Vicente`14 natureza, templo e abismo - EZ Manager

Transcrição

Vicente`14 natureza, templo e abismo - EZ Manager
Vicente’14
Natureza, Templo e Abismo
o mundo na óptica do utilizador
Nature, Temple and Abyss
The world in the user’s perspective
Entidade promotora | Promoting Entity
Projecto Travessa da Ermida
Direcção de Projecto | Project Direction
Eduardo Fernandes
Gestão de Projecto | Project Manager
Fábia Fernandes
Equipamentos e Montagens | Equipments and Assemblage
José Vaz Fernandes
Conceito e Curadoria | Concept and Curator
Mário Caeiro
Design Projecto editorial Vicente 2014
Design Editorial Project Vicente 2014
Diogo Trindade
Tradução | Translation
Fábia Fernandes
Autores fólio | Authors folio
Paulo Pereira | José Tolentino Mendonça | Fernando Melo
Nelson Guerreiro | Agata Wiorko | Manuel J. Gandra | Raoul Kurvitz
Artistas fólio | Artists folio
Isabel Baraona | Marta Soares
Impressão | Print Tipografia Lousanense
Tipografia | Typeface Andrade Pro • DSType
Sobre Papel | On Paper Print Speed 120 g/m2
ISBN 978-989-8277-34-3
Depósito Legal | Legal Deposit 379878/14
Edição de 200 Exemplares | Edition of 200 Copies
Exposição | Exhibition
Ermida Nossa Senhora da Conceição
6 de Setembro – 26 de Outubro 2014
6th September – 26th October 2014
Instalação | Installation
Raoul Kurvitz (Estónia/Estonia)
Performance
Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz (Polónia/Poland) | João Abel (Portugal)
Programa | Program • Lisboa na Rua | Com’out Lisbon
Apoios | Support
EGEAC | CML | Junta de Freguesia de Santa Maria de Belém
Enoteca de Belém | Palavrão Associação Cultural
Embaixada da Estónia em Lisboa • Estonian Embassy in Lisbon
República da Estónia – Ministério da Cultura/Ministério dos Negócios
Estrangeiros • Republic of Estonia – Ministry of Culture/Ministry of
Foreign Affairs | The Cultural Endowment of Estonia
Agradecimento | Acknowledgement
S. Exa. o Embaixador da Estónia, Anders Rundu • His Excellency Anders
Rundu the Ambassador of Estonia
Indrek Leht | Miguel Honrado | Pedro Moreira
CONTACTOS | CONTACTS
Travessa do Marta Pinto 12,
1300-390 Lisboa
00 351 213 637 700
[email protected]
TRAVESSADAERMIDA.COM
Reinventando
Reinventing
O mito,
the myth,
Desde 2011
since 2011
INTRODUÇÃO​
Projecto Travessa da Ermida
por Mário Caeiro
Primeiro, a invocação. Vicente nos dê asas. Vicente nos
diga o agora. Vicente nos acompanhe no dia que rasga
a noite e, já agora, na noite que acorda o dia. No espaço
disponível para o encontro com o místico;
Manuel J. Gandra, outro mestre, desvenda mistérios
espectaculares como quem acrescenta um ponto à mitografia
urbano que cada geração entrega à seguinte. No corpo do
cidadão que quer saber mais sobre as origens remotas e
futuras da sua cidade.
Em 2014, VICENTE, volta a inspirar-se em aspectos da
mitografia de S. Vicente para continuar a pensar a relação
sempre crítica entre mundo e cultura, natureza e símbolo,
de Portugal; o poeta José Tolentino Mendonça introduz-nos
em mistérios da fé; enquanto Fernando Melo nos coloca sobre
a mesa a complexidade da cultura do vinho; misturando
ideias como nas melhores – e melhor bebidas! – conversas.
Depois, a nossa vocação: todos os anos, aportar a Lisboa
novas camadas de uma realidade mítica e de uma energia
história e espírito. Com o título Natureza, Templo e Abismo,
propõe-se um mosaico de questões que são outras tantas
direcções para a reflexão e que estabelecem entre si curiosos
nexos. O lado mais universal dos mitos é sempre o mais
simbólica ancestral capaz de ir ao encontro das dinâmicas
da cultura contemporânea. Anualmente desde 2011,
o Projecto Travessa da Ermida, a Belém, continua a invocar
o potencial criativo em torno do mito (do) fundador da
actual; e mais vital, se aspiramos a uma contemporaneidade
identidade da cidade de Lisboa. O objectivo é continuar a
mais completa.
O artista convidado a intervir na Ermida N. Sra. da Conceição
é Raoul Kurvitz, que abre um novo programa de encontros
internacionais, desenhados para levar a nova mitologia
motivar um conjunto de inusitados encontros culturais entre
criadores e investigadores portugueses e internacionais,
numa iniciativa que procura revelar os segredos da história,
dar a conhecer nuances críticas do pensamento filosófico
de VICENTE mais longe. Com o apoio da Embaixada da
Estónia, uma Tallinn neo-pagã, como que trasladada para
atual e que promove a sua própria casta de uma arte
contemporânea de olhos postos no horizonte.
a Ermida N.ª Sr.ª da Conceição à Travessa do Marta Pinto
em Belém, é por assim dizer um surpreendente espelho para
vermos a nossa Lisboa a outros olhos.
O Projecto VICENTE chega à quarta edição sob o mote
Natureza, templo e abismo – o mundo na óptica do
utilizador. Este é o início de uma segunda sequência de
No âmbito da performance, o Vicente-corpo-imagem-presente de João Abel e dos textos-passeios-
programação, dedicada ao encontro com a diversidade da
cultura europeia. Vicente está mortinho por receber visitas
-guiões de Nelson Guerreiro passa o testemunho
a um novo avatar: polaco, transexual, libertário,
e trocar cromos. Em 2015, a quinta edição – e segunda
deste díptico – terá por mote: Sagrado, corpo e imagem.
Até lá, comecemos por nos deixar surpreender por um…
Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz é o nome impronunciável
deste agente provocador que vem para dar literalmente
corpo ao manifesto. Num breve ensaio, Agata Wiorko
ajuda-nos aqui a entrar no universo de ‘Leon’, precisamente
a propósito dos desenhos inéditos que o artista realiza para
pensar as suas personae.
Quanto ao território da arte do livro, esta edição de
VICENTE é valorizada por projectos editoriais originais das
artistas Isabel Baraona (caderno de ilustração) e Marta Soares
(caderno de fotografia) que são respectivamente uma intrincada
interpretação do (que pode ser) desenho e uma espirituosa
proposta d(o que pode ser) a pintura.
Os textos principais são quatro: Paulo Pereira apresenta
o ponto de vista de uma história da arte profunda,
paganismo… tão natural como a nossa sede?
Em suma, para o ano, a luta continua (Tolentino), já que
seremos sempre actores na paisagem lunissolar (Pereira) que
nos vai legando a já longa viagem deste mito do Sul. Até lá.
Até já.
introduction​
Projecto Travessa da Ermida
by Mário Caeiro
First, the invocation. Let Vicente take us on a flight. Let
Vicente tell us about our present. Let Vicente accompany
us along the day that tears the night, and, by the way,
The main texts are four: Paulo Pereira presents his vision
of a deep History of art, ready to encounter the mystic;
Manuel J. Gandra, another master, reveals spectacular
during the night that wakes the day. In the urban space
each generation delivers to the next one. In the body of the
citizen who wants to know more about the remote and future
origins of his/her city.
In 2014, VICENTE, once again, is inspired by the scents
of the mythography of St. Vincent, in order to rethink the
mysteries as if adding new layers to the mythography of
Portugal; poet José Tolentino Mendonça introduces us to the
mysteries of faith; while Fernando Melo puts the complexity
of wine culture on the table, mixing ideas as in the best
conversations – those accompanied by generous quantities
of… wine.
always critical relation between world and culture, nature
and symbol, history and spirit.
Under the title Nature, Temple and Abyss, we propose
a mosaic of issues pointing out directions for reflection
Now our vocation: every year, offering Lisbon new layers
of mythical reality and of ancestral symbolic energy capable
of resonating the dynamics of contemporary culture.
Annually since 2011, Projecto Travessa da Ermida, in Belém,
establishing peculiar connections between themselves. If we
continues to invoke the creative potential around the myth
are to aspire to a more complete contemporaneity, the most
universal side of a myth is always the most actual; and, as
well, the most vital.
Raoul Kurvitz is the guest artist invited this year to make
of the founder of the identity of Lisbon. The objective is to
continue motivating a set of unusual cultural encounters
between creators and researchers, both Portuguese and
International, in an initiative which tries to reveal the
an intervention at Ermida N. Sra. da Conceição. It is the
first step in a new programme of international encounters,
secrets of history, presenting critical nuances in today’s
philosophical thinking and finally promoting its own brand
designed to take the mythology of VICENTE further on.
With the support of Estonian Embassy, it’s as if a neo-pagan
Tallinn is to be translated to the Ermida at Travessa do
of a contemporary art looking into the horizon.
Project VICENTE arrives to its fourth edition under
the motto Nature, Temple and Abyss – the world in the
Marta Pinto in Belém, becoming a surprising mirror for us to
see our Lisbon in a different way.
user’s perspective. It’s the beginning of a new programme
sequence dedicated to the encounter with the diversity of
On the performance field, the Vicente-body-present-image developed by João Abel and the scripts by
Nelson Guerreiro gives way to a new avatar: Polish,
European culture. Vicente is anxious to host guests and
exchange news. In 2015, the fifth edition’s theme – and
the second of this diptych – will be entitled Sacred, Body
transsexual, libertarian, Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz
is the unpronounceable name of this agent provocateur
and Image. Until then, let us be surprised… naturally… by
paganism.
who comes – literally – to offer his body to the manifest.
In a brief essay, Polish Agata Wiorko helps us entering the
universe of ‘Leon’ precisely a propos unpublished drawings
Summing-up, next year the battle goes on (Tolentino), as
we will be always actors on the lunisolar landscape (Pereira)
whose legacy – this Southern myth's long journey – is given
made by the artist to carry out his personae.
Concerning the territory of the art book, this edition of
to us. Until then. See ya.
VICENTE is enriched by original editorial projects by artists
Isabel Baraona (eight pages of illustration) and Marta Soares
(eight pages of photography) which are respectively a
complex interpretation of what drawing might be and a witty
proposal about what painting can be.
5
SAGRES E S. VICENTE:
TEMPLO. ABISMO. ENIGMA​
Paulo Pereira
1.OS INTERDITOS. DOS MENIRES AOS “MOLEDROS”
Onde tudo acaba e recomeça. É este o sinal de um dos mais importantes
finisterras europeus, em que se assiste ao declínio do astro-rei e ao cair misterioso
da noite, num ciclo ininterrupto de carácter lunissolar. Na realidade, trata-se de
dois finisterras que a tradição acaba por associar: o cabo de Sagres e o cabo de
S. Vicente. O sinal da imensidão cósmica levou à sacralização destes dois extremos
monumentais do mundo e a sua posição geográfica era tão evocativa que esta
síntese se fazia já desde a antiguidade clássica.
Os geógrafos antigos gregos e latinos descreveram o lugar como limite absoluto
e marco da topografia sagrada atlântica. Por isso o promontório se encontra
saturado de referências pré-históricas, históricas, míticas e simbólicas e é já
referido nessas fontes da antiguidade como cabo sagrado. Os gregos dão-no
como Ieron Akroterion. Passa a ser quase que invariavelmente descrito como
Promontorium Sacrum, lugar de cultos antigos a Saturno (sacra Saturni) ou
a Hércules, marcado ainda por ritos de interdição nocturna, por sua vez associados
a vestígios pré-históricos nas imediações.
Quando Estrabão descreve o sítio do Promontório Sacro, faz referência
a “pedras organizadas em grupos de três ou quatro, as quais, segundo um antigo
costume, são viradas ao contrário pelos que visitam o local e depois de oferecida
uma libação são recolocadas na sua posição anterior” (Estr. III, 1, 4). Esta alusão
será um equívoca referência a recintos constituídos por pedras à volta dos quais se
movimentavam sacerdotes e crentes, verdadeiros recintos megalíticos sendo certa
a existência de importantes vestígios de há cerca de 5.000 a.c., nas imediações de
Sagres, constituídos por menires de pequenas dimensões.
Aliás, o Algarve parece ter constituído, juntamente com franjas do litoral
alentejano e Estremadura, uma das áreas de penetração precoce do neolítico
através de estabelecimentos de povos portadores de uma nova economia e de
cerâmica cardial. Mas também se assevera distintivo o megalitismo menírico
do Barlavento do Algarve. Um dos exemplos mais interessantes é o da estação
arqueológica da Caramujeira1 em Lagoa. Num contexto do neolítico antigo ou
médio foram encontrados 25 pequenos menires de calcário branco e amarelado,
1Escavada em meados dos anos 70 por Mário Varela Gomes, Pinho Monteiro e Cunha Serrão. Ver também: Cromeleques; Megalitismo; Menires; ver também vols. IV, VI. Cf. GOMES,
Mário Varela et allii, “A estação arqueológica da Caramujeira. Trabalho de 1975-76” in Actas
das III Jornadas Arqueológicas, Lisboa, 1977; Valcamonica Symposium, III, 1979. Ver também
GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa,
Faro, 1987; idem, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro,
1987; idem, “Megalitismo no Barlavento Algarvio- Breve Síntese” in Setúbal Arqueológica, vol.
XII-XIII, 1997. Para os levantamentos territoriais ver GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987; GOMES, Mário Varela et
allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987.
Distribuição dos menires agrupados ou
isolados na Península de Sagres e S. Vicente (a
partir de GOMES et allii, 1987)
material desconhecido no local, dispostos em redor, e no âmbito de um povoado de
superfície. Alguns deles encontram-se decorados por bandas de cordões que vão
da base ao topo, sendo este marcado por relevo representando o meatro uretral,
conjugando uma simbólica que podemos associar à polaridade feminina (os cordões,
constituídos por ovais unidas entre si com um traço a meio, evocando vulvas) e a
polaridade masculina através da morfologia patentemente fálica dos menires. Alguns
dos menires da Caramujeira revelaram restos de pintura vermelha.
A este conjunto associam-se núcleos de menires do mesmo tipo – isolados, em
alinhamento ou em “cormeleques”, situados não muito longe: Vale Sobral, Areia
das Almas, Porches, Raposeira (Monte da Pedra Branca, Padrão) e, claro, as de
Sagres, com a estação do Monte dos Amantes e muitos outros, já detectados por
Mário V. Gomes e Tavares da Silva2.
Trata-se quase sempre de áreas que entregam vestígios de exploração e de
2Levantamentos e reconhecimento territoriais mais recentes de David Calado continuaram a
identificar a associação de povoados a pequenos menires (ou restos destes) na região do sudoeste Algarvio. Por exemplo, Quinta da Queimada, de Odiáxere, Pinheiral, Monte Alto, Figueiral,
Montinho da Rocha, Maranhão Novo, Monte do Castanheiro, Sabrosa, Montes Juntos ou Palmares Cf. CALADO, David, “Poblados con menhires del extremo SW peninsular” in Revista
Atlántica-Mediterrânea de Prehistoria y Arqueología Social, vol. III, 2000, pp. 47-99.
Menir do Padrão Vestígios de recinto ou alinhamernto megalítico no terraço de Sagres/Vila do
Bispo/Raposeira
7
8
ocupação, sazonal ou mais duradoura, eventualmente
datáveis de finais do VI milénio mas com provável ocupação
até ao IV milénio. De toda a maneira acentuam a precocidade
Existiam, portanto e ainda, nos finais do século em finais
do século XIX, verdadeiros interditos espaciais na zona do
Cabo, que não deveriam, pelo menos estes, diferir em muito
do fenómeno menírico, que se associam a estes povoados
como delimitadores de áreas e referência dominial.
A sua pequena altura (entre os 0,60 e os 3,50 m – por
vezes mesmo, a sua modéstia) parecem indicar que se
destinavam a funcionar como marcadores territoriais,
associados a uma função sagrada à maneira dos “bétilos”
do que se passava na pré- e na proto-história. Como locus
sacer de longa duração e persistente tradição, é bem provável
que os interditos remontem, até, aos tempos neolíticos.
É, pois, provável que por via do sincretismo religioso se
tenha promovido ao longo do tempo uma sedimentação
de cultos. Em S. Vicente e em Sagres, ou só em S. Vicente
ou dos “ídolos”. É assim provável que os menires da
zona costeira se encontrassem associados a povoados,
acampamentos ou assentamentos eventualmente ligados
às primeiras explorações agrícolas da zona ainda que
fortemente marcadas por uma economia recolectora
(ou só em Sagres…) poderá ter sido destinado um lugar
de culto a uma entidade divina assimilável ao Baal fenício
ou ao Kronos grego, e especialmente ao Saturno romano.
Baal Hammon era o consorte da deusa Tanit dos fenícios
e ficaria conhecido como “aquele que está escondido”,
“epimesolítica”, com uma componente temporária (e portátil)
ou semi-sedentária. Não custa imaginar a reunião, à noite,
de uma pequena comunidade em redor de uma lareira,
iluminando um círculo em redor, delimitado ou pontuado
por dois ou mais pequenos bétilos vermelhos e brancos, por
o que se adequa a um culto de raízes solares num local onde,
precisamente, se esconde até ao recomeço do ciclo diário.
Por sua vez, Estrabão mencionava que “ali não há nenhum
templo de Hércules, como falsamente afirmou Éforo, nem
qualquer altar a ele dedicado ou a qualquer outro deus”
sua vez objectos de libações rituais ou de manifestações de
homenagem idolátrica em alturas propícias do ano.
Avieno, no século IV a.c., descreve o território dos Cinetes
(Estr. III, 1, 4) o que, quanto a nós, não retira o carácter
sagrado ao local, apenas o define como santuário informal
proveniente dos tempos neolíticos ou calcolíticos, como o
ou dos Cónios dando-lhe como limite o cabo Cinético. Diz
dele ser o lugar “onde declina a luz sideral” a que se segue
atesta a profusão de vestígios arqueológicos no aro de Sagres
– e a referência a Hércules, um semi-Deus, conforma-se
“um promontório, que assusta pelos seus rochedos, também
ele consagrado a Saturno. Ferve o mar encrespado e o litoral
rochoso prolonga-se extensamente”. Vale a pena lembrar a
a uma tradição pré-helénica e pré-fenícia.
É, de resto, fascinante a recente proposta de Graham
Robb3, ensaísta, viajante, escritor e arqueólogo amador,
relação etimológica que o etnónimo Cinete ou Cónios possui
com a palavra oKeaNos, com o mesmo radical em KN.
Para a definição do lugar enquanto locus sacer (ou
acerca da existência de um alinhamento de grandes
lugar sagrado), Estrabão, que diz não existir um santuário
propriamente dito (supomos que Estrabão se refere a um
templo, formalmente instituído) assevera que ali, naquele
cabo, “Não é permitido oferecer sacrifícios nem aí pernoitar
pois dizem que os deuses o ocupam àquelas horas. Os que
o vão visitar pernoitam numa aldeia próxima, e depois,
de dia, entram ali levando água, já que o lugar não o tem”
(Estr. III, 1, 4).
Leite de Vasconcelos aponta uma explicação de etnografia
comparativa, baseando-se numa visita sua ao cabo (in
Religiões da Lusitânia): “Em todo o cabo ninguém duvida
que as pedras do Promontório tinham significação mágica
(…) No extrema do Cabo, perto do pharol e das ruinas do
convento de S. Vicente, há vários montículos de pequenas
pedras, que o povo chama moledros (…). A propósito d’ esses
moledros colhi da boca do povo as duas seguintes noticias:
“a) quando se leva do moledro uma pedra, e se deixa
num sitio, ahi a pedra anoitece e não amanhece: isto
é, vae-se de manhã ao sitio em que à noite se deixou
a pedra, e esta já lá não está, e reapparece no moledro;
é D. Sebastião quem de noite retira a pedra pa’a o moledro. /
“b) quando se leva do moledro uma pedra, sem ninguém
saber, e se colloca debaixo do travesseiro, apparece lá, ao
outro dia um soldado, que logo desapparece, para ir outra
vez, já transformado em pedra, collocar-se no moledro.
dimensões, que atravessa na diagonal a Península Ibérica,
em linha recta, começando no Cabo de Sagres e atravessando
os Pirenéus. Segundo Robb, esta linha recta corresponderia
à Via Herakleia, obedecendo a um alinhamento solsticial
(alinhado pelo nascer do sol de Verão no solstício) que
ligaria o extremo ocidental da Europa – Sagres, lugar de
cultos de Hércules/Melkart – à Gália, e dando nascença,
ou servindo de espinha dorsal à instituição da cultura
céltica. Bem sei que nos encontramos nesse domínio
abissal e medonho (segundo os académicos, de que faço
parte, aliás!), das especulações: mas quantas delas não se
asseveraram já confirmadas pela arqueologia, fazendo depois
a arqueologia tábua rasa das propostas arrojadas (e às vezes,
aparentemente delirantes) dos diletantes.
Esta Via Herakleia, que os geógrafos da antiguidade
certificam, seria a que foi seguida por Hércules, após roubar
os bois de Gerion, subindo até às terras gaulesas através do
Matrona “pass” dos Pirenéus: também se chamava a esta
linha a coluna do Sol, porque acompanhava o curso do
astro-rei, desde o seu nascente no solstício de Verão (a NE)
ao pôr do sol no solstício de Inverno (a SO), lugar de medos
e trevas, o fim do mundo, em suma: Sagres.
As criticas à tese de Robb são muitas: com efeito, o
Caminho ou Via de Hércules, histórica e arqueologicamente
considerada, e seguida por Aníbal e pelos exércitos
3
ROBB, Graham, The Ancient Path, Londres, Picador, 2013.
A Via Herkleia segundo ROBB, 2013
cartagineses na Guerras Púnicas, anda ziguezagueante, a partir de Cádiz (a antiga
Gades/Gadeira, ou Gadir) pelo levante espanhol acima, num traçado perfeitamente
normal e cheio de reviravoltas. Mas o que me interessa aqui na intuição de Robb
é precisamente este facto: o caminho “histórico”, teria o seu contraparte num
caminho “conceptual”, sagrado e ritual, que corresponderia a esta Via Herakleia,
calculada a regra e esquadro. Sem nos aventurarmos nos pretensos conhecimentos
dos druidas ou sacerdotes pré-históricos – celtas, segundo ele, sendo o trajecto
muito antigo, talvez neolítico, fixado entre 800 e 600 a.c. – é um facto que a
linha vai estabelecendo ao longo do seu percurso vários lugares (e cidades) cujo
nome original é mediolanum (a “terra do centro”)4. Muitas são as cidades por ele
identificadas com este nome antigo dentro deste percurso e das suas consequentes
declinações geográficas – eu diria arqueo-topográficas – na Gália, Inglaterra
e Itália (Portugal, infelizmente não entra nas contas dele, a não ser em Sagres,
ponto de partida de tudo…).
4
Já fiz este exercício para Portugal, O conceito de “centro”, no sentido tradicional, não se
subsume no seu estrito alcance “geométrico”, geográfico ou geodésico, abrangendo sim os
domínios do sagrado. O centro é, igualmente, o ponto de onde irradiam as “quatro direcções
do espaço”, é eixo do mundo , o omphalos ou “umbigo do mundo”, o focus, em latim, com
dimensão doméstica, o lugar onde se conserva o “fogo sagrado” indispensável à vida. A tradição
ocidental da antiguidade clássica, grega, etrusca e romana coincide com um santuário, através
do sistema dos amphictionies e dos dodecapólos,. Os lugares “centrais” são denunciados pela
toponímia: Milão, (Mediolanum) – terra do meio – Meriden (Inglaterra), Midlothian (de middle Lothian,, na Escócia, onde se situa a capital, Edimburgo), Meath ou terra de Middhe (actual County Meath, na Irlanda). Na França, no centro geográfico do “hexágono”. Em Portugal
teremos os topónimos de Meadas, Mealhada, Midões, que remetem para a função de centro
e “meio” e de labirinto e de Luz (a “amêndoa” – dos Almendres). Segundo as fontes bíblicas,
a palavra Luwz = Luz (palavra original hebraica lwz/zwl). Na Bíblia (Génesis, 28, 10-19) está
escrito: “(…) Jacob exclamou: ‘O SENHOR está realmente neste lugar e eu não o sabia!’Atemorizado, acrescentou: «Que terrível é este lugar! Aqui é a casa de Deus, aqui é a porta do céu’
No dia seguinte de manhã, Jacob agarrou na pedra que lhe servira de travesseiro e, depois de
a erguer como um monumento, derramou óleo sobre ela. Chamou a este sítio Betel, quando,
originariamente, a cidade se chamava Luz.”. Hoje, do ponto de vista geodésico, o centro perfeito de Portugal, é Melriça, no cume da Serra da Melriça, no concelho de Vila de Rei, grande
marco geodésico de forma piramidal, erguido em 1802, com 9, 1 m de altura, acrescentado aos
592 m de altitude do Picoito da Melriça, perfaz uns canónicos 600 m de altitude. (Latitude 39º
42’ N/Longitude 8º 8’ W).
9
Estas teses não são novas. Para quem anda nisto há muito
tempo sabe das diversas especulações de amadores como
Alfred Watkins5 (o “inventor” das ley lines, alinhamentos de
monumentos e acidentes na paisagem, “estradas direitas”
dedicadas ao comércio de antanho – e que afinal parecem
ter mesmo existido, embora sem a extensão e o conteúdo
prosaico que ele lhes atribui mas antes no quadro – ainda
mais assombroso – do estabelecimento de paisagens rituais na
pré-história – e usadas até aos tempos históricos!). Ou as de
Xavier Guichard6, que estabeleceu um conjunto de meridianos
de lugares, vilas e cidades com o nome derivado dos radicais
aLS (Alesia), e que chegam a Portugal (a Alijó, por exemplo)
10
e a que ele chamaria “linhas do sal”. Também o germânico
Willelm Teudt se debruçou sobre este tipo de alinhamentos a
grande distância (a acautelar por causa das simpatias nazis pelas
suas teses…), ou mais recentemente Louis Charpentier7, que
repegou no mito de Hércules, para descobrir uma espiral virtual
geograficamente instita, e abrangendo os topónimos em LU,
apontando para os Lígures como povo civilizador no neolítico:
o seu guia seria Hércules e, sem exagerarmos, o roubo do
gado, seria uma maneira mitológica de explicar a expansão do
neolítico e do fenómeno da domesticação de animais e plantas,
registado desde tempos imemoriais. A isto podem juntar-se os
estudos mais sofisticados das geografias sagradas grega e romana
da autoria de Jean Richer. Fantasias, claro.
No caso de Robb, este magnífico alinhamento justificaria,
também a unidade da cultura céltica. Se Hércules “civilizador”
começou este périplo terrestre em Sagres, não sabemos,
mas miticamente bem poderá ter sido assim, com contactos
entre populações neolíticas – das mais antigas do ocidente
europeu – nesta ponta ocidental da Península. Curiosamente,
para quem estranhe esta associação do sudoeste ibérico aos
celtas, esclareço que os Cinesi ou Cinéticos (que ocupavam o
E podemos então fazer a pergunta: e se o périplo do corpo
de Vicente, santo, nascido em Saragoça (Cesare Augusta)
– por onde passaria a Via Heraklea “conceptual”, proposta
por Robb – e martirizado em Valência, não fosse mais do
que um regresso do herói (agora santo) ao lugar de origem
da sua mítica viagem, uma revivescência, marítima – como
doravante será sempre marítima a saga dos seus despojos –,
à terra onde tudo acaba e recomeça?
OS CORVOS ORACULARES
Já no tempo dos árabes, conhecido o lugar de onde se
encontravam as relíquias de S. Vicente, o Cabo de Sagres
será nomeado Chakrach, continuando a ser um lugar de
peregrinação. A Igreja do Corvo, associada ao acolhimento
dos despojos sagrados daquele santo parece ter
desempenhado, de facto, um papel fundamental na
própria fundamentação do reino português, ou não tivesse
D. Afonso I organizado duas expedições para resgatar
o corpo do santo, trazendo-o para Lisboa (que mantém
a barca que transportou o féretro e os dois corvos que o terão
acompanhado, no seu escudo de armas). Mas o que acontece
de mais impressionante é a manutenção do culto, em período
pós-romano, desta vez substituído pelo de um santo que foi,
também, já como cadáver, movendo-se sobre as águas, um
viajante (aparentemente) involuntário para ocidente – onde
aportou – e que a lenda dá associado aos corvos, aves negras
que simbolizam simultaneamente a vida e a morte, mas
também a luz, eventuais substitutos de símbolos ou atributos
divinos dos deuses que ali se veneraram.
Em termos iconográficos S. Vicente é representado,
geralmente, com aparência jovem, vestindo os trajes
Cabo Cinético) segundo os geógrafos gregos, eram vizinhos dos
Keltoi (Célticos) do Alentejo – assim descritos pelos romanos: e
vermelhos de diácono, associado a diversos atributos, como
os corvos, uma nau ou caravela (as “armas” da cidade de
o que é mais é que os arqueólogos avançam hoje (Simon James8,
Barry Cunliffe9) com a hipótese extraordinária da língua kéltica
Lisboa, das mais enigmática e fascinantes do ocidente
europeu…!) – o veículo que transportou o féretro – uma
corda, relacionada com a tentativa de resgate do corpo, e em
cenas historiadas que relatam o martírio, especialmente os
ou céltica, ter sido difundida da Ibéria Ocidental para o resto
da Europa, num movimento contrário ao que era comumente
aceite! Sabe-se hoje que as famosas estelas em escrita dita
tartéssica, são afinal a adopção do silabário fenício a uma língua
que não é mais do que um ramo das línguas célticas…
5
WATKINS, Alfred, Early British Trackways, Moats, Mounds,
Camps and Sites, Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co. (London); The Watkins Meter (Hereford), 1922; idem The Old Straight
Track, 1925 (reeditado: Abacus, 1988).
6
GUICHARD. Xavier, Eleusis Alesia: Enquête sur les origines de la
civilisation européenne, 1936.
7
CHARPENTIER, Louis, Os Gigantes e os Mistérios das Origens,
Lisboa, Bertrand, (reed.), 1974.
8
JAMES, Simon, The Atlantic Celts, British Museum Press, Londres,
1999.
9
CUNLIFFE, Barry, Britain Begins, Oxford, Oxford Univ. Press,
2013; v. também CUNLIFFE, Barry, Europe Between the Oceans:
9000 BC-AD 1000, Yale, 2011; idem, Facing the ocean: The Atlantic and its peoples, 8000BC – AD1500, Oxford, Oxford Univ. Press,
2001.
momentos relativos à sua fustigação na cruz, ao lançamento
do corpo com a mó e ao cadáver protegido pelos corvos.
