- No mestrado em Ciências Sociais da UFMA

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- No mestrado em Ciências Sociais da UFMA
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
RENATA DESTERRO E SILVA DA CUNHA VIEIRA
UNIÕES HOMOAFETIVAS:
um estudo sobre reconhecimento de direitos e legitimidade na constituição de
famílias
São Luís
2012
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RENATA DESTERRO E SILVA DA CUNHA VIEIRA
UNIÕES HOMOAFETIVAS:
um estudo sobre reconhecimento de direitos e legitimidade na constituição de
famílias
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do maranhão, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Ciências Sociais.
Orientadora: Profª Drª Sandra Maria Nascimento
Sousa
São Luís
2012
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RENATA DESTERRO E SILVA DA CUNHA VIEIRA
UNIÕES HOMOAFETIVAS:
um estudo sobre reconhecimento de direitos e legitimidade na constituição de
famílias
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Ciências Sociais da Universidade
Federal do maranhão, como requisito para obtenção
do título de Mestre em Ciências Sociais.
Defesa em:
/
/
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________
Prfª Drª Sandra Maria Nascimento Sousa (Orientadora)
Universidade Federal do Maranhão
______________________________________________
Prof. Dr. Horácio Antunes Sant’Ana Júnior (Examinador)
Universidade Federal do Maranhão
______________________________________________
Prof. Dr Fabiano de Souza Gontijo (Examinador)
Universidade Federal do Piauí
3
Ao meu amado tio Fabio Magalhães da
Cunha que através da sua vida e luta me
ensinou
novos
caminhos
e
novas
possibilidades de busca pelo verdadeiro
amor e verdadeira felicidade.
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, que em todos os momentos se encontra ao meu
lado, me protegendo e me guiando.
Aos que de forma direta ou indiretamente contribuíram para a minha
formação, o que me proporcionou a grande oportunidade de cursar este Mestrado
no presente Programa: minha Mãe, Roxana, meu Pai, Renato, meus avós Roselyne,
Oldemar (in memoriam), Adelina (in memoriam) e Joaquim (in memoriam).
Agradeço, especialmente aos meus pais e minha Avó Roselyne, que é
uma verdadeira mãe para mim, que sempre me criaram e me apoiaram, me
incentivaram a seguir com os meus estudos (principalmente minha mãe), com os
melhores exemplos de pessoas, pais, estudantes e profissionais que conheço e
especialmente por terem me amado incondicionalmente, fatos estes que me
proporcionaram valores inestimáveis.
À minha filha, Luana, que representa minha verdadeira razão de viver e
de lutar pelos meus objetivos, a minha vida, meu amor e minha inspiração para tudo
de melhor que faço, por ser essa pessoa tão iluminada e linda por dentro e por fora.
Agradeço pelo tempo que abdiquei de lhe dedicar em prol dos meus estudos e
trabalho e pelo seu carinho incondicional que me faz seguir em frente e ser cada vez
mais uma pessoa melhor.
Ao meu marido, Rodolfo, homem da minha vida, meu amor, minha paixão,
meu companheiro e meu melhor amigo, a quem me dedico e quem sempre se
dedicou a mim sem limites para me apoiar em todas as etapas da vida desde o
primeiro momento que nos conhecemos, me amando e me respeitando.
À minha enteada Bianca, por fazer parte da minha vida com tanto carinho
e amor e por me transmitir toda a paz e alegria que mora em seu lindo coração.
À minha orientadora Sandra, pela dedicação e paciência e especialmente
pelo carinho e amizade em me orientar e ajudando a vencer as minhas dificuldades
como aluna e como mestranda, representando para mim um exemplo de educadora
e de orientadora.
À minha prima Letícia que desenhou a capa do presente trabalho com
muito carinho, conseguindo retratar um pouco do que sinto com relação ao tema
com a sua arte tão linda.
5
A todos os professores do PPGS/UFMA, em especial ao professor Igor,
Marcelo e Horácio pelas melhores sugestões, que muito contribuíram para que eu
chegasse até aqui.
Aos meus colegas do Mestrado que muito me ensinaram as Ciências
Sociais e me aproximaram da forma bastante solidária do presente Programa.
A todos os casais homoafetivos que lutam pelos seus direitos sem medo
de assumir que representam uma família com direitos, deveres, problemas e
principalmente afeto, independentemente de qualquer classificação ou rótulo dado
pela sociedade que os cercam.
6
“Anything you want you got it
Anything you need you got it
Anything at all you got it
Baby…”
(Música de Bonnie Raitt, trilha sonora do filme
Boys on the side)
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RESUMO
As Uniões Homoafetivas como entidades familiares e inseridas em um contexto
sociocultural representam tema de decisões judiciais que visam o reconhecimento
de direitos dos sujeitos envolvidos enquanto família. A presente pesquisa analisa
decisões judiciais sobre o tema e demonstra a importância dos fundamentos
utilizados em tais decisões, assim como, algumas das formas de vivência das
famílias homoafetivas e a busca pela garantia dos seus direitos enquanto família, a
partir de entrevistas realizadas, fazendo-se uma breve análise da realidade
sociocultural dos entrevistados, da concretização de ideais e conflitos a partir de
estudos de gênero, da permanência e/ou de formas diferenciadas de identidades,
configuração de papéis e vivências dos sujeitos envolvidos.
Palavras-chave: Uniões Homoafetivas. Gênero. Direitos. Família.
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ABSTRACT
The homoaffective unions as family entities and inserted in a social cultural context
represent a theme of judicial decisions that aim the recognition of the subjects
involved as a family. This research analyses the judicial decisions about the topic
and shows the importance of the underpinnings in such decisions, as well as, some
of the living habits of the homoaffective families and the search for the guarantee of
their habits as family, from interviews, briefly analyzing the social cultural reality of
the interviewed ones, their ideal achievement and conflicts from gender studies, the
maintenance and/or of the different identities ways, roles configuration and the living
of the involved subjects.
Keywords: Unions homoafetivas. Genre. Rights. Family.
9
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 10
1.1
Apresentação: coincidências “inexplicáveis” ................................................ 10
1.2
O problema da busca de direitos das famílias homoafetivas .................. 12
1.3
Objeto e metodologia utilizada ................................................................... 15
2
GÊNERO E SEXO ......................................................................................... 18
2.1
A abjeção ...................................................................................................... 28
2.2
As transformações do corpo ...................................................................... 31
3
A FAMÍLIA TRADICIONAL E FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA ...................... 39
4
AS UNIÕES HOMOAFETIVAS COMO ENTIDADE FAMILIAR .................... 48
4.1
A total ausência de legislação específica .................................................. 52
4.2
A Constituição Federal como amparo legal para o reconhecimento
das uniões homoafetivas como entidade familiar .................................... 53
4.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana .................................................... 55
4.2.2 Princípio da igualdade ................................................................................... 56
4.2.3 Princípio da liberdade .................................................................................... 56
4.2.4 Princípio da solidariedade .............................................................................. 58
4.2.5 Princípio da afetividade .................................................................................. 59
4.3
A “necessidade” da legalização das uniões homoafetivas ..................... 62
4.4
Decisões favoráveis ao reconhecimento das uniões homoafetivas ....... 63
4.5
O reconhecimento do casamento homoafetivo pelos Tribunais
Superiores no Brasil e sua repercussão social ........................................ 72
5
VIVÊNCIAS SOCIOAFETIVAS ..................................................................... 76
5.1
“Maria” e “Heloísa” ...................................................................................... 76
5.2
“Joana” e “Fabiana” .................................................................................... 82
5.3
“Mário” e “Antonio” ..................................................................................... 88
5.4
“André” e “José” ......................................................................................... 91
6
CONCLUSÃO ................................................................................................ 95
REFERÊNCIAS ............................................................................................. 98
10
1 INTRODUÇÃO
1.1 Apresentação: coincidências “inexplicáveis”
Revelar onde e quando começou a presente pesquisa é uma tarefa um
tanto complexa, especialmente quando se tem um interesse científico e uma enorme
responsabilidade enquanto pesquisadora com o trabalho. Isso se dá, pelo fato da
pesquisa ter um ponto de partida bastante significativo para a minha vida pessoal e
familiar.
Assim, a princípio, percorri um caminho repleto de dificuldades e medos
até tomar a decisão final de revelar o verdadeiro início de tudo o que será explicado
nas linhas a seguir.
Entretanto, após alguns pensamentos, reflexões e coincidências
constatadas, concluí que seria indispensável que tal fato fosse então mencionado,
ainda neste momento inicial, já que serviu de fonte de inspiração e ponto de partida
para o seguinte trabalho.
Por isso, além de inspiração, decidi dedicar a minha dissertação ao meu
amado tio Fábio Magalhães da Cunha, irmão do meu pai, que viveu em uma união
homoafetiva1 desde o final da década de 80 até a sua morte em 02 de julho de 1995,
ficando doente após uma de suas viagens internacionais, pois era comissário de
bordo.
Quando citei “coincidências inexplicáveis” acima, quis me referir à data
em que se passaram 17 anos de sua morte, ou seja, 2 de julho de 2012, dia em que
fui aprovada na qualificação da presente dissertação. Considero inexplicável, pois
nada foi planejado, para que isso ocorresse, mas acredito que onde quer que ele
esteja, estava comigo naquele momento.
Então vejamos:
Enquanto eu vivia em uma adolescência em São Luís, cercada pelo
sistema normativo2 ao qual fui criada, me deparei (mesmo que com pouca
convivência, pois eu já morava em São Luís e ele em Nova York) com uma nova
1
2
União entre pessoas do mesmo sexo que se assemelha a uma União Estável definida pelo Código
Civil brasileiro, art. 1723 (BRASIL, 2002).
Sistema de normas constituídas em uma sociedade na qual as relações de gênero são fundadas
em eixos desiguais de poder, consagrando-se a permanência de diferenças e discriminações.
11
realidade que muito me encantou, de uma família3 que para mim, naquele momento,
era tida como “diferente”, e que segundo Goffman (1988), era “estigmatizada”,
excluída dos padrões já naturalizados.
Nesse contexto, à minha infância/adolescência foi introduzido, aos poucos
e de forma espontânea, quase que discretamente (pois nunca “sentamos” para
discutir o assunto), pelos meus pais, um novo conceito de vida que incluía outras
possibilidades de modelos familiares, que não aquele ao qual eu já estava habituada
na minha convivência diária. Pude, desde então observar as suas necessidades,
como por exemplo, da família do meu tio que sonhava em adotar, assim como de
necessidades de uma autoafirmação e legalização de valores introspectivos,
naturalizados e principalmente impostos pelos grupos social que nos cercam.
Um ano e alguns dias após a morte do meu querido tio Fábio, em agosto
de 1996, tive a oportunidade de viajar para Nova York (EUA), com os meus pais e
irmã e fiquei hospedada em seu apartamento em Nova Jersey (EUA), onde morava
com seu companheiro Steven, executivo de uma empresa importante em Nova York.
Steven era bastante carinhoso com meu tio enquanto ele era vivo,
conforme me relatou Fred (um grande amigo de infância do meu pai e meu tio, que
também morava em Nova York e era a única família que o meu tio tinha lá), se
revelou
ser
muito apaixonado
e
romântico
também,
além
de
ciumento,
especialmente no início do relacionamento, conforme descobertas a partir de
conversas ocorridas no decorrer da viagem.
Eles dividiam despesas e as famílias eram muito amigas e receptivas,
uma com a outra. Fred era muito amigo dos dois e da família do meu pai,
funcionando, neste caso, como um verdadeiro intermediador entre as famílias, o que
o fez muito bem.
Pude, então, perceber aspectos bastante relevantes para essa nova
definição pessoal de família e de afeto e amor, o que me proporcionou um
conhecimento um pouco mais aprofundado do seu cotidiano enquanto casal, assim
como, dos seus hábitos e rotina.
Havia uma cama de casal bastante confortável e bonita que pertencia ao
meu tio e seu companheiro, enquanto vivo (naqueles dias foi cedida aos meus pais
3
O conceito aqui destacado diz respeito à construção histórico-social que institui a configuração
nuclear: pai-mãe e filhos, à base de laços consanguíneos e de afinidade.
12
que estavam na condição de hóspedes) e um pequeno escritório (cedido para mim e
minha irmã na condição de hóspedes também).
Adolescente (contava com 15 anos de idade) era um tanto curiosa e
enxerida; praticamente vasculhei todo o apartamento para saber um pouco mais
dele, ou melhor, deles como casal.
Descobri livros que falavam em adoção por casais homoafetivos; lembro
especialmente de um que ficava em cima da mesa de centro com uma capa de uma
criança de mãos dadas com dois homens; CDs (especialmente trilhas sonoras) e
filmes que falavam de homossexuais, como “Philadelphia”, (Filadélfia, em português)
e “Boys on the side” (Somente elas em português) e uma adoração especial pelo
“Fantasma da ópera”, acredito que era o musical preferido do meu tio (acabou por
ser o meu também).
No apartamento havia muitas fotos dos dois, inclusive uma em que eram
bem mais novos e estavam abraçados. Fotos da minha avó e até minhas e da minha
irmã.
Conhecemos a mãe do Steven. Ela era uma senhora com cabelos loiros
quase brancos e de pele bem branca, assim como o filho. Meu tio era branco
também. Tinham muitas sardas de tão brancos. Ela era bem gordinha e muito
simpática. Meu pai tinha um carinho bem especial por ela.
Chegamos a conhecer alguns amigos deles e saímos juntos também. Foi
uma viagem incrível e inesquecível.
Outra razão que citei “coincidências inexplicáveis” também foi o fato de
que em agosto deste ano completam 16 anos das minhas primeiras descobertas
acerca do tema tratado nas próximas linhas e nestas férias de julho, também de
forma um pouco inesperada, meus pais resolveram “apresentar” a cidade de Nova
York para a minha filha de 11 (onze) anos. Espero que ela faça novas descobertas,
assim como fiz naquela viagem...
1.2 O problema da busca de direitos das famílias homoafetivas
A partir de então, passei a me aproximar cada vez da carreira jurídica,
talvez por outras razões e influências também, como pelo fato de eu ter outros tios e
avós com formação em Direito, o que sempre me encantou e acabou por me
influenciar bastante na escolha da minha profissão.
13
Formei-me em Direito em 2002 e logo em seguida passei a dar aula de
Direito de Família e faço até os dias atuais. Ao estudar o tema, passei a pesquisar e
me interessar cada vez mais pelo direito das famílias homoafetivas, retomando
sempre minhas recordações da adolescência e a história de vida do meu querido tio
Fábio.
Assim, sempre acompanhei a evolução das decisões judiciais favoráveis
ao reconhecimento das uniões homoafetivas, em especial no Maranhão. Neste
período, pude observar, após buscas nas Varas de Família da cidade de São Luís,
uma evolução muito pouco significativa, ou quase inexistente nesta temática, o que
me fez pensar e buscar saber a razão deste dado relevante, já que, ao contrário do
que ocorre no Maranhão, no Rio Grande do Sul, em São Paulo, no Rio de Janeiro e
outros estados do Sul/Sudeste, as decisões evoluem de forma bastante favorável
acerca do reconhecimento de tais uniões.
Dessa forma, pude perceber, através de alguns dados sociológicos
colhidos em entrevistas realizadas em famílias homoafetivas selecionadas e através
de conversas com Juízes e servidores da justiça, que a procura pela justiça e pelas
delegacias em busca de solução dos problemas ainda é muito retraída e
inexpressiva, trazendo um dado muito importante para a minha pesquisa: as famílias
homoafetivas também passam por conflitos e necessidades de “legalização” das
suas uniões, mas poucas buscam os seus direitos.
Longe de exaurir o tema, pude identificar através da presente pesquisa
alguns fatores que levaram os casais homoafetivos a não buscarem seus direitos na
justiça, ou mesmo resguardá-los, formando, assim uma demanda reprimida, ou seja,
não há uma proporção equivalente de processos judiciais aos conflitos existentes.
Esclareço neste momento que não é meu objetivo enumerar as decisões
judiciais, nem tampouco analisá-las juridicamente, por se tratar de um olhar em que
se pretende transdisciplinar e não exclusivamente jurídico. Por esta razão,
centralizei análises sobre dados colhidos em entrevistas realizadas com casais que
vivenciam uniões homoafetivas, subsidiando tais análises pelos estudos de gênero,
assim como, buscando compreender o problema acima descrito, problema que,
considero
de
muita
complexidade,
por
ser
atravessado
por
concepções
estigmatizadoras, através das diversas descobertas e percepções obtidas na busca
de dados sociológicos relevantes que respondam a tal questionamento.
14
Os estudos de gênero representaram uma conseqüência importante para
as lutas libertárias da década de 60, que tinham como base uma vida melhor, mais
justa e igualitária. No bojo destes movimentos “libertários” inúmeros movimentos
sociais despontaram neste período, particularmente, o movimento feminista e o
movimento gay, porque ambos vão questionar as relações afetivo-sexuais no âmbito
das relações íntimas do espaço privado.
O campo de estudos que hoje chamamos no Brasil de Estudo de Gênero,
surge no final da década 60, 70 e inicio da década de 80, em torno da problemática
da “condição feminina” e atingindo o âmago do núcleo considerado como família, da
instituição do casamento e do ideal de relações monogâmicas.
O conceito de família prescinde, no presente, da divisão artificialmente
construída como natural-biológica, que consagrou a norma heterosexual. A
sociedade contemporânea abre espaços para o reconhecimento de novas formas da
instituição familiar: o “sentimento de família”, a afetividade dos sujeitos envolvidos, a
conjugalidade, a parentalidade e a filiação que configuram um novo contexto
baseado nos laços de afeto.
As transformações da família no direito brasileiro ocorreram a partir de
uma norma social pautada na concepção matrimonializada, hierarquizada,
patrimonializada, patriarcalista da família, conforme a visão do Código Civil de 1916,
influenciado pela legislação napoleônica e pela predominância da ideologia religiosa
na conduta ético-moral de cada membro do grupo familiar.
Nas últimas décadas, várias mudanças ocorreram nas representações,
nas práticas e nas identidades sexuais, caracterizadas socialmente como crise na
família nuclear (monogâmica e heterossexual), possuindo alguns dos elementos
presentes na vasta caracterização da entrada da mulher no mercado de trabalho, na
separação da sexualidade da reprodução e na política de visibilidade das relações
designadas como homossexuais. Por conta disso, ampliou-se o debate em torno do
reconhecimento social e jurídico do casal estabelecido a partir destas relaçoes,
fazendo com que isso se tornasse ponto de embate ou mesmo de subversão da
cultura da scientia sexualis (FOUCAULT, 1993).
Constata-se, assim, certa hierarquização nas relações da sociedade
moderna ocidental no que tange às práticas eróticas, sexuais dos indivíduos e sua
repercussão social, observando-se que aqueles cujas práticas não estão de acordo
com o que é considerado padrão, que é uma matriz normativa, são considerados
15
infratores de regras socialmente impostas à convivência em família, aproximando-se
do processo conhecido como estigmatização dos outsiders, arma poderosa no
processo de construção identitária dos opressores (ELIAS, 2000).
As uniões homoafetivas, nessa perspectiva, representam para a
atualidade uma forma de desconstrução do modelo de núcleo familiar ainda
predominante na sociedade e na legislação mundial, fundado no sistema de
relações de gênero, que se constitui em modelos binários e que se expressam como
efeitos de um sistema regulador, que posicionam o masculino e o feminino como
categorias que se aplicam a sujeitos que “naturalmente” são opostos e
complementares ao mesmo tempo e ainda, as aspirações dos sujeitos quanto à
legalização dessas uniões.
Dessa forma, a construção político-social foi feita, excluindo aqueles que
eram considerados “desviantes”, ou até “perigosos”. Segundo Douglas (1976), o que
é válido para a poluição sexual, também o é para a poluição corporal, sendo os dois
sexos modelos da colaboração e da diferença existente entre as unidades sociais,
simbolizando uma “teocracia ideal” a perfeição corporal. Assim, segundo a
antropóloga, sujeira é essencialmente desordem, portanto, é ofensiva à ordem, e
existe aos olhos de quem a vê, ou seja, é artificialmente construída e acaba por ser
naturalizada.
1.3 Objeto e metodologia utilizada
O que se almeja, no presente estudo, é identificar os processos/modos de
sociabilidade, concretização de ideais e modos de resolução de conflitos que
perpassam uniões configuradas como união homoafetiva, através de dados
coletados em entrevistas realizadas, utilizando-se como embasamento teórico os
estudos
de
gênero,
que
não
requerem
deduções
teóricas
finalistas,
ou
generalizantes. Permite-nos um leque de possibilidades de resposta em relação aos
casos estudados, a perspectiva aberta aos aportes teóricos de várias outras
disciplinas.
Com alguma munição extraída dos estudos iniciais, passamos ao trabalho
de campo:
Em
um
primeiro
momento,
foram
selecionados
quatro
casais
homoafetivos, dois deles formados por mulheres e dois por homens. Levou-se em
16
consideração diferenças baseadas na posição de classe, de formas de convivência,
assim como o ambiente em que vivem.
As três das primeiras famílias entrevistadas moram em São Luís-MA e a
última em São Paulo-SP. Tal escolha se deu pela oportunidade de observação das
diferenças entre as mesmas. Nesta última entrevista, consegue-se perceber
nitidamente a diferença sociocultural dos sujeitos entrevistados em espaços
diferentes com diferentes rotinas e costumes, assim como da forma que tais famílias
se portam perante a possibilidade de assegurar seus direitos e o funcionamento
eficiente dos órgãos institucionais competentes para garantir esses direitos.
As entrevistas semi-abertas foram conduzidas como um roteiro de
questões que possibilitaram um espaço largo aos sujeitos entrevistados, levando em
consideração o sigilo das informações, conforme dispõe o Código de Ética da
Pesquisa com seres humanos, impossibilitando a divulgação de qualquer dado que
possa acarretar a identificação dos sujeitos envolvidos, alterando-se nomes, locais
de trabalho, dentre outros aspectos identificadores dos entrevistados.
Paralelamente, foi realizado um levantamento de processos judiciais
existentes nas Varas de Famílias em São Luís-MA, o que nos demonstrou uma
quantidade desproporcional e inexpressiva com relação aos conflitos existentes e
especialmente à necessidade de “legalização” das uniões homafetivas, ou seja a
necessidade de um registro que assegure os seus direitos enquanto família.
Da mesma forma, foi feita uma busca nos cartórios da cidade de São Luís
e não foram encontrados números expressivos de registros, o que representou um
dado ainda mais relevante: as famílias homoafetivas em São Luís muito pouco
buscam os meios pelos quais a justiça possibilita o seu reconhecimento.
Tal fato demonstra que, embora haja um crescimento no número de
julgados, Brasil afora, especialmente no Sul/Sudeste do país, não se pode
considerar uma evolução na legislação específica de forma paralela, nem tampouco
uma uniformidade nas sentenças favoráveis aos direitos das famílias homoafetivas
no Brasil como um todo.
Temos em consideração que alguns conceitos podem contribuir muito
para o desmembramento de todas as questões antes ressaltadas: sexualidade,
identidade, gênero, direitos, legalização, família, tendo em vista a maneira como tais
conceitos se relacionam no processo de construção das sexualidades dos sujeitos
entrevistados.
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Nas entrevistas realizadas, foram ressaltadas as trajetórias das famílias
envolvidas, perscrutando passado e presente, de modo a extrair dados relevantes
para a presente análise, levando-se sempre em conta aportes teóricos que nos
apoiassem a interpretação.
A partir do levantamento e organização das informações sistematizadas,
foram analisados os desdobramentos resultantes das uniões homoafetivas,
procurando compreender se parte dos conflitos existentes tem uma correlação com
a “legalização” dessas famílias da forma que é imposto por um sistema políticonormativo pré-existente capaz de construir ou “desconstruir”, segundo Butler (2003)
um modelo familiar, assim como os entrevistados buscaram alguns dos meios que o
poder judiciário possibilitou ao reconhecimento das suas uniões.
Alicerça-se
juridicamente
a
família
homoafetiva
nos
princípios
constitucionais que regem todo o ordenamento e, para promoção de efeitos jurídicos
às uniões homoafetivas, na aplicação da analogia ao art. 226, § 3º da Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, que trata aparentemente de forma literal
da união estável entre o homem e a mulher.
Na introdução, tratou-se da apresentação do trabalho, assim cômoda
problematização e delimitação do objeto e metodologia.
No Capítulo Segundo, buscou-se tratar do Gênero e sexo e as seus
pontos relevantes para a presente pesquisa.
Já no Capítulo Terceiro, fez-se uma explanação sobre alguns pontos da
família tradicional e da família contemporânea, trilhando por suas principais
diferenças levando-se em consideração alguns fatores, especialmente o afeto e a
sexualidade humana.
