Assembleia de Deus Origem Implantação e
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Assembleia de Deus Origem Implantação e
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO TODO PODER AOS PASTORES, TODO TRABALHO AO POVO, TODO LOUVOR A DEUS. Assembléia de Deus: origem, implantação e militância (1911-1946) por Gedeon Freire de Alencar Em cumprimento parcial às exigências do Curso de Pós-Graduação em Ciências da Religião para obtenção do grau de Mestre em Ciências Sociais e Religião. São Bernardo do Campo - SP março de 2000 2 BANCA EXAMIDORA: PROFA. DRA. MARIA JOSÉ F. R. NUNES (UMESP - ORIENTADORA) PROF. DR. ANTONIO CARLOS M. MAGALHÃES (UMESP) PROF. DR. PAUL FRESTON (UNIVERSIDADE DE SÃO CARLOS) 3 SINOPSE ALENCAR, Gedeon Freire – Todo poder aos pastores, todo trabalho ao povo, todo louvor a Deus. Assembléia de Deus - origem, implantação e militância nas quatro primeiras décadas - 1911-1946, São Bernardo do Campo - SP, Universidade Metodista de São Paulo, 2000. A Assembléia de Deus -AD, atualmente a maior igreja evangélica do Brasil, nasceu em 1911, em Belém do Pará. Fundada por dois suecos, Daniel Berg e Gunnar Vingren, faz parte, juntamente com a Congregação Cristã do Brasil CCB, do que se convencionou denominar “pentecostalismo clássico”. Nascida de uma dissidência batista, assumiu inicialmente o nome de Missão da Fé Apostólica (mesma denominação do ramo pentecostal negro norte-americano), e em 1918 foi registrada com o nome de Assembléia de Deus (o ramo branco pentecostal norte-americano). Esta pesquisa tem três pontos básicos: 1. A origem: a AD foi fundada por suecos que se mantiveram na liderança dessa igreja nas primeiras décadas. No entanto, esses suecos, mesmo tendo vindo dos EUA, têm uma relação conflituosa com a AD americana; 2. Implantação - mesmo sem nenhum organismo de fomento exterior ou qualquer outro de planejamento, em vinte anos alcançou todo o país. E, na medida em que cresce, começam os problemas de liderança desembocando no esfacelamento da mesma em Ministérios; 3. Militância - quem são e como se comportam os adeptos desta igreja. 4 SINOPSE ALENCAR, Gedeon Freire – All the power to the pastors, all work to the people and all praise be to God. The Assembly of God Church – origin, introduction and militancy – 1911-1946, São Bernardo do Campo – SP, Methodist University of São Paulo, 2000. The Assembly of God – AG, the largest evangelical church in Brazil, began its work in 1911 in Belém of Pará. Founded by two Swedish – Daniel Berg and Gunnar Vingren, it belongs together with “the Chistian Congregation of Brazil –CC – to wath has been agreed to call “Classical Pentecostalism”. Coming out of a Baptist Church it took on the name of „Mission of Apostolic Faith‟ (the black-northAmerican Pentecostal branch) but in 1918 was registered by the name of “Assembly of God” (the white-north-American Pentecostal branch). This research has three basic points: 1. The origin: the AG was founded by Swedish who kept themselves in the leadership of this church during the first decades. However, even though they had come from the USA, they had a conflicting relationship with the American AG; 2. Plantation: even without any finantial help from a foreign country or any planning, they reached the whole country in twenty years. Within its growth many leadership problems starded leading to its division into the so called different ministries; 3. Membership: who the members of this church are and how they behave. 5 Dedicatória À memória de José Freire de Alencar e Francisca Rosalina de Lima Alencar, como tributo, mesmo tendo me deixado cedo, ainda são responsáveis por minhas conquistas. 6 AGRADECIMENTOS Aos amigos, que, ao perguntarem por meu trabalho, sem saber, estavam sendo estímulo-cobrança; A Geruza, foi de seu incentivo concreto que nasceu este curso; A Odair Barreto, amigo na dor e na alegria; A minha querida Igreja Betesda, que não negou incentivo moral e financeiro; Aos amigos Dilson, Alexandre, André, Célia e Rogério, que, em diferentes momentos, ajudaram muito; Aos pastores que me deram entrevistas, mesmo discordando de suas opiniões, não lhes posso negar o mérito de construtores de tudo; A CPAD, pela acolhida e presteza no fornecimento de material para pesquisa. Aos professores, Dr. Antônio Carlos M. Magalhães, foi de seu estímulo-desafio que nasceu este projeto; Dra. Maria José F. R. Nunes, pela amizade que transcendeu a relação orientador-orientando, contemporizando meus acidentes de doença, falta de material e prazos não cumpridos. Rigorosa no atacado, mas condescendente no varejo. Aos meus alunos do ICEC, pois mais que alunos, amigos que se tornaram cúmplices de minha vida. Ao Capes que, mesmo por curto período, financiou esta pesquisa. A minha mulher Diana. Minha maior incentivadora. A Deus, razão e segurança. 7 ÍNDICE INTRODUÇÃO METODOLOGIA Justificativa do período -1911-1946 Os marcos teóricos existentes Pesquisa nas fontes primárias As biografias A historiografia oficial Jornais AS ENTREVISTAS AS ATAS 10 15 15 16 18 18 19 21 22 25 CAPÍTULO I: PENTECOSTALISMO: ORIGEM, TEORIAS E CRESCIMENTO 27 Introdução 1 - A ORIGEM (MARGINAL) DO PENTECOSTALIMO a) Um filho de escravo perturba o mundo evangélico b) Babel ou Pentecostes, a mensagem se espalhou 2 – REFERÊNCIAIS TEÓRICOS: a) Três idéias clássicas sobre religião: Weber – o carisma e os adeptos Niebuhr – a igreja dos deserdados renasce sempre? Tillich – o “princípio protestante” está perdido? b) Três visões sobre o pentecostalismo brasileiro Leonard – um pentecostalismo sem leitura bíblica não terá futuro Beatriz de Souza – o ajuste urbano Cartaxo Rolim – alienação sacral 3. CRESCIMENTO Estatísticas: além da teoria, uma estimativa comprovadora 27 29 29 30 32 32 32 34 35 36 37 38 39 40 43 PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIRO – PRIMEIRA FASE CAPÍTULO II: A IMPLANTAÇÃO DA “SEITA PENTECOSTISTA” – 1911-1930 45 Introdução 1. OS SUECOS VISIONÁRIOS a) Daniel Berg, o operário b) Gunnar Vingren, o líder c) O estilo Vingren-Vingren 2. DISSIDÊNCIA E OFICIALIZAÇÃO a) O nome “Assembléia de Deus” b) A expansão aleatória c) A crise da borracha ajuda na expansão da AD 45 50 51 53 55 56 58 62 67 8 3. JORNAIS: O PRINCÍPIO DA MODERNIDADE a) A experiência pioneira de 1917: “A Voz da Verdade” b) Som Alegre: uma dissidência carioca? c) Uma palavra oficial: Boa Semente (1919-29) d) As ênfases teológicas do BD e) As singularidades da mensagem pentecostal 4. IGREJAS CALVINISTAS CRESCEM MENOS QUE ARMINISTAS? IGREJAS 67 70 71 72 75 76 80 O PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO: SEGUNDA FASE CAPÍTULO III: A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA – 1930-1946 Introdução l. AD – UM PROJETO BRASILEIRO? a) Qual a ligação da Ad no Brasil com a dos EUA? b) A Igreja Filadélfia de Estocolmo é quem sustenta. E decide. c) Os missionários vêem da Suécia e nos dos EUA d) A ausência de registro norte-americano sobre a AD no Brasil e) AD americana versus AD brasileira f) “Projeto brasileiro”? Qual projeto? 2. O ETHOS SUECO-NORDESTINO a) O ethos sueco nordestino: uma visão sociológica b) O ethos sueco nordestino: uma visão teológica 3. O MENSAGEIRO DA PAZ COMO CONSOLIDAÇÃO DA IGREJA 4. AS CONVENÇÕES: a) A Convenção de 1930: os suecos “entregaram” ou os brasileiros “tomaram”? b) A versão sueca das “Igrejas-Livres” e a construção da autonomia Brasileira c) Primeira (e única) dissidência teológica? 5. OS MINISTÉRIOS: a) Paulo Macalção: o alijado que estabeleceu estilo 6. A CHEGADA DE NOVAS IGREJAS a) A dissidência da cura: Cruzada nacional de Evangelização b) O que é a AD na década de 50? 83 83 84 84 89 91 92 94 97 99 100 103 104 110 112 115 117 118 120 123 124 125 CAPÍTULO IV: CARACTERÍSTICAS DO PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIRO 127 Introdução l. A “síndrome de marginal” 2. O discurso de negação do mundo e o escatologismo 3. A aversão a mudanças ( ou “Não destruam nossos mitos”) 4. Liderança diversificada, doutrinação homogêna 5. Sistema eclesiástico assembleiano: epíscopalismo vitalício 6. Nada mais brasileiro que um assembleiano: omisso e feliz 127 129 130 132 134 135 138 9 7. Uma igreja além da “normalidade” 140 CONCLUSÃO 142 ANEXOS Anexo 01: siglas usadas Anexo 02: Glossário Anexo 03: Presença missionária estrangeira no Brasil Anexo 04: Convocação da Convenção de 1930 em Natal Anexo 05: Comparação entre as versões históricas assembleianas Anexo 06: Comparação ente a AD e CCB Anexo 07: Comparação entre a AD no Brasil e a AD nos EUA 144 144 145 148 150 151 152 153 BIBLIOGRAFIA SOBRE A ASSEMBLÉIA DE DEUS 154 BIBLIOGRAFIA 155 Indíce de Tabelas Tabela 01: Estimativas de crescimento do pentecostalismo Tabela 02: Versão assembleiana e batista da divisão Tabela 03: Expansão da AD em seus primeiros anos Tabela 04: Batismos na AD em Belém (1911-1914) Tabela 05: Articulistas e temas do Jornal Boa Semente - 1919-29 Tabela 06: Tabulações do Jornal Boa Semente – 1919-29 Tabela 07: “Igrejas Sedes” e pastores em 1931 Tabela 08: Relação AD e Brasil: desenvolvimento institucional Tabela 09: Gráfico de Modelo Eclesiástico Assembleiano Tabela 10: Articulistas e Temas do MP -1930-31 Tabela 11: Produção Teológica Homens x Mulheres – MP -1930-31 Tabela 12: Produção Teológica Estrangeiros x Brasileiros – MP – 1930-31 Tabela 13: MP: tiragem em relação aos membros Tabela 14: As ênfases teológicas dos textos Tabela 15: As Convenções da AD 43 57 64 66 72 75 97 100 103 106 108 108 109 109 111 INTRODUÇÃO Em 1910, a Igreja Católica celebrava missas em latim, a Igreja Luterana, cultos em alemão, a Igreja Anglicana em inglês e as demais igrejas protestantes num “teologês” anglo-saxônico. Até mesmo a única igreja pentecostal da época, a Congregação Cristã do Brasil, celebrava seus cultos em italiano. O espiritismo ainda era caso de polícia e religiões afro, como religião, nem sequer eram nomeadas. Qual, então, o espaço para a expressão de religiosidade popular da época? Oficialmente, nenhum. De um lado, uma densa institucionalização religiosa da Igreja Católica e demais denominações protestantes, e de outro, uma religiosidade marginal não aceita tanto dentro da própria Igreja Católica como nas expressões afro. Há, portanto, um imenso campo religioso entre estas duas realidades. É neste momento que a Assembléia de Deus surge no Brasil. Há muito espaço a ser conquistado. Hoje, o surgimento de uma igreja pentecostal popular não causa nenhuma alteração no mercado; perde-se no meio de tantas outras. Em 1911 por ser a primeira, fez muita diferença. Inicia-se com vinte pessoas e, segundo Read (1976:122), já em 1930 tem 14.000 membros e em 1950, 120.000 membros. Um crescimento de aproximadamente 69.000% em 19 anos e 108.000% em 38 anos, respectivamente. No total mais 600.000% de crescimento nas quatro primeiras décadas, algo em torno de 15.000% ao ano. Este pentecostalismo, atualmente nominado de “clássico”, foi trazido por imigrantes pobres, sendo, portanto, absolutamente marginal, por ser uma religião de pobres e pretos. Aqui cresce entre imigrantes nordestinos e alcança todo o país sempre de forma periférica. Os suecos de tradição batista não estranham a perseguição religiosa, pois já de muito são vitimados por ela. Na Suécia, pela Igreja Luterana, uma entidade estatal, rica e aliada do governo, onde ser “batista” era um grave ato subversivo. 11 Aqui são perseguidos pela Igreja Católica e demais igrejas protestantes, mas, ironicamente, protegidos pelo governo, por dispositivo constitucional da liberdade religiosa. Tal realidade política é fundamental para a postura desta igreja, sempre elogiando o governo. Também por causa da “aversão à organização”, seu discurso negativo a todo e qualquer modelo institucional e faz disso, pretensamente, seu estilo. Portanto, não desenvolve nenhuma instância burocrática nacional e quando cresce fica vulnerável ao personalismo de seus líderes, resultando disto, uma igreja quantitativamente grande, mas fraca em sua representatividade. Nunca teve um órgão nacional de estratégia, mas alcançou o país em vinte anos; nunca teve organização, mas é a maior igreja evangélica do país; nunca teve teólogos e/ou eruditos mas foi a que mais cresceu; neste período, não havia nenhuma escola de formação de obreiros, mas proliferou mais que qualquer outra; sempre foi periférica e marginal, mas alcançou os pobres e simples como nenhuma outra. Ela incorpora como “bênção” todas as críticas (alienação política, conservadorismo, atraso, etc.) que lhe são dirigidas. Este pentecostalismo está bem distante do moderno quando a ênfase é riqueza, poder e saúde - a tríade da teologia da prosperidade1. No primeiro momento as marcas do pentecostalismo eram glossolalia (falar em línguas estranhas como resultado do batismo com o Espírito Santo), cura divina e forte escatologia. Com uma interpretação bíblica fundamentalista e espaço apenas para uma moral individual puritana. Este trabalho pretende entender o nascimento da AD no Brasil, sua construção e seus membros. Como dois suecos solitários iniciam acidentalmente essa igreja que veio a ser a maior instituição evangélica do país, e apesar disto, que efeito causa na vida sociocultural deste país? Como estes suecos se mantêm durante quatro décadas no poder e depois são completamente substituídos por 1 “Teologia da prosperidade”, é uma concepção teológica vinda dos EUA, originada nos movimentos de fé, que incorpora diversos elementos típicos de nossa época, tais como saúde plena, progresso financeiro e poder político. Hoje, todo o chamado neo-pentecostalismo é apontado como mentor e principal beneficiado por essa teologia, apesar de alguns grupos da terceira onda a renegarem. Cf. Campos (1999 b) e Mariano (1999) 12 lideranças nacionais, não sem muitas tensões e contradições das mesmas. Acrescente-se nesta disputa, a tentativa dos norte-americanos de também influenciarem. Por fim, quem de fato faz esta igreja: quem a constrói, leva-a nos ombros e a mantém? Esta membresia anônima que prega, sofre a perseguição, abre os trabalhos, contribui, “põe a mão na massa”, mas passa ao largo das disputas e do exercício do poder, porque é assim a Assembléia. Os pastores têm todo o poder, a membresia todo o trabalho e Deus todo o “louvor”. Um parêntese pessoal A discussão da imparcialidade científica é antiga. Esta pretensa assepsia científica, advogam alguns, é algo da própria “essência” da ciência. Algo, aliás que não resolve e nem ajuda a ciência, pois, desta forma, se lhe daria uma categoria metafísica, e, ironicamente, foi contra a metafísica religiosa medieval que a ciência mais lutou no seu processo de emancipação. Ontologicamente, a ciência precisa ser feita em nome da exatidão, da metodologia, da objetivação, excluindo-se, daí, toda a subjetividade, valores, crenças, etc. Ora, quem consegue isto? Talvez o nazismo, o socialismo real ou o neoliberalismo... . Uma pesquisa científica sobre religião situa-se sobre um limite muito tênue2. Por que um pesquisador escolhe esse e não outro tema, por que, depois de escolhido, toma esse rumo e não outro? Convenhamos, situar isto numa objetividade científica é muita subjetividade. Esta pesquisa, como qualquer outra, tem problemas pela escassez de dados, pela dificuldade de coletá-los, pelo ineditismo do foco pesquisado. Averiguando a produção da sociologia da religião no Brasil, esta deve ser a primeira dissertação sobre a Assembléia de Deus escrita por um assembleiano. Mas não aceito, a priori, o policiamento “científico” de que apenas um ateu e/ou agnóstico teria a isenção necessária para escrever sobre religião, pois, assim sendo, mulher não poderia escrever sobre mulher, comunista sobre comunismo, negro sobre negro, ateu sobre ateísmo - o ser humano sobre a raça humana! 2 Cf. Pedro Ribeiro de Oliveira (1998) Estudos da Religião no Brasil: um dilema entre academia e instituições religiosas, in Sousa (1998) Sociologia da Religião no Brasil. 13 Como assembleiano, admito, sou duplamente suspeito: na academia pelo frisado anteriormente, mas creio ser possível superar; já dentro da igreja, o caso é mais grave. Diversos pesquisadores que trabalharam no meio evangélico foram alvo de afeição e proselitismo (Gouveia, 1986; Mariano,1999; Brandão, 1986) e “os erros/má interpretação” de seus trabalhos, se por acaso lidos pelos fiéis, serão desculpados pela “falta de fé, discernimento espiritual, etc.”. Eu não terei esta absolvição dos meus entrevistados e dos leitores da igreja - e, isto já deve servir de indício para os de fora, de como a igreja age. Tudo na igreja, de forma única e exclusiva, é explicado “espiritualmente”. Isto pode ser tão obtuso quanto uma “explicação puramente científica”. É neste terreno minado que tenho de seguir. Interessante como duas áreas opostas podem se encontrar em seus extremos... “Suspender provisoriamente as opiniões pessoais do investigador acerca da existência e ação dos seres sobrenaturais, não deixando que tais opiniões penetrem na investigação científica com a função de “critérios”,(...). De fato, é deste modo que investiga e expõe qualquer bom historiador da Igreja, por mais crente e praticante que seja ” (Maduro, 1981: 46) . Não é uma obra apologética3 mas também não é um “acerto de contas”. As publicações produzidas pela própria igreja, obviamente, todas são “apologéticas e triunfalistas” (Monteiro, 1995:11), mas no universo protestante, alguns pesquisadores aproveitaram seus trabalhos para, digamos, contarem outra versão. Rubem Alves4 justifica este “acerto de contas” da seguinte forma: “Os cientistas que se dedicaram a fazer uma análise crítica do Protestantismo são todos (na medida em que eu conheço), ex-pastores, ex-seminaristas, ex-líderes leigos forçados a deixar suas funções.(...) O protestantismo é analisado como uma 3 Quando ainda na pesquisa na CPAD- Casa Publicadora das Assembléias de Deus, em conversa com um dos diretores, ele se mostrou interessado na publicação de meu trabalho. Desconversei. Quando o conteúdo completo da pesquisa fosse conhecido, ele, evidentemente, entenderia que a “Casa” ( como a CPAD é conhecida entre eles) não poderia publicá-la. O que não é diferente de nenhuma outra editora religiosa confessional. 4 Rubem Alves, autor de Protestantismo e Repressão (SP, Ática, 1978) e Dogmatismo e Tolerância (SP, Paulinas, 1982), é um bom exemplo deste “ajuste de contas”. 14 ideologia repressora, totalitária, capitalista, que se encontra em casa num Estado capitalista e totalitário” (1984:136-137)5. Concordo com Otto Maduro quando diz que “fazer sociologia da religião é ver e estudar as religiões (todas da mesma maneira) como fenômenos sociais”6. 5 Na AD não houve nenhum expurgo ou algo similar por questões políticas - isto não “melhora” nem “piora” a AD, é apenas indício de sua postura política que iremos discutir no cap. IV. 6 Op.cit Maduro (1981:46) 15 METODOLOGIA Esta pesquisa pretende ser, como diria Berger, “uma tentativa de compreensão”7 da fundação e construção da AD em suas primeiras quatro décadas. Iniciada em 1911, é representante de um pentecostalismo brasileiro nascente e monolítico até a década de 50, quando o movimento se ramifica e, sobretudo, se diversifica. Apresentava-se bem diverso do pentecostalismo moderno e pluralista de hoje. Justificativa do período - 1911-1946 O pentecostalismo brasileiro, em seus primeiros 40 anos - primeira onda (Freston, 1993), tem dois modelos: um italiano e outro sueco, ambos vindos dos EUA. A versão italiana é a CCB - Congregação Cristã no Brasil. Nascida em 1910, é, em suas primeiras décadas, uma “igreja italiana”. Cresce no meio da colônia italiana no Sudeste e até 1947 seus hinários e seus cultos são realizados nessa língua, quando começa a “abrasileirar-se”. Não sofre nenhuma alteração doutrinária, não tem nenhum cisma e continua, ainda hoje, uma igreja muito próxima de suas origens8. A versão sueca é a Assembléia de Deus, que se mantém razoavelmente uníssona em seus primeiros anos, mas a partir da década de 50, além da disputa fratricida dos “Ministérios” e seu processo de institucionalização irreversível, ela tem que disputar espaço com os diversos grupos pentecostais (citando apenas as grandes igrejas, temos a do Evangelho Quadrangular em 1951, Brasil para Cristo 7 Esta é a função da sociologia da religião: compreensão dos fenômenos religiosos enquanto realidades sociais. Ou na definição completa de Berger (19976:14) “a sociologia não é uma ação e sim uma tentativa de compreensão”. Cf. ainda Maduro (1981) Martelli (1995) ; Weber (1998) 8 Este é um típico movimento religioso baseado em tradição oral, já que não publica livros e/ou tratados para que, a partir dos mesmos, possa ser avaliada. Por causa disto, evidentemente, que tudo o que se diga a respeito da mesma é interpretação de alguém de fora. Sem entrar no mérito, as fontes para as informações sobre a CCB são de Read (1967), Monteiro, (1997). 16 em 1955 e Pentecostal Deus é Amor em 1962), que surgem no cenário. O mundo pentecostal já não é mais o mesmo. O período escolhido vai, portanto, do nascimento, 1911, até o momento de seu registro estatutário em 1946 como uma Convenção Geral, de âmbito nacional, e com um órgão de imprensa e produção oficial de seu material, a CPAD – Casa Publicadora das Assembléias de Deus. Esse é também o período da “dominação sueca”, pois com a construção da CPAD, com dólares americanos, a AD no Brasil sai da influência sueca para a americana. Como limite metodológico, esta pesquisa não tratará de: 1. Analogia com a AD atual. A tentação é enorme, mas metodologicamente errado. A tendência de comparação é até natural, mas a AD das primeiras décadas, dentro do contexto social, político, econômico e religioso, precisa de uma explicação específica, bem diverso da atual; 2. Análise teológica. Este trabalho pretende ser uma análise sociológica, dentro dos padrões estabelecidos por esta ciência. As “razões dos fiéis” serão respeitadas, mas não validadas como explicação sociológica. Algumas correlações entre a AD antiga e a atual serão realizadas objetivando, meramente, o benefício didático para melhor percepção da época estudada; e informações teológicas serão pontuais, também visando ao melhor entendimento, mas sobretudo como marco fundante da própria construção desta igreja. Afinal, é por causa desta e não daquela posição teológica que esta igreja como todas as demais -, é o que é. Os marcos teóricos já existentes Há muitos trabalhos na sociologia religiosa sobre pentecostalismo, porém poucas pesquisas foram feitas sobre o período escolhido 9. A grande maioria privilegia o chamado neo-pentecostalismo. O primeiro trabalho científico sobre a 9 Monteiro (1995:9); Jardilino (s/d) 17 AD foi o de Beatriz Muniz de Souza, A experiência da Salvação – pentecostais em São Paulo10, em 1969 - quando a AD já tem 51 anos de existência. Ou seja, a AD passa 51 anos sem ser notada pela academia brasileira11, e isto já é um indício positivo ou negativo – significativo. Como a pergunta deveria ser feita: - a academia não notou a AD ou a AD não se deixou notar? Primeiro, é indiscutível a perspectiva de desimportância que a religião - não só a AD - tem para a visão positivista da academia. A sociologia da religião chega tardiamente ao Brasil, pelo menos bem posteriormente a outras pesquisas científicas (Cesár,1973; Alves,1984). Mesmo que pesquisadores estrangeiros já tivessem aventado alguma coisa, o que não deixa de ser sintomático também que apenas pesquisadores estrangeiros12 tenham olhos para isto, e os brasileiros não. Segundo, a AD sofre de uma “síndrome de marginal”, por escolha própria. Não ser vista e reconhecida pelo “mundo” não é demérito, e sim “bênção”, faz parte de sua missão. Apenas no Censo de 1980 é que os pentecostais são configurados como uma categoria religiosa distinta, ou seja, quando seu processo hegemônico 13 já se encontra em plena ascensão. Quantitativamente em ascensão, não poderiam mais permanecer invisíveis, nem pelas pesquisas, nem pelas demais denominações 14, nem por opção própria. Retornando à AD, por que ela não chama a atenção dos pesquisadores? Sua síndrome de marginal mais uma vez se manifesta quando, na década de 50, 10 O livro, apesar de ser um marco, “limita-se” a analisar a inserção do pentecostalismo entre o operariado paulista que adere à AD. Esta é a mesma “limitação”, por exemplo da obra de Cartaxo Rolim: sua pesquisa focaliza o pentecostalismo urbanizado e paulista/carioca. 11 Muito diferente, por exemplo da IURD - Igreja Universal do Reino de Deus, em duas décadas de existência já há um considerável número de pesquisas sobre a ela. Sem entrar do mérito das mesmas, elas indicam que, no mínimo, esta igreja chamou, ou chama, atenção. O grande risco é que estas pesquisas, feitas temerariamente enquanto está se formando, percam sua “validade” tão rápido quanto as mudanças que esta igreja esteja sofrendo. 12 Léornad ( 1963) e Willems (1967), Read ( 1967) e, faça-se justiça a Cândido Procópio, com seu Católicos, Protestantes e Espiritas ( 1973 ). 13 Talvez a palavra traga uma conotação que não é a pretendida aqui. Hegemônico está usado no sentido meramente quantitativo, até porque temos muitas dúvidas de que algum grupo religioso seja hegemônico - ainda se tratando de protestantismo - no sentido pleno da palavra. 14 Há diversos trabalhos, tanto sociológicos quanto teológicos, em que as outras denominações evangélicas, as ditas tradicionais, são “obrigadas” a estudar o fenômeno pentecostal E até mesmo a Igreja Católica, antes tranqüila em sua hegemonia, estuda o fenômeno como “ameaça” Oro, (1996)., Sanchis (1994); Guitierrez ( 1997), Cesár/Shaull (1997). 18 o pentecostalismo pela primeira vez desperta o interesse da imprensa; um novo pentecostalismo, a chamada segunda onda, é mais interessante. Pelo viés do jornalismo, é claro que a Cruzada Nacional de Evangelização, que posteriormente vem a ser IEQ - Igreja do Evangelho Quadrangular, usando tendas, tocando rock com guitarra elétrica - o top da modernidade na época - , com proclamação de curas, milagres e exorcismo, é mais atrativa que uma Igreja periférica, simples, avessa à publicidade, como a AD. Freston (1993) diz que, entre outras coisas, a indiferença da pesquisa em relação ao pentecostalismo se dá por preconceito, algo reconhecido, de maneira diversa por Campos (1995), Monteiro (1995), Novaes (1995;1998), Maris (1995) e Bitencourt (1998). Se a ausência de pesquisa no Brasil se dá por preconceito, desinformação etc., o que dizer, por exemplos de livros escritos por pentecostais sobre avivamentos e/ou história do pentecostalismo, que omitem completamente a “maior igreja pentecostal do mundo” no Brasil? Ou no máximo, informam que existe uma igreja AD no Brasil e nada fala de seu pretenso crescimento fenomenal e de seus pressupostos números milionários? A titulo de mera comparação, as estimativas são de que a AD dos EUA tenha 2 milhões e a AD no Brasil, 9 milhões(?). Até pela dimensão continental do Brasil, a AD brasileira é a maior AD do mundo, mas porque nenhum livro da AD nos países da América Latina se reporta a isto? Pesquisa nas fontes primárias As biografias Há três livros biográficos fundamentais: Enviado por Deus (1973) e Diário de um pioneiro (1995), biografas de Gunnar Vingren e Daniel Berg, organizadas por Ivan Vingren e David Berg, respectivamente filhos dos missionários. O primeiro é compilação de 25 diários (Vingren, 1973:92) escritos em vinte anos no 19 Brasil, onde fica claro que muita história foi expurgada. O segundo é uma “celebração”15 que o filho faz ao pai. Um testemunho historiográfico importante é Despertamento Apostólico no Brasil (Vingren, 1987), publicado em 193416 na Suécia, e traduzido e publicado no Brasil somente em 1987. É uma série de artigos/testemunhos dos suecos sobre como se deu a evangelização/construção da Igreja no Brasil, que, talvez seja uma “proto-história asssembleiana” que veio à luz na década de 4017. Duas outras biografias ajudam especialmente no entendimento da problemática das relações entre suecos e norte-americanos (Brenda, 1984) e suecos e brasileiros e surgimento dos Ministérios (Costa, 1984), biografia de J.P. Kolenda e Paulo Macalão respectivamente. A historiografia oficial São três os livros oficias de história da AD no Brasil; oficias porque foram lançados pela CPAD. Para efeitos didáticos neste trabalho serão classificados de: 1a. história: História da Assembléia de Deus no Brasil (1960). Foi escrito a partir de uma decisão da Convenção de 1948, em Natal, tarefa destinada a Emílio Conde18 (1960:8). Nela se desenvolve a teoria do movimento, o autor discute o ecumenismo, a relação com outras igrejas evangélicas, e elabora muito do que vem a ser a teologia assembleiana, enfim, estabelece o padrão assembleiano que é seguido até hoje. Aliás, o livro estabelece o “padrão historiográfico assembleiano”, pois todos os demais livros repetem seu estilo: a história dos suecos, o nascimento da igreja em diferentes Estados e/ou cidades, perseguições, 15 Leonildo Campos (1995) em “Celebrando” obras e carreiras: a função do “louvor” ao passado e aos líderes na criação e manutenção de uma cultura organizacional em uma denominação protestante brasileira”, analisa o papel dos historiadores religiosos enquanto “celebradores das instituições”. 16 Ivar Vingren (1973:92) diz que este livro foi escrito em 1919, mas isto ou é erro tipográfico ou sua a copidescação falhou, pois o contexto é posterior a viagem (2 .) de Gunnar Vingren à Suécia, em 1920 (Vingren, 1987:35). 17 Fui informado desta “história da AD”, publicada na década de 40 numa das entrevistas, mas apenas uma pessoa sabia dela, nenhum outro entrevistado/a confirmou ou desmentiu. Outro entrevistado lembra que no início da década de 70 conheceu um livro na Suécia que poderia ser este. 18 É o primeiro teólogo pentecostal no Brasil, escreve junto com este uma “história do pentecostalismo mundial”, Testemunho dos Séculos (1960). 20 batismos, inaugurações de templos, etc. Apenas os fatos, nenhuma explicação para os mesmos. 2a. história: Tem o mesmo nome do anterior. Lançado em 1982, é o livro de Conde (1960) copidescado por uma equipe na CPAD liderada por Abraão de Almeida, mas lamentavelmente o mesmo não é melhorado, ao contrário. Foram acrescentadas apenas algumas informações sobre os Estados, mas no principal nada difere. O livro, inclusive, confunde datas e faz afirmações não provadas. 3a história: As Assembléias de Deus no Brasil - sumário histórico ilustrado, escrito por Joanyr de Oliveira19, 1998. Foi lançado por ocasião do Congresso Mundial das ADs, em São Paulo20. Avança muito em relação aos anteriores, ao falar positivamente sobre educação teológica, atividades dos jovens e até mesmo citar trabalhos científicos produzidos sobre a mesma21. Mas do ponto de vista historiográfico, é pior. Expõe um amontoado de fotografias com legendas erradas e não se justifica como livro de história22. Como diz Júlio Ferreira comentando a historiografia evangélica “A historiografia(...) é fragmentária e cientificamente deixa muito a desejar”23. Não é diferente de outras denominações evangélicas. Pretende-se, neste trabalho, colocar os “silêncios sob suspeita”24, alguns tópicos e/ou episódios são 19 Joanyr de Oliveira é um intelectual atípico na Assembléia de Deus. Poeta com diversos livros publicados na imprensa secular, é membro da Academia de Letras de Brasília e da Associação Nacional de Escritores, é organizador de uma antologia de poetas de Brasília. 20 Congresso e livro, aliás, segundo insinuações dadas nas entrevistas, realizado como demonstração de força do Ministério de Belém, porque, até o momento, ninguém explicou o surgimento e função deste “congresso”. 21 Só reproduz o que é dito de positivo. As críticas, obviamente, são omitidas. 22 É, como os demais livros, típico assembleiano: grandiloqüente, ufanista, cheio de fotografias que atestam a vitória, mas fica devendo no conteúdo. O autor teve menos de três meses para realizálo, uma temeridade. Informações incompletas e equivocadas, datas erradas e, na pressão do tempo e economia editorial, lhe cortaram a bibliografia e as notas (informação me dada por Joanyr de Oliveira). O texto final, copidescado pela CPAD, chega ao cúmulo de tecer elogios ao próprio autor - como livro de história é um bom realese da CPAD. 23 Cf. Ferreira, Júlio Andrade, Historiografia Evangélica Brasileira, Simpósio, ASTE, vol2. Novembro/68, SP, pg. 36. 24 Este conceito é desenvolvido por Elizabeth S. Fiorenza (1986:86) a partir de seu instrumental teórico na teoria da “hermenêutica da suspeita”. Teóloga feminista, ela estuda a história da igreja sob a perspectiva da mulher, mas esta história foi escrita por homens e só eles são protagonistas, a ação feminina é, para dizer o mínimo, não vista. Então é necessário fazer uma leitura suspeita dos fatos. Ver “As origens cristãs a partir da mulher. Uma nova hermenêutica” (1992). Ver ainda, também Sanzana (1995) em seu trabalho “Todas seriamos rainhas”- História do pentecostalismo 21 propositadamente (?) esquecidos nos livros de história e biografias, e os entrevistados evitam falar. Pelo menos três assuntos são de capital importância:a mudança do nome de Missão da Fé Apostólica para a Assembléia de Deus, o que de fato aconteceu na Convenção de 1930 e a relação entre suecos e americanos. Jornais 25 Estas são as fontes rpimárias mais importantes, desde seu primeiro documento em outubro de 1917, o jornal Voz da Verdade. Ressaltando-se as ambigüidades e papel ideológico do mesmo – estes textos, mais o do que se diz sobre ela, é o que ela diz sobre si mesma. Também o jornal Boa Semente – 1919-29, um exemplar da Voz Pentecostal (fevereiro/30, de Recife), e o Mensageiro de Paz (iniciado em 1930 e até hoje existente). Jornais são, nas primeiras décadas, as únicas produções desta igreja, posteriormente surgem diversos livros teológicos que fogem do âmbito desta pesquisa. Foram lidos e tabulados 522 artigos, 349 do Boa Semente (1919-29) e 173 do Mensageiro de Paz (1930-31)26. Classificados por temática e contabilizados pelo número de articulistas (apenas quem escreve mais de dois artigos foi considerado), anota-se também a nacionalidade e sexo dos autores. Os avisos, testemunhos e notícias não foram considerados nesta tabulação, pois, apesar da conotação teológica e de militância, são episódicos. Os artigos - a temática e seus autores - é que fazem a doutrinação da igreja, ou pelo menos o pretendem. Eles espelham como esta igreja está se formando; ou o que é discutido e é relevante para ela. chileno da perspectiva da mulher - 1909-1935”, onde ela trabalhou com a história oral e usando o referencial teórico da Fiorenza. 25 Os jornais encontram arquivados na CPAD, no Rio de Janeiro. 26 A proposta original era ler e tabular os artigos do MP até 1950, mas uma série de fatores a inviabilizaram. 22 A tabulação dos artigos apresenta os seguintes problemas: 1. Uma arbitrariedade: a leitura determinou que esse artigo é sobre este assunto, usando como critério a própria leitura. Questionável? Sim, até porque diversos - muitos, mesmo - artigos poderiam ser enquadrados noutra categoria, pois poucos deles são específicos sobre determinado assunto. Portanto, o critério foi arbitrário. No entanto, a estatística resultante dele não altera muito, afinal um texto sobre compromisso tem o mesmo objetivo que outro sobre apologia pentecostal: incentivar a militância. 2. Uma surpresa: pela leitura do 1o. jornal de 1917, Voz da Verdade, parece que toda a produção jornalística assembleiana destina-se exclusivamente à defesa da fé pentecostal. Ao se iniciar a leitura fica a impressão de que todos os demais se prestarão apenas a isso, mas no decorrer dos anos o jornal toma outros rumos e outros assuntos afloram (descuido ou propósito?). O jornal termina sendo o canal - único - de ligação dessa igreja nascente neste país continental. 3. Algumas limitações: as coleções estão incompletas27, alguns textos ilegíveis, um grande número de artigos sem indicação de autor e origem, diversos trazem apenas as iniciais, ficando impossível, portanto, saber se foram produzidos por estrangeiros/mulheres e/ou brasileiros/homens. Muitos textos traduzidos não contém identificação de origem, e em nenhum deles consta a tiragem. Informação fundamental para se saber o seu crescimento e potencial, e, evidentemente, da própria igreja. AS ENTREVISTAS A proposta de entrevistar pastores com mais de 70 anos foi uma tentativa de, entre outras, ouvir a versão daqueles que foram contemporâneos dos fundadores. Todos eles iniciaram seus ministérios há mais de cinqüenta anos, 27 A leitura foi feita das xerox já que os originais estão perdidos. E estas ainda estão incompletas. Há um exemplar do “Voz da Verdade” e do “Boa Semente” tem 114 edições. Faltam os números 2 a 21, 31 a 43, 63 e 80 a 91. 23 portanto, trabalharam com a primeira geração de pastores assembleianos nas quatro primeiras décadas. Se eles fossem nossa única fonte de pesquisa, seria um malogro total, mas as entrevistas pretendiam apenas confirmar algumas suspeitas, checar dados não contidos na historiografia oficial, enfim, como já foi dito, ouvir a versão que podiam oferecer. Foram contatados mais de vinte, mas serão consideradas apenas oito entrevistas com pastores28. Por quê? Muitos se escusaram dizendo-se um mero pastor que esteve na igreja estes anos todos mas sem poder de decisão, ausentes do palco da autoridade e, portanto, não se consideravam capazes e autorizados para dar entrevista sobre a origem e construção da igreja. E sugeria outro nome, apontado como “culto e importante”, porquanto, “este, sim, sabe das coisas e esteve na liderança”. Mas o “culto e importante” apontado anteriormente, invariavelmente era o pastor presidente do Ministério, e a secretária e/ou pastorauxiliar impossibilitam o acesso a ele. Outras entrevistas não passaram de uma conversa-monólogo e, assim, não alcançaram o objetivo. O roteiro de perguntas muitas vezes não foi seguido. Desde o cuidado que se precisa ter com a saúde de alguém com mais de 70 anos, a presença de familiares sentindo-se parte da história (muitas vezes ficou claro que o pastor não queria falar sobre determinado assunto na frente da esposa e filhos), a situações constrangedoras de ser expulso da residência por não ter em mãos uma “Carta de Recomendação”29. Entrevistar alguém com essa idade, é algo excepcional, aliás uma tentativa excepcional. Ele aproveita-se da pergunta para responder outra; é uma oportunidade de contar mais um “causo”, na sua concepção bem mais importante do que as questões que o entrevistador pretende investigar. E, evidentemente, sua versão é a correta e ninguém pode - nem deve questionar. Ou interromper sua fala. 28 Duas entrevistas com mulheres serão também consideradas separadamente, apesar de termos conversado com diversas esposas de pastores. Não é possível incluí-las na contagem porque elas não participaram das questões decisórias da igreja. 29 Em Recife, na casa de um pastor de 90 anos, no auge da conversa, a esposa nos interrompeu para saber se eu havia pedido autorização do pastor-presidente para fazer-lhe aquela visita e me pedir a minha “Carta de Recomendação” . Na ausência destas, fui “convidado” a sair em “nome de Jesus”. 