- Programa de Pós Graduação em História

Transcrição

- Programa de Pós Graduação em História
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
SÉRGIO RIBEIRO SANTOS
Igreja Presbiteriana de Cuiabá:
Tradição, Cultura, Sociedade e Politica (1985-2010)
Cuiabá/MT
2015
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SÉRGIO RIBEIRO SANTOS
Igreja Presbiteriana de Cuiabá:
Tradição, Cultura, Sociedade e Política (1985-2010)
Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em
História, do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da
Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutor em História.
Orientador: Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges.
Cuiabá/MT
2015
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Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
R484i Ribeiro Santos, Sérgio.
Igreja Presbiteriana de Cuiabá : Tradição, Cultura, Sociedade e
Política / Sérgio Ribeiro Santos. -- 2015
230 f. : il. ; 30 cm.
Orientador: Fernando Tadeu de Miranda Borges.
Tese (doutorado) - Universidade Federal de Mato Grosso,
Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Programa de PósGraduação em História, Cuiabá, 2015.
Inclui bibliografia.
1. Protestantismo. 2. Igreja Presbiteriana. 3. Tradição. 4.
Globalização. 5. Modernização. I. Título.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
Permitida a reprodução parcial ou total, desde que citada a fonte.
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SANTOS, Sérgio Ribeiro. Igreja Presbiteriana de Cuiabá: Tradição, Cultura, Sociedade
e Política (1985-2010).
Tese apresentada ao Programa de Pós Graduação em História, do Instituto de Ciências
Humanas e Sociais da Universidade Federal de Mato Grosso para a obtenção do título de
Doutor em História.
Defendida e aprovada em: 02/10/2015.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges (Examinador Interno e Presidente)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (UFMT)
___________________________________
Profa. Dra. Cristiane Thaís do Amaral Cerzósimo Gomes (Examinadora Interna)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (UFMT)
___________________________________
Profa. Dra. Maria Adenir Peraro (Examinadora Interna)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (UFMT)
__________________________________
Prof. Dr. Alexandre Macchione Saes (Examinador Externo)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (USP)
___________________________________
Prof. Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa (Examinador Externo)
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE (UPM)
___________________________________
Prof. Dr. Renílson Rosa Ribeiro (Examinador Interno Suplente)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO (UFMT)
__________________________________
Prof. Dr. Alderi Souza de Matos (Examinador Externo Suplente)
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE (UPM)
_________________________________
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Aos meus avós paternos e maternos,
Cícero e Maria Rosa,
Macário e Maria Vitória.
Primeiras raízes de uma árvore que abraçou a
fé protestante, e que com seus galhos e
sombras, tem abrigado a muitos.
e
Rev. Philippe Landes e João Dias de Araújo,
imigrantes que amaram Cuiabá e aqui
lançaram sementes de fé que, num solo fértil,
multiplicaram infinitamente mais do que eles
um dia puderam imaginar.
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AGRADECIMENTOS
No meu Exame de Qualificação escrevi: “Ainda que o percurso desta caminhada não
tenha se completado, os primeiros rebentos e brotos desta árvore começam a ser colhidos. São
botões de flores a anunciar uma colheita futura.” Agora, alguns meses depois, apresento o
resultado do plantio e terra trabalhada durante quatro anos. Porém, posso afirmar convicto que
numa estrada como esta nunca estamos sozinhos, e mesmo entregues ao labor intelectual,
longe de todos os olhos, somos acompanhados por vozes, lembranças e palavras de incentivo
daqueles que acreditam em nós e nos apoiam. Neste rol, quero incluir pessoas e instituições,
que, seja pelo exemplo, pelas palavras, pela motivação, abrindo portas ou motivando, fez este
trabalho de “sol a sol” menos pesado do que ele é.
Puxando a fila, como orientador, quero mencionar o Prof. Dr. Fernando Tadeu de
Miranda Borges. Sempre me instigando a pensar também com o coração e com as emoções,
tem me proporcionado a ver além das meras letras e regras acadêmicas, a olhar para o meu
objeto com sensibilidade, dando vida e voz aos atores que anseiam por sair da coxia e
ocuparem seu espaço à ribalta.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação, sempre prestativos e atenciosos. Muito
obrigado pela atenção e disponibilidade a alunos que, assim como eu, estão sempre à espreita
de cada um de vocês. Ainda me lembro de cada colega de turma e de sala que, com
participações instigantes, sempre nos estimulam a novos olhares e a novos objetos.
Destaco também o Prof. Dr. Pablo Diener, meu orientador no Mestrado do Programa de
Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Mato Grosso. Obrigado por me
iniciar nos rigores acadêmicos da pesquisa historiográfica e me abrir os olhos para os objetos
sobre os quais agora tenho me debruçado.
Também quero agradecer aos Examinadores da Banca de Qualificação, Profa. Dra.
Cristiane Thaís do Amaral Cerzósimo Gomes, Prof. Dr. Renílson Rosa Ribeiro e Prof. Dr.
Marcelo Fronza, por terem aceitado gentilmente o convite, o tempo dedicado na leitura deste
trabalho e as valiosas sugestões.
Também de inestimável contribuição é a participação nesta Banca de defesa de Tese os
professores Dra. Cristiane Thaís do Amaral Cerzósimo Gomes, Dra. Maria Adenir Peraro, Dr.
5
Alexandre Macchione Saes, Dr. Hermisten Maia Pereira da Costa, Dr. Renílson Rosa Ribeiro
e Dr. Alderi Souza de Matos. O tempo dispendido na análise desta pesquisa em meio os
muitos compromissos de cada um, todas as observações e sugestões, certamente enriquecerão
muito o trabalho.