No Capítulo Quarto, tratou-se dos aspectos constitucionais relevantes,
especialmente os princípios e como a Constituição Federal ampara legalmente o
reconhecimento das famílias homoafetivas no nosso país.
Ainda no Capítulo Quarto, fez-se uma busca de algumas das decisões
favoráveis às Uniões Homoafetivas no Brasil, inclusive dos Tribunais Superiores,
assim como suas repercussões sociais.
O Capítulo Quinto trouxe as pesquisas realizadas em forma de entrevistas
abertas, trazendo as vivências socioafetivas reais de famílias analisadas.
18
Por último fez-se uma conclusão da presente pesquisa, levando-se em
conta
os
pontos
analisados
nos
capítulos
anteriores,
assim
como
uma
“interpretação” das entrevistas realizadas.
Enfim, o que se visa no presente estudo é identificar nas situações de
uniões entre pessoas do mesmo sexo, uniões estas vividas como entidades
familiares, a concretização de ideais e conflitos a partir de estudos de gênero, a
permanência e/ou de formas diferenciadas de identidades, configuração de papéis e
vivências de relações baseadas na matriz heteronormativa que consagra como base
da família o amor, a fidelidade, a estabilidade. Buscamos ainda em meio aos
questionamentos e reflexões que estas questões sugerem, compreender o hiato
ainda existente entre propostas de legalização das uniões homoafetivas e a
demanda retraída em termos dessa possibilidade institucional.
19
2 GÊNERO E SEXO
A partir de 1970, se instaura uma discussão no que se refere à diferença
conceitual
entre
sexo
e
gênero,
entendendo-se
com
base
em
algumas
interpretações médicas, psicológicas e/ou psiquiátricas, sexo como sendo
determinado pela genitália, pelo corpo biológico e gênero, como aquilo que se
constrói tanto social quanto culturalmente, no que diz respeito à maneira de ser
homem ou mulher. Ao falar de gênero, passa-se a tratar das formas pelas quais os
sujeitos se constituem e são constituídos em meio a relações de poder, com
compreensões múltiplas, ajustando-se ou interpelando referenciais marxistas,
psicanalíticos, lacanianos, foucaultianos, pós-estruturalistas (LOURO, 2002).
O “gênero” parece ter aparecido primeiro entre as feministas americanas
que queriam insistir na qualidade fundamentalmente social das distinções baseadas
no sexo, representando uma rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de
termos como “sexo” ou “diferença sexual”
Assim, o termo “gênero” estava também ligado às definições normativas
de feminilidade, centrando seus estudos com a primazia de uma categoria de
análise. Aqui as analogias com a classe e a raça eram explícitas; com efeito as(os)
pesquisadoras(es) de estudos sobre a mulher que tinham uma visão política mais
global, recorriam regularmente a essas três categorias para escrever uma nova
história. O interesse pelas categorias de classe, de raça e de gênero assinalava
inicialmente o compromisso do(a) pesquisador(a) com uma historia que incluía a fala
dos(as) oprimidos(as) e com uma análise do sentido e da natureza de sua opressão;
assinalava também que esses(as) pesquisadores(as) levavam cientificamente em
relação o fato de que as desigualdades de poder estão organizadas segundo, no
mínimo, estes três eixos (SCOTT, 1990).
Existe, portanto uma definição de gênero, segundo Scott (1990), como
sinônimo de “mulheres”, substituindo seus títulos pelo termo “gênero”. Em alguns
casos, este uso, ainda que se referindo vagamente a certos conceitos analíticos,
trata realmente da aceitabilidade política desse campo de pesquisa. Nessas
circunstâncias, o uso do termo “gênero” visa indicar a erudição e a seriedade de um
trabalho, pois “gênero” tem uma conotação mais objetiva e neutra do que
“mulheres”. O gênero parece integrar-se à terminologia científica das ciências sociais
e,
por conseqüência,
dissociar-se
da política
(considerada
pretensamente
20
escandalosa)
do
feminismo.
Neste
uso,
o
termo
gênero
não
implica
necessariamente na tomada de posição sobre a desigualdade ou o poder, nem
mesmo designa a parte lesada (e até agora invisível).
Ademais, o gênero é igualmente utilizado para designar as relações
sociais entre os sexos. O seu uso rejeita explicitamente as explicações biológicas, e
uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades
subjetivas dos homens e das mulheres. O gênero é, segundo essa definição,
considerado como uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (SCOTT,
1990).
Gradativamente, o gênero se tornou uma categoria particularmente útil,
porque oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis atribuídos às
mulheres e aos homens. O uso do “gênero”, de forma mais apropriada, coloca a
ênfase sobre todo o sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que não é
diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade.
O gênero é uma das referências recorrentes pelas quais o poder político
foi concebido, legitimado e criticado, referindo-se à oposição homem/mulher e
fundamenta ao mesmo tempo o seu sentido. Dessa forma, a referência tem que
parecer segura e fixa, fora de qualquer construção humana, fazendo parte da ordem
natural ou divina, em que a oposição binária e o processo social das relações de
gênero tornam-se, ambos, partes do sentido do próprio poder.
O uso da palavra gênero para se referir à construção social e histórica
dos sexos, com o objetivo preciso de explicitar o caráter sócio-cultural das distinções
baseadas no sexo, foi introduzido há menos de quarenta anos.
Somente na década de 1990, a disseminação do conceito deu visibilidade
a certos equívocos, imprecisões e limitações que motivaram críticas importantes ao
próprio conceito, como por exemplo, a contestação à oposição binária sexo-gênero,
a desconstrução das noções “essenciais” de homem e de mulher, a rejeição ao
caráter heteronormativo dos discursos tradicionais sobre a sexualidade, o empenho
em demonstrar o caráter construído das identidades e em enfatizar a dimensão
social e política do corpo e da sexualidade.
Dentre os argumentos elaborados com o claro propósito de justificar
teoricamente situações concretas de desigualdade entre sujeitos homens e
mulheres, o mais importante é aquele que parte de premissas naturalistas ou
essencialistas.
21
Um dos primeiros a sistematizar uma posição em que sujeitos, homens e
mulheres são “naturalmente” distintos foi Aristóteles ao defender que as mulheres
são intrinsecamente inferiores aos homens - por natureza, por essência - pois,
apesar de terem capacidade intelectual equivalente à masculina, não possuem
autodomínio, não se governam a si próprias, logo devem ser dominadas e
governadas por outros. Esta debilidade própria da razão prática feminina, torna-as
incompetentes para a prática das virtudes e inaptas ao exercício da cidadania.
A tese essencialista, sistematizada por Aristóteles, foi assumida e
defendida, ao longo da história da filosofia, recebendo novas formulações, mas
sempre servindo ao mesmo propósito original, qual seja, apelar para “o natural”, “o
que não pode ser mudado” para justificar a eterna permanência de situações
criadas, que convém a um grupo perpetuar. Hoje, o essencialismo pode estar
mascarado, pode estar diluído em outras expressões mais contemporâneas, mas
está ainda presente nos discursos sobre sexualidade, diferenças, desigualdades
sexuais e de gênero.
Aliás, a própria criação do conceito de gênero, por feministas de língua
inglesa, na década de 1970, pode ser interpretada – ainda – como uma tentativa de
superar as teses essencialistas que defendem que as diferenças dos sexos não são
apenas diferenças, mas sinais da superioridade natural do masculino sobre o
feminino.
Além do fato de existirem diferenças reais – anatômicas e biológicas –
entre o homem e a mulher, a posição essencialista converte as diferenças em
diferenças ontológicas, isto é, apresenta-as como constitutivas e essenciais. Sendo
assim, a condição inferior da mulher é julgada natural, inevitável, universal e
imutável, e o controle masculino aparece como necessário e justo.
Assim, é essa legitimidade da passagem do biológico para o ontológico
que o conceito crítico de gênero propõe questionar. Foram, portanto, principalmente,
dois fatores interligados que motivaram a criação de uma nova categoria de
investigação a respeito das questões relacionadas às diferenças entre sujeitos,
marcadas pelo referente “sexo”. Por um lado, a vontade de combater o reducionismo
biológico e, por outro, a necessidade de chamar a atenção sobre a construção social
e histórica dos sexos.
Uma tentativa inicial de definição do conceito de gênero pode ter sido
formulada por comparação com a noção de sexo. Com efeito, sexo e gênero não
22
são apenas expressões sinônimas. É possível estabelecer distinções importantes
entre as duas expressões, por exemplo, a partir da idéia de que o sexo se refere
unicamente às características anatômicas e físiológicas, que seriam fixas e naturais,
enquanto que o gênero, ao contrário, varia de acordo com o tempo e o espaço, e diz
respeito às construções simbólicas e culturais.
O conceito de gênero remete a todas aquelas características e papéis
sociais mutáveis, que as diferentes sociedades atribuem ao masculino e ao
feminino. Em poucas palavras, diferentemente do sexo, visto como um algo natural,
a constituição das diferenças de gênero aparece como um processo histórico e
social.
Nessa perspectiva, a introdução da categoria de gênero tem como
principal objetivo destacar o caráter social das diferenças e discriminações baseadas
no sexo, funcionando como um instrumento de interpretação, um conceito crítico que
busca desmontar o tradicional argumento, formulado de diversas maneiras ao longo
da história, sustentando que a dominação dos homens sobre as mulheres obedece a
uma ordem natural e atemporal, responsável pela hierarquia.
Dessa forma, uma vez estabelecida uma nítida distinção conceitual entre
sexo e gênero, tratou-se de instituir uma analogia que se tornou clássica: a natureza
está para a cultura assim como o sexo está para o gênero.
A partir da perspectiva teórica feminista norte-americana, o sexo e o
gênero não se relacionam entre si como o fazem a natureza e a cultura, pois a
própria sexualidade é uma diferença construída culturalmente.
Assim, a diferença sexual não é meramente um fato anatômico, uma vez
que a construção e a interpretação da diferença anatômica é, ela própria, um
processo histórico e social. Que o macho e a fêmea da espécie humana diferem é
fato, mas é um fato também construído socialmente, independentemente das
diferenças biológicas.
Trata-se, portanto, de evidenciar que não apenas o gênero, mas o par
sexogênero é instável, pois se encontra em constante construção. Como certas
práticas sexuais exigem a pergunta: “o que é uma mulher, o que é um homem?”
(BUTLER, 2007, p. 12).
Nesse contexto é rejeitada a idéia de sexo natural, assim como coloca em
questão a idéia da naturalidade da heterossexualidade. Nesse aspecto, do ponto de
vista da homossexualidade, pode se apenas notar que a heterossexualidade não é
23
‘natural’, assim como não é a única sexualidade, a sexualidade universal. A
heterossexualidade é uma construção cultural que justifica o sistema de dominação
social (WITTIG, 2007).
É possível que a posição de Wittig (2007) seja mais incisiva do que a de
Butler na medida em que, além de ressaltar o caráter político do sistema de
heterossexualidade obrigatória, ele propõe como alternativa à oposição binária de
gêneros, a categoria de lésbica, entendida não como um “terceiro gênero”, mas
como uma possibilidade de ultrapassar a categoria de gênero, como uma posição
política que transcende o imaginário masculino, por se situar fora da oposição
dicotômica entre homem e mulher imposta pelo patriarcado.
Na verdade, as posições das duas filósofas podem ser vistas como
igualmente emblemáticas de uma mesma orientação - surgida de recentes
questionamentos a posturas feministas mais conservadoras -, pois ambas defendem
pontos de vista situados “para além do gênero, como um gesto político subversivo”.
Butler (2003) chama a atenção para o que ela considera o grande
equívoco da posição defendida por muitas teorias contemporâneas da sexualidade,
equívoco que é comumente assimilado pela sociedade e aceito pela ciência em
geral: o sexo (aspecto biológico da sexualidade) é visto como a base que
fundamenta o gênero (aspecto comportamental da sexualidade).
A tarefa de distinguir sexo de gênero torna-se dificílima uma vez que
compreendamos que os significados com marca de gênero estruturam a hipótese e
o raciocínio das pesquisas biomédicas que buscam estabelecer o “sexo” para nós
como se fosse anterior aos significados culturais que adquire. A tarefa torna-se
certamente ainda mais complicada quando entendemos que a linguagem da biologia
participa de outras linguagens, reproduzindo essa sedimentação cultural nos objetos
que se propõe a descobrir e descrever de maneira neutra (BUTLER, 2003).
Essa tese que sustenta que a categoria de sexo deve ser considerada
estável, enquanto que a de gênero, ao contrário, recebe novos significados
continuamente. Para Butler (2003), as categorias de sexo e gênero são equiparadas,
no sentido de que ambas são passíveis de desconstrução. Nesse sentido, nada
existe de exclusivamente natural quando se trata de identidade sexual, sexualidade,
relações hetero ou homossexuais, vivências do próprio corpo. Tudo nesse terreno é
construído socialmente e interpretado a partir da cultura. Aliás, é por meio de
processos culturais que definimos o que é – ou não – natural. O autor defende a
24
idéia de que não existe a menor possibilidade de se ter acesso direto e imediato à
própria sexualidade ou a do outro; tampouco nossos próprios desejos ou os desejos
do outro, nos são revelados de forma pura e imediata.
Assim, em conseqüência do fato de considerar a mediação da cultura
como absolutamente imprescindível, a sexualidade não é um dado, não é algo que
todos nós, mulheres e homens, possuímos naturalmente; mas, ao contrário, a
filósofa sublinha o caráter construído da sexualidade, quer dizer, sua dimensão
social e política.
A partir dessa perspectiva, as diferenças sexuais são indissociáveis de
uma demarcação discursiva e a categoria do sexo é, desde o início, normativa, ou
seja, a diferença sexual nunca é simplesmente uma função de diferenças materiais,
de acordo com o pensamento de Michel Foucault, em dois aspectos, principalmente:
a rejeição à categoria de sexo natural e a visão histórica do corpo modelado pela
cultura.
Dessa forma, o ‘sexo’ não apenas funciona como uma norma, mas é
parte de uma prática regulatória que produz os corpos que governa, isto é, toda
força regulatória manifesta-se como uma espécie de poder produtivo, o poder de
produzir - demarcar, fazer, circular, diferenciar - os corpos que ela controla. Assim, o
‘sexo’ é um ideal regulatório cuja materialização é imposta: essa materialização
ocorre (ou deixa de ocorrer) através de certas práticas altamente reguladas. Em
outras palavras, “o sexo é um constructo ideal que é forçosamente materializado
através do tempo” (BUTLER, 2001, p. 153-154).
Inspirada em Foucault, Butler (2001) sublinha que a sexualidade se
constitui historicamente, a partir de múltiplos discursos sobre o sexo, discursos que
regulam, que normatizam, que instauram saberes, que produzem “verdades”. Desse
modo, as identidades de gênero e sexuais - como todas as identidades sociais (de
raça, nacionalidade, classe) – são compostas e definidas por relações sociais. Elas
são moldadas pelas redes de poder de uma sociedade, o que significa que as
identidades são políticas.
Nesses processos de reconhecimento de identidades inscreve-se, ao
mesmo tempo, a atribuição de diferenças. Tudo isso implica a instituição de
desigualdades, de ordenamentos, de hierarquias, e está, sem dúvida, estreitamente
imbricado com as redes de poder que circulam numa sociedade. O reconhecimento
25
do “‘outro’, daquele ou daquela que não partilha dos atributos que possuímos, é feito
a partir do lugar social que ocupamos” (LOURO, 2010, p. 15).
Nesse contexto, a identidade é imposta a partir de certos mecanismos de
obscurecimento e desvalorização das diferenças e da multiplicidade por contraste
com a afirmação da naturalização do binário, no campo específico da sexualidade.
Passa-se, então, a demarcar espaços, define-se, discrimina-se e são atribuídos
rótulos que objetivam fixar as identidades. Há grupos que representam a norma,
estão de acordo com os padrões culturais. Estes são referência, não precisam mais
ser nomeados. Estes deixam de ser percebidos como representações e passam a
ser confundidos com a realidade mesma.
A crítica das normas de gênero deve se situar no contexto das vidas “tais
como são vividas e deve se orientar pela questão de saber o que permite maximizar
as chances de uma vida viável e de minimizar a possibilidade de uma vida
insuportável ou mesmo de uma morte social ou literal” (BUTLER, 2006, p. 20-21).
O conceito de gênero passou por um processo de desconstrução no qual
a divisão sexo/gênero funcionou como uma espécie de pilar para a consolidação da
idéia de que o sexo é natural e o gênero é socialmente construído. O gênero seria
concebido como o sentido, a essência, a substância, categorias estas que só
funcionariam dentro da metafísica que Butler (2003) vem questionando em seus
estudos.
A construção das categorias de sexo acontece através da circulação de
fábulas de gênero criadas pelas estruturas jurídicas que legitimam as pessoas
perante a sociedade, instituindo um contrato social no qual os sujeitos consentem
livremente e, em sua maioria, ingenuamente em serem governados e manipulados
por essa estrutura de poder e interesse. A circulação de fábulas de gênero cria a
noção errada de que gênero é algo natural por causa do discurso elaborado por
elas, fundado em uma ontologia fundante do ser, especialmente através da
nomeação, como se já existisse algo preestabelecido antes mesmo do sujeito.
Essa circulação não é desinteressada, é baseada nas relações de poder
existentes na sociedade, criando uma matriz heteronormativa, binária e oposicional,
em que “homem” e “mulher” aparecem justamente nessa ordem hierárquica, primeiro
homem e depois mulher, supondo uma distinção e articulando o sexo de cada
sujeito, ou seja, desde que se nasce já se determina o gênero direcionando-se às
práticas normativas.
26
Para Butler (2003), a inteligibilidade cultural na qual os corpos, o gênero e
os
desejos
são
naturalizados
serve
para
caracterizar
o
modelo
discursivo/epistemológico que é hegemônico e que estabelece a necessidade de um
sexo estável expresso por um gênero também estável. Aqui, o termo tem o mesmo
sentido.
A classificação de gênero é organizada a partir do corpo. O corpo é o
lugar de estilizações, sendo, antes de tudo, uma entidade política, pois o gênero é
instituído pelas estruturas que constituem o poder e relacional porque se constitui
sempre entre um eu e outro, e, por isso, é interseccionado por raça, nacionalidade,
classe etc., entre outros marcadores identitários.
Presumir uma identidade definida para as categorias de gênero, tanto
“mulher” como “homem”, significa dizer que existe uma identidade fixa que é inata à
cada pessoa. A noção de sujeito para a política é primordial, uma vez que é através
dessa noção que se pode governar e manipular alguém. A existência da categoria
de gênero é justamente para inserir os sujeitos dentro de uma, e apenas uma, das
duas configurações do par binário “homem”/”mulher” e barrar a diversidade. Estando
dentro de uma dessas categorias, é pressuposto que o sujeito deve agir em
concordância com a norma regulatória e que se encaixe na especificidade do gênero
inteligível, sexo/gênero, desejo/prática sexual.
O gênero estabelece limites a serem seguidos por cada pessoa. Esses
limites devem guiar o sujeito e fixar fronteiras entre “homens” e “mulheres”, o que
significa ser homem e o que significa ser mulher dentro da nossa sociedade. Homem
e mulher, esses são os dois nomes aceitos pela ordem de gênero criada pela Lei,
são as duas únicas formas possíveis de articulação da existência dos corpos dentro
da sociedade.
Dessa forma, sexo, gênero e sexualidade aparecem em sequência como
consequência um do outro. Uma trajetória bem marcada e delimitada pelo gênero
inteligível, determinante de posições que os corpos deverão assumir no decorrer de
suas vidas. Se um corpo foge a essa delimitação, ele torna-se ilegítimo e é excluído
ou marginalizado.
Assim, segundo Butler (2003), a dualidade sexo/gênero e a crítica ao
feminismo como categoria que só poderia funcionar dentro do humanismo, não
como destruição, mas sim desconstrução, no sentido de repensar teoricamente a
“identidade definida” das mulheres como categoria a ser defendida e emancipada no
27
movimento feminista. O principal problema apontado por esta teoría foi o da
inexistência do sujeito que o feminismo quer representar, ou seja, tal teoria
problematiza o sistema binário (homem/mulher).
Quando o status constituído do gênero é teorizado como radicalmente
independente do sexo, o próprio gênero se torna artifício flutuante, com a
consequência de que homem e masculino podem, com igual facilidade, significar
tanto o corpo feminino como o masculino, e mulher e feminino, tanto o corpo
masculino como o feminino (BUTLER, 2003).
Existe, assim, uma sexualidade pré-definida, sem que se ofereça aos
sujeitos uma possibilidade de escolha, ou então, condições que as favoreçam. São
legitimados tipos de sexualidade, tipos de gênero, formas de corpo, uma forma de
ser homem, uma forma de ser mulher. Assim, são estabelecidas normas nas quais
se cria ou se constrói a exclusão, parte fundamental para a funcionalidade deste
sistema.
Em meio à análise de “identidades de gênero”, com base na crítica sobre
a “verdade” do sexo destacada por Foucault (1993) e levando-se em conta as
práticas reguladoras e as oposições assimétricas de homem e mulher artificialmente
introduzidos em sociedade, surge o conceito de gênero inteligível como sendo o que
institui e mantêm relações de coerência e continuidade entre sexo, gênero, prática
sexual e desejo, sendo constituído não como unidade estável e estática, mas sim
como identidade constituída no tempo, meio de uma repetição de atos.
Sendo assim, o corpo é reinventado para além da redução do binarismo
enclausurado, sendo, portanto compreendido como um processo de construção,
refletindo os significados culturais que os sujeitos desejam manifestar através dele.
A sexualidade agencia a subjetivação, já que são as relações entre “os sexos”
consideradas geradoras da diferenciação sexual e, consequentemente, das
definições normativas.
Dessa maneira, podemos pensar o gênero como um elemento central das
relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e, ainda, uma
forma primária de dar significado às relações de poder (SCOTT, 1990).
O “sexo” é, pois, não simplesmente aquilo que alguém tem ou uma
descrição estática daquilo que alguém é. Sexo é uma das normas pelas quais o
“alguém” simplesmente se torna viável, sendo aquilo que qualifica o corpo para a
vida no interior do domínio da inteligibilidade cultural (BUTLER, 2003).
28
Nesse contexto, o principal embate de Butler (2003, p. 26) foi com a
premissa na qual se origina a distinção sexo/gênero: sexo é natural e gênero é
construido, afirmando que “nesse caso, não a biologia, mas a cultura se torna o
destino”.
Assim, segundo Butler (2003) talvez o sexo sempre tenha sido o gênero,
de tal forma que a distinção entre sexo e gênero revela-se absolutamente nenhuma,
indicando, assim, que o sexo não é natural, mas sim discursivo e cultural como o
gênero.
A noção de gênero e a idéia de que ele decorreria do sexo tornou-se
arbitrária, com os estudos feministas e a teoria que defende a identidade dada pelo
gênero e não pelo sexo. Assim, aceitar o sexo como um dado natural e o gênero
como um dado construído, determinado culturalmente, seria aceitar também que o
gênero expressaria uma essência do sujeito.
Construiu-se, nessa relação uma “unidade metafísica” e chamou essa
relação de paradigma expressivo autêntico, “no qual se diz que um eu verdadeiro é
simultâneo ou sucessivamente revelado no sexo, no gênero e no desejo” (BUTLER,
2003, p. 45).
A exemplo de tais desconstruções do gênero realizadas por Butler (2003,
p. 27 e 28), podemos citar o debate com a análise de Simone de Beauvoir. No
debate com Beauvoir, ele indica os limites dessas análises de gênero que, segundo
ela, “pressupõem e definem por antecipação as possibilidades das configurações
imagináveis e realizáveis de gênero na cultura”. Partindo da emblemática afirmação,
o “A gente não nasce mulher, torna-se mulher”, o autor aponta para o fato de que
“não há nada em sua explicação [de Beauvoir] que garanta que o 'ser' que se torna
mulher seja necessariamente fêmea”.
Nessa tentativa de “desnaturalizar” o gênero, Butler (2003, p. 29)
propunha libertá-lo daquilo que ela chama - em uma referência a Nietzsche - de
metafísica da substância, como aquilo que é idêntico a si mesmo, em uma
proposição metafísica. Assim, gênero como “atributo” de pessoa, “caracterizada
essencialmente como uma substância ou um 'núcleo' de gênero preestabelecido,
denominado pessoa”, ao contrário do que defendiam as teorias feministas, o gênero
seria um fenômeno inconstante e contextual, que não denotaria um ser substantivo,
“mas um ponto relativo de convergência entre conjuntos específicos de relações,
cultural e historicamente convergentes”.
29
Foi pelo caminho da crítica às dicotomias que a divisão sexo/gênero
produz que Butler (2003, p. 58) chegou até a crítica do sujeito e contribuiu para o
desmonte da idéia de um sujeito uno. Note-se que ele não recusa completamente a
noção de sujeito, mas propõe a idéia de um gênero como efeito no lugar de um
sujeito centrado. Nas palavras do autor, essa possibilidade se apresenta: “A
presunção aqui é que o 'ser' um gênero é um efeito”. Aceitar esse caráter de efeito
seria aceitar que a identidade ou a essência são expressões, e não um sentido em si
do sujeito.
