Informativo 18 - “Gran Canal Interoceánico”

Transcrição

Informativo 18 - “Gran Canal Interoceánico”
INFORMATIVO PNCSA Nº 18
Informação Técnica:
“Gran Canal Interoceánico”1
Megaprojeto na Nicarágua, América Central
Helen Catalina U.2
10 de novembro de 2015
Durante minhas atividades de pesquisa e trabalho de campo, entre 12 de julho e
29 de outubro de 2015, na América Central, tive a oportunidade de observar os conflitos
socioambientais, instigados pelo megaprojeto conhecido como o “Gran Canal
Interoceánico” a ser construído na Nicarágua. Este tema chamou a minha atenção por
ser muito polêmico, incitando casos de violência, repressão e insegurança para
“campesinos”, povos indígenas e comunidades tradicionais.
Desde dezembro de 2014, tem sido realizadas numerosas manifestações contra a
construção do chamado “Gran Canal Interoceánico”. Trata-se de um canal fluvial que
será construído atravessando o meio do país, semelhante ao Canal de Panamá, mas com
proporções maiores. A ideia é o livre trânsito de barcos comerciais para transportar
matérias primas, tais como petróleo, ferro, carvão e alimentos, além de diversas
mercadorias internacionais para venda. A justificativa do Governo Nacional para assinar
um acordo com a empresa chinesa “HKND Group”, possibilitando tal iniciativa, sem
consultar os povos e comunidades atingidos, fundamenta-se nas possíveis melhorias
econômicas num dos países mais pobres da América Central.
O projeto de construção do Canal Interoceânico terá uma longitude de 259
quilômetros, atravessando a região sul do referido país, desde a desembocadura do Rio
Brito, passando pelo Lago Cocibolca, até o Rio Punta Gorda no Mar Caribe. Pretendese dragar os corpos de água, no intuito de alcançar uma profundidade de 29 metros,
além de uma zona de 5 a 10 quilômetros estendidos de cada lado do canal. A zona
1
As informações técnicas para construir este resumo, foram obtidas por meio da interação com as
organizações e instituições, fornecendo fontes documentais: Centro Alexander von Humboldt,
Fundación Popol Na, Grupo Cocibolca, Centro de Asistencia Legal a Pueblos Indígenas, Red Nicaraguense
por la Democracia y el Desarrollo Local, Academia de Ciencias de Nicaragua – Universidad
Centroamericana de Nicaragua, Centro de Información y Documentación de la Costa Atlántica (CIDCA) Bluefields Indian & Caribbean University (BICU). Outras fontes que podem ser consultadas incluem: a
página eletrônica de “Nicaragua Sin Heridas”, “Consejo Nacional en Defensa de Nuestra Tierra, Lago y
Soberania” e os jornais eletrônicos de “La Prensa” e “Confidencial”, de Nicarágua.
2
Mestra em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. Doutoranda do Programa de PósGraduação em Sociedade e Cultura na Amazônia – Universidade Federal do Amazonas. Pesquisadora do
Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA), Manaus-AM.
1
canaleira inclui aproximadamente 282 povoados, com 24.100 moradias, e uma
população em torno de 119.200 habitantes3.
Em julho de 2012 o Governo de Nicarágua assinou um acordo com o “HKND
Group” permitindo a construção do canal supracitado. Em junho de 2013 a “Asamblea
Nacional de Nicaragua” aprovou a Lei 840, elaborada especificamente para outorgar a
concessão do canal por 50 anos, mais 6 anos para a construção de tal projeto e a
3
Cf. Efectos Socioeconómicos del Canal Interoceánico a Nível Municipal, informativo da “Red
Nicaraguense por la Democracia y el Desarrollo Local” com a colaboração do “Grupo Cocibolca”, 2014.
2
possibilidade de prolongar o acordo por mais 50 anos, a critério da companhia chinesa4.
Desta forma, a concessão chinesa poderá durar por mais de 100 anos na Nicarágua.
A Lei 840 foi aprovada em 8 dias, sem consulta ou consentimento público.