Externo também minha gratidão, de modo particular ao Programa de Pós-Graduação em
História e a Universidade Federal de Mato Grosso como um todo, pela seriedade e
competência com que o trabalho tem sido realizado e por nos proporcionar um ambiente
acolhedor e familiar, sem se descuidar dos rigores acadêmicos. Menção especial deve ser feita
também a outras duas instituições e seus representantes que lhes dão alma. A primeira delas é
o Presbitério de Cuiabá, que na pessoa do seu Secretário Executivo, Rev. Adilson Maciel de
Araújo, me propiciou o acesso a arquivos que foram fundamentais para os primeiros passos a
serem dados nesta pesquisa. De valor inestimável foi a contribuição da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá, na pessoa do presidente do seu Conselho, Rev. Marco Antonio Serjo da Costa.
Acesso irrestrito aos seus arquivos, ambiente agradável e acolhedor para a realização da
pesquisa nunca me foram negados.
A cada um dos entrevistados meu muito obrigado, pelo tempo, disposição e acesso a
acervos pessoais. Cada opinião expressa e memória registrada, junto com as Atas e Boletins
Informativos da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, formam o coração deste trabalho. Sem eles,
seria impossível as relações documentais que fundamentam esta Tese. Entre os entrevistados,
quero destacar a arquiteta Karina Volkmann Ultramari Santos que gentilmente cedeu os
projetos do novo templo que está sendo construído na Av. Historiador Rubens de Mendonça.
De modo especial agradeço a minha esposa, minha primeira e principal incentivadora. Sei
que lhe “furtei” muito do nosso tempo, porém nunca me cobrou por isso. Quero compartilhar
com ela cada passo dessa caminhada e cada fruto colhido.
Acima de tudo, toda minha gratidão a Deus, Criador de todas as coisas, tanto as que
conhecemos como as que nos estão ocultas. Algumas delas posso compreender
intelectualmente, outras, por estarem no campo do mistério, me permitem apenas crer. Porém,
não sem o fundamento daquilo que me foi dado racionalmente, para que, como nos primeiros
passos de uma escada, possa alcançar lugares mais altos.
6
O que ouvimos e aprendemos,
o que nos contaram nossos pais,
não o encobriremos a seus filhos;
contaremos à vindoura geração[...].
(Asafe, Salmo 78.3-4).
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RESUMO
SANTOS, Sérgio Ribeiro. Igreja Presbiteriana de Cuiabá: Tradição, Cultura, Sociedade
e Política (1985-2010). Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em História,
Orientador: Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges. Universidade Federal de Mato
Grosso, Cuiabá, 2015.
Organizada juridicamente em 20 de outubro de 1920, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá
completa 95 anos neste ano de 2015. Esta igreja protestante, de origem puritana e calvinista, é
a instituição religiosa não católica mais antiga no Estado de Mato Grosso. Contudo, a
presença protestante em Cuiabá remonta ao final do século XIX. Fundada por missionários de
origem norte-americana, essa igreja presenciou todas as grandes transformações do último
século, sejam de ordem local, nacional ou global. Fossem elas de natureza política, social,
cultural ou econômica. Como toda instituição antiga, principalmente de viés conservador, teve
que lidar com os novos tempos, ideias e cenários sociais que se configuravam ao longo de sua
existência, principalmente à medida que o fim do século XX se aproximava. Nas duas últimas
décadas do século anterior houve a redemocratização do país, a abertura econômica para os
mercados internacionais e as consequências da globalização. Houve também os efeitos da
pós-modernidade, também definidos pelos teóricos do assunto como modernidade tardia ou
modernidade líquida. Costumes e valores, referentes ao campo ético, começavam a ser
questionados, principalmente na esfera do comportamento, como a estrutura familiar,
questões de gênero, sexualidade, meio ambiente, entre outros. Desenvolveu-se rapidamente a
tecnologia, os meios de comunicação e o sistema de transporte, que, por sua vez, deu
velocidade à propagação de ideias, sendo muitas delas antagônicas aos valores puritanos e
calvinistas. Neste embate, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá viveu e vive a tensão entre a
necessidade de renovação, porém, sem perder sua tradição protestante histórica, o que a tem
levado, inevitavelmente, a momentos de contradição, seja em termos conceituais ou práticos.
Neste cenário, tem-se, portanto, como objetivo de pesquisa, compreender como a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá readequou-se ao novo momento vivido por ela no final do século XX
e início do XXI e como ela articulou a sua tradição com esse momento de renovação.
Sustentará também a tese de que a globalização e a modernização foram os elementos
fundamentais para a renovação da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, não, porém, sem o conflito
das contradições. Servirá também este estudo local para entender como o protestantismo
histórico no Brasil tem lidado com o fenômeno mencionado. A pesquisa, dentro de um
referencial predominantemente weberiano, se desenvolve no campo da história das religiões,
contudo, dialogando com outros domínios, como a história das ideias, política, social e do
cultural. O trabalho é construído principalmente a partir de documentos internos da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, como livros de atas, periódicos e registros orais, além da pesquisa
bibliográfica e monográfica.
Palavras
chaves:
Modernização.
Protestantismo,
Igreja
Presbiteriana,
Tradição,
Globalização
e
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ABSTRACT
SANTOS, Sérgio Ribeiro. Presbyterian Church of Cuiabá: Tradition, Culture, Society
and Policy (1985-2010). Tesis (Doctorade). History Postgraduation Programme, Advisor:
Prof. Dr. Fernando Tadeu de Miranda Borges. Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá,
2015.