O gênero estabiliza o corpo dando a ele a humanidade. Estranho pensar
em um corpo desumanizado, porém é assim que acontece com a intenção de
significação do mesmo dentro da sociedade.
Nesse contexto, classifica-se o “ser abjeto” que é aquele que contraria a
lei da dita normalidade da natureza, ou seja, aquele que escandaliza, desmoraliza,
designando aquilo que foi expelido do corpo, descartado como excremento. A
construção do que não é sujeito como abjeto estabelece as fronteiras do corpo,
transpondo um discurso heteronormativo, excluindo de modo perverso e
preconceituoso tudo aquilo que foge a esta norma, ou seja, “abjeta” os outros
(BUTLER, 2003).
2.1 A abjeção
Foi desenvolvido por Julia Kristeva um conceito esclarecedor o de corpo
abjeto, ou seja, tudo o que desequilibra o sistema de regras, sejam elas leis, religião,
ou moralidade, tudo o que difere do que é aceito, o que questiona e subverte.
Assim, não podemos classificar como abjeção apenas o que é rejeitado,
uma vez que o referido conceito é o seu potencial de paradoxo, exercitando forças
tanto repulsivas quanto atrativas num indivíduo, sendo ao mesmo tempo repulsivo e
atrativo, chegando a perturbar a identidade, o sistema, a ordem, sendo imoral,
sinistro, calculista, sombrio (KRISTEVA, 1982).
A instância psicológica responsável pela abjeção é o superego4, pois ele
representa todas as instituições externas que regulam nossos instintos e desejos
4
Um certo “ego” que se uniu ao seu mestre, um superego. È uma estrutura que se desenvolve a
partir do conhecimento dos valores de cada indivíduo, reprentando a moral dentro de cada um.
30
mais primitivos; proibições religiosas e legais, moralidade, valores familiares, noções
de certo e errado.
A sociedade despreza o que é diferente, mas não resiste à tentação de
examinar e classificar as diferenças, mesmo que com o único intuito de rejeitá-las. E
é aqui que o monstro de Frankenstein se aproxima das questões de identidade que
incitam a curiosidade humana através da história: judeus, mulheres, negros,
homossexuais – com suas controvérsias da vida real e suas representações
literárias.
Além disso, não se pode deixar de apontar suas representações
alegóricas na literatura e nas artes em geral: super heróis e seus superpoderes,
mutantes, fantasmas, vampiros e monstros.
Assim, expandindo o conceito de “abjeção” além de sua representação
literária e literal em “Frankenstein”, concentrando-me em sua faceta alegórica
presente em questões contemporâneas (apesar de eternas) de minorias sociais,
pode se dizer que se trata, nesta perspectiva, do que é o desumano, sendo através
dessas imagens corporais que o corpo se torna humano. E o não humano se
encontra sem identificação dentro da sociedade e sem lugar. Ele passa a não
significar nada e, portanto, a não existir dentro do sistema, mesmo que ele esteja ao
nosso lado. São corpos que não constituem matéria e peso. A abjeção não é
marcada e não possui uma posição dentro da sociedade, nem como excluída.
A abjeção existe e percebemos sua existência que incomoda e torna a lei
confusa. Mas, segundo Butler (2003), ela não é nem o certo e nem o errado, nem o
dentro e nem o fora, nem o incluso e nem o excluso, pois para todas essas
categorias pressupõe-se que ajam corpos que devem ser evitados e que geralmente
são o oposto dos tidos como modelos de existência, lugares marcados. É uma
operação própria e típica da lei, ela é produzida como binária e, portanto, funciona
por oposição. Assim todas as suas manobras agem no sentido de confirmar a
oposição e o binarismo do mundo.
Assim, o que é certo, é diretamente oposto ao errado e os dois formam
“par” e se afirmam mutuamente. Então, os corpos são abjetos porque não estão
dentro da ontologia, e esta é conhecida e criada a partir do nosso sistema
epistemológico de conhecimento. Um sistema em que prevalece a maneira de
conhecimento do “eu” em detrimento do conhecimento do Outro. Ou seja, a
distribuição ontológica é guiada por relações de poder e interesse.
31
O campo do “eu” não é neutro e dentro desse sistema de conhecimento é
ele quem possui o poder para dizer o que é real ou não, o que existe ou não,
portanto, o que se materializa ou não. E mesmo fora desse campo do que existe, ou
sendo excluído do que é real, os Outros corpos também possuem um conhecimento
e um sistema, mesmo que diferentes do “eu”. Assim, também os corpos excluídos
desse “eu”, ou seja, a realidade excluída não deixa de existir apenas porque deixou
de ser classificada ontologicamente pela epistemologia.
A materialidade se expressa através dos discursos e vale, e muito,
perguntar quais os discursos que podem circular ou que podem ser falados. A
materialidade dos corpos está envolvida nesses discursos que produzem ontologia,
através de formas e normas comportamentais e de conduta, normas normativas e
políticas, mas também através dos atos de nomeação que integram tais discursos. É
no discurso da autoridade, que se revela a presença do poder. Poder primeiro para
dizer e depois para ser ouvido e obedecido.
É importante lembrar que todo discurso é uma reificação de valores e
uma reiteração de sentidos dispostos da forma que se quer destacar e dada a
ênfase que se quer dar em determinados pontos. Então, alguns fatos são
esquecidos enquanto outros são frisados. “E o performativo pode ser uma das
formas pelas quais o discurso operacionaliza o poder” (BUTLER; MEIJER; PRINS,
1999, p. 161).
Os corpos abjetos são contraditórios, e essa é a condição proposital dos
mesmos para que essa contradição invoque uma existência impossível e a imponha.
A abjeção significa ambivalência, ambivalência de pertencer a algum sexo, a alguma
categoria. Talvez a não marcação da abjeção se dê justamente por causa dessa
ambivalência que é a impossibilidade de fixação do corpo a uma só categoria.
Talvez existam outras categorias que não fazem sentido para nós por não se
encontrarem dentro da nossa norma.
Segundo essa perspectiva ressaltada nos estudos pós-estruturalistas, a
nomeação constitui os corpos tornando-os fixo dentro de uma categoria porque a
construção dos mesmos e suas disposições dentro da sociedade se dão por meio
dos discursos criados à sua volta. E o ato de nomear traz consigo delimitações, que
significam limites correspondentes aos nomes.
32
Segundo Butler (apud BUTLER; MEIJER; PRINS, 1999), o abjeto fica fora
do que é nomeado, designado, classificado. Não é o impróprio ou errado, é o que
está fora de cogitação.
2.2 As transformações do corpo
As experiências dos adolescentes, cada vez mais cedo, tais como a
maternidade e a paternidade, uniões afetivas e sexuais estáveis entre sujeitos do
mesmo sexo vem crescendo e se tornando visíveis, sendo cada vez mais variadas e
se modificando cada vez mais, fazendo com que apareçam “arranjos familiares” e
afetando as formas de viver e construir identidades de gênero e sexuais (LOURO,
1997).
A primeira coisa a se refletir, diante dessa realidade é que a sexualidade
não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política. O segundo, o fato de
que a sexualidade é “aprendida”, ou melhor, é construída, ao longo de toda a vida,
de muitos modos, por todos os sujeitos, embora leituras simples intencionam refletir
que a sexualidade é algo que todos nós, mulheres e homens possuímos
“naturalmente”.
Dessa forma, a sexualidade seria algo “dado” pela natureza, inerente ao
ser humano. Tal concepção usualmente se ancora no corpo e na suposição de que
todos vivemos nossos corpos, universalmente, da mesma forma, embora a
sexualidade envolva rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos,
convenções... Processos profundamente culturais e plurais (LOURO, 1997).
Assim, nada há de exclusivamente “natural” nesse contexto, a começar
pela própria concepção de corpo, ou mesmo de natureza. Através de processos
culturais, definimos o que é natural, o que transforma a natureza e a biologia,
fazendo com que os corpos ganhem um sentido social, ou seja, de acordo com cada
cultura.
As possibilidades de expressar a sexualidade também são sempre
socialmente estabelecidas e codificadas, de modo que as identidades de gênero e
sexuais são, portanto, compostas e definidas por relações sociais, elas são
moldadas pelas redes de poder de uma sociedade.
A sexualidade como “dispositivo histórico”, segundo Focault, é uma
invenção social, uma vez que se constitui, historicamente, a partir de múltiplos
33
discursos sobre o sexo: discursos que regulam, que normatizam, que instauram
saberes, que produzem “verdades”. Sua definição de dispositivo sugere a direção e
a abrangência de nosso olhar. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre
esses elementos (FOUCAULT, 1993).
É, então, no âmbito da cultura e da história que se definem as identidades
sociais (todas elas e não apenas as identidades sexuais e de gênero, mas também
as identidades de raça, de nacionalidade, de classe etc.), definindo os sujeitos, na
medida em que esses são interpelados a partir de diferentes situações, instituições
ou agrupamentos sociais (LOURO, 1997).
Reconhecer-se numa identidade supõe, pois, responder afirmativamente
a uma interpelação e estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social de
referência. Nada há de simples ou de estável nisso tudo, pois essas múltiplas
identidades podem cobrar, ao mesmo tempo, lealdades distintas, divergentes ou até
contraditórias.
Assim, as identidades sexuais e de gênero têm o caráter fragmentado,
instável, histórico e plural, afirmado pelos teóricos e teóricas culturais. É possível
afirmar, então, que a ‘compulsão’ pela ‘ordem’, pela ‘pureza’ e pela ‘beleza’ se
espalhou pelo mundo moderno, independente do regime político, se em meio a
democracias liberais ou totalitarismos.
Dessa forma, se manifestou na administração da vida e do corpo das
populações, o que é, segundo Foucault (1993), outra tecnologia de poder que não é
disciplinar (centrada no corpo), mas é regulamentadora (centrada na vida) e se
articula com a “disciplina” (de maneira não excludente)
Nessa perspectiva, tal transitoriedade deixa de se tornar algo tão comum,
para ser alteração essencial, atingindo a “essência” do sujeito. Não é comum um
homem se assumir mulher ou uma mulher se assumir homem.
Pela centralidade que a sexualidade adquiriu nas modernas sociedades
ocidentais, parece ser difícil entendê-la como tendo as propriedades de fluidez e
inconstância, fazendo com que a identidade de gênero seja a mesma que a sexual,
ou melhor, que seja representada assim.
Dessa forma, tentamos fixar uma identidade, afirmando que a realidade
vista hoje é a mesma que sempre existiu, negando qualquer possibilidade de
transição. Por isso existe uma enorme preocupação em saber se os desejos
sexuais, sejam hetero ou homossexuais, são inatos ou adquiridos.
34
Dentro da história, o estudo do comportamento humano envolveu, em
diversos momentos, o questionamento do que é inato e o que é aprendido, o que é
herdado e o que provém da experiência, o que é instintivo ou ambiental, fazendo
surgir verdadeiras dicotomias, geralmente antagônicas da determinação do
comportamento humano.
Os corpos aparentemente são inequívocos, evidentes por si. Assim,
espera-se que o corpo dite a identidade, sem ambigüidades nem inconstância.
Aparentemente se deduz uma identidade de gênero, sexual ou étnica de “marcas”
biológicas; o processo é, no entanto, muito mais complexo e essa dedução pode ser
(e muitas vezes é) equivocada.
Os corpos são significados pela cultura e, continuamente, por ela
alterados. Talvez devêssemos nos perguntar, antes de tudo, como determinada
característica passou a ser reconhecida (passou a ser significada) como uma
“marca” definidora da identidade; perguntar, também, quais os significados que,
nesse momento e nessa cultura, estão sendo atribuídos a tal marca ou a tal
aparência. Pode ocorrer, além disso, que os desejos e as necessidades que alguém
experimenta estejam em discordância com a aparência de seu corpo.
As alterações do corpo com o passar do tempo, com a doença, com
mudanças de hábitos alimentares e de vida, com possibilidades distintas de prazer
ou com novas formas de intervenção médica e tecnológica, vem ocasionando o
surgimento de novos modos de encontrar prazer corporal, alterando práticas sexuais
ou produzindo outras formas de relacionamento entre os sujeitos.
De acordo com as mais diversas imposições culturais, os corpos são
construídos e adequados aos mais diversos critérios estéticos, higiênicos, morais,
dos grupos a que pertencem, variando de acordo com a cultura aos quais
pertencem. O reconhecimento do “outro”, daquele ou daquela que não partilha dos
atributos que possuímos, é feito a partir do lugar social que ocupamos. De modo
mais amplo, as sociedades realizam esses processos e, então, constroem os
contornos demarcadores das fronteiras entre aqueles que representam a norma.
A norma que se estabelece, historicamente, remete ao homem branco,
heterossexual, de classes média urbana e cristão e essa passa a ser a referência
que não precisa mais ser nomeada, antagonicamente estão a mulher representada
como “o segundo sexo” e gays e lésbicas são descritos como desviantes da norma
heterossexual.
35
Enquanto a heterossexualidade é concebida como “natural” e também
como universal e normal, existe uma suposição que os sujeitos tenham uma
inclinação inata para eleger como objeto de seu desejo, como parceiro de seus
afetos e de seus jogos sexuais alguém do sexo oposto, contrapondo-se às outras
formas de sexualidade que são constituídas como antinaturais.
A pedagogia sempre se voltou de forma manifesta para os atributos
lógicos e intelectuais que, através da escolarização dirigida para o que era
substantivo: para a formação de homens e mulheres “de verdade”, discernindo e
decidindo o quanto cada menino ou menina, cada adolescente e jovem estava se
aproximando ou se afastando da “norma” desejada (LOURO, 1997).
Por esta razão é que as marcas permanentes que atribuímos às escolas
não se refletem nos conteúdos programáticos que elas possam nos ter apresentado,
mas sim se referem a situações do dia-a-dia, a experiências comuns ou
extraordinárias que vivemos no seu interior, com colegas, com professoras e
professores. As marcas que nos fazem lembrar, ainda hoje, dessas instituições têm
a ver com as formas como construímos nossas identidades sociais, especialmente
nossa identidade de gênero e sexual.
As
lembranças
escolares
sempre
nos
remetem
aos
primeiros
relacionamentos, amizades e experiências sexuais. Geralmente, estas últimas tem
alguma relação com a escola, ou com alguém que lá se encontrava. É muito comum
os primeiros namoros e os primeiros interesses por outras pessoas nascerem de um
relacionamento na escola.
Outra coisa importante que a escola contribui na vida de cada um é para
a perpetuação do modelo padrão de comportamento dos sujeitos para o resto da
vida, pois é na família e na escola que primeiro se aprende o é “certo” e o que é
“errado”.
Tal fator é tão relevante, que as escolas, mesmo nos dias atuais,
costumam se preocupar, às vezes até transmitem para os pais tal preocupação, com
os interesses sexuais dos alunos e até orientam os mesmos sobre como direcionar
tais interesses, para não correrem o grande “risco” de formar um aluno que possui
um comportamento fora dos padrões “normais” familiares e sexuais.
É muito comum que pessoas jovens que tenham desejos fora da
prescrição do “gênero inteligível”, não revelem tais interesses na escola, seja por
medo do preconceito dos colegas ou mesmo pela reação da própria escola ou dos
36
pais. Mas, tais revelações acabam aparecendo tanto no comportamento que
apresentam nas festas, ou na “vida paralela” que criam nas redes sociais. Pode ser
dita “paralela”, pois nas redes sociais, os jovens costumam retratar o que querem ser
ou o que não tem coragem de demonstrar em suas casas, em suas famílias.
O cinema, a televisão, as revistas e a publicidade (que também exerciam
sua pedagogia) pareciam guias mais confiáveis para dizer como era uma mulher
desejável e tentávamos, o quanto era possível, nos aproximar dessa representação.
A escola, por seu lado, pretendia desviar nosso interesse para outros assuntos,
adiando, a todo preço, a atenção sobre a sexualidade (LOURO, 1997).
Os sujeitos educam seus corpos para um comportamento específico, de
forma que estes parecem não serem capazes de se portar de outra forma que não
daquela a qual está disposta. O autocontrole emocional é passado desde a escola,
de forma que o aluno/aluna deve se comportar adequadamente naquele ambiente,
sem demonstrar qualquer manifestação de desejo ou de prática sexual com colegas.
Um corpo escolarizado é capaz de ficar sentado por muitas horas e tem,
provavelmente, a habilidade para expressar gestos ou comportamentos indicativos
de interesse e de atenção, mesmo que falsos, pois está disciplinado pela escola e
treinado no silêncio e num determinado modelo de fala, concebendo e usando o
tempo e o espaço de uma forma particular. Mãos, olhos e ouvidos estão adestrados
para tarefas intelectuais, mas possivelmente desatentos ou desajeitados para outras
tantas (LOURO, 1997).
Assim, o corpo pode ser disciplinado de várias formas. A ginástica e os
exercícios físicos específicos para “moldar” o corpo da forma que cada um quer,
acabam por discipliná-los e exaltam as características que são interessantes que
cada indivíduo externe.
Cada sujeito, através do seu corpo, seja natural ou artificialmente
construído, só externa aquilo que é interessante para cada um e que demonstra os
sentimentos que quer demonstrar, mesmo sem saber.
Por exemplo, aquela mulher que veste de forma sensual pra o trabalho,
mesmo que, sem qualquer noção de como seria certo, ou errado, ou sem qualquer
norma interna do seu trabalho, acaba por despertar nas pessoas uma imagem, que
ela não quer passar, ou não tem coragem de passar de forma explícita.
Para Foucault (1993, p. 146), “o domínio e a consciência de seu próprio
corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a
37
ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo
corpo”.
Historicamente, os sujeitos tornam-se conscientes de seus corpos na
medida em que há um investimento disciplinar sobre eles. Quando o poder é
exercido sobre nosso corpo, “emerge inevitavelmente a reivindicação do próprio
corpo contra o poder” (FOUCAULT, 1993, p. 146).
Dessa forma, são buscadas formas de resposta, de resistência, de
transformação ou de subversão para as imposições e os investimentos disciplinares
feitos sobre os corpos. Por exemplo, Louro (1997) cita que num corpo de menina, é
um evento marcante a chegada da primeira menstruação. A primeira menstruação
está carregada de sentidos, que (mais uma vez) são distintos segundo as culturas e
a história.
A reclusão e a imobilidade de tempos antigos são substituídas pelo
estímulo à atividade e à higiene dos tempos atuais. A extensa ladainha de cólicas,
dores de cabeça e cuidados parece pouco adequada para o modelo de mulher
dinâmica vendido pela publicidade. Entretanto, em nossa cultura, para muitas
mulheres hoje adultas, não é possível esquecer as antigas recomendações;
recomendações que chegavam até mesmo a impedir de “lavar a cabeça” ou “tomar
banho frio” durante o período menstrual. Nas escolas, essa era uma justificativa
aceita para dispensa das aulas de educação física e muitas garotas faziam uso
desse expediente todos os meses, pois, afinal, nesses dias estavam “doentes”. As
professoras também tinham direito à falta mensal justificada, supostamente devido
ao fato de que suas condições para dar aulas “naqueles dias” poderiam não ser
adequadas (LOURO, 1997).
As marcações de gênero são categorias identitárias que localizam os
corpos e os marca de acordo com uma das duas categorias de gênero possíveis. A
necessidade dessa fixação dos corpos em um dos gêneros serve para identificar e
organizar os corpos tornando-os legíveis, o que facilita a governabilidade dos
mesmos, uma forma de controle.
Assim, um modelo é posto como o representante, é o que Butler (2003)
chama no início de categorias “fundantes”, para depois nomeá-las de “fantasísticas”.
Primeiramente Fundantes porque seriam elas que proporcionam as bases de
formação de uma categoria identitária, e pretendem ser fixas e mostrar às pessoas
que o gênero é algo imutável. Embora não comportem todos os corpos e
38
principalmente dos deslocamentos que eles fazem entre uma categoria e outra, por
exemplo, a paródia de corpos tidos como masculinos, mas que se travestem em
femininos, os casos de hermafroditismo e vários outros corpos híbridos que burlam o
sistema binário oposicional, eles rompem com essas representações ditas
fundantes.
Nesse contexto, as categorias fundantes para Butler (2003) passam a ser
chamadas de “fantasísticas”, não passando de uma invenção que não corresponde
aos corpos reais. Gênero é um ato, um comportamento que é trabalhado. Não existe
um gênero antes do ato ou por trás das atitudes e dos comportamentos. O sujeito se
constitui durante as próprias ações comportamentais. Ou seja, o comportamento não
é conseqüência de um gênero ou sexo; gênero e comportamento acontecem
simultaneamente e são interdependentes.
Dessa forma vê-se a possibilidade de mudar a identidade ou misturar as
identidades de gênero, além de revelar o caráter performativo, das identidades de
gênero, admitindo que a identidade é mutável e construída socialmente a partir do
contato com outras identidades, e que, além disso, desde que nascemos nos
encontramos condicionados por uma norma imputada a nós e esperada que
sigamos pelos outros, podemos perceber a falácia das identidades de gênero.
Porém, fugir a essa norma nos caracteriza como sujeitos ininteligíveis e
deslegitimados, causando exclusão e marginalização de nossos corpos.
Muitas vezes, corpos que fogem à regra estabelecida, significam que
existe um espaço enorme entre um gênero e outro, que um não refere diretamente o
outro, podendo, então, haver vários outros estilos de vivência de corpos. E mais,
com o aparecimento desses corpos “desviantes”, torna-se uma ilusão a idéia de que
gênero e sexo significam a mesma coisa, estão juntos e que existe o “antes”
corporal que é definido culturalmente.
Comportamentos não são determinados por uma constituição anatômica,
e sim por uma construção social. Portanto, gênero é produzido, baseado em uma
matriz, a heterossexual, para melhor governabilidade, e mantido por estruturas
jurídicas consistentes pela via da linguagem. A atuação do gênero dentro da
sociedade é criada e mantida através de hierarquias, facilitando o controle dos
sujeitos. “Homem” como universal e abstrato e a “mulher” é o Outro, concreto e
individual. E eles se relacionam assim como a mente e o corpo, estando um acima
do outro. O homem como a mente e a mulher como o corpo. Mente e corpo operam
39
valores diferentes, assim como homem e mulher. Butler (2003) sugere uma política
de coalizão que rompa com a ideia de univocidade, possibilitando a movimentação
das identidades dentro da sociedade. É uma abordagem antifundacionista que tenta
e quer articular uma noção de identidade mutável e múltipla.
Os sujeitos em sociedade acabam por sofrer imposições diversas sobre
seus corpos através das normas existentes, disciplinando seus corpos em direção a
algo que não estava previsto, ou mesmo não estava sendo sentido por eles. O corpo
é transformado a partir das experiências e dos fatos vivenciados por cada um, em
contextos históricos diferenciados e diversos.
40
3 A FAMÍLIA TRADICIONAL E FAMÍLIA CONTEMPORÂNEA
O Direito Civil, principalmente o direito de família, encerra uma conexão
imediata com os valores que vigoram e que são adotados por determinada
sociedade em certo período histórico.
Assim, incide sobre o direito de família a função social de conceber e
revelar, por meio de previsões legais, o que seria considerado “como fora das
normas”, quais sejam: o afeto e a sexualidade humana.
Importante observar que as transformações de ordem social, econômica,
tecnológica e política ocorridas no mundo moderno atingiram significativamente a
vida privada das pessoas e o modelo de família consagrado como padrão de
referência nos séculos XVIII, XIX e ainda século XX.
Com isso o Código Civil de 1916 passa a espelhar tão somente um
modelo exclusivo de família – o casamento, norteado na desigualdade entre homens
e mulheres quanto a seus papéis e funções sociais, ancorado no autoritarismo
patriarcal. Esse modelo se caracterizava pelo acúmulo do poder econômico e social
da família na imagem do marido-pai.
O Código Civil de 1916 trata as relações jurídicas pertinentes à família,
em plano destacado como uma família fundada exclusivamente no casamento,
patrimonializada, hierarquizada, transpessoal e, necessariamente, heterossexual.
A política legislativa oriunda da França, através do Code Civil, a
preponderância religiosa, herança deixada pela igreja e o arquétipo sócio-político
adotado de Portugal originaram o Código Civil que demarca as funções entre
homem e mulher no seio familiar e que determina formas de conduta peculiar a cada
pessoa integrante do conjunto familiar, diferenciando todos os filhos advindos de
relações não propriamente vinculadas ao casamento.
As construções histórico-políticas sobre a família brasileira destacam que
ela funcionava como uma unidade de produção: quanto mais filhos, maior a força de
trabalho, portanto aumentando também as condições de sobrevivência. A família era
um grupo amplo, no qual a autoridade do chefe ultrapassava a família nuclear, se
prolongando aos outros entes: avós, tios, sobrinhos etc., até mesmo empregados.