24 Evidentemente, este universo é muito pequeno para, a partir dele, se chegar a concluir alguma coisa sobre a instituição, no entanto, algumas conclusões podem ser tiradas: 1. Classe social: todos os oito entrevistados, originalmente, vieram de classe baixa (operários, alfaiate, metalúrgico) e de pequeno poder aquisitivo (nada muito diferente da realidade hoje); 2. Escolaridade: dois têm 3º grau, dois o 2º e todos os demais são apenas alfabetizados. Não temos nenhuma estatística antiga, nem atual, para checar se estes dados podem estar próximos da média; 3. Entrada do ministério: todos foram consagrados ao ministério pastoral bem jovens. Apenas um foi consagrado com 32 anos, todos os demais abaixo de trinta e um com 16, e quando ainda solteiros (algo rejeitado por várias Igrejas AD hoje); 4. Religião anterior: dois são ex-presbiterianos, um ex-luterano e os demais ex-católicos. Um dado chamou atenção, apenas um se converteu com 22 anos, os demais o fizeram na adolescência; 5. Exercício do Ministério: todos iniciaram seus ministérios - pregação e fundação de igreja - antes de receberem algum título pastoral (os obreiros leigos ainda hoje iniciam seu ministério de pregação bem antes da ordenação, mas hoje seria “desnecessário” que uma moça solteira ou uma família iniciasse uma igreja); 6. Por fim, todos saudosisticamente louvam seu período como o “ideal, verdadeiro, correto, santo, onde a igreja dependia do Espírito Santo apenas”, e reclamam da igreja atual que, segundo entendem, está “desviada, caindo na teologia da prosperidade, burocratizada, cheia de disputa por cargos, preocupada em agradar o mundo, querendo parecer com as igrejas tradicionais30” A tentativa de resgatar a história oral foi uma etapa interessante, mas um tanto complexa. Primeiro, a desconfiança: qual o interesse de uma universidade metodista na historia da AD? Esta primeira etapa foi vencida com minha 30 Todas estas afirmações são palavras/frases dos entrevistados. 25 identificação como diácono assembleiano, usando também o nome de meu pai31, antigo pastor da AD no Ceará, que alguns conheceram. Segundo, porque queria entender algo tão óbvio: a construção/crescimento da AD foi “ação do Espírito Santo” - e, eu, como assembleiano, “deveria conhecer, e não perder tempo com isto”. Finalmente, a própria resistência em falar com um “menino” (como fui chamado por um pastor de 82 anos) sobre assuntos tão sérios. Ademais, tudo já passou e o mais importante é que Deus “confirmou sua obra e a AD está aí como a maior igreja do mundo!”. Os seus nomes, obviamente, serão omitidos (foi um compromisso assumido durante a entrevista), até porque os exporíamos, uma vez que uma das principais características das entrevistas foi a contradição32. AS ATAS No início da pesquisa, a principal pergunta era: onde estão as atas das reuniões convencionais e/ou de ministérios? Na CPAD não estavam e nas diversas sedes de Ministérios também não. Nas entrevistas, foi frisado diversas vezes que os “suecos não faziam atas33”, pois “eles eram contra todo e qualquer tipo de organização”. Emílio Conde (1960) e Lewis Pethrus (Vingren, 1973) falam contra a possibilidade de a AD vir a se tornar uma “denominação”, então, escrevemos o texto desta dissertação dentro desta temática. No entanto, em fevereiro de 2000 encontrei as cópias de Atas em mãos de pessoas particulares (filhos de pastores da primeira geração). Os suecos faziam atas, sim. Muito mais 31 José Freire de Alencar (1915-1982), iniciou seu ministério no em 1936 Contradição na história oral não é mentira nem falsidade do entrevistado, apenas sua “construção de reminiscências”, com todas as ambigüidades que isto venha ter na medida que, “o processo de recordar é uma das principais formas de nos identificarmos(...)Ao narrar uma história, identificamos o que pensamos que éramos no passado, quem pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser. “Cf. Thomson, Alistar, Ética e História Oral - Recompondo a Memória: questões sobre a relação entre história oral e as memórias. Proj. História de São Paulo(15), PUC abril/97 33 Alguns explicaram que nem mesmo se fazia registro de membros porque é “pecado contar o povo de Deus”. Algo que outras igrejas também crêem a partir do episódio da condenação divina a Davi por realizar um recenseamento em II Samuel capitulo 24. 32 26 que isto, publicavam um livreto de cada Convenção para os participantes. Os suecos eram contra a organização nacional da Igreja34 mas, no decorrer da caminhada, a necessidade de institucionalização os ultrapassou. Uma análise das atas, em seus múltiplos aspectos, ainda está por ser feita, trabalho, aliás, que renderia diversas teses. Os dirigentes das Convenções e as indicações dos mesmos; a estipulação dos horários para Estudos Bíblicos e questões administrativas; os participantes, quem pode falar e votar; a presença feminina (no início seus nomes são citados, depois figuram apenas como “pastor x e esposa”, mas tarde são proibidas de participar); os assuntos debatidos (aceitase batismo dos adventistas e presbiterianos?; pode um pastor da Assembléia participar de um culto noutra igreja?, etc.); a interminável discussão sobre as “Fábricas de Pastores” (seminários) e a conflituosa relação dos Ministérios entre si a partir da década de 40, pois em quase todas as sessões há um comissão para resolver o “caso de .....” ( assim mesmo, “caso” sem nenhuma explicação da origem do problema e suas conseqüências)35. As Atas precisam ser “interpretadas”, porque como são todas as Atas meros registros e não explicação dos fatos. Serviram, para nossa pesquisa particularmente, como indicação da problemática relação dos suecos com os norte-americanos. Algo, aliás, completamente omitido na historiografia oficial 34 Temática a ser discutida no cap. III, ponto 4) As Atas da Convenção de 38 já falam de “dificuldades em várias localidades” (pg. 37), “incompatibilidades entre obreiros” (pg. 17) e „invasão de campos” (pg. 11). 35 CAPÍTULO I PENTECOSTALISMO: ORIGEM, TEORIAS E CRESCIMENTO Introdução Repetindo o que virou senso comum, o pentecostalismo é o mais importante fenômeno religioso do século. E, senso comum, também se tornaram alguns princípios sociológicos que explicam o pentecostalismo, ou pelo menos se tornaram padrão metodológico para enquadrá-lo a partir dos anos sessenta, quando ele começa a ser estudado no Brasil. “Princípios” 1, que, resumidamente, seriam: a religião institucional não conseguiu responder à anomia (Durkheim) provocada pela urbanização e industrialização das cidades brasileiras, agravadas, ainda mais, pelo seu caráter opiáceo, num amplo processo de alienação (Marx) deste continente pobre que não aderiu e/ou não entendeu a racionalização modernizadora protestante (Weber) das denominações históricas. 1 “Princípios”, aliás, atualmente questionados. Dentre os autores que levantam algumas questões metodológicas estão Peter Fry (1975:84) que diz que os mesmos se tornaram “estereótipos sociológicos” e Leonildo Campos (1995:36) num texto sobre as mudanças de paradigmas em ciências da religião chama atenção para “hipóteses-palpites” que podem se tornar “ciência”. Já Wilson Gomes (1996:254) no polêmico texto, “Nem anjos nem demônios - interpretações sociológicas do pentecostalismo”, et alli Antoniazzi (1996), fala de “Cinco teses equivocadas sobre as novas seitas populares” . Conquanto pretenda trabalhar a problemática das seitas modernas, algumas das questões debatidas (dinheiro, alienação social e relação com Igreja Católica) dizem respeito ao pentecostalismo também em sua origem. 28 Mas a complexidade tanto do fenômeno pentecostal como do pensamento destes autores é bem maior. Portanto, dizer que o crescimento do pentecostalismo deu-se como resultado da anomia produzida pela urbanização a partir da década de 50 poderia até ser uma explicação a partir dessa época, mas como e por que o pentecostalismo cresceu - e cresceu muito - nas décadas anteriores? Justificar a adesão ao pentecostalismo por absoluta alienação das massas empobrecidas é uma das respostas, mas por que parte da “massa alienada” adere também a outras religiões2 ou a nenhuma? E qual a explicação para as alterações sociais operadas concomitantemente a esta alienação? Situálo, por fim, numa “efervescência carismática”, excluindo-lhe do mínimo de racionalização, negando-lhe, inclusive a nominação de igreja e/ou protestante3 pode ser apenas a mera indicação do problema e não sua explicação. Mas o que dizer do processo de institucionalização das chamadas “agências de cura divina”? Repetindo, não dá para enquadrar um “fenômeno paradoxal” (André Droogers, 1991) e a complexidade dos marcos teóricos durkhamiano, marxista e weberiano em poucas linhas4. Ademais, algumas perguntas que os primeiros pesquisadores lançaram ou se propuseram responder, por causa da renovação do fenômeno continuam esperando respostas; as dadas, foram superadas e outras surgiram. E, atualmente, as pesquisa têm um leque bem diversificado. Há diferentes perspectivas no estudo do pentecostalismo, tais como acomodação social (Sousa, 1967; D‟Epinay, 1967), superação da pobreza e machismo (Mariz, 1994, Machado, 1994), alienação social (Rolim, 1985; Brandão, 1980), formação da cidadania (Novaes, 1985), atuação política (Freston, 1993) adesismo político (Pierucci, 1996), relativização ética (Mariano, 1999) até modelo administrativo de marketing (Campos, 1999b). Há, portanto, diferentes respostas e análises dos diversos pesquisadores em suas respectivas épocas. Nosso objetivo é, a partir das 2 mesmas, tentar entender a pluricausalidade do crescimento do Fry (1975), por exemplo, analisa, nesse texto, a adesão ao pentecostalismo e a umbanda. Por razões diversas, e em contextos diferentes, alguns autores entendem que determinados grupos ditos pentecostais ou neo-pentecostais não podem ser chamados de protestantes e/ de igrejas evangélicas, cf. Mendonça, 1998; Mariano, 1988, Jardilino, 1994. 4 Cf. Monteiro (1995), Campos (1995) e Mariz (1995) em temáticas diferentes chamam a atenção para a possibilidade desta simplificação. 3 29 pentecostalismo, e não tratá-lo num só marco teórico (Fernandes/ISER, 1998:134; Campos, 1995). “Para se entender bem os pentecostalismos5 presentes na sociedade brasileira, é preciso que seus analistas passem dos paradigmas da simplicidade para o domínio dos paradigmas da complexidade” (Campos, 1995:29, grifo no original). Diversos trabalhos escritos há alguns anos usaram uma das antinomias basilares, como igreja-seita, pobre-rico, opressor oprimido, racional-místico. Mas, na atualidade, com a superação desses paradigmas, o desafio é, usando o que eles têm de válido e ao mesmo tempo ultrapassando-os, interpretar a realidade com uma visão mais ampla. 1 – A ORIGEM (MARGINAL) DO PENTECOSTALISMO a) Um filho de escravo perturba o mundo evangélico: A rua Azuza, 312, em Los Angeles, no início do século, é considerada o marco moderno do nascimento do pentecostalismo (Hollenweger, 1976; Dayton 1987) tendo como líder principal o “apóstolo negro” (Forbers J. 1983:12), J. W. Seymor. Este filho de ex-escravo havia sido aluno da Escola Bíblica Betel, sob a liderança de C. Parham, onde de fato começou o movimento de “línguas estranhas” em 1901. Parham desafia os alunos a estudarem os livros dos Atos dos Apóstolos e, a partir desse estudo, o fenômeno da glossolalia acontece e se espalha. Apesar desse registro localizável, há diversos relatos segundo os quais o mesmo fenômeno acontecera simultaneamente em outros lugares, sem nenhuma conexão uns com os outros. A referência que se faz à Rua Azuza, ganha destaque muito mais porque remanescentes dali se espalharam pelo mundo 6, ainda que sem todos os princípios doutrinários, porém munidos com o que pareceu mais “notável”, que foi a questão da glossolalia. 5 Neste mesmo texto, Leonildo Campos diz que não “há pentecostalismo no singular” op. cit., 27 e Rolim(1995:22) diz que o “pentecostalismo não é uma religião uniforme. Foi homogênea apenas durante seus primeiros anos” 6 W.G. Hoover, o missionário metodista que inicia o pentecostalismo no Chile conhece o movimento através da mesma fonte que os missionários suecos e italiano que vêem para o Brasil, bem como diversos outros movimentos pentecostais no mundo. Cf. Wlaker (1990), Deiros, (1994), Conde (160), Dayton (1987) 30 Em diversos momentos históricos da igreja podem-se encontrar fenômenos parecidos com os da Rua Azuza: profecias, visões, línguas. Além destas especificidades uma “postura pentecostal” pode ser identificada em outros movimentos. Se considerarmos, mesmo que esteriotipadamente, como “postura pentecostal” a ênfase na espiritualidade e um pretenso retorno ideal aos Atos dos Apóstolos, dá para apontar para o movimento de santidade do Metodismo, os avivamentos do século XVIII, o pietismo, etc. Dada a fragmentação denominacional (Niebuhr,1992) decorrente da Reforma protestante, há sempre grupos insurgentes contra a “frieza da liturgia”, o “desvio da igreja”, a “adesão ao Estado”, o “abandono da espiritualidade”, na procura de, segundo eles, “resgatar” o que seria o verdadeiro cristianismo. Em diversos momentos da história do cristianismo as “religiões do Espírito” se manifestam invariavelmente de forma subversiva, herética7, enfim, marginal. Este discurso de retorno às origens é bem típico do protestantismo, ou uma variante do “Igreja reformada sempre se reformando”. Todas, aliás, justificam suas origens (quem sabe uma forma de encobrir o problemático surgimento de cada uma denominação, Niebuhr, 1992) como um retorno a “verdade bíblica”, daí ser bem natural o “retorno ao Atos dos Apóstolos8” que o movimento pentecostal (neste momento a AD, especificamente) tanto advoga. b) Babel ou Pentecostes, a mensagem se espalhou O que torna o movimento da rua Azuza um marco? Além da propagação internacional que ele causou, o fato de, a partir daí, 1) ser um movimento urbano e 2) ser um fenômeno inter-racial. Mesmo não significando que esses dois fatores lhe sejam favoráveis, indiscutivelmente, porém, foram marcantes. Sendo um fenômeno moderno da cidade, evidentemente, este fato ajudou em sua propagação com mais facilidade. Los Angeles recebia levas de imigrantes 7 A palavra é usada no seu sentido etimológico sem conotação teológica. Heresia no grego, “hairesis”, é, literalmente, „escolha” é usado pelos clássicos e na Septuaginta como uma escolha de um grupo filosófico ou de uma pessoa. Posteriormente, toma uma conotação pejorativa de um erro doutrinário. Cf. Novo Dicionário da Bíblia, São Paulo, Vida Nova, pg. 709. Enciclopédia Histórico Teológico da Igreja Cristã, São Paulo, Vida Nova, 1990, pg. 248. 8 É no livro de Atos dos Apostólos (Cap. 2) que acontece o fenômemo do pentecoste na nascente Igreja. 31 europeus que se encarregaram de anunciar a novidade. Segundo Corten (1995:58) o pentecostalismo é um “fenômeno transnacionalizado”. O fato de que diversos grupos, independentemente de seus rótulos denominacionais terem sido atingidos pelo fenômeno, ajudou na propagação. E, entre disputas de espaço e entusiasmo com a novidade, o movimento espalhou-se rápido. Mas essa possibilidade quantitativa lhe trouxe uma fragmentação irreversível, a ponto de não conseguir ter algum referencial doutrinário único. Há algumas características genéricas que podem ser atribuídas ao movimento, mas sua principal marca é a pluralidade, ou, para os não-pentecostais, a “confusão doutrinária”. A questão teológica da “bênção dupla” ou “bênção tripla” ( Hollenweger, 1976: Dayton, 1987: Horton, 1996) foi um também fator divisão dos diversos grupos. Problema teológico que nunca afetou o pentecostalismo brasileiro. Numa região e época em que as tensões e separações entre as raças ainda eram muito delimitadas, mesmo nas igrejas evangélicas (Niebuhr, 1992), um grupo religioso que reunia num mesmo lugar negros e brancos, era, no mínimo, inusitado. Talvez essa tenha sido a causa da perseguição jornalística9 que, ironicamente, termina por ajudar na sua divulgação. E por mais que o movimento, no início, tenha reunido diversos grupos e raças, esse mesmo movimento é separado também em grupos e raças – o sectarismo protestante não pode ser negado. 2 – REFERENCIAIS TEÓRICOS : Há algumas teorias sobre a religião, e mais especialmente, sobre o pentecostalismo que, tanto pela originalidade quanto pela primazia do tempo se tornaram referencias, precisam ser citadas. 9 Os jornais em Los Angeles noticiaram os eventos da rua Azuza assim: Los Angeles Dayli Times: “Santos esperneadores promovem orgias”; O Los Angeles Times: “Brancos e Negros se misturam num frenesi religioso”. (Campos, 1999b:179). Os jornais chilenos na época do surgimento do pentecostalismo têm comportamento idêntico ( D‟Epinay, 1970:49). No Brasil, sem a conotação racista, as conseqüências foram menores até porque o âmbito de alcance dos jornais de Belém do Pará também era menor (Vingren, 1973:50;55). 32 a) Três idéias clássicas sobre religião: Levaremos em conta três livros escritos no início do século que analisaram a religião; Economia e Sociedade (escrito em 1914), As origens sociais das religiões cristãs (escrito em 1929), A era protestante (escrito em 193710), por Max Weber, H. Richard Niebuhr e Paul Tillich, respectivamente. Do ponto de vista objetivamente específico, nenhum deles falou do Pentecostalismo, mas tratam de questões religiosas que transcendem suas épocas e são marcados pela originalidade. Weber - o carisma e os adeptos Weber tem um conceito muito importante - os tipos de dominação11 - que é fundamental para o presente estudo. Segundo definição do próprio, dominação “é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”12. Dentro de sua classificação há três tipos de dominação: a racional, a tradicional e a carismática. A que nos interessa, mais precisamente, é a carismática. A dominação carismática é “baseada na veneração extracotidiana da santidade, do poder heróico ou do caráter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas”13. Enquanto as anteriores, para funcionarem e serem legitimadas, necessitam de um corpo burocrático, ordens impessoais, qualificação pessoal, prebendas, etc., esta se legitima a partir dos adeptos14. Adeptos - isto é algo de suma importância para entendimento do fenômeno pentecostal. O carisma é uma dotação pessoal extracotidiana, e como o próprio Weber diz, é impossível avaliar isto “objetivamente” com critérios estéticos, éticos, etc., 10 Publicado em português em 1992, foi lançado originalmente em inglês em 1948 como uma coletânea de artigos escritos desde 1929 a 1945. Neste momento trataremos especificamente do texto “O fim da era protestante”, escrito em 1937. 11 Cf. Weber (1991) cap. 3. 12 Op.cit, 33 13 Op.cit, 141 14 Op.cit, 159 33 pois o portador dos “carismas” é reconhecido por seus adeptos. O pentecostalismo se realizou, cresceu e expandiu-se a partir do reconhecimento endógeno dos carismas; líderes - homens e mulheres - na condição de “enviados por Deus” que reúnem em torno de seus dons um grande grupo de adeptos, e causaram a guinada. Só que esse carisma, por mais fenomenal que seja, tende a se “rotinizar”, daí aparece um novo personagem extracotidiano (de preferência mais extracotidiano que os anteriores), com um novo carisma (ou o mesmo carisma mas com uma nova roupagem), consegue novos adeptos, e dá nova guinada. Mesmo sem a intensidade original, porque por mais carismática que a igreja seja - ou pretenda ser - ela tende a se tradicionalizar (entrando, assim, na segunda fase da dominação tradicional) e também porque, como Weber diz, não existem “tipos ideais puros”. Nenhuma dominação é exclusivamente carismática ou tradicional - mesmo que as igrejas insistam em afirmar o contrário. Ora, enquanto as demais instituições religiosas estão se legitimando a partir do Credo X, Documento Y, Comissão A instituída pelo Concílio D, com um corpo eclesiástico formado e racionalizado, a carismática não tem “funcionários profissionais”, porque não há seleção por critérios objetivos, mas pelas qualidades carismáticas (“discípulos”, “homens de confiança”, “nomeação”). Não há hierarquia, salário, autoridade institucional, regulamento algum. Há somente a intervenção do líder, a camaradagem do amor, juízos de Deus, revelações e o reconhecimento como dever. O carisma e os adeptos. Haverá sempre espaço para os carismas se manifestarem e, muito mais espaço legitimador para realimentarem os mesmos. Niebuhr - a igreja dos deserdados renasce sempre? Em seu livro, Niebuhr pretende explicar o “fracasso ético” do cristianismo por causa das divisões, pois, as pretensas razões teológicas das denominações são apenas disfarces para racismos, nacionalismos, etnocentrismos; a “ética das castas acaba com a ética da fraternidade”15. Fazendo um levantamento histórico 15 Op.cit., 21 34 desde a Reforma16, o autor identifica vários movimentos sociais - “anabatistas, metodistas, Exército da Salvação e seitas mais recentes”17 que ele chama de “igreja dos deserdados”, em contraposição à “igreja dos afortunados e cultos”. O presbiterianismo era intelectualista, aristocrático e autoritário18, e o luteranismo aliado à nobreza tornou-se religião estatal com os mesmos problemas que o catolicismo tinha antes; portanto, a Reforma não conseguiu satisfazer as necessidades religiosas dos camponeses e das demais classes não-privilegiadas. E quais eram essas necessidades? Justiça social, participação popular nos cultos, fervor emocional, esperanças apocalípticas. A Igreja dos deserdados tem tudo isso, além de “visões, revelações, luz interior, atmosfera sobrenatural de milagres” - tudo o que mais tarde vai caracterizar o pentecostalismo. É interessante que Niebuhr, em 1929, não se reporta em nenhum momento ao pentecostalismo. Aliás, para ele o metodismo19 foi o último movimento dos deserdados no cristianismo e “não há, atualmente, movimento efetivo religioso entre os deserdados e, como resultado, eles estão simplesmente fora do pálio do cristianismo organizado”20. Niebuhr não acreditava, ou, por preconceito, não conseguiu ver, que uma “igreja de deserdados” pudesse surgir sempre21. Como os movimentos mendicantes, a Irmandade do Livre Espírito, os anabatistas, o Pietismo e outros, o movimento pentecostal do século XX nasce marginal, entre os pobres que não tinham espaço e resposta às suas necessidades dentro das instituições religiosas de classe média e alta. Se tem a originalidade da igreja primitiva, o fervor dos morávios, a santidade dos montanistas, é outra questão, mas origens, ou, douta forma, as causas sociais são paralelas ( Dayton, 1991) 16 O livro, portanto, deveria se chamar “As origens sociais das denominações protestantes” pois é deste universo que trata. 17 Op. cit. 26 18 Op.cit. 34 19 Originalmente, pois no momento em que ele escreve já o considera uma igreja de classe média, (50) 20 Op. cit. 53 21 Uma possibilidade seria, ele como tantos outros, estar convicto de que a secularização modernizante, enfim, descartaria a religião como fenômeno social relevante. A religião, seria cada vez uma proposta privada, e nenhuma religião mais, nem mesmo a dos deserdados, conseguiria alterar - positiva ou negativamente - a realidade social. Ver Leonildo S. Campos (1995) “O estudo do pentecostalismo diante das mudanças de paradigmas em Ciências Sociais, Série Ensaios de Pós-Graduação/Ciências da Religião, Ano I, no. 1, novembro de 1995 (pg. 29-53) 35 Tillich - o “princípio protestante” está perdido? Em 1938, o teólogo Tillich vê o protestantismo rendido a outros interesses que não o da fraternidade cristã (ironicamente, na Alemanha ao nazismo, e, nos EUA, ao capitalismo) e o sentido profético da palavra “transcendente, julgadora e transformadora”22 se perdendo, passando a religião a ser uma mera “serva da opinião pública”, e abandonando as massas populares. O ser humano, vítima da exploração capitalista, perdeu o “sentido de existência”, e a resposta do protestantismo é meramente intelectualista, pois não consegue “transcender ao secularismo desintegrador”23. Na visão de Tillichi, há três grupos empenhados na reintegração das massas naquele momento: o comunismo, o fascismo e o catolicismo romano. Sem considerar as razões dos dois anteriores, nos reportaremos apenas ao último. O catolicismo, com sua hierarquia autônoma24 e seu poder simbólico, seria a única força religiosa com apelo significativo às massas desintegradas. Ou seja, o protestantismo precisará: 1. resgatar uma nova compreensão dos símbolos, as “objetividades do sagrado”; 2. Ultrapassar a barreira do sagrado e do profano e resgatar a cultura; 3. Realizar o “protesto profético” contra o Estado, a Igreja, o partido ou líder - todas instâncias que reivindicam caráter divino, caso contrário será o “fim da era protestante”25. É possível que Weber, em 1914, na Alemanha, não conhecesse o pentecostalismo moderno, mas será que Niebuhr e Tillich nos EUA nas décadas de vinte e trinta não tenham ouvido falar – ainda que mal - do pentecostalismo para inclui-lo em suas análises?26. Faz sentido, religião de pobres e pretos, liderada por ex-escravos e mulheres (Hollenweger, 1972) não tinha chegado ao conhecimento da academia. 22 Op. cit. 204 Op. cit. 243 24 O contexto protestante europeu é de igrejas estatais, onde, portanto, a hierarquia está atrelada e dependente do Estado; já nos EUA o compromisso é com “grupos socais” (245) 25 Op. cit. 249 26 Talvez um episódio que Leonildo Campos conta no artigo já citado, possa ser ilustrativo disto: num debate com Harvey Cox e Rubem Alves, em 1969 (note-se bem a data) ao ser perguntado sobre a “pentecostalização do protestantismo histórico”, Alves disse textualmente: “Esse é tipo de problema que não me interessa no momento” 23 36 Não se pode afirmar que o pentecostalismo seria ou é: o carisma que atende aos deserdados num protesto profético, no entanto, qual outro fenômeno religioso neste século poderia aproximar-se disto? Mendonça (1997:109), inclusive, comentando este texto de Tillich, diz: “Tillich achava, na época em que escreveu, que o catolicismo romano estava preenchendo essa função pelo seu poder reintegrador e simbólico. Parece que seu raciocínio não vale para o Terceiro Mundo, em que as religiões de mais apelo simbólico, como o pentecostalismo, estão suplantando o protestantismo e o catolicismo.” b) Três visões sobre o pentecostalismo brasileiro Há muitas análises distintas sobre o pentecostalismo (já frisadas na introdução), no entanto, poucas trabalham sua origem e o período específico escolhido. Usaremos, portanto, três autores que, historicamente, estão próximos até porque são os primeiros a escreverem sobre o assunto. O Protestantismo Brasileiro - um estudo de eclesiologia e história social (1963), A experiência da salvação: pentecostais em São Paulo (1969) e Pentecostais: uma análise sócio religiosa (1979), de Emile-G Léornad, Beatriz Muniz de Souza e Francisco Cartaxo Rolim, respectivamente. Léonard - um pentecostalismo sem leitura bíblica não terá futuro. Pelo título do livro vê-se que ele trata do Protestantismo, e não do pentecostalismo especificamente27; no entanto, no final de seu livro ele faz rápidas considerações sobre as “religiões iluministas”. Sua análise sobre as igrejas “pentecostistas” da época se reporta à AD e CCB. Sobre a Assembléia de Deus, ele afirma seu “caráter bíblico”, mas vê a Congregação Cristã no Brasil com muitas reservas, inclusive, de esfacelamento do movimento porque não tem algum tipo de estrutura bíblica, ou estudo sistemático da Bíblia. O irônico é que, 50 anos 27 Tem “lógica” histórica porque seu livro, originalmente, foi publicado como artigos na Revista de Historia da USP entre janeiro de 51 a dezembro de 52. Nesta época o pentecostalismo ainda era uma religiosidade completamente ignorada. 37 depois, aconteceu o inverso. A Congregação Cristã continua coesa, sem dissidência, sem mudança na orientação política ou ética, e “bíblica” 28 com seu sistema eclesiológico intocável tanto quanto no inicio do século. Se melhor ou pior não nos cabe definir. Isto é apenas uma contestação sociológica. No entanto a Assembléia, também com seu caráter “bíblico” (aqui vale o mesmo que se afirmou para a Congregação), foi completamente alterada. É outra igreja, bem diversa da que foi analisada por Léornad. Qual nossa percepção afinal: as realidades sociais são mais fortes e capazes de alterações mais significativas que o pretenso “caráter bíblico ou não bíblico de uma igreja”29. Isto, aliás, já foi analisado por Niebuhr (1992), sobre as estruturas eclesiológicas que se alteram ou se conservam obedecendo às demandas sociais. A Congregação conseguiu ser um grupo homogêneo em seus primeiros anos porque se inicia dentro de grupo étnico, razoavelmente coeso, de forte tradição e com interesse de preservá-la. Desenvolveu uma estrutura de poder leigo que ficou inume as disputas de poder ou tentações financeiras. Socialmente, nunca teve atuação e, parece, não sente necessidade disto; optou por uma postura apenas “sacral”30 em sua religiosidade. Permaneceu sempre um grupo fechado e com visibilidade reduzida e, conseqüentemente, fácil de administrar e se preservar31. Já a AD se pluralizou, modificou e hoje, com exceção da doutrina da contemporaneidade dos dons do Espírito Santo, não tem quase nada que lembre a antiga igreja. Foi alterada, fundamentalmente, por demandas sociais. 28 “Bíblica” no sentido que Léornard entende de “bíblica correta”, não nos cabendo aqui definir se correto ou errado. O que se quer dizer com isto: sua doutrinação (calvinista, congregacional, não clerical, não proselitista) que ele entendia como correta no início do século se mantém até hoje. 29 Isto deve causar calafrios e ser visto como absoluta “heresia” pelos religiosos. 30 Em todos os seus trabalhos Rolim (1979, 1980, 1995) critica o pentecostalismo por sua ação alienada de postura “sacral e não social”. 31 Não se tem documentos ou textos da igreja para alguma análise, mas por conversas informais com membros se tem a impressão de que a igreja deixa o membro muito a vontade em sua conduta. Por exemplo, em suas reuniões de confraternização alguns ingerem bebidas alcóolicas e outros não. A Igreja não o proibe, mas também não incentiva. Isso problematiza ainda mais a caracterização de “seita” em seu rigorismo moral individual dos membros. Eliana Gouveia (1986), em seu trabalho sobre a questão feminina, analisando as Igrejas Pentecostal Deus é Amor e Congregação Cristã, entende a primeira como “igreja” e a segunda como “seita”. 38 Beatriz de Souza - o ajuste urbano Uma tese funcionalista que entende o pentecostalismo como uma resposta à anomia social (Durkheim), fruto do processo de urbanização e industrialização. E fica dentro da questão que move os pesquisadores da década de 60, em relação ao pentecostalismo, algo que D‟Epinay expressa claramente em seu trabalho sobre o Chile: 1. O pentecostalismo é uma expressão cultural do povo chileno ou é algo estrangeiro? 2. esta expressão religiosa contribui no processo de transformação social? Para Beatriz de Souza, o pentecostalismo, mesmo tendo origem estrangeira, se “abrasileirou”32, aculturando-se o suficiente para tornar-se uma das expressões da religiosidade local. Apesar - ou por causa disto mesmo -, de sua “descontinuidade-continuidade” (D‟Epinay, 1970) exerce exatamente este papel nas camadas que atinge. A “descontinuidade” do rompimento com a identidade anterior (católica) e “continuidade” de permanecer alheio à realidade. Procópio Camargo, na mesma linha de pensamento, diz que, apesar disso o pentecostalismo também tem a capacidade de reconstrução de relações fraternas, estabelecimento de reajustamentos na urbanização desagregadora. A “seita” fechada, reacionária e excludente tem também uma coesão e rigor moral muito “necessário” aos migrantes que se agarram a isso como força agregadora e normatizadora de suas vidas. “A ética puritana, contrapondo-se por sua rigidez à lassidão moral considerada pelos protestantes como típica do Catolicismo, veio acompanhar a vivência da conversão ao novo credo religioso. Esta ética desenvolveu entre os fiéis padrões de conduta característicos, sociologicamente importantes. Enfatizando estrita honestidade nos negócios, conduta austera e recato do trajar, propugnavam, paralelamente, severas restrições de comportamento: não ter vícios, como os de fumar e beber; não freqüentar diversões profanas; não participar de jogos de azar; não ter relações sexuais extraconjugais” Camargo (1973: 136-7) 32 D‟Epinay(1970:17) tem a mesma preocupação: saber se o pentecostalismo é um corpo estranho ou se “chilenou” 39 Cartaxo Rolim - alienação sacral Para Rolim, a inexistência de atuação política se dá, primeiro, porque a “religião pentecostal que se implantou no Brasil é um rebento daquela experiência pentecostal dos americanos de cor branca” e, segundo, “as camadas pobres que a ela aderiram, se traziam a experiência religiosa do devocional católico, não traziam a experiência política-social” (Rolim, 1995:24,47-48). Os missionários trouxeram apenas a “experiência religiosa” e não de atuação na luta de libertação dos pobres e marginalizados na sociedade (o viés pentecostal negro norte- americano). Então, esta experiência religiosa estrangeira aqui encontra uma religiosidade nativa, acomodada e marginalizada pelas instituições religiosas, que se alastra na periferia sem nenhuma alteração social. Não fora exigido antes, também não sente necessidade dela na sua implantação. Rolim, em seus diversos textos, registra algumas experiências políticas dos pentecostais, como as Ligas Camponesas (Pernambuco), um levante de agricultores (Maranhão) e um protesto de pescadores (Rio), como esperança de que o pentecostalismo seja alterado. Mas, como ele mesmo admite, estes são casos isolados. Esses casos de atuação política no meio pentecostal foram „acidentes de percurso”. Ou seja, não foi uma determinação da igreja em participar. Em nenhum um momento existiu uma orientação teológica da necessidade de presença na realidade, muito pelo contrário, a igreja condenou sempre esta participação. Além de condenar, ignora completamente estes episódios: não há um só registro nos jornais, histórias e livros da igreja33. Conquanto as indicações de Rolim possam estar corretas, ele não atentou para duas outras causas dessa postura: l. a condição de estrangeiros num período tenso da história, que lhes prejudicaria qualquer postura política; e 2. A aversão que eles sentiam por qualquer instituição, pelo trauma da perseguição sofrida em 33 Nos anos 90, a AD nem mesmo citava a Benedita da Silva em seus jornais, quando ela começou sua atuação nas favelas do Rio de Janeiro, se elegendo vereadora, deputada e depois senadora pelo PT – Partido dos Trabalhadores. Agora, como vice-governadora (deixou de ser oposição e passou a ser governo), o Mensageiro da Paz publica fotos suas e elogios, mas não diz como e porque ela saiu da Assembléia e foi para a Presbiteriana. 40 seu país de origem, daí a defesa sueca das chamadas “igrejas-livres”. Não se pode excluir a influência da “mentalidade sacral católica”, mas também não se pode reduzir isto à orientação racista dos brancos americanos. Os suecos não compartilhavam deste racismo. Foram omissos politicamente, mas por outras razões. 3 – CRESCIMENTO. Inicialmente vejamos as “razões” que o pentecostalismo tinha para não crescer: l. A Igreja Católica é forte e hegemônica e há menos de 30 anos, com a proclamação da República, deixou de ser a religião oficial, mas continua plena e oficiosa. Dá conta de todas as instâncias da vida – nascimento, casamento e funeral; e mantém ainda em sua influência, de cartórios a cemitérios 34. As denominações protestantes só são toleradas, porque, originalmente se restringiram a grupos étnicos, depois as igrejas de missão, até então, com um crescimento insignificante. 2. As igrejas protestantes, até então pequenas, mas todas com aspectos “modernizantes” da cultura anglo-saxônica (Léornad, 1963, Mendonça, 1989 e 90), eram distintivas da cultura brasileira. Igrejas cultas, ricas, lideradas por estrangeiros, financiadas por dólares, representantes da moderna pedagogia, portanto, vistas com bons olhos pela elite republicana. Ademais, herdeiros do “destino manifesto” (Mendonça, 1989 e 90; Jardilino, s/d) estavam trazendo a “redenção” não apenas espiritual mas econômica e sócio-cultural para o Brasil. Como, apesar disto, uma nova modalidade de religião protestante nasce e cresce neste espaço? O pentecostalismo, como já foi frisado, é um fenômeno urbano, mas sua principal característica é a marginalidade na qual nasceu e proliferou. Seu aspecto mais visível – e folclórico – é a participação e liderança de negros e mulheres. E, talvez, esta tenha sido a principal causa de sua estranheza no início. Será que se 34 Cemitérios são uma das principais zonas de tensão entre os evangélicos e a Igreja Católica. 41 o pentecostalismo, mesmo com a glossolalia, mas liderado por homens, brancos, ricos e cultos, teria sofrido as mesmas perseguições e preconceitos teológicos?35. Disseminado pelo mundo por migrantes, chega até o Brasil, no norte e no sudeste36, espalha-se, mas vitimado por preconceitos de todos os lados. Não que o pentecostalismo também não tivesse contribuído. Sem nenhum julgamento teológico, mas o exercício do “falar em línguas estranhas”, o permitir que qualquer um (analfabeto, negro ou mulher) tivesse sua própria Bíblia e a ensinasse, pregasse ou desse testemunho público, é, no mínimo, algo inusitado para a época. Ademais, o pentecostalismo tem duas qualidades inicialmente graves: 1. um proselitismo exacerbado em direção a todos os credos, inviabilizando uma conduta pacífica, portanto; 2. Um discurso sectarista da “verdade”. Pretensamente, nele e somente nele está a verdade completa da Bíblia. Mas isto não resolve uma das questões centrais: por que cresce? Foi exatamente esta “mensagem libertária popular” de receber todos indistintamente, e da mesma forma lhes dá a oportunidade de falar de sua “experiência”, que encantou/converteu as pessoas. Todos – e todas – têm acesso a este “poder” (em se tratando de pentecostalismo, esta palavra adquire uma conotação muito mais abrangente, de contato com o divino), sem a mediação da classe produtora de bens sagrados; e não é um erudito/instituição quem/que delimita, instrui ou permite sua experiência. Mas, no pentecostalismo acontece, exatamente, o contrário: sua experiência – pessoal, intransferível, com seu linguajar, sua realidade sem ninguém criticar ou moldá-la – é que define a teologia/instituição. É muito significativo para quem nunca teve acesso ao sagrado, identidade autônoma ou independência pessoal. Há uma ruptura – mesmo que depois volte tudo ao “normal”. Mas o encontro com este tipo de religiosidade, ou esta acessibilidade ao sagrado, é algo que altera a conduta. Os deserdados encontram um espaço para se expressarem sem cerceamentos. As autoridades não estão ouvindo, os eruditos religiosos condenando, os cultos debochando – não faz diferença. A abertura/êxtase, 35 Alguém poderia objetar que, homens brancos, cultos e ricos não se envolveriam com este tipo de “doutrina” – no que persiste o preconceito. 