The Presbyterian Church of Cuiabá was legally organized in the 20 th October 1920, then, in
2015, it is going to be 95 years old. This Protestant, Calvinist and Puritan Church is the oldest
non catholic church in Mato Grosso. However, protestant presence in Cuiabá is noticed since
the end of 19th Century. This church was founded by Americans missionaries and watched to
the great movement of local, national and global transformation order during the last century,
including political, social, cultural and economic aspects. As all ancient institution, especially
with a conservative bias, it has had to deal with modern times, new ideas and social
development that have shaped along its existence, especially at the edge of 20th Century.
During the last two decades of the century it faced significant changes in the country, such as
democracy transitions, economic opening to international market and the consequences of
globalization. Moreover, there were also postmodernity effects, so called by theorists as late
modernity. Values and customs, related to ethics, started to be questioned, especially
concerned to social behavior, such as family structure, gender issues, sexuality, environment
and others. Technology, communication and transport systems were quickly developed and
increased dissemination of antagonistic ideas to Puritan and Calvinists values. Under this
pressure, Presbyterian Church of Cuiabá has faced a tension caused by the necessity of
changes due to this new order and its protestant tradition historically performed. This situation
drives it, inevitably, to some moments of contradiction in practical and conceptual terms.
Within this scenario, the aim of this research is to understand the way Presbyterian Church of
Cuiabá has reorganized itself to this brand new moment of 20th Century final and 21 st
Century beginning, moreover to grasp how it has framed its position concerned to tradition
and renewal moment. This study will support the thesis that globalization and modernization
were the key elements to Presbyterian Church of Cuiabá updating. However it does not mean
that it was possible without conflicts of contradictions. This local study will also be useful to
understand how historical Protestantism in Brazil has dealt with this phenomenon. This
research, inserted in a weberian model, is developed in the field of religions history;
nevertheless it keeps an open dialogue with different knowledge areas, with the history of
ideas, politic, social and cultural. This study is built especially from documents of
Presbyterian Church of Cuiabá, such as Minutes Books, Periodic and oral registers, besides
bibliographical and monographic research.
Key words: Protestantism, Presbyterian Church, Tradition, Globalization, Modernization.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01 – Central da empresa telefônica de João Dias ........................................................ 16
Figura 02 – Rev. Philippe Landes ........................................................................................... 24
Figura 03 – Rev. Franklin Floyd Grahan ................................................................................ 45
Figura 04 – Rev. Philippe Landes ........................................................................................... 47
Figura 05 – Rev. Adan Martin ................................................................................................ 47
Figura 06 – Rev. Philippe Landes discursando por ocasiãodo lançamento
da pedra fundamental da Primeira Egreja Presbyteriana de Cuyabá ................... 48
Figura 07 – Membros da 2ª Meza Administrativa .................................................................. 49
Figura 08 – Construção do templo na Rua 13 de Junho – Vista interna ............................... 121
Figura 09 – Prédio da Biblioteca George Alexander – Mackenzie ....................................... 121
Figura 10 – Princeton Theological Seminary – New Jersey/EUA ........................................ 122
Figura 11 – Seminário Presbiteriano do Sul – Campinas/São Paulo .................................... 122
Figura 12 – Capela do Colégio Evangélico Buriti – Chapada dos Guimarães/MT .............. 123
Figura 13 – Frente da Igreja Presbiteriana de Cuiabá ........................................................... 124
Figura 14 - Imagem do púlpito do Templo da Rua 13 de junho
antes da reforma de 2002 ................................................................................... 128
Figura 15 - Interior do Templo na Rua 13 de Junho após a reforma de 2002 ...................... 128
Figura 16 - Maquete da fachada da Igreja Presbiteriana de Cuiabá ...................................... 130
Figura 17 - Vista panorâmica do auditório do Novo Templo ............................................... 131
Figura 18 - Vista frontal da plataforma do Novo Templo .................................................... 131
Figura 19 - Cruzada de Alfabetização de Adultos ................................................................ 169
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1
“AINDA COMO NOSSOS PAIS”
A IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ: TRADIÇÃO EM CRISE?
- página 37 -
1.1 SEREIS MINHAS TESTEMUNHAS ATÉ AOS CONFINS DA TERRA...................... 41
1.2 OS DISCÍPULOS FORAM CHAMADOS DE CRISTÃOS............................................. 50
1.3 UM POUCO DE FERMENTO LEVEDA TODA A MASSA.......................................... 56
1.4 FOSTE FIEL NO POUCO, SOBRE O MUITO TE COLOCAREI.................................. 72
1.5 NOS ÚLTIMOS DIAS SOBREVIRÃO TEMPOS DIFÍCEIS.......................................... 79
CAPÍTULO 2
“NA CONTRAMÃO DA VIDA”
A IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ
E SUA PROPOSTA (CONTRA) CULTURAL
- página 91 -
2.1 LEMBRA-TE DO DIA DE SÁBADO PARA O SANTIFICAR...................................... 94
2.2 NÃO PEÇO QUE OS TIRE DO MUNDO E SIM OS GUARDE DO MAL.................... 99
2.3 LOUVAI A DEUS COM ADUFES E DANÇAS .......................................................... 109
2.4 MINHA CASA SERÁ CHAMADA CASA DE ORAÇÃO............................................ 118
11
CAPÍTULO 3
“EM BUSCA DO PARAÍSO PERDIDO”
A IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ
À PROCURA DE UMA “VELHA” SOCIEDADE
- página 137 -
3.1 O QUE DEUS UNIU NÃO SEPARE O HOMEM......................................................... 142
3.2 CARTA ABERTA DIANTE DOS HOMENS................................................................ 158
CAPÍTULO 4
“QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA ACONTECER”:
A IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ E SUA CONSCIÊNCIA POLÍTICA
- página 175 -
4.1 TODA AUTORIDADE É INSTITUÍDA POR DEUS.................................................... 176
4.2 O LEVIATÃ OLHA PARA TUDO COM DESPREZO................................................. 190
4.3 A JUSTIÇA E A PAZ SE BEIJARAM........................................................................... 199
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 213
REFERÊNCIAS................................................................................................................... 216
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INTRODUÇÃO
Como nossos pais
(Belchior, 1976)
Não quero lhe falar meu grande amor das coisas que aprendi nos discos,
Quero lhe contar como eu vivi e tudo o que aconteceu comigo.