41
Como unidade de produção a família buscava a soma de patrimônio e sua posterior
transmissão à prole (LEITE, 1991).
A chefia da família era sempre exercida pelo marido-pai, homem com total
poder de direção exclusiva da família: fixação do domicílio, responsável pela
administração dos bens comuns e particulares da mulher e a representação legal,
cuja origem tinha um caráter econômico, preocupado com sua sobrevivência
material, biológica e cultural.
Nesse contexto, o marido está inserido no vértice da pirâmide familiar,
determinando o destino de todas as pessoas que lhe eram subordinadas: filhos,
parentes e empregados.
Esse modelo de família está devidamente consubstanciada nos seguintes
artigos do Código de 1916: O marido é o chefe da sociedade conjugal (art. 233);
toca-lhe a representação legal da família (art. 233, I); administrar os bens comuns e
particulares da mulher que ao marido incumbir administrar (art. 233, II), o direito de
fixar o domicílio da família (art. 233, III); prover a manutenção da família (art. 233 IV);
o trabalho profissional da mulher depende da autorização do marido (art. 233, V); a
mulher assume necessariamente com o casamento os apelidos do marido (art. 240)
(BRASIL, 1916).
Assim, existia uma enorme discriminação em relação à mulher na esfera
familiar. A mulher ocupava posição de inferioridade na sociedade conjugal, devendo
plena obediência e submissão ao marido, desempenhando o papel de esposa e
mãe. O Código Civil agasalhava a idéia de sua incapacidade e lhe repudiava a
legitimidade para praticar certos atos jurídicos, quando da contração de núpcias. A
mulher estava inteiramente à margem da direção da família, A ela competia somente
o dever de realizar as tarefas do lar: organização da casa e educação dos filhos.
Quanto ao direito de filiação, apenas ao pai pertencia o pátrio poder dos filhos
legítimos, pois era tido como decorrência da chefia da família, à mãe somente cabia
o exercício do pátrio poder subsidiariamente, na falta ou impedimento do marido.
Foi a partir do Estatuto da Mulher Casada – Lei n. 4.121/62 que o marido
passou a exercer algumas funções com a colaboração da esposa. Aos filhos
cumpria unicamente a subordinação à autoridade paterna, sem nenhuma
42
possibilidade de contestar qualquer situação que se apresentasse contrária a sua
vontade ou sentimento
A disciplina jurídica do Código Civil, pela qual a tutela dos filhos estava
vinculada à espécie de relação pré-existente entre seus pais, respondia a uma lógica
patrimonialista bem definida. Em primeiro lugar, os bens deveriam ser concentrados
e contidos na esfera da família legítima, assegurando-se a sua perpetuação na linha
consangüínea, como que resguardados pelos laços de sangue. Em seguida, e em
conseqüência, por atrair o monopólio da proteção estatal à família, o casamento
representava um valor em si, identificava-se com a noção de família (legítima), de
sorte que a sua manutenção deveria ser preservada a todo custo, mesmo quando o
preço da paz (formal) doméstica fosse o sacrifício individual de seus membros, em
particular da mulher e dos filhos sob o pátrio poder (TEPEDINO, 1997).
Os filhos extramatrimoniais eram considerados ilegítimos, estando à
margem do sistema codificado, discriminados, largados à marginalidade, tudo em
nome da família matrimonializada.
Seguindo um princípio de exclusão, o Código de 1916 não trata da
matéria no tocante à família ilegítima; as escassas informações que traz do
concubinato são para proteger e preservar a própria família matrimonializada e não
com o intuito de reconhecer legalmente essas uniões de fato, porque estas são
meramente desprezadas, não prevendo qualquer forma de amparo legal no Direito
de Família.
O concubinato era tratado no âmbito do Direito Obrigacional, como
sociedade de fato, pois não era considerado como instituição familiar.
Nesta família codificada, a afetividade não tinha papel relevante, o que se
tornava imprescindível era ocultar a verdadeira função do matrimônio, que se
alicerçava, única e exclusivamente, na proteção de interesses econômicos. A família
enquadrada no Código Civil de 1916.
O direito de família, como parte da codificação civil, sofreu essas
vicissitudes, em grau mais agudo. A mulher foi a grande ausente na
codificação. As liberdades e igualdades formais a ela não chegaram,
permanecendo a codificação, no direito de família, em fase pré-iluminista.
Nas grandes codificações do século passado (e a concepção de nosso
Código Civil é oitocentista), o filho é protegido sobretudo na medida de seus
interesses patrimoniais e o matrimônio revela muito mais uma união de
bens que de pessoas (CARBONERA, 1998, p. 280).
43
Note-se que se a entidade familiar existente era, na vigência do Código
de 1916, aquela fundada, tão-somente, no casamento e que as relações
extramatrimoniais entre um homem e uma mulher ficavam sem qualquer proteção
legal, imagine-se, então, as uniões entre dois homens ou entre duas mulheres.
Com absoluta influência do direito canônico no Código Civil de 1916,
evidentemente as uniões homoafetivas são igualmente ignoradas legalmente, como
outras situações que não se enquadrassem nos moldes estabelecidos da época.
Estas são qualificadas pela sociedade como moralmente reprováveis e,
no plano religioso, pecaminosas. Todo o envolvimento sexual que não tivesse
finalidade reprodutiva era visto como impuro, pervertido e excêntrico, importando na
violação das leis divinas.
Quando, no Brasil, a mentalidade científica veio a prevalecer sobre a
religiosa, abandonou-se a condenação das práticas homoafetivas para torná-las algo
anormal, fruto de uma patologia. Pois bem, aquilo que era visto como imoralidade
passou a ser tratado como patológico.
Por razões de ordem cultural, religiosa, econômica e social do momento,
a concepção jurídica tradicional do conceito de entidade familiar não continha
qualquer espaço para a consideração das uniões de pessoas do mesmo sexo.
Somente a partir da segunda metade do século XX abriram-se novas
perspectivas, em virtude das transformações na conjuntura social que exigiram a
promulgação de uma nova Constituição, que desafiava as antigas concepções da
Codificação de 1916, no sentido em que as sujeitou a um controle sistemático de
conformidade aos novos preceitos e princípios constitucionais, culminando com um
novo paradigma familiar: a afetividade, que passou a ganhar um lugar de destaque
na identificação de entidades familiares.
Por isso, não se pode olvidar que a doutrina do direito civil-constitucional
provocou um novo rumo na interpretação normativa no campo do Direito Civil,
influenciando nas transformações, em especial, daquelas relações consideradas
como sendo familiares, devido à interpenetração dos princípios constitucionais sobre
as relações privadas.
Contemporaneamente, o modelo considerado “padrão”, o normativo, não
se adequa mais às funções inflexivelmente determinadas pelos atributos de se ser
44
homem ou mulher. Os filhos não estão mais sujeitos à obediência inquestionável do
pai.
As novas famílias não representam apenas o seio da imortalidade dos
vínculos consangüíneos e da defesa do nome e de bens patrimoniais dos
antepassados, objetivos estes que, antigamente, se estabeleciam na razão de ser
de toda a sua constituição.
Sendo plural, a família acolheu e absorveu as modificações decorrentes
de mudanças econômico-políticas da sociedade, bem como: o ingresso da mulher
no mercado de trabalho, os meios contraceptivos, os avanços da engenharia
genética, entre outros.
O modelo de família moderna mudou no tecido normativo brasileiro. Isso
se expressa com o advento da Constituição Federal de 1988 que, a partir dos artigos
226 e parágrafos, constatou normativamente e por intermédio dos princípios
constitucionais que as formas e as organizações familiares são plurais e são
consubstanciadas na solidariedade e assistência mútua dos seus integrantes, muito
mais do que no comando da lei.
O teor do texto constitucional no que tange ao direito de família legitimou
e reconheceu juridicamente o que a vida cotidiana na sociedade há muito tempo já
expressava: múltiplas formas de constituição de família, onde o lar é considerado o
lugar de abrigo e da manifestação do afeto entre seus membros. O modelo clássico
de família, assim, vai sendo substituído pela concepção do modelo contemporâneo
de família.
O
desenvolvimento
“constitucionalizada”
do
Direito
dessa
de
temática
Família
passa
devido
às
pela
suas
dimensão
implicações,
especialmente a superação do modelo da grande família matrimonializada e o
reconhecimento de novos desenhos das relações familiares (FACHIN; FACHIN,
2001).
Insista-se dizer que o papel do afeto, com o advento da Lei Maior, passa
a ter atribuição preponderante juridicamente no sentido do reconhecimento das
novas organizações familiares: casamento; união estável e a família monoparental,
além daquelas não previstas expressamente.
A Constituição adotou um “sistema aberto”, pois, ainda que tenha
abarcado novas formas de famílias, não o fez de forma a incluir todas as uniões
45
afetivas possíveis e já averiguadas no cenário social. No capítulo destinado à
família, a Carta Maior deixou de considerar explicitamente as uniões formadas por
dois homens ou duas mulheres, como também não declarou uma tutela típica para
outros arranjos familiares, tais como: os constituídos por avós e netos, irmãos entre
si, tios e sobrinhos, demonstrando que existem situações não envolvidas pelo direito
positivado, deixando para a jurisprudência e legislação infraconstitucional a
incumbência de construí-lo pela concretização dos princípios constitucionais e da
aplicação dos direitos fundamentais.
Logo, a ordem constitucional, de forma específica, por meio do art. 226 e
seus parágrafos, consagrou novos modelos de organização familiar e, de forma
ampla, pelo princípio que direciona o ordenamento infraconstitucional para a
promoção da dignidade da pessoa humana, tornou viável juridicamente o
reconhecimento de outras formas de expressão da sexualidade, permitindo
maneiras distintas de constituição de família que não somente aquela fundada no
casamento.
A possibilidade de reconhecimento da união homoafetiva como entidade
familiar deriva do princípio da igualdade visto juridicamente sob o ângulo da nãodiscriminação por causa do sexo e, portanto, em função da liberdade de orientação
sexual, decorrente da autonomia ética que deve ser assegurada ao sujeito no
sentido de definir o que entende como seu projeto de realização pessoal e seu
contexto de felicidade.
Essa transição da família codificada para família constitucionalizada
representa, para o Direito brasileiro, uma mudança radical de paradigma, cujo valor
fundamental do ordenamento está alicerçado no que designa como princípio da
dignidade humana.
A essa incorrência e constante inserção dos novos valores e máximas
constitucionais sobre a matéria infraconstitucional denominou-se de: o fenômeno
hermenêutico da constitucionalização do direito civil.
A Constituição como organização jurídica fundamental de um Estado e
como norma fundamental a posicionar-se no mais alto degrau da hierarquia das
fontes tem a atribuição de adequar e sistematizar toda a legislação que lhe está
subordinada.
A Constituição ocupa o lugar mais alto na hierarquia das fontes. Daí,
46
[...] a obrigação – não mais livre escolha – imposta aos juristas de levar em
consideração a prioridade hierárquica das normas constitucionais, sempre
que se deva resolver um problema concreto. A solução para cada
controvérsia não pode mais ser encontrada levando em conta simplesmente
o artigo de lei que parece contê-la e resolvê-la, mas, antes, à luz do inteiro
ordenamento jurídico, e, em particular, de seus princípios fundamentais,
considerados como opções de base que o caracterizam (PERLINGIERI,
1999, p. 3).
Insista-se dizer que juntamente com essa significativa revisão de valores,
fomentou a Constituição de 1988, na realidade, uma reunificação do sistema
jurídico, transferindo para “a tábua axiológica” da Constituição da República o ponto
de referência antes reservado ao Código Civil.
Assim, a Constituição torna-se o fundamento que imprime unidade ao
ordenamento jurídico, receptáculo de valores e princípios que subordinam todos os
campos do Direito. Isto porque o Código Civil já abalado em suas concepções pelo
crescente processo de industrialização e pelos movimentos e agitações sociais foi
atingido diretamente pela intervenção estatal, cada vez mais necessária, na tentativa
de se corrigir o desequilíbrio verificado no contexto.
A constitucionalização do direito privado, em especial, no que concerne
ao direito de família obteve forte penetração. A dignidade da pessoa humana,
fundamento da República Federativa (art. 1º, III, CRFB/88) e a busca da justiça
social possibilitaram extrair o valor jurídico do afeto e as suas manifestações
(BRASIL, 1988).
Mediante a admissibilidade da primazia dos valores consagrados de
maneira democrática no texto constitucional, a constitucionalização do direito
civil/constitucional, no que diz respeito a evolução das relações familiares, propiciou
que a Carta Maior estabelecesse novos contornos no campo axiológico,
redirecionando o direito de família brasileiro por meio dos princípios da dignidade da
pessoa humana, igualdade substancial e da solidariedade.
A família, na forma como é definida pela Constituição Federal representa
a concretização de ideais e anseios daqueles que não mais acreditavam que
pudessem encontrar amparo e reconhecimento jurídico nos fatos sociais não
codificados.
Da mesma forma, como é concebida no Código Civil de 2002, Lei n.
10.406, a família apresenta diversos dilemas, desde a interpretação das normas ali
47
contidas à ausência de enfrentamento de questões advindas do desenvolvimento da
sociedade moderna que clamam por um pronunciamento na esfera jurídica (BRASIL,
2002).
Assim, o Código é idealizado num momento de transição que se reflete no
seu próprio conteúdo. Momento este que carrega as incoerências entre a nova
noção constitucionalizada de família e o antigo modelo tradicional de família
codificada.
A Constituição não privilegia tão-somente a família matrimonializada,
contempla também outras formas de entidades familiares. De forma conjunta com a
jurisprudência procura desburocratizar o processo de separação, concedendo maior
autonomia aos casais. Ao tratar da família, elabora ferramentas jurídicas que
possam impedir toda e qualquer violência nas relações familiares, proibindo a
punição física da criança.
No entanto, o novo Código procura insistir para que o casamento seja o
fundamento de toda vida familiar e desencoraja as pessoas na escolha da união
estável, impondo severas restrições aos seus direitos patrimoniais. Exige a
atribuição de uma falta a um dos cônjuges para que a separação de corpos seja
reconhecida judicialmente.
Além disso, o novo Código silenciou sobre alguns assuntos que, se
disciplinados, promoveriam determinados avanços no âmbito jurídico, entre eles: a
regulamentação da guarda compartilhada; a posse de estado de filho, a filiação
socioafetiva; as questões sobre bioética; o reconhecimento das uniões homoafetivas
como entidade familiar, além de outras hipóteses.
As questões propriamente inovadoras não foram enfrentadas, perdendo a
nova consolidação a chance de fomentar certos progressos. Por exemplo: não
previu a guarda compartilhada; omitiu-se do assunto no que tange às configurações
de famílias monoparentais; também, não consagrou a posse de estado de filho, a
filiação socioafetiva; nem mesmo normatizou as relações de intimidade entre
homens, mulheres, transexuais, etc, que vêm recebendo da jurisprudência
reconhecimento como entidade familiar.
Dessa maneira, o atual Código deve ser lido e interpretado conforme os
valores e princípios fundamentais contidos no texto constitucional, para que se
48
possa dar integral eficácia aos direitos e garantias à pessoa humana. Ainda que a
Constituição tenha alargado o conceito de entidades familiares, mesmo assim, no rol
constitucional, não se encontram enumeradas todas as conformações familiares que
se manifestam em sociedade (DIAS; PEREIRA, 2001).
É imperioso que se proceda a uma rigorosa interpretação sistemática no
âmbito do nosso ordenamento jurídico, a fim de que se possa compreender que a
legislação implicitadamente consagra diversas outras formas de entidades familiares
como: a família monoparental por adoção; a família formada por dois irmãos; por
avós e netos, tios e sobrinhos, a família homoafetiva entre outras.
49
4 AS UNIÕES HOMOAFETIVAS COMO ENTIDADE FAMILIAR
O significado etimológico do vocábulo “homossexualidade” é constituído
pelo termo grego homo, que quer dizer semelhante, e pelo outro termo advindo do
latim sexus, que denota a identificação da espécie masculina e feminina.
Surgiu pela primeira vez em inglês, no ano de 1890, sendo utilizado por
Charles Gilbert Chaddock, tradutor de Psychopathia Sexualis, de Richard von KrafftEbing.
Anteriormente ao ano 1890, empregava-se a palavra “inversão” para
qualificar as relações eróticas e práticas entre dois homens ou entre duas mulheres.
Este designativo “inversão” abarcava todas as noções avaliadas como desvirtuadas
dos modelos majoritários de predileção sexual.
No Brasil, eram aplicados os termos “sodomita”, “somitigo”, “uranista” para
o homem, enquanto que para a mulher homossexual denominava-se “tríbade”.
Pela primeira vez em 1882, a expressão “invertido” foi usada, por Magnan
e Chacot, para apontar um provável caráter doentio na preferência sexual por
pessoas do mesmo sexo e para retratar o conseqüente quadro de deturpação desta
visão estigmatizada por homens efeminados e por mulheres masculinizadas.
Outra denominação em geral utilizada para tachar o sexo entre iguais fora
o termo “perversão”. Sua origem vem do latim perverse, que exprime o agir às
avessas, o que é contrário à moral. Uma observação realizada por Costa (1992, p.
77) é com relação à:
[...] preferência pelo emprego da palavra ‘homoerotismo’, ao invés de
‘homossexualismo’:‘Prefiro o termo homoerotismo a homossexualismo
porque este último, além da conotação preconceituosa do senso comum,
está excessivamente comprometido com a ideologia psiquiátrica que lhe
deu origem. Fora isso, homossexualismo tem a desvantagem de ser uma
noção teoricamente frouxa e clinicamente pobre. Sem meias palavras, é
uma noção que, quando não atrapalha, também não ajuda. Homoerotismo,
ao contrário, obriga-nos a rever o modo como pensamos no fenômeno da
atração pelo mesmo sexo. Historicamente, a palavra foi empregada com
sentido próprio, distinto de homossexualidade, por Ferenczi, em um dos
melhores estudos sobre o tema produzidos pela literatura psicanalítica.
Em 1869, um médico húngaro chamado Karoly Benkert, expediu uma
missiva ao Ministério da Justiça da Alemanha do Norte em defesa dos
homossexuais que eram importunados por dissidências políticas. O Dr. Benkert,
nessa carta, defendia a heterossexualidade como comportamento normal, e
contrario sensu, anormal o homossexualismo, porém, inferia-se de seus estudos que
50
este comportamento, de amor e sexo que transcendia o enfoque padrão, era algo
inato e não adquirido.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) possui uma publicação mundial
designada “Classificação Internacional das Doenças” (CID). A CID n. 9 foi publicada
em 1975 e nela o homossexualismo estava classificado como diagnóstico
psiquiátrico inserido no capítulo das “doenças mentais”, no sub-capítulo dos “desvios
e transtornos sexuais”, sob o código n. 302.0.
Em 1985, numa das suas revisões periódicas, a OMS publicou uma
circular que explicava que o homossexualismo não mais encontrava suporte
defensável como problema psíquico, pois não existiam sintomas que justificassem
considerá-lo uma doença. Passou por isso, do capítulo das doenças mentais da CID
para o capítulo dos “sintomas decorrentes de circunstâncias psicossociais”.
Desde 1995, todavia, quando da divulgação da CID n. 10, referências à
homossexualidade não mais apareceram. Assim passou o homossexualismo a não
mais ser tratado como doença, alterando a sua designação para homossexualidade,
pois o sufixo “dade” significa modo de ser e agir, enquanto o sufixo “ismo” designa
doença.
Por fim, a expressão que atualmente vem sendo consagrada pelos
doutrinadores no âmbito jurídico é denominada de “união homoafetiva”. Vocábulo
criado pela então Desembargadora Maria Berenice Dias e utilizado pela primeira vez
em seu livro: “Uniões Homossexuais, o Preconceito e a Justiça” para reconhecer a
união entre pessoas designadas do mesmo sexo, pois a visão contemporânea de
toda
comunhão
de
vida,
seja
ela
homoafetiva
ou
heteroafetiva,
está
consubstanciada no afeto e não mais na relação sexual.
Percebe-se, assim, com essa nova nomenclatura, uma preocupação com
a pessoa humana, com desenvolvimento de sua personalidade a partir da palavra
“afeto”, sendo esta, segundo Tepedino (2004), o elemento finalístico da proteção
estatal, para cuja realização deve convergir todas as normas de direito positivo, em
particular aquelas que disciplinam o direito de família, regulando as relações mais
íntimas e intensas do indivíduo no social.
A dignidade do ser humano é valor fundamental, por isso não há razão de
ser para não considerar na concepção de entidade familiar àquelas formadas por
pessoas designadas do mesmo sexo, pois essa interpretação se coaduna com os
objetivos e princípios fundamentais da Constituição. A Carta Magna atendeu às
51
necessidades da família pluralista contemporânea, ao delinear a família com base
em fundamentos socioafetivos, valorizando a dignidade da pessoa humana
(CRFB/88, art. 1º, III); garantindo os princípios da igualdade formal e substancial
(CRFB/88, arts. 3º e 5º); da liberdade (CRFB/88, art. 3º, I); da solidariedade social
(CRFB/88 art. 3º, I); da não discriminação (CRFB/88, arts, 3º, I e IV); da
inviolabilidade da intimidade e da vida privada (CRFB/88, art. 5º, X), caracterizando,
assim, a família como “instrumento” de realização de seus membros (CRFB/88, art.
226, § 8º) e não mais como “instituição”, permitindo, portanto, a abertura de novos
tipos de família não elencados expressamente, dentre eles as uniões homoafetivas
(BRASIL, 1988).
Insista-se dizer que quando considerados os princípios já mencionados
contidos na CRFB/88, confere-se legitimidade e proteção jurídica aos diversos
modelos de entidade familiar.
Interessa sobrelevar os formatos que se aproximam do conceito de
família contemporânea tem o seu fundamento baseado no afeto, demonstrado como
autêntico direito à liberdade de se autodeterminar emocionalmente, que se acha
assegurado constitucionalmente. Impedir proteção à relação homoafetiva como
entidade familiar é repelir o seu entendimento, atual, como família funcionalizada,
eliminando a proteção da pessoa humana e restituindo a família a seu estado
primitivo, numa época institucionalista já ultrapassada, como se a proteção não
fosse dispensada à pessoa, conspirando contra a sua intransigível dignidade. É,
inclusive, negar a aplicabilidade dos princípios constitucionais no seio de um Estado
Democrático de Direito.
Não se pode admitir, atualmente, principalmente no Direito de Família,
que as regras jurídicas em geral – e as constitucionais em particular – tragam
sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as
quais incidem, sob pena de retrocesso jurídico e engessamento do sistema. E que,
assim, caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo
preexistente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua
concretização.
A afirmação da autonomia da ciência jurídica e as conseqüentes
tentativas de definir a chamada “realidade jurídica” como alguma coisa que possa
viver separadamente da realidade social, econômica ou política é herança que ainda
pesa muito sobre os juristas e sobre o ensino do Direito.
52
Em todos os tipos de entidade familiar há características comuns, sem as
quais não se configuram como tal. O que se almeja destacar é que a proteção
jurídica dada às entidades familiares, no mundo moderno, é atribuída ao “conteúdo”
familiar ou à substância e, não mais exclusivamente a “forma”.
A família não está resguardada pela maneira através da qual se estrutura,
mas em razão da função que desempenha: como espaço de troca de afetos,
assistência moral e material, auxílio mútuo, companheirismo ou convivência entre
pessoas humanas, quer sejam do mesmo sexo, quer sejam de sexos diferentes.
Portanto, observando a família como função que exerce, não há mais
lugar para eximir-se da tutela a novos tipos de vínculos afetivos, ainda que
inexistindo regulamento expresso pelo constituinte. O que importa é que haja
semelhança pelo mesmo fundamento, pela mesma ratio e pela mesma função para
que novos elos afetivos sejam considerados entidades familiares, além da total
observância dos princípios constitucionais que as protegem.
Daí a possibilidade de aplicação da analogia ao § 3º do art. 226, não
havendo relevância a exigência de condição de diversidade de sexo, mesmo porque
o princípio da não discriminação é valor jurídico de primazia, proclamado tanto no
art. 3º, IV da Lei Maior, quanto e, principalmente, no art. 3º, I como um dos objetivos
fundamentais de construção de uma sociedade que se anseia livre, justa e solidária,
e, além disso, não se pode olvidar, também, que diante da admissibilidade de
qualquer tipo de forma familiar, desde que presentes os seus elementos e a sua
funcionalização, o dispositivo referido é de cunho meramente exemplificativo.
