crer que esta alteração de conteúdos resultasse de uma opção intencional mas sim da referida inexistência de produtos ilustrativos da missão do museu. Contudo a opção não era de todo inocente porque permitia instrumentalizar o património museológico colocando-o ao serviço da ideologia colonial (Alves 1998: 166) e do país (Boswell e Evans 1999; Leniaud 2002: 145). Pouco depois da abertura ao público António Ferreira Borges, farmacêutico do quadro de saúde, oferecia ao museu um conjunto de “produtos histórico-naturais importantes”57. No mesmo ano em que o museu abriu portas o governador-geral solicitava à Secretaria de Estado do Ultramar a remessa de urtigas, sementes de giesteira e dos pinheiros do sul da Europa por considerar que era de tentar a sua aclimatação no arquipélago58. A desarborização das ilhas, resultante do abate intensivo das árvores para a energia doméstica, constituía uma preocupação geral da administração colonial que tentava colmatar a situação com a introdução de plantas capazes de resistir ao clima e simultaneamente repor a cobertura vegetal do solo. Passado quatro anos o museu pouco ou nada tinha progredido. Para contornar esta situação Eduardo Pinto Balsemão propôs, em Outubro de 1875, que fosse solicitado às autoridades da Guiné exemplares histórico-naturais e se mandasse averiguar quanto custavam as “colecções próprias para museu, que se obtinham facilmente por compra”59 no Senegal. Por esta via procurava-se dotar o museu com colecções, ainda que provenientes de fora do arquipélago. A concretizar-se esta situação a missão original do museu, centrada na história natural, ficava comprometida para dar lugar a um museu de cariz etnográfico representativo da cultura material do continente africano e não do arquipélago cabo-verdiano. Mesmo que a resposta tardasse não era preocupante porque, segundo o presidente da comissão, seria “materialmente impossível colocar, ainda mesmo que tumultuariamente, qualquer colecção por pequena que fosse”60 no espaço disponível na sala. A existência, na centúria de oitocentos, de um comércio de objectos museológicos entre África e a Europa é uma realidade aferida pelas pautas alfandegárias e pelas informações retiradas 54 BOGGPCV, n.º 29 de 15/7/1876 e nº 44 de 8/10/1876. Ibidem, nº 37 de 14/9/1872 56 Trata-se das campanhas efectuadas contra os povos papéis que habitavam a região de Cacanda, na Guiné, e que se tinham revoltado contra a presença portuguesa na região. 57 Portaria nº 164 de 13/5/1871, BOGGPCV, nº 19. 58 AHU_SEMU_DGU, Cx. 102 59 BOGGPCV, nº 43 de 23/10/1875, p. 262-263 60 BOGGPCV, nº 43 de 23/10/1875, p. 262-263. 55 16 das descrições de viagens. Francisco Valdez anotou a propósito do Senegal, no seu livro a África Occidental (1864: 283), que em França o Ministério da Marinha possuía uma exposição colonial permanente onde se viam belos “anéis, braceletes ou manilhas e colares, obra de mouros e dos negros do país”, feitas em ouro das minas de Bondu e Bambuk, mandadas explorar pelo governo francês, e da lavagem das areias de Faleimie61. Também se encontravam expostas amostras “de uma qualidade de café a que dão o nome de Rio Nuno”, cujo aroma era delicadíssimo e que se colhia na vertente das montanhas de Fouta Djallon62. Será pois de crer que Pinto Balsemão se referisse aos objectos feitos em ouro que eram comercializados pelos povos da região. Entretanto tinham começado a chegar ao museu doações que, apesar das dificuldades de espaço, a comissão aceitava. A oferta, em Novembro de 1875, do bacharel Jorge José Rodrigues de vários exemplares colhidos na parte setentrional da ilha de Santiago foi recompensada com um louvor mandado publicar no Boletim Oficial pelo presidente da comissão63. Nele era expresso o desejo de