Viver é melhor que sonhar, eu sei que o amor é uma coisa boa,
Mas também sei que qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa.
Por isso cuidado meu bem, há perigo na esquina.
Eles venceram e o sinal está fechado prá nós que somos jovens.
Para abraçar seu irmão e beijar sua menina na rua,
É que se fez o seu braço, o seu lábio e a sua voz.
Você me pergunta pela minha paixão,
Digo que estou encantado com uma nova invenção.
Eu vou ficar nesta cidade, não vou voltar pro sertão,
Pois vejo vir vindo no vento o cheiro da nova estação.
Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração.
Já faz tempo eu vi você na rua, cabelo ao vento, gente jovem reunida.
Na parede da memória essa lembrança é o quadro que dói mais.
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo o que fizemos,
Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.
Nossos ídolos ainda são os mesmos e as aparências não enganam não.
Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém.
Você pode até dizer que eu 'tô por fora', ou então que eu 'tô inventando',
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem.
Hoje eu sei que quem me deu a ideia de uma nova consciência e juventude,
Tá em casa guardado por Deus contando vil metal.
Minha dor é perceber que apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos,
Nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.
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- Meninos, está na hora de ir para a cama. Amanhã temos que levantar cedo para irmos à
igreja. Dizia a minha mãe todo o sábado à noite.
- “Bença” pai, “bença” mãe. Falávamos eu e meu irmão, sem questionar ou retrucar.
- Deus te abençoe meus filhos. Respondiam meus pais.
Íamos para o quarto, nos ajoelhávamos ao lado da cama e fazíamos uma pequena oração,
desta que as crianças fazem, intercedendo até mesmo pelos animais de estimação. No outro
dia levantávamos cedo e após o café, seguíamos vestidos com as melhores roupas que
tínhamos em direção à pequena igreja, mas que ocupava lugar central na nossa vida.
Na porta costumava ficar uma ou duas pessoas dando às boas-vindas. O respeito aos
diáconos, presbíteros e pastor da igreja era total. Meus pais ensinavam que eles eram muito
importantes e que eram da “liderança” da Igreja. Não sabia bem o que era isso, mas jamais
passava pela cabeça desrespeitá-los. No interior da igreja, modestamente arrumada, havia
placas com pedidos de silêncio. As crianças ficavam sentadas ao lado dos pais em bancos de
madeira; não podiam ficar andando no recinto e desde cedo deviam aprender todo o ritual de
um culto. Ficar em pé, orar, cantar, dizer amém e ouvir atentamente o pregador. Aliás,
segundo os meus pais, esta era a parte mais importante do culto, a pregação. Sempre de terno
e num bom português, o pastor explicava num tom de quem detinha autoridade, algum texto
da Bíblia. Aliás, todos tinham suas bíblias, até as crianças. Os hinos eram cantados por todos
e acompanhados por órgão eletrônico. Às vezes havia um coral que cantava em quatro vozes.
Minha mãe falava que a voz dela era soprano. Eu e meu irmão entendíamos “soprando”. Só
algum tempo depois vim a saber de que se tratava da voz que faz a melodia da música.
No domingo não jogávamos bola na rua, não se arrumava a casa e meu pai não saía para
trabalhar. Minha mãe dizia que o domingo devia ser “guardado”, pois era “dia do Senhor”. As
brincadeiras se resumiam em alguma atividade lúdica, isto é, quando não fazíamos alguma
visita aos amigos ou vizinhos. Em algumas ocasiões, os domingos à tarde eram separados
para irmos aos hospitais ou asilos para levar “conforto” aos doentes ou velhinhos. Também
havia “trabalhos de evangelização”, quando os irmãos da igreja se reuniam numa praça,
cantavam, distribuíam folhetos e o pastor fazia uma pregação, geralmente mais rápida do que
fazia na igreja. Costumeiramente o pastor falava que os cristãos tinham que transformar o
mundo pela pregação do evangelho. Não entendia bem aquilo. Só sei que entre as crianças,
distribuir folhetos tornava-se uma competição e ganhava quem distribuía mais.
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Durante a semana, a rotina seguia praticamente igual à de todas as demais famílias.
Talvez a diferença fosse que, como em boa parte das famílias protestantes, meu pai
costumava nos reunir para fazer o “culto doméstico” ao final do dia. Ele lia a Bíblia para nós e
ensinava a respeito dos valores familiares, da importância da honestidade, do trabalho, do
estudo e da obediência aos mais velhos. Cantávamos mais um pouco, orávamos o Pai Nosso e
depois íamos dormir.
- “Bença” pai, “bença mãe”. Eu e meu irmão sempre falávamos.
- Deus te abençoe meus filhos. Sempre respondiam meus pais.
Estas são memórias de um passado não muito distante, mais precisamente meados da
década de 1980. São lembranças que tenho da minha infância vivida num tradicional lar
protestante. Contudo, não sabia eu naquela época, que tais práticas eram as últimas fronteiras
que em breve seriam rompidas e reconfiguradas por uma série de transformações que
ocorriam naquele período. Ambientes como estes se tornariam cada vez mais raros e por
pouco, provavelmente, não teriam feito parte da minha geração. O advento da tecnologia, o
desenvolvimento econômico e as transformações sociais, econômicas, políticas e culturais,
relegaram aquelas práticas ao passado. Conceitos como os de família, vocação para um
determinado trabalho, domingo cristão, religião, estudo, casamento, entre outros, praticamente
foram todos repensados e reconfigurados nas últimas três décadas entre o final do século XX
e início XXI, caindo assim como uma bomba e abalando todos os alicerces sobre os quais
determinadas estruturas tradicionais haviam sido erguidas, a exemplo de diversas famílias e
igrejas protestantes.