Dias (2000) acrescenta novo argumento, através de interpretação do § 4º
do art. 226, corroborando ainda mais o entendimento que as uniões homoafetivas,
com a utilização da analogia e da “tábua axiológica” trazida pela Constituição
Federal de 1988 devem ser equiparadas às uniões estáveis e consideradas
entidades familiares. Ainda segundo a autora:
Não há, portanto, como deixar de visualizar a possibilidade do
reconhecimento de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo. O
adjunto adverbial de adição ‘também’, utilizado no § 4º do art. 226 da CF, é
uma conjunção aditiva, a evidenciar que se trata de uma enumeração
exemplificativa da entidade familiar (DIAS, 2000, p. 11).
Assim, ancorada nos valores constitucionais e caracterizada como uma
realidade presente, as uniões homoafetivas ganham proteção do Poder Judiciário
como entidade familiar, com base em diversas fundamentações, tendo em vista a
ausência de uma legislação específica sobre o tema.
53
4.1 A total ausência de legislação específica
Apesar da luta incessante para se alcançar o devido respeito e dignidade
das uniões de pessoas do mesmo sexo, ainda existem muitos preconceitos.
Contudo, hoje, não se pode negar uma maior aceitação e amadurecimento da
sociedade, embora ainda muito haja muito a ser realizado para extirpar esta visão
deturpada daqueles que não têm voz e vivem marginalizados.
A reivindicação de pessoas designadas como pessoas do mesmo sexo
pelos seus direitos é legítima, mas permeada de obstáculos e insucessos. O Brasil
está entre os países cujo ordenamento jurídico não prevê a criminalização, mais
também não promove qualquer regra expressa de proteção efetiva aos direitos
fundamentais dos homossexuais.
No Brasil não há texto literal de lei protegendo expressamente às uniões
entre pessoas designadas como do mesmo sexo e, é nesta idéia que se baseia toda
a argumentação contrária ao reconhecimento dessas uniões como entidade familiar.
O que se pode apontar de relevante, dentro da legislação pátria, foi a
aprovação, em 23 de novembro de 2006 pela Câmara dos Deputados do Projeto de
Lei n. 5.003-B de 2001, da deputada Iara Bernardi, alterando o texto da Lei n.
7.716/89, que define crimes resultantes de preconceitos de raça ou de cor, para
incluir novas situações tipificadas como crime resultante da discriminação ou
preconceito (BERNARDI, 2001).
Cabe ressaltar que este é o primeiro Projeto de Lei aprovado pelo
plenário da Câmara que protege de forma específica os homossexuais no que
pertine a discriminação por motivo de orientação sexual. A proposta estende a
aplicação da lei ao preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de
gênero.
Em 7 de dezembro, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados remeteu
a matéria à apreciação do Senado, através do ofício n. 589/06/PS-GSE.44. Não se
pode questionar que este fato abre caminho para novas conquistas legislativas com
relação às uniões homoafetivas.
Outra tendência favorável ao reconhecimento das uniões homoafetivas
como entidades familiares se verifica na Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, a
chamada Lei Maria da Penha, que cria mecanismos para coibir a violência
54
doméstica e familiar contra a mulher. O art. 2º 45 assegura a mulher o gozo dos
direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, independentemente de
orientação sexual, e o parágrafo único do art. 5º, afirma que independem de
orientação sexual todas as situações que configuram violência doméstica e familiar.
É certo que, pelo prescrito nestes dispositivos, pode-se constatar a proteção nas
hipóteses de violência física ou psíquica que envolvem duas mulheres numa relação
afetiva, com todas as características de vida em comum. E como a lei emprega a
expressão “violência doméstica e familiar”, pode-se evidenciar uma abertura do
legislador a abranger essas uniões como entidade familiar (BRASIL, 2006).
Muito embora seja para alguns juristas e doutrinadores a lei o único
instrumento para amparar e reconhecer direitos, o fato é que se vive hoje uma
grande revolução no Direito. A inexistência de um ordenamento jurídico específico
para um determinado caso concreto não significa que direitos não possam ser
garantidos; a jurisprudência, a interpretação sistemática das leis, a analogia, a
aplicação dos valores e princípios constitucionais atestam a possibilidade de se
assegurar direitos mesmo sem previsão literal da lei. É o caso das uniões
homoafetivas como entidade familiar, cuja previsibilidade não se encontra
legalmente de forma explícita, mas que de maneira implícita é considerada como tal,
aplicando conjuntamente a hermenêutica civil-constitucional, além da analogia e
outras formas de interpretação a que o direito disponibiliza ao intérprete.
4.2 A Constituição Federal como amparo legal para o reconhecimento das
uniões homoafetivas como entidade familiar
São muitas as fontes de Direito a comunicar-se num diálogo criativo,
distanciando-se do positivismo da norma. Acompanhando essa disposição de
pensamento, confia-se que a matéria aqui abordada contém argumentos capazes,
para reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar, de maneira a
legitimarem os seus efeitos jurídicos.
Esta visão jurídica é harmônica com os princípios que orientam o atual
Direito de Família (dignidade, igualdade, liberdade, privacidade, solidariedade,
afetividade, vedação de discriminação de qualquer ordem), pólos axiológicos
irradiadores e aglutinadores do presente sistema jurídico. Antes de analisar cada um
desses princípios e para melhor fundamentar a pesquisa em tela, cabe aqui
55
examinar uma questão, cuja doutrina ainda não se entende pacífica, qual seja, se
existe hierarquia entre os princípios constitucionais considerados em si mesmos.
Aplicando-se as premissas e os conceitos antes formulados ao Direito
Constitucional, mais precisamente à Constituição, pode ser esta adequadamente
conceituada como uma rede axiológica e hierarquizada de princípios, de normas e
de valores de ordem suprema, cuja função é a de, evitando ou superando
antinomias axiológicas, dar cumprimento aos objetivos fundamentais do Estado
Democrático de Direito. Assim, uma interpretação constitucional, sobre levar em
conta os princípios e subprincípios hermenêuticos, exige uma consideração unitária
que não afaste a possibilidade de antinomias, nem de normas constitucionais
inconstitucionais, mas que faça ver todas as disposições de núcleo constitucional
sob o prisma esclarecedor dos imediatamente eficazes e nada inócuos princípios
superiores, apesar de, não raro, serem estes veiculados em normas de eficácia
limitada (FREITAS, 1995).
Uma segunda corrente se fundamenta na juridicidade. Daí ser forçoso
admitir que não há hierarquia entre os princípios constitucionais. A ordem jurídica é
um sistema, o que se depreende completude, estabilidade e coerência. Em um
sistema, suas diversas partes devem coexistir sem confronto inarredável. Com isso,
“todas as normas constitucionais têm igual dignidade; em outras palavras: não há
normas constitucionais meramente formais, nem hierarquia de supra ou infraordenação dentro da Constituição.
O que existem são princípios com diferentes níveis de concretização e
densidade semântica, mas nem por isso é correto dizer que há hierarquia normativa
entre os princípios constitucionais.
Por força do princípio da unidade da Constituição, inexiste hierarquia
entre normas constitucionais onde são espécies as regras e os princípios, cabendo
ao intérprete a busca da harmonização possível, in concreto, entre comandos que
tutelam valores ou interesses que se contraponham. Conceitos como os de
ponderação e concordância prática são instrumentos de preservação do princípio da
unidade, também conhecido como princípio da unidade hierárquico-normativa da
Constituição (BORGES, 1993).
Dessa forma, vale ressaltar o significado, mesmo que de forma breve, dos
princípios constitucionais mais utilizados nas decisões judiciais que julgam de forma
favorável, concedendo direitos às famílias homoafetivas Brasil afora.
56
4.2.1 Princípio da dignidade da pessoa humana
A dignidade é o marco jurídico que se constitui no núcleo fundamental do
sistema brasileiro dos direitos fundamentais; significa que o ser humano é um valor
em si mesmo, e não um meio para alcançar outros fins.
A noção de dignidade humana está particularmente associada à
concepção de direitos fundamentais, nos seus mais abrangentes aspectos, que se
complementam reciprocamente: individual, política e socialmente.
Em maio de 1949 surge o primeiro documento legislativo a consagrar o
princípio à condição de direito fundamental, qual seja, a Lei Fundamental de Bonn,
da República Federal da Alemanha, sendo posteriormente adotada pelas
Constituições portuguesa e espanhola. Seu amparo originou-se da percepção
universal da imprescindibilidade de proteger e respeitar a pessoa humana,
libertando-a de atos de crueldade e massacre, como os que foram praticados pelos
nazistas contra os homossexuais nos campos de concentração ou extermínio na
Segunda Guerra Mundial.
Assim, em oposição a tais desumanidades (destacadamente as
realizadas pelo nazi-fascismo), resulta a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, proclamada, em 1948, pelas Nações Unidas, cujo teor do art. 1º era o
seguinte: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, não paginado).
Dessa forma, a reunião desses direitos destina-se a possibilitar à pessoa
humana a atender as suas exigências básicas para uma vida digna e para que se
realize enquanto tal, seja no enfoque material ou emocional.
Princípios, por sua vez, contêm relatos com maior grau de abstração, não
especificam a conduta a ser seguida e se aplicam a um conjunto amplo, por vezes
indeterminado, de situações. Em uma ordem dialética, os princípios freqüentemente
entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua
aplicação deverá se dar mediante ponderação: à vista do caso concreto, o intérprete
irá aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante
concessões recíprocas, e preservando o máximo de cada um, na medida do
possível.
57
4.2.2 Princípio da igualdade
A questão da igualdade é uma preocupação permanente do direito, pois
está intimamente ligada ao próprio sentido de justiça. O princípio da igualdade se
apresenta de duas formas: a igualdade formal, segundo o qual “todos são iguais
perante a lei”, art. 5º da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). É o direito de
não receber qualquer tratamento discriminatório, no direito de ter direitos iguais aos
de todos os demais.
Contudo esta espécie de igualdade não é suficiente para não privilegiar
nem discriminar, isto porque os indivíduos não possuem idênticas condições sociais,
econômicas ou psicológicas. Empregou-se, normativamente, outra forma de
igualdade, a denominada igualdade substancial, art. 3º, III da Constituição da
República, cuja medida prevê a necessidade de tratar as pessoas, quando
desiguais, em conformidade com a sua desigualdade.
A maior questão a ser desvendada com a formulação da igualdade
substancial é a reivindicação de um “direito à diferença”. Ao invés de se reivindicar
uma “identidade comum”, são necessárias que sejam apreciadas as diferenças que
existem entre os seres humanos, como por exemplo: os sadios e deficientes; cultos
e analfabetos; heterossexuais e homossexuais. Daí a sugestão de substituir o termo
“identidade” por “reconhecimento”. Na idéia de identidade existe o sentido de
“mesmo”, enquanto que no reconhecimento permite a dialética do mesmo com o
outro. É o reconhecimento do outro, como ser igual a nós.
4.2.3 Princípio da liberdade
A autonomia privada, durante muito tempo, confundiam-se num mesmo
conceito, principalmente quando se referia a igualdade formal, visto que na esfera
patrimonial se concedia ao indivíduo enorme poder de disposição, é claro, se este
possuísse bens. Deste ambiente era o Código Civil o centro de todo o ordenamento
jurídico. O Código proporcionava plena liberdade àquele que representava o valor
fundamental da época liberal: o indivíduo-burguês livre e igual, sujeitando-se a sua
própria vontade.
Mas, pouco importava a derrocada do outro, desde que conseguisse
extrair o maior proveito possível das suas atividades. Sob esta visão a liberdade era
58
absoluta; as restrições a ela tinham somente o intuito de proteger as liberdades dos
demais indivíduos. A autonomia dos privados prevalecia quase sempre sobre os
interesses da coletividade.
Essa situação se transformou a partir da necessidade de regulamentar as
situações
extrapatrimoniais.
Na
contemporaneidade,
perde
destaque
os
entendimentos que consideravam o direito subjetivo como um poder atribuído a
vontade individual, para a realização de um seu interesse exclusivo, cumprindo-lhe
observar ínfimos limites externos, dispostos em benefício de terceiros ou da
coletividade.
As situações subjetivas são tuteladas pelo ordenamento se, e à medida
que, estiverem de acordo com o interesse social e não somente em concordância
com o poder de vontade do titular. A noção de direito subjetivo contém em si mesmo
significativas limitações, devendo seu exercício estar em perfeita adequação com os
objetivos, os fundamentos e o os princípios previstos pela normativa constitucional.
O princípio da liberdade individual se concretiza, atualmente, numa visão
de privacidade, de intimidade, de livre exercício da vida privada (art. 5º, inciso X da
Constituição Federal de 1988) (BRASIL, 1988). Portanto, o desrespeito pela
privacidade, pela intimidade, e pelo livre exercício da vida privada, notadamente no
que tange as uniões homoafetivas, acarreta, conseqüentemente a inobservância ao
princípio da liberdade individual. Liberdade, segundo Maria Celina Bodin de Moraes,
expressa, cada vez mais, poder efetivar, sem intromissões de qualquer gênero, as
próprias escolhas individuais, mais, o próprio projeto de vida, exercendo-o como
melhor convier.
4.2.4 Princípio da solidariedade
Cabe registrar que logo depois do fim da Segunda Guerra ocorreu a
introdução pelas Constituições do século XX da tábua axiológica. Nesse moderno
quadro, o valor fundamental passou a ser a pessoa humana e sua dignidade,
deixando para trás a vontade individual. No Brasil, essa alteração de perspectiva
aconteceu através do art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988 e da nova estrutura
59
que ela implanta, apoiada na predominância das situações existenciais sobre as
situações de caráter patrimonial.
Relevante salientar que a Constituição Federal de 1988 foi promulgada,
após um longo período ditatorial, no qual não se permitia a livre manifestação de
pensamento, de opinião, de informação. Portanto, pode-se afirmar que a Lei Maior
guarda os mesmos valores constitucionais das Constituições do pós-guerra.
No Texto Constitucional, no Título I, denominado “Dos Princípios
Fundamentais”, a Constituição estabelece os objetivos da República Federativa do
Brasil, sendo que especificamente no art. 3º, I, dispõe sobre a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária. Além disso, no mesmo art. 3º, III, existe um outro
objetivo a ser alcançado, que complementa e melhor esclarece o citado inciso I: a
erradicação da pobreza e da marginalização social e a redução das desigualdades
sociais e regionais. Estas finalidades fundamentais gozam de primazia: seja na
realização pelos Poderes Públicos e daqueles a quem se destina o preceito
constitucional, ou seja, na missão de interpretá-los e, à sua luz, interpretar todo o
ordenamento jurídico nacional (BRASIL, 1988).
Dessa forma, os incisos do art. 3º convocam os Poderes a colaborar
promocionalmente, por meio da noção de justiça distributiva, dirigida para a
igualdade substancial, impedindo os preconceitos de qualquer tipo, haja vista
aqueles existentes em torno das uniões homoafetivas (BRASIL, 1988).
A expressa referência à solidariedade, feita pelo legislador constituinte
deve ser compatibilizada com todos os meios direcionados a assegurar uma
existência digna, comum aos cidadãos, em uma sociedade que se aperfeiçoe e
progrida no sentido da liberdade e da justiça, sem excluídos e marginalizados.
O princípio da solidariedade estabelecido em nosso ordenamento como
princípio jurídico é inovador, e deve ser aplicado não apenas na ocasião da
elaboração da legislação ordinária e na execução de políticas públicas, como
também nas oportunidades surgidas de interpretação e aplicação do direito, por
seus operadores e por qualquer dos integrantes da sociedade.
4.2.5 Princípio da afetividade
60
Todos os princípios, até aqui examinados, são princípios de cunho global,
que devem ser aplicados sempre para garantir e proteger a dignidade da pessoa
humana, seja no âmbito contratual, patrimonial ou familiar.
A afetividade é apontada pela quase unanimidade dos doutrinadores
como um dos traços distintivos entre a família tradicional e a contemporânea.
Noutros tempos, a entidade familiar era vista apenas como um conjunto
de relações voltado principalmente à procriação e aos fins econômicos. Atualmente,
mormente após a Constituição de 1998, a família passou a ser vista como um núcleo
que serve ao pleno desenvolvimento da personalidade dos seus membros, sempre
tendo como pressuposto o elemento afeto.
Não se quer aqui afirmar que no perfil da família tradicional inexistia o
elemento afeto. Não é isso. Apenas quer consignar-se que antes o afeto era pouco
importante para o ordenamento jurídico e para a aferição dos contornos substanciais
da entidade familiar.
O escopo precípuo da família passa a ser a solidariedade social e demais
condições necessárias ao aperfeiçoamento e progresso humano, regido o núcleo
familiar pelo afeto, como mola propulsora. A entidade familiar deve ser entendida,
hoje, como grupo social fundado, essencialmente, em laços de afetividade, pois a
outra conclusão não se pode chegar à luz do texto constitucional (FARIAS;
ROSENVALD, 2008).
A partir do momento em que a Constituição Federal (CF)/88 reconheceu
expressamente como entidade familiar, além do casamento, a união estável e a dita
monoparental, a sua principal intenção foi trazer à tona a importância do afeto na
caracterização da família.
Houve, pode-se assim dizer, uma constitucionalização implícita do
princípio da afetividade. Nas precisas palavras de Dias (2010, p. 68) “o novo olhar
sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais que passaram a se sustentar no
amor e no afeto. Na esteira dessa evolução, o direito de família instalou uma nova
ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto”.
Numa interpretação sistemática e teleológica do texto constitucional, e
levando-se em consideração a valiosa e necessária contribuição doutrinária,
facilmente se percebe que a principal análise que se deve fazer para verificar se
determinado grupo de pessoas forma uma entidade familiar é em relação à
existência ou não de laços afetivos entre os seus membros.
61
O Estado, mesmo encontrando relutância de importantes instituições do
cenário político e religioso, vem paulatinamente alargando o conceito de família, hoje
expressamente, como frisado acima, abarcando a união estável e a monoparental.
Tudo, não se esqueçam, tendo como força motriz o princípio implícito da afetividade.
A própria nomenclatura utilizada por grande parte dos autores denota o
caráter plural da concepção atual da entidade familiar. Preferem a nomenclatura
direito das famílias em vez de direito de família. Não apenas o casamento tem o
condão de formar validamente uma família, como ocorria outrora. A concepção atual
de família, tendo como substrato a afetividade, possui uma larga abrangência,
abrigando as mais variadas entidades familiares.
Deixou-se para traz a concepção de família apegada a dogmas religiosos
e morais intransponíveis. A família deve ser vista como uma entidade voltada ao
pleno desenvolvimento da personalidade do ser humano, proporcionando a busca
da felicidade por parte de seus componentes. Em última análise, essa nova
concepção de família evidencia um espaço privilegiado para que os seres humanos
se complementem e se completem.
A família moderna passa a ser plural, ao invés de família singular, uma
vez que a Carta Maior, em seu art. 226 e parágrafos, reconhece a multiplicidade de
famílias, aumentando a tutela jurídica e a esfera de liberdade de escolha dos
sujeitos que as compõem. Logo, ampliam-se as formas de constituição de família,
tendo como fundamento central o afeto e o desejo de estarem juntas (BRASIL,
1988).
A afetividade cuidada inicialmente pelos cientistas sociais, pelos
educadores, pelos psicólogos, como objeto de suas ciências, entrou na cogitação
dos juristas, que buscam explicar as relações familiares contemporâneas.
O principio da afetividade tem fundamento constitucional; não é petição
de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. Projetou-se, no
campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social
fundado essencialmente nos laços de afetividade. Encontra-se na CF/88 algumas
referenciais, cuja interpretação sistemática conduz ao princípio da afetividade [...]: a)
todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a
adoção, como escolha efetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de
direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus
descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família
62
constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) o casal é livre para extinguir o
casamento ou a união estável, sempre que a afetividade não mais existir entre eles
(BRASIL, 1988).
Na tutela constitucional não cabe somente a família matrimonializada e
não há mais estabelecimento diferenças entre filhos biológicos e adotivos. A união
familiar não obriga a quem quer que seja à procriação, por isso a procriação não é
condição sine qua non para a identificação da formação familiar.
A afetividade é elemento central e definidor da união familiar, onde a
finalidade mais relevante da família é dada como a realização da personalidade de
seus membros e a promoção da dignidade de cada um de seus integrantes,
consagrando dessa maneira o ideal de uma instituição cuidadora, perpassada por
sentimentos, que deve se conduzir de modo à promoção da integração de ordem
social dos membros que dele fazem parte e, ao mesmo tempo cuidar da promoção
do indivíduo autônomo, capaz de decisões a respeito dos próprios projetos pessoais
de vida.
4.3 A “necessidade” da legalização das uniões homoafetivas
As Uniões Homoafetivas no Brasil se encontram nos dias atuais inseridas
como um dos modelos de família existente e reconhecidas pelo Poder Judiciário
pátrio.
Dessa forma, segundo Reale (2002), a questão da legitimidade da
decisão judicial explica que a validade jurídica compreende os problemas da
vigência, eficácia e fundamento (ou validade ética), o que é entendido como a
adequação do direito a valores e idéias aceitos pela comunidade.
Nesse contexto, há uma tentativa de diferenciar legalidade de legitimidade
com o intuito de analisar os aspectos sociológicos da questão abordada. Assim,
enquanto a legitimidade se trata de uma adequação entre o ordenamento positivo (o
conjunto de leis pátrias) e os valores (normas sociais impostas), a legitimação
consiste no próprio processo de justificação (fundamentação) da Constituição e dos
seus princípios fundamentais.
Destaca-se que a Justiça se utiliza dos princípios acima descritos, que
também se configuram como fontes do direito, abandonando o sistema
63
hierarquizado de valores e adotando a ponderação e a proporcionalidade, segundo a
igualdade formal entre os ditos valores, que devem ser subordinados aos princípios.
Sobre os princípios, reformulando velhas posições positivistas, afirma
Radbruch (1979, p. 189), que há, “por isso, princípios fundamentais do direito que
são mais fortes que cada regra jurídica, de tal forma que uma lei que lhe
contravenha perde a sua validade.”
Assim, quando foi colocado um título com a palavra “necessidade” com
aspas foi com o intuito de fazer uma breve reflexão acerca da real “necessidade”, ou
seria apenas, na realidade uma mera “possibilidade” de reconhecimento dos direitos.
Muitas vezes, o que ocorre é que os modelos familiares formais e
constituídos por homem e mulher, casamento, filhos, dentre outros elementos que
constituem uma família tida como “tradicional” pela maioria da sociedade, acabam
por serem recriados e redesenhados em um novo formato, mas com características
bastante comuns e naturalizadas pela grande maioria da sociedade brasileira.
Nesse contexto, será o Poder Judiciário capaz de definir o que o certo, ou
seja, qual o modelo que é “legítimo”, e por isso deve ser seguido?
Infelizmente, não é o que se percebe, nem mesmo nas famílias
consideradas mais “tradicionais”, segundo a maioria dos grupos sociais, tendo em
vista, o afeto, a felicidade e principalmente a realidade vivenciada pelos sujeitos
envolvidos acabam por ser evidenciados, ao invés de papéis que concedem direitos
e deveres entre as partes.
Porém, não se pode olvidar que a feliz utopia da perfeita realidade de
“família feliz” e principalmente “eterna” não se faz com facilidade nos exemplos
práticos dentro da sociedade ocidental, passando-se a pensar em como solucionar
possíveis conflitos que porventura poderão surgir.
Ora, isso poderia parecer óbvio, já que estamos afirmando se tratar de
uma modalidade de família como outra qualquer, mas infelizmente, não é o que
parece, pois essa reconstrução de modelos familiares, não são “réplicas” perfeitas,
mas representam ainda um grupo diferente daquilo que é legitimado e legalizado
pela legislação e pelas normas sociais impostas.
Assim, a função da Justiça em não se distanciar da moral, embora sejam
coisas diferentes, e principalmente do que é justo, faz com que os direitos das
famílias homoafetivas sejam cada vez mais reconhecidos pelos Tribunais dos
Estados Brasil afora, assim como reconhecidos pelos Tribunais Superiores.
64
Entretanto, não há julgado, sem que a Justiça seja acionada. Dessa
forma, faz-se necessário que os sujeitos busquem a Justiça e os órgãos
competentes para que estes sirvam de ponte para a legitimidade dos seus direitos.
4.4 Decisões favoráveis ao reconhecimento das uniões homoafetivas
Nesse tópico estão enumeradas algumas decisões judiciais bastante
expressivas no contexto jurídico do Brasil, tendo em vista o reconhecimento pelo
Poder Judiciário das uniões homoafetivas que pleitearam os seus direitos perante a
Justiça.
Assim, nota-se que o Poder Judiciário não pode agir sozinho, ou seja,
para que este se manifeste de forma favorável ou não, devem as partes buscarem
os seus direitos perante a Justiça e os órgão competentes, tais como delegacias,
Ministério Público, Cartórios Extrajudiciais, dentre outros.