que outros cidadãos, dando largas ao seu patriotismo, seguissem o exemplo de José Rodrigues. A semelhança do que se fazia para a biblioteca procurava-se desenvolver uma política de incorporações em benefício do museu. Os donativos dariam à instituição a opulência necessária para mostrar a sua “utilidade para a ciência, para a história colonial e, por ventura, para o desenvolvimento mercantil da província inteira”64. Na sequência daquele apelo António Mendes e Bernardo Pereira de Sá Nogueira ofereceram, respectivamente, em Janeiro e Maio de 1876, “dous dentes de cavallo marinho”65 e “um produto zoológico”66. As ofertas expostas nos armários do museu foram vistas pelos cento e cinquenta e seis visitantes que entre Abril e Setembro desse ano frequentaram o museu 67. A quebra verificada no número de visitantes a partir de Julho teve como justificação a vaga de calor que nessa altura assolou a cidade da Praia. Entretanto a alteração na composição da comissão trouxe novos desenvolvimentos ao museu. A noção da sua importância como instituição científica e de apoio ao progresso do arquipélago levou o novo presidente Eduardo Abranches Ferreira da Cunha a enviar, em Junho de 1876, uma circular68 a todos os administradores de concelho e delegados da Junta de Saúde Pública do arquipélago solicitando, ao abrigo do art.º 4 do Regulamento, a colheita e remessa dos produtos e amostras a que estavam obrigados69. Face à ausência de respostas o Presidente voltou a chamar novamente a atenção em Setembro para a circular publicada no Boletim Oficial e para as obrigações constantes no Regulamento do Museu70. A tentativa de aumentar as incorporações deve ser visto, por um lado, como forma de dotar o museu com colecções locais e assim ganhar dimensão suficiente para reivindicar um espaço próprio e diferenciado da biblioteca e, por outro, como meio para estancar a saída de espécimes e produtos da história natural de Cabo Verde na direcção da Metrópole e da Europa. As tentativas para criar uma dinâmica em torno do museu enfrentavam um movimento de sentido contrário porque os funcionários coloniais e a burguesia letrada cabo-verdiana preferiam colaborar com as instituições museológicas e científicas metropolitanas, por ser mais prestigiante participarem em redes nacionais e internacionais de circulação do conhecimento 61 Afluente do rio senegal Actualmente pertencem à Guiné-Conacri. 63 BOGGPCV, nº 49 de 20/11/1875, p. 290 64 BOGGPCV, nº 49 de 20/11/1875, p. 290. 65 Ibidem, nº 3 de 15/1/1876 66 Ibidem, nº 27 de 1/6/1876 67 Ibidem, n.º 29 de 15/7/1876 e nº 44 de 8/10/1876. 68 Ibidem, nº 27 de 1/6/1876. 69 O referido artigo, respeitante ao “fim e meios de sustentação da Biblioteca e Museu Nacionais” referia que “Aos administradores de concelho e à Junta de Saúde publica, por meios dos seus delegados, é cometido o encargo da colheita e remessa de exemplares de produtos histórico-naturais, assim como de amostras de materiais que sirvam para as artes e para o comercio, e de artefactos das industrias locais”. 70 BOGGPCV, nº 42 de 11/9/1876 62 17 científico. Esta situação, fomentada pelo Estado desde finais do século XVIII em todos os territórios ultramarinos (Domingues 2001: 824) acentuar-se-á ao longo do século seguinte conforme foram surgindo as necessidades de conhecer melhor e mais aprofundadamente as colónias. A informação endereçada à Secretaria de Estado da Marinha e do Ultramar, ao Conselho Ultramarino ou às unidades funcionais de cariz científico e experimental como eram as universidades, os museus de história natural e coloniais e os jardins botânicos permitiu, após o seu tratamento e análise, estabelecer prioridades, contribuir para o desenvolvimento económico e dar corpo à política ultramarina