Informativo 20 - A Construção do Canal Interoceânico da Nicarágua
Transcrição
Informativo 20 - A Construção do Canal Interoceânico da Nicarágua
INFORMATIVO PNCSA Nº 20 A Construção do Canal Interoceânico da Nicarágua começará em 2016, mas continua sendo questionada por cientistas e pelas populações que serão atingidas Helen Catalina U. 1 22 de dezembro de 2015 Conforme notícias de diversos jornais, a construção do “Gran Canal Interoceánico” na Nicarágua foi adiada para começar no final de 20162. Simultaneamente, estas notícias vêm anunciando que o Sr. Wang Jing, Diretor Executivo do Hong Kong Nicaragua Development (HKND) Group, empresa concessionária da grande obra, perdeu 85% da sua fortuna pessoal pela caída da bolsa de valores de Shanghai 3. Apesar das várias notícias que vislumbram diferentes perspectivas e conflitos a respeito da referida empresa chinesa e seu megaprojeto canalero, o que é possível constatar, é que cientistas de diversas áreas (biólogos, ecologistas, economistas, engenheiros, advogados, sociólogos, entre outros) 4 têm 1 Mestra em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. Doutoranda do Programa de PósGraduação Sociedade e Cultura na Amazônia – Universidade Federal do Amazonas. Pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), Manaus-AM. 2 La Prensa. “El Gran Canal, una obra sin iniciar”. Managua, 20 dez. 2015. Disponível em: <http://www.laprensa.com.ni/2015/12/20/nacionales/1957359-gran-canal-una-obra-sin-iniciar>. 3 CF. Confidencial. “Los que están detrás de Wang Jing”. Managua, 01 nov. 2015. Disponível em: <http://confidencial.com.ni/los-que-estan-detras-de-wang-jing/>; The Guardian. “$50bn Nicaragua canal postponed as Chinese tycoon´s fortune falter”. Managua, 27 nov. 2015. Disponível em: <http://www.theguardian.com/world/2015/nov/27/nicaragua-canal-postponed-chinese-tycoon>. 4 Alguns citados aqui, além de outros: Julio C. Miranda, engenheiro civil nicaraguense; Pedro Alvarez, engenheiro civil e ambiental, Rice University, Houston-Texas (EUA); Sergio Espinosa Corriols, geociências/ geofísica, Universidad Católica del Norte, Antofagasta-Chile; Dra. María Luisa Acosta, advogada, coordenadora do Centro de Asistencia Legal a Pueblos Indigenas (CALPI), Nicarágua; Salvador Montenegro Guillén, ecologista/ oceanógrafo, presidência Pro Tempore de la Alianza Nicaragüense de Cooperación para el Aprovechamiento y Protección de los Recursos Hídricos regional, Centroamérica (GWP); Manuel Ortega Hegg, sociólogo, presidente da Academia de Ciencias de Nicaragua (ACN-UCA); Jorge A. Huete-Pérez, biólogo molecular/ bioquímico, Diretor do Centro de Biología Molecular de la Universidad Centroamericana (CBM-UCA); Katherine Vammen, bioquímica e genética, especialista em microbiologia, subdiretora do Centro para la Invesitgación en Recursos Aquáticos de Nicaragua (CIRA/UNAN); Michael Hanemann, economista ambiental e de recursos, Arizona State University, Tempe-Arizona (EUA); Jerald L. Schnoor, engenheiro civil/engenharia de saúde ambiental/ engenharia química, University of Iowa, (EUA); Alan Covich, ecologista, University of Georgia (EUA); Wesley Lauer, geomorfologia, engenheiro, Seattle University, Washington (EUA); Frank Joyce, biólogo/ ambientalista, University of Californa; Jean Michel Maes, ecologista, entomologia, Academia de Ciencias de Nicaragua. questionado a Avaliação do Impacto Ambiental e Social (ESIA 5) sobre o empreendimento6. A avaliação foi elaborada pela consultora ambiental britânica, Environmental Resource Management (ERM) contratada pela HKND Group. Em março de 2015 foi realizado um encontro de cientistas com o objetivo