Como afirma o sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925 - ) - proponente do conceito
de “modernidade líquida” - a transição do século XX para o XXI, período equivalente ao
recorte temporal desta pesquisa, trouxe em sua bagagem conceitual elementos que tinham por
intenção a “profanação do sagrado”. Ou seja, os objetivos eram o “repúdio e destronamento
do passado, e, antes e acima de tudo, da ‘tradição’ – isto é, o sedimento ou resíduo do passado
no presente”. Enfim, era o conjunto de elementos que “clamava pelo esmagamento da
armadura protetora forjada de crenças e lealdades que permitiam que os sólidos resistissem à
‘liquefação’”. (2001, p. 09). No entanto, duas características fazem a nossa modernidade nova
e diferente:
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A primeira é o colapso gradual e o rápido declínio da antiga ilusão
moderna: da crença de que há um fim do caminho em que andamos,
um telos alcançável da mudança histórica, um Estado de perfeição a
ser atingido amanhã, no próximo ano ou no próximo milênio, algum
tipo de sociedade boa, de sociedade justa e sem conflitos em todos ou
alguns de seus aspectos postulados [...]. A segunda mudança é a
desregulamentação e a privatização das tarefas e deveres
modernizantes. O que costumava ser considerado uma tarefa para a
razão humana, vista como dotação e propriedade coletiva da espécie
humana, foi fragmentado (“individualizado”), atribuído às vísceras e
energia individuais e deixado à administração dos indivíduos e seus
recursos (BAUMAN, pp.37-38).
Empiricamente, percebia estas transformações na sociedade e que alguma coisa estava
acontecendo com o protestantismo que um dia conheci. No entanto, não possuía o aparato
teórico e nem o instrumental necessário para explicar os porquês destas mudanças. Somente a
partir da minha graduação em Teologia (1995-1999), e mais especificamente, da minha
pesquisa no mestrado (2007-2009), é que comecei a identificar as interfaces entre os campos
político, econômico, cultural e social com o campo religioso.
Diferentemente da sociologia, que se interessa prioritariamente pelos padrões sociais sem desprezar a inestimável contribuição desta, bem como de outras ciências - comecei a
pesquisar sobre as transformações pelas quais passava o protestantismo brasileiro, tendo como
foco não somente as continuidades, mas também as rupturas na tradição protestante.
Da necessidade de compreensão desse fenômeno, portanto, é que surgiu meu interesse
nesta temática, tanto que meu objeto de estudo no mestrado foi a inserção protestante em
Cuiabá, o que ocorreu no início do século passado e que resultou na organização da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá. Pareceu-me mais sensato começar pelo início do protestantismo na
cidade, pois assim teria uma visão maior de conjunto e melhores condições para,
posteriormente, fazer uma abordagem mais contemporânea.
Para a elaboração desta pesquisa foram relevantes as observações do historiador britânico
Edward Palmer Thompson (1924-1993), em seu livro A Miséria da Teoria, onde são
apresentadas importantes sugestões metodológicas para o trabalho historiográfico. Em
especial, a que trata da “existência” e “realidade” das evidências, pondo assim certos limites
ao subjetivismo e relativismo, tal como ele mesmo descreve:
Mostrei certas maneiras de interrogar os fatos, e sem dúvida outros
meios disciplinados e adequados podem ser propostos. Estes têm dois
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atributos comuns: (1) supõem que o historiador está empenhado em
algum tipo de encontro com uma evidência que não é infinitamente
maleável ou sujeita à manipulação arbitrária, que há um sentido real e
significante no qual os fatos “existem”, e que são determinantes,
embora as questões que possam ser propostas sejam várias e elucidem
várias indagações; (2) envolvem uma aplicação disciplinada e
ponderada, e uma disciplina desenvolvida precisamente para detectar
qualquer tentativa de manipulação arbitrária: os fatos não revelarão
nada por si mesmos, o historiador terá que trabalhar arduamente para
permitir que eles encontrem “suas próprias vozes”. Mas atenção: não a
voz do historiador, e sim a sua (dos fatos) própria voz, mesmo que
aquilo que podem “dizer” e parte de seu vocabulário seja determinado
pelas perguntas feitas pelo historiador. Os fatos não podem falar
enquanto não tiverem sido interrogados (1981, p. 40. Itálico do autor).
Tendo essas observações em mente, convém lembrar que, guardada as devidas
proporções, neste período de implantação do protestantismo, transição do século XIX para o
XX, Cuiabá também foi marcada por um momento de profunda transformação econômica,
social e política. Só para mencionar, devemos nos lembrar de que o país vivia um novo
regime político, o republicanismo e a capital de Mato Grosso, politicamente imersa em
“revoluções”. O telefone (1909) e a luz elétrica (1919) começavam a ser implantados em
Cuiabá e isto por um protestante, João Dias. As distâncias se tornavam mais curtas com o
telégrafo e todo um discurso modernizante era produzido pela elite letrada da cidade.
Figura 1 – Empresa telefônica1
1
Da esquerda para direita: João Dias, Philippe Landes, funcionário não identificado, João Alberto Dias.