oitocentista. Veja-se o caso de Jacinto Medina que em Janeiro de 1876, pouco tempo depois da publicação do louvor onde se apelava à doação de espécimes para o museu, preparou e enviou à Junta de Saúde Provincial uma colecção de diferentes famílias de insectos que viviam na ilha de Santiago para ser remetida à Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e do Ultramar71. A doação destinava-se ao Museu Colonial pertencente ao ministério. Numa linha de actuação idêntica também António Ferreira Borges, Eduardo de Sá Nogueira, Leyguarda Pimenta, Custódio Duarte e Francisco Hopffer, entre outros, colaboraram activamente com as instituições museológicas e académicas do reino enviando espécimes zoológicos e botânicos ou trocando informações com os naturalistas dos museus sobre os habitats, locais de colecta, aclimatação de plantas ou esclarecendo dúvidas. Por vezes os espécimes, nomeadamente os zoológicos, enviados em meio líquido não chegavam em bom estado de conservação ao destino72 porque a aguardente utilizada, por ser a mais barata, era de má qualidade ou mesmo falsificada. Mesmo assim, Barbosa du Bocage, que beneficiou inúmeras vezes das remessas feitas, não deixou de registar nas páginas do Jornal de Sciencias Mathemticas, Physicas e Naturaes as colaborações e, em vários casos, tecer elogios ao contributo destes colectores. Esta mesma publicação serviu para divulgar os estudos “sur deux reptiles nouveaux de l’Archipel du Cap-Vert”73 , as “observações acerca do «corvo» do Archipelago de Cabo-Verde”74 ou as listas de répteis, peixes e aves das possessões portuguesas de África onde se incluía, naturalmente, Cabo Verde. Entre os colaboradores vale a pena destacar Francisco Hopffer75. Médico de formação, correspondente provincial da Real Academia das Ciências, desenvolveu intensa actividade como higienista e vulgarizador da ciência publicado artigos na parte não oficial do Boletim Oficial de Cabo Verde. Foi divulgador dos princípios básicos de higiene e dos métodos de combate à epidemia da cólera-morbo, varíola e gripe, tendo recebido a Torre e Espada pela sua acção contra a epidemia de cólera-morbo que grassou na ilha de Santiago em 1856 (Pato 1986: 161). Enquanto naturalista enviou para o Museu de Lisboa aves, répteis e peixes que ai foram estudados, entre outros por Barbosa du Bocage, com quem se correspondeu. Alguns dos exemplares enviados por serem espécimes novos receberam o seu nome como, por exemplo, Euprepes Hopfferi. Também se interessou, particularmente, pelas árvores de quina. No seu Relatório sobre a aclimatação das quinas na Ilha de Santo Antão76 de 1872, Hopffer recomendava como “obrigação científica, [de] todos os médicos coloniais” promoverem o seu cultivo por se tratar de uma planta da qual era possível extrair o quinino para combater o paludismo, responsável por dizimar as populações em Portugal e no Ultramar. A propósito da adaptação destas plantas 71 BOGGPCV, nº 3 de 15/01/1876 Barbosa du Bocage refere não ter podido estudar um espécime recebido de Cabo verde por se encontrar em más condições de conservação devido à baixa graduação do álcool. 73 Jornal de Sciencias Mathematicas e Physicas e Naturaes, tomo V (Dezembro de 1874-Dezembro de 1876), pp. 108-112; 74 Jornal de Sciencias Mathematicas e Physicas e Naturaes, tomo V (Dezembro de 1874-Dezembro de 1876), pp. 113- 120. 75 Nasceu em Cabo Verde e formou-se na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa, doutorado em Bruxelas fez carreira na administração colonial em Cabo Verde. 