Em Portugal, onde o culto assumiu grande proporções,
encontram-se em grande profusão representações do santo,
especialmente entre a pintura de inícios do século XVI, sendo
certo que anteriormente, quer na escultura quer em tábuas
pintadas entretanto desaparecidas, era frequentemente
representado. De entre todas as peças de arte mais
representativas, contam-se os famosos Painéis de S. Vicente
ou Painéis das Janelas Verdes, nos quais o santo, duplamente
representado, se encontra associado a uma corda (a seus pés),
a dois livros (um aberto, o outro fechado) e a um caixão (onde
foi enterrado). Estes painéis associavam-se a outros, que
compunham um retábulo na capela-mor da Sé de Lisboa,
representando cenas do martírio.
2.PÉRIPLO MARÍTIMO
O corpo incorrupto do mártir, é um dos aspectos a ter em conta numa análise
tradicional ou esotérica deste culto. O facto dos corvos se encontrarem associados
à iconografia vicentina –à sua história- tem permitido aproximar o seu culto do
culto pré-histórico do deus Lug, precisamente simbolizado pelo corvo, ave da luz
e das trevas. S. Vicente seria assim um avatar de um culto ancestral, que manteve,
inclusivamente, o símbolo dessa entidade –a mesma que teria dado origem aos
cultos de Baal ou Saturno. Esta faceta da hagiografia vicentina parece ser de toma
em conta e, pese embora ser por enquanto impossível provar a precedência do
culto de Lug, não parece deslocada a proposição, sabendo o alcance e importância
deste Deus entre os povos pré-celtas e celtas.
Tão importante é a própria história vicentina. Na realidade trata-se de
uma história que contém no seu seio aspectos que vertem de arquétipos que
encontramos, de forma igualmente simbolizada na doutrina hermética e na própria
alquimia. De facto, o que a hagiografia nos conta é o transporte de um corpo que
não se corrompe, mas que se encontra morto, num vaso, acompanhando o sentido
do Sol; fá-lo sobre as águas, isto é, em regime de dissolução. O seu atributo mais
evidente será o corvo, de cor negra, precisamente a ave escolhida no complexo
sistema simbólico e hieroglífico da alquimia para assinalar o momento inicial
da realização da chamada “Grande Obra”, correspondente ao “solve”, à morte,
à caveira ou caput mortem (as relíquias?): o nigredo. Naturalmente que o arquétipo
desta viagens simbólicas será a do Osíris egípcio.
Lugar de culto moçárabe, Sagres acolheria, depois outras lendas mais ou menos
infundamentadas, como a de ter sido o assento da “escola” de navegadores criada
pelo Infante D. Henrique, que ali (ou nas vizinhas povoações de Vila do Bispo
e Raposeira) estadiava frequentes vezes. A longa diacronia do estabelecimento
humano é documentável na fortaleza e no antigo convento do vizinho Cabo de
S. Vicente (hoje farol)10. O Cabo de Sagres viu a fundação da chamada Vila do
Infante em Terçanabal, mas o futuro de Sagres haveria de ser, formalmente, o de
uma fortaleza marítima, construída entre meados do século XV e somente acabada
no século XVIII, em 1794.
10Do complexo “continental” deste cabo do mundo, fazem parte itinerários costeiros que conduzem a Lagos, passando pela Raposeira (com a sua velha ermida de Nª. Sª. de Guadalupe).
Desenho da armada de Francis Drake: “Cape Saker”, com a representação da Fortaleza de Sagres
(1587).
11
12
Levantamento da “rosa-dos-ventos”,
segundo a interpretação astronómica de José
A. Madeira (MADEIRA, 1961)
3.A “VILA DO INFANTE” NO CÍRCULO GRADUADO DE SAGRES
Entre 1433 e 1437, com o começo das estadias do Infante D. Henrique no
Algarve, e especialmente desde cerca de 1448, este terá observado a necessidade
de conceder apoio aos mareantes de passagem pela zona, quando das (por vezes
obrigatórias) interrupções da navegação durante a passagem do Mediterrâneo
para o Atlântico, mandando edificar a Vila do Infante11, cuja localização tem sido
objecto de controvérsia. Do que não parece restar dúvidas é da importância da
Trasfalmenar árabe (ou ponta “do farol” ou “da vigia”), topónimo muito antigo
identificável com a zona do Cabo de S. Vicente, ou do Terçanabal árabe (ou “tarif
anabal”, o “cabo de Aníbal”), este melhor identificável com o Cabo de Sagres e o
seu respectivo complexo de enseadas, a oriente.
A doação ao Infante D. Henrique, por parte do seu irmão o Infante D. Pedro do
“Cabo de Trasfalmenar” remonta a 27 de Outubro de 1443, o que estará na origem
da intervenção naquele finisterra., dando continuidade a uma ocupação humana,
traduzida pela existência de povoações e estabelecimentos de origem árabe ao qual
a política do Infante quis dar continuidade na perspectiva do apoio aos navegantes.
Já o chamado gnomon de Sagres pode relacionar-se com a agrimensura e com
a gromática. Trata-se da enigmática figura circular, raiada, desenhada no solo,
com cerca de 43 m de diâmetro, conhecida como “rosa-dos-ventos” de Sagres
construída no plano horizontal da fortaleza, sobre a terra e a rocha do promontório,
com terra batida e seixos acumulados, desenhando um círculo completo no qual se
inscrevem 24 diâmetros maiores ou segmentos compostos por seixinhos.
Foi interpretada como um grande relógio solar, ao qual falta agora o gnomon,
ou seja, a vara ou stilo que se erguia ao alto para projectar a sua sombra. Mas entre
um quadrante solar e uma rosa-dos-ventos não existem concordâncias: uma
rosa-dos-ventos divide-se em oito direcções e subdivide-se sucessivamente até
ao número de trinta e dois segmentos determinados por outros tantos raios. Neste
caso, o círculo graduado divide-se em doze partes, alargadas a 24 diâmetros (ou
seja, possui 48 raios). Face às muitas dúvidas existentes levantei outra hipótese para
a função da figura raiada no solo de Sagres. Com efeito, o grande círculo poderá ter
desempenhado a função de “afinador” das agulhas de marear, para a posição do
11V. carta datada de 19 de Setembro de 1460, escrita em Sagres pelo próprio Infante D. Henrique,
onde o príncipe fala concretamente da “qual vila eu fiz”.
extremo Sul.
Já Rafael Moreira12, propõe a função de “platea”, na sequência de uma
leitura muito precoce de Vitrúvio, regulando a fundação da famosa mas nunca
materializada “vila ideal” conhecida como Vila do Infante.
Chamo a atenção para um facto deveras intrigante que, tanto quanto sei, tem
passado despercebido: numa gravura oitocentista, aparece um pequeno edifício
de planta circular localizado no lugar onde hoje se encontra a “rosa-dos-ventos”,
presumivelmente no seu centro. Qual a relação deste objecto arquitectónico com a
“rosa-dos-ventos”, eis algo que praticamente ninguém assinalou e que permanece
no domínio do desconhecido. A inexistência de trabalhos arqueológicos
concludentes e com uma metodologia moderna aquando da redescoberta da figura
radial comprometeram a sua interpretação.
Mas esta construção, mesmo sendo tardia, não deixa de estar relacionada com
o programa das “torres dos ventos” vitruviana… É que existe, para mais, um
eventual paralelismo no Algarve para uma estrutura com esta função, e bastante
conspícua nos seus propósitos: trata-se da Torre dos Ventos da Herdade da
Horta dos Cães, em Faro, recentemente estudada por Francisco Lameira
e J.E. Horta Correia13.
Ter-se-á ficado a dever ao mecenato de Veríssimo de Mendonça Manuel,
o desembargador dono da propriedade, e pode datar de meados do século XVIII,
com obras executadas por Diogo Tavares e Ataíde (1711-1765). Conhecida por
“Celeiro de S. Francisco” (porque serviu tardiamente a função de celeiro), trata-se
uma torre octogonal, com dois andares, com o piso térreo abobadado e o superior
12
13
“A ideia do Infante era criar ex nihilo uma vila nova no próprio lugar de Sagres, no alto da
falésia rochosa que se sobrepõe à pequena enseada, a última do Ocidente europeu. Fundo-a
à volta de 1448 com o nome árabe de “Terçanabal” (provavelmente de Tarf Anabal, “cabo de
Aníbal”), logo em 1451 mudada do cabo de S. Vicente para o vizinho cabo de Sagres com o
nome definitivo de “Vila do Infante”, depois “vila de Sagres” como ficaria até hoje conhecida. Compunha-se de uma muralha no istmo do promontório, uma igreja para cemitério dos
mortos e conforto dos vivos, casa do capitão, cisterna, e séries de moradias iguais dispostas
em ruas paralelas – as correntezas – com ampla chaminé e espaço para actividades industriais (como o fabrico e conserto de cordas e velas): uma verdadeira “vila ideal” de carácter
utilitário/portuário, sob o influxo dos técnicos italianos que recebia. À entrada, de cada lado
da rua marcando o eixo, duas amplas praças: uma com o habitual pelourinho, símbolo da
autonomia municipal, a outra com uma estranha rosa-dos-ventos de 48 metros de diâmetro,
traçada no solo com marcação de pequenas pedras e um mostrador ao centro com orifício
para a inserção de um poste, o gnómon, de modo a servir tanto de indicador da direcção dos
ventos como de relógio solar (descoberta em 1938, juntamente com moedas de D. Afonso V
contemporâneas do Infante). Tratava-se de um perfeito observatório astronómico, destinado
a indicar aos mareantes que aguardavam dentro dos seus barcos o momento exacto de se
fazerem ao Oceano e de rumar ao sítio pretendido (…).“Pois a rosa-dos-ventos de Sagres tem
32 rumos – o que significa não só que Vitrúvio aí foi tomado plenamente a sério, como a sua
invenção ampliada em mais oito raios, até chegar muito perto da moderna rosa de 36 rumos,
que não se divulgará antes do século XVIII.” Cf. MOREIRA, Rafael, “A mais antiga tradução
europeia de Vitrúvio. Pedro Nunes em 1537-1541“ in Tratados de Arte em Portugal/Art treatises in Portugal, MOREIRA, Rafael e RODRIGUES, Ana Duarte, dir.), Lisboa, Scribe, 2011.
HORTA CORREIA, José Eduardo, “A Torre da Horta dos Cães”, Monumentos, 24, Março
2006, pp.106-115.
Cesare Cesariano, Vitruvii De architectura., fls. XXVI, XXVII e XVIII
13
14
Gravura publicada na revista O Panorama,
representando a fortaleza de Sagres com a
correnteza de casas delimitando o terreiro ou
“praça de armas”, as muralhas em “dente de
serra” e os baluartes modernos. No lugar onde
hoje se encontra a “rosa-dos-ventos”, vê-se
o que parece ser uma capela (ou uma torre?),
com cúpula gomeada.
servindo de miradouro. Em baixo cada faceta da torre recebeu um rasgamento
de um óculo elíptico e em cima janelas de verga recta. A decoração inclui figuras
em relevo “de massa”: um Índio, com a legenda “CABO DA BOA ESPERANÇA
ADAMASTOR” e Hércules com os seus atributos, igualmente legendado
(“Hércules”), inspirados em gravura do álbum Iconologia de Cesare Ripa.
O edifício é notável, não pela sua monumentalidade, mas pelo seu grau de
ineditismo. E mostra um traço da cultura tardo-barroca portuguesa, que passou
pela valorização de Vitrúvio mas com o conhecimento já da autêntica Torre dos
Ventos de Atenas por via da sua difusão pela imagem gravada, sendo dela uma
revisitação “arqueológica” e culta, no que poderá ser a chave para uma idêntica
revisitação do tema em Sagres.
Mais tarde a contemporaneidade irá apropriar-se do local para fazer dele um ponto
de projecção mítica da própria história de Portugal. Sem nos determos por agora nos
aspectos históricos, cabe perceber que o cabo de Sagres passou a ser um fascinante
“lugar de memória”, no qual se pretendeu remontar parte da história de Portugal,
se necessário fosse através da sua monumentalização, como ficou patente nos três
concursos lançados para este propósito pelo Estado Novo nas décadas de 30 a 50.
1977
O Infante D. Henrique, com o qual -mal ou bem-, se identificam os
descobrimentos portugueses contribuiu para a justa fama do lugar e para a
construção ou “reconstrução” da sua mitologia, especialmente em períodos de
Cesare Cesariano, Vitruvii De architectura. fls. XXV; fl. XXIV
celebração. Curiosamente, por coincidência ou talvez não (certamente que não...),
a figura do Infante D. Henrique consagrada pela história mítica de Portugal é uma
figura contemplativa e melancólica, sentada e em meditação, olhando o oceano,
Torre da Horta dos Cães, Faro. Alçados e
plantas (seg HORTA CORREIA, 2006)
gizando a estratégia militar e técnico-científica dos descobrimentos. Vestido de
preto – a côr de Saturno –, com o seu largo chapeirão, o Infante D. Henrique,
como que de propósito, encarna, modernamente, a figura quase faustiana
daquele deus. Ou seja, nos cultos políticos da pátria, um dos principais lugares é
ocupado por um filho de Saturno. E as próprias etapas dos descobrimentos podem
ser entendidas como a substituição simbólica dos trabalhos de Hércules. Não
andamos, afinal de contas, longe dos geógrafos antigos...
Bibliografia
ANDRADE, Luis, O Infante de Sagres, Porto, 1894.
AVIENO (ed. De José Ribeiro Ferreira), Orla Marítima, Lisboa,
1992.
BARATA, Maria Filomena Barata, “O Promontorium Sacrum e o
Algarve entre os escritores da antiguidade” in Noventa Séculos entre
a Terra e o Mar, Lisboa,, 1996.
CORREIA, Vergílio, “Iconografia de S. Vicente” in Terra
Portuguesa, nº 42, 1927.
CORTEZ, José, “Paços do Infante no Sacro Promontório?” in
Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, nº 9, 2ª série, Lisboa,
1956.
COSTA, Abel Foutora da , “Vila do Infante, antes Terçanabal e
Sagres depois”, Arquivo Histórico da Marinha, vol. 1, 1933-1936.
CUNLIFFE, Barry, The extraordinary voyage of Pytheas de
Greek, Londres, 2001.
DIAS, Jacinto Palma, “Cristianismo mçárabe e cristianismo
romano nos primeiros séculos de nacionalidade portuguesa” in
Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa,
1990.
ESPÍRITO SANTO, Moisés, A Religião Popular Portuguesa,
Lisboa, 1984.
GANDRA, Manuel Joaquim (coord.), Da vida, da morte e do
sagrado na região de Mafra, Mafra, 1998.
GANDRA, Manuel Joaquim, Da Face Oculta do Rosto da Europa,
Lisboa, 1997.
GARCIA, J. Manuel, CUNHA, Rui, Sagres, Lisboa., 1990.
GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do
Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987.
GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do
Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987.
GOMES, Mário Varela, “Megalitismo no Barlavento AlgarvioBreve Síntese” in Setúbal Arqueológica, vol. XII-XIII, 1997.
JAMES, Simon, The Atlantic Celts, Londres, 1998.
JANA, Ernesto, “Vila do Infante” in Dicionário de História dos
Descobrimentos, Lisboa, 1994.
LEITE DE VASCONCELOS, J. , Religiões da Lusitânia, Lisboa, 3
vols. 1897-1913.
MADEIRA, José António Madeira, “Estudo histórico-científico,
sob o aspecto gnómico da figura radiada de pedra tosca suposta
coeva do Infante D. Henrique, existente na antiga ‘Vila de Sagres’ “
in Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, vol. II,
Lisboa, 1960.
MICHELL, John, The dimensions of Paradise, Londres, 1988.
MICHELL, John,. RHONE, Christina, Twelve tribe nations,
Londres, 1991.
Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa,
1990.
NASCIMENTO, Aires do, “Milagres de S. Vicente” (excerto) in
Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa,
1990.
RICHER, Jean, Géographie Sacrée dans le Monde Romain, Paris,
1994.
RICHER, Jean, Sacred Geography of the Ancien Greeks, Paris,
1989.
VICENTE, E.P., MARTINS, A.S., « Menires de Portugal » in
Ethnos, vol. VIII, 1979.
15
SAGRES AND S. VICENTE:
TEMPLE. ABYSS. ENIGMA
Paulo Pereira
1. INTERDICTS. FROM MENHIRS TO “BOULDERS”
Where everything ends and starts over. This is the sign of one of the most
important European capes demarcating the end of a region, where the astro-king
sunset and the mysterious night fall are seen, on an nonstop lunar-solar cycle. In
reality, it’s all about two capes demarcating the end of a region that tradition ends
up associating: the cape of Sagres and S. Vincent’s cape. The hugeness cosmic sign
conducted to the sacralization of this two world’s monumental extremes and its
geographic position was so evocative that this synthesis was being made already
since classical antiquity.
Greek and Latin geographers have described the place as the absolute limit and
mark of the Atlantic sacred topography. Therefore the promontory is saturated of
pre-historical, historical, mythical and symbolic references and is already referred
as sacred cape in those antiquity sources. Greeks present it as Ieron Akroterion. It
starts almost invariably being described as Promontorium Sacrum, place of ancient
cults to Saturn (sacra Saturni) or to Hercules, branded also by night interdiction
rites, on its turn associated to pre-historical remains on its surroundings.
When Strabo describes the Sacred Promontory place, he mentions “organized
stones in groups of three or four, in which, according to an old habit, are turned
upside down by those who visit the place and after being offered a libation
are collected into its anterior position” (Estr. III, 1, 4). This allusion will be a
misapprehensive reference to enclosures built by stones around which believers
and clergyman would move, real megalithic enclosures being certain the existence
of important remains of somewhat 5.000 b.C, in Sagres surroundings, constituted
by small dimensions’ menhirs.
Alias, Algarve seems to have constituted, together with some fringes of the Alentejo
and Estremadura coast, one of the premature areas of penetration of the Neolithic
throughout the establishments of populations carriers of a new economy and cardial
ceramics. It can also be assured the distinctive menhiric megalithism of Algarve’s
Barlavento. One of the most interesting examples is the archaeological station of
Caramujeira1 in Lagoa. In a ancient or medium Neolithic context it were found 25 small
1
Distribution of gathered or isolated menhirs
of the Peninsula of Sagres and Saint Vincent
(from GOMES et allii, 1987)
Dug in early 70’s by Mário Varela Gomes, Pinho Monteiro and Cunha Serrão. See also:
Cromeleques; Megalitismo; Menires ;see also vols. IV, VI. Cf. GOMES, Mário Varela et allii,
“A estação arqueológica da Caramujeira . Trabalho de 1975-76” in Actas das III Jornadas
Arqueológicas, Lisboa, 1977; Valcamonica Symposium, III, 1979. See also GOMES, Mário
Varela et allii, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987;
idem, Levantamento Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987;
idem, “Megalitismo no Barlavento Algarvio- Breve Síntese” in Setúbal Arqueológica, vol. XIIXIII, 1997. To territorial survey GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico
do Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987; GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento
Arqueológico do Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987.
menhirs of calcareous white and yellow, unknown material in that place, placed all
around, and in range of a surface’s hamlet. Some of them are decorated by string bands
that go from foot to top, being this one marked by distinction representing the ureter
meatus, uniting a symbology that we can associate to feminine polarity (the bands,
constitute by ovals united in-between each other with a trace in the middle, evoking
vulvas) and the masculine polarity throughout the patently phallic morphology of
menhirs. Some of the menhirs of Caramujeira have revealed remains of red painting.
To this group are associated nucleus of menhirs of the same type – isolated,
in line or in “cromlechs”, situated not too far: Vale Sobral, Areia das Almas,
Porches, Raposeira (Monte da Pedra Branca, Padrão) and, of course, the ones from
Sagres, with Monte dos Amantes station and many others, already detected by
Mário V. Gomes e Tavares da Silva2.
2A more recent survey and territorial recognition of David Calado continue to identify the
association of hamlets to small menhirs (or rests of them) on the south west region of Algarve.
For exemple, Quinta da Queimada, de Odiáxere, Pinheiral, Monte Alto, Figueiral, Montinho
da Rocha, Maranhão Novo, Monte do Castanheiro, Sabrosa, Montes Juntos ou Palmares
Cf. CALADO, David, “Poblados con menhires del extremo SW peninsular” in Revista
Atlántica-Mediterrânea de Prehistoria y Arqueología Social, vol. III, 2000, pp. 47-99.
Padrão (pattern) Menhir Remains of enclosure or megalithic alignment on the terrace of Sagres/
Vila do Bispo Raposeira
17
Mainly areas that deliver remains of seasonal or longer
lasting exploration and occupation, eventually from the VI
millennium but with occupation most likely until the IV
millennium. Anyway they enhance the precociousness of the
menhirs’ phenomena, associating themselves to this hamlets
as delimiters of domanial reference areas.
Its short height (between 0,60 and 3,50 m – at times
even, its modesty) seem to indicate that they were destined
to work as territorial markers, associated to a sacred
18
disappears, to again, already transformed in stone, places
himself at the boulder.
It existed, therefore and still, in the end of the XIX
century, true spatial interdicts in the cape area, that should
not, at least these ones, differ a lot of what happened in pre
and proto history. As locus sacer of long term and persistent
tradition, it is probable that the interdicts ascend, until, the
Neolithic times.
It is, then, probable that through the religious syncretism
function to the”Beith-el” or “idols” style. This way it’s
probable that the coast menhirs were found associated to
hamlets, campings or settlements eventually connected to
the first agricultural explorations of the area even if strongly
influenced by a “epimesolithic” recollecting economy, with
a cult sedimentation has been promoted throughout
times. In Sagres and in Saint Vincent, or only in Saint
Vincent (or only in Sagres …) a place of cult to a divine
entity, assimilable to the Phoenician Baal or the Greek
Cronus and specially to the Roman Saturn, could have
a temporary component (and portable) or semi sedentary.
It is not difficult to imagine the meeting, at night, of a small
community around a fireplace, illuminating a round circle,
delimited or punctuated by two or more small red and white
“Beith-el”, on its turn ritual libations or manifestations
been destined. Baal Hammon was the consortium of the
Phoenician goddess Tanit and would be known as “the one
objects of idolatrous homage at certain times of the year.
Avieno, on IV b.C., describes the Cinetes’ or Cónios’
territory giving it the Cinético cape as limit. He considers
Hercules temple, as falsely stated Éforo, nor any altar to
him dedicated or to any other god” (Estr. III, 1, 4) what,
his the place “where the stellar light declines itself” to what
it follows “a promontory that scares through its rocks, also
It consecrated to Saturn. the crispy sea boils and the rocky
coast extensively extends itself”. It’s worthy to remember
the etymologic relation that the Cinete or Cónios ethos
possesses with the word oKeaNos, with the same radical in
KN.
To the place’s definition as locus sacer (or sacred place),
Strabo, that says that there isn’t really a sanctuary (we suppose
that Strabo is referring to a temple, officially established)
assures that in there, in that cape, “it is not allowed to offer
sacrifices nor there spent the night because it is said that the
gods occupy it at those hours. The ones visiting it spend the
night at a nearby village, and after, during the day, go there
with water, as the place doesn’t have it” (Estr. III, 1, 4).
Leite de Vasconcelos shows an ethnographic comparative
explanation, based on a visit he did to the cape (in Religiões
da Lusitânia): “In the whole cape nobody doubts that the
Promontory stones have magical significance (…) on the
cape’s extreme, close to the lighthouse and the ruins of
Saint Vincent’s Monastery, there are various molehills
of small stones, that people call of boulders (moledros)
(...). To what concerns those boulders I collected from the
peoples mouth the two following news:
that is hidden”, what fits to a solar roots’ cult in a place
where, precisely, is hidden until the start over of the daily
cycle. On his turn, Strabo said that “there isn’t there any
in our idea, does not take the sacred character to the place,
only defines it as informal sanctuary from the Neolithic
or Chalcolithic times, as the profusion of archaeological
remains accredits on the Sagres’ ring – and the reference
to Hercules, a semi-god, settles for a pre-Hellenic and
pre-Phoenician tradition.
That said, it is, fascinating the recent proposal of Graham
Robb3, essayist, traveller, writer and amateur archaeologist,
about the existence of an alignment of great dimensions, that
crosses on the diagonal the Iberian Peninsula, in straight line,
starting on Sagres Cape and crossing the Pyrenees. According
to Robb, this straight line, would correspond to the Via
Herakleia, obeying to a solsticial alignment (aligned by the
Summer sunrise on the solstice) that would link Europe’s
western extreme – Sagres, cult place of Hercules/Melkart
– to Gaul, and giving birth, or being used as backbone to
Celtic culture institution. I do know that we find ourselves in
that abyssal and scary domain (according to the academics,
of whom I am a part of, for that matter!), of speculations:
but how many of those did not have been certified by
archaeology, making afterwards archaeology the blank
slate of the dilettantes’ daring proposals (and sometimes
apparently delirious).
This Via Herakleia, certified by antiquity geographers,
would be the one followed by Hercules, after stealing the
“a) when one stone is taken from the boulder, and it’s
left at one place, there the stone grows dark and do not
dawn: that is, vae-se (goes) in the morning to the place
that at night the stone was left, and this stone is not there
anymore, and reappears at the boulder: it is D. Sebastião
oxen of Gerion, climbing to the Gaul lands through the
Pyrenees Matrona “pass”: this line was also called the sun
who at night takes the stone to the boulder./
“b) when one stone is taken from the boulder, without
nobody knowing it, and it is placed under the pillow, it
appears there, the other day a soldier, that immediately
of the world, meaning: Sagres.
column, because it followed the astro-king path, since its
origin on the Summer solstice (to NW) until the sunset on
Winter’s solstice (to SE), place of fear and darkness, the end
3ROBB, Graham, The Ancient Path, Londres, Picador, 2013.
Via Herkleia according to ROBB, 2013
The critics to Robb’s thesis are many: actually, the Caminho or Via de Hércules,
historically and archaeologically considered, and followed by Aníbal and the
Carthaginian armies in the Punicum wars, walks zigzagging, from Cádiz (the
old Gades/Gadeira, or Gadir) through the Spanish East upwards, on a perfectly
normal trace and full of upheavals. But what matters to me in Robb’s intuition is
this fact: the “historical” path, would have his counterpart on a “”conceptual”,
sacred and ritual path”, that would correspond to this Via Herakleia, calculated
by rule and level or straight. Without adventuring on the supposed druid’s or
clergymen’s knowledge – Celtics, according to him, being the path very old, fixed
between the 800 and 600 b.C. – is a fact that the line establishes several places
throughout its course (and cities) whose original name is mediolanum (the “earth
of the centre” or Middle Earth as he calls it, reminding us of Tolkien!) 4. Many
are the cities by him identified with this ancient name inside this route and its
resultant geographic declinations – I would even say archae-topographic – in
Gaul, England and Italy (Portugal unfortunately doesn’t enter in his accounts,
except Sagres, starting point of everything...).
4I have done this army to Portugal. The concept of “centre”, on a traditional sense, do not
resumes itself to its strict “geometric” range, geographic or geodesic, embracing yes the sacred
domains. The centre is, equally, the point from where the “four directions of space” irradiate,
is the “world’s axis” the omphalos or “world’s navel”, the focus, in latin, with domestic
dimension, the place where the essential to life “sacred fire” is preserved. A classical antiquity
Western tradition agrees with a sanctuary, through the system of amphictionies and of
dodecapólos,. The “central” places are accused by toponomy: Milan, (Mediolanum) – land of
the middle – Meriden (England), Midlothian (middle Lothian,, in Scotland, where Edinburgh,
the capital is situated), Meath or land of Middhe (actual County Meath, in Ireland). In France,
in the geographic centre of the “hexagon”. In Portugal we’ll have the toponomy of Meadas,
Mealhada, Midões, that refer to the function of centre and “middle” and of labyrinth and Light
(the “amêndoa” (almond) – of Almendres). According to biblical sources, the word S Luwz =
Luz (light) (original Hebraic word lwz/zwl). In the Bible (Génesis, 28, 10-19) it is written: “(…)
When Jacob awoke from his sleep, he thought, “Surely the Lord is in this place, and I was not
aware of it.” 17 He was afraid and said, “How awesome is this place! This is none other than the
house of God; this is the gate of heaven.” 18 Early the next morning Jacob took the stone he had
placed under his head and set it up as a pillar and poured oil on top of it. 19 He called that place
Bethel,[c] though the city used to be called Luz.”. Today, from the geodesic point of view, the
Portugal perfect centre is Melrica, on top of the Serra da Melrica, on Vila de Rei (Village of King)
great pyramidal geodesic mark, built in 1802, with 9, 1 m height, adding to the 592 m altitude
of Picoito da Melriça, makes some canonical 600 altitude. (Latitude 39º 42’ N/Longitude 8º 8’
W).
19
These thesis are new. Those who work on this since long
time are aware of the various speculations of amateurs
like Alfred Watkins5 (the “creator” of ley lines, monument
alignments and passage accidents, “straight roads” dedicated
to the yesteryear commerce – and that, seem to really have
existed after all, even if without the extension and prosaic
content that is attributed to it but on board instead – even
more scary – of the establishment of ritual landscapes
in pre-history – and used until the historical times!). Or
those of Xavier Guichard6, that established a group of place
meridians, villages and towns with the name derivative
from the radicals aLS (Alesia), and that arrive to Portugal
20
( Alijó, for example) and that he would call “lignes du
sel”(lines of salt). The Germanic Willelm Teudt has also
studied this long distance alignments (ought to be careful
due to his Nazi sympathy in his thesis …), or more recently
Louis Charpentier7, that picked up on Hercules’ myth, to
discover a virtual spiral geographically instita, and embracing
the toponyms in LU, pointing to the Ligures as Neolithic
civilizing people: their guide would be Hercules and, with no
overstatement, the cattle theft, would be a mythological way
that would explain the expansion of the Neolithic and the
phenomena of animal and plant domestication, registered
since immemorial times. To this it can be added the most
sophisticated studies of the Greek and Roman sacred
geographies by Jean Richer. Fantasies, of course.
In Robb’s case, this magnificent alignment would justify,
also, the unity of the Celtic culture. We don’t know If
Hercules the “civilizer” started this earthly circuit in Sagres,
but mythically it could have been this way, with contacts
between Neolithic populations – from the most ancient
of the European Western – in this Peninsula’s Western
end. Curiously, to those who admire this association of the
Iberian South to the Celtics, I make clear that the Cinesi or
Kinetics (that occupied the Kinetic cape) according to Greek
geographers, were neighbours of the Keltoi (Celtics) from
Alentejo – described that way by the Romans: and more
so what the archaeologists advance today (Simon James8,
Barry Cunliffe9) with the extraordinary hypothesis of the
Celtic or kéltica language, to have been spread from Western
Iberia to the rest of Europe, on a contrary movement of what
was normally accepted! It is known today that the famous
5
WATKINS, Alfred, Early British Trackways, Moats, Mounds, Camps
and Sites, Simpkin, Marshall, Hamilton, Kent & Co. (London); The
Watkins Meter (Hereford), 1922; idem The Old Straight Track, 1925
(reedited: Abacus, 1988).
6
GUICHARD. Xavier, Eleusis Alesia: Enquête sur les origines de la
civilisation européenne, 1936.
7
CHARPENTIER, Louis, Os Gigantes e os Mistérios das Origens,
Lisboa, Bertrand, (reed.), 1974.