Quando trata de direitos territoriais, invalida as leis constitucionais pré-estabelecidas,
como o “Estatuto de la Autonomía de las Regiones de la Costa Atlántica de Nicaragua,
Ley no. 28, de 7 de septiembre de 1987”, que se refere aos povos indígenas e
afrodescendentes da “Região Autônoma”. Essa lei também declara: a expropriação de
qualquer propriedade, seja privada, estatal ou de uma comunidade indígena da região
apontada acima, que será considerada necessária para os fins da construção do “Gran
Canal”, ou seus diversos subprojetos econômicos vinculados. Estabelece-se um
procedimento rápido de expropriação ao constar que depois da solicitação do “HKND
Group” de uma “Propriedade Requerida”, se for uma área na Região Autônoma, o
Conselho Regional ou Governo Municipal correspondente terá apenas 7 dias para
expressar sua opinião sobre a decisão. O Governo Nacional terá um prazo de 15 dias
para entregar a “Notificacíon de Expropriación” ao proprietário. Entre outros elementos,
a decisão de expropriação fundada pelo HKND e o Governo nicaraguense, não poderá
ser questionada pelo proprietário (Lei 840, art. 12)5. Em outras palavras, o Estado está
facilitando a entrega das terras nicaraguenses à empresa HKND, em detrimento dos
direitos constitucionais do povo nicaraguense, existentes antes da criação de tal lei.
Ademais, o conteúdo do Estudo de Impacto Ambiental e Social (EIAS) é
questionável, considerando que foi financiado pela própria companhia HKND, ou seja,
pelos interesses da empresa chinesa, não necessariamente considerando os interesses
dos pequenos agricultores ou povos étnicos que estão em jogo.
A partir de um processo de conscientização sobre tais dispositivos legais,
considerados inconstitucionais diante da “Corte Suprema de Justicia” e por diversas
organizações (Fundación Popol Na, Centro de Asistencia Legal a Pueblos Indígenas,
Centro Alexander von Humboldt, Red Nicaraguense por la Democracia y el Desarrollo
Local, Grupo Cocibolca, entre outras), milhares de “campesinos” que moram ao longo
da rota do canal, bem como os povos indígenas e afrodescendentes (Rama, Miskito,
Creole) que vão ser afetados pelo megaprojeto na Región Autónoma de la Costa Caribe
Sur (RACCS), tem se mobilizado contra os interesses e estratégias governamentais em
favor do projeto canaleiro já mencionado.
O movimento que mais tem chamado a atenção para este problema é conhecido
como o “Consejo Nacional en Defensa de Nuestra Tierra, Lago y Soberania”. Um
movimento maiormente composto por “campesinos” - pequenos agricultores, mas que
está interagindo com os povos indígenas e afrodescendentes da RACCS. O que estes
povos ou etnias tem em comum, são seus interesses em preservando suas terras (sejam
privadas ou comuns), e resistindo à expropriação concedida na Lei 840 do Canal
Interoceânico. Tem se realizado 53 (Cf. website “Nicaragua Sin Heridas”) protestos
contra a construção do “Gran Canal Interoceánico”, em diversos municípios
4
Cf. Ibid.
NICARAGUA. La Gaceta: Diário Oficial de la República de Nicaragua. Asamblea Nacional, Sumario de la
Ley No. 840. Ley Especial para el Desarollo de Infraestructura y Transporte Nicaraguense Atingente a El
Canal, Zonas de Libre Comercio e Infraestructuras Asociadas, 14 de junho de 2013.
5
3
nicaraguenses, nos quais os participantes reivindicam seus direitos territoriais e
humanos. Tratam de defender os direitos que estão sendo ameaçados pelos interesses
econômicos ‒ governamentais e internacionais. Os manifestantes apontam que o
Governo Nacional ainda não tem dialogado com os povos que serão atingidos pelas
mudanças socioambientais, consequentes de tal megaempreendimento, de maneira
transparente.
Segundo a advogada nicaraguense, Dra. María Luisa Acosta, coordenadora do
“Centro de Asistencia Legal a Pueblos Indígenas” (CALPI), o que está em jogo é o
direito ao “consentimiento libre, previo e informado de los pueblos indígenas y
afrodescendientes de la RACCS”. A Lei do Canal Interoceânico não pode substituir este
direito. A República de Nicarágua também é signatária desde 2010, da Convenção 169
da OIT, que igualmente, estabelece critérios para uma consulta previa, como direito dos
povos indígenas e comunidades tradicionais, diante quaisquer projetos de
desenvolvimento que poderão impactar seus territórios ou maneira de viver.
Neste sentido, é possível observar que os interesses na construção do “Gran
Canal Interoceánico” tem sido privilegiados em detrimento dos interesses dos grupos
étnicos e comunidades locais que serão atingidos. Ao pensar nos diversos megaprojetos
de infraestrutura na chamada “América Latina” e outros países, este caso ilustra uma
situação entre muitas, que merece uma profunda reflexão.
Deste modo, é relevante levar em conta os dispositivos legais que tratam dos
direitos dos povos e comunidades tradicionais e as estratégias de mudanças de leis em
jogo nos congressos nacionais, objetivando especificamente obter acesso aos recursos
naturais para fins de exploração intensa desta nova etapa do capitalismo.
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