76 BOGGPCV, nº 35 de 31/8/1872 72 18 (espécies do género cinchona) manteve uma troca de correspondência com Júlio Augusto Henriques (1838-1928) botânico e lente na Universidade de Coimbra que foi também director do Jardim Botânico desta cidade. Numa das cartas Francisco Hopffer agradecia as sementes recebidas e queixava-se da pouca importância que davam no arquipélago ao seu cultivo sugerindo que só a intervenção do governo provincial poderia mudar a situação e fazer como os ingleses e holandeses nas suas colónias: plantar massivamente77. O papel desempenhado pela academia coimbrã na aclimatação e melhoramento das plantas é referido por Bernardino Gomes que diz terem sido enviadas plantas, com e sem flor, de Cabo Verde para a Universidade de Coimbra a fim de serem estudadas e melhoradas. Nesta altura realizavam-se experiências com as sementes recebidas do Jardim Botânico de Kew que deram origem às plantas remetidas em 1874 para Cabo Verde (Gomes 1875: 73-75). As primeiras tentativas de introdução e aclimatação da quina no arquipélago datavam de 1869 e não tinham resultado, segundo Custódio Duarte refere no seu relatório de 1871 sobre a ilha de S. Vicente devido às condições meteorológicas e à utilização de “plantas doentes” 78. No entanto a opção pelo seu cultivo no meio dos cafeeiros, como faziam os ingleses, tinha proporcionado uma franca recuperação. Aspectos que revelam a circulação de informação de carácter científico e a sua aplicação a realidades concretas. Barros Gomes (1864: 94-95) tinha anteriormente focado Cabo Verde no seu livro a propósito da introdução das cinchonas no arquipélago alertando, desde logo, para o facto de não se usar o método de Java no seu cultivo devido à desarborização das ilhas. Por outro lado mostrava-se admirado pela facilidade com que as laranjeiras se davam nas ilhas, mesmo com a falta de chuva. Para além daquelas actividades Francisco Hopffer fez observações meteorológicas, entre Dezembro de 1873 e Novembro de 1874 na ilha de Santo Antão, que foram publicadas no Jornal de Sciencias Mathematicas Physicas e Naturaes79. Não podendo fazer observações biquotidianas usou o meio-dia, seguindo a recomendação de Adriano Augusto de Pina Vidal da Escola Politécnica de Lisboa80, como hora de referência para a recolha dos dados diários da pressão atmosférica, da temperatura, da humidade, do estado geral da atmosfera, do vento e do estado do mar que registou segundo as notas explicativas de Fernando Maria da Gama Lobo81 e as instruções meteorológicas de E. Renou, Secretário da Sociedade Meteorológica de França. O tempo meteorológico e o clima eram objecto de estudo nas Escolas Politécnicas (Vidal 1869) e adoptados pelos investigadores das Escolas Médicas enquanto factor explicativo para algumas patologias e epidemias ou como elemento a ter em conta na prescrição terapêutica (Ramalho 1908). Servia, também, para justificar a maior ou menor produção agrícola, nomeadamente a cerealífera, e consequentes oscilações de preço (Monteiro 2001, 167). Dai que os registos das observações meteorológicas realizadas nos observatórios e postos meteorológicos fossem de grande importância para o estudo do clima e para o estabelecimento das características climáticas de cada região. Mantendo a tradição de participação nas Exposições Universais realizadas na Europa Cabo Verde empregou esforços para garantir mais uma vez a sua presença nas Exposições Universais de 1873 em Viena de Áustria e de 1876 em Filadélfia, onde voltaram a ser premiados pela qualidade dos produtos apresentados. A insistência resultava, também, do conhecimento do impacto que a presença portuguesa alcançava nas exposições anteriores e do interesse demonstrado pelos países europeus nos 77 [carta]. 1876, Janeiro, 11. UCFCT Botânica. Universidade de Coimbra. [ http://bibdigital.bot.uc.pt / ][ acedido em Março de 2011] 78 BOGGPCV, n.º 36 de 9/9/1871. 