8
JAMES, Simon, The Atlantic Celts, British Museum Press, Londres,
1999.
9
CUNLIFFE, Barry, Britain Begins, Oxford, Oxford Univ. Press,
2013; v. também CUNLIFFE, Barry, Europe Between the Oceans:
9000 BC-AD 1000, Yale, 2011; idem, Facing the ocean: The Atlantic
and its peoples, 8000BC – AD1500, Oxford, Oxford Univ. Press,
2001.
steles written in tartessian writing, are after all the adoption
of the Phoenician spelling book to a language that is no
more than a branch of the Celtic languages...
And then we question: If the circuit of Vincent’s body,
saint, born in Saragossa (Cesare Augusta) – through where
touches the “conceptual” Via Heraklea, proposed by Robb –
and martyred in Valencia, wouldn’t be more than the return
of the hero (now saint) to the origin place of his mythic voyage
by sea – as from now on will always be by sea the saga of his
remains -, to the land where everything starts and restarts?
THE ORACLE CROWS
Already in Arabic times Sagres cape will be named
Chakrach, known place where the Saint Vincent’s relics
were found, continuing to be a pilgrimage spot. The Igreja
do Corvo (crows’ church), associated to the shelter of the
sacred remains of that saint, seems to have performed,
indeed, an essential part in the Portuguese kingdom’s
foundation, wouldn’t king D. Afonso I have organized two
expeditions to get the saint’s body, bringing him to Lisbon
(that keeps the barque that transported the coffin and the
crows that have come along, on its arms escutcheon). But,
the most impressive is the cult’s maintenance, in pos roman
period, this time replaced by a saint that was, also, as
corpse, moving above the waters, a traveller unintended
(apparently) westwards – where he came ashore – and that
the legend associates to the crows, dark fowls that symbolize
simultaneously life and death, but also light, eventual
replacements of divine symbols or attributes of the gods
worshiped there.
In iconographic terms Saint Vincent is represented,
generally, with young appearance, dressed in red deacon
suits, associated to various attributes, as the crows, or a
vessel or caravelle (the “arms” of the city of Lisbon, one
of the most fascinating and mystic cities of the European
Western…!) – the vehicle that transported the corpse – a
rope, related with the attempt of rescue of the body, and
in history reported scenes that account the martyrdom,
specially the moments about his cross punishment, to the
launching of the body with the millstone and the corpse
protected by the crows.
In Portugal, where the cult has understood great
proportions, representations of the saint are found in great
abundance, specially between the XVI century paintings,
being certain that it was frequently represented previously,
either in sculpture either in painted blanks meanwhile
disappeared. Among the most representative pieces of art, are
accounted the famous Saint Vincent panels at Janelas Verdes,
in which the saint, doubly represented, is associated to a rope
(at his feet), two books (one opened, one closed) and a coffin
(in which he was buried). These panels were associated to
others, that composed an altarpiece in the chancel chapel of
Sé de Lisboa, representing the scenes of the martyrdom.
2.SEA CIRCUIT
One of the aspects is the uncorrupted body of the martyr, to account on a
traditional or esoteric analysis of this cult. The fact that the crows are associated
to the Vincent’s iconography – to its history – has allowed the proximity of his
cult to the god Lug’s pre-historical one, precisely symbolized by a crow, light and
dark fowl. Saint Vincent would be this way an avatar of an ancestral cult, that
maintained, inclusive, that identity symbol, – the same that originated the cults
of Baal or Saturn. This face of Vincent’s hagiography seems to be important and,
even if for now impossible to prove Lug’s cult precedence, the proposition doesn’t
seem like out of place, knowing the range and importance of this God among the
pre-Celtic and Celtic people.
So important is the Vincent’s history. In reality is a history that in its essence
has aspects flowing from archetypes we find in an equally symbolized hermetic
doctrine and in alchemy itself. In fact, what hagiography shows us is the
transportation of a uncorrupted body, but indeed dead, in a pot, following the
sun’s route; he does it above the waters, meaning, in dissolution regimen. His
most obvious attribute will be the crow, black, precisely the chosen fowl in the
alchemy’s complex symbolic and hieroglyphic system to sign the initial moment
of realization of the so called “Great Work”, correspondent to “solve”, death, skull
or caput mortem (relics?): the nigredo. Naturally the archetype of this symbolic
voyages will be the Egyptian Osiris.
Place of Mozarabic cult, Sagres would further on shelter other more or less
unsupported legends as the one of being the settlement of the navigator’s “school”
created by Infante D. Henrique, that there (or in the surroundings of Vila do Bispo
and Raposeira) stayed countless times. The long diachrony of human settlement
is documentable in the fortress and in the old monastery of the neighbour
Saint Vincent’s cape (today lighthouse)10. The Sagres cape has seen the foundation
of the called Vila do Infante in Terçanabal, but Sagres future would be, formally,
one of sea fortresses, built in the beginnings of XV century and only finished in
the XVIII century ,in 1794.
10 Of the “continental” complex of this world’s cape, make part coast itineraries that lead to Lagos,
passing by Raposeira (with its old chapel of de Nª. Sª. de Guadalupe).
Drawing of Francis Drake’s armada: “Cape Saker”, with the representation of Sagres Fortress (1587).
21
22
Compass rose survey, according to the
astronomic interpretation of de José A.
Madeira (MADEIRA, 1961)
3.THE “VILA DO INFANTE” THE GRADUATED CIRCLE OF SAGRES
Between 1433 and 1437, when D. Henrique started staying in Algarve, and
specially since 1448, he would have observed the necessity of giving support to
the passing sailors, when navigation interruptions (sometimes obligatory) during
the Mediterranean passages to the Atlantic, and had Vila do Infante built.11, whose
location has been a controversy object. No doubts are left about the importance
of the Arabic Trasfalmenar (or “lighthouse” end or “guard”), very old toponym
identifiable with the Saint Vincent area, or of the Arabic Terçanabal (or “tarif
anabal”, or “Aníbal cape”), this better identifiable with Sagres cape and its
respective complex of coves, eastwards.
The “Trasfalmenar Cape” donation to Infante D. Henrique, by his brother
Infante D. Pedro ascends 27th october 1443, what will be in the origin of the
intervention in that important European cape, giving continuity to an human
occupation, brought by the Arabic origin to which the Infante politics wanted to
give continuity in the perspective of being supported by the sailors.
The so called Sagres gnomon can be related with the surveying and gromatic.
It’s all about the enigmatic round figure, striped, drawn on the soil, with
approximately 43 m diameter, known as Sagres’ “compass rose” built on the
fortress’ horizontal plan, over the earth and the rock of the promontory, with dirt
and accumulated pebbles, drawing a complete circle in which are registered 24
bigger diameters or segments composed by little pebbles.
It was interpreted as a great solar watch, where the gnomon is missed, that
is, the stick or stilo that rose above to project its shadow. But between a solar
quadrant and a compass rose there are no agreements: a compass rose is divided
in eight directions and subdivided successively until the number of thirty two
segments is determined by as many other rays. In this case, the graduated circle
is divided in twelve parts, broaden to 24 diameters (meaning containing 48 rays).
Facing the many existent doubts I rose another hypothesis to the stripped figure
function on Sagres soil. In fact, the great circle could have had the steer needle
“tuner” function, to the extreme south position.
11
19th September 1460 V. dated letter, written in Sagres by own and only Infante D. Henrique,
where the prince talks concretely about “qual vila eu fiz”(what village I built).
Rafael Moreira12, on his side, suggests the “platea”, on the sequence of a very
premature reading of Vitruvius, regulating the foundation of the famous but never
materialized “ideal village” known as Vila do Infante.
I call the attention to an intriguing fact that, as much as I know, have been
unnoticed: a little building of round plan located in the place where today the
compass rose can be found appears an eighteen century gravure, possibly in its
centre. The relation of this architectonic object with the compass rose is something
that nobody has ever pointed and that remains in the unknown domain. The non
existence of conclusive and with modern methodology archaeological works at the
time of the rediscovery of the stripping figure compromised its interpretation.
But this construction, even coming late, is related with the Vitruvius “wind
towers” program… The thing is that an eventual parallelism exists in Algarve to
a structure with this kind of function, and greatly notable in its aims: it is the
Torre dos Ventos of Herdade da Horta dos Cães, in Faro, recently studied by
Francisco Lameira and J.E. Horta Correia13.
It would have been due to the patronage of Veríssimo de Mendonça Manuel,
the magistrate owner of the property, that can be dated to the XVIII century,
with constructions executed by Diogo Tavares and Ataíde (1711-1765). Known as
“Celeiro de S. Francisco” (S. Francisco barn because it served later on as barn), is an
octagonal tower, with two floors, with arched ground floor functioning the superior
as viewpoint. Down below, each tower’s face were torn with an elliptic eyeglass
and, over that, straight stick windows. The decoration includes figures salient in
“mass”: an Indian, with the legend “CABO DA BOA ESPERANÇA ADAMASTOR”
12“The Infante’s idea was to create an ex nihilo, a new village in Sagres, on top of a rocky cliff
that superimposes itself to the litltle cove, the last one of the European Western. He founded
it around 1448 with the arabic name “Terçanabal” (probably from Tarf Anabal, “cape of
Aníbal”), right in 1451 moved from the cape S. Vicente to the neighbour cape of Sagres with
the final name of “Vila do Infante” and after “vila de Sagres” as it would be known until
today. It was composed by a wall at the isthmus of the promontory, a church towards the
graveyard of death and confrontation with the living, captain’s house, cistern, and series
of equal houses ordered in parallel streets – the streams – with wide chimney and space
for industrial activities (as the production and restoration of ropes and veils): a true “ideal
village” of utilitarian/port character, under the influx of the Italian technicians it received.
At the entrance, on each side of the street marking the axis, two wide squares: on with the
usual pelourinho, symbol of municipal autonomy, the other with a strange compass rose of
48 diameters’ meters, drawn on the soil and marked by small stones and a demonstrator
in the centre with a hole for the insertion of a post, the gnomon, in order to serve as well as
wind direction indicator as solar watch (found in 1938, together with coins of D. Afonso V
contemporary of the Infante). It was a perfect astronomic observatory, destined to the sailors
that waited inside their boats the exact moment to go on sea and set course to the aimed
destiny (...). “Well, the compass rose has 32 courses – what means that not only Vitruvius
was there taken seriously, as his amplified vision in eight more rays, until he came very close
to the modern rose of 36 courses, that will be not revealed until before the XVIII century.” Cf.
MOREIRA, Rafael, “A mais antiga tradução europeia de Vitrúvio. Pedro Nunes em 1537-1541“
in Tratados de Arte em Portugal, /Art treatises in Portugal, MOREIRA, Rafael e RODRIGUES,
Ana Duarte, dir..), Lisboa, Scribe, 2011.
13HORTA CORREIA,. José Eduardo, “A Torre da Horta dos Cães”, Monumentos, 24, Março
2006, pp.106-115.
Cesare Cesariano, Vitruvii De architectura., fls. XXVI, XXVII e XVIII
23
24
Gravure published on the magazine O
Panorama, representing the fortress of Sagres
with the stream of houses delimiting the yard
or “arms square”, the walls in “saw teeth” and
the modern bastions. In the place that today
is found the compass rose, it can be seen what
seems to be a chapel (or a tower?), with a
gummed cupola.
and Hercules with his attributes, equally subtitled (“HERCULES”), inspired in the
gravure of the album Iconology of Cesare Ripa.
The building is remarkable, not by its monumentality, but by its singularity
degree. And shows a trace of the Portuguese late-baroque culture, that had
Vitruvius’s gentrification but with the knowledge of the already authentic
Tower of Winds of Athens through the propagation of its engraved image, to it
belonging an “archaeological” and cultured re-visitation, in which it can be the
key to an identical re-visitation of the theme in Sagres.
Later on, contemporaneity will appropriate the place to transform it in a
mythical projection point of Portugal’s own history. Without delaying ourselves on
history aspects, it is time to understand that Sagres’ cape has become a fascinating
“memory spot”, in which it was pretended to be made allusion to part of Portugal’s
history, if necessary through its monumental aspect, as it was patent on the three
exams launched by the Estado Novo on the 30’s and 40’s decades.
1977
Infante D. Henrique, with whom – for the better or worst -, the Portuguese
discoveries are identified, contributed to the fair fame of the place and to the
construction or “reconstruction” of its mythology, especially on celebration
occasions. Curiously, by coincidence or not (certainly not…), the Infante D. Henrique
figure consecrated by the mythical history of Portugal is a contemplating and
melancholic figure, seated and in meditation, looking over the ocean, chalking up
the military and scientific-technical strategy of the discoveries. Dressed in black – the
Cesare Cesariano, Vitruvii De architectura. fls. XXV; fl. XXIV
Saturn’s colour -, with its large hat, The Infante D. Henrique, as if on purpose,
incarnates, mildly, the almost faustian figure of that god. That is, on the political
cults of the nation, one of the main places is occupied by a Saturn’s son. And the
Tower Horta dos Cães, Faro. Plans and
elevations (according HORTA CORREIA,
2006)
own stages of the discoveries can be understood as symbolic substitution of Hercules
works. We are not, after all, faraway of ancient geographers…
Bibliography
ANDRADE, Luis, O Infante de Sagres, Porto, 1894.
AVIENO (ed. De José Ribeiro Ferreira), Orla Marítima, Lisboa,
1992.
BARATA, Maria Filomena Barata, “O Promontorium Sacrum e o
Algarve entre os escritores da antiguidade” in Noventa Séculos entre
a Terra e o Mar, Lisboa,, 1996. .
CORREIA, Vergílio, “Iconografia de S. Vicente” in Terra
Portuguesa, nº 42, 1927.
CORTEZ, José, “Paços do Infante no Sacro Promontório?” in
Boletim da Academia Nacional de Belas-Artes, nº 9, 2ª série, Lisboa,
1956.
COSTA, Abel Foutora da , “Vila do Infante, antes Terçanabal e
Sagres depois”, Arquivo Histórico da Marinha, vol. 1, 1933-1936
CUNLIFFE, Barry, The extraordinary voyage of Pytheas de
Greek, Londres, 2001.
DIAS, Jacinto Palma, “Cristianismo mçárabe e cristianismo
romano nos primeiros séculos de nacionalidade portuguesa” in
Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa,
1990.
ESPÍRITO SANTO, Moisés, A Religião Popular Portuguesa,
Lisboa, 1984.
GANDRA, Manuel Joaquim (coord.), Da vida, da morte e do
sagrado na região de Mafra, Mafra, 1998.
GANDRA, Manuel Joaquim, Da Face Oculta do Rosto da Europa,
Lisboa, 1997.
GARCIA, J. Manuel, CUNHA, Rui, Sagres, Lisboa., 1990.
GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do
Algarve – Concelho de Lagoa, Faro, 1987.
GOMES, Mário Varela et allii, Levantamento Arqueológico do
Algarve – Concelho de Vila do Bispo, Faro, 1987.
GOMES, Mário Varela, “Megalitismo no Barlavento AlgarvioBreve Síntese” in Setúbal Arqueológica, vol. XII-XIII, 1997.
JAMES, Simon, The Atlantic Celts, Londres, 1998.
JANA, Ernesto, “Vila do Infante” in Dicionário de História dos
Descobrimentos, Lisboa, 1994.
LEITE DE VASCONCELOS, J. , Religiões da Lusitânia, Lisboa, 3
vols. 1897-1913.
MADEIRA, José António Madeira, “Estudo histórico-científico,
sob o aspecto gnómico da figura radiada de pedra tosca suposta
coeva do Infante D. Henrique, existente na antiga ‘Vila de Sagres’ “
in Congresso Internacional de História dos Descobrimentos, vol. II,
Lisboa, 1960.
MICHELL, John, The dimensions of Paradise, Londres, 1988
MICHELL, John,. RHONE, Christina, Twelve tribe nations,
Londres, 1991.
Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa,
1990.
NASCIMENTO, Aires do, “Milagres de S. Vicente” (excerto) in
Moçárabe em Peregrinação a S.Vicente, (dir. Caminus), Lisboa,
1990.
RICHER, Jean, Géographie Sacrée dans le Monde Romain, Paris,
1994.
RICHER, Jean, Sacred Geography of the Ancien Greeks, Paris,
1989.
VICENTE, E.P., MARTINS, A.S., « Menires de Portugal » in
Ethnos, vol. VIII, 1979.
25
Às vezes luto com Deus,
às vezes danço
José Tolentino Mendonça
Há uma passagem do salmo 144, no versículo primeiro,
que diz o seguinte: “Bendito seja o Senhor, meu rochedo.
Ele prepara as minhas mãos para a luta e dá aos meus
incessantemente: “não somos nós, não somos nós”. E a
ansiedade com que pedimos às criaturas “falem-nos de
Deus, digam-nos pelo menos alguma coisa acerca Dele”,
dedos a arte do combate.” O Senhor prepara-nos como
se preparam os que avançam para as lutas. Mas que lutas
são estas? É a luta interior, o combate espiritual. O poeta
Arthur Rimbaud dizia que este é tão violento e arriscado
como uma encarniçada batalha. Olhando para a tradição
cristã, percebemos que a preparação para o combate
é o retrato da nossa vida. Buscamos a Deus sem O ver,
acreditamos Nele sem O experimentar, escutamos a Sua
voz sem verdadeiramente O ouvir. Deus não está em parte
alguma. Tateamos o Seu rosto no vazio, na ausência, no
silêncio. E, contudo, estes são lugares que misteriosamente
insinuam uma presença. No filme “Nostalgia” de
interior faz parte das suas prioridades. Não há fé trabalhada,
burilada, purificada, adensada que não atravesse o território
do combate. Um ensaio famoso de Miguel de Unamuno,
intitulado “A Agonia do Cristianismo”, mostra o sentido
André Tarkovski, há uma cena lancinante onde se vê um
grupo humano que anda desencontrado, uma multidão
que se move de um lado para o outro, numa demanda
labiríntica. Ouve-se então uma voz, a voz de um narrador
duplo que tem “agonia”: por um lado, está ligada à paixão
que rompe o silêncio com este grito: “mas diz alguma coisa
e à morte, mas, por outro, evoca o combate, o jogo, o desafio.
A crença é isso: uma actividade, um movimento agónico, um
traço, um confronto, um entusiasmo árduo e inacabado.
Senhor, diz-lhes uma palavra, eles andam à procura, não vês
que têm o desejo de Ti?”. A voz de Deus faz-se ouvir com
esta resposta: “E se Eu disser uma palavra, achas que eles
poderão entender?”.
As vozes da natureza e o inaudível de Deus
Esta luta é antes de tudo com o próprio Deus, ou melhor,
Caminhamos como se víssemos o invisível
com o silêncio de Deus. Aquela palavra do Evangelho
de S. João, “a Deus nunca ninguém O viu” (1 Jo 4,12),
trazemo-la como uma ferida. Nenhum de nós viu a
Deus. E, contudo, Ele dá sentido à vida. Este paradoxo,
que constitui uma fonte de esperança, não deixa de ser
O silêncio é uma disciplina do coração: calar, calar,
calar, pensamentos, imagens, desejos. Como recomenda
um espinho. A maior parte do tempo, experimentamos
apenas o desencontro de Deus, o Seu extenso silêncio.
Santo Agostinho conta-nos isso num dos capítulos das
Confissões: “Perguntei à Terra e ela disse-me: eu não
sou – e tudo que nela existe respondeu-me o mesmo.
de luta e espera. Somos em grande medida habitados pela
possibilidade de Deus, pela sua interminável interrogação.
Interroguei o mar, os abismos, os répteis animados e vivos
e responderam-me: não somos o teu Deus, busca-O acima
de nós. Perguntei aos ventos que sopram, e o ar com os
seus habitantes respondeu-me: Anaxímenes está enganado,
eu não sou o teu Deus. Interroguei o Céu, o Sol a Lua as
isto é, somos os Ínfimos, aquilo que não vale. E, de facto,
a experiência crente não é uma experiência creditada.
Nenhum tribunal natural ou da razão nos pode creditar
esta experiência. Ela vive unicamente assegurada por uma
desmesurada confiança. Nesse sentido, a fé tem a forma
Estrelas e disseram-me: nós também não somos o Deus que
procuras. Disse a todos os seres que rodeiam as portas da
carne: já que não sois o meu Deus falai-me do meu Deus,
dizei-me ao menos alguma coisa Dele”. Esta é a condição
peregrinante. Ouvimos as vozes da natureza a dizerem-nos
de uma hipótese. A fé é expectativa. Caminhamos às
apalpadelas, como se víssemos o invisível, segundo a bela
o apotegma famoso do Padre do Deserto: “Cala e foge”. É um
conselho importante, que ajuda a aplanar declives. Porém,
sabemos que o silêncio ainda não é Deus. O silêncio é lugar
Apenas isso podemos dizer. Quanto ao mais, os crentes têm
de ser humildes. Na Primeira Carta aos Coríntios S. Paulo
diz: “nós somos a escória, o lixo do Mundo” (1 Cor 4,13),
formulação da Carta aos Hebreus (Heb 11,7). A vizinhança
de Deus da nossa história não anula a dimensão purgativa,
a experiência agónica e interrogativa da própria existência.
Não entramos num estado de isenção, numa cápsula de
neutralidade. A fé expõe-nos desassombradamente à
contemplação, ao silêncio, às idas e vindas sem entender
nada, ao fazer e ao refazer. A dúvida e a dificuldade de
crer não descaraterizam a fé. Pelo contrário, são um seu
elemento fundamental. A fé é um abismo desamparado mas
estranhamente realizado como um salto confiante.
Uma fé construída como dança
Lutando com Deus, também dançamos com Ele. A dança
é uma atividade humana curiosa. Na dança percebemos
que estão presentes o corpo, o coração e o espírito. A dança
leva-nos a perceber que as atividades humanas que mais
expressam a totalidade de nós são aquelas em que estamos
por inteiro. A fé é uma dança. Abraão mostra-nos isso,
porque a este ancião avançado em anos, Deus convoca-o
para o movimento peregrinante. Deus diz a Abraão: “Sai
da tua terra, sai da tua parentela e vai para o lugar que Eu
te indicar” (Gen 12,1). Este sair de si para o desconhecido
é uma verdadeira dança. Habitualmente, quando saímos
de um lugar, já temos outro em vista. E, por isso, o nosso
movimento torna-se demasiado utilitário, condicionado
pelos mapas que antecipadamente traçamos. Ora, a fé é
um movimento diferente. Sabemos de onde saímos, mas
não sabemos para onde vamos. “Vai para a terra que Eu
te indicar”. Mas onde é essa terra? Abraão não sabe, e vai
morrer sem saber. Contudo, vai viver na viagem, vai passar
a habitar o movimento. E isso é a fé. Quando Deus lhe diz
em seguida, “Olha para o Céu e vê as estrelas. Conta as
estrelas se as podes contar” (Gen 15,5), é uma situação algo
irónica porque as estrelas do Céu escapam à possibilidade
de contagem. Então o que é que o mandato de Deus
significa? Significa: “olha o incontável, descreve-o”. Quer
dizer: “habita o infinito, viaja para lá de tudo o que se pode
prever”. A fé de Abraão é assim uma fé construída como
uma dança. Não é uma fé utilitária. A fé de Abraão não lhe
“serve” para nada, não é uma fé previsível. É uma fé que vem
a contra ciclo, como uma grande surpresa. Uma dança que
transforma toda a sua existência.
Se não puder dançar, esta não é a minha
revolução
Há um slogan conhecido de uma anarquista americana,
inspiradora do feminismo contemporâneo, Emma Goldman.
Ela repetia: “Se não puder dançar, esta não é a minha
revolução”. Mas o que é a dança? A resposta a esta pergunta
deve ser procurada no interior de tudo aquilo que existe,
na exposição ao próprio real que numa fração de segundos
coloca à frente dos nossos olhos movimentos e fluxos
coreográficos, imperfeitos, inacabados mas também infinitos.
Tudo dança, tudo é dança. As nossas cabeças dançam, os
nossos corpos dançam em movimentos subtis, a natureza
(a nossa e a das coisas) manifesta-se em movimentos
que se calhar não vemos. É interessante constatar que
o pensamento sobre a dança explora precisamente isso:
a possibilidade de articulação da pluralidade de experiências,
de movimentos conscientes e inconscientes, de tráficos em
constante reconfiguração.
Yoshida, uma grande bailarina japonesa, escreve
o seguinte “A dança não é um campo exclusivo de ninguém.
Dá alegria e euforia a todos aqueles que participam como
dançarinos ou espectadores. A linguagem da dança não
conhece fronteiras. Está para lá das classes sociais, das
instruções, dos países e dos credos. O seu vocabulário
é infinito pois é a emoção humana que ressoa no seu
movimento. A dança enriquece a alma, eleva o espírito.
A dança vive no interior de tudo aquilo que vive”. Se
transpusermos a imagem da dança para aquilo que é o
processo espiritual: “tudo é dança e todos dançam”. Tudo
nos revela Deus, tudo é lugar da Sua teofania, tudo e todos.
Levanta-te e dança
“Levanta-te e dança” é uma frase de Martha Graham, que
revolucionou a dança no século XX. A dança clássica estava
tentada pelo voo. Os bailarinos andavam em bicos de pés e os
corpos tentavam exprimir a ascensão. Para Martha Graham,
a dança é o contato com o chão, a profunda conexão entre
a nossa respiração rente à terra e o nosso movimento.
É uma mudança paradigma. Nós também damos por nós
a insistir de forma idealizada numa espiritualidade que tenta
o voo, a subida sem fim. Porém, na humilde articulação
entre o respirar e o prosseguir alguma coisa se constrói
da vida espiritual. E recorda Martha Graham: “A dança é
a linguagem escondida da alma, a dança é uma canção do
corpo, uma canção de alegria e de dor. A dança é descoberta,
descoberta, descoberta… a dança aprende-se com a prática.
Trata-se de aprender a dançar fazendo experiência como
aprendemos a viver fazendo experiência da vida. O principio
é o mesmo. Os maiores bailarinos não são grandes pelo seu
nível técnico, são grandes pela sua entrega, pela sua paixão.
Os nossos braços têm origem nas costas porque há um
tempo atrás foram asas. Para ninguém importa se és forte,
se tens um conseguimento na dança. Importa apenas isto:
levanta-te e dança”.
27
Sometimes I fight with God,
sometimes I dance
José Tolentino Mendonça
There’s a passage on psalm 144, verse one, that says: “Blessed be the LORD,
my rock, Who trains my hands for war, And my fingers for battle”. The Lord
prepares us as the ones who battle are prepared. But which battles are these?
The internal, the spiritual battles. Arthur Rimbaud, the poet, used to say that this
battle is so violent and risky as a bloodthirsty one. When we look at Christian
tradition, we understand internal battle preparation as part of our priorities.
There’s no elaborated faith, engraved, purified, condensed, that doesn’t cross the
battle’s territory. A famous essay of Miguel de Unamuno, entitled “The Agony of
Christianity”, shows the double sense that “agony” contains: on one hand, it is
connected to passion and death, but, on the other, evokes the combat, the game,
the challenge. That’s what belief is all about: an activity, an extreme movement,
a feature, a conflict, an arduous and unfinished enthusiasm.
The voices of nature and the inaudible of God
This battle is above all with God himself, better said, with the silence of God.
The quote of Saint John’s Gospel, “No one has ever seen God! (1 Jo 4,12), is carried
like a wound. No one of us has ever seen God. And, nevertheless, He gives sense
to life. This paradox, that gives us hope, is however a thorn. Most of the time,
we experiment only God’s disagreement, His extensive silence. Saint Agostinho
tells us just that in one of the chapters of Confessions: “I asked the earth, and it
answered me, “I am not He”; and whatsoever are in it confessed the same. I asked
the sea and the deeps, and the living creeping things, and they answered, “We
are not thy God, seek above us.” I asked the moving air; and the whole air with
his inhabitants answered, “Anaximenes was deceived, I am not God. “ I asked the
heavens, sun, moon, stars, “Nor (say they) are we the God whom thou seekest.”
And I replied unto all the things which encompass the door of my flesh: “Ye have
told me of my God, that ye are not He; tell me something of Him.”. This is the
peregrinator condition. We hear the voices of nature incessantly telling us:”It’s not
us, It’s not us”. Is the anxiety with which we ask the creatures: “Ye have told me of
my God, that ye are not He; tell me something of Him.”, is the mirror of our life.
We pursuit God without seeing him, we believe in Him without experiencing Him,
we hear His voice without truly hear Him. God is nowhere. We feel for His face in
emptiness, in absence, in silence. And, however, these are places that mysteriously
suggest a presence. In the movie “Nostalgia” of André Tarkovski, there’s a
excruciating scene of a (dis)encountered human group, a crowd that moves from
one side to another, on a labyrinthine demand. It is then heard a narrator’s voice
that breaks the silence yelling: “but say something Lord, tell them one word,
they are pursuing you, can’t you see they have the desire of You?”. God’s voice
is heard with the following answer: “And if I say a word, do you think they will
understand?”.
We walk as if we saw the invisible
Silence is a subject of the heart: quieten, quieten,
quieten, thoughts, images, desires. As the famous apothegm
of one of the Desert Fathers: “Quieten and run”. It’s an
dancing. It is not an utilitarian faith. Abraham’s faith has no
“use” for him, is not a predictable faith. Is a faith arriving
against the normal cycle as a great surprise. A dance that
transforms all its existence.
important advice, that helps smoothing slopes. But, we
know that silence is not yet God. Silence is place of battle
and expectation. In great measure we are inhabited by the
possibility of God, by His endless interrogation. That’s all
we can say. About the rest of it, the believers have to be
There’s a well known slogan of an American anarchist, an
inspirer of contemporary feminism, Emma Goldman. She
used to repeat: “If I can’t dance, this is not my revolution”.
humble. On the first letter to the Corinthians Saint Paul
says: “We have become as the scum of the world, the dregs
of all things, even until now.” (1 Cor 4,13), meaning, we are
the Pitiful, what is not worthy. And, in fact, the believer
experience is not credited. No jurisdiction, natural or of
But what is dancing? The answer to this question shall be
searched inside everything existing, in the exposure to the
real that in one fraction of a second puts in front of our eyes
choreographic movements and fluxes, not perfect ones,
unfinished but also infinite. Everything dances, everything
cause can credit this kind of experience. It lives merely
assured by an excessive trust. In that sense, faith has the
shape of an hypothesis. Faith is expectation. We walk
guessing, as if we saw the invisible, according to the great
formulation of the Letter to the Hebrews (Heb 11,7). Our
is dance. Our heads dance, our bodies dance in subtle
movements, nature (our and of things) expresses itself in
movements we don’t even see most of time. It is interesting
to become aware that the thought of dancing explores
just that: the articulation of the plurality of experiences’
history’s surroundings of God does not nullify the purgative
dimension, the painful and interrogative experience of
existence itself. We do not enter in a state of exemption, in a
neutrality scale. Faith exposes us fearlessly to contemplation,
silence, the back and forward without having a clue, doing
possibility, of conscious and unconscious movements, of
traffic in even reconfiguration.