de revisar alguns capítulos da ESIA na Universidade Internacional da Flórida nos Estados Unidos7. Como resultado dessa discussão se averiguou que o referido estudo possuía deficiências importantes e lacunas significantes, indicando a necessidade de uma análise minuciosa sobre o megaprojeto, que certamente instigará consequências socioambientais. No dia 5 de novembro de 2015 a “Comisión del Gran Canal” aprovou estes estudos, outorgando a permissão ambiental e social à empresa HKND Group8. Assim, finalmente a ESIA foi publicada na página web da mesma empresa chinesa 9, que até então não a tinha disponibilizado ao público nicaraguense. A obra tem sido anunciada publicamente como proposta econômica a ser realizada desde 2013. Segundo Dr. Manuel Ortega, presidente da Academia de Ciencias de Nicaragua (ACN), vinculada à Universidad Centroamericana (UCA) em Managua-Nicarágua: (…) Esos estudios se hacen públicos cuando ya se ha dado luz verde al diseño y construcción del proyecto, es decir, nuevamente se recurre a tomar las decisiones primero para luego simplemente informar lo ya decidido, sin permitir ningún tipo de reacción previa a la toma de la decisión, lo que sigue contradiciendo las leyes y las buenas prácticas internacionales al respecto (…), (Informação verbal, 11/2015)10. Desta forma, destacando mais uma vez, a falta de transparência e de uma consulta pública, prévia. Com o objetivo de fornecer uma plataforma científica aberta, tratando do Canal Interoceânico, um painel interdisciplinar e internacional organizado pela ACN se reuniu nos dias 19 e 20 de novembro de 2015, na capital, Managua11. O painel discutiu três (3) categorias relativas ao grande empreendimento: Água e Sedimentos, Biodiversidade e Integridade do Ecossistema, e Impacto Socioeconômico. As categorias analisadas durante o encontro refletiam sobre temas complexos devido à falta do governo da Nicarágua, a empresa HKND Group e seus consultores e empreiteiros fornecerem 5 Environmental and Social Impact Assessment-ESIA. Cf. Confidencial. “Hay que ´detener el proyecto canalero”. 22 nov. 2015. Disponível em: <http://confidencial.com.ni/hay-que-detener-el-proyecto-canalero/>; La Prensa. “Expertos: detengan proyecto del Canal”. 22 nov. 2015. Disponível em: <http://www.laprensa.com.ni/2015/11/22/nacionales/1940832-expertos-detengan-proyecto-del-canal> 7 ADKINS, JoAnn. Scientists discuss Nicaragua canal project. FIU News, 16 mar. 2015. Disponível em: <https://news.fiu.edu/2015/03/scientists-discuss-nicaragua-canal-project/86214>. 8 Cf. < http://hknd-group.com/portal.php?mod=view&aid=297>. 9 Cf. < http://hknd-group.com/portal.php?mod=list&catid=45>. 10 ACN. Palabras de bienvenida al Taller Internacional sobre el Canal interoceánico. Presidente de la ACN, Dr. Manuel Ortega Hegg. 19 nov. 2015, Managua-Nicarágua. 11 ACN. Exploring the Potential Environmental Impacts from the Interoceanic Canal Project. An Independent International Workshop, November 19th and 20th, 2015. Livro final do “II Taller Internacional sobre el Canal Interoceánico”, Managua, 2015. 6 informações públicas (Huete-Pérez, et al., 2015, p. B)12.Consideraram neste evento, também, os impactos sociais que resultarão a partir da ação governamental ao conceder terras indígenas na Região Autônoma da Costa Atlântica ao grupo HKND, incitando deslocamentos forçados13. A grande preocupação destes cientistas são as desastrosas consequências ambientais, ao impactar diversos ecossistemas aquáticos e terrestres. Mas um dos maiores problemas do megaprojeto é uma vasta expropriação de terras, deslocando “campesinos” – pequenos agricultores –, além