Dessa forma, foi constatado que, apesar dos Tribunais entenderem em
sua maioria de forma favorável as demandas de casais homoafetivos que buscam
seus direitos perante a justiça, especialmente a partir do ano de 2002, com o novo
Código Civil, embora este tenha sido completamente omisso no que tange às Uniões
Homoafetivas, ainda existem poucos pedidos perante às Varas de Família, se
comparado ao número de casais homoafetivos que existem.
Assim, seguem algumas decisões de Tribunais Estaduais do Brasil, em
diferentes Estados, bastante significativas no campo do reconhecimento de direitos
das famílias homoafetivas e alguns dos direitos de família que lhe são inerentes.
Rio de Janeiro - AÇÃO ROTULADA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO
ESTÁVEL C/C PEDIDO DE BENEFÍCIO DE PENSÃO POR MORTE Sentença terminativa por impossibilidade jurídica do pedido de
reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo. A apelante
visa à obtenção de benefício previdenciário perante o Estado do Rio de
Janeiro e o Município de Barra Mansa, inexistindo impossibilidade jurídica
da demanda, porque a Lei Estadual nº 285/79, no artigo 29, parágrafo 8º,
permite a concessão de benefício aos parceiros homoafetivos - No entanto,
em virtude de inépcia da petição inicial e não indicação do pólo passivo,
mantém-se o dispositivo da Sentença, com alteração da motivação Desprovimento da Apelação (RIO DE JANEIRO, 2008a).
Significado: a sentença que deferiu direitos ao casal homoafetivo foi
mantida, tendo em vista o recurso de Apelação não ter tido êxito. Assim, o benefício
de pensão por morte de um dos parceiros que constituem uma família homoafetiva
foi concedido.
65
São Paulo - Indeferimento da inicial l - Reconhecimento de união estável
homoafetiva - Pedido juridicamente possível - Vara de Família –
Competência - Sentença de extinção afastada - Recurso provido para
determinar o prosseguimento do feito (SÃO PAULO, 2008a).
Significado: a petição inicial não obteve êxito, porém após recurso
movido pela parte interessada, houve o reconhecimento por parte do Poder
Judiciário da União Estável homoafetiva, inclusive conferindo competência à Vara de
Família para solucionar o caso.
Mato Grosso do Sul - CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO HOMOAFETIVA.
UNIÃO FORMADA POR CASAIS DO MESMO SEXO. COMPETÊNCIA DA
VARA DE FAMÍLIA. CONSTITUIÇÃO PROÍBE QUALQUER FORMA DE
DISCRIMINAÇÃO. CONFLITO PROCEDENTE. É competente o Juízo de
Direito da 1ª Vara de Família da Capital para julgar ação declaratória de
união formada por casais do mesmo sexo, por ser incabível em nossa Carta
Magna qualquer forma de discriminação (MATO GROSSO, 2008).
Significado: Há o reconhecimento pelo Poder Judiciário que a Vara de
Família é a Vara competente para o ajuizamento de qualquer ação de
reconhecimento de Família Homoafetiva, significando com isso que se trata de um
“Direito de Família” especializado e não de um direito obrigacional qualquer.
Rio Grande do Sul - UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA.
Observância dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana.
Pela dissolução da união havida, caberá a cada convivente a meação dos
bens onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo a
companheira sem deixar ascendentes ou descendentes caberá à
sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das leis nº
8.871/94 e 9.278/96. Por maioria, negaram provimento, vencido o revisor
(RIO GRANDE DO SUL, 2003a).
Significado: Houve o reconhecimento do direito a herança de uma dos
conviventes de uma união homoafetiva com a morte do outro, como companheiro e
integrante de uma União Estável configurada.
Rio Grande do Sul - EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE
RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL ENTRE HOMOSSEXUAIS.
PROCEDÊNCIA. A Constituição Federal traz como princípio fundamental da
República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e
solidária (art. 3.º, I) e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação
(art. 3.º, IV). Como direito e garantia fundamental, dispõe a CF que todos
são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5.º,
caput). Consagrando princípios democráticos de direito, ela proíbe qualquer
espécie de discriminação, inclusive quanto a sexo, sendo incabível, pois,
discriminação quanto à união homossexual. Configurada verdadeira união
estável entre a autora e a falecida, por vinte anos, deve ser mantida a
sentença de procedência da ação, na esteira do voto vencido. Precedentes.
Embargos infringentes acolhidos, por maioria (RIO GRANDE DO SUL,
2009a).
66
Significado: Foi reconhecida a União Estável entre os conviventes,
utilizando-se o juiz como fundamentação legal a Constituição Federal de 1988 e
seus princípios (já explicitados no tópico anterior), já que inexiste legislação pátria
específica que trate do assunto.
São Paulo - Reconhecimento e dissolução de união estável e partilha de
bens. Procedência parcial - Recurso do autor pretendendo partilhar bens
móveis, e indenização por danos morais - Falta de provas para dar guarida
à pretensão manifestada - Dano moral não configurado - Decisão acertada Recurso improvido (SÃO PAULO, 2009).
Significado: Embora tenha ocorrido o reconhecimento da União
Homoafetiva como “família” e concedidos direitos específicos de família (mesmo
sem legislação específica pátria), o dano moral não foi reconhecido pelo juiz, por
motivos alheios à homoafetividade reconhecida.
Rio Grande do Sul – UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO.
PARTILHA DE BENS SEGUNDO O REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL.
DIREITO À MEAÇÃO. APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS
DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. ANALOGIA.
PRINCÍPIO DA BOA FÉ OBJETIVA. Constitui união estável a relação de
fato entre duas mulheres, consistente na convivência pública e ininterrupta
pelo período de cinco anos, com o objetivo de formação de família,
observados os deveres de mútua assistência, lealdade, solidariedade e
respeito. A homossexualidade é um fato social que acompanha a história da
humanidade e não pode ser ignorada pelo Judiciário, que deve superar
preconceitos para aplicar a tais relações de afeto efeitos semelhantes aos
que se reconhecem a uniões entre pessoas de sexos diferentes. Aplicação
dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, além da
analogia, dos princípios gerais de direito e da boa-fé objetiva, na busca da
concretização da justiça. Possibilidade de partilha dos bens amealhados
durante o convívio, de acordo com as normas que regulamentam a união
estável, utilizado como paradigma supletivo para evitar o enriquecimento
sem causa (RIO GRANDE DO SUL, 2009b).
Significado: Foi reconhecida a homossexualidade como “fato social” que
acompanha a humanidade, aplicando o juiz os princípios constitucionais da
dignidade da pessoa humana e da igualdade (já explicados no tópico acima), além
de outros princípios para reconhecer a união estável entre duas mulheres.
Maranhão – CONSTITUCIONAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE
DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. RELAÇÃO HOMOAFETIVA.
DIREITO DE FAMÍLIA. APLICAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. EQUIVALÊNCIA.
PRECEDENTES DO STJ. COMPETÊNCIA. VARA DE FAMÍLIA. PARTILHA
IGUALITÁRIA DOS BENS ADQUIRIDOS DURANTE A CONVIVÊNCIA.
ARTS. 1º E 5º DA LEI Nº 9278/96. NÃO PROVIMENTO. I – O STJ,
recentemente, através da 4ª Turma, decidiu que a ação que busca a
declaração de união estável na relação homoafetiva deve ser analisada à
luz do Direito de Família, sendo competentes, portanto, as Varas de Família
para processo e julgamento do feito; II – equiparando-se tal relação
homoafetiva à união estável, nos termos do art. 1º da Lei nº 9278/96, deve
ser mantida incólume a sentença que, à luz do art. 5º da referida lei,
67
dissolveu a união e determinou a partilha igualitária dos bens; III – apelação
não provida. (MARANHÃO, 2008).
Significado: Esta representou uma decisão judicial bastante significativa,
pois foi uma das primeiras decisões no Estado do Maranhão que reconheceu algum
direito às famílias homoafetivas e neste caso há o reconhecimento da união estável
homoafetiva, nos termos da legislação que a reconhece entre homem e mulher.
Rio Grande do Sul - Apelação Cível. União homossexual. Reconhecimento
de união estável. Separação de fato do convivente casado. Partilha de
bens. Alimentos. União homossexual: lacuna do Direito. O ordenamento
jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação afetiva
estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não
proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-se diante
de lacuna do direito. Na colmatação da lacuna, cumpre recorrer à analogia,
aos costumes e aos princípios gerais de direito, em cumprimento ao art. 126
do CPC e art. 4º da LICC. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico,
não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união
estável. O par homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos
companheiros heterossexuais como no par homossexual se encontra, como
dado fundamental da união, uma relação que se funda no amor, sendo
ambas relações de índole emotiva, sentimental e afetiva. Na aplicação dos
princípios gerais do direito a uniões homossexuais se vê protegida, pelo
primado da dignidade da pessoa humana e do direito de cada um exercer
com plenitude aquilo que é próprio de sua condição. Somente dessa forma
se cumprirá à risca, o comando constitucional da não discriminação por
sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto de uma
sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a
intolerância e o preconceito. Pouco importa se a relação é hétero ou
homossexual. Importa que a troca ou o compartilhamento de afeto, de
sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas são
valores sociais positivos e merecem proteção jurídica. Reconhecimento de
que a união de pessoas do mesmo sexo geram as mesmas conseqüências
previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da
condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que
são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os
pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e
demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o
reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios
constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de
conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual,
tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as
mesmas que decorrem da união heterossexual. Deram parcial provimento
ao apelo (RIO GRANDE DO SUL, 2007b).
Significado: Nesse processo a união estável homoafetiva é equiparada
para efeitos legais a uma união entre homem e mulher, devida à presença dos
requisitos que configuram a União Estável previstas em lei.
Rio Grande do Sul - APELAÇÃO. UNIÃO HOMOSSEXUAL.
RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. A união homossexual merece
proteção jurídica, porquanto traz em sua essência o afeto entre dois seres
humanos com o intuito relacional. Uma vez presentes os pressupostos
constitutivos, de rigor o reconhecimento da união estável homoafetiva, em
face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser
68
humano. Via de conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na
união homossexual, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que
decorrem da união heterossexual.Negaram provimento ao apelo, por
maioria (RIO GRANDE DO SUL, 2007c).
Significado: Há o reconhecimento da União Estável homoafetiva com
base no afeto existente entre os seres humanos. O Juiz utilizou-se assim do
princípio constitucional da isonomia e igualdade (já explicado no tópico acima).
Minas Gerais - Ação Ordinária. União Homoafetiva. Analogia. União estável
protegida pela Constituição Federal. Princípio da igualdade (nãodiscriminação) e da dignidade da pessoa humana. Reconhecimento da
relação de dependência de um parceiro em relação ao outro, para todos os
fins de direito. Requisitos preenchidos. Pedido procedente. À união
homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais
heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondose reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa
aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. O art. 226,
da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente,
restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da
igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao
declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher,
não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à
época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não
teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação
analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. A lacuna
existente na legislação não pode servir como obstáculo para o
reconhecimento de um direito (MINAS GERAIS, 2007c).
Significado: Nessa união há o reconhecimento da família homoafetiva,
logo, da união estável e em sua fundamentação o juiz comentou que a falta de
legislação existente não pode servir de obstáculo para o reconhecimento de um
direito, fazendo com que apareçam demais fontes do direito, que não a lei, como os
princípios constitucionais e o costume dos grupos sociais envolvidos.
Rio de Janeiro - Família. União estável. Pessoas do mesmo sexo. Relação
homoafetiva. Artigo 3º, inc. IV, da CF. A Constituição Federal é expressa no
sentido de que constitui objetivo fundamental da República a promoção do
bem de todos, tornando defeso qualquer tipo de preconceito ou
discriminação ligada a condições que sejam inerentes à pessoa humana
(RIO DE JANEIRO, 2006a).
Significado: Nessa decisão o juiz vai além do reconhecimento da união
estável homoafetiva, mas trata da equiparação entre os seres humanos,
independente de sexo, raça ou cor, levando, assim, em consideração os dispositivos
legais da Constituição Federal vigente.
Rio Grande do Sul - APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA.
RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva
mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de
16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos
séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela
jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família.
69
A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a
diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver,
de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta
aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando
os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado
provimento ao apelo (RIO GRANDE DO SUL, 2005).
Significado: Foi reconhecida a união entre duas mulheres que por 16
(dezesseis) anos, caracterizando-se o afeto (o amor entre elas) como ponto de
maior relevância para a vivência familiar.
Rio de Janeiro - Dissolução de sociedade e partilha de bens. Relação
homossexual. Reconhecimento de união estável. Aplicação dos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa e da igualdade entre todos. Uso da
analogia autorizado pelo ART. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil.
Perseguição dos objetivos de construção de uma sociedade justa, com o
bem de todos. Reconhecimento do direito como instrumento garantidor da
paz social. Verificação de elementos característicos da união estável,
excetuando-se a relação homem mulher. Direitos constituídos. Reforma da
sentença. Provimento do recurso (RIO DE JANEIRO, 2004).
Significado: Nessa decisão o juiz levou em consideração a sociedade em
geral e o reconhecimento da união homoafetiva como um instrumento garantidor da
paz social. Foram levados também em consideração os requisitos da união estável,
previstos em lei, pelo art. 1723 da Código Civil vigente5 e fez questão de enfatizar
que o requisito “homem e mulher” estaria excluído.
Rio Grande do Sul - RELAÇÃO HOMOERÓTICA. UNIÃO ESTÁVEL.
APLICAÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE
HUMANA E DA IGUALDADE. ANALOGIA. PRINCÍPIOS GERAIS DO
DIREITO. VISÃO ABRANGENTE DAS ENTIDADES FAMILIARES.
REGRAS DE INCLUSÃO. PARTILHA DE BENS. REGIME DA COMUNHÃO
PARCIAL. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 1.723, 1.725 E 1.658 DO
CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. Constitui
união estável a relação fática entre duas mulheres, configurada na
convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituir verdadeira família, observados os deveres de lealdade, respeito e
mútua assistência.Superados os preconceitos que afetam ditas realidades,
aplicam-se os princípios constitucionais da dignidade da pessoa, da
igualdade, além da analogia e dos princípios gerais do direito, além da
contemporânea modelagem das entidades familiares em sistema aberto
argamassado em regras de inclusão.Assim, definida a natureza do convívio,
opera-se a partilha dos bens segundo o regime da comunhão
parcial.Apelações desprovidas (RIO GRANDE DO SUL, 2003f).
Significado: Nessa decisão o juiz fez questão de enfatizar a ausência da
Lei específica que trate dos direitos das Famílias Homoafetivas e a necessidade de
fundamentar sua decisão em princípios e na própria Constituição Federal,
5
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher,
configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de
constituição de família (BRASIL, 2002).
70
reconhecendo, então a união homoafetiva em questão e atribuiu-se o regime de
comunhão parcial de bens6 para a referida União Homoafetiva.
Rio Grande do Sul - Apelação Cível. União homossexual. Reconhecimento
de união estável. Separação de fato do convivente casado. Partilha de
bens. Alimentos. União homossexual: lacuna do Direito. O ordenamento
jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação afetiva
estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não
proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-se diante
de lacuna do direito. Na colmatação da lacuna, cumpre recorrer à analogia,
aos costumes e aos princípios gerais de direito, em cumprimento ao art. 126
do CPC e art. 4º da LICC. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico,
não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união
estável. O par homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos
companheiros heterossexuais como no par homossexual se encontra, como
dado fundamental da união, uma relação que se funda no amor, sendo
ambas relações de índole emotiva, sentimental e afetiva. Na aplicação dos
princípios gerais do direito a uniões homossexuais se vê protegida, pelo
primado da dignidade da pessoa humana e do direito de cada um exercer
com plenitude aquilo que é próprio de sua condição. Somente dessa forma
se cumprirá à risca, o comando constitucional da não discriminação por
sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto de uma
sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a
intolerância e o preconceito. Pouco importa se a relação é hétero ou
homossexual. Importa que a troca ou o compartilhamento de afeto, de
sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas são
valores sociais positivos e merecem proteção jurídica. Reconhecimento de
que a união de pessoas do mesmo sexo geram as mesmas conseqüências
previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da
condição e orientação homossexual é limitar em dignidade a pessoa que
são. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os
pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC) e
demonstrada a separação de fato do convivente casado, de rigor o
reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios
constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de
conseqüência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual,
tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as
mesmas que decorrem da união heterossexual. Deram parcial provimento
ao apelo (RIO GRANDE DO SUL, 2007e).
Significado: Nessa decisão o juiz levou em consideração que a união
não se constitui uma sociedade de fato, ou seja, uma sociedade que está fora do
âmbito do Direito de Família, mas sim uma união estável tradicional, concedendo
alimentos e partilhando os bens do casal homoafetivo, nos termos do regime de
comunhão parcial de bens.
Rio Grande do Sul - UNIÃO HOMOAFETIVA. UNIÃO ESTÁVEL.
PARTILHA DE BENS. Inquestionada a existência do vínculo afetivo por
cerca de 10 anos, atendendo a todas as características de urna união
estável, imperativo que se reconheça sua existência, independente de os
parceiros serem pessoas do mesmo sexo. Precedentes jurisprudenciais.
(RIO GRANDE DO SUL, 2003g).
6
Regime de bens que prevê que os bens antes do casamento são chamados de bens particulares e
não irão fazer parte da partilha, sendo partilhados apenas os bens constituídos após o casamento.
71
Significado:
Foi
considerada
a
união
estável
das
partes,
independentemente de se tratar de pessoas do mesmo sexo, levando em
consideração o fator de que já conviviam há cerca de 10 (dez) anos juntos.
Bahia - Ação de reconhecimento de dissolução de sociedade de fato
cumulada com partilha. Demanda julgada procedente. Recurso improvido.
Aplicando-se analogicamente a Lei 9.278/96, a recorrente e sua
companheira têm direito assegurado de partilhar os bens adquiridos durante
a convivência, ainda que tratando-se de pessoas do mesmo sexo, desde
que dissolvida a união estável. O Judiciário não deve distanciar-se de
questões pulsantes, revestidas de preconceitos só porque desprovidas de
norma legal. A relação homossexual deve ter a mesma atenção dispensada
às outras relações. Comprovado o esforço comum para a ampliação ao
patrimônio das conviventes, os bens devem ser partilhados. Recurso
Improvido (BAHIA, 2001).
Significado: Nessa decisão o juiz levou em consideração que ambas as
partes contribuíram para a ampliação do patrimônio, devendo a relação homoafetiva
ter a mesma atenção dispensada às outras relações.
Paraná - Apelação cível. Adoção por casal homoafetivo. Sentença
terminativa. Questão de mérito e não de condição da ação. Habilitação
deferida. Limitação quanto ao sexo e à idade dos adotandos em razão da
orientação sexual dos adotantes. Inadmissível. Ausência de previsão legal.
Apelo conhecido e provido. 1. Se as uniões homoafetivas já são
reconhecidas como entidade familiar, com origem em vínculo afetivo, a
merecer tutela legal, não há razão para limitar a adoção, criando obstáculos
onde a lei não prevê. 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada
por casal homoafetiva é transformar a sublime relação de filiação, sem
vínculos biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e
totalmente desprovido de amor e comprometimento (PARANÁ, 2009b).
Significado: Nessa decisão é deferida a habilitação para a adoção7 em
favor de um casal homoafetivo, por levar em consideração que se trata de uma
entidade familiar com origem em vínculo afetivo, logo não há qualquer razão que
afaste a possibilidade de filiação adotiva.
Rio de Janeiro - APELAÇÃO CÍVEL. SOCIEDADE HOMOAFETIVA.
ADOÇÃO À BRASILEIRA. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. BUSCA E
APREENSÃO DE MENOR. AUSÊNCIA DO REQUISITO DO PERICULUM
IN MORA. Menor que demonstra carinho e afeto pela ré, ora apelada, que é
sua genitora para efeitos legais. Inexistência de elementos convincentes
nos autos que indiquem que a ré não tem condições de cuidar da menor e
que esta esteja em situação de risco. Recurso ao qual se nega provimento
(RIO DE JANEIRO, 2008c).
7
Parte essencial do processo de adoção em que o Poder Judiciário verifica se as partes que estão
pleiteado a adoção estão aptas para assumir o papel de pai ou mãe do menor adotando.
72
Significado: Nesse processo há uma busca e apreensão8 de um menor
em face de sua mãe para efeitos legais, ou seja, aquela que está presente em sua
certidão de nascimento, o que denominado pela doutrina jurídica como “adoção à
brasileira”. Assim, não há qualquer razão que sirva de obstáculo para tal adoção. O
fato da mãe ser homossexual, não afetou a decisão em absolutamente nada.
Rio Grande do Sul - Apelação cível. Adoção. Casal formado por duas
pessoas de mesmo sexo. Possibilidade. Reconhecida como entidade
familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do
mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e
intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de
que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não
apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por
casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto
que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus
cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas
desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da
absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das
crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em
que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as
crianças e as adotantes. Negaram provimento. Unânime. (RIO GRANDE DO
SUL, 2006d).
Significado: Nessa decisão restou bem clara a opinião do julgador, no
que tange à impossibilidade de qualquer influência negativa que possa acarretar ao
menor. O deve ser levado em consideração não é união homoafetiva dos pais
adotivos, mas o laudo especializado que comprova o saudável vínculo existente
entre crianças e adotantes.
São Paulo - ADOÇÃO - Pedido efetuado por pessoa solteira com a
concordância da mãe natural - Possibilidade - Hipótese onde os relatórios
social e psicológico comprovam condições morais e materiais da requerente
para assumir o mister, a despeito de ser homossexual - Circunstância que,
por si só, não impede a adoção que, no caso presente, constitui medida que
atende aos superiores interesses da criança, que já se encontra sob os
cuidados da adotante - Recurso não provido (SÃO PAULO, 1999).
Significado: Ficou claro que a homossexualidade da parte adotante, não
gerou qualquer impedimento para a adoção, atendendo aos interesses do menor
que são superiores a quaisquer outros.
Rio de Janeiro - ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO
PODER. ALEGAÇÃO DE SER HOMOSSEXUAL O ADOTANTE.
DEFERIMENTO DO PEDIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1.
Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais)
considerado que o adotado, agora com dez anos sente orgulho de ter um
pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade,
atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do
8
Busca e apreensão é uma diligência prevista pelo Código de Processo Civil nos artigos 839 a 843
solicitada por parte do juiz ou da polícia e possui o objetivo de procurar pessoa ou coisa que se
deseja encontrar, para apresentá-la à autoridade que a determinou.
73
Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o adotante
professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são
rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a
ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A
afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual
constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de
menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao
decoro e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja
atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros
jovens. Apelo improvido (RIO DE JANEIRO, 1999a).
Significado: Nessa decisão, ainda bem antiga, tendo em vista ser de
1999, já se falava que o simples fato da parte afirmar sua homossexualidade, não
pode ser encarado como obstáculo para adoção, principalmente se não houver
qualquer razão que contrarie a “moral” e os “bons costumes” das partes envolvidas.
4.5 O reconhecimento do casamento homoafetivo pelos Tribunais Superiores
no Brasil e sua repercussão social
Embora sob os aspectos sociais e práticos a União Estável seja
semelhante ao Casamento, mas sob os aspectos jurídicos, tais institutos são
bastante diferentes, inclusive previstos em artigos distintos pelo Código Civil pátrio.
Os efeitos legais de ambos também são bastante distintos, muito embora
o poder judiciário esteja cada vez mais próximo de reconhecer tais uniões de forma
equiparada.
Assim, no campo jurídico, ocorreu um avanço bastante significativo no
que tange ao reconhecimento legal das uniões homoafetivas, pois os Tribunais
Superiores, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, no ano de
2011, declararam a possibilidade de existência de um casamento homoafetivo.
Entretanto, pela legislação brasileira, há quem interprete de forma
tradicionalista e nos termos das normas heteronormativas9.
No entendimento do jurista Ives Gandra Martins, o casamento
homossexual, nos termos atuais, fere o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição
Federal, que, segundo ele, prevê que apenas casais heterossexuais podem se
casar, podendo, assim qualquer pessoa ou até o Ministério Público e a Ordem dos
9
Normas sociais formadas por grande parte da sociedade que compreendem a união heterossexual
como sendo única possibilidade de união legalizada.
74
Advogados
do
Brasil
10
inconstitucionalidade
(OAB),
entrar
na
Justiça
com
uma
ação
de
e contestar a união.
Porém, embora haja esse tipo de interpretação literal das normas da
Constituição Federal acima exposta, a maioria dos juristas especialistas no assunto,
já compreendem que os princípios constitucionais servem de suporte e fonte para a
fundamentação das decisões judiciais sobre o assunto em questão. Portanto, existe
uma relevância muito grande nas decisões dos Tribunais Superiores, significando
um grau de institucionalização maior, praticamente igualando essas uniões às
relações conjugais dando-lhes direito à herança, alteração do sobrenome, alteração
do estado civil e principalmente com relação à forma de regulamentação das uniões
homoafetivas, ou seja, estas serão facilmente comprovadas perante a sociedade em
geral.A comprovação da existência das Uniões Homoafetivas se faz necessário na
vida prática para a obtenção de direitos e até no momento de pleiteá-los perante os
órgãos competentes. Por exemplo, quando a pessoa casada quer comprovar seu
estado civil, para qualquer finalidade, basta apresentar uma certidão de casamento.