Yoshida, a great Japanese ballerina, wrote: “dancing is
nobody’s exclusive field. It grants joy and euphoria to all that
participate in it as dancers or mere viewers. Dance language
and redoing. Doubt and difficulty of believing do not
desecrate faith. They are its essential element. Faith is an
has no borders. It is beyond social status, the instructions of
the countries and creeds. Its vocabulary is infinite because
unassisted abysm strangely conceived as a confident leap.
human emotion is the one expressed in its movement.
Dance enriches the soul, rises the spirit. Dance lives inside
Faith build like dance
Fighting with God, we also dance with Him. Dancing is a
curious human activity. In dancing are present the body, the
heart and the spirit. Dancing leads us to the understanding
that the human activities that mostly express our totality as
human beings are the ones that we are in as a whole. Faith is
equal to dancing. Abraham proves that because this ancient,
advanced in years, is convoked by God to the peregrinator
movement. God says to Abraham: “Leave your country,
your people and your father’s household and go to the land
I will show you.”(Gen 12,1). This coming out of oneself to
the unknown is a true dance. Usually, when we leave one
place, we already have another to go to. And, therefore,
our movement becomes too much utilitarian, conditioned
by maps previously designed. Well, faith is a different
movement. We know where we came from but we don’t
know where we are heading. “Go to the land I will show
you”. But where is that land? Abraham doesn’t know, and he
is going to die without knowing. He is, however, going to live
on travelling, he is going to start inhabiting the movement.
And that is faith. When God tells him “Now look toward the
heavens, and count the stars, if you are able to count them”
(Gen 15,5), the situation becomes ironic because the stars of
Heaven cannot be counted. What does then the order of God
means? It means: “have a look to the countless, describe
it” It means: “inhabit the infinite, travel beyond everything
predictable”. Abraham’s faith is, this way, a faith build like
If I can’t dance, this is not my revolution
of everything alive”. If we move the image of dancing to
the spiritual process:”everything is dance and everybody
dances”. Everything reveals us God, everything is a place of
His theophany, everything and everybody.
Get up and dance
“Get up and dance” is a Martha Graham’s quote, the
woman that revolutionised dancing in the XX century.
Classic dance was tempted by flying. Dancers were on top of
their feet and tried to express uprising. To Martha Graham,
dancing is the contact with the floor, the profound
connection between our breath flat with the ground and our
movement. Is a paradigm shift. We can also see ourselves
insisting ideally on a spirituality that essays flying, the
endless uprising. However, our spiritual life is built on
the humble articulation between breathing and pursuing
something. And Martha Graham reminds us: “Dancing is
the hidden language of the soul, dance is a song of the body,
a song of happiness and pain. Dancing is finding, finding,
finding… I believe that we learn by practice. Whether it
means to learn to dance by practicing dancing or to learn to
live by practicing living, the principles are the same. Great
dancers are great because of their passion. Our arms start
from the back because they were once wings. Nobody cares
if you can’t dance well. Just get up and dance.”.
29
Vicente, quantos és?
Fernando Melo
Começo com a confissão de uma ambição totalmente banal. Ainda não
desisti de ter uma iluminação súbita a olhar para os painéis de S. Vicente,
serenamente expostos no Museu Nacional de Arte Antiga, e ser-me concedido
ver uma qualquer coisa que não fazendo falta nunca ninguém tenha visto. Fiz um
trabalho incompleto e superficial sobre “o olhar nos painéis de S. Vicente”
parar uma cadeira que nem sequer era minha e andei bastante excitado com as
simetrias verticais e o espaço tridimensional que as trajectórias dos diferentes
olhares geravam. O trabalho teve a nota máxima da parte escrita, o resto teria
de ser discutido na oral, que não calhou bem porque a pessoa em causa não
sabia identificar os capitéis jónico, dórico e coríntio, esqueceu-se de estudar
“essa parte”. Hoje sei que não merecia nota alguma, não passava de uma ponte
possível, um divertimento inconsequente com espaços compactos e mapeamento
conforme; qualquer coisa que ainda me ocupou duas ou três janelas da vida
em anos seguintes. Mas nunca mais me livrei de lucubrar e inventar sempre
que espreitei os painéis. Tenho a certeza de que ninguém está à espera de mim
para avançar no conhecimento do difícil e misterioso políptico, pelo que é sem
qualquer sentimento de culpa que me entrego, diletante, ao que me surge.
E constato que foi a minha insistência geométrica que sempre me impediu de
olhar para factos, números e datas que sempre ali estiveram. Dei com mais uma
coincidência talvez cósmica, que a muitos pouco dirá mas que em mim bate fundo.
1445 é a data consensual e estabelecida para a conclusão dos painéis que tiveram
na Sé de Lisboa a primeira morada e que a certa altura terão sido passados para
igreja de S. Vicente de Fora desaparecendo depois. Fiquei surpreendido por terem
sido redescobertos no ano de 1882, o ano em que Wagner estreia Parsifal no
Festival de Bayreuth. Acontecimentos totalmente descorrelacionados? Talvez, mas
o tempo é também uma dimensão e é possível ver de repente uma estrutura maior
a partir de uma nova base. Passa a nada ou tudo, nivelando com o conhecimento
histórico. Parsifal foi um dos cavaleiros da Távola Redonda, os puros demandantes
do Graal e logo no final do primeiro acto, o dito Graal é mostrado ao jovem Parsifal
– cuja matriz etimológica podia significar “tonto puro” – num contexto mágico
e sublime, em termos musicais; certamente uma das mais belas páginas da história
da música, a da transformação. Monsalvat, o lugar onde eles se encontram, é onde,
segundo Gurnemanz, um dos reis eméritos do Graal, “o tempo se transforma
em espaço” (a força da memória simbólica) sempre que a invocação é feita pelos
cavaleiros de coração puro. Parsifal é convidado a ficar para assistir; Amfortas,
o rei dos cavaleiros do Graal, moribundo por se ter deixado ferir pela própria
espada, havia tido uma visão de que tudo se poderia salvar no dia em que o “tonto
puro, movido pela compaixão”, o resgatasse. No final da cerimónia, de pura
e intensa magia, Parsifal confessa que não percebeu nada, pelo que pode e vai ser
o herói da história.
Em Ravello, não longe de Pompeia ergue-se lá em cima um promontório
maravilhoso sobre o Mediterrâneo, mostrando, entre outros, que é um imenso
mar e não o pequeno lago onde espero que por abuso de linguagem se considera
haver hoje uma só “dieta” e uma só gastronomia. Lá de cima, olhamos para
sul e sabemos que está o Egipto, viramo-nos para nascente e sabemos estar
o Líbano. A poente está, depois de Gibraltar – que quase toca o Norte de África
–, o Atlântico. Tudo menos simples, reduzir a uma “coisa” só. Até à destruição
horrível pelo vulcão Vesúvio em fúria, Pompeia era a capital do vinho e da vinha,
considerado excepcional e vendido a peso de ouro para toda a parte. Caro, mas
muito bom. A Campania – língua costeira que abraça Nápoles e a costa amalfitana
e que inclui Sorrento, Positano, Ravello, todos esses lugares mágicos –, do tempo
do Império arrasaria hoje, em comparação, Bordéus e Borgonha juntas, em
qualidade e valor. Wagner passava férias e temporadas longas em Ravello, em casa
de um amigo, lá nos cocurutos. Chamava “jardins de Klingsor” àquela maravilha.
Klingsor, a propósito, é, no Parsifal, um candidato que falhou a admissão junto do
corpo dos cavaleiros porque se castrou a si próprio, o que retira o valor à virtude
da castidade. Dedicou-se à magia a partir daí e criou figuras femininas disfarçadas
de flores à volta de Monsalvat, para seduzir os cavaleiros. Foi assim que conseguiu
que o próprio rei se detivesse numa mulher linda, aproveitando para lhe roubar
a espada e feri-lo com ela. Quem for a Ravello, como eu fui, e visitar esta casa
prodigiosa vai perceber tudo. A Campania vínica era há apenas 2 mil anos a capital
da vinha e do vinho do mundo inteiro que não sendo comprovadamente ainda
redondo, era já muito grande, estendido ao limite pelos romanos. Se o vinho
foi, e tudo indica que sim, trazido pelos gregos para Itália, foram os fenícios
que deram o primeiro grande impulso à cultura da vinha e os romanos quem
a sistematizaram. Onde e como tudo começou é impossível dizer. Até em Portugal
temos castas autóctones que sobreviveram nas vinhas dormentes do período
pré-glaciar! Muito de facto por descobrir. É absolutamente central a cultura do
vinho para entender as gastronomias mediterrânicas.
Parece que foi Mago, especialista cartaginês, quem escreveu o mais importante
manual de viticultura, cerca do Séc. II a.C., traduzido para latim e grego para ser
adoptado por todos os que visavam estabelecer-se como produtores de vinho.
Cerca de 170 anos antes da era Cristã, foi o tempo em que os romanos, além
de copiar a traça das casas senhoriais gregas, aglutinaram terras e passaram
a concentrar-se em cidades, com Roma à cabeça. Grassaram as padarias e as
pessoas começaram a comer pão; até aí, comia-se papas de cereais ou fazia-se o
pão em casa, mas no campo; a “pólis” puxava pela concentração de recursos e por
um certo mundo moderno. A conselho do tal Mago, começou a substituir-se o
reticulado de pequenas vinhas por outras, em extensão e colocadas nos melhores
locais, em termos de solo e clima; o que hoje, afinal, conhecemos como terroir.
Estávamos na alvorada do conceito de “grand cru”.
Confesso que tenho uma enorme curiosidade em saber como era, a que sabia
e a que cheirava o vinho da última ceia de Cristo com os apóstolos. Que vinho
enchia os cálices da gloriosa Pompeia. Com que celebravam esses primeiros
do vinho? Há pistas muito concretas que nos dão bons indícios. Bebidos nos
“kalyx-krater” gregos, feitos em terracota e primorosamente decorados, o vinho
de então e o vinho dos nossos tempos, em comum só tinham mesmo o nome. Os
gregos misturavam água do mar ou água com especiarias maceradas previamente
no vinho antes de o beber, diluindo-o. Lê-se no livro “Oxford Companion to Wine
que o grau alcoólico do preparado desse tempo era entre 3% e 6%. Duas partes ou
apenas uma de vinho para três de água do mar. Como é evidente, o costume foi
adoptado por Roma e era o anfitrião que decidia que diluição dar ao vinho antes
de o servir. Os celtas e os gauleses bebiam o vinho puro – como nós! – e por isso
eram considerados selvagens, sem maneiras. Dava tudo para ser mosca e viajar
no tempo para assistir a uma dessas festas, ou sentar-me à mesa com um grupo
31
32
e observar bem as coisas do vinho. É mais que certo, pelo
que disse, que no tempo dos romanos não havia vinho tinto.
Mas havia vinhas de grande qualidade, de uvas tintas. Difícil
do latim “edere”. Esta última é a raiz por exemplo da palavra
comércio, que quer dizer “fazer alguma coisa com alguém”,
enquanto a primeira é um reforço da mensagem de “comer
de aceitar, mas a vida tem mesmo coisas assim. No tempo
do império de Augusto, que durou cerca de 300 anos, até
14 d.C., Itália já tinha vinhas plantadas e em produção de
grandes vinhos. Exportava para a Grécia – pormenor que
não deixa de ser curioso – e para a Macedónia, mas cedo
começou a exportar para o mundo inteiro. O maior mercado,
com alguém”. A mesa é para os portugueses um espaço de
partilha, no qual tudo é para partilhar. “Erere” quer dizer
alimentar-se.
Nasce no Séc. III na aragonesa cidade de Saragoça,
Vicente. Terra de vinhas temporãs, em que as uvas cresciam
mais cedo – Tempranillo quer dizer exactamente isso – já
contudo, era Roma. Havia, mesmo assim, um certo complexo
de inferioridade entre os romanos, para quem os vinhos
gregos eram melhores que os seus. Gregos que por regra
faziam a vindima com os cachos sem o amadurecimento
completo, que depois punham ao sol para secar e concentrar
os fenícios e os romanos conheciam bem os seus solos e,
ciosos como eram, deviam ali ter montado sede vitivinícola;
mais uma. Foi viver para Valência onde conheceu um fim
mais que temporão, mesmo assim envolvido numa névoa
prodigiosa, num corpo que havia de dar à costa no Algarve,
os açúcares. Os romanos adoravam tudo o que era doce.
Entre Roma e Pompeia, na já citada Campania, era onde
Itália tinha os melhores vinhos e também os mais caros.
Tudo parecia definido de forma estável, até que em 79
d.C. o impensável acontece: o Vesúvio entra em erupção
reza a lenda que protegido por um corvo, impedindo os
abutres de se aproximar. Foi no Cabo de São Vicente que
conheceu finalmente sepultura, aí sendo erguida a primeira
igreja da sua dedicação.
Para nós S. Vicente é o padroeiro dos navegantes, por
violenta, sacudindo e matando tudo e todos. O negócio
não podia parar e as movimentações para plantar vinha
noutras paragens, incluindo no lado de lá do Mediterrâneo.
razões óbvias, mas em França é o padroeiro dos vignerons.
A palavra Vincent pode ser decomposta para “vin+sang”,
evocando a transformação de vinho em sangue da eucaristia
É o momento de ouro da península ibérica, em que chega
à ribalta Lucius Columella, génio de Cádiz, especialista
católica. O dia que lhe calhou no calendário litúrgico – 22 de
Janeiro – nada tem a ver, contudo, com vindima nem vinho,
em vinha, que no seu tratado “De Re Rustica” estabelece
praticamente tudo o que ainda hoje praticamos. Publicado
no ano 65 d.C., imagine-se. Foi aí que os romanos foram
em termos populares. Tem a ver, e muito, com o tempo da
poda da vinha e é aí que está a essência de Vicente, o santo.
Estar na génese de todas as coisas, no princípio de tudo.
beber conhecimento, fundindo-o habilmente com os
seus costumes e hábitos. Já sabiam o que queriam. Vinhos
essencialmente de colheita tardia – obsessão pelo doce, já
E na protecção contra as geadas e nevoeiros. Saint Vincent,
notre patron. | Protégez nos bourgeons | Des brouillards et
des glaçons.
referida -, quando não o levavam a ferver, para evaporar
parte da água, ou lhe juntavam mesmo mel, assumindo a
fixação pela gostosura doceira. Plínio e o grande Apícius
Foi no cálice a transformação que foi dada a ver a Parsifal,
tinha sido no Kalyx que os primeiros gregos pressentiram
a perfeição. Sempre que elevarmos um copo, levemo-lo ao
juntam-se a Columella para formar o trio que há que estudar
com afinco para se entender bem as bases mediterrânicas
coração, como faziam os Cavaleiros, e depois estendamo-lo em
direcção ao outro. Que tudo isto podia nem sequer ter existido.
das diversas cozinhas que criou. Galeno, médico grego
especialista em antídotos de veneno, talvez por isso mesmo
médico pessoal do imperador Marco Aurélio, construiu todo
um receituário à base de vinhos e ervas e – imagine-se! –
advogava os vinhos brancos secos. A sua lista de grandes
vinhos era 100% constituída por vinhos brancos. O tinto era
para as tabernas, dizia.
Será sempre um desafio perceber a dualidade dos
romanos quanto à comida e os prazeres da mesa, mas foram
na história e gente mais obcecada com os frutos, ervas
aromáticas, cozeduras e frescura de todos os ingredientes,
além de desenvolver receituário que inclui molhos,
marinadas, compotas e mesmo sobremesas. É preciso notar
que não havia ainda açúcar, como hoje conhecemos. Em
total oposição a este paraíso estão a orgias, as festas romanas,
em que se cultivava o excesso. E no entanto, olhemos para
as nossas mesas num dia normal, em família, ou num dia
festivo. Toda a cozinha tradicional portuguesa é uma cozinha
de festa, em que queremos todos à mesa. A palavra “comer”
tem um duplo significado. Vem de “cum edere” e também
Isabel Baraona
Vicente, how many are you?
Fernando Melo
I start by confessing a totally trivial ambition. I have yet not given up a sudden
illumination contemplating Saint Vincent panels quietly exhibited at
“Museu Nacional de Arte Antiga”1, and having the pleasure of seeing something
that, not being a necessity to anyone, nobody has ever seen. I’ve made an
unfinished and superficial work about “the look upon Saint Vincent’s panels”
paralyse a discipline (class) that wasn’t even mine and became really excited with
the vertical symmetries and the three-dimensional space that the trajectories of
the different contemplations were creating. The work got the maximum grade on
the written part of it, the rest would be discussed on the oral exam, that didn’t go
well at all because the person at stake could not identify the Ionics, Doric and
Corinthian columns, had simply forgotten to study that part. I know now that no
grade should have been given at all, It was not more than a possible bridge, an
inconsequent amusement with compact spaces and accordingly mapping;
something that has occupied me two or three windows of life on the following
years. But I never got rid again of hard studying and supposing about what
concerns the panels and me contemplating them. I’m sure that no one expects me
to advance on the mysterious and difficult polyptych knowledge and, this way, is
with no sense of guilt that I surrender, dilettante, to whatever comes to me. And I
realize that my geometric persistence has been holding me back to look at facts,
numbers and dates that have always been there. I came across one more
coincidence, maybe a cosmic one, that has no meaning to most people but deeply
touches me. 1445 is the consensual and established date of the panels that have
had on the Sé de Lisboa its first address being moved at a certain point to
São Vicente de Fora’s Church and disappearing afterwards. I was quite surprised
by their rediscovery in 1882 same year Wagner has his Parsifal opening at Bayreuth
Festival. Completely unrelated events? Maybe, but time is also a dimension and it
is possible to suddenly see a bigger structure from a new ground. It goes from
nothing to everything, levelling with historical knowledge. Parsifal was one of the
Knights of the Round Table, Graal’s pure claimants, and right after the first act the
Graal is shown to the young Parsifal – whose etymological matrix could mean
“pure fool” – on a magnificent and magical context in musical terms; certainly one
of the most beautiful pages of music history, the transformation one. Monsalvat,
the place where they meet, is where, according to Gurnemanz, one of the emeritus
kings of Graal, “time becomes space” (the symbolic memory’s strength) every time
invocation is made by a pure hearted knight. Parsifal is invited to stay and watch:
Amfortas, the King of knights’s Graal, dying because he let himself be hurt by his
own sword, had had a vision that everything could be saved on the day that the
“pure fool, moved by compassion, “rescued him. On the pure and intense magical
1
National Museum of Ancient Art – http://www.museudearteantiga.pt/
ceremony ending, Parsifal confesses he has not understood a thing meaning he
can and will be the hero of the story. In Ravello, not far from Pompeii is raised
a wonderful promontory over the Mediterranean, showing, among other things, an
immense sea and not the little lake where I hope that, due to language abuse,
existed nowadays one only “diet” and one only gastronomy. From above, we look
southwards and we know Egypt is there, we turn eastwards and we know Lebanon
is there. Westwards is, after Gibraltar – that almost touches the North of Africa -,
the Atlantic. Everything else is less simple, to be reduced to a single “thing”. Until
the horrible destruction of the furious Vesuvius volcano Pompeii was the wine and
vine capital being the wine considered exceptional and sold at a very high price
everywhere. Expansive, but very good. Campania – coast language that embraces
Naples and the Amalfi coast including Sorrento, Positano, Ravello, all those magic
places-, from the Empire times would crush, in comparison, Bordeaux and
Burgundy together in quality and value. Wagner had long holidays and seasons in
42
Ravello, at a friend’s house, on top of the hill. He used to call that wonder
“Klingsor gardens”. Klingsor is, by the way, in Parsifal, a candidate that failed to
be admitted to the Knights because he castrated himself which takes the value off
chastity. He dedicated himself to, since then, magic and created feminine figures
disguised as flowers around Monsalvat to seduce the Knights. That way he
managed the king to detain himself before a beautiful woman, steal his sword and
wound him with it. The one visiting Ravello, as I did, and this prodigious house
will understand it all. The wine Campania was, only 2 thousand years ago, the
wine and vine capital of the entire world, not proved to be round yet but very big
extended to the limit by Romans. If wine was, and everything points that way,
brought by Greeks to Italy, It were the Phoenicians that impelled the wine and
vine culture being the Romans the ones putting it in order. Where and how
everything began is impossible to say. Even in Portugal we have surviving
aboriginal grapes of the sleeping vines of the pre-glacier period! A lot to discover
indeed. Wine culture is absolutely central to understand the Mediterranean
gastronomies. It seems that it was the Mago, Carthaginian specialist, who wrote
the most important viticulture manual around the II b.C century, translated to
Latin and Greek and adopted by all who wanted to become wine makers. About
170 years before the Christian era Romans, besides copying Greek lord houses’
features, united lands and started concentrating in cities, with Rome leading.
Bakeries propagated and people started eating bread; until then, only cereal mush
was eaten or, on the country side, bread was homemade; the “polis” attracted the
resources’ concentration and a certain modern world. On Mago’s advice, the
nettled small vines started to be replaced by others in extension and placed in
better locations with better climate and soil; what we today acknowledge as terroir.
The “grand cru” concept dawn was rising. I confess I have great curiosity to know
how it was, what it tasted and smelled like the wine at Christos’s last supper with
the Apostles. What wine filled the glorious Pompeii calyxes? With what celebrated
those wine first ones? There are very concrete indicating leads giving us good
hints. Drunk in Greek terracotta made and gracefully decorated “kalyx-krater”,
those times wine and our times one only had the name in common. Greeks
previously blended sea water or water with macerated spices in the wine before
drinking it, diluting it. It can be read on Oxford Companion book that the alcohol
degree of the formula was between 3% and 6%. Two parts or only one of wine to
three of sea water. Obviously, the procedure was adopted by Rome and hosts
decided which dilution the wine would have before pouring it. Celtics and Gaul
drank the wine pure – as we do! – and, due to that, were considered rude, with no
manners. I would give everything to be a fly and time travel to one of those parties
or seat at the table with a group observing well the wine “things”. It is more than
certain, by what I said, that on Roman’s era there was no red wine. But there were
great quality red wine vines. Difficult to accept but that’s life. On Augustus empire,
that lasted about 300 years, until 14 a.C., Italy had already
planted vines producing great wines. Exported to Greece –
curious detail- and to Macedonia, but soon started to export
grew earlier – “Tempranillo” means exactly that – already
the Phoenicians and Romans knew their soils and, careful as
they were, should have had settled viticulture headquarters;
to the whole world. However the bigger market was Rome.
There was nevertheless a certain inferiority complex among
Romans, to whom the Greeks had better wines than them.
Greeks by rule harvested before the bunches were
completely mature and laid them on the sun to dry and
concentrate the sugars. Romans adored everything sweet.
one more. He moved to Valencia where he met a more than
premature ending, even if involved in a prodigious fog, in
a body that would land in Algarve, protected by a crow as the
legend says, keeping the vultures away. It was on Cape
Saint Vincent that he finally knew his grave being built there
the first church in his honour.
Between Rome and Pompeii, in the already quoted
Campania, Italy had the better and more expansive wines.
Everything seemed to be defined in a stable way, until 79
a.C. when the unthinkable happens: Vesuvius erupts
violently, destroying everything in its way. Business could
For us Saint Vincent is the sailing patron, for obvious
reasons, but in France is the “vigneron’s” patron. The word
Vincent “vin+sang”, evokes the wine to blood transformation
of the catholic Eucharistic. His day on the liturgical calendar
– 22nd January – nothing has to do with harvesting or wine,
not stop and vine plantations moved to other places
including the other side of the Mediterranean. It’s the
golden moment of the Iberian Peninsula, the moment
Lucius Columella, genius of Cádiz, specialist in vine, that in
his “De Re Rustica” treaty establishes almost every rule still
on popular terms. It has to do a lot with the vine pruning and
Vincent’s essence is right there, the saint. To be the in genesis
of all things, in the beginning of everything. And in the
protection against frost and fog. Saint Vincent, «notre patron.
| Protégez nos bourgeons | Des brouillards et des glaçons».
in practice today, reaches the limelight. Published 65 a.C.,
imagine that. It was then Romans started drinking
knowledge, fusing it skilfully with their practices and habits.
It was in calyx the transformation shown to Parsifal, It was in
Kalyx the first Greeks foresaw perfection. Every time we raise
a glass let’s get it close to the heart as the Knights and then let’s
They knew what they wanted. Late harvest wines essentially
– obsession for the sweet already named -, when they didn’t
reach it towards the other. All this could have not existed.
boil it, to evaporate some of the water, they would add honey
assuming their taste for sweet pleasure. Plínio and great
Apícius joined Columella forming the triad bound to be
studied deeply for good understanding of the Mediterranean
bases of the various cuisines it has created. Galeno, Greek
doctor specialist in poison antidotes, surely for that reason
Marco Aurélio’s personal doctor, built a whole prescription
based on wines and herbs and – imagine that! –
recommended white and dry wines. His list of great wines
was 100% constituted by white wines. Red was for taverns he
said. It will always be a challenge to understand the duality
of Romans about food and the table pleasures but in History
they were the most obsessed people in fruits, aromatic herbs,
boiling and freshness of all ingredients besides the
development of prescriptions including sauces, marinates,
jellies and even deserts. We have to take notice that sugar as
we today know it didn’t exist. Opposing totally this paradise
are the orgies, the Roman parties, in which excess was
cultivated. And, despite this, let’s have a look to our tables
on a normal day, in family, or on a celebration’s occasion.
All traditional Portuguese cuisine is a merry cuisine, in
which everybody’s presence is requested and wanted. The
word “comer” (to eat) has a double meaning. It derives from
“cum edere” and also from the Latin “edere”. This last one
being the root, for example, of the word “comércio” (trade),
which means “making something with somebody”, whereas
the first is a reinforcement of the message “eating with
somebody”. The table is, to Portuguese people, a space of
giving in which everything is to be shared. “Erere” means to
get fed. On the III century in the aragonese city of Saragossa
Is born Vicente. Land of premature vines, in which grapes
43
A Conquista do Corpo de Leão
Agata Wiorko
No que diz respeito ao Santo Padroeiro de Lisboa – São Vicente (vincentius,
o conquistador) – a dicotomia é o seu maior atributo. Noite e dia, branco e preto,
vida e morte. Neste sentido, a natureza e o templo excluem-se e complementam-se em simultâneo, assim como o corpo humano está em constante contradição
entre sagrado e profano. É um facto que durante o processo de criação (corpo
e alma incluídos), o corpo tem sido seguramente negligenciado e menosprezado.
Está escrito na Bíblia Sagrada: E o Verbo se fez carne... , mas entretanto, é como
se o corpo tivesse perdido muito da sua dimensão sagrada, obtida nesse passado
remoto, no momento crucial em que se tornou humano e pecaminoso. Afinal, será
que nos tornamos profanus quando chamarmos ao corpo o templo do eu?
… Vicente – Leon
Uma vez mais, e porque as coisas nunca são a preto e branco, sabendo que
o ser humano é um enigma e que os mitos nunca são contados apenas uma vez,
gostaria de recordar a ideia de eterno retorno em Eliade. O conceito, com base
no regresso cíclico ao(s) tempo(s) mítico(s), permite-nos – a cada um e a todos
nós, espectadores dos nossos corpos – tornarmo-nos continuamente VICENTE,
contemporâneo e atual, e a cada vez com (pelo menos) mais uma camada
enriquecendo os strata culturais do mito.
‘Leon’ em Lisboa. Uma vez mais, nova camada do mito universal é improvisada
por um performer cujos objetivos são combinar contrastes e colocar questões
sobre as fronteiras entre – de novo a mesma dicotomia – humanidade e
animalidade, por via daquilo a que o performer chama de abordagem transgénica
e transsexual da arte. O corpus de Leon, incrivelmente rico e diverso em imagens
inspiradoras, tem vindo desde há algum tempo a conduzir-me a pensamentos
fragmentários sobre as relações entre o corpo, a religião e o teatro. Aqui estão eles.
En route.
… corpo – religião
Nós não despimos o corpo: inventámos o corpo, e este é a nudez; não há outro,
e o que é é algo mais estranho que Qualquer «estranho» corpo estrangeiro.1
Jean-Luc Nancy
O corpo é um dos símbolos do Cristianismo – refere-se ao corpo sagrado
de Jesus, que sacrificando-se pela humanidade, ofereceu o seu Corpus Christi
como caminho para a salvação. Corpus aparece logo no começo da Bíblia Sagrada
1
Jean-Luc Nancy, Corpus, trans. Richard A. Rand, Fordham University Press, New York, 2008,
p.9. No original: We didn’t lay the body bare: we invented the body, and nudity is what it is;
there isn’t anything else, and what it is is something stranger than Any «strange» foreign
body.
quando lemos sobre a criação humana e o que é nela é
salientado: que Deus criou o homem à Sua semelhança.
Isto é um assunto um tanto provocatório, dada a relação
ambivalente que a Igreja mantém com o corpo, em particular
o corpo nu. O Cristianismo encara o Ser Humano como
a maior criação de Deus, criação essa empoderada pelo
espírito e o livre arbítrio. Na prática contudo, a Igreja –
digamos que na maior parte das vezes – nega a nudez e,
claro, muitas das suas imagens, tratando-as como uma visão
inapropriada. Um pecado.
Krzysztof ‘Leon’ Dziemaszkiewicz quer que a sua arte seja
livre e que aconteça em todo a parte. Um animal de palco,
tomando conta do pavimento do cimo dos seus saltos altos
à Kreuzberg. A sua inflexibilidade em relação às expectativas
sociais da maioria cria uma linguagem única, numa
afirmação artística que toca instintos e emoções.
‘Leon’ considera a sinceridade a chave da sua arte, algo
que dá origem à nudez como manifesto de espontaneidade
e alegria pura. ‘Leon’ é alguém que vive a sua arte através
do seu corpo, dia a dia, e (re)cria-se continuamente de uma
forma que acredita ser em nome da liberdade humana.
Em parte, segue o antigo ideal grego de estética e ética –
καλός καί αγαθός – que significa a combinação do bem
e do belo. Mas nem sempre. A nudez – nela incluamos
as suas máscaras – é em todo o caso o âmago de uma
conceptualização paradigmática, misturando a clareza da
mente (o aspeto luminoso da experiência religiosa grega)
com a visão atlética do ser humano (um trajeto de vida que
aspira a glória e a Vitória).
… nudez – pornografia
Nas formas de expressão artística que incluem a nudez,
pode reconhecer-se facilmente a relação com o sacrum e a
complexa linha de fronteira que o separa do profanum. Tal
observação encontra-se em Georges Bataille, que em Death
and Sensuality nos lembra que, em tempos remotos, o acto
sexual se comparava ao sacrifício religioso. Na sua descrição
da felix culpa, Bataille conta-nos o quão profundamente
ambivalente é a relação entre o corpo-alma-mente e o
corpo-fé-social.