de populações indígenas e afrodescendentes14, os quais possuem direitos etnicamente diferenciados como o “Estatuto de la Autonomía de las Regiones de la Costa Atlántica de Nicaragua, Ley No. 28, de 7 de septiembre de 1987”. Esta lei vem sendo completamente atropelada pela criação da lei inconstitucional No. 84015, do “Gran Canal Interoceánico”. Um dos efeitos será o deslocamento forçado de pelo menos 277 comunidades e de mais de cem mil pessoas, incluindo áreas protegidas de territórios indígenas e de afrodescendentes, como os dos Rama e dos Creoles16. Recentemente o Governo Territorial Rama e Kriol (GTR-K) denunciou publicamente as estratégias de representantes do governo nacional, contra os interesses da comunidade indígena Rama “Bangkukuk Taik/ Punta de Águila”, da “Región Autónoma de la Costa Caribe Sur” (RACCS). Esta é uma das comunidades que será diretamente afetada pelo referido megaprojeto. As lideranças Rama desta comunidade destacaram que foi executada uma eleição ilegal, na intenção de eleger novas autoridades comunitárias, ou seja, um “gobierno paralelo”, que serão mais coniventes aos interesses econômicos do governo e da HKND Group. Desta forma, violando o direito coletivo de autodeterminação e autonomia dos Rama, especialmente no que se refere a organização social e administração, na tentativa de deslegitimar o cargo legalmente eleito do atual presidente da comunidade indígena “Bangkukuk Taik”, Carlos Wilson Billis. Esta liderança eleita por um período de quatro (4) anos pelos membros da sua comunidade em 2013, tem um mandato vigente até 13 de março de 2017. A estratégia de remover o poder de tal liderança é visto como resultado da sua clara posição contra a construção do Canal Interoceânico devido à falta do “consentimento libre, prévio y informado” e porque os indígenas da “Bangkukuk Taik” terão que ser deslocados do seu território (Consulta a carta pública “Comunicado de Prensa” do “Gobierno Territorial Rama y Kriol (GTR-K)”, 12/2015, abaixo). É possível observar que existe uma série de dúvidas e bastante insegurança pela sociedade científica e pelas populações que serão atingidas, quando se trata do Canal 12 Cf. HUETE-PÉREZ, Jorge A. et al. Scientists Raise Alarms about Fast Tracking of Transoceanic Canal through Nicaragua. Environmental Science and Technology (ACS Publications). 2015, 49 (7), pp. 3989– 3996. DOI: 10.1021/acs.est.5b00215. 02 mar. 2015. 13 Ibid., 2015. 14 É um termo comumente usado na Nicarágua que inclui no seu sentido tais etnias como os Creole people e os Garifuna. 15 NICARAGUA. La Gaceta: Diario Oficial de la República de Nicaragua. Asamblea Nacional, Sumario de la Ley No. 840. Ley Especial para el Desarollo de Infraestructura y Transporte Nicaraguense Atingente a El Canal, Zonas de Libre Comercio e Infraestructuras Asociadas, 14 de junho de 2013. 16 Ibid., 2015, p.E. Interoceânico, evidenciando o resultado de uma falta de diálogo transparente entre cientistas, “campesinos”, indígenas, afrodescendentes, o governo nicaraguense e a empresa HKND Group. Os cientistas de diversas áreas e países continuam afirmando que a realização do megaprojeto deve ser impedida até que sejam realizados estudos mais aprofundados sobre os impactos socioambientais e possíveis soluções, sobre um dos maiores projetos de infraestrutura a ser construída na América Central.
Documentos relacionados
Informativo 18 - “Gran Canal Interoceánico”
Ley no. 28, de 7 de septiembre de 1987”, que se refere aos povos indígenas e afrodescendentes da “Região Autônoma”. Essa lei também declara: a expropriação de qualquer propriedade, seja privada, es...
Leia mais