36 A colônia italiana, no Brás, em SP, não era nenhum padrão de riqueza e cultura, até porque são imigrantes pobres também (Rolim, 1989) 42 através do choro, línguas, riso, é realizada para Deus, e Deus - o crente tem certeza -, está ouvindo. Compreende e se solidariza. E se as instituições são incompatíveis, as regras não se coadunam, isto não importa porque a legitimação se dá pela aceitação dos adeptos; como já foi dito, é a experiência que legitima a regra teológica e não o contrário. Portanto, esta capacidade de renascer, se insurgir contra o status, questionar o estabelecido e este inconformismo protestante encontra-se presente também aqui. Estatísticas: além da teoria, uma estimativa comprovadora Estatística é um problema grave para a análise de religião no Brasil. Mais grave ainda, para nossa pesquisa é o fato de que os pentecostais só são computados oficialmente a partir do Censo de 8037. O que se tem são estimativas, e elas serão citadas sem questionamento, pois não há como prová-las nem desacreditá-las. Possivelmente, elas não sejam os números exatos, mas não dispomos de outros. De qualquer forma elas acertam no fundamental. O pentecostalismo surge no Brasil na década de dez e cresce o suficiente para se tornar o maior contingente evangélico do país. Tabela 01: Estimativas do crescimento do pentecostalismo Percentual 38 Evangélicos no país 39 Pentecostais Assembléia de Deus –membros 37 1900 1,l% 41 1911 20 1930 9,5% 1940 2% 14.000 80.000 1950 3,4% 1960 60% 40 120.000 O Censo de 1900 foi impugnado, refeito em 1906 o dado sobre religião foi excluído se mantendo até 1940 (Rolim, 1995:32) 38 Rolim (1989:32) 39 Souza, (1969:17) 40 Esta estimativa é questionável 41 Read (1967:121) 43 A AD, que se inicia em 1911 com 20 membros, tem, segundo a estimativa de Read (1976:122), em 1930, 14.000 membros, e, em 1950, 120.000 membros, o que daria respectivamente 69,76% de crescimento em 19 anos, e 108.000% em 38 anos. No total, são mais de 600.000% de crescimento nas primeiras quatro décadas. É uma taxa de crescimento anual de 15.000% ao ano. O Censo Demográfico do IBGE de 1991 apontou 8,98% de evangélicos da população brasileira, com a projeção de crescimento de 67,3%, então em 1998 teríamos 20 milhões de evangélicos no país. E se no Censo de 80 os pentecostais já eram 51%, há estimativas que hoje sejam mais de 80% da população evangélica. A pesquisa da Datafolha em 1994 indicou um percentual de 76% da população evangélica. É indiscutível que os pentecostais são maioria, no entanto, a questão permanece: Quantos são? Qual a taxa de crescimento dos diferentes grupos? Fernandes (1998), na pesquisa Novo Nascimento, dá algumas pistas sobre crescimento e um dado chama atenção: a AD é a igreja que mais perde membros, mas é também a igreja que mais ganha membros, tanto pela conversão como por adesão de membros de outras igrejas. Isto, por conseguinte, explicaria a estimativa assembleiana de ser a maior igreja evangélica brasileira. PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIRO – PRIMEIRA FASE CAPÍTULO II A IMPLANTAÇÃO DA “SEITA PENTECOSTISTA” – 1911-1930 Introdução A pretensão de dividir a história da AD em fases é meramente didática. Estamos considerando a teoria das ondas do pentecostalismo1 (Freston, 1993) e não pretendemos entrar na infindável discussão metodológica sobre esta divisão2. Na primeira onda estão as Igrejas Congregação Cristã no Brasil (1910) e Assembléia de Deus (1911), mas esta pesquisa, repetindo, estuda apenas a AD. Nesta proposta de divisão vale muito mais o título que as datas, porque os processos sociais apenas culminam numa determinada data mas tem causas anteriores3. Rolim (1985:89) já propusera uma divisão tríplice do pentecostalismo 1 o. implantação (1910-35); 2o. Expansão (1935-50); 3o. “enclausuramento na esfera 1 Cf. Freston (1993), em seu trabalho sobre a participação política evangélica no Brasil, dividiu o movimento pentecostal em três ondas. Sobre a periodização do protestantismo ver Burgess (1995) e Martin (1990) 2 Esta discussão provavelmente começou com César (1973) e posteriormente também foi analisada por Fernandes (1977). Mais recentemente, Mariano (1999) faz uma análise das diversas tipologias pentecostais inclusive questionando algumas que durante algum tempo estiveram consolidadas. Alguns autores, inclusive, têm divergências quanto à teoria da ondas, como Campos (1999), Mendonça (1998). Sobre a problemática da metodologia e periodização do pentecostalismo, sob diferentes perspectivas ver Sousa (1998).. 3 “As datas, entretanto, não são marcos definitivos. De maior significação são os fatos que procuramos descrever. Não se trata assim períodos fixos e definitivos. São antepassos de uma experiência histórica-religiosa em nexo com a situação social e política”( Rolim, 1985:89) 45 sacral e variadas práticas sociais” (1964-1985). Como nossa pesquisa se reporta apenas aos dois primeiros períodos, propomos o seguinte: 1a. fase: A implantação de “seita pentecostista” - 1911-1930 2a. fase: A institucionalização da Igreja -1930-1946 3a. fase: A oficialização da denominação -1946 ... Primeira fase: A implantação da “seita4 pentecostista5” (1911-1930) Utilizando a conceituação de Weber (1991) e Troeltsch (1987), neste período a AD tem todas as características de seita: nasce de uma dissidência, é exclusivista, estabelece-se na ruptura com uma instituição, forma-se da adesão voluntária com uma mensagem “fundada na continuidade da revelação e interpretação teológica literal das Escrituras, incentiva a formação de líderes espontâneos e carismáticos” (Camargo, 1973:152). Seu discurso é o “único 4 Esta palavra tem uma conotação herética no meio evangélico, e é um paradigma um tanto anacrônico na sociologia da religião, mas a usamos etimologicamente na conceituação sociológica definida por Weber e Troeltsch, como grupo minoritário, iniciante ainda sem uma postura de igreja, anterior à sua institucionalização. O aspecto negativo da palavra vem em função, ainda neste momento, de seu sectarismo e exclusivismo que caracteriza uma seita, algo não muito distante da AD neste período. Concordo com Campos (1995:41) quando diz que o “paradigma seita-igreja não está mais servindo para delimitar mesmo dentro do próprio protestantismo, os vários grupos sociais e padrões de comportamento”, pois o que é seita ou igreja hoje? Portanto, se “se nasce na igreja, e se adere à seita” (Troeltsch, 1987:143), o que dizer de grupos sectários que poderiam ser enquadrados na perspectiva de exclusivismo, e são ao mesmo tempo, grandes instituições onde mais de uma geração se faz presente nela. Sobre os grupos pentecostais sendo estudadas como “seitas” ver Sousa( 1969), Gouveia (1987) Bobsin (1984), uma visão crítica do uso deste conceito ver Santa Ana (1992), Campos (1995), Gomes (1996). 5 “Pentecostista” é uma expressão pejorativa? É desta forma que o pentecostalismo é nominado por livros e jornais de outras denominações, (Expositor- Mensageiro Evangélico, ano XXVIII, no. 9, 09/41), e os católicos são chamados “romanistas”. Conhecendo o grau de beligerância que exista entre protestantes e católicos é bem possível que fosse uma expressão depreciativa. No entanto, Émile-G Léornard, O Protestantismo Brasileiro, São Paulo, Aste/Juerp,1968 também usa esta expressão (pg.345) no mesmo contexto em que admite o caráter “bíblico” (pg. 346) desta denominação. Ademais, qualquer expressão era rechaçada pela Assembléia de Deus, ser chamada de “pentecostal” ou de “denominação” também era rejeitado como ofensa ( Conde, 1960:11-15), a única nominação aceitável para a AD era de “Movimento (?)”. O mesmo raciocínio tem João Queiroz, dissidente da AD juntamente com Manoel Higino em 1930, fundadores da Igreja de Cristo em Mossoró em não querer aceitar o termo “denominação”. “À semelhança do que acontecera com a Assembléia de Deus, eles portadores de um novo discurso (...) Consideravamse portadores da “sã doutrina”. Afirmavam, de pés juntos, que não eram uma denominação com as demais - afirmavam ser a própria igreja de Cristo” (Queiroz, 1999:94-5). Mas a própria AD tratava o assunto usando este termo, pois no jornal Boa Semente, (no.112, setembro/30) há um texto traduzido do The Pentecostal Evangel, com o seguinte título “Em defesa do pentecostismo”. Os integrantes da CCB, segundo Gouvea (1969:85) também não aceitam ser chamados de “pentecostais”. 46 verdadeiro6” e cresce, a despeito - ou muito mais contra - da institucionalização. É um grupo anárquico em sua administração; guiado pelos “carismas” (Weber) e, essencialmente, formado e construído por leigos/adeptos. Mais que alijada social e teologicamente por razões externas, como já anteriormente foi frisado sobre o caráter marginal do pentecostalismo, isto é uma escolha; ela tem uma “‟síndrome de marginal”. A AD tem em seu ethos uma natureza de “aversão ao mundo” que se justifica por razões internas: sua escatologia iminente não lhe dá tempo para pensar no presente; seu purismo moral afasta-a das manifestações culturais do povo; e a perseguição como legitimação coletiva se faz “necessária” para ela se sentir verdadeira; ademais, sua membresia nascente é de extratos sociais inferiores, portanto, já acostumados com a marginalização. Segunda Fase: A institucionalização da Igreja (1930-1946) Com sua 1a. Convenção Nacional em 1930 - vitoriosa para uns e fracassada para outros - é que começa seu processo de institucionalização e, a conseqüente e natural, luta pelo poder. Ainda na crise de identidade, por desconhecer se era ou seria: a) igreja pentecostal sueca7 no Brasil; b) igreja pentecostal brasileira dirigida por suecos; c) igreja pentecostal dirigida por brasileiros e influenciada por suecos; d) igreja pentecostal dirigida por brasileiros e influenciada por americanos. Igrejas centenárias, como a Católica e as Protestantes, têm uma tradição por que se pautar, a zelar ou, diriam outros, a atrapalhar, mas qual seria a tradição pentecostal assembleiana? Até este momento nenhuma; é uma igreja em formação e enfrentará todos os problemas naturais de qualquer grupo social em definição. Há a tradição protestante cristã, mas como o discurso pentecostal para 6 O nome do primeiro jornal é “ Voz da Verdade” o seguinte “Boa Semente”, nada mais sintomático. Aliás, há seguidos “testemunhos” de ex-batistas, ex-presbiterianos, ex-adventistas, agora pentecostais, admitindo, enfim, terem encontrado a “verdade completa”. 7 Esta é a hipótese menos provável, pois apesar da doutrina e liderança sueca ser hegemônica em nenhum momento há algum indício desta proposta. 47 se legitimar precisa, de certo modo, desqualificá-lo, então é necessário ir buscar na “pentecostalidade fundante” (Campos M., 1996:50) sua origem. Ora, mas até lá, historicamente, existem diversos fatores sociais e econômicos que não podem ser desconsiderados. E a orientação de Lewis Pethrus, da Igreja Filadélfia em Estocolmo, é relevante para uma Igreja em Belém do Pará? E o poderio econômico da AD americana já presente em toda a América Latina? E entre estes dois pólos de influência, como ficam os novos líderes brasileiros (eles sim, construtores da igreja)? Terceira fase: A oficialização da denominação (1946- ) Com o registro da CPAD - Casa Publicadora das Assembléias de Deus em março de 1940 (1ª história, Conde,1960:348), mesmo como mero acidente provocado por Getúlio Vargas (Fausto, 1999:375-6) e seu DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda, a AD se assume como uma instituição formal. Mas é só em 1946 que a CPAD é registrada estatutariamente, agora, enfim, uma palavra oficial brasileira. Depois de um período de quase dez anos sem Convenção 8, na 8a. Convenção Geral 9 em Recife, em 1946, a CPAD foi reconhecida como órgão oficial da Igreja. Em 1947, um brasileiro assume pela segunda vez (em 1937, Paulo Macalão foi o presidente) o cargo de presidente da Convenção, até agora nas mãos dos suecos, e, somente a partir de 1953 é que os brasileiros assumem definitivamente essa função. Aqui “o novo movimento religioso deixa de ser uma expressão predominantemente carismática: passa a ganhar peso institucional” (Santa Ana, 1992:31) Começa a fase que Bastide (1975) chama de “domesticação do sagrado selvagem”. É a partir dessa época que a AD se divide em Ministérios, mesmo que a semente do divisionismo venha se proliferando desde a década de vinte, e começa uma luta fratricida pelo poder político e financeiro dessa da Igreja, não 8 a Entre os anos 1938 a 1946 não houve Convenção (2 . história, Almeida, 1982:33), é o período da 2 . Guerra Mundial. Aliás, algo que aconteceu com outras denominações também (Mesquita, 1940) 9 Esta numeração das Convenções é incerta, porque algumas não foram computadas, como a de 1931 (Ver tabela 14: As Convenções da AD). a 48 apenas enquanto local e espaço de reuniões, mas, sobretudo, uma luta ideológica entre os “pentecostalismos” e a “pentecostalidade fundante” (Campos, 1996)10, onde cada ramo requer para si “originalidade e verdade”, e nega o outro grupo 11. Nos anos anteriores, os problemas externos (perseguição da Igreja Católica e das denominações protestantes, a pobreza dos membros, a dificuldade de locomoção, etc.) mantiveram a igreja coesa e estimulada. Agora ela está envolta em problemas internos (o peso e a riqueza da instituição, e, ironicamente, o status que os títulos e cargos das Convenções e CPAD) lhe são o maior desafio. Há muito perdeu o discurso exclusivista da seita (quando só os assembleianos eram salvos e tinham o Espírito Santo), assumindo uma postura inclusivista de relacionamento com outras instituições evangélicas (mesmo ainda hoje antiecumênica)12, ou seja, “perde fluidez mas ganha em densidade institucional”. A partir da década de 50 começam a surgir as comunidades “pentecostais livres” (Hollengewer, 1972:149)13. Além de novas igrejas pentecostais que se tornaram grandes denominações, como a IPDA- Igreja Pentecostal Deus é Amor e IPBC – Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo, também acontece o fenômeno da “pentecostalização” das chamadas igrejas tradicionais, surgindo as inúmeras “Igrejas Renovadas” nos anos seguintes. Na década de 80, pela primeira em vez em sua história a AD teve um projeto político para realizar na nação: eleger membros da Constituinte 1989 (Freston, 1993; Cavalcante, 1994; Prandi,1994). E, na década de 90, alterando completamente sua caminhada, a AD faz parte de algum organismo evangélico interdenominacional como a AEVB- Associação Evangélica Brasileira e ABEC- Associação de Editores Cristãos. Neste período, 10 Segundo conceituação do próprio autor: “São diferenciais, pois os dois termos da relação não são proporcionais: a pentecostalidade é epistemologicamente anterior aos pentecostalismos, e os pentecostalismos são posteriores à pentecostalidade. E são complementares porque os pentecostalismos objetivam e historicizam a pentecostalidade e porque a pentecostalidade funda os pentecostalismos, uma vez que estes a constituem em seu fundamento ” (Nota. 7, pg. 61) 11 No folclore da igreja consta uma história que dois assembleianos se encontram e a pergunta é: “Você é membro de qual, da boa ou da outra?” 12 Os pentecostais chilenos de tradição metodista, em 1941, participam do Círculo Evangélico do Chile e, alguns grupos, até mesmo de atividades ecumênicas ligadas ao CMI - Conselho Mundial de Igrejas (D‟Epinay, 1970:264-278). Já no Brasil o único ramo do pentecostalismo que teve uma “fase ecumênica” foi a IPBC - Igreja Pentecostal Brasil para Cristo que se tornou membro do Concílio Mundial de Igrejas, algo visto de forma muito alvissareira por alguns, como por exemplo Hollenweger mas que, pelo visto, não deu nenhum “fruto” para nenhuma das partes. 13 Ou „agências de cura de divina”( Mendonça, 1992) 49 depois de 87 anos de existência (1911-1998), entra oficialmente14 na TV, bem diferente de suas congêneres da América Latina fundadas pela AD nos EUA. Nas décadas de 80 e 90, quando o pentecostalismo, percentualmente, se torna hegemônico, o desafio da AD, agora em processo de aburguesamento 15, não é realizar uma apologética pentecostal, “glorificar a Deus pela perseguição” ou se destacar pela glossolalia, mas é exatamente conseguir algum “diferencial16” dentro do mundo pluralista do pentecostalismo (ou gospel, ou neo- pentecostalismo, pós-pentecostalismo, pós-denominalicismo, etc.) quando o “mercado religioso” está cada vez mais competitivo e confuso17. 1. OS SUECOS VISIONÁRIOS “O missionário não é apenas o anunciador do evangelho, mas também senhor do segredo de como fazer, como pregar, como organizar e hierarquizar a sociedade cristã, como se comportar e falar, como viver o estado cristão. É a enciclopédia cristã” ( D‟Epinay, 1970:142) Qualquer “Agência Missionária”18 moderna exige que o participante faça um curso de missões transculturais, estude a cultura do povo, aprenda o idioma, 14 O programa na Rede Manchete “Movimento Pentecostal” causou um grande debate nacional porque, até então, era “pecado ter televisão” em muitas igrejas. No entanto, desde 1981 a AD de Belém do Pará tinha programa na TV, mas talvez por seu efeito regional não causou polêmica dentro da AD (H. Belém, 1986:75) 15 Diversas pesquisas analisando o neo-pentecostalismo, se reportam ao fato do pentecostalismo a estar alcançando as classes média e alta (Campos, 1999b, Mariano, 1999). Em sua 3 . geração, seria natural que o estrato social atingido pela AD subisse; portanto, dizer que a AD está se aburguesando pode ser um mero insulto (para quem vir aburguesamento como insulto) ideológico sem ter como provar. Mas causaria estranheza, no mínimo, aos fundadores da AD saber que a ADHONEP - Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno, organização que tem como projeto evangelístico jantares em hotéis cinco estrelas, foi fundada no Brasil por empresários assembleianos. 16 A reportagem da Vinde, janeiro de 99, pgs. 20 a 27, intitulada: “Bem-vinda, modernidade! Assembléia de Deus investe no ensino e muda posturas para enfrentar os desafios do século 21”, é bem sintomática, quando, inclusive, chega a conclusão de que “a AD não é mais a mesma”. 17 A necessidade de atender/conquistar o público hoje faz a AD aderir ao “marketing” do milagre algo impensável no período de nosso estudo. AD de Taboão, SP, durante todo o mês de março estende uma faixa na porta com uma chamada para o culto do “Segredo da Fartura”, e a AD na Penha, no Rio, realiza todas as quintas, o “Culto de Vitória”. Uma sutileza em termos de teologia da prosperidade. 18 “Agências Missionárias” são ONGs paraeclesiásticas que realizam a ponte entre o “Campo Missionário “(tribo, cidade e/ou país) e as igrejas no envio de missionários. Realizam a tarefa de treinamento, envio e sustento, recebendo o dinheiro das Igrejas e viabilizando a estada dos 50 informe-se sobre as condições climáticas, tenha endereços para onde vai, etc. Mas estes dois suecos chegam ao Brasil sem dinheiro, sem falar uma palavra em português, vindo na terceira classe do navio, não têm nenhum conhecido esperando-os - apenas uma “visão”. Era, aliás, a forma “natural” de se fazer missões no início do século a partir da Rua Azuza. As denominações tradicionais já tinham estabelecido organismos de missões, mas o pentecostalismo é apenas um movimento. a) Daniel Berg, o operário Daniel Berg e Gunnar Vingren são dois imigrantes suecos afetados pela “febre das Américas” (Berg 1995:45; Vingren, 1973:17) , em que milhares de europeus pobres vão à busca de riqueza na “terra prometida”, e, se não conseguem ficar ricos, tornam-se amigos e têm suas vidas interligadas e, as mesmas, ao Brasil. Daniel Berg nasceu em 19 de abril de 1884 em Vargön, Suécia. De família batista muito pobre, segundo relata sua biografia, sofre na infância a marginalização de ser “pagão” (só se batizou aos 15 anos) numa sociedade que batizava as crianças e, em que, a Igreja Luterana, estatal, controlava escolas, igrejas19. Aos 18 anos vai para a Inglaterra e de lá para os EUA. Chega no Brasil em 1910 com 26 anos, onde vive por 52 anos, vindo a falecer em 1963, na Suécia. Operário de fundição, apenas alfabetizado, no Brasil nunca assumiu qualquer igreja, cargo ou exerceu qualquer outra influência20, chega a admitir que pretendia missionários em seus “campos”. Há no Brasil, inclusive, uma associação que coordena o trabalho destas agências - AMTB - Associação de Missões Transculturais do Brasil. 19 “Fixou os olhos na moradia do pastor luterano. Lá estava o suntuoso edifício, com todo o seu esplendor. Representando ele o símbolo do poder local, que tomava conta tanto das questões espirituais como das do mundo, todos os moradores da vila faziam-lhe reverências. Daniel não mais sentiu-se estar entre aqueles que, sem refletir, aceitavam a linguagem do poder. Ele sabia da forte posição que tinha a igreja do Estado. E o pastor, como seu funcionário, tinha (..) de transmitir suas ordenanças para povo pobre.” (Berg, 1995:45) 20 ª Por isso é estranho o título do 8 capítulo do livro de Hollengewer (1976) sobre a AD no Brasil: “Um operário funda a maior igreja na América Latina – Daniel Berg e as Assembléias de Deus no Brasil“. A única explicação para isto que em seu período de pesquisa no Brasil (início da década de 51 “servir ao Senhor no futuro com sua força física” (Berg, 1995:16). No Brasil, trabalhou na Companhia Port of Pará, para sustentar seu amigo enquanto aquele estudava português. Nas entrevistas com os pastores, quando perguntados por que Daniel Berg nunca assumiu a presidência da Convenção ou de uma igreja, as respostas variaram entre: “ele era muito humilde; era apenas um evangelista, vivia nas ruas e nos trens distribuindo literatura; era um analfabeto, nunca aprendeu a falar português!”. Enfim, este homem que é fundador da AD, viveu no ostracismo. Não há nenhum registro de ter recebido alguma consagração como pastor. Seu nome desaparece dos jornais da denominação, e há apenas dois artigos assinados por ele (alguns entrevistados têm certeza de que não foi ele quem escreveu). Já no final da vida, foi homenageado no Cinqüentenário da Igreja. A partir de década de 60 - a terceira fase -, quando a AD lança sua 1a. história e é uma denominação nacional querendo afirmação institucional, há todo um discurso elogioso sobre “dois heróis suecos” - talvez uma compensação pelos anos de esquecimento. Berg trabalha algum tempo em Portugal21 e nos Estados do Espírito Santo e São Paulo, mas, oficialmente, não assume nenhuma igreja. Os novos missionários suecos que vão chegando passam a pastorear as igrejas já iniciadas, e ele é preterido. Dois dos pastores entrevistados falaram que em seus últimos anos no Brasil viveu em grande pobreza22, algo que não seria novidade em se tratando de um pastor assembleiano no sertão nordestino. Mas Berg, pioneiro fundador da igreja, vivendo em São Paulo, quando a AD já era grande e rica, é de se perguntar por quê? b) Gunnar Vingren, o líder. 23 “Vingren era o dirigente principal ” (Vingren, 1973:8) sessenta) Berg ainda vivo, e já esteja vivendo a “glorificação” . O autor “comprou” esta visão da forma como a igreja lhe passou sem nenhuma suspeita. 21 Período aliás, sobre o qual a história da AD em Portugal nada registra. 22 É uma informação sob suspeita, pois não conseguimos nenhum documento ou testemunho oral que a confirmasse. Ademais, dois entrevistados que falaram nisso, ao pedirem confirmação nada quiseram acrescentar. 23 Palavras de L. Pethrus na introdução da biografia de Vingren. 52 Este é o inverso de Berg. Líder, com formação teológica no Seminário Teológico Batista Sueco de Chicago (1909), Vingren nasceu em 8 agosto de 1879, em Ostra Husby, na Suécia. Era cinco anos mais velho que Berg. Em 1903, já com 24 anos, vai para os EUA, e, depois de formado, inicia seu ministério pastoral junto à Primeira Igreja Batista de Chicago. Viveu vinte e dois anos no Brasil (191032), e além do pastorado na Igreja-mãe em Belém, também pastoreou a Igreja do Rio (capital federal, na época) por nove anos, vindo a falecer em 29 de junho de 1933, na Suécia. Um homem doente24, sendo sua doença provavelmente o resultado da mudança de clima da Suécia para Belém. Não teve oportunidade de ver o resultado de seu trabalho e, provavelmente, em seus últimos dias tenha estado bem desiludido pelos rumos que a denominação que ele fundara estavam tomando. Escreveu 25 diários durante os vinte anos e que viveu no Brasil, mas foi publicado apenas um livro baseado neles (Vingren, 1973:8) Retornou três vezes (1917, 1920 e 1930) à Suécia, passando pelos EUA. Parece que seu desejo era manter a igreja brasileira ligada à Igreja Filadélfia de Estocolmo. Foi ele quem trouxe o Pr. Lewis Pethrus para “resolver a questão”, na Convenção de 30. Mas, possivelmente, todos os problemas existentes foram somatizados. Interessante, porém, seu silêncio sobre educação teológica apesar de formado num seminário, pois, em seus textos para os jornais nunca se pronunciou contra ou a favor - quando outros suecos escreviam contra. Se o Pr. Gunnar Vingren tivesse vivido mais tempo, e mantido sua liderança, esta igreja seria outra? Melhor ou pior não dá para saber, mas talvez tivesse tomado outro rumo. Os “dois apóstolos” desapareceram cedo, os demais suecos que continuaram a missão não tiveram carisma suficiente para impor um modelo, e os “caciques” nordestinos “tomaram o poder” e imprimiram seu estilo. 24 Um bom Ruth Carlson (entrevista 07/02/00, Olinda-PE) atualmente com 78 anos, quando menina viveu na casa do Gunnar Vingren, diz que ele teve diversas malárias e sofria de botulismo. Segundos os a relatos históricos vivia em “constantes crises oriundas de suas enfermidades” (2 . história, 19982:18), “frágil e doentio” (H.Belém, 1986:9) 53 exemplo disto é o livro “Despertamento Apostólico no Brasil”, publicado em 1934 na Suécia, que chega ao Brasil 53 anos depois. Atualmente, após décadas da morte dos missionários, os suecos são elevados à categoria de “líderes ideais”, ou usando a expressão weberiana com “capacidade extracotidiana”; no entanto, durante suas atividades no Brasil eles são contestados diversas vezes. Evidentemente não há um só registro disso nos três livros de história oficial, mas nas Atas das Convenções, sim. Mesmo sendo um primor de dissimulação, há um momento em que a pergunta feita na Convenção de São Paulo, em 1947, é: qual a superioridade dos missionários em relação aos pastores? O assunto foi discutido em diversas sessões. A que conclusão chegaram? Mudaram a pergunta: o que se deveria discutir não era a superioridade do missionário em relação ao pastor, mas a diferença entre um ministério e outro. Diferença, aliás, que se na teoria não havia, isso era desmentido na prática. Talvez esse, aliás, tenha sido o maior problema da AD no Brasil em seus primeiros anos25. Dentro dessa construção ideal dos missionários, a capacidade altruísta deles é a mais falada. Constrói-se a Suécia como o melhor dos mundos e o Brasil, o pior. Saíram de um país rico, desenvolvido e vêm para uma Belém atrasada, cheia de doenças; lá têm boa alimentação, bom clima; aqui, muitas enfermidades, pobreza, calor, e ainda por cima, perseguição religiosa. Evidentemente, esta percepção historiográfica assembleiana se dá visando realçar o caráter dos missionários, mas Belém do Pará não é o inferno tanto quanto a Suécia não é o paraíso. “A Suécia da época não era a próspera sociedade de bem-estar em que se transformou posteriormente. Era um país estagnado com pouca diferenciação social, forçado a exportar grande parte de sua população” (Freston, 1996:76). Um testemunho insuspeito sobre isso é de Frida Vingren, que chega a Belém em 1917. 25 A Carta de Convocação da Convenção de 30 é uma prova evidente da contestação, desde essa época, que a liderança sueca começa a sofrer. 54 “Cheguei ao alvo de minha viagem. No dia 3 de julho `à noite entramos no porto de Belém (...) A cidade parece grande e imponente. É bastante bonita com suas torres e casas altas. No dia seguinte de manhã tudo era sol e verão outra vez. As margens do rio são lindas, com duas pequenas ilhas lá fora. As praias tão lindas eram baixas, um pouco monótonas e atrás estava a densa mata” (Vingren, 1973:85) E se Belém e seus arredores são um “mundo romântico, imensas selvas com grandes orquídeas e cipós por todos os lados”26, a descrição que Vingren faz do Rio de Janeiro em sua primeira viagem é mais favorável ainda: “Aqui não faz calor nem frio, um clima agradável. A entrada do porto é maravilhosa e a cidade também e muito linda. Parece com os Estados Unidos, há fartura e muito luxo também.(...) Caminhei bastante naquele trânsito terrível e no meio de tudo senti o poder de Deus” (Vingren, 1987:87). c) O estilo Vingren-Vingren: A história da AD sempre é contada a partir do Berg e Vingren, mas poderia também ter uma versão Vingren-Vingren: Gunnar e Frida. Nos vinte primeiros anos é este casal quem lidera a igreja. Berg é nulo, ou apenas realiza um trabalho de colportagem nas periferias. Samuel Nystron e Nels Nelson chegam em 1916 e 1921, respectivamente, são os que mais se destacam, inclusive por assumirem igrejas e a liderança das convenções nos primeiros anos, mas não imprimiram suas marcas pessoais ou assumem algum status maior. A pergunta é: quem estabelece o modelo de liderança? Entre 1911 a 1932 quando Vingren retorna à Suécia já chegaram ao Brasil quase 30 suecos (ver Anexo 03). Alguns destes nomes (entre os quais há também de finlandeses) só aparecem uma única vez, sem data de chegada ou retorno e sem algum outro registro sobre o seu trabalho. Nas entrevistas, alguns pastores desconhecem absolutamente tais nomes. Quem marca mesmo a AD? Apenas Berg e Vingren. 26 Op. cit, 30. 55 Como Berg é inexpressivo na liderança, e Vingren, doente, ficou pouco tempo efetivamente na liderança, fica a dúvida sobre quem de fato dirigia e dava “as cartas” nesta igreja em seus primeiros anos: Frida Vingren? 2. DISSIDÊNCIA E OFICIALIZAÇÃO “O pentecostalismo já nasceu cismático” (Jardilino, s/d:36) Que igreja protestante não nasceu cismática? Divisionismo, aliás, reside no cerne do protestantismo (Niebuhr, 1992) O movimento pentecostal brasileiro se inicia a partir de dissidências. Mesmo que nenhum dos imigrantes pentecostais tenham vindo para fundar igrejas, Luigi Francescon chega ao Brasil como membro da Igreja Presbiteriana em Chicago e Daniel Berg e Gunnar Vingren da Batista. No Brasil, em ambas as igrejas, a novidade da mensagem pentecostal foi rejeitada, e, os missionários, “convidados” a sair, resultando assim, no surgimento de novas igrejas. Neste caso o pentecostalismo repete, como em outros países, o caráter cismático do protestantismo. Afinal que Igreja Protestante não tem um cisma em sua origem27? É interessante como as versões dos historiadores28 das duas denominações - Assembléia e Batista - coincidem no fundamental, mesmo que as visões sejam distintas: os missionários suecos chegam ao Brasil, e não tendo onde morar são acolhidos no porão da Igreja, o pastor batista viaja e deixa sua igreja na confiança dos dois. Eles começam a realizar reuniões de oração pentecostal, e, confrontados pelo evangelista que está substituindo o pastor, são excluídos. Tabela 02: Versão assembleiana e batista da divisão 27 Sem muito esforço é fácil identificar isto em todas as igrejas protestantes no Brasil. Ex: Igreja Presbiteriana do Brasil, Independente, Unida. 28 Hollenweger (1976:129) chama atenção para estes relatos paralelos, inclusive, o tom irônico do Mesquita. 56 VERSÃO ASSEMBLEIANA VERSÃO BATISTA “Daniel Berg e Gunnar Vingren até “Em abril de 1911 desembarcaram em aquele momento estavam ligados à Belém dois missionários suecos (...) que igreja batista na América ( as igrejas se intitularam batistas... Dirigiram-se que imediatamente aceitavam o Avivamento a Nelson, seu permaneciam com o mesmo nome”. conterrâneo, sendo acolhidos por ele” (Conde, 1960:19) (Mesquita, 1940:136) “Raimundo Nobre (evangelista ), “O evangelista (...) convocou uma apoderou-se do púlpito e atacou os reunião da congregação, declarou que partidários do Movimento Pentecostal. os pentecostais, que já eram maioria, O grupo atacado murmurar(...). Nesse começou a estavam fora da ordem e, apoiado pele momento o minoria 29 que permanecera batista, dirigente ilegal, dessa sessão ilegal, excomungou os que tinham falseado a propôs que ficassem de pê todos sã aqueles que aceitavam a doutrina do comunidade foi dizimada... Tal foi o Espírito Santo. A maioria ficou de pé. começo do movimento pentecostal no Imediatamente Brasil” Mesquita, (1940:137) Raimundo Nobre doutrina. (...) Desta forma a propôs à minoria que a excluísse a maioria, o que era ilegal também“. Conde, (1960:25). As biografias dos suecos também confirmam estes fatos, só há um dado conflituoso em todos os relatos: o número de excluídos. A 1ª história (Conde, 1960:26) registra 17; Berg, 18 (1995:97); Vingren (1973:33), 18; 2ª história (Almeida,1982: 27), 19; 3ª história ( Oliveira, 1998:51), 19. Em todos os livros (à exceção de Mesquita) há listas dos nomes, as quais não combinam com o número informado, Conde registra 17 excluídos, mas relaciona 20 nomes. A explicação provável está no próprio Conde quando diz que “dessa lista, 17 eram membros e outros menores” (26) 29 Conde reclama disto em que a “minoria exclui a maioria” como se este principio de democracia congregacional fosse válido na AD. 57 a) O nome “Assembléia de Deus” “O ano de 1918 foi de suma importância para a continuação do movimento pentecostal no grande país. O trabalho já contava com alguns anos. Agora chegou o tempo de registrar a igreja oficialmente, para que fosse pessoa jurídica. Isto aconteceu no dia 11 de janeiro de 1918, quando a igreja foi registrada oficialmente com o nome de “Assembléia de Deus”. (Vingren, 1973:91) A adoção do nome Assembléia de Deus permanece uma incógnita. O grupo expulso da Igreja Batista adota o de Missão da Fé Apostólica e, esta igreja em seus primeiros sete anos, não tem nenhuma definição institucional - apenas cresce assustadoramente. Em novembro de 1917 o Jornal Voz da Verdade publica a seguinte notícia: “Os nossos irmãos Samuel Nystron e Daniel Berg em uma viagem evangelística que fizeram em seis igrejas da fé apostólica, no interior deste Estado, batizaram 90 pessoas. A Assembléia de Deus em São Luiz (Pará) tem crescido tanto que o vasto salão da Casa de Oração se tornou pequeno para acomodar os irmãos que ali se reúnem, O pastor Gunnar Vingren batizou, no batistério da Assembléia de Deus nesta cidade (Belém) 12 pessoas (...). O nosso irmão (...) um missionário da fé apostólica (Assembléia de Deus)”. Este jornal que se diz “devotado a propagar a Fé Apostólica” registra o nome “fé apostólica” com letra minúscula e “Assembléia de Deus” com maiúscula. Fica implícito que os dois nomes são usados alternadamente para a mesma igreja. E, já havia uma propensão ao nome Assembléia, pois no relato que Frida Vingren faz de sua chegada ao Brasil, em 14 de julho de 1917, ela fala que havia uma placa de “Assembléia de Deus” no templo (Vingren, 1973:87) Abraão de Almeida, 2a. história, (1982:27) no relato da expulsão dos batistas diz: “Estes irmãos (segundo sua lista, 19) resolveram organizar-se em igreja no dia 18 de junho de 1911... inicialmente chamada de Missão da Fé Apostólica... No dia 11 de janeiro de 1918, foi registrada oficialmente como Assembléia de Deus, primeira igreja do mundo a adotar este nome. Não era uma igreja filiada a alguma missão estrangeira, mas era genuinamente brasileira”. (grifo nosso) 58 Esta 2a. história, como já foi dito, é o livro do Conde, a 1a. história, copidescado por um grupo da CPAD, e, ufanisticamente, comete o erro de dizer que foi a primeira Igreja do mundo a usar o nome, quando a AD já se oficializara nos EUA em 1914, na Guatemala em 1916 e no México em 191730. O livro História da AD em Belém (1986:14) dá uma boa pista para a questão do nome: “Quanto à denominação Assembléia de Deus, o pioneiro Manoel Rodrigues lembrava, em fim dos anos setentas, sobre a primeira vez que se ventilou o assunto. Um grupo de irmãos saía da congregação Vila Coroa e se encontrava na parada do bonde de Bernal do Couto. Vingren indagou a respeito da questão e informou que nos Estados Unidos haviam 31 adotado o nome Assembléia de Deus ou Igreja Pentecostal . Houve unanimidade em torno do primeiro nome. Em 11 de janeiro de 1918, o título Assembléia de Deus foi oficialmente registrado”. Se assim aconteceu, mostra bem o caráter ainda não institucional desta igreja: numa reunião informal, em um ponto de bonde, se decide o novo nome da igreja! O certo é que, se em 1917 já havia um placa com o nome Assembléia de Deus, em 1913 o nome ainda era Missão da Fé Apostólica, segundo o relato do diário de Vingren (173:55): “Naquele tempo (1913) se escreviam muitos artigos contra os crentes. Havia também jornais que defendiam os crentes e as ondas de discussão iam bem altas. Até que um dia veio um redator de um jornal de Belém verificar o assunto. Para alegria dos crentes, o redator desse diário defendeu-os contra os que os criticavam. Entre outras coisas escreveu esse redator que “os que pertencem a esta “Missão de fé apostólica”(era o nome da igreja naquele tempo) só permitem manifestações do Espirito Santo” (grifo nosso). Em 1911 inicia-se a Missão da Fé Apostólica e somente em 1918 o nome Assembléia de Deus32 é adotado oficialmente, e isto passa desapercebido como 30 Cf. Walker (1990: 17 e 119) Hollenweger, (1972), Burgess (1988) O nome Assembléia de Deus, nos EUA, já está estabelecido, mas Igreja Pentecostal é um termo genérico e não identifica nenhuma igreja extamente já que muitas eram assim denominadas. Isto, evidentemente, se deve a “imprecisão” da tradição oral. 32 No grego “ekklesia tou theon” (igrejas de Deus). Apesar de não estar documentado, ouvi pastores falar, com um indisfarçável orgulho, de o nome da Igreja “está na Bíblia, diferente de outras por ai que é uma invenção humana (?)” 31 59 se fosse algo sem importância, mas não é. Qual a razão da mudança de Missão da Fé Apostólica para Assembléia de Deus? A MFA era a igreja dos negros pentecostais americanos e a AD era a igreja dos pentecostais brancos (Freston, 1996:74-75; Hollenweger, 1972; 17). Há um fosso abismal entre estas duas denominações não só teológicas 33, mas sócioeconômicas. A AD, nos EUA, nasce como uma federação de igrejas que se haviam pentecostalizado e não queria identificação com o movimento negro e é, até hoje, congregacional. É, originalmente, uma igreja racista34. Por que os suecos então optam por esta mudança? Suecos pobres e marginais, eles não deveriam ter nenhuma afinidade com o nome Assembléia de Deus, seria mais lógico sua identificação com a Missão da Fé Apostólica. Nenhum dos pastores entrevistados soube responder esta questão 35. Alguns, inclusive, desconheciam que a Igreja havia se chamado MFA, outros acham que o nome veio dos EUA, e outros, ainda, que os suecos já eram membros(?)36 da AD quando vieram para o Brasil37. Não há nenhum registro explicativo nos jornais ou nas biografias. Se nos EUA a questão racista influenciou a mudança, esta possibilidade, aqui, é quase nenhuma38, pois afinal eles estão construindo uma igreja de pobres-pretos-mulatos-mamelucos-colhedores de borracha no norte do país. Ademais, eles, suecos, são imigrantes pobres também profundamente marginalizados. 33 No cap. 1 foi discutida a questão teológica que provoca esta divisão. Segundo texto do Ecumenical News Internacional: Os pentecostais se arrependem do pecado de racismo e da divisão da igreja. Uma reportagem do histórico encontro de líderes da Assembléia de Deus, Igreja de Deus de Cleveland, Internacional do Evangelho Quadrangular, Igreja Pentecostal Holliness e mais 13 igrejas onde, com uma solenidade de lavagem dos pés uns dos outros, oficializaram o lançamento de uma entidade multirracial que congregará brancos e negros pentecostais. [email protected] Ecunet: Eni Po Box 2100 CH 1211 Genebra 2, 25/10/94 35 a Um dos entrevistados (nível 3 . grau, escritor, professor universitário), não admite em hipótese nenhuma esta condição racista da AD americana, aliás não admite a condição racista nem mesmo dos EUA; isso, segundo o mesmo, não passa de propaganda enganosa. Ele já esteve diversas vezes nas igrejas nos EUA e Europa e nunca viu racismo nas igrejas. 