Esta folha de papel supre muitas etapas, tais como contratos, ações judiciais, oitiva
de testemunhas, dentre outras, que aqueles que convivem em uniões homoafetivas
necessitam passar até comprovarem sua união.
O que se pode dizer é que uma decisão tomada pelos Tribunais
Superiores é um passo a mais no reconhecimento do casamento homoafetivo.
Assim, através dos cartórios as uniões homoafetivas podem ser registradas e caso o
tabelião tenha qualquer dúvida da existência da mesma, vai suscitá-la para o juiz, já
que não há previsão legal específica. O juiz responderá ao tabelião que é possível,
usando os mesmos argumentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou decidirá
que não é possível por falta de previsão legal. Se o juiz decidir que é possível, o
tabelião faz o registro.
Dessa forma, segue uma decisão do Superior Tribunal de Justiça com um
entendimento seguido pelo Supremo Tribunal Federal:
DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO
MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇAO DOS ARTS. 1.514,
1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA
10
Instrumento utilizado no chamado controle direto da constitucionalidade das leis e atos normativos,
com o intuito de contestar alguma decisão que contrarie a Constituição Federal, chamado pelos
juristas de ADI ou ADIN, exercido perante o Supremo Tribunal Federal Brasileiro e regulamentado
pela Lei 9.868/99.
75
DE VEDAÇAO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO
PESSOAS
DO
MESMO
SEXO.
VEDAÇAO
IMPLÍCITA
CONSTITUCIONALMENTE
INACEITÁVEL.
ORIENTAÇAO
PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF
N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição
Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que
se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da
constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as
celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob
pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem
lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo
sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à
lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita. 2. O
Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da
ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002
interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que
impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre
pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como
sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de
1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do
casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em
que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo
doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do
Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção
constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado
como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de
subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da
pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser
necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais,
não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas
apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa
humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado
pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta
Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas
por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se
comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais
heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que
essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do
Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção
que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o
constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo
doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento
civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo
múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de
ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar,
independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as
famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos
axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a
dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o
tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à autoafirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias.
Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se
é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra
consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do
livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse
ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão
de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse
momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela
forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e
76
1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o
casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma
vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios
constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da
dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento
familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria,
mediante
seus
representantes
eleitos,
não
poderia
mesmo
"democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual
eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder
Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e
protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser
compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a
Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos
fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma,
ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece,
porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias
ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso
brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo
constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode
o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de
um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal
predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização
dos direitos civis. 11. Recurso especial provido (BRASIL, 2012, não
paginado).
Assim, compreende-se de tal decisão que o Poder Judiciário se viu
obrigado a reconhecer uma “realidade” que por mais surpreendente que seja, ainda
não foi abordada pela lei, ou seja, foi reconhecida como família e equiparada ao
casamento uma União Homoafetiva e o principal foi reconhecido que o Poder
Judiciário não pode ficar omisso aos vários tipos de famílias, sendo obrigado a
reconhecê-las e conceder-lhes os mesmos direitos de uma família constituída por
pessoas de “sexos” diferentes.
77
5 VIVÊNCIAS SOCIOAFETIVAS
Embora, existam inúmeros processos em todo o Brasil com o intuito de
reconhecimento de uma União Homoafetiva como família, ainda é bastante comum
em nossa região a ausência de demanda, por motivos semelhantes, ou seja,
preconceito, desconhecimento da família, dentre outros.
Nesse contexto, foram identificados diversos elementos relevantes e
marcadores sociológicos que ilustram as razões pelas quais as pessoas que
necessitam de tais direitos muitas vezes deixam de buscar o Poder Judiciário ou
mesmo os Cartórios Extrajudiciais com o intuito de registrar suas uniões, garantindo
assim seus direitos.
Foram realizadas quatro entrevistas com casais homoafetivas de
diferentes regiões, sendo duas formadas por mulheres e duas por homens, cada
uma delas com características diferentes e foram extraídas diversos elementos que
marcam os temas já tratados nos tópicos acima escritos.
5.1 “Maria” e “Heloísa”
A primeira entrevista foi realizada em uma casa localizada em um bairro
de classe média alta, na cidade de São Luís, de uma mulher, à qual dei o nome de
“Maria”, de 27 (vinte e sete) anos de idade, que convive em uma União Homoafetiva
há quatro anos com outra mulher nominada como “Heloísa”, de 33 (trinta e três)
anos de idade, ambas com nível superior completo. Maria é graduada em
administração de empresas e sua companheira em Engenharia Elétrica.
A casa onde moram possui três quartos e uma área de lazer pequena,
com piscina e quintal. Existem muitas plantas e muitos objetos de decoração, mas
não existiam fotos da entrevistada, somente de sua companheira e de seu filho.
A entrevista foi realizada no sofá, na sala e a entrevistada estava bem à
vontade, sem a presença de sua companheira. Comentou que chegaria uma colega
dentro uma hora.
No início, as perguntas foram gravadas, mas após um determinado
momento a entrevistada não se sentiu mais à vontade com o fato e pediu que a
78
mesma fosse desgravada e que eu passasse apenas a anotar as informações
necessárias. Foi explicado que não seriam revelados nome, endereço, nem locais
de trabalho ou estudo, mas ainda assim ela pediu que eu não mais gravasse a
conversa.
Você mora junto com sua companheira há quanto tempo e como você a
classificaria: Parceira? Esposa? Companheira? Amante? Amiga?
Moramos juntas há 04 (quatro) anos. Acho que Companheira, pois não
somos casadas no papel, só moramos juntas, é diferente. É diferente de ser casada,
pois só a gente sabe.
E as famílias de vocês como reagem?
Nossas famílias não sabem. A minha nem desconfia. Se minha mãe
sabe, me mata... Ela mora em Itapecuru, não sabe de nada. Mas não gosta de
Heloísa, morre de ciúmes. Pensa que somos só amigas. Jamais teria coragem de
contar. Ela acha que estou estudando para concurso e dividindo apartamento com
Heloisa. A família dela também não sabe, ou pelo menos finge que não, mas acham
esquisito, pois depois do marido, ela não teve nenhum namorado. O filho de Heloísa
ainda não sabe. Acho que quando ele tiver uns 10 anos saberá com certeza.
Quando tinha uns cinco anos perguntou porque eu não dormia no meu quarto e
dormia no quarto da mãe dele, respondi que era meu quarto também e ele teimou e
ficou indignado, quase que defendendo a “propriedade” do quarto da mãe, afirmando
ser da mãe. Eu me calei e não discuti, não discuto com criança.
Você tem um bom relacionamento com a família da sua companheira?
Tenho com o filho dela. Na verdade muito bom. Eu ensino o dever de
casa, pois a Heloísa trabalha o dia inteiro, a empresa é muito longe, então quando
ela chega, eu já peguei na aula de inglês e já fizemos as tarefas. Às vezes eu o
coloco para dormir e às vezes ele dorme na nossa cama. Com a irmã de Heloísa
também é bem legal, pois ela sabe da gente. Ela é minha amigona, gosta de mim e
é madrinha do Paulinho, filho de Heloísa, logo como o menino é louco por mim ela
aceita e não fala nada... Mas pede pra gente não contar para ninguém que ela sabe,
porque o marido dela sabe e não suporta a gente, só chama a gente de sapatão. Ele
é tão enjoado que não deixa ela vir aqui em casa pra conversar. Um saco!
79
Você já teve outros relacionamentos com mulheres?
Já, dois, mas nada sério, só mesmo “fiquei”. Namorar, somente com um
menino, quando eu tinha 18 anos, namoramos por um ano e meio mais ou menos.
Fiquei com alguns meninos na adolescência, e com meninas, fiquei com duas, além
da Heloísa. Uma delas a Heloísa odeia, a Ana. Ela morre de ciúmes da Ana, diz que
não me quer falando com ela no “face” ou no “MSN”. Mas às vezes, a gente se
encontra em Itapecuru, quando eu vou visitar meus pais em Brasília. Sempre brigo
com Heloísa nessas viagens, mas não tem jeito, eu e Ana temos uma “paixonite
aguda” que nos une desde a adolescência, basta a gente se olhar e pronto!!! Meus
pais nunca souberam da Ana. Pensam que ela também é só uma “amiga”. Ana
namora, tá até noiva, imagina? Essa louca... Heloísa nem sonha dessa menina Ela
pensa que a Ana não gosta mais de mulher.
Você já entrou na justiça alguma vez para pedir alguma coisa? A União
de vocês por exemplo?
Já uma vez no Juizado Especial, quando a Cemar cortou minha luz
indevidamente. Pedi danos morais e ganhei R$ 2.500,00 (Dois mil e quinhentos
reais). Quanto a nossa união, acho que só meus pais iriam me matar...
Principalmente minha mãe... Jamais eles entenderiam... Acho que seria em
vão...Eles não mandariam mais dinheiro, seria um fracasso minha vida. Sabe, eu
estudo para concurso e estou desempregada. Minha mãe me ajuda com R$1.000,00
e paga meu cursinho. Pagou minha pós, mas eu não consegui emprego... Heloisa
ganha bem, mais de R$ 3.000,00 (três mil por mês). Mas não daria para manter nós
duas, nem ela deixaria de dar as coisas para o Paulinho para comprar roupa,
sapato, para mim. Dependo da minha mãe e do meu pai, sei que é difícil dizer isso,
porque eu já tenho 27 (vinte e sete ) anos, mas é a verdade. Não acho que mudaria
nada. Acho que só ficaria com vergonha de todo mundo...
Como vocês dividem as tarefas domésticas? Como funciona o cotidiano
de vocês?
De manhã, eu vou para a aula. Eu almoço perto do cursinho em um selfservice e Heloisa lá na empresa em que trabalha. O Paulinho almoça na casa da
madrinha dele todo dia, só não sábado e domingo. No final de semana, eu faço o
80
almoço. A casa eu limpo e coloco a roupa na máquina. Às vezes chamamos a
diarista para ajudar.
Quem paga as contas da casa?
Nós duas. Mas Heloísa paga mais. Aqui tudo é nome dela. A luz, a
Caema, a Oi, o aluguel... Ela já morava aqui quando eu cheguei. Às vezes me
incomodo com esse fato quando tenho que comprovar residência. Sempre levo
minha conta de celular. É meu único comprovante de endereço. Às vezes não
aceitam.
Como vocês se conheceram?
Na Pós-Graduação. A Heloisa ainda era casada e eu já sabia da minha
condição... Me interessei de cara...Ela é atraente, engraçada. Ela nem ligou no
início, nem sonhava em ter caso com mulher. Mas já estava mal com o marido. Eles
brigavam muito e ele era muito grosseiro com ela. Uma vez ele bateu nela. O
Paulinho tinha 01 ano, não se lembra, mas foi na frente dele. Ele é bruto demais...
Até hoje... Ele quando vem buscar o Paulinho, só falta me bater, me olha
atravessado e mal fala comigo, deve saber, não temos nenhuma certeza, mas deve
saber...
Nesse momento da entrevista, Maria pediu para eu anotar as informações
e desgravar a conversa. Foi explicado que a finalidade era meramente científica e o
uso era restrito a pesquisa, mas ainda assim, não concordou mais em continuar
gravando e pediu para eu trocar os nomes e não gravar mais, pois ela não estava se
sentindo bem. A companheira não sabia da entrevista, estava viajando a trabalho e
o filho dela estava na casa da madrinha (tia). Ainda assim a entrevista continuou,
somente com anotações, sem o gravador:
...não é por nada não, mas a Heloisa não sabe, nem pode sonhar que eu
tô aqui com você. Ela não deixaria por causa do Paulinho. Ele é a vida dela,
qualquer coisa que o magoasse ela me deixaria. Ela vive dizendo que ninguém é
mais importante do que ele. Eu entendo, embora não tenha filho, mas entendo, vejo
o quanto ela é boa mãe.
Neste momento houve uma pausa. A entrevistada ofereceu água,
refrigerante e biscoito. Fizemos um pequeno lanche e a colega da entrevistada
chega e ela pede que a mesma aguarde no quarto. A entrevista segue de forma um
81
pouco mais apressada e tensa. Foi perguntado se a entrevistada gostaria de
continuar em outro momento, mas ela quis que fosse dado continuação.
A Heloisa foi infiel com o marido, mantendo uma relação com você.
A entrevistada fez uma pausa, respirou fundo e continuou...
...não, ela já tinha se separado, quando ficamos a primeira vez. Mas já
existia uma atração muito forte. Só sentávamos juntas na aula, fazíamos todos os
trabalhos juntas, eu geralmente ajudava muito ela, porque ela tinha o emprego, o
Paulinho, o marido... Ela ia para o meu apartamento e ficávamos até tarde juntas. O
nosso primeiro encontro foi lá. Um dia tomamos uma caixa de cerveja juntas e
ficamos “altas”. Depois eu convidei a Heloisa para uma festinha de despedida de
uma amiga nossa que ia embora de São Luís, ia morar em Belém e aí ela ficou mais
tempo do que devia e rolou... Neste dia nos beijamos e transamos pela primeira vez.
Foi tudo de uma vez só. Foi ótimo. Nem parecia que eu tinha sido a “primeira” da
Heloísa. Até hoje eu não acredito nessa história.... Parece que ela já era experiente,
não sei porque...
Quando foram morar juntas?
Depois de um ano que estávamos juntas, fui demitida da empresa que
trabalhava. Aí não consegui mais ficar no meu “AP”. Ficou caro demais, muita
despesa. A Heloísa me convidou para dividir a casa com ela, pois a casa tinha 03
quartos e morava ela e o filho. Falei com o meu pai e ele me pediu para ficar lá com
ela, até eu arrumar outro emprego, mas claro que como amiga. Cada uma no seu
quarto.
Você pensa em ter filhos?
Penso sim. Penso em ter 2 filhos, um menino e uma menina. Penso em
inseminação artificial. Quero ficar grávida. Morro de vontade. A Heloísa diz que foi a
melhor coisa que aconteceu na vida dela. Ela me incentiva muito. Depois que eu
passar no concurso quero engravidar, já estou perto dos 30 e casar não está nos
meus planos.
Você considera sua relação com Heloísa uma família?
Sim, mas não consigo ainda falar com meus pais... Isso é muito ruim.
Sofro muito. Eles querem que eu volte para Itapecuru...
82
Na entrevista percebi uma nítida divisão feita pela entrevistada entre
pessoas casadas (oficialmente, com documento de certidão de casamento) e
pessoas solteiras.
A entrevistada faz a sua própria definição de casamento e define a sua
relação completamente fora dessa esfera, tratando a o casamento como oficial e
legal e define o seu relacionamento como algo muito particular, privado, sem
publicidade.
Assim, a não publicização da união no contexto das famílias de ambas
aponta para o “não legal” oficialmente; a proibição social que causa vergonha e
sofrimento demarca a presença da “abjeção”.
A entrevistada faz a diferença entre uma família tida como “tradicional” e
uma família “homoafetiva”, já definidas anteriormente, momento em que ela
claramente chama a família onde nasceu de “família” e a família em que vive de
“união” ou “relacionamento”.
Notei também certa “competição” com o filho da companheira, ou seja,
embora tenha um relacionamento bom a criança, não admite um vínculo de filiação
com ele, mas de amizade.
Nesse contexto, restou claro que na visão da entrevistada, a monogamia
é um elemento fundamental e que o mesmo quando violado era de forma sigilosa,
ou seja, “ilegal” para o sistema normativo estabelecido entre a entrevistada e sua
companheira.
Percebi a descrença da entrevistada na justiça, no que tange aos seus
direitos enquanto família com a sua companheira. Tal fato não se dá por ignorância
das mesmas ou desinformação, mas principalmente por questões pré-definidas em
sua família de origem, tais como a definição do conceito “tradicional” de família (pai,
mãe e filhos); pré-conceitos acerca de “sexo” e “gênero” e especialmente pela
questão pessoal de uma “auto definição” de dentro de um sistema normativo préestabelecido, capaz de fazer com que a entrevistada “isole” de parte do grupo social
que convive a sua condição enquanto família homoafetiva.
Os papéis familiares são muito bem definidos pela entrevistada. Percebese que ela representa o modelo familiar que apreendeu em sua vida desde a
infância: “a família tradicional”.
83
O comprovante de endereço para a entrevistada representa uma certa
“apropriação” da sua condição. Uma vez que a entrevistada possuísse um mesmo
comprovante de endereço da sua companheira, haveria uma comprovação “por
escrito” que moravam juntas.
Existe também o “encantamento” da entrevistada com a sua companheira
e uma relação de poder desta sobre a entrevistada, especialmente acerca de
padrões estéticos de beleza estabelecidos pela sociedade ocidental, aos quais a
entrevistada não se adequava e a sua companheira sim.
A relação da entrevistada com o ex-marido da sua companheira é de
muito rancor, pelas agressões físicas e psicológicas que a mesma sofria enquanto
casada.
Quanto ao aspecto da filiação, percebemos que a gravidez é tida para a
entrevistada como condição. Ela deseja gerar um filho e não criar um filho gerado
por qualquer outro alguém.
Já a “falta de coragem” de assumir a união para as famílias, representa
algo pessoal, ou seja, a entrevistada não consegue assumir para ela mesma a sua
condição enquanto família homoafetiva, nem tampouco “contar” para os pais,
embora fique claro que os mesmos tem conhecimento, mas preferem ficar omissos
acerca do assunto, traduzindo a ideia/concepção de que um relacionamento
conjugal de parceria amorosa, não sendo legitimado pelo casamento, não pode ser
designado como família.
5.2 “Joana” e “Fabiana”
A segunda entrevista foi realizada em um Shopping Center, na cidade de
São Luís, em um ambiente bastante informal, por opção da entrevistada, tendo em
vista ter sido sugerida a sua casa e esta informar que a mesma estava em reforma,
não podendo receber ninguém no momento.
A entrevistada foi uma mulher, à qual dei o nome de “Joana”, de 42
(quarenta e dois) anos de idade, que convive em uma União Homoafetiva há nove
anos com outra mulher nominada de “Fabiana”, de 34 (trinta e quatro) anos de
idade, ambas com nível médio completo e residentes em um bairro de classe média
84
baixa na cidade de São Luís-MA, sendo a primeira (a entrevistada), autônoma,
trabalha com marketing em empresas e a segunda, a companheira da entrevistada,
vendedora em uma loja.
Foi explicado para a entrevistada que não seriam revelados nome,
endereço, nem locais de trabalho ou estudo.
Você mora junto com sua companheira há quanto tempo? Como você
classificaria sua companheira: Parceira? Esposa? Companheira? Amante? Amiga?
Na verdade eu vivo com Fabiana há 09 anos e com os meus filhos, mas
nunca me separei no papel do meu ex-marido, aquele “sacana”. Ele foi um “sacana”
comigo e com as crianças. Ele nunca deu nada pra eles desde que me separei.
Comigo, sempre me tratou mal enquanto eu era casada. Até na cara me bateu uma
vez!
A entrevistada conta, demonstrando bastante revolta com o ex-marido
que não recebe nenhuma “ajuda” financeira do pai dos seus filhos para o sustento
dos mesmos, assim como ele os vê de forma esporádica.
Como reagem as famílias de vocês sabem?
Sabem, mas não gostam, na verdade não suportam...
A entrevistada, embora diga que as famílias não gostam, não aparenta se
importar com o assunto.
Já a minha filha mais velha de 15 anos sabe, mas não gosta. Me provoca
o tempo todo. O mais novo tem só 10, se sabe, não entende, já foi criado vendo
Fabiana. Uma vez ela me perguntou, aí eu desconversei, só disse que éramos
amigas. Mas eu sei que ela sabe, porque uma vez eu ouvi uma conversa dela com
uma amiga da escola e ela contava que a mãe era “um macho” em casa e que tinha
“mulher e tudo”. Não consigo conversar com ela sobre nada! O idade!
Aborrescência... como dizem né... Ela pergunta, meio que me provocando, jogando
indiretas meio diretas, sabe, como se ela não entendesse, tipo assim: “Mãe, você
não dorme mais só é? Mãe, você não tem namorado não é? Papai é casado há um
tempão e você não se casa... com homem.” Uma vez ela disse que eu era sapatão
aí eu bati na boca dela com o chinelo e disse para ela me respeitar, pois eu não
admitia esse palavrão em casa. Eu sou evangélica e na minha igreja não pode dizer
essas coisas. Já o meu filho menor não sabe dessas coisas não. Ele só implica por
85
que eu não durmo com ele. Ele é medroso, não dorme só, aí vai pro quarto da irmã
toda noite, porque, eu durmo de porta trancada.
Na igreja, como o pastor reage?
Não sabe de jeito nenhum! Não é permitido essas coisas na igreja, mas é
coisa da carne né, não podemos evitar, não precisa ninguém saber por lá. Fabiana
não frequenta a igreja. Ela já foi umas vezes, mas não gosta. Eu não obrigo, religião
é coisa de cada um, é muito pessoal né.
Você já teve outros relacionamentos com mulheres?
Já tive uma relação sexual, uma vez antes de casar, mas nem o meu
marido soube. Mas relacionamento sério foi só com Fabiana mesmo. Foi com uma
menina na escola uma vez. Eu tinha uns 17 anos, jogava vôlei. Foi depois de um
campeonato entre escolas. Nós ganhamos, aí eu e minha colega resolvemos beber
cerveja para comemorar. Aí depois fui dormir na casa dela e aconteceu. Fabiana
sabe. Eu contei para ela que não tinha muita experiência com mulher, porque ela já
teve outras namoradas. Nunca foi casada com homem e não tem filhos. Ela é bem
experiente. Já foi até casada, ou melhor morou junto com outra mulher, porque a
gente não pode casar né...mas não teve uma boa experiência, porque quando se
separou ficou com uma mão na frente e outra atrás. A gente não tem direito a nada
mesmo. A casa que ela ajudou a pagar e mobiliar ficou com a outra. O carro dela era
no nome da outra, porque na época ela estava com o nome sujo e não poderia tirar
o carro no nome dela.
Vocês já entraram na justiça alguma vez?
Eu já fui na delegacia quando sofria violência do meu marido. Ele era
muito “cavalo” comigo. Ele me batia muito, na frente da menina. Ela via muita
grosseria. Ele me dava bofetada na cara quando chegava bêbado e eu não tava em
casa. Eu tava no serviço, mas ele achava que era farra. Todo homem é assim! Por
isso não gosto de homens! Eu já fui na delegacia três vezes. Da primeira vez em
1999, ele me pediu perdão na frente da delegada e eu perdoei. Da segunda foi em
2001, ele só me empurrou e fez eu dizer para a delegada que não foi nada. Da
última foi em 2003, foi quando a gente se separou. Foi pior, porque ele quebrou meu
braço e deixou meu corpo todo inchado e escuro de tanta pancada. Na última vez
que eu fui na delegacia, ele não foi e não deu em nada. A delegada disse que ele
86
não foi encontrado, mas todo mundo sabe que ele mora em Rosário com uma
mulher, tem até filho. Nunca foi preso.
Já Fabiana nunca entrou na justiça, pois acha que é perda de tempo,
porque tem muita gente que entra e não ganha nada, só passa vergonha. Ela
também sofreu muito com a antiga mulher né. Ela apanhava muito. Ela não tinha
vida. Era praticamente uma empregada. Cozinhava, lavava, passava, limpava a
casa, tudo... e “a outra” só explorava ela... A outra tinha até namorada fora e ela
nem se importava. Se Fabiana não fizesse o que ela queria, ela batia em Fabiana.
Uma vez nós saímos juntas, só como amigas mesmo, Fabiana apanhou muito. Ela
bateu até na cabeça dela e Fabiana nunca procurou uma delegacia.
Vocês sabiam que a Lei Maria da Penha protege a mulher da violência
doméstica?
Nós não sabíamos que essa Lei protegia mulher com mulher. A televisão
só mostra a defesa de violência de homem contra mulher, nunca pensei que
violência de mulher contra mulher valia também. Agora eu já sei, tenho uma colega
que apanha muito também, vou dizer para ela ir na delegada.
Tomamos um café e água e depois de um tempo voltamos às perguntas.
Você tem vontade de legalizar sua união?