79 Tomo V (Dezembro de 1874-Dezembro de 1876), pp. 128-129 80 Adriano Vidal era Capitão de Artilharia e Lente substituto da cadeira de Física Experimental e Matemática da Escola Politécnica de Lisboa e autor do Curso de meteorologia. Lisboa: Typographia da Academia, 1869. 81 Francisco Hoppfer refere-se ao livro Notas explicativas para a execução de observações e deduções meteorológicas segundo um plano uniforme. Lisboa: Observatório do Infante D. Luis, 1867. 19 produtos coloniais através da imprensa e dos relatórios de Neves Cabral82 e de Ponte e Horta83 e dos catálogos84 disponíveis na Biblioteca Pública da Praia. Aqui também era possível encontrar o Relatório acompanhado da relação dos objectos enviados à comissão central de Lisboa para a exposição universal de Paris de 1867, pela comissão do Estado da Índia portuguesa 85. O ofício expedido pela secção ultramarina da Comissão Directora dos trabalhos preparatórios da Exposição de Viena de Áustria agradecia antecipadamente o esforço a realizar e pedia um empenhamento de molde “a que a representação de Portugal naquele concurso (…) [exprimisse] fielmente os (…) esforços de adiantamento nas ciências, nas artes e na indústria e [mostrasse] ao mesmo tempo todos os elementos de riqueza social, que já exploramos e podemos explorar em os nossos domínios insulares”86. Em anexo ao pedido seguiam as instruções necessárias para o envio das informações destinadas ao catálogo oficial e a recomendação para que a remessa de porções fosse em quantidade suficiente para se constituírem colecções e realizarem experiências. Por sugestão da comissão central metropolitana o modelo a seguir devia ser em tudo idêntico ao de 1867, incluindo as instruções, uma vez que tinha alcançado bons resultados. No caso dos búzios e conchas deveriam ser “coligidos e remetidos segundo as instruções práticas do dr. J. V. Barbosa du Bocage”87. Para o envio das plantas e sementes tinham disponível na biblioteca as Instruções para o transporte, por mar, de arvores, plantas vivas, sementes e outras diversas curiosidades naturaes de J. M. da Conceição Velloso. O governador-geral Caetano Alexandre de Albuquerque empenhou-se para que a província cabo-verdiana estivesse representada no certame “pelo maior número das ricas e variadas produções do seu solo, dos seus mares e das suas indústrias”88, de que resultariam claras vantagens para a colónia e para os produtores. As comissões foram constituídas, com uma composição semelhante às anteriores, nos concelhos da Cidade da Praia, Santa Catarina, Fogo, Brava, Maio, Boavista, Sal, S. Nicolau, S. Vicente, Vila da Ribeira Grande e Paul da ilha de Santo Antão e Guiné. Entre as amostras a enviar incluíam-se as tradicionais matérias-primas e os produtos da indústria transformadora cabo-verdiana, bem como uma série de artigos exóticos e da cultura material como dentes de elefante, carapaças e ovos de tartarugas, peles de jibóia com a cabeça, de zebra, de tigre, penas de marabú, de avestruz, panos, cobertas e colchas, trajos e armaria, chapéus, esteiras, barretes, balaios, búzios e conchas e plantas medicinais. Contudo, as mudanças operadas no modelo de participação das colonias nas exposições universais, cujos produtos eram agora reunidos e agrupados com outros pertencentes ao Museu Colonial, que assumia a representação das Províncias Ultramarinas e o direito de preferência sobre as amostras coloniais presentes no evento, retiravam visibilidade aos expositores individuais. Por outro lado era clara a tendência para valorizar os objectos da cultura material. Mesmo assim a qualidade dos produtos cabo-verdianos a concurso foi recompensada com duas medalhas de mérito atribuídas a António da Costa Ferreira Borges e à empresa Barros e Mello, ambos de Santiago89, pelas produções apresentados no Grupo 2º - Agricultura, exploração e indústrias florestais. 