36 Alguns rejeitaram a idéia de que a AD foi fundada no Brasil por um pastor batista. 37 Aliás, mesmo sem afirmar taxativamente, muitos autores ao informarem que os fundadores da AD vieram dos EUA deixam implícito isto, como se não houvesse nenhuma importância neste fato. Hahn (1988:338) citando Read diz que a AD no Brasil é “uma organização segundo os padrões das Assembléias de Deus suecas”(?) 38 No navio para o Brasil “eles eram os únicos passageiros brancos à bordo, o que, embora fosse uma sensação nova, não deixava de ser uma preparação para a nova vida que estava à sua espera” (Berg, 1995:60) 34 60 Havia 30 anos, fora assinada a Lei Áurea, de libertação dos escravos (1888), e, legalmente, no Brasil, não havia segregação racial; já se vivia em plena manifestação da “cordialidade brasileira” (Freyre, 1993; Holanda, 1999), portanto, não havia espaço para igrejas segregacionistas típicas dos EUA39. O conteúdo étnico que o pentecostalismo tem em suas origens norte-americanas não o acompanha aqui. No Brasil todos os “homens são livres mesmo em estado escravocrata”(Franco, 1997). Não há um só texto nos jornais sobre a questão da escravatura ou sobre o racismo - brasileiro ou norte-americano. Muitos exescravos estavam vivos ainda e, pelo ambiente que a AD atingiu em todo o Brasil, deve ter tido muitos deles como membros. A questão é inexistente para os suecos. As únicas referências - racistas, aliás - são no livro Despertamento Apostólico no Brasil, publicado em 1934, Otto Nelson fazendo um relato do trabalho em Maceió, em 1915, diz: “A primeira que recebeu o batismo com o Espírito Santo foi uma irmã preta como carvão mas lavada no sangue de Jesus”(Vingren, 1987:66), e mais adiante, “ele é preto no exterior, mas por dentro lavado no sangue de Jesus” (Vingren, 1987:66,77) Um comentário desses escrito num livro em 193440 seria, lastimavelmente, “normal” até hoje para nossos padrões de „racismo cordial”41. Se nos EUA, além do racismo, a questão da bênção tripla ou dupla de alguma forma provoca a divisão, a dissidência no Brasil se deu, nas igrejas batista e presbiteriana, por causa da glossolalia. Nos EUA, a polêmica da bênção, provocou a exclusão de Durham (anteriormente pastor de Gunnar) por Seymor (Hollenweger, 1976:11), que antes já fora excluído de uma Igreja dos Nazarenos, pela pastora negra Neeley Terry (Cesár, 1999:20; Hollengewer, 1972:11). E isto 39 Até no presente isto é válido, como diz Contins (1997:6) “no caso norte-americano, os cultos pentecostais estão fortemente associados aos negros. Já no contexto brasileiro, a questão da identificação entre a cor e a religião não aparece nitidamente”. 40 Entre 1934 e 1941 leis eugênicas foram adotadas pelo Parlamento Sueco. A proposta de “higiene racial e social” vigorou durante muitos anos na Suécia, com esterilização de mulheres para “preservação” da raça. Portanto, a imagem idílica da nação sueca não é tão real assim. Revista Istoé, no. 1592, 05/04/00, pg. 109 41 Esta expressão, “racismo cordial”, foi amplamente usada numa pesquisa realizada pelo DataFolha, em 1994, onde demonstrou que, como dizia Florestan Fernandes, “o brasileiro tem preconceito de ter preconceito”. 61 nos dá um indício razoável para a questão do nome: é que, nos EUA, o movimento pentecostal negro estiva tão esfacelado42 que não havia possibilidade de se construir algo em torno dele e Gunnar Vingren (ex-pastor batista), que em 1917 esteve nos EUA, lá deve ter revisto diversos amigos/igrejas batistas que se transformaram em AD, e traz a idéia para o Brasil. Neste período de 1911 a 1918 chegam ao Brasil, Otto Nelson e esposa (1914), Samuel Nystron e esposa (1916), Frida Standberg (para casar com Gunnar em 1917) e Joel Carlson e John Aenis (1918). Não há registro de suas igrejas de origem (Filadélfia de Estocolmo?), mas é muito provável que eles, no mínimo, já conhecessem a AD43. b) A expansão aleatória “Crescimento é tanto mais notável quanto mais jovem é a denominação” (D‟Epinay 1970:67) “A evangelização no Brasil tem sido realizada pelos pobres e para os pobres” Gondin, 1995:79) “O alvo de todos era ganhar o máximo possível de almas para o Senhor. Todos se esforçavam o máximo possível e o resultado não tardou. Surgia uma igreja após outra” (Vingren, 1973:82) “Eu tinha 20 anos, era professora em uma fazenda e um dia eu fui à cidade. Lá minhas primas me chamaram para um culto na casas dos crentes, eu nunca tinha ouvido falar de protestantes, de crente, de nada... eu só conhecia a Igreja Católica. Sim, eu fui e achei muito bonito e lá aceitei a Jesus. Voltei para a fazenda e comecei a fazer cultos... Eu tocava violão, cantava os hinos que tinha aprendido e lia o Evangelho que ganhei dos 42 O Movimento Pentecostal se manifesta em diferentes locais e igrejas e de formas distintas. Só em Los Angeles, em 1906, havia 9 comunidades pentecostais negras diferentes não simpáticas entre si. As interpretações - e disputas - eram diversas. (Hollengewer, 1972:10-11) 43 Com certeza eles não eram membros da AD, pois o Departamento Executivo do Concílio Geral das ADs nos EUA desde o início sustentava seus missionários e, em 1919, foi organizado o Departamento de Missões Estrangeiras para coordenar as atividades missionárias mundiais (Hurlbut, 1979:225) 62 irmãos lá na cidade... depois de três meses o pastor foi lá e batizou 34 pessoas... assim 44 nasceu a AD lá do .... “ . Esta narrativa é uma típica história assembleiana dos antigos. Inúmeras histórias como esta aconteceram no sertões Brasil a fora. Isto é contado e repetido como algo bem corriqueiro, mas ao mesmo tempo fenomenal - as pessoas vêem isto “apenas” como “milagre de Deus”. É ótimo como reforço do discurso assembleiano bem caracterizado nestas frases das entrevistas: 1.“As habilidades humanas nada valem, sem a operação do Espírito Santo”: como uma jovem professora primária de uma fazenda no interior do Ceará, na década de 30, apenas com o evangelho de João e cantando dois hinos inicia uma igreja? 2. “AD não precisa de uma liderança humana, pois quem faz a obra é Deus”: quem designou esta jovem para iniciar a mensagem pentecostal? 3. “O Espírito Santo é quem ensina e dá as palavras”: esta moça pregou o que não teve oportunidade de aprender? 4. “Os pastores foram escolhidos por Deus para dirigir a Igreja”: esta mulher, quando questionada na entrevista, “por que a senhora mesmo não batizou as pessoas, já que foi quem pregou e elas se converteram a partir de sua mensagem? Por que esperar o pastor se foi a senhora quem começou a Igreja?”. Responde assustada: “Eu? Pastor é pastor. Na Bíblia não tem mulher pastora!” Tabela 03: Expansão da AD em seus primeiros anos ANO ESTADO/ LOCALIDADE PESSOA/FORMA 1911 PARÁ – interior - se propaga acompanhando a construção da linha do trem Belém-Bragança 44 Senhora de 83 anos esposa de um dos pastores entrevistados. 63 1911 PARAÍBA E R.G. NORTE 1914 CEARÁ – Uruburetama AMAZONAS 1914 Serra 1915 1928/29 (?) antes de 1920 ALAGOAS BAHIA – Canavieiras antes de 1924 1923(?) ESPÍRITO SANTO RIO DE JANEIRO SÃO PAULO - Santos de - um fazendeiro, após uma revelação visita diversas cidades; depois o pastor passa batizando pessoas em 23 localidades (Vingren, 1987:21) -Maria de Nazaré, resolve visitar parentes - 1914 Vingren visita o Ceará já encontra um igreja - perto da fronteira da Venezuela havia um irmão que fora batizado no ES no Ceará (Vingren, 1987:40) - irmão visitando parentes - uma irmã visita seus parentes (Vingren, 1987:76). Em 1930 já tem igreja - Gunnar Vingren faz uma visita a uma família que veio do Norte. Há um grupo de 20 pessoas (Vingren, 1973:98) - Daniel Berg chega em 1924 e já havia convertidos - “pessoas do Norte a procura de emprego no Sul” (Vingren, 1987:91) A AD iniciada em 1911 no Pará, chega em 1914 ao Ceará, em 1915 a Alagoas e em 1916 a Pernambuco e Amapá e, em 1924, alcança o R.G. do Sul. Nos seus vinte anos alcançou todo o país. A disseminação da igreja é desordenada, aleatória, acidental mas persistente. Como ela não tem um órgão administrativo/estratégico45 para elaborar um plano de ação, e sua liderança no primeiro momento, parece nem ter consciência do que esteja acontecendo, ela vai se alastrando sem nenhuma condição para este crescimento. Isto não é necessariamente um fenômeno inédito, pois todos os movimentos sociais, notadamente religiosos carismáticos, têm, inicialmente, um crescimento grande e no decorrer da caminhada, vai sofrendo um processo de acomodação. “Nos seus primeiros anos no Brasil os novos crentes, cheios de um entusiasmo contagiante, não preocuparam as igrejas históricas, fossem elas frutos da imigração européia (anglicanos, luteranos) ou de missões norte-americanas (congregacionais, presbiterianos, metodistas, batista, episcopais). Algumas dessas confissões contavam com mais de meio século de existência e uma estrutura nacional bastante estável, embora em grande escala dependente de seus países de origem”. (César, 1999:22) Igrejas são abertas sem ter pastores para delas cuidar; pessoas são batizadas nas águas (efetivando, assim, a membresia) mas não há obreiro 45 Como existe, por exemplo, na AD dos EUA ( Hurlbut, 1979) 64 credenciado para lhes ministrar a Santa Ceia46, missionários chegam do exterior sem definição de igrejas e locais de trabalho47. Há seguidas cartas, nos periódicos da época de pessoas de diferentes cidades/povoados pedindo visita pastoral. “No ano de 1927(...) considerando-se a falta de pastores e evangelistas, e atendendo ao fato de muitas igrejas passarem meses seguidos sem visita de obreiros, iniciou-se o que se ª pode chamar de trabalho de evangelismo itinerante” (1 história, Conde, 1960:56) Já no segundo ano de existência da igreja, em 1913 (1 a. história, Conde, 1960:32), Vingren inicia a consagração de pastores brasileiros 48 para ajudá-lo. Em cinco anos, cinco pastores foram consagrados - e Daniel Berg, em seu ministério de colportagem no interior, começa a cair no ostracismo. Tabela 04: Quadro estatístico da Igreja em Belém49 (1911-1914) Anos Batizados nas águas Batizados com o Espírito Santo 1911 13 4 1912 41 15 1913 140 121 1914 190 136 Total 384 296 BATISMOS NA AD EM BELÉM (1911-1914) 30,77% 36,59% 86,43% 200 71,58% 190 140 150 46 136 Batismo nas Águas Pelo visto, nesta época ainda não há o costume da celebração religiosa de casamentos. Com 121 exceção 100 do casamento de Gunnar e Frida Vingren, realizado em 1917 em Belém por Samuel Batismo no Nystron (qual a validade do 41mesmo juridicamente também não é explicado) nãoEspírito há um registro sobre50 a problemática dos casamentos, o que fica implícito mesmo é Santo que, nas regiões ribeirinhas e 13 sertões, os casais viviam “juntos” sem oficialização do matrimônio. 15 47 Não 0há nenhum dado sobre esta questão, mas os registros históricos apenas informam que tal 4 missionário chegou e foi para tal local. Fica implícito que não há uma programação anterior para Ano 1911 Ano 1912 Ano 1913 Ano 1914 tanto. 48 A partir deste episódio começa a se delinear o perfil dos obreiros assembleianos no Brasil: brasileiros iriam tocar o projeto. 49 Cf. Vingren (1973:59) 65 Esta é uma estatística questionável, mas, registrada no diário de Vingren, tem valor histórico. A igreja começou com 13 pessoas e não os 18 expulsos da Igreja Batista? Um dado chama atenção: o número de membros batizados nas águas, a cada ano, está maior do que o de batizados com o Espírito Santo. Em três anos a igreja já perde um pouco de seu “ímpeto” pentecostal? Seria exagero falar, neste momento de rotinização do carisma, até porque é a partir deste período que a igreja tem o crescimento, já citado, de 600.000% em quatro décadas. No entanto, o aspecto pneumatológico da manifestação da glossolalia vai, pouco a pouco, tendo menor ênfase50. Em 1938 já chama atenção da Igreja Católica, pois Pe. Agnelo Rossi lança um livro chamado “Diretório Protestante no Brasil”, como um brado de advertência para sua igreja contra o “perigo protestante”, segundo ele. Este movimento foi seguido dum zelo tão imenso que, em pouco anos, espalhou-se por todo o mundo”51 50 Em qualquer igreja AD, hoje de classe média já não há esta ênfase tão nítida da glossalalia como nas antigas igrejas, bem como nas mais periféricas. 51 Apud. César, 1999:22 66 c) A crise da borracha ajuda na expansão da AD “Nenhuma organização religiosa foi tão combatida, tão mal compreendida e recebida com tantas reservas, suspeitas e malquerenças, quanto foi o Movimento Pentecostal. Porém, também é certo que nenhum outro movimento cresceu tanto em igual período, nem se projetou com tanta rapidez, como as Assembléias de Deus, apesar de as mesmas não contarem com recursos financeiros, nem possuírem destacados valores intelectuais”. (1 ª história, Conde, 1960:7) Este texto de Conde não é falso, mas também não é completamente verdadeiro. Primeiro porque, no mesmo período, as demais denominações protestantes e outras manifestações religiosas também foram perseguidas52; segundo, porque, em parte, a perseguição pentecostal era também resposta ao seu avanço proselitista que dizimava algumas igrejas tradicionais da época53. Por fim, de fato, se comparada com as demais denominações, a AD não tinha o poder financeiro vindo do exterior54, mas estava tornando-se forte do ponto de vista quantitativo (e logo, obviamente, se tornaria forte financeiramente) e já tem “valores intelectuais” - ele, Emílio Conde, é um bom exemplo disto55. Para toda a literatura da igreja sua expansão é - apenas - “obra do Espírito Santo”. Pode ter sido, mas a crise da borracha ajudou muito. 52 Os cultos afros, definitivamente, foram as manifestações religiosas mais perseguidas no Brasil, desde o século passado até bem recente. (Prandi, 1991) . O espiritismo chegou a ser considerado “malefício social” pela Constituição de 1884- Guimbelli (1997) . Pr. José Rego (1942:34) em sua “História da Assembléia de Deus no Ceará”, registra que a polícia prendeu um grupo de crentes confundindo-os com um “grupo de catimbozeiros e comunistas”, mas logo após perceber o engano os crentes foram soltos. 53 Evidentemente que o registro disto nos jornais é com tom ufanista: igrejas batistas, presbiterianas e até congregação cristã inteiras se tornam assembleianas (Vingren, 1973:64; 89:92). Fato histórico de difícil comprovação, pois os historiadores das demais denominações não registraram isto, obviamente. Portanto, temos apenas a versão assembleiana. 54 Como mera ilustração, a Presbiteriana tem o Mackenzie em SP, a Metodista o Gamon, no Rio, ambas instituições nascidas e sustentadas com dinheiro do exterior. 55 Emílio Conde (08/10/01-05/01/71) é uma figura impar na AD. Poliglota, trabalha com exportação e em hotéis no Rio de Janeiro. Converteu-se na Congregação Cristã do Brasil, representou o Brasil em Conferências Mundiais, e recusou a ordenação ministerial (Costa, 1985:157). Escreveu os livros: Asas do ideal, Igrejas sem brilho, O homem, Pentecoste para todos, Nos domínios da fé, Caminhos do mundo, Flores do meu jardim, Tesouros de conhecimentos bíblicos, Estudos da a palavra e a 1 . história da AD. Hollenweger diz que ele tinha um doutorado em filosofia na França, no artigo que publica na Revista Simpósio, no.3, de junho de 69, mas quando lança seu livro „El Pentecostalismo”, em 1976, exclui esta informação. Como era celibatário, não há nenhum descendente para confirmar ou desmentir esta informação. Aliás, sobre o mesmo, há diversas histórias, no mínimo sui generis, sem comprovação. 67 Boris Fausto (1999), analisando os processos migratórios dos Censos de 1920 e 1940, acentua algo muito interessante. Apesar do aumento da população, de 30,6 milhões para 41,1 milhões, o crescimento da população urbana não foi correspondente. Ou seja: “os imigrantes não se dirigiram em regra para as cidades, ou pelo menos para cidades de razoáveis proporções(...) O Norte (região) apresentou uma elevada taxa negativa de migração interna (-13,72%), como resultado da crise da borracha. Foi, em grande medida, 56 um movimento de retorno dos nordestinos para sua região de origem” . Até 1918 a borracha é o segundo produto mais importante no Brasil, representando em 1910, auge da produção, 25,7% das exportações. A partir daqui declina, quando a Ásia entra no mercado, pois, em 1910, detém 13% da produção mundial, mas em 1915 chega a 68%. A Região Amazônica, que de 1890 a 1900 teve uma migração líquida de mais 110 mil pessoas vindas principalmente do Ceará, a partir de então tem um retraimento de extração de borracha 57. Os missionários suecos chegam no início da queda de produção. Há, de agora em diante, todo um processo migratório de retorno para seus Estados de origem - e a mensagem pentecostal os acompanha!58 A tabela 03, mesmo sem todos os dados, de alguma forma confirma isto. Mesmo sem dados estatísticos específicos de cada estado para confirmar, pelos livros de história da AD, dá para perceber isto: o Ceará é o segundo Estado brasileiro a receber uma mensagem pentecostal, seguindo-se a ele, diversos outros estados Nordestinos e Nortistas, e os mensageiros são sempre pessoas que retornam à sua parentela para anunciar o evangelho. Como já foi dito, não há uma decisão da liderança da igreja em prol da evangelização do país, há sim, uma dispersão indisciplinada de pessoas - homens e mulheres - retornando as suas antigas cidades. Até porque, jamais a liderança da AD enviaria mulheres, e, a 56 Ibidem, 390 Um dos entrevistados conta que seu pai falava que a lembrança mais forte que ele tinha de Belém do Pará era uma multidão de desempregados no Cais, a procura de serviço. 58 Cf. Mendonça (1984) O Celeste Porvir, em que o autor analisa o crescimento do protestantismo acompanhando o ciclo do café em SP. 57 68 pioneira cearense foi Maria de Nazaré. Invariavelmente, a AD se inicia nos Estados em alguma cidade do interior e não na capital. “Não fôra qualquer missionário nem mesmo qualquer obreiro credenciado quem levara a mensagem pentecostal ao Estado do Ceará; não foi um varão (...) uma mulher humilde, mas ardendo de zelo(...) desejou que seus parentes também conhecessem as Boas Novas a e o Evangelho Completo” (1 . história, Conde, 1960:113-4) Nos relatos da expansão da AD pelos estados os pastores/missionários chegam para realizar batismos e oficializar a igreja, mas quem a iniciou? Quando e como a mensagem pentecostal chegou a esse município? Quem reuniu o grupo e ensinou-lhe, inclusive, da necessidade do batismo? Gente anônima - a militância assembleiana. “Como era maravilhoso nos reunirmos para cantar, orar, testificar e louvar ao Senhor, enquanto os corações estavam transbordando de alegria e gozo. Na verdade, ali não havia cerimônia de nenhuma espécie, mas o povo de Deus se reunia com toda a simplicidade para louvar o Senhor. E o santo fogo do Espírito Santo se espalhava cada vez mais entre os moradores das margens dos diferentes rios” (Vingren, 1973:42). 3. JORNAIS: O PRINCÍPIO DA MODERNIDADE a) A experiência pioneira de 1917: “Voz da Verdade” Lançado em novembro de 1917, em Belém do Pará, pelos pastores Almeida Sobrinho e João Triguiero59 (1ª história, Conde, 1960:41), parece ter tido um único número. Na primeira página há uma matéria autojustificativa: “Voz da Verdade” (o título é um primor para o movimento nascente), é uma publicação gratuita60, não visa contenda (mesmo com este título?), não está ligado a 59 Nenhum desses nomes consta na lista de consagrações feitas pelos suecos, portanto não sabemos se eles aderem a AD já pastores ou se são consagrados nela. 60 Como Weber acentua, não há relação econômica numa dominação carismática, só aparecendo a partir de sua tradicionalização. O jornal “A Voz Pentecostal (Recife, 02/33, ano 1) também se apresenta como de distribuição gratuita. 69 nenhuma associação e “não é propriedade de uma seita”. Diz-se, ainda, um “orgam devotado a propagar a Fé Apostólica” (estamos conservando a grafia original). Parece independente demais para os padrões de liderança sueca, talvez por isso seu fim é informado por Conde (1960:346), assim: “ Em 1919, Gunnar Vingren, Otto Nelson e outro, fundaram em Belém, Pará, o jornal Boa Semente, que passou a ser órgão oficial da Igreja, pois Voz da Verdade que se publicou em 1917 deixou de existir, e não era órgão oficial da Igreja”. Como e porque deixou de existir está dentro da categoria dos silêncios da história da AD, mas é fácil presumir: 1. Este jornal foi projeto de dois brasileiros e não dos suecos (foram consultados?); 2. Os suecos estavam mais propensos à AD do que à MFA; 3. O jornal não estava ligado a ninguém, mas iria defender a fé apostólica; 4. Quem iria financiá-lo?: 5. O título de Rev. Almeida Sobrinho colocado na capa agradou aos suecos?;61 6. A AD em 1917, com exceção desses dois, já deveria ter 8 pastores, cinco brasileiros (Conde, 1960:32), e três (?) suecos62, e nenhum deles estava na liderança do jornal; 7. Pelo cunho apologético do texto de abertura, o jornal se dirigia muito mais ao público externo. Algo bem distinto da tônica do Boa Semente, que sempre esteve mais destinado ao público interno; 8. O jornal “Voz da verdade” é completamente omitido na biografia de Vingren. Para quem fez 25 diários em 10 anos é “esquecimento” imperdoável. Ou sua opinião - não favorável - foi excluída na copidescação feita por seu filho? 61 Se sim, ou se não, não sabemos, porém, que este foi o único reverendo assembleiano, pois a AD nunca adotou esta nomenclatura típica dos presbiterianos 62 Otto Nelson e Samuel Nystron estavam no Brasil desde 1914 e 1916 respectivamente, mas não se sabe se eles chegaram com os títulos ou se os receberam no Brasil. 70 b) Som Alegre: uma dissidência carioca? A AD inicia-se no Rio, com uma família que vem de Belém ainda na década de 10, pois em 1920 Gunnar Vingren visita o Rio, e lá encontra um grupo (Vingren, 1973:98) . O Rio é a capital federal e a mais importante cidade do país, Vingren resolve, portanto, deixar a igreja de Belém nas mãos de Samuel Nystron e vem assumir esta igreja, iniciando um jornal chamado “Som Alegre”. Portanto, temos agora dois jornais assembleianos num país com maioria analfabeta. Qual a razão desse jornal? Por que não juntar forças ao “Boa Semente” que está sendo feito em Belém? É uma estratégia de divulgação para amenizar a dificuldade de transporte e correio num país continental, ou começa aqui a disputa de poder entre as igrejas/lideranças? Este é mais um dos “silêncios” da história da AD. Até porque o “Som Alegre” desapareceu completamente. Não há uma única cópia sequer na CPAD, ou na sede dos Ministérios mais importantes do Brasil63. Nenhum dos pastores entrevistados, tem uma cópia ou lembra de tê-lo visto, aliás, alguns confundem o “Boa Semente” com o “Som Alegre”, como se fossem apenas um. Enfim, o jornal do Rio, que disputa espaço com o jornal de Belém, a igreja mãe, desapareceu. c) Uma palavra oficial: “Boa Semente” (1919-29) Tabela 05: Articulistas e temas do Jornal Boa Semente – 1919-1929 AUTOR TEMA APO LO GIA 63 EVANG E LIS MO COM FOR TO ESCAT O LO GIA PES SOA DE JC ORA ÇÃO POE SIA COMP ROMIS SO DOUT RI NA DI VER SOS TO TAL % CLA SS. Foram contatados as Igrejas Sedes dos Ministérios em Belém-PA, Manaus-AM, Madureira-RJ, S.Cristovão-RJ, Penha-RJ, Brás-SP e Belém-SP, e, em nenhuma dessas igrejas há algum exemplar deste jornal. Aliás, a maioria nem ouviu falar do mesmo. 71 A. Silva A. P. Adalberto Galvão Afonso de Oliveira Amália Ribeiro Ananias Rodrigues Antonio Torres Galvão Arnet Pritchard Beatriz Lins Borges Daniel Berg Domingos Lins Donald Gee Ecila E. Ferreira Esther Clóvis Lima Frida Vingren Giovani Papini J. Felinto J. G. J. H. J. Nelson J. Trigueiro Janyra S. de Figueiredo Jonh Arund José Bezerra José do Patrocínio José Evangelista José Menezes José Miguel Barros José Paulo Torres Josino Galvão de Lima Julião Silva Lucas Luis Higino de Sousa M. Galvão de Carvalho Manoel H. de Sousa Nilson Silva Otto Nelson P. A. T. de Castro P. Aristóteles R. Pereira S. T. Samuel Nistron Sebastião Nóbrega Sven Lidman Win Arnet 1 1 3 2 1 1 - 2 1 1 1 1 l 1 1 - 2 - 1 1 1 1 1 1 2 1 3 1 1 - 1 1 1 1 1 1 2 1 1 2 1 2 - - - 1 1 1 1 - 3 7 1 1 1 1 2 - 4 1 4 1 1 3 2 1 1 1 1 - - 1 1 2 1 1 2 1 1 2 1 - 1 1 1 1 3 2 1 1 1 1 1 1 - 2 2 - 1 1 - 1 2 - - 2 1 - 1 1 1 1 1 - 2 2 - - 1 - 1 - - - 1 1 - 1 2 1 1 - 1 9 3 2 2 5 2 8 2 2 2 2 3 5 2 2 8 2 6 2 4 2 5 3 2.7 0.8 0.5 0.5 1.5 0.5 2.4 0.5 0.5 0.5 0.5 0.8 1.5 0.5 0.5 2.4 0.5 1.8 0.5 1.2 0.5 1.5 0.8 5 11 12 12 9 12 6 12 12 12 12 11 9 12 12 6 12 8 12 10 12 9 11 2 2 2 4 6 6 2 7 7 5 7 5 0.5 0.5 0.5 1.2 1.8 1.8 0.5 2.1 2.1 1.5 2.1 1.5 12 12 12 10 8 8 12 7 7 9 7 9 1.2 0.8 0.8 7.5 4.3 0.8 0.8 2.7 1.2 1.2 0.5 10 11 11 3 4 11 11 5 10 10 12 2 1 1 1 3 1 1 1 - 1 - 1 3 - 1 3 1 3 1 - 1 2 1 - 1 3 2 - 7 3 1 2 1 - 5 1 1 1 5 1 1 1 1 - 4 3 3 26 15 3 3 9 4 4 2 6 7 2 3 11 2 11 20 22 4 88 26 1 12 - 4 13 5 1 1 2 7 5 50 14. 5 2 2 Autores com apenas 01 (um) texto Textos sem identificação de autor TOTAL 36 33 13 22 47 10 35 70 54 29 PERCENTUAL 10.3 9.4 3.7 6.3 13.5 2.9 10 20.1 15.5 83 CLASSIFICAÇÃO 4 6 9 8 3 10 5 1 2 7 349 Lembrando as considerações que foram feitas na Metodologia sobre a catalogação dos artigos (a arbitrariedade da definição do tema, a surpresa sobre a 72 questão da apologia pentecostal e as limitações da pesquisa), podemos avaliar da seguinte forma: l. Os participantes: esse jornal, que inicia suas atividades em 1919, se considerarmos as condições de tipografias, correio e taxas de alfabetização do país, tem uma grande participação dos membros da igreja. São 46 articulistas com mais de um texto e 88 autores que escrevem apenas uma vez, totalizando 134 pessoas ao todo; fora inúmeros textos anônimos e outras traduções também anônimas. Se fossem contabilizados também testemunhos e noticias da obra, teríamos centenas de participantes Quem pode - e deve - escrever? Fica implícito pelos inúmeros testemunhos, apelos, poemas e mesmo artigos que todos podem e devem escrever. Algo que muda no “Mensageiro da Paz”: testemunhos são aceitos de todos, mas artigos não. 2. Os assuntos: São considerados textos sobre compromisso todos os que apelam à militância. Nesse aspecto, a totalidade do jornal poderia ser classificada como apelo ao envolvimento e é este o objetivo do jornal: fomentar a militância. Reforçar o discurso de que todos são responsáveis pela evangelização e que indistintamente todos devem envolver-se na propagação do evangelho (leia-se, mensagem pentecostal), seja vendendo Bíblias, falando aos seus parentes e amigos, convidando vizinhos para os cultos. Testemunhar das “bênçãos” é privilégio e obrigação de todos. É este, então, o compromisso final e absoluto: divulgar o evangelho. Isto está no cerne de todas as atividades, pois apesar do risco (apedrejamento, prisão, como aconteceu algumas vezes), realizar um batismo num ambiente público como um rio, é também uma ótima propaganda. 3. A destinação: O jornal é para o público interno ou externo? 64 . Isto, presumimos, não é lembrado pelos autores. O jornal tem assuntos internos, tais como, convites aos obreiros para reuniões de estudos 64 Aliás, até hoje o material evangélico sofre desta síndrome, porque conquanto tenha muita matéria para consumo interno (dentro de um evangeliquês só entendido pelos “iniciados”) se propõe, também, a ser „evangelístico”, ou seja, ganhar novos adeptos. 73 bíblicos, avisos de viagens dos pastores, venda de Harpa Cristã, mas ao mesmo tempo é escrito para os “pecadores e incrédulos” num cunho proselitista. Há uma forte convicção da verdade (no caso, doutrina pentecostal) aliada a um senso de urgência (escatologia) de que se precisa fazer o máximo no menor tempo possível, Isto é, testemunhar para o maior número de pessoas usando todas as oportunidades. Há textos sobre inauguração de um templo, ou viagem de um pastor visitando uma congregação, que fecha o texto assim: “Amigo que estás lendo, conheces a verdade sobre a salvação em Cristo?”65 4. A produção: nada espantoso num jornal escrito entre 1919 e 29 que a produção masculina (324 artigos) seja superior à feminina (25 artigos), pois está bem dentro do contexto da época. O interessante mesmo é saber que os brasileiros (homens e mulheres) produzem quase 90% do jornal (312 artigos) e os estrangeiros apenas 10% (37). O jornal “Boa Semente” é, portanto, a primeira palavra oficial da AD. Lançando em 1919 em Belém do Pará, já é um indício da burocratização: a mensagem precisa ser oficializada. É também uma demonstração da preocupação sueca em não perder o controle sobre a “obra”. Samuel Nystron e Gunnar Vingren são os diretores - nascem os títulos na AD. Os números das tabulações (mesmo com as ressalvas na Metodologia, repita-se) são o retrato dessa igreja; e isto não é o que se diz sobre ela, é o que ela diz sobre si mesma. d) As ênfases teológicas do BS: Tabela 06: Tabulações do Jornal Boa Semente – 1919-1929 TEMA 01 65 Compromisso TOTAL 70 % 20.1 PRODU ÇÃO FEMINI NA 6 PRODU ÇAO MASCU LINA 64 PRODU ÇAO NACIO NAL 63 PRODU ÇÃO ESTRAN GEIRA 7 Na teologia evangelística se aplica o conceito paulino de “pregar a tempo e fora de tempo” II Tm. 4.2 74 02 03 04 05 06 07 08 09 10 Evangelismo Poesia Apologia Doutrina Escatologia Pessoa de Jesus Cristo Conforto na Tribulação Oração Diversos 33 35 36 54 22 47 13 10 29 10 TOTAL 349 9.4 10 10.3 15.5 6.3 13.5 3.7 2.9 8.3 1 3 4 1 2 2 2 2 2 32 32 34 53 20 45 11 8 27 32 35 28 51 18 41 9 10 25 1 0 8 3 4 6 4 0 4 25 324 312 37 A temática do jornal poderia ser resumida no seguinte: Compromisso - é a tônica principal e necessária. Esta igreja nascente precisa adestrar seus membros para a luta e os mesmo não podem vacilar diante das intempéries que se apresentam. O jornal é panfletariamente evangelístico: o leitor (ou como diria, Weber, o adepto) é peça fundamental da história, e portanto, precisa se envolver, dar o sangue, a vida. Numa linguagem weberiana, dá a legitimidade. O discurso do jornal serve de reforço desta mensagem. Todos os textos dentro desta categoria se objetivam: l. Conclamar os leitores/adeptos a se envolverem com a obra; 2. Fazê-los entender que isto é prioritário e absoluto. Doutrina e Pessoa de Jesus Cristo - nada mais óbvio, essa nascente igreja precisa de uma fundamentação teológica/bíblica. Nesta categoria estão os textos sobre salvação, nascimento e morte de Jesus, santa ceia, batismos, etc. Apologia Pentecostal - qual a exegese usada nos textos bíblicos para a fundamentação da doutrina da contemporaneidade da ação do Espírito Santo? Se falarmos de exegese clássica no sentido técnico de interpretação, a partir das línguas originais, nenhuma. Não há um só texto 66 que faça alusão a isto - mesmo que isto não seja “erro” apenas dos pentecostais, os opositores que escrevem contra a “heresia dos pentecostistas” em outros jornais também não realizam esta exegese técnica67. Todos - contra ou a favor - trabalham com o dado da “experiência”: aconteceu comigo, dizem os pentecostais; isto aconteceu apenas 66 Quem na AD nesse momento poderia fazer isto? Apenas Gunnar Vingren tem um curso de teologia de 4 anos no Seminário Batista Sueco de Chicago. 67 No Jornal “Expositor - mensageiro evangélico”, da Igreja Presbiteriana, na coleção de 1935 a 1940, há alguns artigos contra a “heresia dos pentecostistas” que argumentam simplesmente, curas, batismos, revelações, línguas são para o período dos Atos dos Apóstolos. Hoje não mais. 75 no período bíblico e não mais comigo, dizem os opositores 68. A tônica do jornal é hermeneuticamente experimental. A Bíblia é literalizada e experiencial: o texto diz, então acontece. E acontece hoje69. Aliás, esta deve ser uma das principais singularidades da teologia pentecostal, e mais um vez a leitura do jornal reforça o discurso militante na medida em que, pessoas de todas as partes do pais estão recebendo as mesmas curas, revelações, perseguições e batismos com o Espírito Santo e estão relatando nas páginas do jornal umas as outras. e) As singularidades da mensagem pentecostal. Estas perspectivas são muito importantes para a construção desta igreja neste momento, e elas precisam ser entendidas “por dentro” para que, assim, se possa avaliar melhor esta igreja70. A questão da experiência é fundamental para o indivíduo. Precisa-se ter uma experiência de salvação, uma experiência de batismo com Espírito Santo, e este, como conseqüência daquele, é tão ou mais importante quanto. Como conseqüência, “precisa-se” sofrer perseguição como atestado de veracidade comunitário. Quase desnecessário é lembrar que as ênfases do primeiro momento do pentecostalismo são visceralmente distintas das atuais. Enquanto hoje a ênfase é exorcismo, prosperidade, benção e poder político, no início do século o pentecostalismo enfatizava o batismo (glossolalia), cura e santidade pessoal - isto, ainda mais no restrito espaço dos templos e residências familiares. Bem diverso da pregação neo-pentecostal hoje feita em cadeia nacional de TV. “Meu pentecoste”: a experiência como realidade legalizadora do indivíduo. 68 Como se deu e o que é o Pentecoste? “é o evento fundante da “Deus não fala mais diretamente aos homens hoje”, foi a resposta que o Consistório Presbiteriano Brasileiro recebeu da Missão Americana, quando da consulta sobre as manifestações iluministas do Dr. Miguel Vieira Ferreira, que, expulso, fundou a Igreja Evangélica Brasileira em 11/09/1879 ( Leonárd, 1988) 69 Magalhães (1999) tem um instigante texto com uma análise da perspectiva da hermenêutica pentecostal da experiência, usando o que ele chama de mudança da “chave hermenêutica”. 70 “Eu não poderia esperar compreender o que estava acontecendo no pensamento e na vida de pessoas que faziam parte desses movimentos a menos que fizesse um grande esforço para penetrar em seu mundo, compreender e experimentar a sua fé de dentro de sua realidade” Shaull (1999:153), aut César (1999) 76 vivência pentecostal, pois dele toma o nome e nele se inspira em sua organização interna e vocação missionária” (Campos, 1996:61)71. O pentecoste não é apenas um evento histórico, datado e fixo no passado, ele pode - e deve - ser repetido fenomenologicamente em cada indivíduo, da mesma forma como a experiência da salvação, ou o “dia da conversão”72. Não há nos textos alguma diferenciação entre uma experiência e outra; ambas são necessidades a serem vivenciadas. Há ao contrário uma “mistura” das experiências. Como é a experiência/adepto quem comprova e atesta o carisma, então, meses após meses, os testemunhos/artigos se repetem, contando que em diferentes lugares e ocasiões, “pecadores aceitaram a Jesus e foram batizados com o Espírito Santo”. “A experiência de fé era muito mais importante do que sua compreensão sistemática e racional” (Shaull, 1999:153). Vingren diz em seu diário que “muitos tiveram seu Pentecoste nesse tempo” (Vingren, 1973:57). Que hermenêutica bíblica se faz disto? Como foi dito, no sentido técnico de exegese dos textos bíblicos com análise de hebraico ou grego, nenhuma. Que importam os textos, se cada um tem a experiência/verdade? Os testemunhos/artigos tomam uma “conotação ainda maior de verdade” quando partem de um ex-batista, ex-presbiteriano, etc. O Pentecoste é ”núcleo querigmático fundante” (Campos M., 1996), ele é origem, fundamento e razão de ser deste novo indivíduo. Origem, porque uma igreja com poucos anos de vida diante de outras centenárias precisa apelar para algo anterior (daí, os Atos dos Apóstolos) como forma de legitimação 73; fundamento porque, mais uma vez, todas as demais têm séculos de história teológica, credos, nomes (Calvino, Wesley, Confissão de Westminster), e na falta 71 Esta conceituação da experiência é baseada no de Bernardo Campos, ”Na força do Espírito: pentecostalismo, teologia e ética social”, in Gutiérrez (1996) 72 Esta é uma questão complexa dentro da soteriologia, porque a salvação, conquanto tenha sido realizado, segundo os crentes, no momento da expiação realizada por Jesus na cruz, o dia da salvação se dá - também - no momento do encontro do pecador com seu salvador. Ou seja, a salvação já se realizou mas se realiza, para cada crente, no dia da conversão. Conceito extremamente ausente numa perspectiva calvinista, porque essa salvação já foi destinada e realizada “antes da fundação do mundo, na soberania e desígnios de Deus”. Doutra forma, se os salvos e os perdidos já foram destinados antes mesmo que a salvação realizasse, ou se alguém nasce “salvo” ou já “destinado a salvação e/ou a perdição”, então não há experiência da mesma. 73 Esta necessidade todas as igrejas protestantes tinham - e têm - diante da Igreja Católica como o ramo original do cristianismo. 77 de algo similar, apela-se a um evento74; razão do novo indivíduo75, porque um crente “cheio do poder” é diferente (?) - e nisso há implicações éticas, sociais. “Mulher ou homem, tudo indica haver um antes e um depois, seja conversão ou reconversão: da rotina religiosa, para o salto da emoção de uma fé radical” (César, 1999:29). “Teodicéia do sofrimento”76: A perseguição como realidade legalizadora da comunidade. Perseguição não é um acidente de percurso, um tropeço na caminhada ou uma dificuldade episódica, mas um acontecimento natural, diria mesmo, necessário para confirmação da mensagem pentecostal. Por que a AD é perseguida? Porque é verdadeira. Em repetidos textos, há o seguinte raciocínio: A Igreja Primitiva dos Atos dos Apóstolos era perseguida? Sim, então a AD também deve ser. Quem perseguia a igreja? Os doutores da lei, os religiosos oficiais, os sábios, os homens do poder, os pecadores. Quem está perseguindo a mensagem pentecostal hoje? Os pastores formados em seminários (batistas, presbiterianos, etc.), os religiosos oficiais (na Suécia, os luteranos; no Brasil, os padres), os sábios (jornalistas), os poderosos (fazendeiros), os pecadores (bêbados, arruaceiros). Esta é a leitura, como conseqüência da ênfase experiencial anterior, que os assembleianos fazem da perseguição. Eles são presos, apedrejados pelo padre, expulsos de casa por seus familiares, e, então, escrevem um artigo para o jornal usando este texto bíblico: “Chamando os apóstolos, açoitaram-nos e, ordenando-lhes que não falassem em o nome de Jesus, os soltaram. E eles se retiraram do Sinédrio, regozijando-se por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por esse Nome” Atos 5:40-41 74 Nos diários do Gunnar Vingren, sobre a situação deles ao se despedirem de sua igreja de origem em Chicago rumo ao Brasil, ele escreve: “Ali estávamos os dois sem nenhum recurso, sem pertencer a nenhuma denominação, pertencendo somente à denominação que está no céu” (Vingren, 1973;25) 75 Cf. Mariz, Cecília L., Alcoolismo, gênero e pentecostalismo, in Religião e Sociedade, ISER, vol. 16, n. 3, maio de 1994(p. 80-93) 76 Estou utilizando o conceito de Weber. 