Os tabus que se opõem à sexualidade humana
assumem realmente formas particulares; afetam por
exemplo o incesto e a menstruação, mas também podem
ser encarados de uma maneira geral, por exemplo de um
modo que certamente não existia em tempos remotos […],
um modo ainda hoje relativo à questão da nudez. […]
Todos nos apercebemos hoje da absurda relatividade, do
quão desnecessário é o tabu da nudez, do facto de que
tem sido condicionado por eventos históricos; todos nos
apercebemos de que o tabu da nudez e a transgressão desse
interdito constituem a essência genérica do erotismo, ou
seja, a sexualidade transformada em erotismo […]. Como
acontece com as chamadas complicações neuróticas e com
qualquer tipo de vício, esta noção é sempre significativa.
O vício pode ser pensado como a arte de nos entregarmos
ao sentimento de transgressão, de forma mais ou menos
maníaca.2
Assim sendo, o próprio corpo não parece ostentar
quaisquer elementos negativos ou dissolutos – apenas
a transgressão dos limites maníacos, a transgressão para
além da mente clara, conduz à mudança no valor do corpo.
Isto relaciona-se com a fina linha que separa o Nu de
uma imagem pornográfica. A nudez pode ser usada para
diferentes fins: neutralidade, altivez, bem como perversão;
pode tornar-se um disfarce ou um véu, ou ainda um símbolo
de inocência. Ou da verdade.
Na teoria de Eros e Dionísio de Nietzsche, o erotismo
não pode ser excluído do palco – isto apenas conduziria à
propaganda. Eros era o Deus que simbolizava um encontro
prematuro, fresco e virgem – imediatamente anterior
ao momento em que um humano experienciaria a sua
dimensão hedonista.3
2
George Bataille, Death and Sensuality, Walker and Company,
Nova Iorque, 1962, p.256-257.
3
Włodzimierz Staniewski, Hidden territories: The Theatre of
Gardzienice, Routledge, Nova Iorque e Londres, 2003, p.80.
45
46
… religião – teatro
O teatro nasceu e desde sempre que evoluiu a par da
prática religiosa. Com estruturas e objetivos similares, ambas
estas esferas de vida ambicionam apaziguar as tristezas
humanas, as dificuldades diárias e a dor da existência. No
estado de arrebatamento espiritual, pode derramar-se uma
lágrima de alegria, bem como de tristeza, e as emoções assim
vividas terão certamente um carácter terapêutico. Tanto
o teatral como o religioso partilham ligações com a antiga
experiência da katharsis. As pessoas vão à igreja ou ao teatro
para celebrar a sua própria crença, alcançar a paz interior
e sofrer uma paixão.
É esperado que o público acredite no que está
a acontecer no palco, tanto como no altar, experienciando
as transformações dos significados e das pessoas em corpos
simbólicos. Hoje, na performance contemporânea, abre-se
um amplo espaço para o explorar do sacro, precisamente
através da ferramenta da nudez. Como o faz ‘Leon’, desta vez
recorrendo também ele às imagens de múltiplas camadas na
vida de Vicente.
… teatro– flanêrie
O movimento é a afirmação da vida. Eu trato-o
como vida, por isso é também reflexão da minha vida.
Abre a minha existência, generaliza-a, expande-a
e simultaneamente enriquece-a. Por isso presto tanta
atenção ao movimento e por isso quero construir o meu
teatro através do movimento.4
orientais da Europa para alcançar Lisboa, onde o Velho
Continente outrora terminava. A duração da viagem física
simboliza um mergulhar profundo na alma. Uma espécie
de flâneur pós-moderno, o performer torna-se (mais um)
Vicente, um estrangeiro que vem para descobrir a cidade
de Lisboa por via da sua curiosidade, tocando os perenes
pavimentos, cheirando a atmosfera multicultural e indo
ao encontrando dos transeuntes; e mais, no caminho,
deparando-se com o Vicente português, um Vicente clássico
e contemplativo!
No palco das ruas de Lisboa, a expressão artística de
‘Leon’ terá para o público comum o carácter de uma
experiência voyeur. Mas não deixa de trazer consigo
a individualidade, espiritualidade e a interpretação
subjetiva – polaca – do mito, inspirando-se em preciosas
diferenças na cultura, na história, nos valores de vida. O seu
interesse pela transgressão e debate sobre o corpo como
templo natural, introduz-nos outras histórias fascinantes,
possivelmente provocando-nos o exercício de repensarmos
as nossas próprias crenças e dúvidas. Com esta performance,
‘Leon’ adiciona mais uma camada pessoal ao espaço lisboeta.
Como escreve Michel de Certeau: As histórias acarretam um
trabalho que constantemente transforma sítios em espaços
e espaços em sítios.5
Henryk Tomaszewski
Em busca do tempo mítico de Vicente, ‘Leon’, agent
provocateur cosmopolita cujo coração pulsa com os ritmos
estáticos de Berlim, parte em viagem, partindo das fronteiras
4
Janina Hera, Henryk Tomaszewski i jego teatr, Państwowy Instytut
Wydawniczy, Warszawa 1983, p.63.
5
Michel de Certeau, The Practice of Everyday Life, University of
California Press, Berkeley, Los Angeles e Londres, 1984, p.118.
The Conquer of the Lion’s Body
Agata Wiorko
Concerning the Patron Saint of Lisbon – St. Vincent (vincetius, the Conquering
one), dichotomy is his most visible attribute. Night and day, black and white,
death and life. Following that, nature and temple exclude and complement each
other simultaneously, just as the human body is in constant contradiction between
sacred and profane. It’s a fact that during the process of creation (mind and soul
included) the body has been certainly neglected and deprecated. It is written in
the Holy Bible: And the Word became flesh… but meanwhile, it seems that the
body lost much of its sacred dimension once obtained in the crucial moment of
becoming a sinful human. We have lost what we painfully obtained. Therefore,
would we become profanus once calling the body the temple of the self?
… Vicente – Leon
Again, never leaving things black and white, knowing that a human being is
a riddle and that myths are never told only once, I want to recall the idea of the
eternal return in Eliade. His concept, based on the cyclic coming back to mythical
time(s), allows one – each and everyone, all of us spectators of our bodies – to
continuously become the contemporary and actual VICENTE, each time with (at
least) one more layer enriching the myth’s cultural strata.
“Leon” in Lisbon. Once again, the universal myth layer is improvised by a
performer whose aims are to combine contrasts and to put questions about the
borders between – again a dichotomy – humanity and animalism, through what
the performer calls his transgenic and transsexual approach of art. “Leon’s”
incredibly rich and diverse corpus of inspirational images have for some time
led me to fragmentary thoughts about the relations between body, religion and
theatre. Here they are. En route.
… body – religion
We didn’t lay the body bare: we invented the body, and nudity is what it is;
there isn’t anything else, and what it is is something stranger then Any «strange»
foreign body.1
Jean-Luc Nancy
The Body is one of the symbols of Christianity – it refers to the sacred body of
Jesus, who by sacrificing himself for humanity, offered his corpus Christi as the
way to salvation. Corpus appears already in the beginning of the Holy Bible when
we read about human’s creation and what’s important there: that God created
man in His own image. Such is a quite thought-provoking matter due to the
1
Jean-Luc Nancy, Corpus, trans. Richard A. Rand, Fordham University Press, New York, 2008,
p.9
ambivalent relation of the Church towards the body, in particular the naked one.
Christianity calls the Human the biggest creation of God, powered by spirit and
free will. In practice though, the Church – let’s say for the most – neglects nudity
and of course many of its images, treating it as an inappropriate vision. A sin.
Krzysztof “Leon” Dziemaszkiewicz wants his art to be free and to happen
everywhere. A stage animal, taking over the cobblestones from the top of his high
Kreuzberg heels. His inflexibility toward mainstream social expectations creates the
unique language of an artistic statement touching instincts and emotions. In person.
“Leon” understands Sincerity as the key for his art, something which often
leads to nudity as a manifest of spontaneity and pure joy. “Leon” is someone who
lives his art through his body every day and continuously (re)creates himself in
a way he believes to be in the name of human freedom. He might be following
the ancient Greek ideal of ethics and aesthetics καλός καί αγαθός – meaning the
perfect combination of good and beauty. Or not. Nudity – including its masks – is
48
anyway the core of a paradigmatic conceptualization, blending clarity of mind
(the luminous aspect of Greek religious experience) with the athletic vision of the
human being as a life path aspiring to glory and Victory.
… nudity – pornography
In the artistic forms of expression including nudity you
can easily see a relation to sacrum and the very complex
border line separating it from profanum. Such observation
is described by Georges Bataille, who in Death and
Sensuality reminds us about how close in the ancient times
the sexual act could be compared to the religious sacrifice.
While describing felix culpa , Bataille tells us about how
profoundly ambivalent are the relations between soul-mind
and faith-social body.
The taboos against human sexuality really have
specialized forms; for example they affect incest or
menstruation, but they can also be thought of in a general
way, as for example a way which certainly did not exist in
the earliest times (…), a way even now called into questionnakedness. In fact the taboo on nakedness is today
simultaneously very strong and in question. Everybody
realizes the absurd relativity, the gratuitousness of the
taboo on nakedness, the fact that it has been conditioned
by historical events; everybody realizes also that the taboo
on nakedness and the transgression of that taboo make
up the general stuff of eroticism, I mean sexuality turned
into eroticism (…). With so-called neurotic complications
and with vice of one sort or another, this notion is always
significant. Vice can be thought of as the art of giving
oneself the feeling of transgression in a more or less maniac
way.2
The body then itself doesn’t seem to have any negative or
dissolute elements – only the transgression of the maniac
go to the church or the theatre to celebrate their own belief,
achieve inner peace and suffer a passion.
It is expected the public to believe in what’s happening
on stage as well as on the altar – experience the changes
of meanings and of people into symbolic bodies. Today,
in contemporary performance, there is a wide space for
exploring sacrum with the tool of nudity. Like Leon does, now
also using the images of Vicente’s multilayered layered lives.
… theatre – flanêrie
The movement is the affirmation of life. I treat it as life,
so it’s also my life’s reflection. It broadens my existence,
generalizes it, spreads and simultaneously adds up. Hence
I pay so much attention to the movement and therefore I
want to build my theatre throughout the movement.4
Henryk Tomaszewski
In the search of Vicente’s mythical time, Leon, a
cosmopolitan agent provocateur with the ecstatic rhythms
of Berlin in his heart, goes on a journey, coming from the
east borders of Europe in order to reach Lisbon, where the
old continent ended few centuries ago. The duration of the
physical travel stands for a deep dive into the soul. As some
sort of after-modernist flâneur, the performer becomes one
more Vicente, a foreigner, who comes to discover the city of
Lisbon with curiosity, touch the ageless cobbles, smell the
multicultural air and encounter passers-by, moreover the
classic, contemplating, Portuguese Vicente on his way!
“Leon’s” artistic expression visible on the stage of
borders, the transgression beyond the clear mind leads to
a change of the body’s value. That is similar to the thin line
dividing a nude and a porn picture. Nudity can be used
for many different objectives: neutrality, loftiness, as well
Lisbon streets seem to be a voyeur experience for the
random public. He brings polish individuality, spirituality
and subjective interpretation of this myth inspired by the
precious differences in culture, history, life’s values. His
as perversion; it can also become a costume or a veil, or
a symbol of innocence. Or of truth.
In Nietzsche’s Eros and Dionysus theory, eroticism
cannot be excluded from the stage – this would only lead to
propaganda. Eros was the god symbolizing the pre-mature
interest in transgression and discussing the body as the
natural temple introduces us to other fascinating stories,
level encounter, unspoilt and fresh – just in the moment
before a human experienced the hedonistic dimension of it.3
carry out a labor that constantly transforms places into
spaces or spaces into places.5
possibly provoking us to rethink our doubts and believes.
With his performance he adds another personal layer to the
space of Lisbon. As Michel de Certeau writes: Stories thus
… religion – theatre
Theatre was born and always evolved close to religious
practice. Including similar structures and objectives, both
of these spheres of life aim to quell people’s sorrows,
everyday’s difficulties and the pain of existence. In a state of
spiritual rapture, one can shed a tear of happiness as well
as one of sadness, and such lived emotions certainly have
a therapeutic character. Both the theatrical and the religious
share links with the ancient experience of katharsis. People
2
George Battaile, Death and Sensuality, Walker and Company,
New York, 1962, p.256-257.
4
Janina Hera, Henryk Tomaszewski i jego teatr, Państwowy Instytut
Wydawniczy, Warszawa 1983, p.63.
3
Włodzimierz Staniewski, Hidden territories: The Theatre of
Gardzienice, Routledge, New York-London, 2003. p.80.
5
Michel de Certeau, Practice of Everyday Life, University of California
Press, Berkeley – Los Angeles – London, 1984 , p.118
49
Vicente, 2014 (14,5%)
Uma Light-Fiction de
Nelson Guerreiro
0. Aperitivo explicativo, qual marcador degustativo (de uma página de vida –
podendo ser muitas consoante os copos tomados, tanto as páginas como as vidas).
Depois desta composição titular, acredito que aclarei sem possibilitar efeitos colaterais hermenêuticos erráticos à expressão iniciática – a palavra derradeira será
assaz fundamental neste texto. Prossiga à sua vontade. Um conselho inevitável: se
bebeu leia.
Iniciando a narrativa de acordo com os compromissos autorais por mim
proferidos outrora (que é como quem diz há um ano atrás – em texto lavrado
em cadernos de notas abundantes como modos de vida ou – recitando essa
obra máxima de Georges Perec: “ A vida: Modo de Usar”- como apontamentos
questionantes do sentido do hoje que é igualmente feito com acumulações do
passado e com a vertigem do vácuo numa contínua simultaneidade de ironia
e angústia, sonorizadas a rigor pelos Chromatics e pelos Glass Candy e há uns
anos atrás pelos Portishead e pelos Tindersticks e há uns anos atrás pelos Cure
e pelos Smiths e há uns anos atrás por Lee Hazelwood e mesmo que o passado
esteja sempre no nosso caminho delimito porque há limites para tudo, teclado em
computador para que se afixe a partilha e a inteligibilidade do texto, impresso em
papel para que se celebre o gosto pela leitura material e tipográfica através do livro
(esse amante nunca atrasado depois de possuído – mesmo que seja por interposta
pessoa, doado ou emprestado – e se acometa nesse gesto humanitário – sem se
ser falsa e karmicamente altruísta – a passagem do tempo à sua voracidade tão
necessitada de resistências hirtas – e /ou se a ponha no seu lugar essa mesma
passividade existencial nas dimensões espaciais e temporais – e (re(e)-dito
a passear) já que o texto foi deixado em 2013 com uma promessa reiterada:
a retoma (palavra nada influenciada pelo zeitgeit) de um final deixado aberto para
o terminar no início do novo texto a ser partilhado em 2014.
1. Aqui e agora, de trás para a frente
Lá chegado e aqui teletransportado para esse futuro seguinte já vivido enquanto
personagem, mas não reconhecido enquanto acção e matéria lectural – caríssimos
leitores -, importa recapitular que Vicente – homem à sua procura em busca
de si – se viu perante um caleidoscópio produzido por vários rolos de papel
higiénico encontrados numa casa de banho de um clube nocturno – naturalmente
reconhecível para quem é de Lisboa. Nessa pré-e-simultaneamente-pós-visualização múltipla e fascinante, Vicente deteve-se a contemplá-los que é
como quem diz e fez a desenrolá-los. Nesse compasso incompatível com o tempo
médio de uso de casas de banho em clubes nocturnos ditados para não haver
abusos nos usos de gestos abstrusos e ao seu olhar obtusos – certificados por
entidades reguladoras em regime diurno como agentes de segurança máxima
– e tardando mais do que fisiologicamente seja esperado
em quaisquer figurações humanas e mesmo pós-humanas,
alguém bate à porta. Não respondendo à primeira e depois
indução de sentimentos, pesares, mentalidades e energias
quotidianas e diárias radioactivas.
Volvidos trezentos e sessenta e cinco dias, cinco horas
de alguma insistência, Vicente apercebe-se que as batidas
fortes das palmas das mãos aflitas e que as palavras hostis
de alguém com uma voz rude por detrás da porta –
seguramente vestido de negro – são dirigidas a si. Abriu
a porta e trouxe consigo cerca de trinta metros de rolo
de papel higiénico às cores. Lembrando-se que era uma
e quarenta e oito minutos e quarenta e oito segundos
aproximadamente – como eu, autor que por vezes aparece
sem dizer ai, nem ui gosto de ouvir tudo isto findando com
a palavra aproximadamente – Vicente irrompe pela pista e
espanta-se com a quantidade de pessoas que lhe oferecem
o rabo para que ele o limpe em modo “United Colours
noite especial renovada cromaticamente nas texturas que
permitiriam novas sensações – bastante absorventes – da
libertação escatológica dos utilizadores das casas de banho,
Vicente saiu com altivez e não permitiu reacções, pois não
reconhecia a urgência das invasões bárbaras dos sanitários.
of Benetton”, que é como o faz aquecendo os motores
para começar a espetar vassouras nos rabos das pessoas
à espera que isso resulte numa fotografia espampanante;
espalhafatosa, espaventosa e claro muito vistosa – deva-se
assumir aqui a apropriação totalista dos significados da
Cagou de alto sem querer para quem queria realmente
cagar e lavou dali as suas mãos, dando de frosques (mal
sabe ele que o autor é desviante no modo como encara
o respeito imaculado de certos escritores pela manutenção
de uma certa coerência estilística como trata as suas
palavra espampanante no dicionário mais consultado via
dedos na internet.
personagens!). Adiante. Retome-se a narrativa do ano
passado: “A estupefacção dá lugar ao silêncio e permite-lhe
chegar à pista já se auto-conhecendo um pouco melhor.
seu rosto, pois queria assegurar-se da conquista de espaço
que vislumbrava enquanto rememorava por instantes a sua
regurgitação sobre a sanita impiedosamente. Eclipse. Na
Verdadeiramente feliz, Vicente diz: Viva a alegria! O resto da
história é segredo, mas será desvelada para o ano!”
pista e desembrulhando-se a pouco e pouco, olha em redor.
O que vê? A resposta a esta pergunta será dada como se
“Vicente, estupefacto, sem saber para onde se virar, sorri
e envolve-se no papel. Enrola-se sobretudo ao nível do
estivesse a falar com o seu melhor amigo no dia seguinte.
Ponto de situação: assim acabava o texto do ano passado.
Vicente: Imagina um sítio onde confluem pessoas
2. Aqui e agora e daqui para a frente será sempre a virar
folhas de calendários mensais não apenas de marcas
de pneus expostos em barbearias suburbanas, como se
de vários estilos e ocupações: heróis de plasticina,
dançarinos maníacos, super-amantes místicos, culturistas
dóceis, traficantes extravagantes e cheios de classe
não houvesse ontem e como se o (nosso) tempo, mais
concretamente este mês de julho, este mês de agosto ou
mesmo este mês de setembro fosse um corpo aloirado com
casquinha-de-ovo, veteranos de guerra apaziguados com
o seu passado, mestres do hedonismo, vegans sexuais
(cujas cópulas passam pela utilização de cenouras,
umas mamas salientes pouco disfarçado por um fato de
banho de lycra vermelho Ferrari à espera de ser chamado
courgettes, pepinos e em casos extremos beringelas que
podem chegar a ser beterrabas, no caso de já não haver), 72
pela Goodyear para a próxima prova do Mundial de Fórmula
1 para abrir e fechar mini-chapéus de sol aos pilotos de
bólides supersónicos – de preferência no circuito do
Mónaco, onde a temperatura média é mais aprazível e onde
hours party-people, valentins de fim de semana, pessoas
pertencentes a famílias disfuncionais, modelos glamorosos
decadentes, ladrões de lojas bem sucedidos – inspirados na
lírica da canção “Shoplifters of the World Unite” dos The
existe a maior percentagem de velhos decrépitos solteiros
multi-milionários à espera que lhe lavem o rabo assim
vestidas recitando a revista “Playboy” ao vivo e a carnes
frias, já que todas as tentativas de superação da sua vontade
do impossível – a vertigem do prazer através do orgasmo
Smiths, punks budistas, campeões do chat facebookiano,
impulsionadores de negócios rentáveis, designers que
imprimem uma burocracia entre nós e os objectos, caçadores
de bacanais, jovens e promissores poetas, assassinos de
mosquitos, filósofos modernos folclóricos, antieuropeístas
– serão pneus acabados de esvaziar pela sua própria mão.
Cumprindo a menção anterior, e que parecerá muito lá atrás,
de não exclusividade relativo à imagética dos calendários,
importa acrescentar que também poderemos e deveremos
agenciar paisagens bucólicas e travessas de marisco bem
vestidos de Ermenegildo Zegna, artistas activistas fake,
pessoas solitárias que estão mesmo com elas. Por outras
palavras e para citar um título de uma canção pop bastante
a propósito: “Common People”.
arranjadas nessas representações gráficas de calendários
inúteis do tempo em lugares de gravoso silêncio sempre que
não há assunto motivado por alguém leitor do “Correio da
Manhã” e, observada a sua co-presença incontrolada, de
escorreita, estridente, vocifera e histriónica decantação da
Vicente, depois de se ter tornado personagem-homem-pessoa deixando de ser santo, viu-se sujeito às acrisias da
condição humana. Tinha-se dito que se retiraria do mundo
quando sentisse o seu corpo fora de si. Nessa reencarnação,
Vicente estava obstinado por sentir o seu corpo dentro
actualidade por via desses anais do sensacionalismo e da
de si, mesmo que estimulado por algo, fosse corpo, fosse
51
música, fosse drogas, fosse álcool, fosse uma imagem, fosse
uma palavra. O seu corpo desobedeceu naturalmente a esse
desígnio, como se por dentro, e no fundo do seu espírito
Vicente cambaleando, suprime-se a um canto onde
escrevinha impressões. Vicente é agora um interstício de
figuração. É uma figura desfigurada. Esta frase foi escrita
algo lhe dissesse que lhe ia acontecer um tal cruzamento
com alguém, em que as suas forças energéticas produzirão
uma dinâmica centrífuga. Nada mais teria a declarar por
agora. Adiante.
para o autor. Passe à frente caro/a leitor/a.
Redescoberto na sua introspecção, Vicente é
encaminhado pela bacante para a rua. A bacante de seu
nome Simone propõe-lhe que se recolham para um quarto
de hotel com mais uma mulher desejante de ardores
vaginais. Vicente regozijado acede a essa manifestação do
A imprecisão dos seus desejos embarcaram-no para um
52
lugar onde se celebra a euforia num ambiente obscuro,
qual alegoria decadente e pós-moderna da caverna. Nesse
lugar efémero, os corpos estão entregues à luxúria das
suas sensações. Vicente pagaria o que fosse preciso para
nele entrar. Não foi preciso. A porteira simpatizou com
desejo a que se seguiu uma paragem numa loja de vinhos
onde compraram mais uma garrafa de vinho branco, desta
vez um vinho com um aroma algo fechado e tímido, sendo
tido apresentado por alguém especializado como passível
de ser aproximado a tisana e a frutos secos, entre nozes
ele. Foi muito feliz. O tempo passou. A vida continuou.
O seu corpo foi embalado sem contra-gosto numa azáfama
sensacionista. Vicente abraçou muitas pessoas e sentiu que
essas pessoas eram feitas de proximidade. Nesse lugar onde
trocou olhares mudos que pareceram escutar e não observar,
e avelãs. Aberta a garrafa, Vicente sentiu que na sua boca
tudo surge, leve e elegantemente fumado, relembra-se
de regiões chamadas Douro e Alentejo. A sua pauta bocal
propulsionava uma excelente acidez. Vicente, numa retórica
transformadora, diz a si próprio que o néctar era complexo
Vicente sentiu essas co-presenças como despertadores da
sua sensibilidade e deixou-se coabitar nos seus espíritos.
Nesse sítio, avistou uma mulher olímpica que o fitou de
e indizível numa leveza e simplicidade incisiva com longo
e atraente final.
forma intensiva e com favos de mel a desbotar da sua boca.
Vicente sentiu uma vertigem fulgurante transmissora de um
Vicente era agora um homem aberto aos sabores da vida.
Vicente não mais se deixou estar fora de si. Insistiu, por fim,
arrepio entre a sua garganta e o seu pénis. É provável que
tenha sido esta a primeira vez que Vicente tenha sentido
o seu primeiro entesoamento. Palpitante, tamanho máximo,
nessa operação existencial que premiava que por dentro é
que deveria procurar os seus movimentos de sensibilidade.
Vicente é agora um corpo disponível. Aproxima-se da
mulher que o fitava. Esta ao se ver acossada diz: – Quem
és tu? Vicente não tem resposta e não tendo visto nem lido
Vicente sentia-se embriagado mas a clarividência das
suas derivas de pensamento faziam com que ele abraçasse
o seu estado ébrio com requintes de existencialismo. Queria
a peça “Frei Luís de Sousa” de Almeida Garrett que lhe
poderia inspirar a devolução adequada da pergunta, fica sem
palavras. Recuperando deste assombro fisiológico, Vicente,
ser uma pessoa da rua capaz de reproduzir a eloquência das
pessoas com quem se cruzou nos bairros mais castiços da
cidade. Vicente disse pela primeira vez: Foda-se! Caralho!
solicita dois copos de vinho branco, sentindo que a apetência
pelos vinhos brancos redobra na Primavera. Ela abrilhantou
o seu pedido com um olhar provocador. Disse-lhe antes de
brindar que era uma herdeira espiritual e vivencial de Baco.
Ele não se atemorizou. Aquele sítio que mais tarde,
veio a saber, se chamava: after, tinha-lhe possibilitado
a experimentação de sensações nunca por sim imaginadas.
Pelo corpo de Vicente, perpassavam estas palavras sob
um fundo sonoro electrónico: – Sucedem-se dentro
de mim duas realidades que atendo como sensações.
O meu pensamento segue para o corpo dela, para os seus
movimentos púbicos em forma de sussurros provocantes
e incitantes ao seu prazer e à sua inundação. Vicente
sentia a gravidade e a sua percepção estava imbuída dos
efeitos da frescura do vinho que lhe escorria pela garganta.
Pergunta-se: – Para onde irá o meu pensamento?
De copo em riste, Vicente invade a pista e o seu corpo
já só quer sentir a busca da sua excitação. Aquela mulher
bacante tinha induzido o seu ritual mediúnico de passagem.
Vicente sente-se a desmear uma frase produtora de novas
emoções: – Para onde irá o meu pensamento?
Escreve em desacordo ortográfico
Julho de 2014
Vicente, 2014 (14,5%)
A Light-Fiction by
Nelson Guerreiro
0. Explaining starter, what tasting marker (of a life’s page – it can be many
according to what was drunk, pages as much as lives). After this entitled
composition, I believe I clarified without making wrong collateral hermeneutic
effects possible to the initial expression – the ultimate word will be considerably
fundamental in this text. Go on as you wish. An inevitable advice: if you have
drunk please read.
Initiating the narrative according to the copyright compromises uttered by me
once (meaning a year ago – on cultivated text in generous note books as ways of
life or – reciting the Georges Perec maximal work: “Life: A User’s Manual” – as
questioning notes of today’s sense also made of accumulations of the past and
with vacuum vertigo on a continuous synchronism of irony and agony, rigorously
sound tracked by the Chromatics and by the Glass Candy and some years ago by
the Portishead and by the Tindersticks and some years ago by the Cure and by
the Smiths and some years ago by Lee Hazelwood and even if the past always is
on our delimit way because everything has limits, as a keyboard on a computer so
sharing and the text’s intelligibility is fasten, printed on paper so the material and
typographic reading taste is celebrated through the book (the lover never late after
being possessed – even if by an intermediary person, given or borrowed – caught
on that humanitarian gesture – without being false and karmic selfless – passage
of time to its so needed voracity that so much needs stiff resistances – and/or
can be placed in its place with the same existential inactivity in spatial and time
dimensions – and (re(e)-dited while strolling) as the text was left unfinished in
2013 with a repeated promise: retrieving (word not at all influenced by zeitgeit) a
final left opened to be ended on the beginning of a new text to be shared in 2014.
1. Here and now, back to forward
Arrived and teleported to that following future, already lived as a character,
but not recognized as action and copyright subject – dear readers -, it matters to
review that Vicente has seen himself before a kaleidoscope produced by several
toilet paper rolls found on a night club’s toilet. In that multiple and fascinating
visualization, Vicente withheld himself beholding them, which in this context
means he unrolled them. In that beat, incompatible with the medium usage time
of toilets at night clubs, and taking a much longer time than is physiologically
expected, somebody knocks on the door. Not answering at first and after some
insistence, Vicente realizes that the strong knocks of the agonized palms of the
hands and the hostile voices of somebody with such rude voice are addressed to
him. He opened the door and carried approximately thirty meters of coloured
toilet paper. Reactions were not allowed. Washed his hands and got the hell out
of there (he does not have a clue that the author is deviating in his way of facing
the immaculate respect of certain writers for the maintenance of a certain stylistic
coherence as he treats his characters!). That said. Let’s go back to last year’s
narrative: “Stupefaction gives place to silence and allows him to arrive at the dance
floor already knowing himself a little better. Truly happy Vicente says: Sheer
happiness! The rest of the story is a secret, but it will be revealed next year!”.
Status: that’s how last year’s text ended.
2. Here and now and in the future it will be continuously turning monthly
calendar layers not only of tire brands exhibited in suburban barbers’ shops, as
if yesterday didn’t exist and as if (our) time, concretely this July month, august or
even September was a “blonded” body with some outstanding boobs not so well
hidden by a Ferrari red lycra swimming suit waiting to be called by Goodyear to
the next Formula 1 world championship to open and close mini-sunshades to
54
supersonic bolid pilots – preferentially on Monaco’s circuit, where the medium
temperature is more pleasant and where it can be found a considerable amount
of old decrepit and single multi-millionaires waiting for their ass to be washed
by them dressed that way reciting “Playboy” magazine live and the cold fleshes,
as every other attempt to overcome their will for the impossible – pleasures’
vertigo through orgasm – will become emptied tires by their own hands.
Accomplishing my former intention, that now can seem to be really back there,
of non exclusivity related to the calendar imagery, it matters to add that we could
and should promote bucolic landscapes and trays of seafood well set on those
useless graphic representations of time in places of deep silence every time that
no subject is motivated by some reader of “Correio da Manhã”1 and, observed is
his uncontrolled, non error, harsh, shouting and melodramatic decant of actuality
by those annals’ sensationalisms and feeling’s induction, sorrows, mentalities and
daily radioactive and quotidian energies.
Three hundred and sixty five days passed, five hours and forty eight minutes
and forty eight seconds approximately – oooh the joy of hearing all this ending
with the word approximately – Vicente hits the dance floor and gets amazed by all
the people offering their buts for him to clean in a “United Colours of Benetton”
style. Vicente, astonished, without knowing even where to turn to, smiles and
involves himself with the paper. He wraps himself with it to his face level, as he
wanted to make sure of conquering the space that he gazed at while he debited
with no mercy over the toilet.
On the dance floor and unwrapping himself slowly, he looks around. What does
he see? The answer to this question will be given as if he was talking to his best
friend the following day.