82 Relatório sobre a exposição de Londres em 1862: estudos geológicos minerais uteis e suas aplicações, metalúrgicas e lavra de minas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1864. 83 Relatório sobre a Exposição Internacional do Porto. Lisboa: Imprensa Nacional, 1866; Relatório sobre a Exposição Universal de Paris: machinas de vapor. 1 Vol. Lisboa: Imprensa Nacional, 1857. 84 Catalogue des produits des colonies françaises envoyés à l’Exposition Universelle de Londres de 1862. Paris : Libraire Challamel Ainé, 1862 ; Catalogue spécial de la section portugaise dans la exposition universelle de Paris en 1867. Paris : Libraire Administrative de Paul Dupont, 1868. 85 Apesar de ser este o título que consta no Catálogo de 1874 da Biblioteca deve tratar-se do Relatório acompanhado da relação dos objectos enviados a commissão central de Lisboa directora dos trabalhos preparatórios para a exposição universal de 1867 em Paris. Nova Goa: Imprensa Nacional, 1866. 86 Portaria n.º 390 de 14/12/1872, BOGGPCV, n.º 50. 87 Ibidem. Ibidem. 88 Portaria n.º 390 de 14/12/1872, BOGGPCV, n.º 50. 89 Circular n.º 123 de 30/12/1876, BOGGPCV, n.º 53 20 Desde 1871 que o Museu Colonial de Lisboa detinha a responsabilidade de criar e manter uma exposição permanente da “copiosa serie de riquezas vegetais e minerais [e dos] artigos fabricados” 90 nas colónias, bem como “dispor metódica e cientificamente os produtos, indicar a sua procedência, a sua aplicação e o seu valor no mercado”91 a fim de tornar conhecidos “de nacionais e estrangeiros os produtos que a indústria e o comércio saberão utilizar com proveito próprio e desenvolvimento correspondente dos mananciais até agora quase inertes, por falta de estímulo, das possessões, que mal as aproveitam, ou que não colhem deles todas as vantagens que deveriam tirar”92. Razões suficientes para que fosse assumindo o encargo de representar e apresentar as colecções coloniais nas Exposições Universais. Fradesso da Silveira, comissário nacional para a Exposição de Viena de Áustria, responsável pela montagem da amostra dos “produtos das províncias ultramarinas apresentadas pelo (…) Museu Colonial e pelo Banco Ultramarino” (Silveira 1874, 106), auxiliado pelo comissário adjunto da Suíça o Coronel Brun, queixava-se de que terminada a exposição não pode facultar aos museus, aos representantes comerciais e às direcções dos estabelecimentos de instrução industrial e mercantil de outros países as colecções coloniais presentes no certame vienense porque não estava mandatado para o fazer pelo Museu Colonial, que aliás emitira uma ordem expressa para que tal não acontecesse. Contudo, obteve e remeteu colecções para o Museu Tecnológico do Instituto Industrial e Comercial de Lisboa e enviou produtos ao Museu das Artes e Industrias de Viena de Áustria (Silveira 1873: 127-128). Em Agosto de 1874 Portugal foi novamente convidado para estar presente na Exposição Universal de Filadelfia, a realizar em 1876 nos Estados Unidos da América, tendo respondido tardiamente, em Março de 1875, sem reservar espaço expositivo e sem nomear um comissariado (Souto 2011: 157). Só a partir do final do ano é que começaram a ser tomadas medidas para a efectivação da participação, tendo sido endereçado o convite às Províncias Ultramarinas em Janeiro de 1876. A adesão de Cabo Verde foi modesta, reflexo do desinteresse dos comerciantes e industriais face ao novo modelo de participação que era pouco atraente para as colónias e para os expositores individuais. Por outro lado o Museu Colonial passou a debitar às colónias todas as despesas realizadas com a preparação e participação na exposição americana, incluindo a guarda dos caixotes que esperavam o embarque