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Agora, neste ano de 2015, quase cem anos depois da sua implantação na Capital, tomo
novamente a Igreja Presbiteriana de Cuiabá como objeto de estudo. Desta vez, com o objetivo
de apontar os elementos que tem propiciado a reconfiguração do campo protestante na
transição de mais um século e, coincidentemente, de milênio. Ainda seguindo o raciocínio de
Bauman, estas reconfigurações não vieram com o propósito de:
[...] acabar de uma vez por todas com os sólidos e construir um
admirável mundo novo livre deles para sempre, mas para limpar a área
para novos e aperfeiçoados sólidos, para substituir o conjunto herdado
de sólidos deficientes e defeituosos por outro conjunto, aperfeiçoado e
preferivelmente perfeito, e por isso não mais alterável (2001, p. 09.
Itálico do autor).
Isto significa que não se trata apenas da destruição de um velho paradigma, o que
Bauman chama de “sólidos deficientes e defeituosos”, mas da construção de um novo e com
pretensões de perenidade. Quanto a esta pesquisa, este processo se limitará às implicações
diretas sobre as instituições tradicionais de natureza eclesiástica. Principalmente as que foram
erigidas sobre um modelo antigo e que agora disputam palmo a palmo um espaço social que
lhes garanta a sobrevivência, face ao novo paradigma que se impõe.
Enfim, esta minha inquietação epistemológica, tão necessária para a motivação e
persistência na pesquisa científica, a partir da documentação disponível, me levou a definição
do recorte, tanto temporal, quanto espacial. Por baliza temporal, tomei como marco inicial a
Nova República (1985), pois, além das transformações políticas ocorridas no país, começava
a ser posta em prática uma nova agenda econômica global, além do rápido avanço da
tecnologia, dos meios de comunicação e transmissão de dados. Devem-se mencionar também
as novas demandas sociais, cada vez mais pulsantes, e a interação entre as mais diferentes
culturas, o que, inevitavelmente tem trazido os seus desdobramentos e tensões. Como marco
final, tomei o ano de 2010, uma vez que a partir de 2011 comecei a trabalhar na instituição
pesquisada. Logo, busquei, tanto quanto possível, o distanciamento do meu objeto de estudo.
Sobre o recorte geográfico, mais uma vez minha pesquisa está inserida na história
regional, particularmente Cuiabá. Contudo, isto não significa isolamento dos contextos
maiores, tanto nacional, quanto global. Mesmo porque, uma das variáveis presentes na
pesquisa, é a globalização.
Quanto à documentação, tenho trabalhado basicamente com três fontes, além da
bibliográfica. A primeira é o conjunto de Atas, tanto do Presbitério de Cuiabá, quanto da
18
Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Todas as Assembleias Gerais da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá, do seu Conselho e do Presbitério de Cuiabá, constituem um rico acervo para avaliar a
trajetória do presbiterianismo na cidade. A segunda fonte é o uso da História Oral, o que se
constituiu num rico e sugestivo acervo. É o recurso historiográfico da memória dos membros
da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Por fim, a terceira fonte constitui-se do considerável acervo
de Boletins Informativos Dominicais da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Trata-se de um
arquivo de boletins distribuídos dominicalmente com o objetivo de divulgação de avisos,
eventos, reflexões e orientações gerais para a comunidade presbiteriana. Esse periódico
semanal abrange praticamente todo o período investigado nesta Tese.
Como referencial teórico, tenho-me valido da perspectiva weberiana. Não porque seja a
única possível, pois outras têm contribuído ao longo das décadas para o estudo das religiões.
Como Karl Emil Maximilian Weber (1864-1920) assinalou ao final da sua Ética protestante,
“toda interpretação esforça-se para conseguir o máximo de verificabilidade. Contudo, nem
mesmo a interpretação mais verificável pode reclamar o caráter de ser casualmente válida.
Permanecerá apenas como uma hipótese particularmente plausível” (1987, p. 17). Por isso,
nenhuma linha interpretativa deve ter a pretensão de ser a única possível para os fenômenos
religiosos, mas apenas etapas preliminares.
Sobre os fenômenos religiosos, não deve ser desprezado o seu estudo, seja no campo
histórico ou de outros domínios nas ciências sociais. Este foi também o entendimento do
antropólogo americano e professor emérito da Universidade de Princeton, Clifford Geertz
(1926-2006), autor de A Interpretação das Culturas. Ele afirma que:
[...] a religião é sociologicamente interessante não porque, como o
positivismo vulgar o colocaria, ela descreve a ordem social (e se o faz
é de forma não só muito oblíqua, mas também muito incompleta), mas
porque ela – a religião – a modela, tal como o fazem o ambiente, o
poder político, a riqueza, a obrigação jurídica, a afeição pessoal e um
sentido de beleza. [...] Os conceitos religiosos espalham-se para além
de seus contextos especificamente metafísicos, no sentido de fornecer
um arcabouço de ideias gerais em termos das quais pode ser dada uma
forma significativa a uma parte da experiência – intelectual,
emocional, moral (GEERTZ, 1989, pp. 136, 140).
Por essa razão e pelo lugar que Weber dedica ao fenômeno religioso na composição
social e pela relação que ele credita ao protestantismo com a modernidade, optei por essa
linha teórica de análise (2009, p. xxii). A título de informação, isto não significa o abandono
19
de qualquer outra fonte ou referencial teórico. Estes, quando necessários, aparecerão no
decorrer do trabalho.
Ainda de acordo com o sociólogo alemão, o ethos protestante, a ascese cristã e a ideia de
vocação foram determinantes para o surgimento dessa sociedade moderna e o
desenvolvimento do capitalismo, em sua vertente racionalizada (WEBER, 1992, p. 164). Isto
porque, segundo a sua perspectiva, o fenômeno religioso está na base da construção de
diversas práticas e valores de um dado grupo social, e mais, as “forças mágicas e religiosas, e
os ideais éticos do dever deles decorrentes, sempre estiveram no passado entre os mais
importantes elementos formativos da conduta” (Ibidem, 1992, p. 11).