78 A tônica é “Somos perseguidos, somos verdadeiros”. Simplismo? Pode ser. Mas uma igreja formada por imigrantes pobres e seringueiros desempregados, perseguidos pela Igreja Católica e esnobados pelas denominações protestantes, precisava de uma “razão espiritual” para sobreviver. A teodicéia do sofrimento transforma o escárnio em privilégio e a marginalização social em participação do sofrimento por amor de Cristo. Isto é uma tremenda reviravolta na lógica do sofrimento77. A idéia de perseguição como legitimação da verdade foi excepcional para a AD naquele momento. De fora, a leitura é de um bando alienado de fanáticos, mas a leitura interna é de “privilegiados por sofrerem pela causa de Cristo”. Isto, evidentemente, fez uma tremenda diferenciação na agressividade evangelística da AD. Berger ao se referir a esta expressão weberiana comenta que ela “empresta sentido ao sofrimento, de modo a transformá-lo de fonte de revelação em fonte de redenção” (1976:123). Aqui não há a “barganha cósmica”78, ou o é “dando que se recebe” bem típico da teologia da prosperidade que atualmente prolifera nas chamadas igrejas neo-pentecostais79. Os adeptos não estão esperando enriquecer, ter saúde e assumir o poder político, até porque, como pentecostais neste momento, nenhuma destas perspectivas lhes são possíveis, ao contrário. O esperado mesmo é, o inverso do enriquecimento, pobreza; saúde, muita perseguição; e poder político é uma possibilidade inimaginável e até mesmo não desejada, porque escatologicamente, no futuro espera-se apenas a vinda de Jesus. Segundo André Corten (1999) o discurso teológico da teologia da prosperidade ofusca o termo salvação com o termo solução; aqui, pelo visto, acontece exatamente o contrário, não se busca solução, apenas a salvação. 77 Uma reviravolta muito interessante é efetuada por Wilson Gomes em Nem anjos nem demônios/cinco teses equivocadas sobre as novas seitas populares,(1994) sobre a questão do dinheiro. Todos criticam o mercenarismo das novas igrejas em tomar dinheiro de gente pobre, mas Gomes faz uma leitura inversa: a alegria e dignidade que isto produz no pobre em poder dar e, ainda mais, dar para Deus. Fazer dele um parceiro. Pode-se não aceitar o argumento, mas é no mínimo, inovador. 78 Expressão cunhada para exigência da oferta por Wilson Gomes, em Demônios do fim do século - curas, ofertas e exorcismo na Igreja Universal do Reino de Deus, Cadernos de CEAS, n. 146, julho-agosto, 1993 79 Cf, especificamente na vasta produção sobre a teologia da prosperidade, Mariano (1998), Campos 1998. 79 4. IGREJAS CALVINISTAS CRESCEM MENOS QUE IGREJAS ARMINIANISTAS? Nenhum trabalho até agora analisou a questão da motivação soteriológica das denominações como fator de crescimento e este não será o primeiro. A provocação aqui se faz apenas como registro. Mas a Congregação Cristã no Brasil, pentecostal com as mesmas origens teológicas (Francesco e Vingren conheceram a doutrina pentecostal em Chicago) e sociológicas (ambos imigrantes pobres) não tem o mesmo crescimento que a AD, por quê? Podemos repetir as análises sociológicas feitas até agora80: a CCB se torna uma igreja étnica, AD é uma igreja multirracial; a CCB ficou sob o domínio de uma família, a AD tinha uma liderança diversificada; a CCB foi encurralada pelos movimentos operários sulistas, a AD foi disseminada pela migração nordestina, mas poderíamos acrescentar (por que não?), a CCB é calvinista81 , a AD é arminianista. Ora, a motivação soteriológica de que Deus, em sua sabedoria já definiu os salvos e os perdidos, e sua soberania é inquestionável (calvinismo); ou de que, toda a humanidade é pecadora e está perdida, mas a ação salvífica de Cristo é capaz de salvar todos os que o aceitarem (arminianismo) - faz uma diferença fenomenal no processo evangelístico. É fácil identificar quais as igrejas com algum esforço evangelístico, e sem entrar no mérito, todas as que o realizam, fazem-no obviamente por acreditar nele. Por que e para que evangelizar, se salvos e perdidos já estão definidos? É essa a teologia que justifica a CCB não realizar campanhas, convites, apelos, programas de rádio, distribuição de literatura, etc. A AD, ao contrário, tem em seu cerne uma motivação soteriológica diversa: ela quer “salvar o mundo”, ou pelo menos, pretende que todos ouçam a mensagem do evangelho, na crença arminianística de que, se aceitarem livremente a salvação podem ser salvos. 80 Cartaxo Rolim, em diversos trabalhos, faz uma analogia entre a AD e CCB, inclusive nesta temática do crescimento (1979; 1980; 1995a 1995b). Estas considerações são todas baseadas em sua pesquisa. 81 Monteiro frisa que, nesta caso, os membros da CCB são “presbiterianos ortodoxos” (1995:15) 80 Basta ter oportunidade de ouvir. Isto, evidentemente, faz uma boa diferença no processo de crescimento. “Tem havido esforços para relacionar a doutrina da predestinação, que prevalecem nas igrejas calvinistas de classe média, com o caráter puritano. É difícil, no entanto, perceber se a doutrina foi resultado da psicologia burguesa, com ênfase na responsabilidade do indivíduo ou inversamente, se o caráter puritano da atividade dinâmica foi conseqüência da doutrina da predestinação” (Niebuhr 1992:59) O ovo ou a galinha? A predestinação influenciou a psicologia puritana ou o inverso? Weber explica, não se trata de a mais b igual a c, mas que entre situações diversas há certas “afinidades eletivas” que, dialeticamente, terminam imbricadas. A pergunta então seria: qual a afinidade eletiva entre crescimento quantitativo de membros e doutrina da predestinação? Ou avanço evangelístico e perspectiva arminianística? Coincidência ou não, mas são as igrejas arminianísticas que mais crescem, até hoje, segundo atesta a Pesquisa Novo Nascimento (Fernandes, 1998) . A Igreja de Cristo, fundada em 1932 (Queiroz, 1999), como a primeira dissidência da AD no Brasil, tem as mesmas características. Igreja nordestina, formada de pobres, avessa a educação teológica, prima por uma liderança autóctone mas não cresceu, ficou restrita ao Nordeste. Tem uma orientação rigorosamente calvinista. O PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO: 2A. FASE CAPÍTULO III A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IGREJA - 1930 -1949 Introdução O “movimento pentecostal” entra em sua terceira década já bem dessectarizado e assumindo o papel de igreja1; já não é mais um grupo de exclusiva adesão voluntária, há uma geração sendo formada nela. Mais do que igreja, está transformando-se em denominação. Mesmo que isto não seja aceito pelo seu principal ideólogo, Emílio Conde, que, em 1960 escreve contra o conceito de denominação e insiste em ser apenas um “movimento” - até hoje a AD faz questão deste discurso2. Esta fase, que começa com a Convenção Geral3 de 30 em Natal, e, se consolida com o registro estatutário da CPAD, é definitiva para a AD se firmar como igreja/denominação. É um período de muitas tensões internas (Convenção em Natal e todas as demais; relação suecos&brasileiros&americanos; semente do divisionismo ministerial e expansão da igreja em todo o país, etc.) e externas 1 “Os conflitos que surgem entre os valores religiosos e os da sociedade inclusiva podem assumir formas de acomodação que levam a antiga “seita” a transforma-se em “igreja” (Souza, 1969:73) 2 Já não há como antes o discurso anti-organização. Aceita, hoje ser chamada de denominação e/ou igreja pentecostal, mas ainda é um discurso muito repetido no Mensageiro da Paz (em todos os exemplares que acompanhamos em 1999) se auto-intitular de “Movimento” 3 Convenção Geral é o título dado pela convocação de Natal em 1930 (ver anexo 04) e até hoje é a designação desta convenção. Já Convenção Nacional é sua correlata do Ministério de Madureira. 82 (crise nas bolsas, Getúlio Vargas, Estado Novo, II Guerra Mundial), mas, resolvendo bem ou mal todos os desafios que ela teve, a AD alcança todos os estados e se fortalece por todo o país. Neste capítulo trataremos das relações entre suecos e brasileiros, suecos e americanos e brasileiros-suecos-americanos. As relações institucionais dos líderes, porque a igreja (seguidores, batizados, construtores e mantenedores) não participa dessa tensão. É necessário entender como funcionavam as convenções, e a partir delas, como ocorreu o desembocar do processo de fracionamento dessa igreja em Ministérios distintos, fraternos e, às vezes, inimigos. 1. AD – UM PROJETO BRASILEIRO? a) Qual a ligação da AD no Brasil com a dos EUA? “A influência dos EUA foi intensa” (Campos Jr, 1995:139, grifo nosso) “AD mantém estreitos laços com as igrejas pentecostais norte-americanas das quais depende quase totalmente em termos de educação teológica, que embora incipiente no Brasil, começa a se fortalecer pelo estabelecimento de vários seminários e institutos bíblicos para a preparação de pastores. Acresce uma gama de literatura traduzida amplamente difundida principalmente através da CPAD e Editora Betânia” (Bittencourt Filho, 1985:35, grifo nosso) “O pentecostalismo estava apenas na sua infância quando chegou ao Brasil um fator importante para sua autoctonia” (Freston, 1994:75) Esta afirmação de que o pentecostalismo brasileiro é um produto made in EUA está dentro da categoria de “estereótipos sociológicos” (Fry, 1975:84). Tornou-se senso comum e, se verdade ou não, ninguém se preocupa em comprovar. Onde, quando e como se deu esta influência intensa? Quais os estreitos laços - teológicos, econômicos, culturais? Como se deu esta dependência total da educação teológica? 83 O contexto da frase de Campos Jr. é a questão da música dos negros americanos, a sua espontaneidade de ritmos e instrumentos, algo muito repetido nas análises sobre o pentecostalismo brasileiro, mas esta “espontaneidade” é muito mais um exercício hermenêutico dos observadores. A AD, desde o início, teve uma postura muito conservadora quanto ao corpo. Até hoje, qualquer tipo de dança é reprimida e, liturgicamente (apesar de criticar muito as outras denominações de “frias e não darem liberdade ao Espírito”), o padrão de culto assembleiano é bem fechado e definitivo: em grande número de igrejas 4, cantamse somente os hinos da Harpa Cristã dentro daquela música “sagrada como era antigamente5”; o ritual na tribuna é previsível; a participação é domesticada 6. Aquele estilo das igrejas negras com dança e cânticos “negros espirituais” (gospel), caracterizados pelos improvisos, pessoas batendo palmas e dançando no culto, “confirmando” ou perguntando algo ao pregador nunca se constituiu padrão assembleiano brasileiro. Temos que restringir esta “espontaneidade” com a possibilidade de qualquer um (analfabeto, letrado, empregada doméstica ou a patroa) dar um testemunho, falar ou pregar. Todos têm a liberdade, em quaisquer momentos do culto, de - numa linguagem que Corten (1996:12) chama de “intervenção anárquica da palavra”, e os assembleianos de “glorificação a Deus” -, dar glórias, aleluias, falar em línguas, chorar, rir, gritar. No mais, tudo segue muito bem definido e restritivo: vestimenta, ritmos, postura, liderança, ritos, interditos, etc. O culto se inicia apenas com uma oração, depois se cantam apenas três hinos da Harpa, depois se faz apenas uma leitura bíblica, e dá-se oportunidade para o conjunto de senhoras/jovens/crianças e alguns testemunhos. Há décadas o culto “guiado” pelo Espírito Santo realiza-se - apenas - assim. E ninguém se atreve a mudar. Nem o Espírito. 4 Estamos nos referindo as ADs tradicionais, e não das autônomas. Fazer um arranjo musical em estilo popular de samba ou rock é um sacrilégio inaceitável na cultura assembleiana. 6 Talvez para um pesquisador que chega e assiste a três “cultos públicos”, duas “reuniões de oração” a participação “espontânea”, se comparada à Igreja Anglicana e muito mais a Católica, é algo extraordinário, mas se o pesquisador assistir a reuniões durante alguns anos, em comunidades assembleianas diversas, vai perceber a “ritualização da espontaneidade”. 5 84 Já o Bittencourt fala da educação teológica, pelo fato de o primeiro seminário teológico brasileiro ter sido fundado, em 1958, por um pastor que chegara dos EUA7. Precisamos situar esta questão melhor pois, nos primeiros anos, muitos alunos, ao se inscreverem nesse curso e noutros que foram surgindo a partir de então, foram “disciplinados” por suas igrejas, e, no geral, os “formados em teologia” tinham muita dificuldade de se inserirem no Ministério Pastoral. Educação teológica sempre foi rechaçada, apesar (e também por isso) de vir dos EUA. Durante muitas décadas, seminários foram tratados pejorativamente como “Fábricas de Pastores8” e rejeitados por irem contra a “tradição da Assembléia”, e por que essa igreja nasceu e cresceu sem a existência deles9. Ademais, quantos seminários foram fundados por missões americanas10 (e quantos americanos estiveram - ou estão hoje - dirigindo ou formando pastores assembleianos?); algo muito comum, por exemplo, na tradição batista e presbiteriana. Apesar de os suecos terem chegado ao Brasil vindo dos EUA, eles não são enviados por alguma missão11 ou igreja norte-americana, portanto, institucionalmente eles não têm nenhuma ligação com aquele país. Os suecos são autônomos, mesmo que Gunnar Vingren seja pastor batista, mas como ele diz em seu diário, ao seu despedir de sua igreja, agora não é mais membro de nenhuma denominação “apenas da denominação do céu” (?). Não há nenhum texto nos 7 IBAD - Instituto Bíblico das Assembléias de Deus, fundado em 1958 pelo Pr. João Kolenda Lemos, brasileiro, descendente de alemão. Sua esposa, Ruth Doris Lemos, pastora assembleiana, é americana. Hoje são considerados “heróis” mas durante anos foram tratados como “desviados, rebeldes” e não foram excluídos da AD por que, embora no Brasil, permaneceram filiados à AD nos EUA. 8 º Esta é uma expressão corriqueira nos meios assembleianos, ainda hoje usada. Na Ata da 9 da ª 18 Convenção em Sto. André, em 66, o pr. Anselmo Silvestre, de BH, se posiciona contra a proposta de criação de seminários, que ele chama de “Fábrica de pastores”, pelo perigo de alguns ficarem com as cabeças cheias o coração vazio”. 9 Hoje, ironicamente, educação teológica virou moda na AD. Todos os Ministérios hoje têm uma “Faculdade Teológica”, mesmo com carência de biblioteca e quadro docente funcionando precariamente. 10 Se os EUA tivessem investido em educação teológica no Brasil, talvez hoje tivéssemos algo pelo menos parecido com uma universidade digna deste nome, no meio assembleiano, equivalente ao Mackenzie (Presbiteriano) ou UMESP (Metodista). Temos hoje a EETAD - Escola de Educação Teológica da Assembléia de Deus, em Campinas, que não é projeto da AD americana, mas foi um sonho do Mis. Bernard Jonhson, americano, que a implantou e sustentou. É uma escola teológica por correspondência para atingir os rincões deste país onde o ensino regular não chegou. 11 Um dos entrevistados falou de uma Missão Americana que sustentava os missionários suecos no Brasil, mas não há nenhum registro ou indício histórico desta missão. Da Sueca, sim. Léonard (1988:72) ao analisar a AD diz que ela está ligada a Missão Escandinava. 85 jornais e nenhum indício nas biografias de alguma ligação dos missionários com a igreja de H. Durham, da qual são originariamente membros, e que os “abençoa” na hora da partida. E nenhum missionário norte-americano é enviado para supervisionar e lhes dar algum tipo de suporte. Na biografia de J. P. Kolenda, um alemão que veio para o Brasil em 1904, com seus pais, depois vai morar nos EUA e lá se torna pastor da AD, há um trecho bem significativo para entendermos a questão suecos-americos-brasileiros. É a fala de Noel Perkins, Diretor de Missões da AD nos EUA, isto em 1938. Perkins convida J.P. Kolenda a ser o “representante das ADs nos EUA, a fim de fazer uma sondagem da situação” (Brenda, 1984:85): “Temos um problema no Brasil. Precisamos de um homem com experiência, preferencialmente alguém que fale a língua, para ir ao Brasil e investigar certas condições existentes e depois nos aconselhar quanto ao modo de procedermos”. (grifo nosso) Mas qual é o problema? “Os missionários suecos tinham objeções à ida ao Brasil de missionários norte-americanos das ADs. Achavam que, visto serem eles os pioneiros, tendo chegado primeiro ao Brasil, aquele país deveria ser considerado campo deles” (idem, 86) Então, segundo Perkins, o Depto. de Missões tinha as seguintes opções: 1) “aceitar o pedido dos missionários suecos e recomendar que os missionários12 das Assembléias de Deus da América do Norte no Brasil deixassem o país e fossem redistribuídos em outros países sul-americanos; 2) Recomendar que os missionários norte-americanos organizassem uma obra separada no Brasil, ligada às Assembléias de Deus norte-americanas, independente da obra ali existente; 3) Achar um meio de cooperar com a obra existente das Assembléias de Deus, da qual os missionários suecos eram os pioneiros e edificar uma só obra forte das Assembléias de Deus no Brasil” (Brenda, 1984:85) (grifo nosso) 12 Americanos no Brasil em 1938? Lawrence Olson chegou em 07/09/38, Read (1967:135) fala de Frank Stalter em 34, do qual já se disse, é o único registro. Quais são os outros? Onde estão? Em nossa pesquisa foram encontrados os nomes de Paul Aemis e John Aemis, mas eles “aparecem” sem nenhum dado ou informação além do registro que eram americanos. Sobre eles não existem nenhum registro nos jornais, história e os pastores entrevistados não os conheceram. Já em 1962, segundo Read (1965:130), existem aqui oito casais de americanos 86 J.P. Kolenda, que foi pastor no Brasil de 1939 a 1952 (quando foi enviado à Alemanha com função idêntica), sugeriu ao Depto. de Missões a terceira opção, e assim parece, aconteceu, pelos menos nos primeiros anos. Depois da II Guerra, com a perspectiva de vencedores e responsáveis(?) pelo mundo, a postura americana mudou13. “Em 1934, o Sr. Frank Stalter e esposa foram indicados pela Junta Americana para trabalharem no Brasil, e empenharam-se mais na fundação de igrejas no solo brasileiro. Os missionários foram pioneiros em muitas partes dos Estados de São Paulo e Minas Gerais, onde foram instrumento para a multiplicação de igrejas” (Read, 1967:123) Esta informação do Read (1967:123) sobre o missionário Frank Stalter, e esposa, é desconhecida em qualquer livro de história da AD, nos jornais ou demais livros. Se este missionário não tivesse aparecido no livro do Read teria ficado completamente desconhecido e seria apenas mais um capítulo dos “silêncios da história assembleiana”. Na ata da 10ª sessão da Convenção Geral, realizada em Recife, em 1938, há um registro de que uma carta está sendo enviada aos EUA sobre o missionário Frank e seu caso, sem entrar em detalhes. “Foi lida a carta que a convenção propôs fosse enviada para o secretário da missão “The General Council of the Assemblies of God (...) e explicado pelo presidente o seu conteúdo cujo carta foi aprovada unanimemente (...) A convenção deliberou também que uma comissão composta por Virgilio Smith e Gustavo Bergstron escrevesse uma carta a Frank Stalter dando ciência do assunto” ( a grafia original é mantida) O que fica implícito: l. Este missionário foi enviado pela AD nos EUA sem o “consentimento” dos suecos? 2. Aqui chegando, trabalhava como “autônomo” sem lhes dar satisfação? 13 “Após a Segunda Guerra, a atenção americana em geral, e missionária (católica protestante) em particular se volta para a América Latina, impulsionada pelo novo papel internacional americano” (Freston, 1996:72) 87 3. Seu ministério financeiramente mais confortável estava ameaçando os suecos14? 4. As Atas não detalham a questão, mas o mal estar é patente em ambos os lados. b) A Igreja Filadélfia de Estocolmo é quem sustenta. E decide. “A gestão financeira da igreja sofria indirectamente com o bloqueio cambial, pelo que as 15 ofertas monetárias da Suécia estavam suspensas devido ao estado de guerra ” (Barata, 1999:37) “A Igreja Filadélfia, em Estocolmo, sabe que não é suficiente o sustento que recebo de lá. Mas estes queridos irmãos têm tantos missionários para ajudar, que é um milagre poderem fazer tanto. Que Deus os abençoe” (Vingren, 1073:197) Gunnar Vingren registra em seu diário o envio de oferta da Igreja Filadélfia de Estocolmo para seu sustento e construção de templos, ou seja, fica claro que sua ligação (e dependência) é com esta igreja. Nada mais óbvio que quem sustenta financeiramente, decida. A Convenção de 30 é uma demonstração da dependência da liderança sueca no Brasil a Lewis Pethrus, pastor da Igreja Filadélfia de Estocolmo. “Todos os assumptos foram discutidos com inteira liberdade, tanto pelos trabalhadores brasileiros, como pelos missionários, fazendose ouvir sempre, o Pastor Lewis Pethrus, da Suécia” (MP, no.1, 01/1930). Na Convenção de 30, uma das questões eram os prédios, templos e casas de oração, que foram comprados com dinheiro sueco e doados aos brasileiros. Há um registro sintomático no Jornal Boa Semente no. 64, 9/26, de uma “Convenção de Missionários Suecos no Brasil”. O texto jornalístico tem muitos problemas, pois não informa a data exata, local, participantes e objetivo. Numa nota (BS, no. 58 03/26), diz simplesmente que o Dr. Flanklim chegou ao Brasil. 14 J.P. Kolenda, quando chega ao Rio, em 1942, aluga um apartamento na praia de Copacabana e importa um Chevrolet dos EUA (Brenda, 1984:89). Alguns entrevistados insinuaram que o estilo arrogante e opulento dos americanos contrastava com a simplicidade e pobreza dos suecos, mas Gunnar Vingren tem um carro entre 25 e 30 no Rio de Janeiro (Vingren, 1973:188) Um entrevistado informou que, Macalão, a princípio, condenava o uso de automóveis (?). 15 ª O período é a década de 40, portanto, 2 Guerra Mundial 88 Quem era16? Veio de onde e com que objetivo? Depois o jornal já dá a notícia da convenção realizada. Para decidir o quê? Existe algum outro registro disto 17? A biografia do Vingren também fala dessa convenção, e de acréscimo apenas que ela aconteceu no Rio. Se foi feita alguma ata, está perdida, porque ninguém sabe informar a respeito, nem mesmo os descendentes dos suecos no Brasil. Mas a despeito da ausência de documentos, fica muito claro: havia uma estrutura de poder sueco que liderava a AD no Brasil, e talvez tenha sido essa reunião que ocasionou o levante dos brasileiros para “convocar” a Convenção de 30 18. O jornal não diz como e o por que de os brasileiros terem sido dela alijados, mas fica óbvio: a reunião era de suecos com esse enviado de lá A Missão Sueca sustenta, além dos missionários suecos, o colombiano Clímaco Bueno e havia também um evangelista brasileiro recebendo salários dos EUA (Vingren, 1973:105). Como isso se realizava, não se sabe, e não há onde pesquisar. Enfim, a ligação e sustento oficial registrado é da Filadélfia. Igreja Filadélfia de Estocolmo, originalmente foi uma igreja batista que se pentecostalizou, mas nunca veio a ser Assembléia de Deus como diversos pesquisadores e pastores da AD19 confundem. Manteve-se como uma “igreja livre”, congregacional, pentecostal, até hoje20. Portanto, nada mais óbvio que a Igreja Filadélfia de Estocolmo, que mantém os missionários, decida suas vidas. No Brasil, ela sustenta e tenta decidir, porém, parece não conseguir exatamente o que queria. c) Os missionários vêm da Suécia e não dos EUA. 16 Ruth Carlson, em entrevista (Recife, 07.02.00), informa que ele era um pastor auxiliar de Pethrus, e provavelmente o responsável pelo Departamento de Missões da Filadélfia. 17 Na introdução da biografia de Daniel Berg, um há registro sobre um livro escrito pelo Dr. Franklim chamado “Entre pentecostais e santos abandonados na América do Sul”. Trata-se um relato de seis meses sobre a viagem que ele fez entre o Brasil e Argentina. Mas nem mesmo os descendentes suecos sabem informar algo sobre sua existência. 18 Ver anexo o texto da Convocação dos brasileiros. 19 Alguns entrevistados ao se referirem a origem da AD falam da Igreja do Pr. Pethrus como sendo a AD na Suécia 20 Conforme jornal mensal recebido pela Miss. Rute Carlson (entrevista, 08/02/00, Olinda-PE) 89 “O missionário Daniel Berg veio ao nosso encontro no porto, quando chegamos no navio que nos trouxe de Nova Iorque a Belém (Pará), pois esse era o único caminho de viagem, via Estados Unidos”.(Vingren, 1987: 23) Os dois primeiros, Berg e Vingren, como eles mesmos assumem, foram contaminados pela “febre dos EUA”, mas aqui se evidencia puramente uma questão econômica, os demais usam os EUA apenas como passagem. Em 1930, temos (ver Anexo no. 0221) suecos, poloneses, finlandeses e nenhum americano. Oficialmente, os dois primeiros americanos são O.S. Boyer e Virgilio Smith, que já estavam no Brasil desde 1927 como missionários da Igreja de Cristo22. No Nordeste, em contatos com a Assembléia, recebem o batismo com o Espírito Santo, retornam, então, aos EUA, se desligam de suas igrejas e, filiados agora à AD nos EUA, em 1940 voltam ao Brasil, já pautados dentro do “acordo Kolenda-EUA” Os demais, se não suecos de nascimento, são “pentecostais suecos de doutrina”, como por exemplo Nills Taranger, norueguês, que chega ao Brasil em 1946, depois de 16 anos de pastorado na Suécia. Eurico Bergston, finlandês, poucos meses antes de morrer, quando foi entrevistado, fez questão de dizer que o “segredo do crescimento da AD no Brasil foi a firmeza da doutrina dos suecos23” d) A ausência de registro norte americano sobre a AD no Brasil. „Essa história da AD no Brasil viver atrás dos americanos hoje é bobagem, os americanos é quem deveriam vir atrás de nós para aprenderem evangelizar, porque enquanto a AD nos EUA tem 2 milhões de membros 24 nós temos 25 milhões. Eles é que deveriam aprender de nós!” (pastor, 82 anos). “Por que o Brasil? É inexplicável o fato de o Espírito de Deus haver eleito o então desconhecido e inóspito país sul-americano para abençoar a sua Igreja com o “sopro” 21 Este número é uma estimativa. Não é a Igreja de Cristo nascida em 1932 em Mossoró, a primeira dissidência da AD, nem nenhuma das diversas outras Igrejas de Cristo que levam este nome atualmente. 23 Entrevista com pastor de 78 anos, no dia 14/08/98 24 Se o chute é exagerado em relação ao Brasil (25 milhões) acerta em relação aos EUA que segundo estimativas tem um número de membros aproximados (Burgess, 1988). 22 90 que, de algumas década a esta parte, desperta a atenção de evangélicos do mundo inteiro(...) Como resultado desta bênção singular, milhões de membros e congregados em todas as regiões do Brasil, passaram a constituir a maior comunidade de fé pentecostal da a Terra” (3 . história, Oliveira, 1998:13) (grifo nosso) O discurso ufanista da AD brasileira hoje, de que é a maior igreja pentecostal do mundo, é completamente desconhecido fora do Brasil25. Não há um verbete sequer sobre a AD no Brasil no Dicionary of Pentecostal and Charismatic Movements (Burgess, 1988); há apenas pequenas biografias de Gunnar de Vingren e Daniel Berg26 (onde, evidentemente, cita a AD do Brasil), mas muita informação sobre Lewis Pethrus27 (diversas fotos) e o movimento pentecostal da Suécia. Aliás, tem diversos verbetes sobre diferentes países que, quantitativamente, são menos importantes. Stanley Horward Frodsham (1941) em seu With Signs Following - the story of the pentecostal revival in the twentieth century, em seus 24 capítulos, dedica amplo espaço à França, Venezuela, Chile, China e até ao Egito. O vigésimo segundo capítulo é sobre a América do Sul - e nenhuma frase sobre o avivamento pentecostal no Brasil. Por quê? O “Anointed to serve - the story of the Assemblies of God”, de William W. Menzies (1971) não cita - apenas citação - uma única vez Berg, Vingren ou a “maior igreja pentecostal do mundo”. Stolll (199), em Is Latina América turning protestant? The politics of evangelical growth, escreve um livro sobre o fenomenal crescimento do protestantismo (leia-se, pentecostalização) na América Latina, mas, ironicamente, nenhum capítulo sobre o Brasil, aliás nada sobre a AD no Brasil. Seria justificável se o Brasil não representasse (em quase todos os aspectos estatísticos) mais da metade da América Latina28. 25 AD parece estar inserida nesta síndrome brasileira de querer ser o centro do mundo. Maior futebol, maior rio, maior carnaval, afinal Deus é brasileiro! Só tem um detalhe: esqueceram de avisar ao mundo. 26 Op. cit. 872 27 Op. cit. 721 28 Ouvi de um professor, que pede para omitir seu nome, que numa conversa com Sotll, este o questionou sobre a ausência do Brasil em seu livro, ao que ele respondeu que a mesma se deu por não saber ler português, daí sua dificuldade de pesquisa. 91 O Livro Latinoamérica en Llamas - historia y creencias del movimiento religioso más impresionante de todos los tiempos (Deiros, 1994) se refere a AD brasileira duas vezes: l. quando fala do crescimento do pentecostalismo informando que ela tem 9 milhões em 1984 (citando Wagner 1987 29), 2. Informando que foi fundada pelos americanos (?) de origem sueca. A História da Igreja Cristã (1979), tem dois apêndices no final sobre a AD. O primeiro escrito por J. Roswell Flower, Secretário Geral, sobre a AD no EUA e o segundo por Joanyr de Oliveira sobre a AD no Brasil e em Portugal. São dois textos curtos sem maiores pretensões, mas muito significativos em suas discrepâncias teológicas/institucionais destas igrejas que têm o mesmo nome, mas construção diversa e até mesmo contraditória. Aliás sobre a AD em Portugal acontece algo ainda mais curioso: a história da AD no Brasil registra ufanisticamente (1a. história, Conde, 1960:36) o nascimento dessa igreja como trabalho missionário assembleiano brasileiro (em 1913 é enviado o 1o. missionário, e em 1921 o segundo), mas os portugueses dão o mérito da mensagem pentecostal aos suecos30. Enfim, é sintomático que essa ausência de registros sobre a AD se dê em material publicado pela imprensa pentecostal americana. Talvez isso seja um bom parâmetro para entendermos a presunção etnocêntrica dos norte americanos. e) AD americana versus AD brasileira. 29 Estatística, aliás, questionável. Em todas as histórias da AD, numa tentativa de consolidar o “espírito missionário” da igreja, se o fala em José Plácido da Costa, o 1 . missionário brasileiro enviado para Portugal, só que depois vem um “silêncio” inexplicável. Qual o resultado dessa missão? Nenhuma palavra. A História da AD em Portugal, Línguas de Fogo (1999:7,9) tem até uma foto do mesmo e diz ” AD, que antes se chamara no Brasil e nos Estados Unidos da América de “Missão da Fé Apostólica”, iniciou-se precariamente em Tondela, Portugal, no ano de 1913, e, definitivamente, em 1924 muito ao sul, na cidade de Portimão(...) na capital do país através do missionário Jack Härdstedt, e em 1934 organizava-se a primeira Assembléia de Deus em Lisboa”, portanto não fala do Miss. Plácido nem da atuação de Berg, mas dá o mérito ao sueco. Mas uma revista chamada Panorama Pentecostal (sem data e editora) tem uma reportagem sobre o início do movimento pentecostal e diz que José Plácido, ao chegar em Portugal em 1913, foi convidado para pastorear uma Igreja Batista e aceitou ficando nela até 1930, quando foi visitado por Daniel Berg - será esta a razão do silêncio sobre este missionário em todos os registros históricos? (Recebi cópias xerográficas dessa revista, faltando diversas folhas e as datas, e apesar das diversas tentativas não conseguimos as referências bibliográficas dela). 30 92 “Quando o Concílio Geral (título abreviado do Concílio Geral das Assembléias de Deus) veio a existir, em Hot Springs, Estado de Arkansas, em abril de 1914, já havia entre os participantes um concenso doutrinário(...) com os temas da santidade wesleyana e de Keswick. Diante de uma pergunta sobre as crenças pentecostais, E. N. Bell, membro do Executivo e primeiro presidente geral (posteriormente chamado de superintendente geral), assim começou sua resposta:” (Horton, 1996:21) Por razões óbvias, toda comparação é deficiente, no entanto, a comparação de uma igreja brasileira com outra latino americana, em tese, estaria mais próxima da verdade, pois, evidentemente, seria forçada a mesma comparação entre a igreja de uma favela brasileira e uma mega igreja da metrópole. Acrescente-se ainda que este exercício é de fato mera comparação, sem uma análise mais aprofundada. Dois bons exemplos são os livros já citados Siembra y cosecha - reseña histórica de la Asambleas de Dios de México y Centroamérica 31 (Walker, 1990) e Historia da las Asambleas de Dios del Perú (Hildago, 1989). Todas essas igrejas fundadas pela missão norte-americana têm uma história bem parecida e repetitiva em todos os países: um casal de missionários vem ao país implantar a denominação e, talvez, o único estilo idêntico aos suecos no Brasil é a manutenção do poder em suas mãos, algo aliás que causa problemas diversos. Mas duas ênfases distintivas são evidentes: a educação teológica e a institucionalização. Preocupam-se os americanos em fundar escolas teológicas, e em alguns casos antes mesmo da igreja, de construí-la nos moldes americanos. Os capítulos do livro de Walker têm a mesma estrutura: informar como se organizou o Conselho Missionário Feminino, Embaixadores do Cristo, Fraternidade de Homens, os Concílios Distritais e o Geral, e o nome do Superintendente - similares à estrutura da AD nos EUA. E no livro de história da AD no Peru há um organograma que é idêntico a dos EUA, desde o Concílio ou Presbitério Geral, as juntas executivas nacionais, as distritais, estaduais e locais, bem como os similares departamentos (Hildalgo, 1989) 31 Nesse livro estão inclusos os seguintes países: México, El Salvador, Nicarágua, Guatemala, Honduras, Costa Rica, Belice e Panamã. 93 Já os livros de história da AD no Brasil privilegiam fenomenologicamente a história carismática, ou seja, o batismo no Espírito Santo, as curas, as manifestações de dons, livramentos de perseguição, as revelações, as fundações de igrejas (mesmo escondendo as brigas dos ministérios) e não se reportam em nenhum momento a este modelo de instituição importado, pelo contrário até o depreciam. Ademais, nunca esse modelo americano foi cogitado pelos suecos. E, posteriormente, já nas mãos de brasileiros, o coronelismo eclesiástico jamais permitiu a implantação de instâncias de poder que se lhe viessem rivalizar. Exatamente por este ethos sueco-nordestino é que nunca se cogitou da inclusão do ministério feminino32, que a AD nos EUA tem desde seu início, a liberação dos costumes, a educação teológica ou uma estrutura administrativa nacional com o sistema congregacional de autonomia das igrejas locais. A AD americana nasce do encontro fraterno de igrejas autônomas (Hurlbut, 1979), na sua maioria batistas (portanto, congregacionais), brancas (portanto, segregacionistas) e de classe média (Freston 1994, Niebuhr, 1992 33), que têm em comum a doutrina pentecostal (mesmo que tivessem em comum também o racismo, mas no momento isto não é objeto de nossa pesquisa). Estabelece-se a partir de uma estrutura eclesiástica racionalizada (Weber), com um status já estabelecido e uma doutrina previamente conhecida34. O carisma, neste caso, já se inicia rotinizado. Já há uma direção nacional legalizada e requerida, por isso seu crescimento não é fenomenal na época de seu nascimento nem o é hoje. A melhor exemplificação disto é o livro Teologia Sistemática. Uma perspectiva pentecostal (Horton, 1996). 32 Uma série de artigos sobre os mais Ruth Carlson (entrevista 08/02/00, Olinda-PE) informa que até hoje a Igreja Filadélfia não admite mulher no pastorado, e quando perguntada sobre uma desavença ocorrida com duas missionárias e Bruno Skolimowsky no Ceará (Rego, 1942:78), ela lembra que foi por causa “destas duas que a Missão não mais enviou moças solteiras”. Inversamente nos EUA a liderança pentecostal negra era, em grande parte, composta por mulheres (Freston, 1993; Hollengewer, 1972) 33 Como já foi frisado, Niebuhr não fala sobre os pentecostais apesar de escrever em 1929, no entanto fala das igrejas racistas de classe média. 34 Hollenweger (1976) publica uma Declaração de Fé das Assembléias de Deus Americanas apontando, inclusive, as diferenças que esta tem com a declaração das Ads no Brasil. Por sua visão teológica, ele insiste em ver “afinidades e diferenças teológicas” em ambas. No entanto, as diferenças ou afinidades ocorrem – ou ocorreram – ocasionalmente. Esta declaração – ou qualquer outra – nunca foi objeto de discussão em qualquer Convenção no Brasil 94 diferentes temas da teologia escrito por diversos professores35 das Faculdades Teológicas Americanas da AD. O primeiro capítulo Panorama Histórico é excepcional para nosso estudo. Nele se dá o desenvolvimento institucional da igreja: a organização do Concílio, o cargo de Superintendente (desde 1914), as controvérsias teológicas sobre a “segunda bênção” e a tensão entre os “pentecostais americanos” e “pentecostais afro-americanos” (Horton, 1996:18), quando os primeiros enfatizam a escatologia, e os segundos a reconciliação (o livro, aliás, é um primor de dissimulação da questão racista). Questões, repetindo, que nunca foram discutidas ou tiveram alguma importância na AD brasileira. AD brasileira é, inicialmente, a soma do visionarismo de dois suecos, adesão emocionada de dezoito batistas por causa de uma cura e da glossolalia, e, majoritariamente, de católicos marginalizados do “catolicismo devocional” (Rolim, 1979), portanto acostumados com uma igreja conservadora, carismática, centralizada, clerical, com um discurso dogmático. Não há - e nem se faz necessário? - uma diluição do poder, uma estrutura administrativa, uma tradição teológica; há apenas uma liderança carismática para “dar a visão”. f) “Projeto brasileiro”? Que projeto? Se os brasileiros têm projeto nacional, ele é inviabilizado por um detalhe significativo: além de assumir o “trabalho” de forma genérica como consta nos livros de história oficial, eles precisavam mesmo assumir as principais igrejas, o que não aconteceu pelo que se nota na tabela acima. Na Convenção de 30, segundo a versão oficial, os suecos “entregam” a direção do trabalho nas mãos dos brasileiros. Mas entregam o quê? Já que permanecem na liderança das principais igrejas (se não são as principais porque ainda não cresceram o suficiente, fatalmente vão tornar-se, pois se encontram nas principais cidades)? 35 Quase todos Ph.D em teologia, algo impossível de ser feito pela AD no Brasil pela ausência de professores assembleianos com esta titulação. 95 Tabela 07: “Igrejas Sédes” e pastores em 193136: MP No. I 01/12/30 No. 1 01/01/31 No. 2 15/01/31 N0. 16 15/08/31 No. 21 15/11/31 CIDADE 12 Igrejas “Séde” PASTOR 1 - Rio de Janeiro 2 - Bello Horizonte 3 - Recife 4 – Maceio 5 - Natal 6 - Parayba do Norte 7 - Maranhão 8 – Mana‟os 9 – Santos 10 - Pará 11 - Curityba-Paraná 12 Bahia 14 Igrejas “Séde” Bello Horizonte Porto Alegre São Salvador-Bahia 37 S. Paulo 15 Igrejas “Séde” Nictheroy-Estado do Rio Pr. Gunnar Vingren Pr. Nills Kastberg Pr. Joel Carlson Pr. Algot Syenson Pr. Francisco Gonzaga Pr. Cícero de Lima Pr. Manoel Cezar Pr. José Moraes Pr. John Sorheim Pr. Nels Nelson Pr. Bruno Skolimowsky Pr. Otto Nelson 16 Igrejas „Séde” Fortaleza-Ceará Bello Horizonte Maceio Fortaleza PASTOR PASTORES ES NACIONAIS ESTRAN G. 07 05 58,3% 41,7% 09 05 64,3% 35,7% Pr. Samuel Heldlum 10 66,7% 05 33,3% Pr. Antonio Rego Barros Pr. Nills Kastberg Pr. Antonio Rego Barros Pr. Julião Silva 11 68,7% 09 56,3% 05 31,3% 06 43,7% Pr. Climaco Bueno Aza Pr. Gustavo Nordlmed Pr. Otto Nelson Pr. Samuel Nyströn Os suecos parecem não ter consciência da dimensão da igreja que estão construindo, mas será que os brasileiros a têm? É quase certo que também não. Pela leitura dos jornais, não se percebe nenhuma tensão ou preocupação neste sentido; apenas, que a igreja está crescendo. Mas, e a liderança que se está formando? O único incidente é o já falado da Convenção dos Suecos, e posteriormente, um texto de Convocação - feito por brasileiros - para uma Convenção Geral. 