Eu tinha vontade mesmo era de fazer um contrato, porque quando eu me
juntei com Fabiana, ela veio morar comigo e não tinha nada. Hoje ela tem uma moto
que eu dei e tem a casa que ela não tem direito, mas nunca se sabe né? A gente
não conhece ninguém. Eu ouvi dizer que um contrato iria resolver tudo, porque como
a gente não tem direitos no papel, então era melhor fazer um contrato dizendo que a
casa é no meu nome e a moto que também é no meu nome vai ficar para mim, já
tenho filhos.
A entrevistada fala em contrato apenas como uma “garantia” de seus
bens, mas sem nenhuma intenção concreta de fazê-lo, pois acredita que a
companheira não tem direito algum.
Vocês dividem as despesas da casa?
Que nada! Geralmente é tudo nas minhas costas! Trabalho com vendas e
marketing. Faço brindes personalizados para empresas. Sou autônoma, não tenho
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carteira assinada não. Eu trabalhei por um tempo em uma empresa, mas não deu
certo, não gosto muito de ter horário. Aí resolvi terceirizar e ser autônoma.
Já Fabiana é vendedora em uma loja, mas já pediu demissão, está de
aviso prévio, pois não para em nenhum emprego. Começa a faltar e pronto! Não se
dá bem com as outras colegas, implica com todo mundo. Diz até que sofre esse
negócio de “bullying” que falam agora, mas não é não. É só preguiça de trabalhar!
Quando a gente quer a gente faz, né? É um defeito dela, sabe? Muito fresca essa
menina! Em uma loja que ela trabalhava antes dessa, disseram pra ela que ela não
poderia trabalhar lá por causa da tatuagem enorme que ela fez com o meu nome. A
dona disse que todo mundo iria perceber que ela gostava de mulher e isso não
pegava bem. É porque nós temos tatuagens uma com o nome da outra. A minha é
bem pequena, mas Fabiana exagerou um pouco e fez uma bem grande. Nessa loja
ela não passou nem um mês inteiro...
Nesse momento a entrevistada mostrou a tatuagem com o nome da
companheira e disse que foi uma declaração de amor que fizeram depois de uma
briga que tiveram há cerca de dois anos e que após as tatuagens juraram amor
eterno.
...teve outra vez também que ela trabalhou em uma loja no centro que só
ficou o período do Natal e depois saiu. A dona da loja não gostou dela, porque
achou que ela era muito “encrenqueira”. O trabalho dela é muito inseguro...
Segurança vai ser quando Fabiana parar de sair pra beber e ajudar mais em casa.
Ela bebe todo final de semana de quinta até domingo. Na minha igreja não pode
beber não. Quando eu me separei e aceitei Jesus, ele me mostrou o caminho certo
da vida. Já Fabiana, esta não entende isso. Não aguenta. Gosta de farrear. Tem
umas amizades muito ruins. Eu nem falo mais. Enquanto eu tô na igreja, ela às
vezes vai pro bar lá perto de casa. Ela é bonita. Tenho bom gosto... Tem muito
homem dando em cima dela. Uma vez me disseram que ela ficou com um homem lá
no bar. Aí eu nem liguei, fiquei só triste, porque ninguém gosta, né? Mas não botei
ela pra fora de casa não, porque sempre soube que ela gostava dos dois. Mas com
mulher não aguento não. Eu já disse que se ela me trocar por mulher eu mato ela...
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A entrevistada faz uma pausa grande e passa a conversar sobre assuntos
aleatórios, falando da chuva que caía lá fora, das lojas do shopping e dos clientes
que atendia no shopping.
Como vocês se conheceram?
Na casa de uma amiga, em um aniversário. Daí por diante, passamos a
sair direto. A gente ia pra bares, choperias, até pra show de forró a gente foi com o
nosso grupinho. Nessa época eu tava afastada da igreja, bebia e fumava muito
também. Fabiana ainda morava com a outra quando a gente começou a sair. Foi no
final de 2003. Aí ela era muito triste, por que apanhava muito. Eu sabia o que era
isso, já tinha passado por isso. Aí a gente conversava muito sobre essas coisas,
sobre essas injustiças. Uma vez a gente saiu e convidei para ela dormir na minha
casa ela aceitou. Desse dia em diante ela ia muito dormir lá em casa. Aí ia levando
as coisas dela, cada vez ela levava mais roupa. Até o computador dela ficava lá em
casa. Foi a única coisa que a outra deixou ela levar. Também, um computador
velho... Quando saiu da casa da outra, ela ficou na casa de uma prima que mora na
minha rua. Aí ficava mais fácil da gente se ver.
A Fabiana foi infiel com a antiga companheira, mantendo uma relação
com você?
Não. Eu não considero, porque embora ela tivesse ainda na casa da
outra, elas não viviam juntas mais há meses. Não era uma família como a gente.
A entrevistada fez uma divisão muito clara entre União Estável e
casamento, tratando esse último de uma forma “legalizada” e a união estável nem
tanto.
A entrevistada aparenta certo “incômodo” com o filho mais novo, pois
embora tenha afirmado que o mesmo não entende, demonstrou o contrário, ou seja,
demonstrou que ele tem sim conhecimento da sua condição enquanto família
homoafetiva, mas não quer tratar do assunto.
A entrevistada apresenta o elemento da religião muito relevante para a
sua “concepção de família” perante a sociedade e perante seus filhos,
demonstrando uma auto piedade por “pecar” dentro de um dos grupos sociais em
que convive, mas ao mesmo tempo destaca uma justificativa para sua união e não
assume em alguns dos grupos sociais que convive.
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O “ser abjeto” já tratado anteriormente é bem refletido nessa relação
nesse momento, tendo em vista a exclusão que faz de si mesmo nos grupos sociais
em que frequenta, especialmente no seu relacionamento com a sua filha e na igreja.
Verifiquei uma enorme surpresa por parte da entrevistada com o fato da
Lei Maria da Penha também proteger a agressão realizada por mulheres e se
demonstrou animada com o assunto. Percebeu-se também certo “desconforto” da
entrevistada em demonstrar que desconhecia seus direitos.
A entrevistada passou a tratar do patrimônio que ela constituiu após a
união homoafetiva. Assim, notou-se uma preocupação muito grande com os bens,
especialmente com a casa, percebendo-se que a entrevistada é bastante rígida com
relação ao trabalho e não gosta do fato de sua companheira não dividir as despesas
da casa por igual, por não possuir uma “estabilidade” salarial.
Há uma divisão de grupos sociais em que a entrevistada convive, ou seja,
se um lado estava Fabiana, sua casa, seu trabalho e do outro estava a Joana da
igreja que frequentava o coral e fingia que era heterossexual e dava depoimentos do
quanto sofreu com o marido.
Nesse momento percebeu-se que a entrevistada possui um ideal de
“família” com divisão de despesas e mais “segurança”, fidelidade, retratando as
contradições entre homem e mulher, ou seja, trair com homens não havia
problemas, mas com outra mulher sim.
Nota-se que a entrevistada não classifica o seu gênero e o da
companheira, nem rotulando “mulher” como uma figura frágil e “homem” como forte.
Em alguns momentos se demonstra de uma forma e outros de outra. Da mesma
forma, faz a caracterização de sua companheira Fabiana.
5.3 “Mário” e “Antonio”
A terceira entrevista foi realizada em um escritório dentro de uma
distribuidora de medicamentos na cidade de São Luís, por opção do entrevistado,
por se tratar de uma pessoa bastante ocupada com o trabalho.
O entrevistado foi um homem, a quem chamei de “Mário”, de 39 (trinta e
nove) anos de idade, que convive em uma União Homoafetiva há 08 anos com outro
90
homem “Antonio”, de 38 (trinta e oito) anos de idade, ambos com nível superior
completo e residentes em um bairro de classe média alta na cidade de São Luís-MA,
sendo Mário, empresário, formado em economia e Antonio seu companheiro
médico.
Foi explicado que não seriam revelados nome, endereço, nem locais de
trabalho ou estudo, mas ainda assim ele exigiu que eu não mais gravasse a
conversa.
Vocês moram juntos há quanto tempo? Como você classificaria seu
companheiro: Parceiro? Marido? Companheiro? Amante? Amigo?
Vivemos juntos há 08 (oito) anos. Considero marido, pois moramos juntos
há muito tempo, mas já que é considerado uma União Estável hoje em dia, nunca
fizemos registro nenhum.
Foi explicado ao entrevistado que embora a justiça reconheça os direitos
das famílias homoafetivas, estes necessitam acioná-la para que isso ocorra. Assim,
ele comentou que soube do reconhecimento casamento gay e que desconhecia a
diferença que a legislação cível faz entre União Estável e Casamento.
Como as famílias de vocês reagem?
Hoje de uma forma muito natural, mas no começo foi bem difícil, pois meu
pai era militar, então já viu! O pai de Antonio faleceu quando ele tinha cinco anos. Já
a mãe e a irmã de Antônio gostam muito de mim. Nos damos muito bem, embora
não haja uma convivência diária, pois moram em Salvador e Antônio nasceu no
interior e foi para Salvador enquanto adolescente.
O meu pai foi resistente no início, pois não desconfiava que eu era gay,
mas minha mãe, embora não tenha aceitado facilmente no início, acabou me
apoiando. Ela me ajudou a convencer o velho... Na verdade ele sempre soube. Eu
sou muito diferente do meu irmão. Sempre fui. Eu nunca brinquei de bola, pois
nunca gostei. Sempre gostei de brincar de jogos, de esconder, mas era muito mais
próximo de meninas do que meninos, até de casinha. Até hoje cozinho em casa.
Adoro!!! A minha melhor amiga hoje é minha amiga de infância que brincava comigo
desde os sete anos de idade. Meus pais diziam que iríamos namorar, pois éramos
da mesma idade e vivíamos juntos. Deus me livre namorar com mulher!!! Nunca!!!
91
Nesse
momento
o
entrevistado
relatou
que
já
teve
alguns
relacionamentos com mulheres, mas muito poucos e nada sério, mas que seu
companheiro Antônio foi noivo por três anos de uma moça em Salvador, sua colega
da faculdade de medicina e que terminou por não ter mais condições de manter as
“aparecias”.
O que você considera que sejam essas aparências?
A vida que ele levava era de aparências, meio dupla. Parecia que tinha
dupla personalidade, por que ele me disse que quando deixava a noiva em casa
pensava em homens. Uma época até chegou a “pegar” garotos de programa, mas
não era legal, pois o Antônio gostava de compromisso, nasceu para casar.
E você já teve outros relacionamentos antes?
Não, nunca namorei sério. Antônio foi o primeiro. Já transei com
mulheres, mas quando era muito novo e foi por influência do meu irmão mais velho
que sempre me levou para sair, mas eu sempre soube que era gay e minha família
no fundo também, mas nunca aprovei prostituição, acho muito nojento. Já fiz com
garotos de programa, mas não gostei não. Na verdade eu sempre quis ser mulher.
Deveria ter nascido mulher, seria tudo mais fácil. Não gosto de ser homem. Gosto de
me vesti de mulher por farra, mas hoje já estou um pouco barrigudo e careca para
isso...
Porque você acha que seria mais fácil ser mulher?
Porque a sociedade não aceita ainda o gay como deveria. Sempre acabo
esbarrando no preconceito. Outro dia fui visitar um cliente que disse que não
acreditava que eu era o dono da empresa, como se uma “bicha” não pudesse ser
um bom profissional. Me preocupo bastante com a discriminação contra os gays,
com a homofobia. Eu não tenho problema em demonstrar para os grupos sociais em
que convivo o fato de ser gay, mas ainda acho discriminado em algumas situações,
especialmente em São Luís e no trabalho. Acho um absurdo a sociedade ainda
encarar os gays dessa forma e as vezes já tive vontade de morar em outro país, nos
Estados Unidos, porque acho que lá a vida dos gays é bem diferente. Aqui em São
Luís as pessoas são muito retrógradas e acham que gay é anormal. É diferente. A
gente se sente diferente em alguns momentos. Por exemplo, no início, dentro da
família, o gay passa praticamente a ser outra pessoa quando se assume.
92
Vocês pensam em ter filhos?
Não, já pensamos uma vez, mas a nossa rotina de trabalho é muito
agitada, e penso muito no preconceito que essa criança sofreria na escola. Nossa!
Seria horrível! Então decidimos não ter mais filhos.
Percebi que o entrevistado classifica seu companheiro como “marido” e
que se classifica como uma “família”. Justifica o fato de não ter mais filhos na sua
rotina de trabalho.
Foi afirmado com muita firmeza o entrevistado se considerava casado e
não vê nenhum problema ou diferença entre a União Estável e o casamento para
efeitos legais, mas há uma preocupação com a situação legal, embora não tenham a
intenção de registrar a união, por terem a convicção de ser a mesma coisa, não
demonstrando interesse me buscar um registro.
O entrevistado se identifica como o “ser abjeto” e verifica com facilidade
as mudanças do antes e depois de “se assumir” como gay, identificando as reações
negativas da família.
Percebi também que o entrevistado trata a prostituição como um
relacionamento negado, retratando impureza e instabilidade, de forma contrária ao
que almeja para a sua união, ou seja, uma relação estável.
O entrevistado demonstra também que nunca havia se identificado com o
seu sexo biológico, pois afirmou que preferia nascer mulher, embora seja definido
pelos critérios bio-anatômicos como homem, utilizando-se alguns elementos bem
importantes para essa caracterização realizada pelo entrevistado, como por exemplo
os seus traços no rosto bastante finos, sobrancelha, cabelo pintado de loiro, unhas
feitas, uma leve maquiagem, camisa de seda e outros traços mais aproximados do
que se considerou como características do “feminino”.
5.4 “André” e “José”
93
A quarta entrevista foi realizada pela internet, por vídeo, tendo em vista o
entrevistado morar em São Paulo e ser comissário de bordo, estando em um
período que haviam muitas viagens marcadas.
O entrevistado estava em Las Vegas (EUA) no momento a trabalho e
respondeu às perguntas enquanto descansava no hotel.
O entrevistado foi um homem, de nome fictício “André”, de 53 (cinquenta
e três) anos de idade, que convive em uma União Homoafetiva há 11 (onze) anos
com outro homem de nome fictício “José”, de 48 (quanrenta e oito) anos de idade,
enfermeiro, ambos com nível superior completo, morando em um bairro de classe
média alta na cidade de São Paulo-SP.
Foi explicado que não seriam revelados nome, endereço, nem locais de
trabalho ou estudo, mas ainda assim ele exigiu que eu não mais gravasse a
conversa.
Você mora junto com seu parceiro há quanto tempo? Como você
classificaria seu companheiro: Parceiro? Marido? Companheiro? Amante? Amigo?
Estamos juntos há 11 (onze) anos. Ele é meu marido, pois registramos
nossa união no cartório há 02 (dois) anos. Em 2010, quando uns amigos fizeram e
vimos a necessidade, pois financiamos um apartamento no banco, então fizemos o
registro depois financiamos o apartamento no meu nome, mas pelo regime de bens
que optamos, Comunhão parcial de bens, seria um imóvel de nós dois. Nós somos
preocupados também com o caso de acontecer alguma coisa com um de nós, neste
caso, o registro facilitaria o reconhecimento.
Você sente que o registro muda alguma coisa na união de vocês?
Embora a justiça reconheça os direitos das famílias homoafetivas, estes
necessitam acioná-la para que isso ocorra. A partir do registro, houve um alívio
muito grande, pois estamos “garantidos” com relação ao apartamento e com relação
a seguros de vida que fizemos um em favor do outro, assim como com a herança.
Como as famílias de vocês reagem?
Muito natural, sou muito velho para fazer coisas escondidas...
Somos muito família, embora não exista um cotidiano familiar, porque,
minha família mora no interior de Minas e a do José em Natal. Fui morar nos
Estados Unidos com apenas 18 (dezoito) anos de idade e a minha família não
94
participou muito de perto do momento em que tive a primeira experiência com
homens, mas sempre soube que era gay, pois sempre fui diferente.
Diferente em que?
Em tudo, nos gostos, na forma de tratar as pessoas. Acho que eles são
um pouco preconceituosos com relação a algumas situações, mas eu não, pelo fato
de eu ter morado nos Estados Unidos, enfim, mudei muito e eles não. Na verdade
eu mudei muito com a vida que levei nos Estado Unidos. Passei a trabalhar duro
para me sustentar. Meus pais não tinham como me mandar dinheiro. Fui junto com
um amigo de infância também gay e que eram um a família do outro. Em 1995 o seu
amigo morreu e fiquei se sentindo muito só, ele representava minha família lá fora.
Foi muito duro...
Morei nos Estados Unidos e tive vários relacionamentos, e considero o
registro da sua união apenas uma consequência, pois família para mim é sinônimo
de afeto, independente de quem seja. A minha família são as pessoas que eu amo,
independente de ser do mesmo sangue que eu ou não. Amo o José e sofri muito
com a morte do meu amigo, que na era um irmão para mim. Ambos são minha
família.
Você já teve outros relacionamentos sérios?
Não. Nunca tinha me casado, nem morado junto. Nunca tive
relacionamentos com mulheres, mas meu companheiro já. É natural, pois no início
da vida tudo é muito confuso.
Você já sofreu preconceito pelo fato de ser gay?
Já, todos os gays da minha idade já sofreram, mas não me marcou muito,
pois nos Estados Unidos e em São Paulo, lugares onde passei a maior parte da
minha vida, as pessoas são evoluídas e aceitam muito bem todo o tipo de
diversidade. Não saberia viver de aparências. Já sou muito velho para isso.
O que você acha da monogamia?
Espero que ele não me traia... eu acho importantíssimo. Prefiro pensar
que não sou traído.
Vocês pretendem ter filhos?
95
Não, já passamos da hora, na verdade nunca pensamos, já somos velhos
para isso. Nunca me vi como pai..
A entrevista se encerrou e o entrevistado teve que sair, pois tinha um
compromisso.
Percebi que o entrevistado se considera casado e encara o registro da
união como uma “garantia” de direitos para ele e para o seu companheiro.
Percebi também que mudança bastante precoce para os Estados Unidos
representou para o entrevistado uma forma de “libertação” de algumas situações,
especialmente do fato de se assumir gay.
O entrevistado não considera o fato de ter filhos, demonstrando que a
filiação não é um elemento fundamental para a caracterização de família. Elenca, no
entanto o amor, o afeto como elementos caracterizadores da sua união enquanto
família, desvencilhando-se de outros elementos mais comuns, como laços
consanguíneos.
96
6 CONCLUSÃO
As uniões homoafetivas no Brasil têm evoluído bastante nos últimos
tempos. No entanto, os estudos de gênero não coincidem suas bases e seus ideais
com a lei brasileira com relação ao tema.
Dessa forma, percebeu-se, com base em estudos de gênero, que na
tentativa inicial de definição do conceito de gênero pode ter sido formulada por
comparação com a noção de sexo. Sendo o gênero igualmente utilizado para
designar as relações sociais e de poder entre os sexos, onde o macho e a fêmea
são diferentes, mas são também construídos socialmente como desiguais em termos
de uma possível “natureza”.
Aponta-se em relação ao gênero inteligível que este é instituído como
aquele que mantêm relações de coerência e continuidade entre sexo, gênero,
prática sexual e desejo, possibilitando a aparência de uma unidade estável e
estática.
As
transformações
históricas
em
identidades,
papéis
sociais
e
significados não coincidem com os dispositivos legais e normas jurídicas brasileiras.
A lei brasileira ainda não reconhece de forma automática as uniões homoafetivas,
necessitando, assim de uma ação judicial ou um registro da união para que a justiça
reconheça seus direitos enquanto família.
Durante longo período de tempo a sociedade ocidental conviveu com
práticas relacionais fundados na inobservância da igualdade entre as pessoas;
discriminações sem subterfúgios; privilégios de classe em detrimento de outra; a
ótica do “ter” predominando com relação à do “ser”, enfim o patrimônio se
sobrepondo ao afeto.
Isto significa que nem sempre a legislação consegue garantir a proteção
igualitária, dos direitos a todos os cidadãos, ao contrário, podendo não amparar o
que não é da conveniência daqueles que lidam com as leis. Tarefa essa, então,
transferida para o juiz que através da aplicação dos princípios constitucionais e,
também, dos princípios gerais do direito passando a suprir lacunas e proteger
direitos considerados marginalizados pela legislação brasileira.
97
A Constituição Federal de 1988 representou a positivação de novas
conquistas sociais e individuais, trazendo grandes mudanças no que pertine ao
Direito de Família. A interpenetração do Direito Constitucional no Direito Civil
expressou grande avanço nas soluções de questões não cogitadas na codificação.
Uma releitura do Direito Civil à luz da Constituição significou uma total transformação
do Direito focalizado nos aspectos humanístico, solidarista, funcionalizado,
preocupando-se com a dignidade da pessoa humana, o que também é reflexo dos
movimentos sociais pautados em ideais de conquistas de direitos de “igualdade”.
Já o Código Civil de 2002 não correspondeu aos anseios e expectativas
nele
depositadas.
Recepcionou
apenas
as
matérias
já
sedimentadas
na
jurisprudência, deixando de fora várias questões relevantes que deveriam ser
jurisdicizadas pelo Estado.
Foi realizada uma breve análise acerca das variadas decisões judiciais
que reconhecem os direitos das famílias homoafetivas, inclusive das decisões dos
Tribunais Superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal) e
verificou-se a importância da Constituição Federal vigente, enquanto fundamento do
reconhecimento dos direitos das famílias homoafetivas, devido a ausência de
legislação específica sobre o assunto.
O ser humano tem a dignidade como valor fundamental e por isso não há
razão de ser para não considerar na concepção de entidade familiar aquelas
formadas por pessoas designadas do mesmo sexo.
A própria Constituição atende às necessidades da família pluralista
contemporânea, ao delinear a família com base em fundamentos socioafetivos,
valorizando a dignidade da pessoa humana e, portanto, garantindo os princípios da
igualdade formal e substancial, caracterizando, assim, a família como “instrumento”
de realização de seus membros e não mais como instituição.
Nesse sentido, o conceito de família na sociedade contemporânea é
entendido como um conceito mutável, que cede espaços para o reconhecimento de
novas formas, em que a afetividade dos sujeitos envolvidos, a conjugalidade, a
parentalidade e a filiação que configuram um novo contexto estão baseados,
sobretudo, nos laços de afeto.
98
Nesse contexto, verificou-se a existência de uma demanda ainda
resistente de ações judiciais com pedidos referentes ao reconhecimento das uniões
homoafetivas como família no Brasil, sendo desproporcional às uniões existentes.
Assim, trazendo tais estudos para os sujeitos que vivenciam relações
homoafetivas, foi realizada uma pesquisa de campo, através de entrevistas com o
intuito de perceber a interpretação destes sujeitos a respeito de sua união,
destacando, através das falas dos entrevistados significados que se aproximam da
heteronormatividade, bem como o que pensam sobre a legalização dessa união.
Concluiu-se ainda de tais entrevistas que as Uniões Homoafetivas,
representam para a sociedade um novo modelo familiar e que estas famílias não
dependem de uma legislação específica para um estabelecimento social enquanto
entidade familiar.
Entretanto, ressalta-se a importância do registro da união homoafetiva e
de uma legislação específica sobre o tema para a garantia os direitos enquanto
família dos sujeitos envolvidos.
Assim, a omissão com relação ao ajuizamento de ações judiciais
representa um grande obstáculo para que haja o reconhecimento das famílias
homoafetivas, gerando um obstáculo para a atualização da lei civil específica, com o
intuito de evitar o desgaste de uma ação judicial para o reconhecimento das famílias
homoafetivas.
Sendo assim, as uniões homoafetivas são na atualidade uma forma de
desconstrução do modelo de núcleo familiar tradicional, que se constituem como
efeitos de um sistema regulador, que posicionam o masculino e o feminino como
opostos e excludentes, assim como negam a possibilidade de um expressar o outro.
E, para tanto, a responsabilidade do Judiciário aumentou, quando da
existência de lacunas legislativas. Sendo de responsabilidade do aplicador do direito
utilizar-se de todas as ferramentas legais que estiverem ao seu alcance para que,
assim, possa ser feita justiça.
99
REFERÊNCIAS
BAHIA. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 16313-9/99. Relator: Desembargador
Mário Albiani. Salvador, 4 de abril de 2001.
BERNARDI, Iara. Projeto de Lei nº 5.003-B, de 2001. Determina sanções às práticas
discriminatórias em razão da orientação sexual das pessoas. Disponível em:
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=31842
>. Acesso em: 5 out. 2011.
BORGES, José Souto Maior. Pró-dogmática: por uma hierarquização dos princípios
constitucionais. Revista Trimestral do Direito Público, São Paulo, n. 1, 1993.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil.
Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso
em: 15 nov. 2011.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 out.
2011.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 nov.
2011.
BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a
violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da
Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir,
Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados
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102 f.
Impresso por computador (Fotocópia)
Orientadora: Sandra Maria Nascimento Sousa.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão,
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, 2012.
1. Direitos fundamentais 2. Homossexualidade 3. Família 4.
Igualdade I. Título
CDU 342

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