Vicente: Imagine a place where people with various styles and occupations
converge: plasticine heroes, maniac dancers, mystical super lovers, sweet body
builders, extravagant and all mighty classy dealers “casquinha-de-ovo”2, war
veterans in peace with their past, hedonism masters, sexual vegans (whose copulas
are performed with the usage of courgettes, carrots, cucumbers and in extreme
cases aubergines that can be substituted by beetroots in case of lack of stock), 72
hours party people, weekend valentines, dysfunctional family members, decadent
glorious models, successful shoplifters – inspired by the lyrics of The Smiths song
“Shoplifters of the World Unite”, Buddhist punks, champions on “facebookian”
1Portuguese newspaper.
2Portuguese expression meaning fragile.
chat, profitable businesses’ entrepreneurs, designers
printing a bureaucracy between us and objects, gangbang
hunters, young and promising poets, mosquito assassins,
modern folkloric philosophers, anti-Europeanist, dressed
as Ermenegildo Zegna, fake activist artists, lonely people
that really are alone with themselves. On other words and
quoting a name of a pop song on purpose to this matter:
“Common People” and so on.
gravity and his perception was imbued by the effects of the
wine that was passing through his throat. He asks himself: –
Where is my thought going?
With the glass raised, Vicente invades the dance floor
and his body only wants to feel the search for its excitement.
Vicente feels himself producing a producer of new emotions
sentence: – Where is my thought going?
Vicente walking unsteadily, holds to a corner where
Vicente, after having become character-man-person
not being a saint anymore, was submitted to the acrisia
of human condition. It had been said that he would retire
from the world when he felt his body out of himself. In
that reincarnation, Vicente was decided to feel his body
he scribbles impressions. Vicente is now an interstice of
figuration. Is a disfigured figure. This sentence was written to
the author. Go ahead and proceed dear reader.
in himself, even if stimulated by something, that could be
a body, music, drugs, alcohol, an image, a word. His body
disobeyed naturally to that design, as if inside, and at the
bottom of his spirit something was telling him what would
happen in such intersection with somebody, in which his
by the bacchante. The bacchante, named Simone, suggests
they check in a hotel room. Vicente, delighted, accepts this
desire manifestation followed by a stop in a wine store where
they bought another white wine bottle, this time a wine with
a shy and closed aroma, dry barley, dry fruit, in the mouth
energetic strengths will produce a dynamic centrifuge.
Nothing else to declare now.
everything emerges, light and smoky elegant, excellent
acidity, complex and unspeakable on a sharp lightness and
simplicity with long and attractive ending.
The inaccuracy of his wishes took him to a place where
dark euphoria is celebrated in an atmosphere similar to the
Rediscovered in his introspection, Vicente is lead outside
Vicente was now a man opened to the flavours of life.
allegory of the cave. In that ephemeral place, the bodies
are given to the luxury of their sensations. Vicente would
pay whatever necessary to get in there. He didn’t need to.
Vicente has never more stopped being outside himself, it was
in the inside his search for his sensibility movements.
The door maid sympathized with him. He was very happy.
Time flied. Life continued. His body was packed with no
contradiction on a sensational bustle. Vicente hugged a lot of
Vicente felt drunk but the clairvoyance of his thoughts’
drifts made him embrace his drunkard state with
existentialism refinements. He wanted to be a person of the
people and felt that they were made of proximity itself. In that
place where he exchanged deaf looks that seemed to ear and
not observe, Vicente has felt those co-presences as alarms of
street able of reproduce the eloquence of the people with
whom he engaged on the most authentic neighbourhoods of
the city. Vicente said for the first time: Foda-se! Caralho!3
his sensibility and left himself co-inhabit in their own spirits.
In that place, he has seen an Olympic woman that starred at
July 2014
him intensely. Vicente has felt a flashing vertigo transmitting
the creeps between his throat and his penis. It is possible
indeed that this was the first time Vicente has felt how it was
to be aroused. Thrilling , Vicente is now an available body. He
approaches the starring woman. Realizing she is being beset
she says: – who are you? Vicente has no answer as he has
not seen neither read Almeida Garrett’s play “Frei Luís de
Sousa” that could inspire him to give return to the question
in a proper manner. Speechless Vicente, begs for two glasses
of white wine, feeling that the preference for white wines
grows stronger in spring. She embellished his request with
a provocative look. She said to him before toasting that she
was a spiritual and living heir of Bacchus. He didn’t get
frightened. That place that later, he was told, was called:
after, has allowed him to experiment sensations he has never
imagined. Through Vicente’s body, this words lightly passed
under an electronic sound background: – Two realities that
I attend to as sensations live inside me. My thought proceeds
to her body, to her pubic movements shaped as provocative
and inciting to its pleasure and flood. Vicente was feeling the
3Portuguese typical swear words. Literally: Fuck! Cock!
55
APROXIMAÇÕES AO IMAGINÁRIO
SOTERIOLÓGICO HISPÂNICO
Manuel J. Gandra
Proémio
Plataforma giratória de escatologias tão arcaicas quanto as remontando
ao Paleolítico, a Península Ibérica foi palco do afrontamento de três religiões
proféticas durante mais de um milénio.
Seria, porém, no seio do cristianismo que as disputas teológicas mais haviam
de suscitar sequelas, mormente entre trinitários e monofisitas1, culminando na
suposta supremacia daqueles, em consequência da apostasia de Recaredo, no
concílio de Toledo de 5892.
Doravante, a crescente instabilidade política, os constantes conflitos fratricidas
e as insanáveis cisões e excomunhões, resultantes de divergências doutrinais,
haviam de minar o outrora vigoroso ecumenismo, ora periclitante, e gerar as
condições propícias para a intervenção muçulmana, de resto, solicitada por
algumas comunidades ameaçadas e negociada, consoante tem sido asseverado,
pelo conde Julião e pelo bispo Hopas.
*
Em 711, a vanguarda muçulmana, comandada por Tarik ben Siad,
desembarcada na Hispânia e constituída por berberes de duvidosa ortodoxia,
não terá forçado, nem sequer exigido, a conversão ao Islamismo das distintas
comunidades que encontrou. Os naturais terão podido escolher livremente,
consoante as suas próprias natureza e inclinações, entre adoptar o islamismo ou
conservar a sua religião, fosse esta pagã, cristã, ou mosaica.
Sem embargo, eram bastante tentadoras as vantagens concedidas àqueles que
abjurassem do seu credo, uma vez que os conversos estavam isentos de qualquer
tributação especial, circunstância susceptível de explicar as numerosas conversões
que ocorreram de imediato. Para um servo, ou escravo, abraçar a nova fé
representava uma significativa melhoria de estatuto, muitas vezes garantindo-lhes
a liberdade.
Estes hispanos islamizados foram denominados de dois distintos modos, a saber:
Musalima (convertido, novo muçulmano) e Muwalladun (renegado, qualificativo
aplicado apenas aos descendentes dos novos muçulmanos). Nos primeiros tempos
da presença muçulmana o seu estatuto foi idêntico ao dos autênticos muçulmanos
(Mu’minín = crentes). Todavia, progressivamente, acabariam por ser segregados
para o grupo distinto dos Muladis (correspondente ao baixo-latim, Maulidines,
Muzlitas, Mulados, etc.), i. e., dos convertidos ao Islão.
1
Negavam a divindade substancial de Cristo.
2
Tal supremacia foi apenas aparente, porquanto não significou a conversão em massa dos Suevos ao cristianismo latino.
Aqueles que conservaram as suas crenças, gozando da
proteção da administração islâmica, mediante o pagamento
de um tributo, eram chamados Ahl ad-Dimma. A tais
E mais adiante, relata um acontecimento que terá
deixado verdadeiramente espantados os chefes cruzados: os
mouros, ao defenderem os seus haveres contra a cobiça dos
tributários, independentemente do respectivo credo, foi
também aplicado o nome colectivo de ‘Ayam (alguém que fala
mal o árabe, estrangeiro, estranho, não muçulmano). Já os
cristãos eram conhecidos por Nasara, Mu’ahid (confederado),
‘Ily (cristão e renegado), Mami (estrangeiro), etc.
Quanto à designação de moçárabe, quase universalmente
salteadores, que iam a caminho da Terra Santa, morriam
beijando cruzes e clamando “Maria bona! Maria bona!”5.
aceite e geradora de inúmeras e (convenientemente
arregimentadas) manipulações, não constava da nomenclatura
adoptada, não passando, por conseguinte, de um termo de
pura conveniência, sem qualquer aplicação histórica ou
filológica, não obstante as opiniões em contrário3.
Na verdade, moçárabe e moçarabismo são termos
equívocos e pejorativos destinados a intencional
e expressamente, depreciar o cristianismo monofisita,
predominante na Hispânia durante séculos, mercê do
relacionamento privilegiado desta com Cartago (em desfavor
de Roma).
Tal relacionamento, muito anterior ao advento do
cristianismo, favoreceu o trânsito até à Península Ibérica
da Boa Nova, ainda apenas grega, bem assim como de
escatologias de cariz gnóstico oriundas da Síria e do Egipto,
de onde lhe chegou também o monaquismo.
A reconquista dita cristã não passou, portanto de uma
guerra santa fratricida entre os dois credos, trinitário
e unitarista, este acantonado sob a protecção do Islão.
A vantagem militar ditou a repressão e, finalmente,
o progressivo aniquilamento de todas as formas de
cristianismo heterodoxo, i. e., distintas da ortodoxia romana.
As duas fontes de que me socorro, em abono do afirmado,
são incontroversas:
– Osberno, cruzado inglês, que integrou a força militar
que pôs cerco a Lisboa e a expugnou para Dom Afonso
Henriques, ao descrever, minuciosamente, as acções bélicas
empreendidas, no seu De expugnatione Olisiponis4, afirma
que, antes de se iniciarem as hostilidades, e com o finalidade
de evitar o derramamento de sangue, os chefes cruzados
– Na Chronica de D. Afonso Henriques, composta
cerca de três centúrias após a morte do sobredito rei,
Duarte Galvão, baseando-se em documentos coevos que,
conforme declara, considera autênticos e dignos de crédito,
refere que assistindo o rei, em companhia de Dom Teotónio,
prior de Santa Cruz, à entrada, em Coimbra, de um
significativo contingente de prisioneiros capturados durante
uma batalha (que Galvão supõe ser a de Ourique), e notando
o Dom Prior que eles eram tratados desumanamente,
increpou severamente o rei, entendendo não ser justo tratar
assim aqueles homens que, no fim de contas, eram tão
cristãos quanto o monarca e ele próprio!
*
Os Ahl ad-Dimma hispânicos, cristãos e judeus, revelaram
ser as minorias étnico-religiosas melhor organizadas do
mundo muçulmano, excepção feita aos Qibt egípcios.
A gente do Livro (ahl al-Kitab) disfrutava de absoluta
liberdade religiosa, em consonância com os preceitos
jurídico-religiosos do Islão6.
A antiga estrutura eclesiástica monofisita manteve-se
incólume, os seus mosteiros e santuários foram preservados,
sem embargo da interdição de toda e qualquer manifestação
exterior de culto7.
Seja como for, numerosos lugares de devoção cristãos
mantiveram-se activos. Persistiram também importantes
peregrinações, tendo-se tornado algumas delas, destino de
inúmeras comunidades trans-supra-regionais.
De todas tais peregrinações, as mais proeminentes foram,
indubitavelmente, as concorrentes a Ossonoba (Faro) e ao
cabo de S. Vicente.
decidiram enviar parlamentários propondo a rendição
à cidade sitiada. O arcebispo de Braga e o bispo do Porto,
presentes no exército do monarca fundador, foram os
escolhidos, tendo ambos os prelados subido a encosta do
castelo, para se avistarem com o alcaide e o bispo da cidade
e outros notáveis dela.
O mesmo Osberno, revoltado contra os excessos
cometidos pelos cruzados flamengos e alemães, durante
o saque que se seguiu à capitulação, acusa-os de terem
assassinado o bispo, um ancião respeitável, quando este se
5
O inaudito episódio atesta que as vítimas da pilhagem dos cruzados
eram cristãos monofisitas, acusados pelo clero latino, ou rumi, de
inimigos da cruz, por não a terem nos seus templos, nem a consideraram emblema do cristianismo, bem assim como de desrespeito
pela Virgem, por não a venerarem enquanto mãe de Deus.
6
Tal tolerância institucional datando do ano 713, consubstanciava o pacto firmado entre Teodomiro, primeiro godo independente
de Múrcia e ‘Abd al-Aziz, filho de Musa, chefe da primeira vaga de
muçulmanos a desembarcar na Península. Aliás, não interessava ao
Islão a ocorrência de conversões maciças, porquanto isso significaria
a redução da cobrança do tributo denominado Chizya.
7
A única grande diferença consistiu na circunstância de Toledo se ter
convertido no grande centro cristão da península, todavia, perdendo
para Córdova a autoridade eclesiástica.
opunha a que roubassem as alfaias do culto.
3
Segundo alguns dos proponentes, moçárabe derivaria de Musta’rib.
4
Transcrito por Alexandre Herculano nos Portugaliae Monumenta
Historica.
57
As opiniões sempre divergiram quanto à origem do carácter sacral, do Dayr
ou Kanisat al-Gurab8, subsistindo na actualidade o impasse relativamente à mais
remota natureza desta finisterra do mundo, a qual poderá, eventualmente, recuar
à Atlântida, como, de resto, pretendeu Frei Bernardo de Brito, o qual chegou
mesmo a admitir que Noé e Tubal jaziam sepultados no Promontório Sacro:
“E tal foi o amor que lhe tiveram, que nunca se perdeu a memória da sua
sepultura, antes a visitavam e veneravam como coisa santa; e introduzindo-se
depois a idolatria e superstição gentílicas [...] ficou ainda uma lembrança nos
moradores da terra, e sem atinarem a causa, pelo tempo a ter sepultado, tinham
tanta veneração àquela parte da terra [...]”9.
As únicas informações consensualmente consideradas fidedignas de que se
58
dispõe acerca do local durante a antiguidade, veiculadas por Estrabão, foram por
ele bebidas em Artemiodoro que terá visitado o local no século I a. C. Asseverou
o alexandrino, abonando-se no viajante helénico, que
“[…] não se vê lá nenhum santuário de Héracles como Ephoro inexactamente
dissera, nem altar dele ou de algum outro deus, mas em muitos sítios há grupos de
três e quatro pedras que são pelos visitantes voltadas, em virtude de um costume
tradicional, e deslocadas, depois deles fazerem libações […]”,
acrescentando ainda que
“[…] não é permitido sacrificar, nem ir de noite àquele lugar, porque se assevera
que os deuses lá estão; mas que os que vêm para os ver pernoitam em uma aldeia
vizinha, e entram nele depois, durante o dia, levando consigo água, por causa da
falta dela”.
Apesar de tudo, admite-se hoje que possa ter existido, de facto, um templo
pré-romano no Promontório Sacro, porventura dedicado a Melqart (correspondente
ao Kronos-Saturno greco-latino), e que o culto betílico de cunho fenício ou,
quando muito, púnico, característico desse tipo de santuários, direccionado para
pedras meteóricas (caídas do céu) às quais era creditado um poder hierofânico,
possa ter constituído, a partir dos séculos V e IV a. C., o sucedâneo de uma devoção
megalítica e astral, evidenciada pela mega concentração de menires, cromeleques e
alinhamentos identificada nas proximidades dos cabos de Sagres e de São Vicente
(actual concelho de Vila do Bispo)10.
Outra devoção local está relacionada com uma circunferência radiada, medindo
43 m de diâmetro, composta por montículos e alinhamentos (com dimensões
desiguais) de pedras toscas que partem de um centro comum, remanescente mais
que provável de uma roda medicinal – calculador astronómico, eventualmente
remontando ao Neolítico ou, quando muito, à Idade do Ferro11.
8
O local era frequentado concomitantemente por peregrinos cristãos e por crentes do Alcorão.
Em Sagres chegou a existir uma mesquita.
9
Cf. Monarquia Lusitana, liv. I, cap. 3.
10
Até ao presente foram identificadas algumas centenas de menires, alguns integrados em recintos ou em pequenos alinhamentos, nas imediações de ambos os promontórios, como,
a título meramente exemplificativo: Adreneira (3), Alto das Barradas (1), Amantes I (17),
Amantes II (10), Aspradantas (3), Bem Parece (1), Budens (1), Carriços (5), Casa do Francês (6),
Cerro do Camacho (5), Figueira (8), Guadalupe (1), Gasga (6), Ladeiras (2), Marmeleiros (3),
Marreiros I (3), Marreiros II (4), Milrei (21), Morgados (1), Padrão (15), Pedra Escorregadia (3),
Santo António (2), Santo António de Cima (1), Serra da Borges (4), Vale do Gato de Cima (3),
Vale de Oiro (2).
11
Tem-se querido ver nesse conjunto, reconhecido em 1928, e desenhada no solo, entre o alinhamento das casas e a muralha, uma enorme Rosa dos Ventos, contemporânea do Infante
Dom Henrique. Porém, a sua quase meia centena de raios, constituiria um número excessivo
de rumos, para mais não equidistantes, se efectivamente se tratasse de uma Rosa-dos-Ventos.
Os autóctones do aro de Sagres e de São Vicente persistem em chamar a essas
pedras moledros ou moledro, quando reunidas em montículos, mesclando
o respeito por elas com crenças de carácter sebastianista12.
A propósito de tais montículos, informava Leite de Vasconcelos, em 1894, que:
1. Quando se retira deles uma pedra que, depois, se abandona, na manhã
seguinte já se não encontra no local, reaparecendo no moledro: é Dom Sebastião
quem de noite a devolve à sua proveniência.
2. Quando se retira do moledro uma pedra, sem ninguém saber, e se coloca
debaixo do travesseiro, aparece aí, no outro dia, um soldado de Dom Sebastião, o qual
logo desaparece para ir outra vez, já transformado em pedra, colocar-se no moledro.
*
A excepcional abrangência da entidade tutelar do Promontório Sacro supõe
um compromisso, decerto arcaico, entre povos mediterrânicos (indo-europeus,
semitas, etc.) e autóctones (neolíticos e célticos, entre outros), todos partilhando
idêntico sistema cosmogónico – heliolátrico, fundado no sacrifício ou agonia solar
diária, a poente13.
Com efeito, os ingredientes que compõem o psicodrama de Vicente, derradeiro
dos seus avatares, ocorrido quando das perseguições de Diocleciano (302 d. C.),
apontam-no como vera reencarnação (Vincens = o vitorioso) de uma entidade
solar, psicopompa e dispensadora de luz.
Ora, o “mártir”, que sucumbiu por não abjurar a fé, mesmo quando submetido
a brutais torturas, atraía multidões, justamente mercê da incorruptibilidade do seu
corpo e das respectivas virtudes luminotécnicas.
Acresce ainda que, enquanto dispensador de luz, S. Vicente se faz acompanhar
por corvos, aves de vocação apocalíptica com a capacidade de conceder ou retirar a
visão (provocar a cegueira).
Além disso, o chão do santuário que tutela não é habitado, estando interdita a
visita ou estadia nele durante a noite (justamente durante a ausência do astro alvo
da heliolatria).
12
No extremo do cabo, perto do farol e das ruínas do convento de São Vicente, observam-se ainda outros moledros, estes em tudo semelhantes aos pequenos montes de pedras lançadas sobre
os túmulos, noutras regiões designados por fiéis-de-Deus.
13
Na costa da Galiza ficam situadas as ilhas Sagres e, na Cantábria, a Peña Sagra, termo cuja
afinidade com as vozes bascas zarga, zarka e zakar, exprimindo o conceito de velhice, poderá
ser uma alusão ao local onde a humanidade primordial terá surgido (a palavra grega, sarka,
significa natureza humana).
Circunferência radiada do Promontório Sacro
59
60
Laje Erguida (Magoito, Sintra)
Monumento heliolátrico (destruído) em outra
finisterra ocidental
Finalmente, aquilo que, com efeito, tornava singular a romaria ao santuário
de São Vicente era a oferta aos romeiros de uma refeição ritual, ou adiafa,
consistindo na ingestão do corpo do próprio “santo”, transubstanciado num
peixe, sintomaticamente denominado corvina (feminino de corvo).
Creio por demais evidente, pelo que dispenso qualquer comentário
adicional, o sentido da resposta competitiva, quer do cristianismo romano,
mediante a criação ex nihilo (apenas durante o século IX) da peregrinação a
Santiago (de Compostela), quer de D. Afonso Henriques, quando fez trasladar
para Lisboa, em 1173, as relíquias do Santo.
*
No dealbar do século VIII a igreja suévica ainda não recuperara das grandes
polémicas causadas pelo arianismo e pelo priscilianismo, entre outras heresias.
A crise espiritual que perdurou durante as duas centúrias subsequentes teve
como causa remota o vazio dogmático provocado pela presença muçulmana,
potenciada pela chegada ao Al-Andalus, a partir de 740, de várias comunidades
cristãs sírias, as quais haviam de tornar-se o esteio de inúmeros sobressaltos
proféticos e milenaristas heterodoxos.
Por seu turno, a presença Almorávida e Almóada, ulteriormente, perturbou
inexoravelmente o sincretismo e coabitação das distintas confissões religiosas
vigente no Gharb, até então habituado ao seu literal paganismo, às suas romarias,
bem como às suas peculiares fórmulas escatológicas e apocalípticas, em mais de
uma ocasião conducentes a atitudes radicais e comportamentos caracterizados
pelo fanatismo.
Os escritos adopcionistas de Apríngio de Beja e do Beato de Liébana foram
dos que mais robusteceram a esperança soteriológica dos cristãos monofisitas
peninsulares.
Apesar de tudo, o episódio mais dramático, que culminou com o martírio de
Santo Eulógio e de vários dos seus discípulos, ocorreu quando estes, convictos
de que, por culpa dos seus pecados, já haviam chegado os últimos dias da 4.ª
besta apocalíptica, admitiram que blasfemar contra o Islão, enquanto religião do
Anticristo, constituía a única forma de lograr a salvação das suas almas…
O Pseudo-Metódio e o Imperador
dos Últimos Dias
A Revelatio S. Methodii De Temporibus Novissimus, também denominada
Apocalipse de Pseudo-Metódio, ou, simplesmente, Pseudo-Metódio,
é uma obra de indiscutível origem bizantina originalmente redigida em
siríaco, durante a segunda metade do século VII d. C. (644-691 d. C.), no
contexto da queda de Jerusalém em poder, primeiro, dos persas (614 d. C.) e,
imediatamente depois, dos muçulmanos (638 d. C.).
Dois momentos distintos a constituem: os capítulos 1-9, de índole histórica
(descrevendo a expulsão de Adão do Paraíso, etc.), teológica e lendária; e os
capítulos 10-14, eminentemente apocalípticos. Esta segunda parte espelha um
clima de medo e de terror face aos filhos de Ismael (Islão), considerados “cruéis
bárbaros que não são progénie do género humano senão da desolação”, os
quais “profanarão os lugares santos dos cristãos”, enfatizando a necessidade de
estes recuperarem Jerusalém.
Pseudo-Metódio atribui à história um âmbito de seis mil anos e poucos
séculos, dando grande destaque à sucessão dos quatro impérios: 1.º Babilónia,
2.º Média, 3.º Pérsia, 4.º Grego-romano-bizantino.
Alexandre Magno foi o fundador deste 4.º império, assumindo-se como
Primus Rex Gregorum.
O Pseudo-Metodio confia no próximo advento do último Imperador que
recuperará Jerusalém para a Cristandade, feito a que se seguirá o Anticristo e,
finalmente, a assunção do poder por parte de Deus, ele próprio, desde a sua
Cidade Santa.
O Rei dos gregos e dos romanos, ou Imperador dos Últimos Dias14, será
descendente de Alexandre e da Casa Real da Etiópia15, cuja superlativa importância
se deduz das duas citações do Salmo 67: 32: “A Etiópia se adiantará a estender as
suas mãos para Deus” (cap. 9 e 14).
O Pseudo-Metódio elenca uma sequência de oito acontecimentos, ou sinais
precursores do advento do Anticristo (cap. 10-13)16, a saber:
1) Apostasia, de que se ocupa Paulo em 2 Tessalonicenses [2: 3];
2) Levantamento dos filhos de Israel contra os romanos;
3) Conquista da terra da promissão pelos filhos de Ismael, em consequência dos
pecados de seus habitantes (principalmente a sodomia);
4) Diminuição do espírito dos santos e negação por muitos da verdadeira fé;
5) Irrupção desde o mar da Etiópia do rei dos gregos ou dos romanos que
logrará vencer os sarracenos blasfemos que pensavam os cristãos incapazes de
recuperar os territórios perdidos;
6) Indignação do rei dos romanos contra os que renegaram Cristo
[1 Tessalonicenses 5: 3];
7) Depois da paz, abrir-se-ão as portas do Aquilão e delas sairão as 23 raças
imundas, lideradas por Gog e Magog, ali encerradas por Alexandre, mas volvida
uma semana, o Senhor enviará um exército que as derrubará;
14
Em Daniel 7: 27, o quarto império é o Macedónio, tal qual como na tradição portuguesa, anterior a António Vieira.
15
Khuset, princesa etíope, mãe de Alexandre, após a morte deste casou com Byzas, fundador
lendário de Bizâncio. Desse casamento nasceu Bizântia que foi dada em casamento a Rómulo
(também denominado Armaleu pelo Pseudo-Metódio), rei de Roma. Ambos tiveram 3 filhos,
Armaleo que herdou Roma, Urbano que herdou Bizâncio e Cláudio que herdou Alexandria.
16
Colón assinalou com o desenho de uma mão apontando o texto dos oito preâmbulos e anotou
na margem esquerda do seu Libro de las Profecias, citando o Liber de Viris Illustribus: “Jerónimo diz que Metódio, o Mártir, escreve muitas coisas sobre o fim dos tempos”. Cf. Cristóbal
Colón, Livro das Profecias, apresentação e notas de Manuel J. Gandra, Mafra, 2013.
61
8) O rei dos romanos residirá durante uma semana e meia (isto é, dez anos) em
Jerusalém, finda a qual surgirá o filho da perdição.
Em suma: no 4.º Império (Daniel 7: 27), macedónios, gregos, romanos
e bizantinos achar-se-ão unidos sob a hegemonia do Império Bizantino, o qual
ligado ao reino cristão da Etiópia terá o Imperador dos Últimos Dias como único
rei. Entretanto, uma invasão dos filhos de Ismael provocará muitas desgraças
e destruição durante “dez semanas de anos”. Também os 23 povos imundos
(liderados por Gog e Magog), livres da reclusão a que Alexandre Magno os
confinara, causarão muita destruição. Para os deter, Deus enviará um comandante
do céu, “príncipe da milícia divina” (Jesus Cristo), que sem o auxílio do Imperador
os vencerá.
No momento em que os invasores disserem “os cristãos não têm salvador”
surgirá o rei que os aniquilará. O advento deste será súbito e inesperado, em
62
pleno caos e desespero, destruindo os muçulmanos e reinando sobre a terra17.
O Imperador residirá em Jerusalém durante 10 anos e meio até que seja revelado
o filho da perdição (Anticristo). Então o Imperador subirá ao Gólgota, colocará a
sua coroa sobre a cruz, erguerá as mãos aos céus e entregará o seu reino Cristão
a Deus, cumprindo assim a palavra de David18. Uma vez concretizada a profecia,
o espírito do Rei abandonará o seu corpo e este morrerá.
O Pseudo-Metódio, chegou à península Ibérica em finais do séc. VII, ainda na
sua versão siríaca ou grega, tendo sido traduzido para latim no início da centúria
seguinte. A sua presença aqui pressupõe contactos entre o Oriente e a Hispânia,
igualmente evidentes no comércio, nas artes e nas letras, desde períodos muito
anteriores à invasão muçulmana, e cujo fluxo não seria interrompido por ela19.
A influência que exerceu é patente em diversos escritos cristãos peninsulares,
designadamente na denominada Crónica Profética também consignada
no Códice de Roda e que aponta o fim do mundo para o dia de S. Martinho
do ano de 883 (170º aniversário da invasão muçulmana)20, alimentando a
polémica anti-maometana, cujo auge na Hispânia ocorreria durante o séc. IX,
simultaneamente com o crescimento exponencial da apostasia entre os cristãos21.
Transcrevo agora, para geral conhecimento, uma versão portuguesa do
Pseudo-Metódio (São Metódio em um seu livro, falando dos tempos futuros diz),
a partir de trecho consignado numa miscelânea sebástica da minha colecção22:
“E passadas as tribulações destes dias, que serão feitas pelos filhos de Ismael e
desolada por eles toda a terra, serão eles mui ricamente vestidos de ouro e de prata
e de púrpura, assim como as esposas, quando estão no tálamo, e dirão não cuidem
17
Colón advoga o “fim de Mafoma” e a vitória sobre o Anticristo na Carta ao Rei e à Rainha
(1501), in LP, transcrevendo com o mesmo propósito Daniel 2: 18 (LP: fl. 42v) e Isaías 2: 2,3
(LP: fl. 54v).
18 Salmo 68: 32: “Reinos da terra, cantai a Deus, cantai louvores ao Senhor”.
19
Ver a este propósito: Paul J. Alexander, Byzantium and the migration of Literary Works and
Motifs: the legend of the Last Roman Emperor, in Medievalia et Humanistica, nova série, n. 2
(1971), p. 47-82 e The Medieval Legend of the Last Roman Emperor and its Messianic Origin,
in Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, v. 41 (1978), p. 1-15; Andrew Palmer,
Sebastian Brock e Robert Hoyland, The Seventh Century in the West-Syrian Chronicles:
including two seventh-century Syriac apocalyptic texts, Liverpool, 1993. É indiscutível a
presença de sírios, conhecidos como transmarini negotiatores, na Hispânia, os quais traziam
consigo pessoas, ideias religiosas e científicas e bens, incluindo elementos irânianos pré-islâmicos que haviam de influir fortemente na vida religiosa (nestorianismo em Córdova, etc.),
literária e artística da Península Ibérica. Cf. Sefarad, n. 5 (1954), p. 83s.
20 Antes da Crónica Profética, já Álvaro e Eulógio haviam anunciado o fim do domínio muçulmano na Hispânia. José Eduardo Lopez, Ob. cit., p. 253-261.
21
M. C. Diaz y Diaz, Textos antimahometanos mas antigos en códices españoles, in Archives
d’Histoire Doctrinale et littéraire du Moyen Âge, v. 37 (1970), p. 163-164.
22
Fl. 264-265.
63
D. Sebastião, enquanto Imperador e Novo Artur, recebe menagem de Alexandre Magno, o qual lhe
transmite o testemunho do Quinto Império
(iluminura do Sucesso do Segundo Cerco de Diu de Jerónimo Corte-Real, 1574).