36 Quadro publicado no Mensageiro de Paz, em 1931. Foi mantida a grafia original da época. As edições não citadas ou omitem esta seção ou simplesmente a repetem sem alteração. O aparecimento dessas igrejas na lista implica, presumivelmente, a “oficialização” delas como “séde” ( como isto se dava, é uma questão a ser respondida). Por exemplo: a AD do Ceará é fundada em 1914, oficializada como Igreja em 1929, mas só aparece na lista em agosto de 31. 37 Desde 1927 Daniel Berg e família estão em SP e iniciam a AD, mas ele nunca assumiu a direção de igreja alguma.(Almeida, 1982:246) 96 Em comum (?) acordo, parece, suecos e brasileiros têm o seguinte: não aceitam a interferência da Assembléia americana, ou como diz o Boa Semente (03/28, pg. 8), “Não aceitamos os costumes mundanos38 dos americanos” “O pentecostalismo desde o seu início se apresentou conforme observa André Corten (1995:58), um “fenômeno religioso transnacionalizado”. Em sua composição inicial havia descendentes de africanos, italianos, hispânicos e algumas minorias raciais (....) Talvez essa peculiaridade tenha facilitado a sua difusão em outras aéreas do mundo. Assim o pentecostalismo se situou entre duas dimensões – regional e universal – e, entre elas navegou facilmente em seu processo de integração em novos ambientes culturais” (Campos, 1999 b: 418) 2. O ETHOS SUECO-NORDESTINO “... ganhou força no Brasil dos anos 30, a corrente autoritária. O padrão autoritário era e é única marca da cultura política do país. A corrente autoritária não apostava no partido e sim no Estado; não acreditava na mobilização em grande escala da sociedade, mas na clarividência de alguns homens” (Fausto, 1999: 357) “A Assembléia de Deus tem um ethos sueco-nordestino. Começou com os nórdicos e passou para os nordestinos. Sem entender as marcas desta trajetória, não se entende a AD” (Freston, 1994:76). Como a “realidade é uma construção social” (Berger, 1976) e a religião é nada mais do que um dos principais fatores da preservação desta realidade, entendemos o porquê do caudilhismo assembleiano e como ele se mantém em terreno tão fértil. Todos os pastores entrevistados se apressaram em louvar a ação dos suecos, apenas um ao ser perguntado sobre a liderança sueca, disse sem meias palavras: “Os suecos eram uns ditadores colonialistas!”. Então, os 38 Tentei muitas vezes nas entrevistas definir com os pastores o que seriam “costumes mundanos” entre 1911 e 1930, mas não consegui. Alguns apontaram “banhos de mar”, mas isto era uma coisa não muito comum mesmo entre a sociedade da época, e não era o que mais os americanos gostavam; outros apontaram como sendo “roupas indecentes”, mas o que era “indecente” para época?. As duas únicas coisas que me parecem prováveis são pinturas femininas (algo já um tanto comum na classe média americana, público da AD) e consagração feminina (desde 1914, nascimento da AD americana, ela teve pastoras, algo nunca aceito no Brasil). 97 novos líderes assembleianos, nos primeiros anos, quase todos nordestinos 39, estão na “escola sueca de liderança”: a palavra carismática (Weber), ou, como alguns falam, “os suecos tinham a doutrina pentecostal”, é dada para ser seguida, cumprida e não questionada. Ressalvando-se as proporções, no Brasil da época, ainda se tem a “inspiração” de Getúlio Vargas. Acompanhar os 90 anos da AD é uma boa síntese da história do Brasil. As mudanças ocorridas na igreja e/ou no país, apesar da correlação, não são simultâneas, mas estão absolutamente implicadas umas nas outras. Na igrejas as mudanças talvez demorem um pouco mais, mas não há dúvida que igrejasociedade, querendo ou não, se alteram mutuamente. Tabela 08: Relação AD e Brasil: desenvolvimento institucional CARACTE ASSEMBLÉIA DE DEUS BRASIL - liderança carismática - 1 . República RÍSTICAS DO PERÍODO 1900-1930 - A Igreja é a dirigida por - messianismos visão/revelação; - o funcionalismo - todos os obreiros são voluntários burocratizado ainda não é sem vínculos financeiros; 1930-1960 - liderança tradicional, há o início - só a partir da Constituição de 1946 é de uma classe sacerdotal; que temos eleições livres e secretas, - incluindo-se as mulheres surgimento dos Ministérios, consolidação de igrejas-sedes; - fortalecimento de grandes lideranças, a partir de GV - processo de urbanização e industrialização; - alternância de ditadura e democracia 1960-1990 39 -liderança racional/burocratização - profissionalização do serviço público - cargos na CPAD e CGADB; - fortalecimento da sociedade civil; - pluralização e emancipação de - pluralização e emancipação partidária Um entrevistado insinuou que até hoje a AD vive nas mãos de caciques nordestinos, referindo-se ao Pr. José Wellington, atual presidente da CGADB - Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil. 98 igrejas locais a) O ethos sueco-nordestino: uma visão sociológica Quais as “afinidades eletivas” do pentecostalismo com o coronelismo nordestino? O modelo coronelístico tem nuanças políticas e econômicas imbricadas desde sua herança na implantação da capitanias hereditárias: um grande chefe, com poderes absoluto e um exercício vitalício. Politicamente, numa época em que apenas os homens votavam e eram votados40, a AD apenas seguiu o modelo de liderança masculina. Aliás, algo comum em todas as demais igrejas protestantes e católica. E nisto, mais uma vez, o assembleianismo brasileiro se distancia do pentecostalismo e do assembleianismo norte-americano. Lá, desde o início, as mulheres exercem liderança41. Aqui nunca (apesar da tentativa de Frida Vingren, de acordo com o que dizem sobre ela). Uma região caracterizada pelo latifúndio com uma população campesina, pré-industrial que tem como único meio de sobrevivência o cultivo da terra. Terra, aliás, que está na mão do fazendeiro e ele dela dispõe de forma vitalícia e absoluta. O fazendeiro constrói a capela, escolhe o santo de sua devoção, e manda buscar o padre para rezar a missa. Os poderes político-econômico e religioso não são rivais, pelo contrário, o projeto da construção da “sociedade católica brasileira” passa por ambos42. Se a analogia econômica é possível, muito mais a política, a temática do poder. Pois, um pastor, muito além de ter e exercer o poder, representa o próprio poder; ele é, em si, um símbolo de poder. E, na religião, ainda mais no 40 Apenas na Constituição de 1946 é que foi dada paridade eleitoral entre homens e mulheres, pois a Constituição de 34 permitia o voto feminino apenas das mulheres que exercessem função pública remunerada (Fausto, 1999:400) 41 Cf. Hollenweger (1976) e Freston (1994:74) “A liderança de negros e de mulheres é marcante nos primórdios do pentecostalismo”. 42 “Uma importante base e apoio do governo foi a Igreja Católica. A colaboração entre a Igreja e o Estado não era nova(...) Agora ela se torna mais estreita. Marco simbólico da colaboração foi a inauguração da estátua do Cristo Redentor no Corcovado, a 12 de novembro de 1931 - data do descobrimento da América. Getúlio e todo o ministério concentraram-se na estreita plataforma da estátua, pairando sobre o Rio de Janeiro. Ali o Cardeal Leme consagrou a nação “ao Coração Santíssimo de Jesus, reconhecendo para sempre seu Rei e Senhor” (Fausto, 1999:332-333) 99 pentecostalismo, um símbolo ultrapassa a realidade. Um pastor é um “ungido de Deus43”, tem a “visão de Deus para o povo”, em suma, tem a resposta. Resposta definitiva, inquestionável e vitalícia. Isto é a regra, os que não conseguiram é porque foram vítimas de “acidentes de percurso”. “Quando as pequenas igrejas pentecostais vão-se transformando em igrejas maiores, podemos verificar a transferência dessa mentalidade (necessidade de um patrão) para o pastor-geral. Vê-se isto em inúmeras igrejas pentecostais, cujos líderes têm grande prestígio e controlam os membros da igreja. Muitas igrejas tornam-se pequenos domínios eclesiásticos dentro de suas denominações, surgindo, com freqüência, culto de personalidade entre os líderes populares. Os pentecostais utilizaram esta mentalidade caudilhista, na organização de sua igreja. Descobriram que os processos democráticos não funcionam com uma população que não está pronta nem preparada para as responsabilidades democráticas” (Read, 1967:221) Descontando a visão preconceituosa desse missionário americano que acha que pobre nada sabe e não tem condições de exercer a democracia, sua análise de que uma das características da mentalidade latina é a “necessidade de um patrão”, é correta; é a velha e gasta teoria do “salvador da pátria”. A AD foi construída em cima de personalidades e não da instituição; tudo, desde o início, girava em torno de nomes. Aliás, de “grandes nomes”. Em linguagem weberiana, é uma plena instituição carismática. Uma igreja que desenvolve um ethos de “não organização” (mesmo teoricamente), que não tem algum tipo de instituição e faz disto algo “doutrinário” e objetivo, é um ótimo espaço para a consolidação personalística da atuação do pastor. Esta igreja é um “movimento” sem diretoria ou concílio, órgãos normatizadores, credos teológicos, documentos estatutários, planejamento ou algo similar, apenas a “direção do Espírito Santo”. A “direção” do Espírito Santo encarnada personalísticamente pelo pastor. Diferencie-se a figura do pastor de uma igreja local, pequena e pobre, de um pastor de uma igreja-sede, portanto, grande e rica. A partir do momento em 43 “Não toqueis nos meus ungidos” até hoje é um chavão forte na AD para legitimar - ou tentar todas as ações da liderança. O “preceito” teológico nasce do episódio em que Davi é incitado a se vingar de Saul e ele se escusa pois este era “ungido de Deus”. (I Samuel 24:6) 100 que na AD crescem as igrejas-sedes (ver tabela 07) tornam-se ponto de aglutinação para o desenvolvimento da mesma. A “igreja-mãe”44 é a iniciadora de outras igrejas e a relação de dependência inicial, por razões óbvias, prossegue mesmo quando esta nova igreja, em tese, poderia se auto-sustentar. A relação piramidal se consolida cada vez mais, fortalecendo, evidentemente, a figura do pastor-presidente da igreja-sede, pois as igrejas locais, congregações e subcongregações, além de trazerem para a sede toda a arrecadação financeira dependem dela para toda e qualquer definição. Ou seja, estas igrejas agregadas à Sede não têm nenhuma autonomia, mas existem em absoluta dependência - e o pastor-presidente é a palavra final e definitiva sobre tudo e todos45. Tabela 09: Gráfico do Modelo Eclesiástico Assembleiano: IGREJA – SEDE CONVENÇÃO IGREJA LOCAL IGREJA LOCAL CONGREGAÇÃO CONGREGAÇÃO Subcongrega ção/ Subcongrega ção/ 44 Subcongrega ção/ Subcongrega ção/ CONGREGAÇÃO Subcongrega ção/ Subcongrega ção/ CONGREGAÇÃO Subcongre gação/ Subcongrega ção/ Expressão criada por Read (1967:176) mas nunca popularizada na AD. Algumas vezes ouvi esta expressão, mas com referência a AD em Belém do Pará. 45 Como já foi dito, nenhuma generalização é válida para a AD: cada Ministério/Convenção é diferente do outro, inclusive pela atuação do pastor-presidente. Uns são mais centralizadores que outros. Hoje, inclusive, há a figura da “Igreja Local Emancipada”, que não depende da Sede e/ou Convenção, nem presta lhes contas, mas dela é membro “fraternal”. 101 ponto de pregação ponto de pregação ponto de pregação ponto de pregação ponto de pregação ponto de pregação ponto de pregação ponto de pregação b) O ethos sueco-nordestino: uma visão teológica Há um aspeto político-teológico que é fundamental para se compreender a cosmovisão sueca: o conceito de “igrejas-livres” tão caro para Lewis Pethrus. Numa Suécia de igreja estatal controladora das escolas e vida cultural da época, e muito influente no governo, ser membro de outra igreja que não a luterana é um ato subversivo. “Igrejas-livres” eram todas as igrejas que não dependiam financeiramente do governo, seus pastores não recebiam salário do Estado; suas posturas dependiam apenas dos seus membros e não das diretrizes estatais. Eram “livres”. Invariavelmente, a aversão política do pentecostalismo é vista como alienação social (Rolim, 1980), ou até mesmo mero adesismo (Pierucci, 1996, Mariano,1999, Cavalcante,1994)46, mas, originalmente, a postura política do pentecostalismo tem a ver com a “subversão” da tradição sueca. O que é algo irônico: na Suécia eles são subversivos, por serem contra a Igreja do Estado, mas no Brasil estão sempre elogiando o Governo. Gratuitamente? Na Suécia eles não têm liberdade religiosa, já no Brasil, apesar da hegemonia católica, a Constituição do País os protege. Há inúmeras – e são muitas - citações, tanto teóricas (meros comentários ou “louvores”) como práticas, (no momento em que são presos e/ou perseguidos) do preceito constitucional da liberdade religiosa no Brasil. Os suecos se sentem um tanto deslumbrados com essa liberdade - o que não é pouco. Nisto o Brasil é bem superior ao país de origem dos missionários. Ora, a motivação é de origem política, mas a prática brasileira toma uma conotação dogmática teológica: os crentes devem louvar a Deus pelo governo. E apoiá-lo. 46 É bem verdade que o adesismo de hoje é visceralmente distinto daquele. Lá a adesão do pentecostalismo se deu porque o Governo o protegia da perseguição, posteriormente a adesão se dá por outras razões. O exercício político evangélico, notadamente o pentecostal tem sido maculado por posturas políticas cooperativistas, ou corruptas mesmas. (Freston, 1994) 102 Interessante que o ethos sueco-nordestino se configura ainda mais no apoliticismo do pentecostalismo destoando da caminhada sueca. Lá, posteriormente, o Pr. Pethrus funda um partido político (Freston 1994a:80) e tem escolas teológicas e seculares, postura que não influenciou seus pares no Brasil. A AD brasileira que, na década de 50 desloca da influência sueca para a norte americana se mantém, confortavelmente, apoiando o governo e sem nenhuma militância. Postura que só mudará no final da década de 80, por ocasião da Constituinte de 1989, mas está fora de nosso objeto de estudo. Inicialmente, isto nem “melhora” nem “piora” a AD, apenas define sua postura. As demais igrejas protestantes e católica são, em alguns momentos, contra e, em outros, a favor, por razões nem mais nem menos dignas que essas. Sem juízo de valor, a postura política e o conceito teológico dos suecos forjaram a conduta dos primeiros líderes da AD no Brasil47. Certo ou errado, não cabe determinar, apenas explicar. 3. O “MENSAGEIRO DE48 PAZ” COMO CONSOLIDAÇÃO DA IGREJA Fundado na Convenção de 1930 em Natal, o “Mensageiro da Paz”, como é chamado hoje, é o principal fator de consolidação desta nascente igreja. Considerando-se as dimensões geográficas do Brasil e a viabilidade de comunicação na década de 30, um jornal era o que poderia existir de mais moderno e eficiente. Sem entrar no mérito e aprofundar esta discussão aqui, a AD sempre foi favorável à imprensa escrita, mas na década de 40 tem uma inglória luta contra o Rádio e posteriormente contra a TV. 47 Entendo que esta pesquisa não tem como objetivo determinar se esta igreja se conduziu de maneira certa ou errada. Aliás, uma análise sociológica passa muito disto; seu objetivo é compreensão e explicação. Daí porque é importante, neste momento, “compreender” a postura sueca e sua influência na liderança brasileira. 48 Hoje é chamado de “Mensageiro da Paz”, mas nos seus primeiros anos era “Mensageiro de Paz”. 103 O MP substitui o paraense Boa Semente (1919-29) e o carioca Som Alegre (1929) como veículo de comunicação e unificação do discurso da igreja. Tendo como diretor Gunnar Vingren, e como realizadora, nos dois primeiros anos, sua mulher Frida Vingren (ver tabelas 09 e 10), sua periodicidade é constantemente ameaçada pela “crise” (interna da igreja, financeira, política 49?). Há constantes apelos aos irmãos para que vendam, distribuam e enviem seu pagamento. “O Mensageiro de Paz, é o portador de Salvação que deve entrar em todos os lares. Todo crente que tiver o privilégio de lel-o, deve esforçar-se para propagal-o entre seus parentes, amigos e conhecidos. Deus recompensa aquele que toma interesse pela evangelização” (MP - Anno I no. 1, 12/30) O MP é uma “causa”. Mais do que um simples elo neste país continental, o MP é um bom motivo, meio e método de evangelização. Vendê-lo, ou presenteá-lo é levar a causa nos ombros, é proclamar a “verdade pentecostal”. É bem típico da militância pentecostal da época. “Eu sempre recebia pelo correio e lia todo o MP e passava para os irmãos... ele era o meio de sabermos das coisas, como era que ia a obra no Brasil” (82 anos, na década 40 pastor no interior do Ceará) O MP tem importância internacional. A Revista de “Novas de Alegria”, editada pela AD Portugal, em novembro de 1943 publica o seguinte: “Deste desejado jornal temos muitos exemplares atrasados para vender nas Igrejas. Pedimos aos irmãos que façam todo o possível para os comprar, visto que o dinheiro reverte para a obra de evangelização do nosso país” E “Linguas de Fogo” (Hidalgo,1999:54), história da AD em Portugal, confirma esta importância falando de sua “leitura quase obrigatória”: “Todavia, para a formação dos cristãos pentecostais das Assembléias de Deus, na década de 40 não contribui apenas o seu órgão oficial; a viabilidade de se alcançar essa parcela do povo de Deus era também impulsionada do exterior e aproveitada como a leitura quase 49 1930 é o ano da eleição de Getúlio Vargas, e em 1935 ocorre a Intentona Comunista, isso diz muito do conturbação do período. 104 obrigatória do Mensageiro da Paz. Este era já o prestigiado jornal das Assembléias de Deus no Brasil” Tabela 10: Articulistas e Temas do MP – 1930-31 Autor Tema A P O L O G I A E V A N G E L I S M O A Torres Galvão Autor identificado Bruno Skolimowskiv Emilio Conde não 8 19 2 1 3 1 Frida Vingren C O N F O R T O E S C A T O L G I A P E S S O A JC 1 1 2 6 5 4 2 P O E S I A De 1 1 O R A Ç Ã O C O M P R O M I S S O D O U T R I N A 3 3 8 3 13 3.3 8 39.3 1 2.2 12 2 8 2 % 8.8 3 2 10.9 1 1 3.4 Gunnar Vingren 1 John Sörheim 1 1 1 1 2.2 José Teixeira Rego 1 1 1 1 2.2 Lewi Pethrus 1 1 1 Nils Kasterbg 4 1 Otto Nelson 1 1 1 2.2 1 2 1 Paulo 2 1 2 1 Zelia Brito 2 1 1 3 Paulo L. Macalão Sylvio Brito 5.5 2 2,8 2.2 2 2 4 3 17.7 19.8 2.2 1 7.5 3 3.3 PERCENTUAL 12 17.6 4.4 8.2 6.6 3.3 TOTAL 22 32 8 15 12 6 25 36 17 CLASSIFICAÇÃO 4 2 8 6 7 9 3 1 5 T O T A L ª (7 ) ª 68 (1 ) 6 4 ª (9 ) ª 16 (3 ) ª 19 (2 ) ª 6 (6 ) ª 4 (9 ) ª 4 (9 ) ª 4 (9 ) ª 10 (5 ) ª 5 (8 ) ª 4 (9 ) ª 4 (9 ) ª 13 (4 ) ª 6 (7 ) 9.3 173 105 O jornal compunha-se de artigos, poesia, notícias sobre a “obra” (em seções que alternam estes nomes): “Na Seara do Senhor”, “Breves Monções, “Testemunhos”, e diversos dropes de anúncios institucionais: sobre a venda da Harpa Cristã e o Psaltério Pentecostal50, Revistas de EBD51, livros do Emílio Conde e folhetos para evangelização. Também a relação de “Igrejas-Sédes”, convites para as Escolas Bíblicas, Convenções e inaugurações de novos templos. O jornal, agora realizado na capital da República, é de uma simplicidade franciscana. Usa o mesmo tipo de letras em doze páginas52, pouquíssimas fotos, nenhuma ilustração e nenhuma propaganda. Visto isoladamente, poderia até se pensar que era estilo da época, mas comparado53 com o Expositor Cristão, da Igreja Metodista, o MP perde e muito. O Expositor tem mais páginas (16), inúmeras ilustrações, inclusive uma página infantil. Diversas fotos com uma diagramação mais moderna, diversas propagandas de profissionais liberais, empresas e eventos. Ressaltando-se ainda mais que as instituições educacionais metodistas têm um espaço privilegiado de propaganda. Ou seja, parece que o Expositor, além de exercer o mesmo objetivo do MP para sua igreja - divulgar a própria igreja e sua mensagem - realiza também algo que o MP parece não se propor: divulgação do status da igreja para os que são de fora dela. O Expositor também mostra a cara - classe média e alta - com suas instituições e seus “membros doutores”54. O MP se presta apenas à evangelização. 50 Parece ser um outro hinário existente na AD da época, nenhum dos entrevistados sabe informar nada sobre isto, e não há em arquivo nenhum exemplar do mesmo . 51 As revistas da EBD, Escola Bíblica Dominical, são lançadas em 1922 como suplemento do Jornal Boa Semente, escritas por Samuel Nystron, para reuniões de estudos bíblicos e existem até hoje. É muito interessante esta ênfase no estudo até porque vai contra o estereótipo pentecostal a avesso ao estudo formal. Na 3 . historia da AD, no texto final, se diz ufanisticamente que se vende mais de 2 milhões de revistas da EBD por semestre. Seria algo grande, se desconsiderássemos a estatística de que a AD tem no Brasil mais de 9 milhões de membros. 52 O número de páginas às vezes varia para oito ou até seis, sem nenhum explicação. 53 Seria desleal compará-lo, por exemplo com o Jornal O Estado de São Paulo, ou qualquer outro jornal secular de uma grande cidade; faço-o, portanto, em relação ao de uma outra denominação evangélica. 54 Este jornal com publicidade (“reclames”, como se dizia na época) de médicos, dentistas, advogados, lojas de produtos importados, e colégios particulares que só uma elite tinha condições pagar é bem demonstrativo do público que estas igrejas tinham - ou que pretendiam - atingir. É símbolo “modernizante” do protestantismo (Camargo, 1973:130; Willems, 1976;45; Bobsin, 1984;8) 106 Tabela 11: Produção Teológica Homens x Mulheres – MP –1930-31 TEXTOS DE HOMENS - 80 TEXTOS DE MULHERES - 25 24% 41% 59% 33 TEXTOS DE ESTRANGEIROS 19 TEXTOS DE ESTRANGEIRA S 47 TEXTOS DE BRASILEIROS 6 TEXTOS DE BRASILEIRAS 76% Tabela 12: Produção Teológica Estrangeiros X Brasileiros - MP - 1930-31 TEXTOS DE ESTRANGEIROS - 71 33 TEXTOS DE HOMENS 37% 63% TEXTOS DE BRASILEIROS - 53 11% 47 TEXTOS DE HOMENS 19 TEXTOS DE MULHERES 6 TEXTOS DE MULHERES 89% O MP consegui realizar seu grande objetivo? Sim, até hoje continua sendo a grande referência assembleiana. No entanto, pela tiragem, já teve época em que sua importância foi muito mais significativa. Se considerarmos o ano em relação a tiragem e a estimativa de membros, em tempos passados o MP era um jornal, no mínimo, mais lido pelos assembleianos que hoje. Tabela 13: MP: tiragem em relação aos membros. ANO TIRAGEM ESTIMATIVA DE PROPORÇÃO MEMBROS 1938 55 2.40055 Souza (1969:130) ENTRE MEMBROS E JORNAIS 14.00056 5,83 107 1950 38.00057 120.000 1969 100.00058 3.000.00059 30 1980 350.00060 4.000.000 11 2000 100.00061 9.000.00062 90 3,15 Tabela 14: As ênfases teológicas dos textos Classifi Tema cação Compromisso 1ª Número Percentu de textos al 36 19,8 2ª 3ª Evangelismo 32 17,6 Poesia 25 17,7 4ª 5ª Apologia Pentecostal 22 12 Doutrina 17 9,3 6ª 7ª Escatologia 15 8,2 Pessoa de JC 12 6,6 8ª 9ª Conforto na Tribulação 8 4,4 Oração 6 3,3 4. AS CONVENÇÕES: “Detesto este termo denominação. Dá idéia de uma máquina preparada para funcionar. A AD inicialmente era um movimento mas deixou de ser” (pastor, 80 anos) 56 Estimativa de Read (1976:122) para 1930 e 1950 Este número consta nas páginas do MP em 1950. 58 Souza (1969:130). Informação oral dada por um diretor da CPAD 59 Estimativa baseada nas taxas de crescimento anteriores. Como não encontrei consenso entre as diferentes informações, optei por aredondamentos. Até porque o que importa mesmo aqui é a tiragem do jornal. 60 Informação oral dada por um jornalista do MP, é a época áurea do MP. Em 1982, o Ministério de Madireira lança seu próprio jornal também de circulação nacional e a tiragem cai gradativamente. 61 Informação dada oralmente por um jornalista do MP, considerando que agora o jornal voltou a ser quinzenal e sua tiragem varia entre 40 a 60 mil exemplares. 62 É estimativa, ver cap I. 57 108 “As convenções antigamente se reuniam para estudar a Bíblia e orar, hoje as convenções só se reúnem para discutir Estatutos, Regimento(...) isto é um declínio” (pastor, 78 anos) “Muitos esforços têm sido feitos para dividir este movimento, outros têm procurado organizá-lo como uma denominação, mas até agora sem êxito. As igrejas, conforme foram formadas e fundadas pelos pioneiros Vingren e Berg segundo o modelo apostólico, continuam até hoje levando adiante esta poderosa obra de Deus” (palavras de L. Pethrus, Vingren, 1973:7) (grifo nosso) Ao estudarmos as convenções, precisamos lembrar algumas coisas importantes: 1. As primeiras convenções, obviamente, em nada lembram as atuais; 2. As primeiras foram acontecendo “aleatoriamente”63 e, posteriormente, é que se tornam oficiais e deliberativas; 3. As de hoje, de cada Ministério, são oficiais e deliberativas mas, a CGADB – Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil é apenas fraternal e não deliberativa 64; 4. Cada Ministério hoje é autônomo em sua própria Convenção, mas participa fraternalmente da Convenção Geral; 5. Igrejas emancipadas podem participar fraternalmente65 de mais de uma Convenção se assim desejarem; 6. Há um princípio estatutário 66 proibindo as igrejas participarem de mais de uma Convenção com status nacional - essa, aliás foi a razão do “desligamento” (ou expulsão) da Convenção/Ministério de Madureira67 pois a mesma tem caráter nacional. Tabela 15: As Convenções da AD 63 Nos anúncios das primeiras convenções diz apenas que os obreiros se reuniram para alguns dias de oração e estudo bíblico. Ou seja, não havia nada de institucional para decidir. Ademais em função das condições de transporte da época não havia como marcar um dia exato para chegar. 64 Em agosto de 99, por ocasião do Taller de Produccion Teologica Pentecosal - Red de Investigadores(as y Estudiosos Sociales del Pentecostalismo da América Latina e Caribe, em Santiago do Chile, ao apresentar este trabalho, fui questionado pelos participantes por causa deste conceito de uma convenção “fraternal e não deliberativa”. São as idiossincrasias assembleianas que alguém de fora tem dificuldade de entender. 65 “Vínculo fraternal” de uma igreja emancipada para com uma Convenção, significa ter relação espiritual e/ou doutrinária, mas nenhuma ligação administrativa e financeira. 66 a 3 . história (Olivera, 1998:137) 67 Esta aliás, comentou-se nas entrevistas, foi uma manobra do Pr. José Wellington, na época presidente da CGADB - Convenção Geral da Assembléia de Deus no Brasil e (coincidência?) presidente do Ministério do Belém (rival do Ministério do Brás, a Madureira de São Paulo) pois numa casuística Assembléia Geral Extraordinária, em 1988, em Salvador, conseguiu definitivamente desligar a Madureira da Assembléia de Deus no Brasil. 109 DATA 1923 (21 a 28/10) 1924 (24 a 27/04) 1927 LOCAL Maceió DIRETORIA 17 a 18/29 1930 Natal 1931 Belém Nels Nelson (?) 0916/04/33 1424/02/34 1935 Rio Samuel Nystron/Conde (secretário) DECISÕES Apenas Escola Bíblica Belém Idem Belém Criada uma credencial para obreiros e uma caixa de auxílios para viúvas Apenas escola bíblica (?) Gunnar Vingren presente? Gunnar Vingren/ Lewis Pethrus (?) Natal é efetuada a “entrega” do trabalho pelos suecos aos brasileiros; 2. é discutido o Ministério Feminino; (16 pastores brasileiros presentes) Há registro da mesma no Jornal BS, mas nenhum na história; Não aceitar batismo de adventistas e outros grupos 1. Recife João Pessoa 1937 N. Kasterberg (presidente?) Paulo Macalão (presidente) 50 delegados É a primeira vez que um brasileiro assume. 68 Talvez pelas complicações da Guerra . De 1938 a 1946 – não houve Convenção 1947 São Paulo Cícero Canuto de Lima e Paulo L. Macalão (presidente e vice) Samuel Nystron/Fco. Pereira (vice) 1948 Natal 1949 10/1951 Rio Porto Alegre Nels Nelson Gustavo Nordlnad 1953 Santos Francisco Pereira do Nascimento 09 suecos e um americano - proposta de um seminário rejeitada (Brenda, 1984:119) 149 obreiros Passa a ser bienal - 159 obreiros. Rep. do Cone Sul, Suécia, Portugal, Noruega e EUA. - a partir desta todos os próximos presidentes são brasileiros. a) A Convenção de 1930: os suecos “entregaram” ou os brasileiros “tomaram”? “A rotinização não se realiza, em regra, sem lutas” (Weber, 1998:166) 68 A História da AD de Portugal (Barata, 1999:54) diz que esta foi a razão dos portugueses assumirem a Convenção em substituiçãoaos suecos. 110 Depois do lançamento de um jornal, uma Caixa Beneficente para Viúvas de Pastores, a instituição de “Carta de Recomendação” e credencial para os obreiros (Boa Semente, IX, no 78, novembro/27), a realização de uma Convenção Geral, é a mais concreta manifestação de sua institucionalidade. Distintamente da AD americana, que já nasce com uma estrutura local, distrital e nacional, por ser um conglomerado de igrejas autônomas, e a partir de uma identificação teológica e racial, a AD brasileira vai se autodefinindo no decorrer da caminhada. Aqui, portanto, reside a importância da Convenção de Natal, em 1930, pois ela, oficialmente, foi a primeira e, apesar de inúmeras perguntas ainda pendentes sobre a mesma, foi definitiva para a sua caminhada. A versão oficial enfatiza o acordo entre suecos e brasileiros. Não podia ser diferente, em se tratando de historiografia oficial da igreja. Vejamos a versão da 1ª história (Conde, 1960:132): “No ano de 1930, no mês de julho, a igreja de Natal hospedou a Convenção Geral, a primeira e a mais importante até então realizada. Essa Convenção abriu o caminho para as Convenções Gerais ou Nacionais que até então não tinham esse caráter. Entre outras coisas que ali se decidiram destaca-se a unificação dos jornais Boa Semente e Som Alegre, dando lugar ao aparecimento do Mensageiro da Paz, evitando-se assim a divisão do trabalho prestes a realizar-se” Versão da 2ª história (Almeida, 1982:30) “Os assuntos tratados nessa convenção podem ser resumidos em: em relatório do trabalho realizado pelos missionários; a nova direção do trabalho pentecostal no Norte e Nordeste; a circulação dos dois jornais existentes e o trabalho feminino na igreja. (...) Os missionários suecos(...) sentiam que era chegada a hora de deixarem a Obra nas mãos dos trabalhadores nacionais e partirem para as áridas terras do Sul do País. Todos os templos e locais de reuniões que pertenciam à Missão foram entregues às igrejas brasileiras” Conhecendo apenas as versões dos livros de história se chega a esta conclusão: os suecos sentem a necessidade de “entregar” a liderança nas mãos dos brasileiros porque pretendem, altruísticamente, ir para as “áridas terras do sul” (?). Mas há um detalhe: a convocação dessa convenção acontece pela primeira vez nas páginas do Boa Semente (no. 105, fevereiro/30, pg. 8), assinada por brasileiros (Ver Anexo 04). Fica excluída, portanto, a versão de que os suecos 111 “sentiam ser chegada a hora de deixarem a obra nas mãos de obreiros nacionais” - os suecos foram pressionados. As biografias de Daniel Berg e Gunnar Vingren não falam claramente, mas insinuam que estão sendo preteridos. E Ivar Vingren, diz em entrevista no Mensageiro da Paz (no. 1178, junho de 85, pg. 7) diz: “A pesar de, na época eu ter apenas 12 anos de idade (..) fiquei sabendo que havia dificuldades no Norte entre pastores e missionários por causa do trabalho. Porém, Deus colocou no coração de meu pai para ele ir à Suécia e trazer o Pr. Lewis Pethrus para participar daquela importante Convenção. Os convencionais trataram de resolver o assunto da entrega do trabalho nas mãos nos obreiros nacionais(...) os pastores brasileiros choraram muito, pois queriam continuar tendo comunhão com os missionários e contando com ajuda deles. Os missionários estavam deixando todo o trabalho nas mãos dos pastores brasileiros e seguindo para outros lugares” (grifo nosso) Versão da 3ª história (Oliveira, 1998:183) “Decisão tomada na primeira convenção de pastores da Assembléia de Deus no Brasil, realizada em Natal, em 1930, definiu, sobre alguns importantes aspetos, os rumos da igreja. E explica, em parte, o seu acelerado crescimento. Os obreiros nacionais, conhecedores da psicologia do povo, com os mesmos usos e costumes, mas resistentes às endemias e outras espécies de enfermidades que grassavam na época, alcançaram também maturidade espiritual e assumiram a liderança em vários estados onde nasciam as primeiras igrejas. Os missionários rumaram ao Sul, para abertura de novos trabalhos”. Versão do Diário de Vingren (Vingren, 1973:142): “por motivo de algumas dificuldades entre os missionários e os irmãos brasileiros sobre a direção do trabalho” Versão do texto de Convocação dos brasileiros: “Tivemos pela graça de Deus a inspiração da necessidade urgente de uma Convenção Geral(...) para resolverem certas questões(...) Todos nós sabemos a crise por que, como uma dura prova, passou a Assembléias de Deus neste paiz e não podemos nos conformar com estado de coisas(...) temos em vista convidar todos os obreiros por meio deste manifesto(...) Deve começar no dia 12 do referido mez e se não precisamos o termino da mesma Convenção, é porque achamos justo deixar ao arbítrio das necessidades e circunstancias da ocasião(...) pois só assim será possível remover certos obstáculos que podem embaraçar a causa do Nosso Senhor Jesus Christo(...) Francisco Gonzaga, Cicero Lima, Antonio Lopes, Ursulino Costa, Napoleão de Oliveira Lima, José Barbosa, Francisco Cesar, Nathanel G. Figueiredo, Pedro Costa” (mantém-se a grafia original) 112 Têm-se as seguintes questões: 1. Numa reunião nos dias 17 e 18/12/29 em Natal foi-se decidida essa convocação. Apenas brasileiros estavam nela? É provável, pois são estes que assinam a convocação; 2. Está havendo “dificuldade.... sobre a direção do trabalho”; 3. A “necessidade urgente” é por causa da “crise”. Qual? Onde? 4. A reunião não tem previsão de data para terminar, mas funcionará até a remoção dos “certos obstáculos”; 5. Nenhum desses signatários são nomes de pastores conhecidos69; ou têm textos publicados no jornal Boa Semente; 6. O registro jornalístico diz que Lewis Pethrus assistiu à abertura e não fala nada sobre os demais dias. Um dos pastores entrevistados “acha70” que, sob protesto, ele não assistiu às demais reuniões. Talvez seja exagero, no Mensageiro de Paz de 31 há dois textos de Pethrus informando-se que foram mensagens pregadas durante a Convenção, ou seja, ele assistiu, no mínimo, a duas reuniões. b) A versão sueca das “igrejas-livres” e a construção da autonomia brasileira. Além da previsível questão do exercício do poder que os suecos tinham e, parece, que este grupo de obreiros nordestinos tenta subverter, há duas outras questões: l. a tentativa de organização nacional e 2) o “modelo” de liderança de Frida Vingren. Uma “Convenção Geral” envolvendo todo o país? De onde este grupo tirou esta idéia tão “moderna”, já que isto não existia na AD? Qual o objetivo de um organismo como este, já que os suecos, na “direção do Espírito Santo”, lideravam 69 Ressalve-se apenas o nome de Cicero Lima que aparece nesta lista. Seria o Pr. Cícero Canuto de Lima que, durante décadas, foi pastor da AD, Ministério do Belém-SP? Natural de Mossoró, RN, foi consagrado ao pastorado em 1923 em Belém. 70 Ele usou este termo, e admite ser mera especulação, pois não tem como provar. Não há nenhum participante da mesma vivo hoje para dar seu testemunho sobre que aconteceu. 113 essa igreja muito bem? A gravidade da situação transcende à questão do patrimônio que teria sido adquirido pela Missão Sueca. Por ser pequeno e insignificante, ele foi doado, segundo a versão oficial, sem muita dificuldade71. A resistência a isto é ideológica, porque os suecos estavam convictos da necessidade de igrejas locais. No diário de Vingren, em seu relato desta convenção, há diversos trechos de artigos e cartas de Lewis Pethrus, escritos posteriormente a sua visita ao Brasil, defendendo a idéia de “igrejas-livres”. Originalmente, portanto, os suecos eram congregacionais, mas os líderes brasileiros não (Vingren, 1973: 141-160) “Durante os últimos anos, temos sido enganados aqui na Suécia com a notícia de que os missionários e a missão no Brasil estava organizada numa (sic) denominação bastante forte. Quem nos disse isto, mencionou que a sede da organização está no Pará e que no princípio consistia somente de três missionários, mas depois se estendeu dominando a obra em todo o Brasil. Os missionários no Brasil, estão, quando se trata do assunto de organização, inteiramente no mesmo ponto de vista que as igrejas livres da Suécia. Todos expuseram a sua perfeita aprovação sobre o pensamento bíblico de igrejas locais livres e independes, entre as quais deve haver uma colaboração espiritual, mas sem a organização da qual os missionários agora tinham sidos acusados que professavam e até praticavam” (Vingren, 1973:157, grifo nosso) Em segundo lugar, nesta convenção foi discutida a posição da mulher no Ministério “em razão de haver diferentes opiniões sobre o trabalho na mulher na igreja”72, a Convenção publicou a seguinte declaração: “As irmãs têm todo direito de participar na obra evangélica, testificando de Jesus e as sua salvação, e também apresentando instrução se assim for necessário. Mas não se considera justo que uma irmã tenha a função de pastor de uma igreja ou de ensinadora da mesma, salvo em casos de exceção mencionados em Mt. 12:3-8. Assim dever ser, 71 Diversas outras denominações tiveram problemas por causa de patrimônio de Missões Estrangeiras no Brasil, e a regra é muito simples: patrimônio pequeno, rápida solução, patrimônio grande, grande confusão. O Mackenzie é um bom exemplo. 72 Op. cit. 158 114 especialmente quando não existem na igreja irmãos capacitados para pastorear ou ensinar” 73 (grifo nosso) Moderno demais para a época? Afinal, as mulheres ainda não participavam da vida política do país nem mesmo como eleitoras, mas a AD permite que elas, excepcionalmente, sejam pastoras e ensinadoras. A AD no Rio de Janeiro, em 1925 (Conde, 1960:229), já havia consagrado uma diaconisa. É a única da história, assunto que morreu completamente depois disto. Influência de Frida Vingren? Com certeza. Ela prega, canta, toca, escreve poemas, textos escatológicos, visita hospitais, presídios, realiza cultos e – nada comum – dirige a igreja na ausência do marido (e, segundo algumas insinuações, na presença também). Numa entrevista com um pastor de mais de oitenta anos, perguntei-lhe por que na foto dos missionários (jornal Mensageiro de Paz, no. 03, março de 31) participantes da Convenção de Natal ela é única mulher que aparece? Onde estão as esposas dos outros? Ele respondeu ríspido: “Mas a Convenção de 30 aconteceu por causa dela!”74. Frida chega a escrever um texto no Mensageiro de Paz (no. 5, maio, 30) disciplinando a conduta dos obreiros. “A minha esposa, junto com os obreiros da Igreja, têm levado a responsabilidade pela obra” (Vingren, 1987:194) O projeto nacional, da Convenção Geral, então se viabilizou? Sim e não. Essa tensão entre o desejo dos brasileiros de se organizarem nacionalmente e a doutrina da igreja local sueca, inviabilizaram um organismo nacional. Os líderes continuam se encontrando, porém cada vez mais “informalmente”. Seus espaços/igrejas locais vão se fortalecendo em detrimento de uma igreja nacional. Afinal, como disse Pethrus, a ligação era apenas “espiritual”. 73 Ibidem, 158 Pela reação desse pastor podemos imaginar a crise que os homens em 1930 passaram, ao ver seu espaço ameaçado pelas mulheres. Mas, cedo eles conseguiram “domesticá-las”. Esta perspectiva da ação, ou tentativa de ação feminina, no universo pentecostal, foi trabalhado por Sanzana (1995), já citada na nota 24. Ver também a dissertação de Eliana Gouvea (1986) O silêncio que deve ser ouvido. Mulheres pentecostais em São Paulo. Onde a autora analisa o comportamento das mulheres nas igrejas Pentecostal Deus é Amor e Congregação Cristã no Brasil. 