no Arsenal da Marinha93. O governador-geral pediu aos cidadãos cabo-verdianos que quisessem estar presentes para enviarem “obras de barro, de cordas, de palha, de algodão ou lã, de renda, de madeiras, de couro; azeites, aguardentes, essências, tintas, tabacos, ceras, farinhas; objectos de uso do país, produtos do mar e de praias, vulcânicos, terra que se faz tinta; café, algodão, peles, cereais, sementes oleosas como: jugue-jugue, cardo-santo, purgueira, urzela, estrelinha, sumaúma, urucu, mostrada, jegé, etc.” para as casas do juiz eleito João Baptista Fortes, morador em Achada Lém, do regedor de Pau de Pilão, do cidadão Miguel Freire, morador em Ribeira da Barca e do regedor Cutello Rodrigues, morador em S. Miguel, que se encarregariam de os remeter para Lisboa. Os artigos cabo-verdianos foram distinguidos com medalhas pelas suas colecções de líquenes, arroz e café. Este último considerado “a very good collection; color and size are regular” (Walker 1880: 374) no relatório de atribuição dos prémios. Esta distinção era o reflexo da aclimatação e das melhorias introduzidas no seu cultivo. A exibição dos produtos coloniais “in a small court in the southeast corner of the hall, between the Italian and English sections” (MacCabe 1876: 498) coube a Jaime Batalha Reis, representante do Museu Colonial na exposição americana. Em carta endereçada a João Andrade Corvo (1824-1890), Ministro dos Negócios Estrangeiros, referia que as exposições coloniais tinham grande importância no certame americano e que “as nossas apesar de esta90 Diário do Governo, 26 de Janeiro de 1871. Ibidem. Ibidem. 92 Diário do Governo, 26 de Janeiro de 1871. 93 AHU_MU_DGC/Museu Colonial de Lisboa, Cx. 558. Sobre o Museu veja-se Pereira 2005: 81-97 91 21 rem, pode dizer-se por estudar e por classificar, como V. Exª sabe, tem atraído a atenção de todos” 94. De facto no Reports and Awards (Walker 1880: 113) a colecção de produtos coloniais portugueses foi considerada pelos juízes como “large and interesting collection”, nomeadamente a cabo-verdiana. Acrescentava Batalha Reis, na referida missiva, que estava em contacto com os comissários das colecções ultramarinas do Brasil, Libéria, Colónia do Cabo da Boa Esperança, índias inglesas e colónias holandesas a fim de estudar as colecções expostas para benefício do museu colonial no que respeita à classificação. É de salientar que o Museu Colonial de Lisboa se encontrava nesta data sob a direcção de Luis Andrade Corvo (1850-1890) que procederia à sua reorganização tendo introduzido uma componente mais forte em torno dos artefactos (Pereira 2005: 93). Esta tendência já se vinha a fazer sentir desde a Exposição de Viena de Áustria com o aumento da presença dos artigos exóticos e da cultura material e que se acentuará com a Exposição Universal de Paris de 1878. Ao interesse científico pelo reino animal, mineral e vegetal, subjacente igualmente à criação dos museus nas colónias como factor de desenvolvimento, acrescia agora a etnografia. À sua maneira, como refere Lilia Schwarcz (2006), as exposições universais eram o resultado ideal da política imperialista oitocentista onde a burguesia triunfante apresentava os resultados da conquista do mundo e em que a ciência positiva e determinista acreditava dar conta de todos os temas e espaços expondo didacticamente o avanço de uns e o atraso de outros, a tecnologia na mão de alguns e o exotismo como privilégio de outros (Schwarcz 2006: 210). A criação do Museu Colonial de Lisboa e a aprovação do seu Regulamento em 1871, a que acresce a obrigação legislativa das colónias, emanada da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, para contribuírem com uma verba para a constituição das colecções e actividades do Museu