Avançando um pouco mais, para uma melhor compreensão do sentido de ethos, termo
largamente usado por Weber, faz-se uso aqui da definição apresentada por Geertz, onde ethos
é posto ao lado do sentido de “visão de mundo”:
Na discussão antropológica recente, os aspectos morais (e estéticos)
de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o
termo “ethos”, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais foram
designados pelo termo “visão de mundo”. O ethos de um povo é o
tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e
sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu
mundo que a vida reflete. A visão de mundo que esse povo tem é o
quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seu
conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. Esse quadro contém
suas ideias mais abrangentes sobre a ordem (1989, p. 144).
No caso da sociedade moderna, o protestantismo foi um componente importante na
formação dos seus valores e modo de ver o mundo, mesmo que, posteriormente, tenha havido
uma ruptura entre esta mesma sociedade e os valores éticos tradicionais do protestantismo.
Isso porque, o discurso e as práticas religiosas não são estanques e nem hermeticamente
fechadas o suficiente, a ponto delas próprias não serem influenciadas por valores e práticas
oriundos de uma dada sociedade, ainda que seja aquela que elas tenham ajudado a construir.
Logo, como resultado desta troca, é possível encontrar nos dias de hoje, valores e práticas
em uma confissão religiosa que seja até mesmo conflitante com as práticas e valores desta
mesma confissão em tempos passados. Isto é resultado de uma contínua retroalimentação de
práticas, valores e ideias entre o ambiente religioso e a sociedade circundante. Um exemplo
que pode ser dado é o da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América. Esta
denominação, a maior dos Estados Unidos em outros tempos, atualmente ordena mulheres e
20
homossexuais ao ministério, o que levou a sua igreja filha aqui no Brasil, a Igreja
Presbiteriana do Brasil2, a romper as relações eclesiásticas com sua igreja mãe.
Exemplo mais recente - maio deste ano de 2015 - é a autorização da Igreja Protestante
Unida da França, a mais antiga e importante denominação protestante francesa, que inclui
luteranos e reformados, de permitir a benção litúrgica a parceiros homossexuais. De acordo
com o jornal francês Le Monde, do dia 17 deste mesmo mês, a decisão foi por 94 votos a 3, o
que gerou o desagrado do Conselho Nacional dos Evangélicos da França, que disse estar
“consternado” com a decisão3. Estes dois casos servem para exemplificar que a partir das duas
últimas décadas do século XX, o protestantismo histórico tem vivenciado, com mais
intensidade, diversas situações que desafiam a sua tradição e seus valores.
Outro elemento a ser considerado e que tem impactado significativamente as igrejas ditas
históricas, é o crescimento exponencial das igrejas pentecostais e neopentecostais, tanto na
América Latina como no Brasil. Aliás, tal crescimento contrariou as expectativas dos mais
céticos em seus prognósticos religiosos. Algumas razões para esta expansão religiosa na
América Latina, principalmente em sua vertente evangélica, podem ser resumidas na seguinte
explicação dada por Geertz:
Os eventos dos cem anos decorridos [...] – duas guerras mundiais, o
genocídio, a descolonização, a disseminação do populismo e a
integração tecnológica do mundo – menos contribuíram para impelir a
fé para dentro, para as comoções da alma, do que para impulsioná-la
para fora, para as comoções da sociedade, do Estado e desse tema
complexo a que chamamos cultura (2001, p. 152).
Tais fenômenos têm feito muitas igrejas protestantes históricas repensarem, ou adotarem
uma postura mais pragmática, revendo assim sua operacionalidade em termos litúrgicos e seu
modo de comunicação com o público, ou seja, a expansão ao invés da introspecção. Ainda nas
palavras de Geertz, vivemos um período em que há a “substituição de um mundo construído
com uns poucos tijolos análogos, enormes e mal encaixados, por um mundo não mais
uniformemente nem menos completamente construído com muitos tijolos menores, mais
2
É importante observar que a nomenclatura “Presbiteriano” refere-se a uma forma de governo e administração
de uma igreja. Ou seja, um governo representativo e parlamentar exercido pelos presbíteros de uma dada
comunidade religiosa. No caso, a palavra “presbítero” é um termo grego que serve para designar “o mais
experiente” ou “ancião”. Logo, é possível que igrejas que tragam o nome “presbiteriano”, possuam convicções
teológicas distintas. A título de ilustração, somente no Brasil, apenas para citar as mais conhecidas, há as Igrejas
Presbiterianas Independente, Conservadora, Unida e Renovada.
3
Disponível em: http://www.lemonde.fr/religions/article/2015/05/17/l-eglise-protestante-unie-de-france-permetdesormais-de-benir-les-couples-homosexuels_4634859_1653130.html. Acessado em 21/05/2015.
21
diversificados e mais irregulares” (2001, p. 157). Obviamente, este “desencaixe”, vem
atingindo em cheio as comunidades religiosas tradicionais.
Diante do impacto causado por este novo cenário que se construiu ao final do século XX
e usando da justificativa da necessidade de um diálogo maior e melhor com uma sociedade
em transformação, o protestantismo histórico tem buscado uma modernização no seu discurso
e em suas práticas. Tal busca, no entanto, acaba por gerar tensões com sua tradição, o que, por
vezes, cria o desafio do convívio com as inevitáveis contradições advindas deste processo.
A partir deste pano de fundo, propõe-se então como objetivo desta pesquisa, demonstrar
que as transformações decorrentes dos processos da modernização e da globalização foram
determinantes para a reelaboração da identidade e contextualização das comunidades
protestantes tradicionais neste novo cenário que começava a se desenhar.