74 115 Uma última questão não resolvida sobre a Convenção na Assembléia de Deus é: ela seria uma convenção de igrejas ou uma convenção de ministros? Até hoje, ou não se quis discutir isto, ou não se consegue fazê-lo75. c) Primeira (e única) dissidência teológica? A historiografia assembleiana omite uma dissidência acontecida em 1930, em Natal. Neste ponto temos mais perguntas que respostas. Como já dito, não há nenhum registro na história. Todos os participantes já faleceram e, se há, não foram encontrados outros registros da Convenção de 30. Ela é sempre retratada como a reunião para resolver a disputa de poder entre suecos e brasileiros, mas há, permeando uma questão teológica muito complexa. Calvinismo versus arminianismo - foi a causa da primeira dissidência na Assembléia de Deus? Se a Convenção de 30 aconteceu também por causa disto, ou se esta divisão foi uma das seqüelas da Convenção, ainda é uma pergunta sem resposta. Sim ou não, esta seria a primeira e única (até onde se sabe) divisão da Assembléia de Deus por questões teológicas e não por disputa de poder político. É impossível transformar toda a querela de 30 em uma disputa de calvinistas e arminianistas, porque o aspecto político, como já foi visto, é muito patente. Mas o Pr. Manoel Higino (1900-1975), secretário76 desta Convenção, é posteriormente “excluído” da Assembléia e funda a Igreja de Cristo em Mossoró, 75 Numa só edição do Mensageiro da Paz (no. 1354, 31 de janeiro de 2000) foram tirados todos o estes exemplos que seguem: - 78 . Assembléia Geral Ordinária da Convenção de Ministros e o Igrejas Evangélicas Assembléia de Deus no Estado do Pará - COMIAEDEPA (pg. 3); -39 . Assembléia Geral Ordinária da Convenção das Igrejas Evangélicas Assembléia de Deus no Estado o do Paraná - CIEADEP (pg. 4); -65 . Assembléia Geral Ordinária da Convenção Evangélica das o Assembléias de Deus no Distrito Federal - CEADDIF (pg. 8); - 35 . Assembléia Geral Ordinária da Convenção Estadual dos Ministros das Assembléias de Deus no Estado de Rondônia CEMADERON (pg. 8); - Convenção de Ministros da Assembléia de Deus no Estado do Rio Grande do Norte - CEMADERN (pg. 8). Fica a pergunta: as Convenções da AD no Brasil são de Ministros ou de Igrejas? 76 Secretário da Convenção segundo o registro do Boa Semente, porque no Diário de Vingren(1973:158) quem aparece como secretários de Atas desta Convenção é Joel Carlson e S. Nystron. 116 porque era um “calvinista ortodoxo77”. Nos jornais e nos livros de história há um silêncio absoluto sobre ele e sobre os desdobramentos deste fato (o mesmo procedimento sobre a AD em Portugal). No entanto, o Jornal O Bom Pastor, da AD em Natal, fevereiro/abril de 1997, numa biografia de seus ex-pastores diz que Higino foi “desligado do ministério” por se negar a comparecer a Convenção de Recife, em 34, para se retratar de uma acusação. Dos entrevistados, um disse que ouviu boatos segundo os quais Manoel Higino foi “excluído” por adultério, dois se negaram a falar algo a respeito, os demais disseram simplesmente não conhecer o assunto. 5. OS MINISTÉRIOS “O caudilhismo pentecostal foi precedido e também informado pelo autoritarismo missionário” ( D‟Epinay, 1970: 142, grifo no original) “a maior parte das igrejas pentecostais tem dirigentes que são chefes, proprietários, caciques e caudilhos de um movimento criado por eles mesmos e transmitido de pai para filho de acordo com o modelo patrimonial e/ou por nepotismo de reprodução” (Bastian, 1994:126) “as lideranças ministeriais da AD são formadas de “bispos e pequenos papas” (Willems (1967:119) “(ministérios) Ajudaram a crescer e não podia ficar unida(...) eles ficam trabalhando para Jesus lá e eu nós cá(...) Tinha haver emancipação das Igrejas. É como um filho quando cresce, tem que ter sua própria casa, sua família. ( Pastor, 85 anos) “A organização (de Ministérios) só veio atrapalhar, não ajudou em nada(...). O crescimento é aparente” (Pastor, 82 anos) “Quando o movimento denominacionalista americano é estudado como um todo(...) sobressai claramente como a maior causa da divisão, e suas conseqüências na Igreja são 77 Entrevista de Adina Higino (filha) concedida em 13/02/95, em Natal-RG, a Alexandre de Sousa, para sua dissertação de mestrado em sociologia na UFC. Material não publicado. 117 também indicativas do caráter mais sociológico do que teológico dos cismas” (Niebuhr, 1992:104) O tema “Ministérios” é tabu na AD. Todos sabem que existem, pois de alguma forma foram vitimados ou beneficiados pela questão, mas ninguém quer falar78. Os entrevistados, unanimente, optaram por evasivas ante a pergunta: Os ministérios ajudaram ou prejudicaram a AD? Todos responderam dubiamente: ajudou e prejudicou. Como se inicia? Devido ao fato da ausência de registros, precisamos trabalhar com a “suspeição dos silêncios”, mas, parece, Paulo Leivas Macalão é o iniciador da questão. “A força com que ele pregava, a convicção com que dirigia seus ataques ao pecado, vinham sendo, há algum tempo, motivo de censura por parte daqueles que não viam no Evangelho algo que tivesse de ser pregado daquela maneira, às pressas e com uma autoridade até então nunca vista. Censurado e incompreendido, o irmão Paulo, em setembro de 1926 (estava com dois anos de convertido), decidiu pregar exclusivamente nos subúrbios da Central” (Costa, 1983:37) Os suecos, sem querer, fizeram escola: da mesma forma como eles impuseram uma “reserva de mercado” na América Latina aos norte-americanos, Paulo Macalão impôs a sua na periferia do Rio. Fazia dois anos, em 1924, Gunnar Vingren viera ao Rio para assumir a Igreja: disputa de poder entre os dois? É provável. a) Paulo Macalão: o alijado que estabeleceu o seu estilo Paulo Macalão (1917-1982) foi consagrado pastor em 1930, solteiro, com 27 anos. Era filho do general José Maria Macalão, estudou no Colégio Batista e 78 Cf. Bobsin (1984:69) quando de seu estudo sobre os diferentes ministérios na periferia de São Paulo enfrenta o mesmo problema: “Nas narrativas do dirigentes, observa-se uma tentativa de ocultar dados da história da congregação. Suspeita-se que esta ocultação advenha, muitas vezes, da necessidade de negar a ação humana - questões morais e disputas internas - na formação da congregação” 118 Dom Pedro II, rico de classe alta, não tinha disposição de ser controlado por um sueco; queria - e conseguiu - impor seu próprio estilo. Um dos entrevistados contou que ouviu diversos comentários - há muitos anos - de que a questão maçônica também influenciou. Paulo Macalão era maçom ou não?79 Não se sabe. Seu pai, provavelmente era80; afinal o Exército era o principal foco da mesma. Independente disto, a grande questão mesmo foi poder de liderança: no Rio de Janeiro, capital da República, a mais importante cidade da época, a Igreja cresceu assustadoramente sem as perseguições típicas dos rincões do sertão; viria a ser (como é até hoje) o centro do poder da Igreja, por isto Vingren deixa a Igreja de Belém e vai para o Rio. Entretanto, não esperava encontrar a resistência de Macalão. Se considerarmos a primeira reunião convencional, de 1923, até 1953 (ver tabela 13) são trinta anos de hegemonia dos suecos na liderança, mas em 1937 Macalão, é primeiro e único brasileiro, a assumir a presidência da Convenção. Por quê? Não há nenhum registro sobre este “acidente” na liderança sueca, mas o mais provável é que, o caldo do nacionalismo da época e as turbulências do período da Segunda Guerra, tenham feito os suecos se afastarem estrategicamente. Até porque sua “presidência” dura menos de um ano, pois de 38 a 46 não houve Convenção. Um entrevistado falou da simpatia que Macalão tinha pelos suecos e de seu anti-americanismo. Ideologia à parte, isso poderia ser apenas uma demonstração de sua aversão ao “modernismo” da AD americana. Dez anos depois de sua consagração, já há registro de Igrejas abertas em outros Estados (Costa, 1983:56). É a consolidação do Ministério de Madureira rivalizando com a “Missão”, neste caso representado, no Rio, pela AD no bairro de São Cristóvão. Em 1958, é eleito Pastor Presidente Nacional do Ministério de 79 Nas Atas da Convenção de 66 (pg.41) um pastor pergunta se um membro da AD poderia fazer parte da Maçonaria e “unanimemente o plenário que “não”. E acrescenta que diversos pastores se pronunciaram sobre o assunto. Por que um pastor levantaria este assunto, se não houvesse nenhum indício do mesmo? 80 Apesar de inúmeras tentativas junto às Lojas Maçonicas, no Rio, e conversas com algumas pessoas apontadas como marçons, não pude confirmar ou desmentir esta informação. Ouvi relatos de pessoas (que pedem anonimato) que afirmam “com certeza” de que Macalão era marçon. Inclusive, em seu enterro, uma comissão realizou uma solenidade (?) em sua homenagem. 119 Madureira81 e, em 1960, lança um jornal próprio, O Semeador. Em 1988, o ministério é desligado da Convenção Nacional. “Vingren entrou de novo no trabalho que estava em plena expansão. O irmão Paulo Macalão sentiu a direçào do Senhor de ocupar-se especialmente da obra nos subúrbios do Rio de Janeiro” (Vingren, 1973:137) Qual, enfim, a razão da incompatibilidade de Macalão com os suecos? Alguns entrevistados insinuaram que foi porque “Paulo Macalão era muito firme na doutrina”82, mas isto poderia ser aceito se os suecos não fossem também “firmes na doutrina”. Legalistas tanto quanto Macalão (ele teve escola), os suecos não se sentiriam distanciados de alguém que prezava a disciplina. Se esta foi a única “razão” encontrada, e ela não faz sentido, só nos resta a possibilidade de ser a luta pelo poder. Muito óbvia, aliás, em Macalão, pelo seu nacionalismo de vertente maçônica. Madureira versus São Cristóvão, no Rio; e Belém versus Brás, em São Paulo, são apenas exemplos de algo que aconteceu em todo Brasil, a partir da década de 50, tanto como prolongamento desta disputa como reprodução. Prolongamento porque a AD de Madureira abriu muitas igrejas em diversos Estados do país onde já havia AD locais, provocando dissidências intestinais: insatisfeitos e/ou disciplinados - tantos membros comuns como obreiros - de um determinado Ministério se transferiam para outro. A cena se repetiu - ainda se repete - com todos os demais Ministérios83. 81 Isto é apenas um registro histórico, porque na prática ele já era há anos o presidente nacional. Nas Atas da Convenção de 47 (pg. 37) Paulo Macalão fala de “seu campo” 82 “Doutrina” na concepção assembleiana não é, como se espera desta palavra, uma teoria bíblicateológica sobre os conceitos fundamentais, tais como: salvação, batismo, Deus, etc. “Doutrina” implica meros costumes que viraram padrão ético/dogmático, como, por exemplo, mulher não cortar cabelo, depilar as pernas, etc.; homens não jogar futebol, não beber nem refrigerante nas primeiras décadas, etc. Evidentemente que não há apenas esta circunscrição folclórica, mas dentro da “doutrina” também cabem os conceitos teológicos fundamentais. No entanto, quando expressos principalmente pelos mais velhos, os “costumes das Assembléias” são mais importantes. 83 Em alguns Ministérios, as divisões foram traumáticas, ultrapassando a meros estilos de lideranças, chegando à luta física. No Ceará, por exemplo, na divisão do Ministério de Bela Vista e Templo Central, aconteceram diversas brigas físicas ao ponto de a polícia ter que intervir. Conhecemos histórias e pessoas doentes como resultado disto. Durante anos, obreiros insatisfeitos ou alvo de punição por algum erro (não se tem como saber se com justiça ou não) mudavam de Ministérios e, ao sair, levavam metade da igreja consigo e, na nesta cidade/bairro, 120 Reprodução, porque o mesmo vai se repetir em diversos Estados e cidades. Os nomes que aparecem na liderança das Igrejas-sedes, em 1930, se tornam pastores-presidentes (equivalente a bispo, num sistema episcopal), com cargo vitalício, poder absoluto e inconteste, igrejas em amplo crescimento (financeiro e social), igrejas filiadas às centenas, é este caldo de cargos-poderdinherio-status-rivalidades que produzem os cismas irreversíveis na história da Assembléia. Uma igreja que nunca teve uma direção nacional instituída (inicialmente, não quis; posteriormente, não conseguiu), abriu espaço para de figuras isoladas se fortalecerem. O discurso - oficial e oficioso - da igreja de ser contra organização (Conde, 1960) casa com a mentalidade personalística latina do caudilhismo (D‟Epinay, 1970) , com nuanças de messianismo popular e o coronelismo nordestino. Em resumo, o sistema de Ministérios, deu-se devido: 1. À síndrome de “Movimento”: por não aceitar ser uma denominação se autointitulava de movimento, e era contra todo e qualquer tipo de organização; 2. À ausência de uma liderança burocrática e o personalístimo carismático dos líderes em disputa: o grande líder original era Gunnar Vingren, mas morreu cedo. Não deixou a igreja organizada burocraticamente nem um substituto que tivesse carisma; 3. Ao crescimento das igrejas nos grandes centros: longe da perseguição e do trabalho mais duro, estas igrejas “enriqueceram” mais que as outras; fortes e importantes, não admitiam viver a reboque - financeiro e administrativamente - de outra; 4. A rivalidades dos líderes: pastor de uma igreja que cresce numericamente constrói templo e aumenta assim seu patrimônio, e tem uma infinidade de “discípulos/obreiros” ao seu redor, por que ele haveria de se submeter a outro? abria uma “nova Assembléia”. Diversas igrejas tem uma história parecida com esta. Hoje como já surgiram outros Ministérios para lutar pelo espaço, a disputa da polarização Bela Vista &Templo Central e está, portanto, muito mais relativisada e amigável. Até onde uma disputa possa ser amigável. 121 5. Ao fato de que Ministérios são grandes feudos: onde cada chefe estabelece seu estilo, modelo de liderança, sua “doutrina” (por exemplo: consagração de presbíteros84), suas idiossincrasias (em Madureira, por exemplo, nos anos 30 e 40, era “pecado” um obreiro não usar chapéu, porque o Pr. Macalão impunha isso). Ante a pergunta, qual o sistema eclesiástico (congregacional, presbiteriano, episcopal) da AD? Um pastor responde: “O do Novo Testamento!” 6. A CHEGADA DE NOVAS IGREJAS Segundo a teoria da ondas, é a partir da década de 50 - a segunda onda que novas igrejas pentecostais surgem no cenário para rivalizarem com a AD 85. A Congregação Cristã no Brasil não somente não se sentiu “ameaçada”, como permaneceu igual diante das mudanças ocorridas na segunda onda. Nunca se inseriu no meio evangélico, aliás não aceita nem ser chamada de igreja pentecostal (Gouveia, 1986). Ademais, ela não competia nesta faixa de mercado. A AD sim, vai disputar clientela com as igrejas Pentecostal Deus é Amor, Brasil para Cristo e Evangelho Quadrangular. No entanto, essas não foram as primeiras dissidências do pentecostalismo. 84 A hierarquia assembleiana tem a presumível pirâmide: na base, auxiliar, diácono, presbítero, evangelista, pastor, e no topo, o pastor-presidente. No entanto, até hoje, há alguns Ministérios que não consagram presbíteros, pois entendem que esta designação é sinônima de pastor. 85 “Não foram poucos os pastores que deixaram a Assembléia de Deus e ingressaram no Evangelho Quadrangular. Não se tem, porém, notícias de que isto tenha ocorrido com a Congregação Cristã”. (Rolim, 1995:57) 122 a) A dissidência da cura: Cruzada Nacional de Evangelização 86 Por que o fenômeno da cura divina (pregado por esta Cruzada mais tarde transformada em IEQ - Igreja do Evangelho Quadrangular), provoca tanta divulgação e estabelece um novo padrão na história do pentecostalismo brasileiro, a partir da década de 50, quando, desde de 1911, a AD já pregava cura divina? Não foi a cura divina em si, mas a forma como foi pregada ou realizada. É a mesma questão na atualidade do exorcismo feito na IURD. Porque a AD realiza exorcismo também desde 1911, mas há muita diferença entre uma cura e/ou exorcismo ser realizado num templo (na periferia da cidade, como sempre) da AD e o realizado numa tenda de circo ou em um canal de TV com transmissão nacional. A questão muito mais que teológica, é mediática. A AD nunca foi uma “ameaça” concreta à hegemonia católica, ou um desafio visível a um poderoso sistema de comunicação. Ela iniciou-se pobre, periférica, e mesmo crescendo, por ser desarticulada, nunca teve uma voz ativa no país. Afinal, um agrupamento social com presumíveis nove milhões de membros deveria ser ouvido; ou ter o quer dizer. Estruturas, quantitativamente menores, têm voz bem forte e poder de articulação maior. “A AD, na década de 50 com a chegada das novas igrejas pentecostais, se encolheu. Ficou com medo de pregar cura e expulsão de demônios só porque outras igrejas estavam fazendo o mesmo, e aí ela não queria ser confundida com as igrejas novas” (Pastor, 77 anos) Este pastor só esqueceu de dizer que uma das razões do “encolhimento” da AD também foram as questões internas da igreja. Além destas razões externas, seu maior problema mesmo é interno. Ela enfrentou perseguição da poderosa Igreja Católica e sobreviveu; o desprezo das denominações protestantes; e cresceu; mas quando a crise começou a miná-la por dentro, ela se 86 A IEQ tinha um acordo com a AD nos EUA de não disputar espaço entre si na América Latina (Walker, 1990:223) que não funcionou no Brasil. Aliás, as relações entre a IEQ e AD no Brasil, pelo menos até Gunnar Vingren eram as melhores possíveis, pois o mesmo recebe uma carta da Diretoria da “The Internacional Church of the Foursquare Gospel” elogiando seu trabalho (?) (Vingren, 1978:182), pelo contexto histórico de sua biografia esta carta deve ser de 1929. 123 acomodou. Agora mais do que avançar e conquistar novos espaços, ela precisa administrar suas tensões. É uma instituição de 40 anos e , como todas as demais, tem problemas e, o que é pior, não se preparou para enfrentá-los. b) O que é a AD na década de 50? l. Liderança: a liderança sueca não se renovou (ou não deixaram que isso acontecesse), a brasileira é formada já por “grandes nomes”87, intocáveis, que a partir de então devotam as suas energias muito mais em preservar o já conseguido. O espírito desbravador e altruísta dos primeiros anos começa a ser substituído por status (os títulos passaram a ter importância) e influência de poder (filhos de pastor-presidente são consagrados e iniciam uma “dinastia”); 2. Os americanos estão chegando com dólares. A construção da CPAD, em 46, é uma demonstração da “dependência” do poderio financeiro dos EUA. Como e por que uma igreja que se constrói sem ajuda financeira estrangeira, hoje presente em todo os Estados, e está a caminho de ser a maior igreja do país 88, precisa se submeter a esta dependência?89 3. A AD é uma igreja grande, burocratizada e conservadora. Em 1917, ela usa o que há de mais moderno na comunicação da época: jornal escrito. Em 1930 há mulher no exercício ministerial, e diversos jovens solteiros pastores dirigindo igrejas. Mas já na década de 40, passa anos discutindo se é ou não “pecado” usar rádio, e repete a discussão nas décadas seguintes com a televisão. Perdeu o trem da história. No início, ela tinha ministros jovens e solteiros e até mulheres abrindo e dirigindo igrejas, a partir de agora ela se compõe de uma liderança 87 Paulo Macalão, Cícero Canuto de Lima, José Amaro, José Pimentel de Carvalho, todos estes iniciaram seus pastorados ainda jovens e ficaram até o final da vida no exercício dos mesmos. 88 Talvez em 1946 já seja, não temos estatísticas exatas para provar ou negar isto. 89 As Atas da Convenção de 1947 e 1948 dariam um estudo à parte. Muito mais do que uma “oferta” americana está todo uma problemática do fascínio pelo o dólar, da importância dos EUA como vencedor da II Guerra, da percepção deslumbrada pela industrialização. A perca de importância dos suecos ante ao poderio, meramente financeiro, dos americanos é patente. Ademais, há uma história mal explicada de um empréstimo, em dólares, feito por J.P. Kolenda para a construção da CPAD. A versão oficial fala apenas de uma “oferta” dada pela AD dos EUA. Não fica claro, pelas Atas, como e porque esse empréstimo foi feito, mas muitos pastores reclamam dele quando J.P. Kolenda pede um “voto de confiança”. 124 envelhecida e reacionária, preocupada em preservar a pretensa “tradição assembleiana”; 4. Afinal, Assembléia de Deus ou Assembléias de Deus? Usam-se os dois nomes exatamente por não se saber o que é. É uma igreja ou várias com o mesmo nome? São várias com o mesmo nome. A única unanimidade doutrinária desta igreja é a crença na contemporaneidade da doutrina do Espírito Santo. Já que os sistemas eclesiásticos diversos e os estilos de liderança são contraditórios entre si. CAPÍTULO IV CARACTERÍSTICAS DO PENTECOSTALISMO ASSEMBLEIANO BRASILEIRO Introdução Qualquer análise mais consistente sobre a AD neste período é prejudicada pela falta de estatísticas e outro documento sobre ela, já que os estudos começam apenas a partir de década de 60. O que se tem da época são apenas os jornais e livros de publicação da própria igreja com as deficiências já vistas. Não fazia parte do seu projeto algum tipo de registro, Conde admite isto quando assume, na Convenção de 1957, a responsabilidade de escrever a historia . “ ...sabíamos de antemão, que não sairia perfeita nem seria completa por falta absoluta de informes que nos capacitassem a dar às Assembléias de Deus o destaque que merecem(...) nos primeiros anos de atividade não havia a preocupação de anotar e registrar experiências que possibilitassem, mais tarde, ao historiador enriquecer a história com a descrição dêsses fatos e experiências” (Conde, 1960:8) A despeito disso, neste capítulo, faremos uma análise mais teórica. A AD assumiu algumas características que se tornaram “marcas registradas”, a ponto de um assembleiano - ou especialmente, uma assembleiana - ser identificado em qualquer ambiente. A postura austera, a sobriedade das vestimentas, o comedimento na conduta, tornaram-se folclóricos. O risco da estereotipação é 126 grande aqui, mas não há como fugir. Hoje se relativizou muito este biótipo assembleiano, tanto pelo surgimento de outras igrejas pentecostais mais rígidas no comportamento1 quanto porque a Assembléia hoje é pluralista e muito diversificada. Algumas condutas, meros costumes sociais dos suecos e/ou posturas da época da fundação, assumiram ares de “dogmas bíblicos”. O uso da Harpa Cristã de onde se deve cantar três hinos - apenas - na abertura dos cultos, é um bom exemplo da “tradição assembleiana” que se fossilizou a ponto de se repreender a quem se atreve a alterar essa ordem. Diversos exemplos poderiam ser acrescentados (uso de paletó e gravata, condenação de maquiagem feminina, a prática de esporte, etc.), mas o que importa no momento é o entendimento deste ethos assembleiano. Afinal, o pentecostalismo2 se caracteriza como exercício de ruptura cultural (protesto simbólico?), ou é um mero figurante (acomodação?) em total alienação?. A teoria da continuidade-descontinuidade, de D‟Epinay (1970), parece poder ser também aplicada à AD no Brasil. Muito da conduta promulgada como “bíblica”, portanto, dogmática, para a AD era o que se definia como “certo” na vida rural, bem distante da complexidade urbana; onde a previsibilidade da rotina tipificava a vida doméstica da fazenda: cumprir horários de ordenhas, obedecer ao ciclo agrícola, seguir à risca a solidariedade campesina e prestar toda fidelidade ao dono da terra. Ser ordeiro, fiel, era uma característica social da época que foi absorvida pela igreja em sua fundação e incorporada como “conduta evangélica correta”. 1 O mundo protestante é uma incógnita, o pentecostal mais ainda. Pois se alguns grupos pentecostais querem se diferenciar da AD por considera-la “liberal” (nesta posição, mesmo por razões distintas, estão a Congregação Cristã e Pentecostal Deus é Amor) outras ao fazem pelo o inverso, “conservadorismo” (Nova Vida, O Brasil para Cristo). 2 Não custa lembrar que estamos focalizando o pentecostalismo assembleiano das primeiras décadas, diverso da inserção étnica da Congregação Cristão do Brasil e ainda mais distinto do neo-pentecostalismo. Sobre o último, Mariano (1998) diz que a alteração sócio-cultural que o mesmo faz, ou fará, é apenas quantitativo já que ele não tem em seu cerne os valores do protestantismo. Sobre a crítica da crítica que se faz aos novos modelos ver. Mariz (1995) 127 Algumas características do pentecostalismo assembleiano: 1) A SÍNDROME DE MARGINAL: A membresia assembleiana é fundamentalmente formada pelos mais pobres, os “deserdados”. Como já foi dito, muitos ex-escravos ainda estavam vivos na época. Qual religião lhes poderia ser mais conveniente e simpática? A Católica, com suas missas em latim, onde estavam seus antigos senhores e, mais grave, os principais teóricos da “legitimação” desta escravatura não era, convenhamos, o lugar ideal. As demais igrejas protestantes, pelo menos as principais, tinham em sua direção um missionário estrangeiro, que, apesar de não falar latim, tinha um linguajar etéreo, e a música da igreja soa estranha com um piano ou órgão3. Os cultos afros continuavam ainda sendo perseguidos oficialmente pela política. Qual, portanto, o único local onde - livre e oficialmente um ex-escravo poderia cantar, pregar e até dirigir o “trabalho”4?. Os pobres que eram marginais socialmente, ao se tornarem pentecostais continuaram marginais sociais de forma macro. Mas assumem “nova identidade” dentro de uma comunidade. Pode parecer muito pouco hoje, mas na época, para eles não era. Agora, como “crentes”, podem escrever para o jornal, ver seus nomes publicados junto a “bênçãos” e tornam-se protagonistas de algo novo (mesmo sem ter noção da dimensão que isto vai tomar, futuramente); melhor, algo que eles estão construindo. Nordestinos fugitivos da seca, seringueiros desempregados retornando para seus antigos lugarejos? Não apenas isto; há algo mais. Agora eles são 3 Há algumas histórias antigas de ex-batistas e ex-presbiterianos que se tornaram assembleianos por causa da música. Tiveram dificuldade de se adaptar a “fineza” dos corais e cânticos com órgãos e pianos dos clássicos do protestantismo histórico. Isto evidentemente, é questionável, na medida em que a AD não priorizou a música popular (mesmo que também nunca tenha tido em sua tradição pianos, etc.) 4 Otto Nelson, escrevendo em 1934, comenta sobre um pescador chamado Albino, em 1920. Este foi fiel dirigente da igreja, inclusive no período em que os missionários se ausentaram para a Suécia. No mesmo parágrafo, ele fala de uma irmã “preta como carvão”, que recebeu o batismo com o Espírito Santo. E os considera as “pedras fundamentais” desta igreja nascente em Alagoas (Vingren, 1973:66) . Léornard (1988:82) registra que em 1947, há um negro na direção da Congregação Cristã do Brasil . 128 portadores de uma mensagem que todos podem ouvir, repetir e da qual podem se apropriar; eles até podem andar com um livro - a Palavra de Deus - para ler e “explicar” aos demais5. É de fundamental importância perceber que não havia, no primeiro momento, alguma diferenciação entre consumidores e produtores dos bens simbólicos (foi por pouco tempo, mas houve uma época em que todos os assembleianos eram iguais...). Portanto, essa sensação de escória do mundo é vista como “bênção”. Aqui acontece a mesma inversão de sentido que eles tinham sobre a perseguição: ser marginal não é “ruim”, é, pelo contrário, a identificação com o Evangelho. Os demais líderes protestantes são “cultos, sábios”, as “igrejas 6 denominacionais” são ricas e importantes, mas estão em vantagem? Na visão assembleiana este status é ruim, ou não "bíblico”. Ser “bíblico” é ser pobre, perseguido, simples, não culto, pois assim, somente assim, pode-se ter identificação com a igreja dos Atos dos Apóstolos e, mais ainda, com o próprio ministério de Jesus7. 2) O DISCURSO DA NEGAÇÃO DO MUNDO E O ESCATOLOGISMO. Esta percepção tem duas vertentes: 1) a negação por razões sociais, e 2) a negação de cunho teológico. A negação social nasce como “resposta” ao desprezo anterior dado pela sociedade (talvez não exatamente da sociedade, mas muito mais das outras igrejas) por sua pobreza e falta de status. Na impossibilidade de se alcançar o mesmo status - posição social, financeira e 5 Numa época de pouca cultura e leitura, quando a Bíblia era monopólio do padre e raríssimas pessoas que podiam lê-la, os colportores bíblicos andavam com caixas e mais caixas vendendo-as para todos. A importância que tomava alguém que, agora, dispunha de uma Bíblia e a podia ler livremente era algo incomum. Isto altera em muito o senso de dignidade de pobres e marginais. Sobre isto ver Novais (1985) e Mariz (1994, 1995) 6 Esta expressão é repetida reiteradas vezes nos jornais assembleianos, pois ainda não havia esta atual nomenclatura de igrejas tradicionais, pentecostais clássicos. Lembrando que o termo “denominação” tinha, para a AD, uma conotação pejorativa, por isso ela não aceitava o termo para si mesma. Ver nota no. 5 do cap. II 7 Interessante como esta visão se “repete” na literatura da Teologia da Libertação. Pois aqui o pobre/pobreza foram glamourizados como sendo a representação - única - da encarnação histórica de Deus; como a presença de “revolucionária” dos pobres (contra os ricos/sábios) era a ideal e iria, a partir deles, transformar o mundo. 129 cultural - menospreza-se o status e opta-se por uma identificação mais “nobre”, porque é bíblica e espiritual. Como conseqüência disto, há uma exacerbação da escatologia: o mundo (este mundo culto, rico, cheio de vaidades) é decadente, avança para a destruição; sua destinação final - a destruição - está vez mais próxima e com ele, todos os seus pertencentes. A igreja, portanto, proibia a leitura de jornais e revistas e condenava a instrução como coisas “mundanas” e desnecessárias porque o “Senhor vem em breve”. O que se impunha era o preparo para o “iminente” arrebatamento da Igreja. A negação do mundo, portanto, tem um sentido - em sua origem e conseqüência - teológico: a aprovação do mundo seria a desaprovação de Deus (já que há um abismo entre os valores de ambos). Negar o mundo é negar aquele que despreza a Deus, que luta contra os valores divinos (ou pelo menos dos valores que a Igreja diz serem de Deus). Ademais, o mundo está na iminência de ser destruído. Esse escatologismo não é tão anacrônico ou atemporal assim, afinal - 1911 a 1946 - é o período entre as duas grandes guerras mundiais. As nações estão se preparando para viver em paz; ou tentando - armando-se. “Em 1914, ano em que rebentou a Grande Guerra(...) Enquanto diplomatas do Velho Mundo se debatiam nas chancelarias procurando um meio de por termo ao conflito, veio, da cidade de Belém, uma mulher crente, de nome Maria de Nazaré” (Rego, 1942:9) Por que a Igreja deveria se preocupar com as questões do mundo, se sua destruição é irreversível e qualquer tentativa infrutífera8? Ademais, nossa “missão” é mais importante. E até mais eficiente. O mundo da diplomacia (rico, culto, poderoso) não conseguiu dar conta de seu recado, mas a irmã Nazaré (pobre, inculta) o conseguiu. 8 Um trabalho que trata especificamente deste “apocalipsismo dos pentecostais e sua visão fatalista do mundo” é o de Bobisn (1984). Ver também Cavalcanti (1994) 130 3) AVERSÃO A MUDANÇAS (OU “NÃO DESTRUAM NOSSOS MITOS”). Há alguns ícones historiográficos intocáveis na AD. A revelação (ou sonho, ou palavra profética9) recebida por Berg e Vingren sobre a palavra “Pará” é um deles. Mas no Pará já havia um missionário sueco10 (será que nunca ouviram falar dele?) e a Compahia Port of Pará era uma grande exportadora de borracha para os EUA. Portanto, este som não era tão desconhecido. Isto não tira o brilho da epopéia nem diminui o altruísmo dos suecos. Apenas mostra que a história oficial da Igreja é ideal - como em todas as demais igrejas. A versão, por exemplo, do envio dos missionários para Portugal é outro bom exemplo. Por que há um silêncio absoluto sobre o trabalho realizado por esses missionários? Há apenas o registro do envio, e usa-se isto como autolouvação para se frisar o caráter missionário da igreja brasileira11. Já na historiografia assembleiana portuguesa, também há silêncio. Por quê? Porque a história da igreja não é a que aconteceu realmente, mas a que é registrada. Por fim, a repetida e decantada história de que Celina Albuquerque12 (seu nome consta em todas as listas como uma das pessoas que saíram da Igreja Batista para fundar a AD com os suecos) foi a primeira pessoa no Brasil a receber o batismo com o Espírito Santo. Quando em Santa Catarina existia um grupo de batistas da Lituânia, entre os quais havia pentecostais, como o pastor Pedro Graudim13. Isto faz com que a AD perca a primazia pentecostal, resultando, 9 Não que a história em si seja mentirosa, mas os relatos não são plenamente compatíveis. Um a texto fala em palavra profética dada aos suecos (1 . história, Conde, 1960:14) outro texto fala de a um sonho que seu compatriota, irmão Olof Uldin, teve e lhes conta na cozinha da casa (2 . história, Almeida, 1982:17) 10 Erik Nilsson, o pastor da Igreja Batista que lhes dá moradia (Vingren, 1973:30-31). Apesar desse nome aparecer no livro de Léornard (1963:319) com outra grafia, Euric Nelson, estamos considerando a escrita de Vingren. 11 “José de Matos. Ele foi um dos pioneiros salvos no tempo de Vingren no Pará. Depois de algum tempo, ele sentiu a chamada de Deus para ir à sua terra, Portugal(...) A igreja no Pará se responsabilizou por ele e o enviou. Desta maneira aquela igreja foi desde o princípio uma igreja missionária, o que ela tem sido até hoje” (Vingren, 1973:146) 12 Os três livros de história da AD repetem isto, e há décadas o Mensageiro da Paz repete isto, exaustivamente. 13 Cf. Ismael dos Santos (1996) , Raízes de nossa fé - a história das Igrejas Evangélicas Assembléias de Deus em Santa Catarina e Sudoeste do Paraná. 1931-1996. Sessenta e cinco anos divulgando as boas novas. Ver especialmente o 5 capítulo: Uma experiência pentecostal antes da chegada dos missionários suecos no Brasil. Ali se reporta a essa Igreja Leto-Batista. Mas 131 portanto, numa afronta à chamada “tradição da Assembléia”. Mas o que vem a ser a “tradição assembleiana”? A tradição assembleiana é uma das coisas mais caras que essa igreja tem, e seria necessário um grande exercício hermenêutico para se identificar o que vem a ser essa tradição. O que é, como se manifesta, como se mantém e para quem? O discurso da tradição invariavelmente está se reportando - pretensamente - ao chamado “modelo dos suecos”. Mas qual foi este modelo, afinal? Eles não o escreveram. Suas biografias já são versões dos filhos. Sua implantação foi acidentada por diversos desencontros no início do trabalho entre os suecos e brasileiros, além da tentativa de influência norte-americana. Os líderes brasileiros herdeiros dessa tradição nunca foram harmônicos sobre isso, daí a divisão em Ministérios. Portanto, este pretenso “modelo” é uma idéia de que todos falam, muitos dizem seguir, mas ninguém sabe exatamente o que foi ou o que é. O conservadorismo é tão levado a sério que qualquer “revisionismo” histórico como este seria impossível14. Durante os próximos anos vai se continuar escrevendo no Mensageiro da Paz e livros de história da AD que Celina Albuquerque foi a primeira pessoa no Brasil a ser batizada com o Espírito Santo, porque a tradição assembleiana não pode ser mudada. Douta forma, se a AD optasse pela histórica simultaneidade do fenômeno pentecostal em diversas partes do mundo, poderia, inclusive, dar mais veracidade ao fato. E não seria uma “heresia”, já que o próprio Conde (1960), em O Testemunho dos Séculos, usa exatamente esse argumento para defender o “movimento” no Brasil15. se isto não fosse bastante, o próprio Vingren relata um encontro com esse grupo, quando da sua viagem ao sul do país, em 1920. Com um detalhe, ele terminou sendo expulso de uma reunião neste igreja, porque lá eles dançavam e Vingren os repreendeu (Vingren, 1973:100-101). 14 a Joanyr de Oliveira, autor do texto da 3 , história, me confirmou em entrevista ( 20.01.2000,em Brasília) que fez esta ressalva histórica sobre Santa Catarina e seu texto foi alterado sem seu conhecimento prévio pela CPAD. 15 Sobre fatos de simultaneidade do fenômeno pentecostal ver Dayton (1991:127) 132 4) LIDERANÇA DIVERSIFICADA, DOUTRINAÇÃO HOMOGÊNEA. Um dado que precisa ficar bem claro num trabalho sobre a AD, é que não se pode fazer qualquer generalização sobre essa igreja. Em função de sua divisão em Ministério, a AD é um universo bem heterogêneo, como já foi dito, cada Ministério tomou a cara de seu “dono”, ou de seu pastor-presidente. Já nas primeiras décadas, o pentecostalismo assembleiano começou a ter diversificação de liderança, mas permaneceu doutrinariamente homogêneo. Por quê? É algo, no mínimo, intrigante que uma instituição nascente sem uma estrutura formal, como já foi falado, tenha conseguido esta uniformidade doutrinária num país continental como o Brasil. A própria “natureza” do Brasil contribuiu com isto: um só idioma em toda a sua extensão facilitou, por exemplo, que um jornal feito em Belém do Pará pudesse ser lido e entendido em todo o território nacional. Mas o que realmente contribuiu para a unidade doutrinária da AD foi a EBD - Escola Bíblica Dominical. Em todos os lugares em que a AD ia se formando também se estabelecia, dominicalmente, uma reunião de estudo bíblico para todos os membros. Ou seja, num dado domingo, em todo o Brasil, todos os membros desta nascente igreja estavam estudando o mesmo assunto, dentro da mesma visão. Nem a divisão da igreja em Ministérios lhe tirou esta unanimidade. A primeira publicação nacional dissidente só aparece com o desligamento do Ministério de Madureira, em 1988. As revistas de EBD surgem, como encarte, no jornal Boa Semente, em 1928; portanto, durante sessenta anos o ensino bíblico da AD era um só. As lideranças distintas vão imprimindo seus estilos idiossincrásicos, mas nenhuma delas questiona ou tenta impor sua “revelação” pessoal sobre alguma doutrina. Isto também acontece pela falta de conhecimento bíblico. Quantas pessoas eram capazes de escrever um texto de comentário bíblico (mesmo devocional e não exegético) longo para um trimestre ou semestre? Nos primeiros 133 anos da igreja, poucas pessoas tinham esta capacidade16. Quem, então, se atreveria a questionar? Rolim (1995b:88) falando sobre as tradições religiosas e sociais das camadas pobres que, segundo ele, serviram de matéria prima para a construção do pentecostalismo se refere à EBD sem lhe dar nenhum valor. “Os convertidos do catolicismo devocional ao pentecostalismo eram pobres a analfabetos. Analfabetos, nenhum grau de escolaridade lhes era exigido como requisito para que pudessem pregar nos templos e praças públicas. A chamada escola dominical nada mais era do que a repetição material e literal dos textos bíblicos. E os textos escolhidos para esse tipo de leitura são sempre alusivos ao poder de Deus, ou seja, a um poder sobrenatural a ser invocado tanto para salvar almas como para curar corpos” Sem entrar no mérito da chamada leitura fundamentalista da literalidade dos textos, ou até mesmo da “escolha dos textos”, queremos chamar a atenção para o fato de que: os pentecostais desde o início tiveram alguma preocupação com o estudo da Bíblia, e esse estudo lhe propiciou uniformidade doutrinária. Não aconteceu nenhuma divisão na história da AD por causa de algum problema de interpretação teológica: todas as divisões foram brigas políticas. 