Colonial95 acabou por acelerar o fim do museu cabo-verdiano. Assim, a partir de 1876 Cabo Verde passou a disponibilizar no seu orçamento anual 500$000 reis para o Museu Colonial de Lisboa96, enquanto os 270$000, destinados anteriormente à biblioteca e museu, apareciam agora consignados apenas para a Biblioteca. Para a administração caboverdiana não tinha sentido ser contribuinte líquido de dois museus que se propunham desenvolver os mesmos objectivos ainda que em espaços diferentes. Conclusão A criação de um museu de produtos naturais em Cabo Verde revelou-se efémera por um conjunto de razões que se prendem com dinâmicas nem sempre convergentes. A governação do arquipélago, dependente da qualidade dos governadores-gerais e da máquina administrativa, não foi capaz de encontrar soluções duradouras para os problemas locais, de se adaptar às mudanças resultantes das alterações sociais e de comércio nos mercados internacionais e de definir uma política de desenvolvimento para a colónia, assente no conhecimento dos seus recursos naturais (Estevão, 1998). É verdade que esta situação não era de agora. João da Silva Feijó (1760-1824), enviado como naturalista para Cabo Verde em 1783, onde permaneceu até 1797, referiu no seu Ensaio Económico … (Lisboa, 1991) o estado de pobreza da agricultura, das povoações, das pessoas, das fortificações, a par da má governação e preparação da administração e da falta de escolas a que estava votada a colónia. Anos mais tarde José Conrado Carlos de Chelmicki e Francisco Adolpho de Varnhagen mencionavam na Corografia caboverdiana … (Lisboa, 1841) um quadro idêntico ao anterior salientando a inexistência de indústria, a falta de comércio e a ausência de cultura, atribuindo a razão desta situação de abandono e desconhecimento geral das colónias africanas ao atraso das artes e das ciências naturais em Portugal. Neste contexto a criação e implementação de um museu dos produtos naturais destinado a servir de instrumento ao desenvolvimento económico de Cabo Verde não teve acolhimento quer junto da governação e quer dos sectores económicos. Acresce ainda a 94 AHU_SEMU_DGU, Cx. 995, [carta, Agosto 31, 1876]. Diário do Governo, 26 de Janeiro de 1871. 96 AHU_MU_DGC/Museu Colonial de Lisboa, Cx.744 e 766. 95 22 ausência de um ensino científico e o facto da natureza se encontrar a céu aberto não sendo necessária aprisioná-la em salas para provocar o espanto, o que não motivou os residentes a colaborarem na criação de um museu de produtos naturais. Preferiram participar nas exposições universais e em colaborar com as entidades e instituições científicas do Reino dando a conhecer os produtos naturais cabo-verdianos ao mundo em detrimento de um museu local. Por outro lado a consonância encontrada ao longo do século XIX entre as direcções dos museus de história natural metropolitanas e os governos do reino, para que as províncias ultramarinas fornecessem, por obrigação legislativa, exemplares histórico-naturais para as colecções daquelas instituições museológicas, bem como espécies para os jardins botânicos e zoológicos, também não facilitou a efectivação nas colonias de museus de história natural. ABREVIATURAS BOGGPCV - Boletim Oficial do Governo-geral da Província de Cabo Verde ACU.PO - Annaes do Conselho Ultramarino. Parte Official ACU.PNO - Annaes do Conselho Ultramarino. Parte Não Official BCU.LN - Boletim do Conselho Ultramarino. Legislação Novíssima. BIBLIOGRAFIA E FONTES FONTES Annaes do Conselho Ultramarino. Parte Official. Serie II (Janeiro de 1859 a Dezembro de 1861). Lisboa: Imprensa Nacional, 1867. Annaes do Conselho Ultramarino. Parte Não Official. Series III-IV-V-VI (Janeiro de 1862 a Dezembro de [1867]). 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