Figura D. Sebastião revestido da majestas imperial dos Romanos, em clara figuração
e prolongamento do tópico dos Antigos e da Antiguidade como único termo possível de
comparação para os portugueses e seus feitos. É plausível que a cena igualmente se destine
a representar o Desejado (rodeado por doze cavaleiros) como um Novo Artur, ideia que tem
antecedentes no Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567) de Jorge Ferreira de
Vasconcelos e adquire consistência canónica numa passagem da I Epístola de S. Pedro (I, 4-5):
“Para uma herança incorruptível, incontaminável, e que se não pode murchar, guardado no céu
para vós, que mediante a fé, estais guardados na virtude de Deus, para a salvação, já prestes para
se revelar no último tempo”. O velho andrajoso, em primeiro plano, é Alexandre Magno, o qual
passa o testemunho (do Quinto Império) a um dos 12 cavaleiros do Desejado. O soberano ostenta
coroa fechada ou imperial, adoptada uns quantos anos antes da partida para Alcácer (1578).
Diante de si, jazem por terra três figuras femininas, indicativas de outros tantos impérios caídos.
Na circunstância, seria recomendado a Jerónimo Corte-Real e a D. João de Mafra e outro fidalgo
não identificado que concebessem o timbre das novas armas do Desejado, acordando eles entre
si que o soberano elegesse duas pirâmides à semelhança de colunas (idênticas às da Empresa
do Infante Dom Henrique!), ambas ligadas pelas letras Amor, Fé, Amor. No Canto XXI (fl. 207)
do Sucesso do Segundo Cerco de Diu “Mostra-se em profecia o nascimento do invictíssimo
Rei D. Sebastião. Declara-lhe algumas coisas que ainda estão por vir”.
64
os Cristãos que hão-de ser livres de nossas mãos e gloriarse-ão em o vencimento que deles houveram e dirão ai que
vencimento houvemos na terra! Entonces o Senhor acordar-
oito anos e depois disto virá o filho de perdição, que se
chama Anticristo, e nascerá em Chorozain e será criado em
Bethzaida e reinará em Capharnaum. Portanto diz Cristo no
se-á da sua grande Misericórdia, a qual prometeu aos que
o amam e ele livrará a todos aqueles verdadeiros Cristãos em
ele crentes, das mãos dos sarracenos.
Entonces, levantar-se-á um Rei dos Cristãos sobre eles
e pelejará contra os infiéis e matá-los-á com cutelo e as suas
mulheres levará cativas e os filhos deles serão degolados.
Evangelho, etc.
E depois de aparecer o filho de perdição, que é dito
Anticristo, levantar-se-á o Rei dos Romanos e dos Gregos
em Gólgota, em aquele lugar onde Cristo Senhor Nosso teve
por bem de ser crucificado e morto por nós outros e o Rei
dos Romanos tomará a Coroa de sua cabeça e pô-la-á sobre
E assim os filhos de Ismael viverão em grande tribulação
e aflição e dar-lhes-á o Senhor deus todos os males que eles
fizeram aos Cristãos. E virão sete batalhas de cavalos súbito
sobre eles e serão degolados muitos e assim serão trazidos
em as mãos e poderio do Rei dos Romanos. E serão cativos
uma Cruz e levantará suas mãos ao Céu e dará seu espírito
em as mãos de Nosso Senhor. E entonces aparecerá um sinal
de Cruz em o Céu. E depois disto o filho de perdição, que é o
Anticristo, pensando que ele é assim como Deus, fará muitos
sinais e maravilhas sobre a terra, etc. Depois disto Senhor
e perecerão muitos por fome. As mulheres e filhos deles
serão também cativos e todos os males que eles fizeram aos
Cristãos em sete tanto grado os haverão eles e dobrados.
Entonces, o Reis dos Cristãos será exaltado sobre todos
os Reinos e terá grande domínio sobre todos os infiéis,
enviará a seus servidores limpos, convém a saber, Henoc
e Elias, que para aquesto foram guardados e reservados, etc.
Salvar-se-á aquele que for achado no livro da Vida”.
em tanto que eles e as mulheres que ficarem cativas serão
servidoras dos Cristãos, os quais pelo contrário irão até
ali, e isto em sete grados mais. Entonces, serão pacíficas as
terras, as quais por eles serão destruídas e os moradores
Cristãos serão tornados às suas próprias terras com própria
liberdade. E assim serão multiplicadas as gentes sobre
as terras que deles eram destruídas. Entonces, o Rei dos
Romanos será indignado muito contra aqueles que negaram
a Jesus Cristo. E porquanto os moradores das terras do Egipto
e da Ásia negaram a Jesus Cristo todos serão queimados
e destruídos do Rei dos Romanos. A terra das areias, que é
assim chamada, será despovoada e será grande paz e grande
tranquilidade, a qual não foi antes, nem depois e juntamente
não será depois que vier a postimeira dos fins dos segres e
será a alegria e paz sobre a terra. E folgarão todos os homens
dos males e tribulações dos infiéis e aquesta será a segurança
e paz da qual diz o Apóstolo S. Paulo, etc.
E será em seus dias a vinda de God [sic] e de Magod [sic],
quando forem em aquesta paz e abrir-se-ão as portas de
Cáspio, que estão ao lado do Aguião e todas as gentes que
ali estão saírão de God [sic] e Magod [sic], e conquistarão
a terra. E logo todos os moradores sobre a face da terra
com grande temor se espantarão e se esconderão sobre as
alturas dos montes e em as covas por fugir do acatamento
deles. E aquelas gentes são linhagem e geração de Jafé [sic]
e trespassará além da Província que é além do Aguião,
a qual tem por nome Tubea. E estas gentes são tanto sujas
que comerão carnes de homens, de serpentes e de bestas,
e as mulheres deles comerão os partos que lançarem ao
nascimento das criaturas. E não haverá nenhum que possa
ser contra eles. E depois de sete anos que isto durará,
tomarão a cidade de Jopsoem e enviará Deus um de seus
Príncipes, a saber um Anjo do Céu, e feri-lo-á e com pedra,
enxofre e fogo em espaço de um momento serão queimados.
E depois disto virá o Imperador dos Gregos e assentar-se-á
em a Cidade de Jerusalém e estará em ela por espaço de
Os Oráculos Sibilinos e o
Imperador dos Últimos Dias
Os Oráculos Sibilinos foram redigidos no Egipto, no
seio das comunidades judaicas de Alexandria, antes do séc.
VIII. De facto, foram os judeus alexandrinos os primeiros
a utilizar a literatura sibilina, anunciando a devastação do
mundo pagão e o advento do Messias, para expressarem os
seus sentimentos de indignação contra os gentios.
Os cristãos assenhorear-se-iam dela com o mesmo intuito.
No Ocidente, o Pseudo-Metódio e as profecias dos
Oráculos Sibilinos23, circularam associados, pelo menos,
desde o séc. VIII24, sempre que foi sentida a urgência de uma
figura soteriológica susceptível de combater com êxito os
muçulmanos que se haviam apoderado de Jerusalém25.
O título de Imperador dos Últimos Dias do PseudoMetódio é substituído nos Oráculos Sibilinos pelos
equivalentes de “Rei vindo do Sol” e de “Homem abençoado
vindo do Céu”, nos livros 3 e 5, respectivamente.
23
Cf. Ernst Sackur, Sibyllinische Texte und Forschungen: Pseudometodius, Adso und die Tiburtinische Sibbyle, Halle, 1898, p. 73-93;
Eric Gruen, Jews, Greeks and Romans in the Third Sibylline Oracle,
in Martin Goodman (ed.), Jews in a Graeco-Roman World, Oxford,
1998.
24
Em Portugal, o Pseudo-Metódio e a Sibila Eritreia alcançaram notável difusão entre os joaquimitas quinhentistas e seiscentistas, graças
à Expositio magni propheta Joachim in librum beati Cyrilli ou Libellus de magnis tribulationibus [...] compilatus a Theolosphoro de
Cusentia (Veneza, 1516 e Lião, 1663). Ver Manuel J. Gandra, Joaquim
de Fiore, Joaquimismo e Esperança Sebástica, Lisboa, 1999, p. 2022.
25
Após a morte de Carlos Magno, coroado Imperador romano no ano
de 800, a expectativa do advento do Carolus Redivivus teve significativa expressão, constando que seria ele o grande Imperador que
consumaria as profecias.
Continuação na página 73
O diário de viagem
do Vicente Vinsang
(Le cahier de Vinsang,
o Vicente)
Marta Soares
No livro 3, o Salvador é denominado “Rei vindo do Sol”, e surgirá súbita
e inesperadamente, impondo a paz pela força das armas:
Continuação da página 64
“E então Deus enviará um Rei vindo do Sol que dará fim a toda a guerra
maligna na terra, matando alguns, impondo juramentos de lealdade a outros;
e ele não fará todas as ditas coisas por sua própria vontade, mas em obediência aos
nobres ensinamentos do maravilhoso Deus” [3: 652-656].
No livro 5, é apelidado de “Homem abençoado vindo do Céu”, surgindo,
também, súbita e inesperadamente, após a destruição do Templo:
“[…] Ele [o “Homem abençoado vindo do Céu”] destruiu todas as cidades desde
os seus fundamentos com muito fogo e queimou as nações de mortais que eram
claramente más […]” [5: 418-419].
De todos os Oráculos Sibilinos, a profecia da Sibila Eritreia26 seria a mais
difundida no âmbito peninsular e, depois, no nacional.
Originalmente, aplicada ao Imperador bizantino lsaac Angelos, “cujus nomen
quinque apicibus scriptum est” (cujo nome se escreve com cinco ápices)27,
estou convicto que Colón aplicou o vaticínio a si próprio, na justa medida das
cinco sílabas do seu pseudónimo: Cris-tó-bal-Co-lón28, de resto, tal como os
sebastianistas o haviam de ajustar a Dom Sebastião (Se-bas-ti-a-nus)29.
O cristão peninsular,
predestinado reconstrutor
de Jerusaléme do Monte Sião
Este vatícinio joaquimita30, também denominado Oraculum Turcisco (Oráculo
Turquesco), e inspirado no Salmo 141, foi reiteradamente mencionado por
Cristobal Colón31, decerto porque identificava a missão desse predestinado com
aquela de que ele próprio se cria investido.
O paradigma equivale na perfeição ao Encoberto peninsular, título que Lúcio
de Azevedo supôs suscitado pelas Coplas de Frei Pedro de Frias32, não obstante
já anteriormente aplicado a um monarca de Avis, cujas aspirações ao Império
Universal foram registadas pelo terceiro duque de Bragança, D. Fernando33,
26 Vaticinium Sybillae Erythrea ou Prophetia Sibyllae Herithreae, Veneza, 1515 e 1525
27
Ed. O. Holder-Egger, in Neue Archiv für ältere Deutsche Geschichtskunde, v. 15 (1889), p.
155-173. Ver Bernard McGinn, Joachim and the Sibyl: an early work of Joachim of Fiore from
Ms 322 of the Biblioteca Antoniana in Padua, in Citeaux, n. 24 (1973), p. 97-138.
28 Ocorre em inúmeras miscelâneas [BN: cod. 7693, fl. 63; BA: 51-VI-2, fl. 437-443; etc.]. Também incluída no livro de Rusticano (Veneza, 1516, fl. 52r-54v). Nos escritos de um apoiante do
Cavaleiro da Cruz, Frei Fernandes de S. Paulo, surge citada, entre outras profecias, a da Sibila
Eritreia [AGSimancas: Estado França, K 1677, G. 6]. Cf. Manuel J. Gandra, Joaquim de Fiore,
[…], p. 26-27.
29
Cf. Manuel J. Gandra, Hagiografia de D. Sebastião: de desejado a encoberto, Mafra, 2014.
30
Cf. Prophetia de Summis Pontificibus et Anselmi Episcopi Marsicani Vaticinia sive Prophetiae
Abbatis Joachim et Anselmi Episcopi Marsicani cum imaginibus (diversas edições dos séculos
XVI e XVII: Bolonha, Lião, Pádua e Veneza). Para a difusão e repercussão deste apócrifo, em
Portugal, cf. Manuel J. Gandra, Ob. cit, p. 23-25.
31
Cf. Carta ao Rei e à Rainha (1501), in Consuelo Varela, Ob. cit., p. 252-256 e PL: fl. 4-6; Relação da 4ª Viagem (1503), in Consuelo Varela, idem, p. 302; LP: fl. 67v (Carta dos delegados
genoveses aos Reis de Espanha, Barcelona, 1492).
32
“Acontecerá no mês de Outubro / esta escritura não se engana / obterá a vitória, guerreando, /
um rei que não se mostra”. As Coplas foram impressas em Valença, no ano de 1520.
33
Carta de 19 de Outubro de 1468: “[...] Se Deus tem al ordenado, não somente havereis o reino
de Castela, mas conquistareis o de Granada e tirareis a espada de Fez e com ela conquistareis
73
e por Cristóbal Colón e parecem indiciar as tábuas que
compõem o denominado Políptico das Janelas Verdes,
atribuído a Nuno Gonçalves, exposto no Museu Nacional de
Arte Antiga.
Com efeito, uma crónica anónima do séc. XV declara
que D. Afonso V de Portugal34 havia de cumprir as profecias
de Santo lsidoro, no ano de 1475, entrando Encoberto em
Castela montado num cavalo de madeira, para instaurar um
reinado de ordem e virtude35:
“Chegada a hora e cumprindo-se as profecias das
desventuras de Espanha, o rei D. Afonso de Portugal entrou
pela Codosera nos Reinos de Castela, o qual para que as
gentes tivessem motivo de crer que ele fosse o Encoberto,
segundo uma profecia que de Santo Isidoro se publicava,
que o Encoberto havia de entrar em Castela em cavalo de
madeira, este rei, fingindo vir doente, ou porventura sendo
74
certo, entrou em andas, cuidando muito que aos olhos das
gentes as cerimónias se conformassem o mais possível às
profecias; e como a gente castelhana, habituada à tirânica
liberdade, era inimiga de se ver senhoreada por algum rei,
aos inocentes que daquelas encobertas profecias não tinham
conhecimento faziam-lhes crer que pelos sinais aparecidos,
este rei D. Afonso era o Encoberto, trazendo muito em
prática as suas virtudes e grandezas, e louvando-o de muitas
coisas excelentes, que ele, na verdade, tinha”36.
Profecia da Sibila Eritreia
Desenho à pena de Félix da Costa, Tesouro Descoberto (códice sebástico
da Biblioteca do Congresso, Washington: P-83)
Também os sebastianistas haviam de ler sílaba por ápice e destinar
o vaticínio a D. Sebastião, cujo nome conta, em latim (Sebastianus),
as mesmas cinco sílabas. Vieira leu pontos nos ii por ápice e aplicou-a
a D. João IV (ioannes iiii).
Convém, todavia, recordar que as expectativas quanto à
origem peninsular do predestinado restaurador de Jerusalém
remontam ao paganismo, tendo sido retomadas, a partir de
finais do séc. XIII, por Arnaldo de Vilanueva (c. 1250-1312),
no seu De cymbalis ecclesiae37, obra na qual , este diplomata
joaquimita ao serviço de Jaime II de Aragão e Frederico III de
Sicília, prognostica o início do Armageddon no ano de 137838.
todo o mundo, e uma ou outra não deveis de errar. [...]”.
34
Casado em segundas núpcias com D. Joana, a Excelente Senhora,
herdeira de Henrique IV de Castela, que competiu pelo trono de Espanha com Isabel, a Católica.
35
O vaticínio 27 da Profecia dos Papas, apócrifo do abade Joaquim,
sintetiza as qualidades do Encoberto e as circunstâncias do respectivo advento, aqui na versão do Jardim Ameno [ANTT: cod. 774, fl.
13-13v]: “Morto e esquecido, o seu rosto conhecerão muitos, ainda
que nenhum o veja. Pela divindade será manifestado este justo, terá
os ceptros do Império. Justamente será descoberto e declarado. No
céu bradará três vezes muito, o invisível pregoeiro, dizendo: ide com
muita pressa à parte ocidental que tem sete montes e acharás um homem ali morador amigo meu, este levai e metei-o de posse do Trono
Real. Os sinais que tem e por onde o haveis de conhecer são estes:
é calmo, manso e brando, de grande entendimento, agudíssimo de
engenho para ver principalmente as coisas futuras. Em ti terás e possuirás o Império e Monarquia dos sete montes”.
36 Cronica Incompleta de los Reis Católicos, ed. Julio Puyol, 1934,
citada Fidelino de Figueiredo, Sebastianismo, in Civilização, n. 80
(Ago. 1935), p. 12.
37
Jose Pou y Marti, Visionarios, beguinos y fraticelos catalanes (siglos
XIII-XIV), Vich, 1930.
38
Ver El Enlogium, in Arnaldo de Vilanova, Escritos condenados por
la Inquisición, Madrid, 1976, p. 65-87 e Magister Arnaldus de Vilanova super facto Adventud Antechristi, in Ana Martínez Arancón,
La Profecia, Madrid, 1975, p. 115-136. Cf. Joaquín Carreras Artau, La
Polémica Gerundense sobre el Anticristo entre Arnau de Vilanova y
los domínicos, in Anales del Instituto de Estudios Gerundenses del
Patronato “José Mª Quadrado”, (1950).
APPROACH TO THE HISPANIC
SOTERIOLOGICAL IMAGINARY
Manuel J. Gandra
Proem
Gyratory platform of so archaic scatologies as those ascending the Palaeolithic,
Iberian Peninsula was stage of confrontation of three prophetic religions during
more than a millennium.
It would be, nevertheless, in Christianity’s heart that theological disputes
mostly would evoke sequels, mainly between Trinitarians and Monophysitism
believers1, culminating on their supposed supremacy, in consequence of the
apostasy of Recaredo, in the 589 council of Toledo2.
Hereafter, the growing political instability, the ongoing fratricide conflicts and
the incurable splitting and excommunication, resultant of doctrinal divergences,
would undermine the formerly, however perilous, vigorous ecumenism and
generate the needed conditions to Muslim intervention, for that matter, solicited
and negotiated by some threatened communities, according to what has been
alleged by Count Julião and Bishop Hopas.
*
In 711, the Muslim forefront, commanded by Tarik ben Siad, landed in Hispania
and, composed by Berbers of doubtful orthodoxy, wouldn’t have forced, or even
demanded, the conversion to Islam of the different communities that has found. The
natives would have been able to choose freely, according to their own nature and
inclination, between adopting Islamism or preserve their religion, that being Pagan,
Christian or Mosaic (Law of Moses). The advantages conceded to those who renounced
their creed were, however, pretty tempting, as the converted were free from any
special taxation, circumstance susceptible of explaining the numerous conversions
that immediately occurred. To a servant, or slave, to embrace the new belief would
represent a significant status upgrade, many times granting them freedom.
This converted to Islam Hispanics were named in two different ways: Musalima
(converted, new Muslim) and Muwalladun (renegade, qualifying only new
Muslim’s descendents). The first times of Muslim presence their status was
identical to authentic Muslims (Mu’minín = believers). Still, progressively, they
would be segregated to the distinct group of Muladis (correspondent to low-Latin,
Maulidines, Muzlitas, Mulados, etc.), that is, of those converted to Islam.
Those conserving their beliefs, enjoying protection of Islamic administration,
by paying a tax, were named Ahl ad-Dimma. To those tributaries, independently
of the respective creed, was also given the collective name of ‘Ayam (somebody
1
Denied the substantial divinity of Christos
2
Such supremacy was merely apparent, whereas it didn’t mean the massive conversion of the
Suevis to Latin Christianity.
speaking Arab badly, foreigner, strange, not Muslim). Yet Christians were known
by Nasara, Mu’ahid (allied), ‘Ily (Christian and renegade), Mami (foreigner), etc.
To what concerns the designation of Mozarab, almost universally accepted and
generator of countless (conveniently regimented) manipulations, wasn’t counted
on the adopted terminology, being only, therefore a pure convenience term, not
historical or philological, regardless contradictory opinions3.
In fact, Mozarab and Mozarab doctrine, are mistaken and pejorative terms
aimed to intentionally and explicitly, depreciate the Monophysitism Christianity,
predominant in Hispania during centuries, at the mercy of the privileged
relationship that it had with Cartago (in Rome’s disfavour).
Such relationship, long previous to Christianity’s advent, favoured the traffic
until Boa Nova (good news) Iberian Peninsula, yet only Greek, as well as of Gnostic
character scatology from Syria and Egypt, from where monasticism also derived.
The so called Christian re-conquer was not more, therefore, than a saint
76
fratricide war between to creeds, Trinitarian and Unitarian, this one under Islam’s
protection.
The military advantage dictated repression and, finally, the progressive
annihilation of all forms of Heterodox Christianity, that is, different of Roman
Orthodoxy.
The two sources I resort to, favouring what is stated, are indubitable:
- Osberno, English crusader, part of the military force that besieged Lisbon
and expugned it to Dom Afonso Henriques, describing, in great detail, the bellicus
actions undertaken, in his De expugnatione Olisiponis4, claims that, before
hostilities were initiated, and aiming avoiding blood shedding, the crusader chiefs
decided to send parliamentarians proposing surrender to the besieged city. Braga
and Oporto’s archbishops, present in the founder monarch army, were chosen,
having both prelates gone up the castle’s hill, to be seen together with the alcalde
and the city’s bishop and its other nobles.
Same Osberno, angry against the excesses committed by the Flemish and
German crusader, during the pillage that followed capitulation, accuses them
of having the bishop, a respectable elder murdered, when he opposed the cult
adornments’ robbery.
And furthermore, narrates an event that would have left the crusader’s chiefs
truly astonished: the moors, defending its belongings against the bandit’s greed,
that passed by on the way of the Holy Land, died kissing crosses and claiming
“Maria bona! Maria bona!”5.
- In D. Afonso Henriques Chronica, composed about three centuries after
the death of the mentioned king, Duarte Galvão, grounded in contemporary
documents by him considered legit and credit worthy, refers that the king,
together with Dom Teotónio, Santa Cruz’s prior, assisting, in Coimbra, at the
entrance of a significant contingent of prisoners captured during a battle (that
Galvão considers being of Ourique), Dom Prior noticed that they were treated
mercilessly and reprimanded severely the king, considering that treatment not be
fair , to those that, in the end, were as Christians as himself!
3
According to some of the proponents, Mozarab derivates from Musta’rib.
4
Transcribed by Alexandre Herculano in Portugaliae Monumenta Historica.
5
The unprecedented episode confirms that the crusader’s pillage victims were Monophysitism
believers, accused by the Latin clergy, or rumi, of being enemies of the cross, because they
didn’t have it in their temples, or considered it emblem of Christianity, as well as of disrespect
for the Virgin Mary, because they wouldn’t worship her as mother of God.
*
The Hispanics, Christians and Jews Ahl ad-Dimma, have
revealed themselves to be the Muslim’s world best ethnicreligious minorities, exception made to the Egyptian Qibt.
The people of the Book (ahl al-Kitab) enjoyed absolute
religious liberty, in harmony with Islam’s juridical-religious
principles6.
The old ecclesiastic structure of the Monophysitism has
been maintained unharmed, its monasteries and sanctuaries
were preserved, nevertheless the interdiction of any and all
cult manifestation7.
Whatever it may be, numerous Christian devotion places
have been maintained active. Also important pilgrimages
resisted, some of them having become destination of
countless trans-supra-regional communities.
Of all those pilgrimages, the most prominent were,
doubtlessly, the ones competing with Ossonoba (Faro) and
S. Vincent’s cape.
Opinions always differed about the Dayr ou
Kanisat al-Gurab8 sacral character origin, still surviving
the impasse concerning the most remote nature of this cape
of the world, which can, eventually, retreat to Atlantis, as,
for that matter, Monk Bernardo de Brito intended, the one
even admitting that Noah e Tubal lied dead and graved in the
Sacrum Promontory:
“And such was the love that they had for him, that
his grave’s memory was never lost, they used to visit and
worship it as holy thing; and being thereafter introduced
gentilic superstition and idolatry [...] a remembrance was
still left in the land’s inhabitants, having such worship to
that land cause they didn’t succeed the cause by the time of
the burying [...]”9.
its anterior position after libations are made […]”,
adding that
“[…] it is not allowed to offer sacrifices nor there spend
the night because it is said that the gods occupy it at those
hours. The ones visiting it spend the night at a nearby village
and, after, during the day, go there with water, as the place
doesn’t have it”.
Nevertheless, it is admitted today that it could have existed
a pre-roman temple in the Sacred Promontory, probably
dedicated to Melqart (correspondent to the Latin Greek
Cronus-Saturn), and that the Beit-El cult of Phoenician
origin or, at the most, Punic, typical of those kind of
sanctuaries, directed to meteoric stones (fallen from heaven)
to which a hierophantic power, could have constituted, from
the V e IV b. C. centuries, the substitution of a megalithic
and astral devotion, enhanced by the mega menhiric
concentration, cromlechs and alignments identified in the
Sagres and Saint Vincent capes proximity (nowadays Vila do
Bispo municipality)10.
Another local devotion is related to a striped
circumference, measuring 43 m of diameter, composed
by molehills and alignments (with unequal dimensions) of
rough stones departing from a common centre, reminder
of a medicinal wheel – astronomic calculator, eventually
ascending the Neolithic or, at most, to the Iron Age11.
Sagres’ and Saint Vincent’s aboriginal ring keeps on
calling those stones boulders or boulder, when reunited
in molehills, blending the respect for them with beliefs of
sebastianism character12.
About such molehills, Leite de Vasconcelos, in 1894,
informed that:
The only available reliable information consensus about
the local during antiquity, transmitted by Strabo, were by
him drunk in Artemidorus, visited by him on the century I b.
C. The one from Alexandria assured, abandoning himself to
the Hellenic traveller that:
“[…] it is not to be seen any Heracles sanctuary as wrongly
said by Ephor, nor even his altar or of any other god, but, in
many places, there are organized stones in groups of three or
four, which are, according to an old traditional habit, turned
upside down and relocated and afterwards are collected into
6
Such institutional tolerance dating the year 713, consubstantiated
the pact between Theodemir, first independent Goth of Murcia and
‘Abd al-Aziz, son of Musa, chief of the first Muslim group to landing
in peninsula. Alias, it was of no interest to Islam the occurrence of
massive conversions, as it would imply the reduction of the tax called
Chizya.
7
The only great difference consisted in the circumstance of Toledo
being converted in the great Christian centre of peninsula, however,
losing to Cordoba the ecclesiastic authority.
8
The place was at the same time visited by Christian pilgrims and
believers of Quran. In Sagres a Mosque have even existed.
9
Cf. Monarquia Lusitana, liv. I, cap. 3.
1. when from them is taken a stone, being, thereafter,
abandoned, on the following morning, it will be not found,
reappearing in the boulder: it is Dom Sebastião who, during
the night, gives it back to its provenience.
2. when is taken from the boulder a stone, without
nobody knowing, and is put under the pillow, it appears, on
10
Until now hundreds of menhirs have been identified, some inserted
in little alignments or enclosures, nearby both promontories, as
some of this examples: Adreneira (3), Alto das Barradas (1), Amantes
I (17), Amantes II (10), Aspradantas (3), Bem Parece (1), Budens (1),
Carriços (5), Casa do Francês (6), Cerro do Camacho (5), Figueira (8),
Guadalupe (1), Gasga (6), Ladeiras (2), Marmeleiros (3), Marreiros
I (3), Marreiros II (4), Milrei (21), Morgados (1), Padrão (15), Pedra
Escorregadia (3), Santo António (2), Santo António de Cima (1),
Serra da Borges (4), Vale do Gato de Cima (3), Vale de Oiro (2).
11
It has been wanted to see in that group, recognized in 1928, and
drawn on the ground, between the houses alignment and the wall,
a huge Compass Rose, contemporary of Infante Dom Henrique.
However, its almost half hundred rays, would constitute an excessive
number of routes, not even equidistant, if effectively it would be a
Compass Rose.
12
On the capes extreme, nearby the lighthouse and the Saint Vincent
Monastery ruins, other boulders are observed, this ones in everything
similar to the small hills of stones launched over the tombs, in other
regions designated as faithful-to-God.
77
78
Radial circumference of the Sacred
Promontory
the following day, a soldier of Dom Sebastião, immediately disappearing to once
again, transformed in stone, put himself in the boulder.
*
An exceptional range of the Sacred Promontory tutelary entity supposes a
compromise, surely archaic, among Mediterranean people (indo-Europeans,
Semite, etc) and aboriginal (Neolithic and Celtics, among others), all sharing a
similar cosmogonist-heliolatrical system, founded on the daily solar sacrifice or
agony, westwards13.
With effect, the ingredients composing Vincent’s psychodrama, ultimate of
his avatars, occurred at the time of Diocletianus (302 a. C.), point him as true
reincarnation (Vincens = the victorious) of a solar entity, psychopompós and light
dismissive.
Now, the “martyr”, that perished because he didn’t renounced faith, even when
submitted to brutal tortures, would attract crowds, precisely at the mercy of his
incorruptible body and his luminous-technical virtues.
Also to add that, while light dismissive, Saint Vincent makes himself be
accompanied by crows, fowls of apocalyptic vocation with the capacity of grant or
take vision (provoke blindness).
Besides that, the sanctuary’s floor that he patronizes is no longer inhabited,
being interdicted the visit or staying in it during the night (precisely during the
absence of heliolatry’s astro target) .
Finally, what, with effect, made the pilgrimage to the Saint Vincent’s sanctuary
singular was a ritual meal offer to the pilgrims, or adiafa, consisting in the
ingestion of the body of the “saint” himself, transformed in a fish, symptomatically
named corvina (feminine of crow in Portuguese).
I believe evidently, and therefore dismiss any additional comment, in the sense
of competitive answer, either of the Roman Christianity, under the creation ab
nihilo (only during the IX century) of pilgrimage to Santiago (of Compostela), or of
D. Afonso Henriques, when he had the relics of the Saint, moved to Lisbon in 1173.
13
On Galizia’s coast Sagres islands are situated and, in Cantábria, Peña Sagra, term whose affinity
with the Basque voices zarga, zarka and zakar, expressing the oldness concept, could be an
allusion to the place where primordial humanity would have appeared ( the Greek word sarka,
means human nature).
*
On the VIII century the Suevi church had not yet recovered from the great
controversies caused by Arianism and Priscillianism, among other heresies.
A spiritual crisis that lasted during the two subsequent centuries had as
remote cause the dogmatic emptiness caused by Muslim presence, potentiated
by the arrival of various Christian Syrian communities to Al-Andalus, since
740, that would become the support of countless prophetic and heterodox
millennialism alarms.
On its turn, Almoravids and Almohad presence, later on, disturbed the
relentless syncretism and cohabitation of the different religious confessions
valid in Garb, used until then to its literal paganism, its pilgrimages, as well
as its eschatological and apocalyptic, in more than one occasion conducting to
radical attitudes and behaviours characterized by fanaticism.
The Apríngio of Beja and of Beato of Liébana adopcionism writs were the
ones that mostly strengthened the Monophysitism Christians soteriological
hope for the peninsula.
Despite all this, the most dramatic episode, that culminated with the Saint
Eulogius martyrdom and several of his disciples that occurred when they
would have arrived to the 4th apocalyptic beast, sure that, by fault of their sins,
admitting that blaspheming against Islam, while Anti-Christi religion, would
be the only way of increasing the salvation of their souls ...