5) SISTEMA ECLESIÁSTICO ASSEMBLEIANO: EPISCOPALISMO VITALÍCIO. Esta talvez seja uma das questões mais difíceis de se definir. Geralmente, o sistema eclesiástico assembleiano é modelo do líder que se encontra no poder. Alguns pastores são mais congregacionais, outros mais presbiterianos e outros mais episcopais17, mas, unanimente, todos são vitalícios. 16 Souza (1969:113,114) engana-se ao dizer que as Lições Bíblicas (a revista da EBD) eram traduções de material dos EUA . Os primeiros comentários foram realizados por Samuel Nystron, depois alguns outros suecos e depois apenas brasileiros escreveram. Nunca a AD traduziu revistas do inglês ou qualquer outra língua. Já as ADs de fala espanhola na América Latina fundadas por missionários americanos tiveram - e têm - suas lições traduzidas do inglês. 17 O modelo congregacional tem como instância máxima a congregação, onde são decidas as questões que envolvem a mesma. O presbiteriano é representativo a partir de uma eleição. O corpo ministerial dirige a igreja, e o episcopal, também chamado monárquico, propugna o poder sendo exercido pela autoridade do bispo. 134 Se considerarmos, para efeito didático, apenas os três modelos mais conhecidos, diríamos que, heterogênea, a AD tem um pouco de cada. Com mais propensão a um modelo, evidentemente. Como já foi frisado antes, é necessário diferenciar entre um pastor/igreja de uma localidade (igreja/congregação) de um pastor-presidente de uma igreja-sede. O sistema difere e muito. Os níveis de complexidade desta relação se alteram consideravelmente, porque o poder político e recursos financeiros são disparatados. Mesmo nas primeiras décadas de AD, esta diferenciação já se fazia presente quando o Mensageiro de Paz, em 1930, publica a relação de Igrejas-sedes (ver tabela 07). Ora, ser pastor de uma igreja sede em 1930 (ainda não havia aqui a figura do pastor-presidente, até porque os Ministérios ainda não haviam se definido) fatalmente dava um status diferente; era o início do bispado. Pastor da sede, implicava que outros pastores de outras igrejas estavam sobre seu raio de ação; inicia-se então o exercício do poder, até então inexistente. Como esse exercício é vitalício e não há neles um rodízio de liderança, o pastor da sede tende a se fortalecer, já que a sua igreja - a sede - é o foco principal. O que era uma igreja-sede na década de trinta? Não temos como saber exatamente, mas com certeza não era o que são as igrejas-sedes hoje. Atualmente, representam a Convenção (poder institucional de tirar ou colocar um pastor numa igreja; centralização financeira e administrativa, cargos e manobras políticas). Naquela época não havia dinheiro para ser movimentado e nenhum pastor para ser mudado. Ao contrário, havia muitas igrejas sem pastor, nenhum salário18, muita perseguição e sacrifício. Ser pastor da igreja sede localizada na capital, significava ter que ir sempre à delegacia ou ao Secretário de Segurança Pública interceder por algum crente preso19. 18 Um dos pastores entrevistados se converteu no final de década de 30 e começou em sua casa um trabalho evangelístico. Com a renda de sua alfaiataria construiu o templo da AD. Já da década de 40, a convite do pastor da capital, foi participar de uma convenção e para sua surpresa foi consagrado pastor. Um ministério como este, nasce e se desenvolve sem nenhuma tensão das entranhas do poder: não há medo de perder seu lugar ou querer assumir o posto de outro. Não havia concorrente para o rivalizar ou outra igreja para ele desejar. 19 O livro de Rego (1942) repete isto a cada capítulo. A “proto-história” (Vingren, 1987) escrita pelos suecos em 1934 idem, episódios que, obviamente, desaparecem na história atual. 135 Uma das maiores surpresas nas entrevistas com os pastores foi verificar que todos eles foram consagrados muito jovens, alguns solteiros - algo impensável hoje. Por razões óbvias, a igreja estava nascendo e todos os líderes eram jovens. Os dois suecos fundadores chegam no Brasil jovens e solteiros, a liderança que os acompanha está na mesma faixa etária e estado civil - situação bem distinta da gerontocracia no poder atualmente. Talvez essa tenha sido a razão de tanto idealismo e nenhuma disputa de poder nos primeiros anos. Não havia o que cobiçar. Não se disputa o inexistente ou o sofrimento. A igreja cresce, começa a se institucionalizar, adquire-se patrimônio, nascem os cargos, surgem os trâmites burocráticos e, fatalmente, a problemática da disputa de poder. Poderia ser diferente? Nas Atas da Convenção de 1948, em Natal, 3 a. sessão convencional, é levantado o seguinte assunto: “Quais são os meios de preparação para os obreiros serem bem sucedidos no trabalho do Senhor?”. Segundo a própria ata o assunto foi “ventilado por alguns obreiros” inclusive citando textos bíblicos, quando um dos presentes pede que os “obreiros mais velhos se expressem a respeito”. Nasce a autoridade da tradição. A igreja que sempre foi feita “sem modelo”, ou no discurso da própria igreja, “apenas na direção do Espírito”, agora tem um modelo: os mais velhos. Os pioneiros estabeleceram o estilo e, este é o que deve ser seguido, até porque foi esse o “modelo aprovado”. Aliás, é este o raciocínio que, sistematicamente, é feito para se combater a idéia de seminários teológicos ou qualquer outro “modernismo”. Os pioneiros construíram esta igreja sem escolas teológicas, portanto, elas não são necessárias (mas construíram também sem cargos, poder, dinheiro, mas agora são necessários). Uma última consideração sobre o sistema de governo e seus conseqüentes efeitos, é a questão de que esta igreja nasce sem templo. Os primeiros cultos/reuniões são realizados em residências, alpendres, debaixo das árvores e esquinas. Nestes lugares não há púlpito; platéia e direção estão no mesmo nível. Os cultos são realizados no alpendre, usando a mesa da cozinha para sobre ela se colocar a Bíblia. É tudo muito doméstico, simples e acessível. Já na medida em que essa igreja começa a construir seus templos, aparecem os lugares 136 diferenciados; a estratificação do trabalho religioso surge “naturalmente”. A Dona Maria, simples negra da periferia, não vê mais sua mesa e sua toalha sendo usados domesticamente como local de culto; agora o local do culto é “sagrado”. E alguns lugares do “sagrado” são mais “sagrados” que outros. Ela, por exemplo, está sentada nos bancos “sagrados”, mas as cadeiras do púlpito são mais “sagradas”, até porque estão num nível físico superior. O púlpito é local dos homens, ou melhor de alguns homens. Somente os obreiros sentam lá. Quase todos os trabalhos sobre o pentecostalismo frisam esta singularidade de se dar oportunidade de falar a todos na AD. A democracia da palavra. Indistintamente do grau de escolaridade, profissão exercida, raça ou cor, qualquer um pode dar o testemunho, cantar um hino, contar uma bênção, realizar um trabalho evangelístico - mas no púlpito, na liderança do culto e no exercício do poder na igreja, apenas o pastor. E, apenas, homem pode ser pastor. Mesmo que, em tese, na AD, todos os homens podem ser pastores. Noutras denominações protestantes, para alguém ser consagrado ao ministério pastoral, há o preceito inicial da formação teológica, algo nunca exigido na AD. Nos seus primeiros anos, pela carência de obreiros, todos os membros eram – poderiam e deveriam ser - obreiros. A divisão social do trabalho religioso inexistia e as relações institucionais eram de uma absoluta simplicidade. Na medida em que a igreja cresce, obviamente, se complexifica. Quem pode ser pastor na AD no decorrer dos anos? Homens que tenham uma longa temporada de serviços prestados subindo gradualmente na escala hierárquica 20. 6) NADA MAIS BRASILEIRO QUE UM ASSEMBLEIANO: OMISSO E FELIZ. “ O conceito fundamental está claro: repousa sobre a dicotomia do espiritual e do material, da Igreja e do mundo, do espírito e da carne. O Evangelho tem relação apenas com os dois primeiros deste termos e através deste filtro se faz a leitura da Bíblia” (D‟Epinay, 1970:179) 20 Ver Glossário onde se explica a presumível escala hierárquica assembleiana. 137 “O pentecostal pode ser considerado uma pessoa de duas cidadanias. Uma, terrena e provisória. Quanto mais destituído de sobrevivência, mais provisória é a vida, definida pelos direitos e deveres cívicos. A outra, celeste e eterna, enquanto cidadão da “Nova Jerusalém”. Ele define a sua participação como cidadão, sujeito a leis que devem ser obedecidas, ao mesmo temo em que proteja o religioso - “deixai o mundo” - ao trazê-lo de volta para a esfera do privado. A política pertence à esfera do que é “mundano”, e a religião ao espaço do “não-mundano” (Bobsin, 1984: 159160) Não existe uma pesquisa sobre a participação política dos pentecostais na época, portanto estamos citando a D‟Epinay, em sua pesquisa no Chile em 1965, como mera ilustração. A pergunta: “Na sua opinião, a Igreja Evangélica deve preocupar-se pelos problemas políticos e sociais do país e falar sobre eles?”, no universo de 100 pessoas entrevistadas 36 afirmaram que sim e 64, não. Se a mesma pergunta fosse feita aos pentecostais brasileiros no início do século, talvez o número de “nãos” fosse maior. Mas antes de usar o “estereótipo sociológico”, especulemos que se a mesma pergunta fosse feita entre protestantes tradicionais ou mesmo católicos, na década de 10 ou 30, será que a resposta seria muito diferente? São apenas hipóteses. Os pentecostais analisados como extrato isolado, sobressaem como um gueto alienado (Rolim, 1989; Prandi, 1996). Mas a pergunta poderia ser feita douta forma, o universo brasileiro na sua totalidade, é muito diferente? Às vezes, a crítica da alienação pentecostal faz parecer que todos os demais extratos sociais do país estão engajados em lutas sociais; todas as demais religiões são produtoras de consciência social; todos os demais agrupamentos realizam significativas mudanças sociais, e somente os pentecostais “estão vendo a banda passar”. Ressalvas precisam ser feitas à condução dos suecos por, no mínimo, duas razões fundamentais. 1) Imigrantes pobres, sem influência e dinheiro, no auge das 138 complicações da guerra21, o melhor que fazem é ser discretos. 2) Aqui, para os suecos, é o “paraíso‟ da liberdade religiosa, em comparação ao seu país de origem, onde, como batistas, são perseguidos pela igreja estatal. “Ao chegar, ficamos sabendo que houvera uma revolução, e nós agradecemos a Deus, que desta maneira nos guardara de estar no meio da luta” (Vingren, 1973:30) “Depois da revolução de outubro de 30 , temos tido um bom governador. Ele é católico, mas muito amigo da igreja evangélica(...) Ele tem ajudado da melhor maneira possível a todos os crentes. Nunca houve tanta liberdade para pregar o Evangelho como durante seu tempo. Graças a Deus” (Vingren, 1987:47) Quem é, portanto, um assembleiano? É um brasileiro comum. Omisso e feliz. Não tem grandes preocupações com o destino da nação; também não se posiciona politicamente, apenas reclama de algumas coisas, mas acha que isto não é problema dele. De qualquer forma, tudo se arrumará no final, até porque Deus é brasileiro ( DaMatta, 1986), e aqui nesta terra abençoada por Deus, ou no céu (onde de fato está a redenção) a felicidade o espera. 7) UMA IGREJA ALEGRE ALÉM DA “NORMALIDADE” “Tive que me deitar um pouco e rir, porque o Espírito Santo veio sobre mim de forma tão poderosa que não conseguia falar(...) O poder de Deus veio sobre ele tão poderosamente, que teve de sentar-se um pouco para rir, e depois continuar a pregação (....)eu estava tão cheio de gozo, que tive de saltar e pular de alegria(...) eu tive de deitar-me um pouco no sofá, pois o poder de Deus estava muito forte sobre mim(...)Os cultos eram como campos de batalhas. Vários foram lançados no chão pelo poder de Deus” (Vingren, 1987:66, 77,80 e 81) 21 Há mais de um episódio no período das Guerras: uma vez identificados como estrangeiros são levados à Delegacia para averiguação de documentos. É grave quando são confundidos com alemães, mas como se trata de suecos ou americanos são vistos como “amigos”. 139 Este fenômeno intrigante das “manifestações” (ou crises?) de riso que Vingren comenta reiteradas vezes, aparecem apenas em sua biografia, e, com o tempo, desapareceram da liturgia assembleiana. Por quê? Dos pastores entrevistados nenhum comentou nada sobre isso, portanto, presumimos que este fenômeno desapareceu ainda nas primeiras décadas. Isto não mais acontece? Sim e não. Sim, porque as manifestações do Espírito Santo, além da glossolalia (línguas estranhas) também provocam risos, mas de forma esporádica e individual. Mas na descrição dada por Vingren, isto acontece com ele e também com toda a igreja. Nenhum outro livro da época (a já citada biografia do Berg, a do Kolenda, os jornais, etc.) registra algo parecido. Uma congregação inteira dando risada a ponto de ser necessário o pregador parar sua mensagem e deitar num sofá até passar a “ação do Espírito” é um fato, no mínimo, inusitado22. Este fato talvez explique, dentre outros, o “escândalo” que o pentecostalismo provoca nas igrejas protestantes. Como se a glossolalia, exorcismo, já não fossem suficientes. Se isto tivesse sido registrado por um jornal batista ou secular, ou num livro católico, certamente se veria o registro como deboche, acusação, blasfêmia, mas o mesmo se dar no diário do fundador, revisado por seu filho e impresso pela editora oficial da Igreja. Por que esta “tradição assembleiana” se perdeu? Era um fato isolado? Talvez, mas um fenômeno que acontece com o “líder principal” é inevitavelmente passível de imitação. Essa catarse coletiva (sem entrar no mérito teológico ou historiográfico) poderia servir como alento a este estrato social tão sofrido? Foi mais um dos “atrativos” do pentecostalismo para a população pobre? 22 No meio neo-pentecostal hoje acontece um fenômeno chamado “benção de Toronto” – as pessoas são tomadas por um “espírito de alegria” e ficam, durante algum tempo, dando risadas. Seria a “benção de Vingren” revivida? CONCLUSÃO “Vede, pois, quem sois, irmãos, vós que recebestes o chamado de Deus; não há entre vós muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de família prestigiosa. Mas o que é loucura no mundo, Deus o escolheu para confundir o que é forte; e, o que no mundo é vil e desprezado, o que não é, Deus escolheu para reduzir a nada o que é, a fim de que nenhuma criatura possa se vangloriar diante de Deus” (I Co. 26-28, Bíblia de Jerusalém, Paulinas) Este texto bíblico é usado por Shaull (1999:159) na sua análise do pentecostalismo no capítulo “Reconstrução da vida no poder do Espírito”. Os fundadores da AD jamais imaginariam que, noventa anos depois de eles usarem esse texto bíblico para se defenderem e justificarem sua falta de cultura e riqueza, um dos principais teólogos da libertação faria o mesmo. As leituras são distintas, mas têm o mesmo objetivo: a identificação da ação do Espírito em solidariedade com os pobres. O risco de estereotipação e a carga ideológica desta leitura são patentes. Mas o que mais chama a atenção é que, há noventa anos, um grupo de pobres, semi-analfabetos, com posturas eclesiásticas fora da normalidade da época (línguas, risos, curas, etc.) se insurge contra as estruturas seculares das instituições e se inicia como um novo modelo, segundo eles mesmos melhor e com a verdade completa. No início, ridicularizados, perseguidos. Mas esse grupo resolveu ler toda a perseguição e ridicularização de uma outra forma; transformando o “mal”, em “bem”- e partir daí cresceu. A AD foi iniciada e construída a partir dos pobres, analfabetos e gente da periferia, de fora isto era visto pejorativamente. Mas os assembleianos “assumiram” estas categorias como “bênção” – era a marca legalizadora da verdadeira identificação com os Atos dos Apóstolos. O novo convertido, que poderia ser um seringueiro do Norte, um agricultor do Nordeste ou um operário do Sul, na AD não era apenas mais um a assistir aos cultos, ele era participante da celebração. Afinal, era uma celebração que ele entendia. Diferente de alguém do mesmo estrato social assistindo um ofício religioso na Igreja Católica, em latim, na Luterana, em alemão, na Anglicana, em inglês, ou mesmo na Congregação Cristã, 141 em italiano. Ele participava dos cultos, não assistindo, mas cantando, pregando, glorificando, construindo a igreja. Ele era a igreja. Vingren pregando na Suécia, em 1922, explica o sucesso da missão no Brasil da seguinte forma: “experiências, uma fé simples e verdadeira obediência aos mandamentos do Senhor” (Vingren, 1973:110). Excluindo a teologia da “verdadeira obediência”, sociologicamente percebe-se a simplicidade e a experiência como componentes fundamentais da construção desta igreja. A AD no Brasil foi um “acidente”. Os suecos não vieram fundar uma igreja, nem depois de a fundarem queriam que ela fosse a Assembléia que se tornou. Os brasileiros que aderiram não sabiam o que viria a ser a Assembléia, mas queriam construir algo. Foi nessa mistura de intenções e tensões que ela nasceu. Conseguiu desagradar a muitos fazendo a alegria de muitos outros. A AD nasceu e se tornou a maior igreja do Brasil e no mundo – apesar dos suecos, apesar dos brasileiros. Ou, exatamente, por causa deles. ANEXOS ANEXO 01: SIGLAS USADAS AEVB Associação Evangélica Brasileira CEB Confederação Evangélica Brasileira CCB Congregação Cristã no Brasil CGADB Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil CONAMA Convenção Nacional Madureira das Assembléias de Deus AD Assembléia de Deus IEQ Igreja do Evangelho Quadrangular IPBC Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo IBDA Igreja Pentecostal Deus é Amor IURD Igreja Universal do Reino de Deus MP Mensageiro da Paz VV Voz da Verdade SA Som Alegre BS Boa Semente PNN Pesquisa Novo Nascimento CPAD Casa Publicadora das Assembléias de Deus MFA Missão da Fé Apostólica EBD Escola Bíblica Dominical HC Harpa Cristã ISER Instituto de Estudos da Religião 143 ANEXO 02: GLOSSÁRIO OBSERVAÇÕES: Este glossário é uma tentativa genérica de “explicar” a AD, mas dada a sua heterogeneidade, algumas definições aqui não valem para toda a igreja no Brasil. De um Ministério para outro muita coisa muda. Auxiliar Batismo águas nas Carta de Recomendação e Mudança Círculo de Oração Comunhão Congregação Congresso Mocidade de Consagração 1 Consagração 2 Consagração 3 Convenção Cooperador Culto ao ar livre - é a base da pirâmide hierárquica, e, em algumas igrejas, realiza o mesmo trabalho que um diácono, mas invariavelmente, se limita a função de porteiro. - batismo por imersão realizado em rios, mar ou no tanque batismal. AD não aceita os batismos por aspersão e infantil como realizados pela Igreja Católica e outras igrejas protestantes (Presbiteriana, Luterana). Invariavelmente os novos convertidos são batizados a partir dos 12 anos (Não há uma regra geral). - documento de apresentação que o membro da AD leva em viagens temporárias (Recomendação) ou definitivas (Mudança) para apresentar nas igrejas e para os demais irmãos que encontrar. Ela dá a possibilidade de hospedagem e ajuda fraterna em qualquer lugar que se chegue. - grupo feminino que se reúne semanalmente para orar em horário de diurno. Reuniões de Oração à noite é Culto de Oração. - é o mesmo que Santa Ceia. “Dia da Comunhão” é o dia da celebração eucarística; “suspenso da comunhão” é estar em “disciplina”. - é uma igreja-filha; não-autônoma ligada financeira e administrativa a outra. Localizada num bairro, está submissa à Igreja-Sede da cidade. - reunião anual onde, em tese, se prega/canta temas para os jovens. Ë mero encontro, já que os mesmos não têm nenhum poder decisório como o nome congresso pressupõe. Idem para Congresso de Senhoras. - solenidade em que, após uma leitura bíblica e uma oração com imposição de mãos, se ortoga os títulos ministeriais de diácono, presbítero, pastor. Os auxiliares/cooperadores são apenas indicados, nomeados, mas a partir de diácono há uma “consagração”. Os pastores dizem: “Comecei como auxiliar, depois foi consagrado a diácono, depois consagrado a presbítero e depois consagrado a Pastor”. - diz-se da reunião em que os participantes estão em jejum e, nela, finalizam o mesmo como “entrega do jejum”. Há reuniões de “Consagração da Mocidade, de Senhoras, de Obreiros” e até de Crianças. - solenidade de inauguração de um novo templo, instrumento musical, aparelho de som etc., onde se diz que aquele recinto/instrumento será “consagrado para o louvor de Deus”. - reunião anual (de cada ministério) ou bienal (nacional) onde a liderança da AD se reúne. No início todas as esposas de obreiros participavam, hoje as esposas têm um encontro separado - Encontro de Esposas de Pastores. Em algumas Convenções, apenas pastores, evangelistas, presbíteros e diáconos participam. Na Convenção Geral todos os anteriores designados podem assistir, mas apenas pastores podem falar, compor comissões, votar e serem votados para os cargos da Mesa. Cada Ministério tem critérios diferentes para sua Convenção. - é uma expressão genérica usada para todos os envolvidos na vida da igreja - pastor, professor da EBD, visitadora, porteiro, etc. Também usada para obreiros que não tiveram uma “consagração” como diáconos, presbíteros, etc. - culto realizado em praças, feiras, esquinas, enfim, em qualquer local onde 144 Culto de Mocidade Culto de oração Diácono Disciplina EBD Escola Bíblica Evangelismo Evangelista Exclusão Harpa Cristã Igrejas-mãe Madureira versus S. Cristóvão (Rio) e Brás versus Belém (SP) Ministérios Mundanismo Novo convertido Obreiro Oferta Pastor-presidente Porteiro haja a probabilidade de público “ouvinte/incrédulo” com a clara finalidade proselitísta. - é uma reunião mensalmente onde a prioridade de cantar e pregar é dada aos jovens. Similar ao culto de senhoras, de crianças. - reunião em que, apesar de ter cânticos e pregação, o maior tempo é dedicado a oração. - homem que realiza as tarefas de tirar oferta, distribuir Santa Ceia e, em diversos lugares, até mesmo a função pastoral de dirigir uma igreja. Poucas AD têm diaconisas, depende do Ministério. - é uma punição temporária dada a um membro que cometeu algum erro doutrinário (cortar o cabelo, ir a uma festa, dançar, etc.), implica em não poder cantar no conjunto, participar de reuniões de oração (Cultos Públicos pode) e ficar “suspenso da comunhão”; em algumas igrejas a “disciplina” é por um período determinado (dois ou três meses) e, após isso, o fiel deve vir publicamente (invariavelmente no Dia da Santa Ceia) pedir perdão a Igreja. Ver exclusão. Escola Bíblica Dominical - reunião dominical em que faixas etárias são reunidas separadamente para um estudo bíblico com material didático preparado pela CPAD. - herdada da tradição sueca, é um período (inicialmente duas ou três semanas, atualmente dois ou quatro dias) de estudos bíblicos para os obreiros - toda a ação da igreja tem objetivos proselitistas, portanto, todas as atividades da igreja são “evangelísticas‟, ou seja, visam converter as pessoas. - é mais um título temporário que um cargo, mesmo que em algumas igrejas seja um estágio para o pastorado. Também serve de designação para um pregador de Campanha Evangelísticas, apesar de mesmo ter o cargo de pastor ou missionário. - é a punição máxima e definitiva dada um membro que cometa um erro doutrinário grave (a gravidade varia de uma região/tempo para outra, mas sempre esteve relacionada a moral: adultério, roubo, etc.); ser excluído é equivalente a ser excomungado. a - hinário pentecostal assembleiano. Atualmente em sua 44 . edição - Igreja sede de um Ministério. Expressão usada por Read. Para além de bairros do Rio e SP, estes nomes representam no universo assembleiano a infindável disputa de ministérios em que um se apresenta como “original” na reivindicação de ser a “verdadeira Assembléia de Deus” que, de alguma forma, é reproduzida em todos os outros ministérios subseqüentes. - é um conglomerado de igrejas reunidas em uma Convenção que leva o nome do bairro ou cidade na qual a igreja-sede está fixada, ex.: Ministério do Belém, Ministério do Ipiranga (bairro de SP), Ministério de Anápolis (cidade) - devido à acentuada visão dualista do mundo, há uma percepção das “coisas espirituais” (orar, cantar, evangelizar, etc.) e das “coisas materiais” (trabalhar, comer, viajar, etc.), como subproduto das “materiais” há toda uma parcela de “mundanismo” – como lazer e esportes, ou seja, “tudo o que não é feito para glória de Deus”. - pessoa recente na igreja, quase sempre ainda não batizada nas águas. - o mesmo que cooperador. - momento do culto em que os membros fazem suas doações financeiras que podem ser ofertas (doação esporádica) e dízimos (10% dos salários). - pastor chefe de um ministério, ou seja, presidente da Convenção do Ministério de.... Read chama de pastor-geral (221) - cargo exercido por homens que ficam nas portas das Igrejas nos horários 145 Presbítero Professor da EBD Reunião Ministério de Santa Ceia Sub-Congregação Tanque batismal Trabalho Tribuna Vaso Visitadora de cultos para recepção dos visitantes. Também exercem a função de “triagem” da freqüência. Em algumas igrejas só participavam da Santa Ceia os membros em comunhão. Disciplinados são proibidos entrar. - cargo exercido por homens que, em tese, auxiliam os pastores na condução das Igrejas, ou até mesmo exerce a função pastoral. Não há consenso na AD sobre este cargo. Alguns Ministérios não consagram presbítero por entenderem que, biblicamente, o termo é o mesmo para pastor. - medida as proporções é o “intelectual orgânico” da AD. Este é o único cargo em que ambos os sexos participam ativamente; homens e mulheres habilitados ou não - têm a oportunidade de “ensinar”. - diz-se do momento em que os obreiros se reúnem para oração, consagração ou alguma deliberação institucional. Há igrejas em que a RM é restrita a pastores, ou a pastores e presbíteros, excluindo os diáconos e auxiliares. - é a celebração da eucaristia, e, na tradição assembleiana, realizada mensalmente. Ver Comunhão. - é uma igreja fundada e ainda sustentada por uma congregação; aqui reproduz a mesma relação da Congregação com a Igreja-Sede. - pequeno reservatório de água construído, invariavelmente atrás do púlpito ou sob o mesmo para a realização de batismo nas águas por imersão. - em tese todas as atividades evangelísticas da igreja são “trabalho”; “abrir um trabalho” - é iniciar um ponto de pregação que, invariavelmente, se localiza numa residência familiar. - púlpito existente no templo onde ficam sentados os obreiros. - indica uma pessoa (homem/mulher) que tem muitos “dons espirituais”, como por exemplo, profecia, revelação, etc. Por exemplo: “Fulano de tal é um vaso muito usado por Deus”. - invariavelmente a mesma mulher que faz parte do Círculo de Oração realiza o trabalho e visitação aos enfermos, novos convertidos, presídios, hospitais, etc. 146 ANEXO 03: PRESENÇA MISSIONÁRIA ESTRANGEIRA NO BRASIL OBSERVAÇÕES: Este quadro é uma tentativa de identificar a presença estrangeira na AD, no entanto, ele está longe da precisão. Diversos nomes aparecem nos relatos (biografias, história e jornais) já no exercício ministerial sem a data de sua chegada ou saída, sem informações sobre sua nacionalidade, estado civil, sexo e tipo de trabalho que fazia. Portanto, só foram colocadas as informações que são dadas nos livros. As lacunas estão sendo preenchidas pelas entrevistas, mas quando obtive informações contraditórias preferi omiti-las por enquanto. Outro problema é grafia dos mesmos que nem sempre são uniformes. Podem ser a mesma pessoa ou uma outra se a grafia estiver correta. ANO NOME NACIONA LIDADE 1921 1957 1920 1950 Albert Widner Aldor Pettterson (esposa e 3 filhos) Algot Sevensn Ana Carlson Anders Johson Anders Jonhonsson André Hargreve EUA Augusto Anderson Beda Palha Bernhard Johnson Jr EUA Bruno Skolimowski Polônia Carlos Hultgren 1911 Cecilia e Anderson Johansson Clímaco Bueno Aza Colômbia Daniel Berg, Suécia 1940 1928 1934 ? 1946 1921(?) 1934 ? 1940 1933 1923 1917 1921 1911 1923 1924 Elizabeth Jonhansson, Augusto Anderson Erna Miller Ester Anderson Ester Orlando Eurico Aldor Peters Eurico Bergson (19 – 1999) Frida Standberg Gay de Vris Guilherme Treffut Gunnar Vingren Gustavo Nordlund Herbertoo Nordlund Horace S. Ward TEMPO NO BRASIL LOCAL DE SERVIÇO 1934 - já estava no Brasil veio trabalhar na gráfica da CPAD Maranhão, Ceará, Paraná em 1955 mantinha um programa de rádio em Belém Suécia Belém, São Paulo Belém; em 1921 vai para o E. Santo, em 1930 vai para Portugal, em 1963 falece na Suécia orfanato em Recife EUA 1934 já estava em Salvador Finlândia Suécia EUA Belém, Rio, 1932 retorna para Suécia Suécia Belém; em 1924 vai para Rio, em 1932 retorna para a Suécia Porto Alegre 147 1923 1918 1948 Ingrid e Ester Anderson Suécia 1 Joel Carlson Suécia John Aenis John Peter Kolenda Alema nha John Sorheim Lars Eric 1938 Lawrence Olson 1938 1921 1923 1946 Nels Lawrence Olson Nels Nelson Nills Kasterberg Nils Taranger Nina Englund Orlando Boyer 1927 1914 1922/24 1921 1916 1924 1923 1934(?) 1921 1934 ? 1 Otto e Adina Nelson Paul J. Aemis Samuel Hedlund Samuel Niströen e esposa Simão Lundgren/Linea Simão Sjögren Victor Jansson Virgilio Smith (?) Vitor Johnson Walter Goodband Oliveira, (1997: 37) registra 1925 EUA Suécia Suécia Ceará Pernambuco 1928 em SP 1926 fundou uma Escola Primária em Belém Lavras-MG; em 1940 vai p/ Rio, 1955 programa de Rádio, 1962 inicia o IBP no Rio Rio Belém Porto Alegre EUA Suécia EUA Originalmente, enviado pela Igreja de Cristo – EUA Belém-PA, em 1918 vai para Alagoas Mato Grosso Suécia Belém, Manaus Suécia Santos - SP – 1928 Paraíba EUA 148 ANEXO 04: CONVOCAÇÃO DA CONVENÇÃO DE 30 EM NATAL 2 CONVENÇÃO GERAL EM NATAL A TODAS ASSEMBLÉAS NO BRASIL (conservada a grafia original) 3 Nós, reunidos na cidade de Natal, nos dias 17 e 18 de dezembro próximo fiado, tivemos pela graça de Deus a inspiração da necessidade urgente de uma Convenção Geral, em que se congregue a mór parte dos trabalhadores brasileiros e missionários para resolverem certas questões que se prendem ao progresso e harmonia da causa do Senhor. Todos nós sabemos a crise por que , como uma dura prova, passou a Assembléa de Deus neste paiz e não podemos nos conformar com esse estado de coisas, sem o necessário entendimento daquelles que teem responsabilidade deante de Deus. Sabemos que crises podem ocorrer; mas temos na Palavra do Senhor o exemplo a seguir. Todos conhecem a dificuldade por que passou a egreja em Jerusalém com a inovação dos judaisantes; porém vemos, aliás, que se congregaram os apostolos e anciãos para considerar a questão (Act. 15:6). Não tomaram attitudes pessoaes, porém se congregaram e com elles estava o Espirito Sancto que os dirigia. Assim queremos fazer, amados irmãos, e pedimos em nome do Senhor a vossa aprovação. Temos em vista convidar todos os obreiros por meio deste manifesto e solicitamos que nos respondaes com urgencia, pois a nossa Convenção se realizará em julho vindouro, na cidade de Natal. Deve começar no dia 12 do referido mez e se não precisamos o termino da mesma Convenção, é porque achámos justo deixar no arbítrio das necessidades e circunstancias de occasião. Temos a certeza de que foi o Senhor que dos dictou a necessidade de uma Convenção Geral, pois só assim será possivel remover certos obstaculos que podem embaraçar a causa de Nosso Senhor Jesus Cristo. Certos de que não haveis de desprezar o que sentimos da parte do Senhor, contamos com a vossa presença na referida Convenção, cujo fim será a exaltação do nome do Senhor e a fraternidade daquelles que desejam extender o reino de Deus neste mundo. Francisco Gonzaga, Cícero Lima, Antonio Lopes, Ursulino Costa, José Amador, Napoleão de Oliveira Lima, José Barbosa, Francisco César, Nathanael G. de Figueiredo, Pedro Costa. - Os que vierem tenham a bondade de comunicar com urgencia, afim de que se torne facil a hospedagem. Endereço – Francisco Gonzaga. Rua Amaro Barreto, 40. 2 3 Este texto foi publicado meses no Jornal Boa Semente durante o ano de 1929. Esta reunião aconteceu em 1928. 149 ANEXO 05: Comparação entre as versões históricas assembleianas ACONTECIMENTO Dinheiro para CPAD AD em Portugal VERSÃO OFICIAL oferta EUA missionário enviado pela AD no Brasil em 1914 A convenção de 30 suecos decidiram entregar o trabalho As manifestações de riso durante os cultos silêncio absoluto disputa entre suecos e americanos - silêncio total Relação brasileiros e suecos posição do Daniel Berg - convivência pacífica e harmoniosa condição de herói honrado - companheira fiel de Gunnar Vingren - posição Vingren de Frida Questão dos ministérios Dissidência calvinista em Natal em 1930 - dissimulação - silêncio absoluto saída de Manoel Higino - silêncio absoluto OUTRAS VERSÕES empréstimo J.P. Kolenda 0 missionário enviado pela AD em 1914 adere a Igreja Batista. Só em 1934 o missionário sueco funda de fato a AD em Portugal - está havendo muitos problemas com a liderança entre suecos e brasileiros, daí a necessidade de Vingren ir a Suécia buscar o Pr. Pethrus para resolver a questão - Diário de Vingren - diverso registros em que durante os cultos e ele, durante a mensagem, caia no chão ou se deitava para rir e depois retornava a mensagem ou ao culto - Atas fala de uma carta enviada para Mission Missisipi sobre Frank Salter em 1943(?) - tensão e disputa de poder - viveu no ostracismo e morreu na penúria - insinuações de era autoritária e metida; dirigia a igreja na ausência do marido (e segundo alguns na presença). Morreu num hospício - brigas e disputa de poder - grupo assembleiano calvinista saiu da AD em 1930 e funda a Assembléia de Cristo em 1932 - pastor da AD em Natal, calvinista, secretário da Convenção e um dos líderes da convocação da mesma. Na tradição oral, adulterou e foi excluído da AD. Teve inclusive seus 35 hinos excluídos das Harpa Cristã 150 ANEXO 06: COMPARAÇÃO DA CCB E AD Ministério feminino/pastoral Origem Igreja onde foram batizados com ES Estado brasileiro onde iniciou Expansão inicial Literatura Política Divisão CONGREGAÇÃO CRISTÃ não aceito ASSEMBLÉIA DE DEUS Não aceito Italianos Igreja Batista de Chicago - Pr. H. Durham São Paulo Suecos Idem na colônia italiana de SP somente a Bíblia nunca participou nunca se dividiu Pará Missões nenhuma ênfase Ministério corpo sacerdotal: anciãos, cooperadores e diáconos Louvores e Súplicas a Deus No Nordeste Bíblia, jornais, revistas, etc. inicialmente contra, hoje a favor divididas em inúmeros ministérios e hoje há uma proliferação de ADs autônomas 1913 envia seu primeiro missionário, depois por causa da divisão cada Ministério desenvolve seu projeto pastores, missionários, presbíteros, diáconos, auxiliares Harpa Cristã Calvinista jamais realiza Arminianista realiza insistentemente Hinário teologia: salvação apelo no final do culto saudação entre os membros batismo Editora Direção nacional sede nacional Meios de comunicação Escolas teológicas ósculo santo entre mesmo sexo a qualquer momento pessoas do nenhuma literatura religiosa é aceita, apenas a Bíblia Ancião Igreja no Brás em SP nenhum uso Nenhuma “A paz do Senhor”, refrão repetido uns para os outros indistintamente depois de algum tempo de conversão CPAD - jornais, revistas, etc. Mesa Diretora da CGADB, em tese não há; cada Ministério tem sua sede. Rádio em 1961 (?) , TV em 1998 no início proibidas, hoje incentivadas. A primeira é de 1958. 151 ANEXO 07: COMPARAÇÃO DA AD BRASIL E AD NOS EUA sistema de governo Ministério feminino/pastoral meios de comunicação Ensino Teológico Política usos e costumes classe social origem atual composição de Doutrina Missões Contato com organizações paraeclesiásticas Editora Estimativa de membros/pastores e templos % no país Tiragem das publicações: AD NO BRASIL episcopal/presbiteriano não aceito AD NOS EUA Congregacional/presbiteriano Aceito desde o início Rádio, 1960 (?) ; TV – 1998 inicialmente proibido, depois desestimulado. IBAD 1958. Atualmente muito incentivado: Conselho de Ed. E Cultura da CGADB inicialmente contra, hoje participa ativamente contra, hoje pluralista imigrantes suecos e nortistas e nordestinos ainda muito da classe mais baixa, mas em alguns lugares se elitizando Desde o exigido o enviou seu 1 . missionário em 1913, depois com a divisão em Ministério não tem um programa de missões nacional antes muito arredia, hoje mas aberta e pluralista Depto. De Missões Estrangeiras coordena toda a atividade missionária nacional/internacional CPAD, oficializada em 1949 Mensageiro da Paz: 100.000 exemplares Pentecostes Obreiro Revistas de EBD - 2 milhões início incentivado e Liberal Brancos e classe média 152 BIBLIOGRAFIA SOBRE A ASSEMBLÉIA DE DEUS 1. Biografias: - COSTA, Jeferson Magno, Paulo Macalão - a chamada que Deus confirmou, Rio de janeiro, CPAD, 1983 - BERG, David, Daniel Berg - enviado por Deus, versão ampliada, Rio de Janeiro, CPAD, 1995 - BRENDA, Albert W., Ouvi um recado do céu, Rio de Janeiro, CPAD, 1984 - COSTA, Jefferson Magno, Eles andaram com Deus, Rio de Janeiro, CPAD, 1985 - GALVÃO, A.Torres, A memória do saudoso missionário Joel Carlson, Recife, Edição do Orfanato da „Assembléia de Deus”, 1943 - SMITH, Virgil Frank, História do trajeto de vida e trabalho missionário de Virgil Frank Smith, - xerox de transcrições gravadas pelo autor até do dia 03.04.99, não publicada. - VINGREN, Ivar (org.) Despertamento Apostólico no Brasil, Rio de Janeiro, CPAD,1987 - VINGREN, Ivar, Gunnar Vingren, o diário do pioneiro, Rio de Janeiro, CPAD,1973 2. Histórias Oficias (nacionais): - ALMEIDA, Abraão (org.), História das Assembléias de Deus no Brasil, Rio de Janeiro, CPAD,1982 - CONDE, Emílio, História das Assembléias de Deus no Brasil, Rio de Janeiro, CPAD,1960 - OLIVEIRA, Joanyr, As Assembléias de Deus no Brasil - sumário histórico ilustrado, Rio de Janeiro, CPAD,1998 3. Histórias Regionais: - __ História da Assembléia de Deus em Belém, 2a. edição revista e ampliada, (sem autor e editora), 1986 - OMENA, Eraldo, Síntese Histórica da Assembléia de Deus em Pernambuco, Recife, edição do autor, 1993 - PEPELIASCOV, Antônio, História da Assembléia de Deus Santo André 1934-1997/63 anos, Santo André, SP, edição do autor, 1997 - REGO, José Teixeira, Breve História da “Assembléia de Deus” no Ceará, Fortaleza, Indústrias Gráficas Urania, 1942, - SANTOS, Ismael dos, Raízes de Nossa Fé - a história das Igrejas Evangélicas Assembléias de Deus em Santa Catarina e Sudoeste do Paraná, Blumenau, Letra Viva Editora, 1996 4. Histórias Internacionais: - ?Que’ son Las Asembleas de Dios? (folheto publicado pelas Asambleas de Dios de Chile, sem data). 153 - BARATA, Antônio (org.) , Línguas de Fogo - História da Assembléia de Deus em Lisboa, Lisboa-Portugal, CAPU- Casa Publicadora da Convenção das Assembléias de Deus em Portugal, 1999 - DEIROS, Pablo A e Carlos Miraida, Latinoamerica en Llamas - historia y creencias del movimiento religioso más impresionante de todos los tiempos, Nashville, Editoril Caribe, 1994 - HIDALDO, Rubén Zavala, Historia de las Asamblaes de Dios del Perú, Lima, Edicionoes Dios es Amor, 1989 - MUNOZ, René Arrancibia, Historia de las Asambleas de Dios de Chile, Santiago, CET- Centro Estudios Teologicos da Asambleas de Dios, xerox, sem data, não publicado - WALKER, Luisa Jeter, Siembra y Cosecha - reseña histórica de la Asambleas de Dios de México y Centroamérica, Deerfield, Florida, Editoral Vida, 1990 5. 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