The Pseudo-Methodius and the Last
Days’ Emperor
The Revelatio S. Methodii De Temporibus Novissimus, also named
Pseudo-Methodius Apocalypse, or, simply, Pseudo-Methodius, is a work of
unquestionable Byzantine origin originally composed in Syrian, during the second
half of the VII a. C. (644-691 a. C.), in the context of Jerusalem’s power seizure,
first by Persians (614 a. C.) and, immediately after, by Muslims (638 a. C.).
Two different moments constitute it: chapters 1-9, of historical nature (describing
Adam’s expulsion from paradise, etc), theological and legendary; and chapters 10-14,
eminently apocalyptic. This second part mirrors a fear and terror climate before
Ishmael’s (Islam) sons, considered “ cruel barbarians that do not progeny of the human
gender but of desolation”, enhancing the necessity they had to recover Jerusalem.
Raised gravestone (Magoito, Sintra)
Heliolatrical monument (destroyed) in
other western finis terrae
79
Pseudo-Methodius attributes to history a six thousand years and some
centuries range giving great highlight to the succession of the four empires: 1º
Babylon, 2º Middle, 3º Persia, 4º Greek- Roman- Byzantine.
Alexander the Great was the founder of this 4th Empire, assuming himself as
Primus Rex Gregorum.
Pseudo-Methodius trusts the next advent of the last emperor that will recover
Jerusalem to Christianity, accomplishment followed by the Anti-Christi and,
finally, the assumption of power by God, himself, from his Holy City.
The Greek and Roman’s King, or the Last Days’ Emperor14, will be descendant
of Alexander and the Royal House of Ethiopia15, whose superlative importance is
deduced from Psalm 67: 32 two quotes: “Ambassadors shall come out of Egypt:
Ethiopia shall soon stretch out her hands to God.” (chapter 9 and 14).
Pseudo-Methodius casts a sequence of eight happenings, or preceding signals
of the Anti-Christi advent (chapter 10-13)16, to be known:
80
1) Apostasy, which Paul occupies himself with in two Thessalonians [2: 3];
2) Raising of Israel sons against Romans;
3) Conquest of the sons of Ishmael promised land, in consequence of its
inhabitants’ sins (mainly sodomy);
4) Abatement of the Saint’s spirit and denial of true faith by many;
5) The King of Greeks and Romans breakout from the Ethiopian sea being able
to win over the blaspheming Saracens that thought the Christians were incapable
of recovering the lost territories;
6) The king of Romans resentment against those who denied Christos [1
Thessalonians 5: 3];
7) After the peace, the North Wind doors will open and from them 23 dirty
races will come out, commanded by Gog and Magog, incarcerated by Alexander
and a week after the Lord will send an army to defeat them;
8) The Roman king will stay for a week and a half (meaning ten years) in
Jerusalem, and that being over a king of ruin will appear.
In sum: In the 4th Empire (Daniel 7: 27), Macedonian, Greek, Romans and
Byzantines will be united by the hegemony of the Byzantine Empire, the one
connected to Ethiopia Christian Kingdom will have the Last Days’ Emperor as only
king. Meanwhile, an invasion of Ishmael sons will provoke many disgraces and
destruction during “ten weeks of years”. Also the 23 dirty people (commanded by
Gog and Magog), free from Alexander’s reclusion, will cause great destruction.
To stop them, God will send a commander of heaven, “prince of divine militia”
(Jesus Christ), who, without the emperors support, will defeat them.
In the moment invaders say “Christians have no saviour” the king who will
annihilate them will appear. His advent will be sudden and unexpected, in plain
chaos and despair, destroying Muslims and ruling over the Earth17. The Emperor
will live in Jerusalem during ten years and a half until the sun of ruin be revealed
(Anti-Christi). Then the Emperor will climb Golgotha placing his crown over the
14
In Daniel 7: 27, the fourth empire is the Macedonian, as in Portuguese tradition, previous to
António Vieira.
15
Khuset, Ethiopian princess, mother of Alexander, after his dead married Byzas, legendary
founder of Byzantium. Of that marriage Bizântia was born and was given to marry Rómulo (also
named Armaleu by Pseudo-Methodius), king of Rome. Both had three children, Armaleo that
inherited Rome, Urbano that inherited Byzantium and Cláudio that inherited Alexandria.
16
Colón has marked with the drawing of a hand point the eight forewords text and took note on
the left white, quoting Liber de Viris Illustribus: “Hieronymus says that Methodius, the Martyr,
writes a lot of things about the end of times”.
17
Colón advocates the “End of Mafoma” and the victory over the Anti-Christi in the Letter to the
king and Queen (1501), in LP, transcribing with the same purpose Daniel 2: 18 (LP: fl. 42v) and
Isaiah 2: 2,3 (LP: fl. 54v).
cross, raising his hands to the heavens above and will grant
his Christian kingdom to God, fulfilling David’s word18. Once
more, prophecy accomplished, the King’s spirit will abandon
his body and he will die.
Pseudo-Methodius, arrived to Iberian Peninsula in the
end of the VII century, still in his Syrian or Greek version,
being translated to Latin in the beginning of the following
century. His presence here assumes contacts between
East and Hispania, equally evident in commerce, arts and
literature, since previous periods of Muslim invasion, and
whose flux would not be interrupted by it19.
The influence it had is valid in various peninsular
Christian writs, namely in Chronica Prophetica also named
Roda Codex and points out the end of the world to Saint
Martinho of the year 883 (170º anniversary of the Muslim
invasion)20, feeding the anti-Mahomet controversy, which
peak in Hispania would occur during the IX century,
simultaneously with the exponential growth of apostasy
among Christians21.
I transcript now, to general knowledge, a Portuguese
version of Pseudo-Methodius (Saint Methodius in a book
of his, speaking of future times says), from a section of my
collection consigned on miscellany darkness22:
(It is an editorial option not to translate it)
“E passadas as tribulações destes dias, que serão feitas
pelos filhos de Ismael e desolada por eles toda a terra, serão
eles mui ricamente vestidos de ouro e de prata e de púrpura,
assim como as esposas, quando estão no tálamo, e dirão não
cuidem os Cristãos que hão-de ser livres de nossas mãos e
gloriar-se-ão em o vencimento que deles houveram e dirão
ai que vencimento houvemos na terra! Entonces o Senhor
acordar-se-á da sua grande Misericórdia, a qual prometeu
aos que o amam e ele livrará a todos aqueles verdadeiros
Cristãos em ele crentes, das mãos dos sarracenos.
18 Psalm 68: 32: “Sing unto God, ye kingdoms of the earth! O sing
praises unto the Lord, Selah”.
19
See to this purpose: Paul J. Alexander, Byzantium and the migration
of Literary Works and Motifs: the legend of the Last Roman
Emperor, in Medievalia et Humanistica, new serie, n. 2 (1971), p.
47-82 and The Medieval Legend of the Last Roman Emperor and
its Messianic Origin, in Journal of the Warburg and Courtauld
Institutes, v. 41 (1978), p. 1-15; Andrew Palmer, Sebastian Brock
and Robert Hoyland, The Seventh Century in the West-Syrian
Chronicles: including two seventh-century Syriac apocalyptic texts,
Liverpool, 1993. It is unquestionable the Syrian presence, known as
transmarini negotiatores, in Hispania, the ones bringing people
with them, religious and scientific ideas and goods, including PreIslam Iranian elements that would influence strongly the religious,
literary and artistic Iberian Peninsula life (nestorianism in Cordoba,
etc). Cf. Sefarad, n. 5 (1954), p. 83s.
20 Before the Prophetic Chronicle, already Álvaro and Eulogium would
have announced the end of the Muslim domain in Hispania. José
Eduardo Lopez, Ob. cit., p. 253-261.
21
M. C. Diaz y Diaz, Textos antimahometanos mas antigos en códices
españoles, in Archives d’Histoire Doctrinale et littéraire du Moyen
Âge, v. 37 (1970), p. 163-164
22
Fl. 264-265.
Entonces, levantar-se-á um Rei dos Cristãos sobre eles e
pelejará contra os infiéis e matá-los-á com cutelo e as suas
mulheres levará cativas e os filhos deles serão degolados.
E assim os filhos de Ismael viverão em grande tribulação e
aflição e dar-lhes-á o Senhor deus todos os males que eles
fizeram aos Cristãos. E virão sete batalhas de cavalos súbito
sobre eles e serão degolados muitos e assim serão trazidos
em as mãos e poderio do Rei dos Romanos. E serão cativos
e perecerão muitos por fome. As mulheres e filhos deles
serão também cativos e todos os males que eles fizeram aos
Cristãos em sete tanto grado os haverão eles e dobrados.
Entonces, o Reis dos Cristãos será exaltado sobre todos os
Reinos e terá grande domínio sobre todos os infiéis, em tanto
que eles e as mulheres que ficarem cativas serão servidoras
dos Cristãos, os quais pelo contrário irão até ali, e isto em
sete grados mais. Entonces, serão pacíficas as terras, as quais
por eles serão destruídas e os moradores Cristãos serão
tornados às suas próprias terras com própria liberdade.
E assim serão multiplicadas as gentes sobre as terras que
deles eram destruídas. Entonces, o Rei dos Romanos será
indignado muito contra aqueles que negaram a Jesus
Cristo. E porquanto os moradores das terras do Egipto e
da Ásia negaram a Jesus Cristo todos serão queimados e
destruídos do Rei dos Romanos. A terra das areias, que é
assim chamada, será despovoada e será grande paz e grande
tranquilidade, a qual não foi antes, nem depois e juntamente
não será depois que vier a postimeira dos fins dos segres e
será a alegria e paz sobre a terra. E folgarão todos os homens
dos males e tribulações dos infiéis e aquesta será a segurança
e paz da qual diz o Apóstolo S. Paulo, etc.
E será em seus dias a vinda de God [sic] e de Magod [sic],
quando forem em aquesta paz e abrir-se-ão as portas de
Cáspio, que estão ao lado do Aguião e todas as gentes que
ali estão saírão de God [sic] e Magod [sic], e conquistarão
a terra. E logo todos os moradores sobre a face da terra
com grande temor se espantarão e se esconderão sobre as
alturas dos montes e em as covas por fugir do acatamento
deles. E aquelas gentes são linhagem e geração de Jafé [sic]
e trespassará além da Província que é além do Aguião, a
qual tem por nome Tubea. E estas gentes são tanto sujas
que comerão carnes de homens, de serpentes e de bestas,
e as mulheres deles comerão os partos que lançarem ao
nascimento das criaturas. E não haverá nenhum que possa
ser contra eles. E depois de sete anos que isto durará,
tomarão a cidade de Jopsoem e enviará Deus um de seus
Príncipes, a saber um Anjo do Céu, e feri-lo-á e com pedra,
enxofre e fogo em espaço de um momento serão queimados.
E depois disto virá o Imperador dos Gregos e assentar-se-á
em a Cidade de Jerusalém e estará em ela por espaço de
oito anos e depois disto virá o filho de perdição, que se
chama Anticristo, e nascerá em Chorozain e será criado em
Bethzaida e reinará em Capharnaum. Portanto diz Cristo no
Evangelho, etc.
E depois de aparecer o filho de perdição, que é dito
Anticristo, levantar-se-á o Rei dos Romanos e dos Gregos em
81
82
D. Sebastião’s figure coated by imperial Roman majestas, in a clear figuration and extension
of the Ancient and Antiquity topic as only possible term for comparison to the Portuguese and
their deeds. It is acceptable that the scene can be equally destined to represent the Desired
one (surrounded by twelve knights) as a New Arthur, idea with precedents in Jorge Ferreira de
Vasconcelos’ Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda (1567) acquiring great canonical
consistency in a passage of I Epistle of Saint Peter (I, 4-5): “and into an inheritance that can never
perish, spoil or fade. This inheritance is kept in heaven for you5, who through faith are shielded
by God’s power until the coming of the salvation that is ready to be revealed in the last time”. The
old scraggly, in the first plan, is Alexander Magnum, who passes testimony (of the Fifth Empire)
to one of twelve knights of the Desired One. The overlord flaunts a closed or imperial crown,
adopted a few years before the departure towards Alcácer (1578). Before him, lie by land three
feminine figures, indicative of other fallen empires. In circumstance, it would be recommended to
Jerónimo Corte-Real and D. João de Mafra and some other not identified noble to conceive the coat
of arms of the Desired One new weapons, agreeing among themselves that the overlord would elect
two pyramids resembling columns (identical to Infante Dom Henrique Enterprise), both connected
by the letters Amor, Fé, Amor (Love, Faith, Love). On corner XXI (fl. 207) of Success of Second
Enclosure of Diu “It is shown in prophecy the birth of the invincible King. It is declared some of
things yet to come.”.
Gólgota, em aquele lugar onde Cristo Senhor Nosso teve por bem de ser crucificado
e morto por nós outros e o Rei dos Romanos tomará a Coroa de sua cabeça e
pô-la-á sobre uma Cruz e levantará suas mãos ao Céu e dará seu espírito em as
mãos de Nosso Senhor. E entonces aparecerá um sinal de Cruz em o Céu. E depois
disto o filho de perdição, que é o Anticristo, pensando que ele é assim como Deus,
fará muitos sinais e maravilhas sobre a terra, etc. Depois disto Senhor enviará a
seus servidores limpos, convém a saber, Henoc e Elias, que para aquesto foram
guardados e reservados, etc. Salvar-se-á aquele que for achado no livro da Vida”.
The Sibylline Oracles and the Last
Days’ Emperor
The Sibylline Oracles were composed in Egypt, in the centre of Jew
communities in Alexandria, before the VIII century. In fact, it were the Jews from
Alexandria the first ones using sibylline literature, announcing the devastation
of the pagan world and of the Messiahs advent, to express their feelings of
indignation against gentiles.
Christians would appropriate it with the same intent.
On the west, Pseudo-Methodius and the Sibylline Oracles prophecies23,
circulated associated, at least, since the VIII century24, it was always felt the
urgency of a soteriological figure susceptible of fighting successfully Muslims that
had taken over Jerusalem25.
The Pseudo-Methodius title of Last Days’ Emperor is replaced in the Sibylline
Oracles by the equivalents of “King coming from the sun” and “Blessed man
coming of the sun”, in the books 3 and 5 respectively.
In book 3, the Saviour is named “King coming from the sun”, and will appear
sudden and unexpectedly, dictating peace by force of arms:
“And then God will send a King coming from the sun that will put end to all
devilish war in earth, killing some, dictating loyalty oaths to others; and he will
not do all things said by his own will but by obeying to the noble words of God”
[3: 652-656].
In book 5, he is named “Blessed man coming of the sun”, coming, also, sudden
and unexpectedly, after the Temple’s destruction:
“[…] He [the “Blessed man coming of the sun” destroyed all cities since their
foundations with a lot of fire and burned mortal nations that were clearly evil […]”
[5: 418-419].
lline Oracles, the Eritrea Sibyl26 would be the most propagated in the
peninsular range and, after, in the national one.
I am convinced that that Colón applied the prediction to himself, in fair
23
Cf. Ernst Sackur, Sibyllinische Texte und Forschungen: Pseudometodius, Adso und die
Tiburtinische Sibbyle, Halle, 1898, p. 73-93; Eric Gruen, Jews, Greeks and Romans in the
Third Sibylline Oracle, in Martin Goodman (ed.), Jews in a Graeco-Roman World, Oxford,
1998.
24
In Portugal, the Pseudo-Methodius and the Eritrea Sybil achieved the notable propagation
between five and six hundred Joachimites, thanks to Expositio magni propheta Joachim in
librum beati Cyrilli or Libellus de magnis tribulationibus [...] compilatus a Theolosphoro de
Cusentia (Veneza, 1516 e Lião, 1663). See Manuel J. Gandra, Joaquim de Fiore, Joaquimismo
and Esperança Sebástica, Lisboa, 1999, p. 20-22.
25
After Carolus Magnus’ death, crowned Emperor in the year 800, the expectation of the
Carolus Redivivus advent had significant expression, being known that he would be the great
emperor that would consummate the prophecies.
26 Vaticinium Sybillae Erythrea ou Prophetia Sibyllae Herithreae, Veneza, 1515 e 1525
83
measure of the five syllable of his pseudonym: Cris-tó-bal-Co-lón27, originally,
applied to the Byzantine Emperor lsaac Angelos, “cujus nomen quinque apicibus
scriptum est” (whose name is written with five apexes)28, such as the sebastianists
would adjust it to Dom Sebastião (Se-bas-ti-a-nus)29.
The peninsular Christian, Jerusalem
and Mount Zion predestined reformer
This Joachimite prediction30, also named Oraculum Turcisco, and inspired in
Psalm 141, was repeatedly mentioned by Cristobal Colón31, surely because it identified
84
that predestined mission with the one he believed he have had invested himself.
The paradigm is equivalent in perfection to the peninsular Encoberto, title
that Lúcio de Azevedo supposed having been evoked by the Frei Pedro de Frias’
Coplas32, despite of previously given to a monarch of Avis, whose aspirations to
the Universal Empire were registered by the third Bragança Duke, D. Fernando33,
and by Cristóbal Colón and seem to indict the blanks that compose the
denominated Polyptych of Janelas Verdes, attributed to Nuno Gonçalves, exhibited
in Museu Nacional de Arte Antiga.
Effectively, an anonymous chronicle of the XV century claims that D. Afonso V
of Portugal34 would accomplish the prophecies of Saint lsidoro, in the year of 1475,
entering Encoberto in Castile riding a wooden horse, to found a kingdom of order
and virtue35:
“When it was time, and accomplishing the misfortune’s prophecies of Spain,
the king D. Afonso V of Portugal entered by Codosera in the kingdoms of Castile
so the people would believe him to be the Encoberto, entering in Castile in a
27
Occurs in various miscelanius [BN: cod. 7693, fl. 63; BA: 51-VI-2, fl. 437-443; etc.]. Also
included in the Rusticano book (Veneza, 1516, fl. 52r-54v). In the writs of a Cross Crusader
supporter, Frei Fernandes de S. Paulo, appears quoted, among other prophecies, the one of
Eritrea Sybila [AG Simancas: Estado França, K 1677, G. 6]. Cf. Manuel J. Gandra, Joaquim de
Fiore, […], p. 26-27.
28
Ed. O. Holder-Egger, in Neue Archiv für ältere Deutsche Geschichtskunde, v. 15 (1889), p.
155-173. Ver Bernard McGinn, Joachim and the Sibyl: an early work of Joachim of Fiore from
Ms 322 of the Biblioteca Antoniana in Padua, in Citeaux, n. 24 (1973), p. 97-138.
29
Cf. Manuel J. Gandra, Hagiografia de D. Sebastião: de desejado a encoberto, Mafra, 2014.
30 Cf. Prophetia de Summis Pontificibus et Anselmi Episcopi Marsicani Vaticinia sive Prophetiae
Abbatis Joachim et Anselmi Episcopi Marsicani cum imaginibus (several editions of XVI e
XVII centuries: Bolonha, Lião, Pádua e Veneza). To the propagation and repercussion of this
apocryphal, in Portugal, cf. Manuel J. Gandra, Ob. cit, p. 23-25.
31
Cf. Letter to the King and Queen (1501), in Consuelo Varela, Ob. cit., p. 252-256 e PL: fl.
4-6; Relação da 4ª Viagem (1503), in Consuelo Varela, idem, p. 302; LP: fl. 67v (Letter of the
Genovese delegates to the Kings of Spain, Barcelona, 1492).
32
“It will happen in October month / this writ is not mistaken / It will obtain victory, making war
/ a king that does not show himself”. The Coplas were printed in Valencia in 1520.
33
19th October 1468 letter: “[...] If God have ordered such, you will not only have the Castile
kingdom, but conquer Grenada’s and take the sword of Fez and with it you’ll conquer the whole
world, and one and another shall not be missed. [...]”.
34
Married in second wedding with D. Joana, the Excellent Lady, heir of Henrique IV of Castile,
that competed for the throne of Spain with Isabel, the catholic.
35
The prediction 27 of The Popes Prophecies, foreword of abbot Joachim, resumes the Encoberto’s
qualities and the circumstances of the respective advent, her in Jardim Ameno version[ANTT:
cod. 774, fl. 13-13v]: “Dead and forgotten, his face many will know, even if not seen by anyone.
For the divinity this just, he will have the Empire’s sceptres. Fairly he will be found and declared.
On heaven will shout the invisible announcer, three times, saying: hurry up and go to the west
side that has seven hills and you’ll find a man who lives there, a friend of mine, take him and
put him to possess of the Royal Throne. The signals he has and by which you’ll recognize him
are these: he is calm, quiet and gentle, of great understanding, sharp in seeing mainly future
things. In you you will have and you will possess the Empire and Monarchy of the seven hills.”.
wooden horse, according to Saint Isidoro’s published
prophecy about Encoberto, this king, pretending to be ill, or
being certain by chance, entered in stilts, being careful about
the ceremonies and obeying, at the peoples’ eyes, as much
as possible to the prophecies; and, as the Castilians, used
to tyrannical freedom, were enemies of seeing themselves
ruled by any king, the innocents that had no knowledge of
those covered prophecies, would be forced to believe, by
the shown signals, that this king D. Afonso was Encoberto,
bringing to practice his virtues and greatness, and praising
him for the excellent qualities he, indeed, had.”36.
It is, however, necessary to remember that expectations
about the peninsular origin of the predestined reformer of
Jerusalem ascend paganism, being retrieved, from the end
of XIII century, by Arnaldo de Vilanueva (c. 1250-1312), in
its De cymbalis ecclesiae37, work in which, this Joachimite
diplomat serving Jaime II of Aragon and Frederico III of
Sicily, foretells the beginning of Armageddon in 137838.
85
Eritrea Sybil Prophecy
Also the sebastianists would read syllable by apex and destine Dom
Sebastião’s prediction, whose name counts, in Latin (Sebastianus), the
same five syllables. Vieira read dots in the ii by mistake and applied it to
D. João IV (ioannes iiii).
36 Cronica Incompleta de los Reis Católicos, ed. Julio Puyol, 1934,
citada Fidelino de Figueiredo, Sebastianismo, in Civilização, n. 80
(Ago. 1935), p. 12.
37
Jose Pou y Marti, Visionarios, beguinos y fraticelos catalanes (siglos
XIII-XIV), Vich, 1930.
38
Ver El Enlogium, in Arnaldo de Vilanova, Escritos condenados
por la Inquisición, Madrid, 1976, p. 65-87 e Magister Arnaldus
de Vilanova super facto Adventud Antechristi, in Ana Martínez
Arancón, La Profecia, Madrid, 1975, p. 115-136. Cf. Joaquín Carreras
Artau, La Polémica Gerundense sobre el Anticristo entre Arnau
de Vilanova y los domínicos, in Anales del Instituto de Estudios
Gerundenses del Patronato “José Mª Quadrado”, (1950).
Project Vicente | Projecto Vicente
Raoul Kurvitz
Esta obra de arte é inspirada numa série de diferentes
semelhanças estruturais entre o Cristianismo Europeu
e o paganismo Pré-Cristão, os quais se fundiram durante
e desenvolvidos pelas fantasias pessoais do artista, bem
como suas práticas ritualísticas-mitológicas. Com base
em trabalhos anteriores do artista com plantas naturais,
séculos, sob formas desde então percepcionadas e praticadas
em diferentes combinações folcloricamente criativas. Vários
dias festivos pagãos foram renomeados de acordo com santos
Cristãos, e contos de fadas e mitos em que as personagens
têm os traços de santos Cristãos e fadas pagãs são exemplos
de tais combinações. Este projecto foca-se nos pontos de
igualmente passíveis de serem interpretados como pagãos,
a urtiga surgiu como elemento metafórico central.
A urtiga é uma planta que é considerada uma erva
extremamente desagradável, já que irrita a pele e obstrói
o crescimento das ‘plantas culturais’. No entanto, a urtiga
é uma planta muito bela, quase como uma flor, com a sua
contacto entre as lendas de S. Vicente nas tradições culturais
portuguesas e a figura do ferreiro nas tradições paganísticas
estónias. Na atmosfera cristianizada, o ferreiro é uma
espécie de líder espiritual e mestre, um vencedor mítico,
estética dura; a urtiga é igualmente uma planta extremamente
saudável uma vez cozinhada em sopa e fustigarmo-nos
com ramos de urtigas fortaleceria notavelmente a nossa
imunidade a doenças, incluindo a historicamente mais
correspondendo ao Vicente no folclore Nórdico-Báltico.
temível – a peste. Mesmo não fazendo gande esforço para
No entanto, não é apenas no folclore e nas lendas que as
tradições Cristâs e pagãs se fundiram; há testemunhos
de rituais e práticas particulares, e as dos ferreiros
Nórdicos-Bálticos são das mais interessantes. Na cultura
encontrar provas históricas acerca do seu uso ritualístico,
poderíamos intuitivamente afirmar que a urtiga é ‘uma planta
inteiramente pagã na sua essência’. Um facto especificamente
importante é o de que a urtiga é extremamente rica em ferro
estónia, um ferreiro era um especialista extremamente
importante e útil, sem o qual a actividade comunal e
(ferrum), uma vez que cresce especialmente em locais onde
o solo contém mais ferro; ora, muito significativamente,
produtiva mal seria possível; ao mesmo tempo, acreditava-se
que o ferreiro estava em contacto com as mais assustadoras
forças espirituais – uma posição única, que os tornava
existiam muitas urtigas em volta das antigas ferrarias.
A urtiga torna-se assim uma metáfora para ligar paganismo
e industrialismo, aportando conteúdos historicamente
‘feiticeiros legais’. Ao mesmo tempo, quando chegaram
as massivas perseguições às bruxas por toda a Europa, os
mitológicos à realidade dos dias de hoje, caracterizada pelo
ritualismo tecnológico da civilização globalizada.
ferreiros estónios não foram forçados e frequentarem a
igreja; por defeito podiam recusar baptizarem-se, e a sua
‘colaboração’ com Vanapagan (o Diabo na língua estónia) era
A forma da obra de arte há-de ser a de uma instalação
total. Um ambiente, baseado na estrutura em forma de
aceite, já que se acreditava que assim ficava ‘sob controle’;
o ferreiro cria sair do contrato com o Diabo sempre como
capela do espaço existente [Ermida N. Sra. da Conceição].
Será criada uma capela ou cripta feita de urtigas, e portanto
um vencedor – tal como Vicente. Também existiam muitas
lendas acerca de ‘missas da meia-noite’ em igrejas Católicas
ou Luteranas; estórias como a de um viajante que observa
será realizado um desvio estilístico: um espaço sacral Cristão
ganhará uma imagem pagã, com arcos parabólicos no
lugar de Românicos ou Góticos. O ambiente deverá incluir
as janelas de uma igreja com as luzes acesas, escutando
um órgão a tocar estranhas melodias pagãs, mas que,
elementos de luz e som, e uma vez que as urtigas têm uma
ligação metafórica e física com o ferro, será utilizada uma
ao aproximar-se, nada encontra…; também de criptas
subterrâneas e rituais secretos em moinhos…
quantidade de elementos em ferro, como se a estrutura de
urtigas tivesse crescido a partir deles, ‘alimentada’ por eles.
Este projecto não é um trabalho de investigação científica,
o que exigiria verdade histórica. É uma compilação poética e
artística, em que diferentes motivos folclóricos são reunidos
This artwork is inspired by a number of different
structural similarities between European Christianity
and Pre-Christian paganism, these having merged into
diseases, including the historically most dreadful one – the
plague. Even not trying to make too much effort to find
historical evidence about it´s ritualistic use, one might
each other for centuries, in ways ever since perceived and
practiced in different, folklorically creative combinations.
Various pagan celebration days were renamed according
to Christian saints, and fairy tales and myths in which the
characters have the features both of Christian saints and
pagan fairies, are examples of such combinations. This
intuitively say that the nettle is ‘an entirely pagan plant in
it´s essence’. A specifically important fact here is, that nettles
are extremely rich in iron (ferrum), as they grow especially
well on spots where the soil contains more iron; now, most
significantly, the surroundings of ancient blacksmitheries
are extremely full of nettle-plants. Thus, the nettle-plant
project focuses on structural encountering-points between
the legends on S. Vincent in Portuguese cultural traditions,
and the figure of the blacksmith in Estonian pagan
traditions. In the Christianized environment, the blacksmith
is a sort of spiritual leader and teacher, a mythical winner,
becomes a metaphor to link paganism and industrialism,
bringing a historically mythological content into the
present-day reality of the technological ritualism of the
globalized civilization.
correspondent to Vicente in Nordic-Baltic folklore.
However, not only folklore and legends are the space
where Christian and pagan traditions have merged into
each other; there are evidences about particular rituals and
practices, and those of the Nordic-Baltic blacksmiths are
The form of the artwork shall be a total installation. An
environment, based on the existing, chapel-like structure of
the exhibiting-place [Ermida N. Sra. da Conceição]. A chapel
or a crypt made of nettles shall be created, thus a stylistic
shift is to be accomplished: a Christian sacral space shall
possibly the most interesting ones. In Estonian cultural
traditions, a blacksmith was an extremely important and
useful specialist, without whom communal or productive
get a paganistic look, with parabolic arches instead of the
Romanic or Gothic ones. The environment shall include as
well elements of light and sound, and since the nettle-plants
activity would hardly be possible; at the same time, he
was believed to be in close contact with the most dreadful
have both a physical and metaphorical connection with iron,
an amount of rusty iron elements shall be used, as if the
spiritual forces – a unique position, which made them
‘legal sorcerers’. At the same time, when there were massive
witch-hunts all over Europe, the Estonian blacksmiths
nettle-structure had grow out of them, ‘fed’ by them.
weren’t forced or expected to go to church; by default they
could refuse to be baptised, and their ‘collaboration’ with
Vanapagan (the Devil in Estonian language) was accepted,
as it was believed to become ‘under control’; the blacksmith
believed to come out from the contract with the Devil always
as a winner – just like Vincent.
Also, there have been a lot of legends about secretive
‘Midnight Missas’ in regular Catholic or Lutherian churches;
stories such as the one in which a traveller sees the windows
of a church in full lights and hears the organ playing weird
paganistic tunes, but, when getting close to it, discovers
nothing…; also tales about underground crypts and secret
rituals in wind-mills…
This project is not a scientific research work, which would
claim for historical truth. It is a poetic, artistic compilation,
where different folkloristic motifs meet and get developed
by the artist´s personal fantasies and ritualistic-mythological
practices. Based on the artist´s former works with other
natural plants, also possible to be interpreted as pagan, the
nettle has emerged here as the central metaphorical element.
The nettle is a plant, which is considered to be a nuisant
and extremely unpleasant weed, as it hurts the skin and
obstructs the growth of the ‘cultural plants’. However, the
nettle is a very beautiful plant, almost like a flower, having its
tough aesthetics; the nettle is also an extremely healthy plant
when boiled into a soup, and whipping oneself with nettle
bunches would remarkably strengthen one´s immunity to
87
PROJECTO TRAVESSA DA ERMIDA
BELÉM, LISBOA
6
Paulo Pereir a
26 José Tolentino Mendonça
30 Fernando MELO
33 Isabel Bar aona
44 Agata Wiorko
50 Nelson Guerreiro
56 Manuel J. Gandr a
65 Marta Soares
86 R aoul Kurvitz