É importante aqui também definir o que se quer dizer por modernização. De acordo com
Bauman, trata-se da busca por “mudança obsessiva e compulsiva”, também chamadas de
várias maneiras, como “progresso, aperfeiçoamento, desenvolvimento ou atualização”. Talvez
possamos inserir aqui a nomenclatura “contextualização”. Enfim, essa busca é “a essência do
modo moderno de ser. Você deixa de ser ‘moderno’ quando para de ‘modernizar-se’, quando
abaixa as mãos e para de remendar o que você é e o que é o mundo a sua volta” (2005, p. 90).
Ainda sobre este tema, Bauman afirma que:
[...] a sociedade que entra no século XXI não é menos “moderna” que
a que entrou no século XX; o máximo que se pode dizer é que ela é
moderna de um modo diferente. O que a faz tão moderna como era
mais ou menos há um século é o que distingue a modernidade de todas
as outras formas históricas do convívio humano: a compulsiva e
obsessiva, contínua, irrefreável e sempre incompleta modernização; a
opressiva e inerradicável, insaciável sede de destruição criativa (ou de
criatividade destrutiva, se for o caso: de “limpar o lugar” em nome de
um “novo e aperfeiçoado” projeto; de “desmantelar”, “cortar”,
“defasar”, “reunir” e ou “reduzir”, tudo isso em nome da maior
capacidade de fazer o mesmo no futuro – em nome da produtividade
ou da competitividade) (2001, p. 36).
Esta modernidade ou busca por modernização, de um modo mais específico a partir da
segunda metade do século XX, se intensifica “quando o tempo e o espaço são separados da
prática da vida e entre si, e assim podem ser teorizados como categorias distintas e
mutuamente independentes da estratégia e da ação” (2001, p. 15). É o que ocorreu com
advento da internet, incrementando expressivamente a transmissão de dados e os meios de
22
transportes cada vez mais eficientes, em que as distâncias continentais podem ser vencidas
atualmente em horas.
A consequência decorrente deste novo momento, ainda em fase de compreensão e estudo,
que tem levado muitos a “falar [em] do ‘fim da história’, da ‘pós-modernidade’, da ‘segunda
modernidade’ e da ‘sobremodernidade’, ou a articular [em] a intuição de uma mudança
radical no arranjo do convívio humano e nas condições sociais” é o resultado do fato “de que
o longo esforço para acelerar a velocidade do movimento chegou a seu ‘limite natural’”
(Bauman, 2001, pp. 17-18). Ou seja, a humanidade encontrou uma fronteira com a qual ela
ainda não está habituada ou à vontade com este novo território. Tanto que, ainda no
entendimento de Bauman, “a ausência, ou a mera falta de clareza, das normas – anomia – é o
pior que pode acontecer às pessoas em sua luta para dar conta dos afazeres da vida. As
normas capacitam tanto quanto incapacitam; a anomia anuncia a pura e simples
incapacitação” (2001, p. 28. Itálico do autor). Assim se explica porque algumas comunidades
tradicionais têm rejeitado o “antigo”, mas ainda não sabem que tipo de “novo” devem abraçar.
É a “criatividade destrutiva” mencionada por Bauman.
Por isso é que esta pesquisa destaca principalmente as rupturas, renovações ou inovações
e consequentemente as contradições existentes neste processo de modernização e também da
falta de clareza ou anomia. Conflitos estes, inevitáveis, pois ao mesmo tempo em que estas
comunidades protestantes, especificamente a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, lutam por
dialogar com uma sociedade em transformação, tem também o desafio de não negar os
elementos que as identificam como igrejas protestantes históricas. Outro desafio é que esta
nova sociedade é “inóspita para a crítica” (BAUMAN, 2001, p. 31), o que acaba por colocar
as comunidades tradicionais em situação de constante defesa, porém sem o direito ao ataque.
Retomando o nosso objeto de estudo, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá é a mais antiga
igreja protestante em Mato Grosso. Sua fundação como pessoa jurídica data de 12 de outubro
de 1920 e completará ao final deste ano de 2015, 95 anos de fundação. No entanto, as
atividades protestantes no Estado remontam a última década do século XIX. Fundada por
missionários de origem estadunidense, ela esteve inserida em todo o contexto e
acontecimentos do último século na cidade. De origem calvinista, a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá foi fundada sob o ethos da tradição puritana americana, que, por sua vez, deve ser
entendida à luz da definição dada por Alexis de Tocqueville, em seu livro A Democracia na
América:
23
[...] um grupo de emigrantes ou como eles mesmos se chamavam tão
apropriadamente, os peregrinos (pilgrims) [que] pertenciam àquela
seita da Inglaterra [em] que a austeridade de princípios fizera receber
o nome de puritana. O puritanismo não era apenas uma doutrina
religiosa; ele também se confundida em vários pontos com as teorias
democráticas e republicanas mais absolutas (p. 41).
Logo, “os missionários que saíram para outras terras levariam este padrão consigo,
ensinando-o como costume da verdadeira religião” (SOUZA, p. 114). Estas concepções estavam
presentes nos missionários americanos que vieram para o Brasil a partir da segunda metade do
século XIX e para Cuiabá no início do século XX, encontrando, inclusive, um ambiente até certo
ponto favorável e receptivo aos seus discursos.
A razão é que, na transição do século XIX para o século XX, conforme demonstra Laura
Antunes Maciel em sua dissertação de mestrado, A capital de Mato Grosso (1992), a elite letrada
da cidade buscava construir um discurso e imagem modernizantes para Cuiabá. Alinhando-se a
esse discurso e com grande senso de oportunidade, é que se inicia a pregação de um dos pioneiros
do presbiterianismo em Cuiabá, Philippe Landes.
Ele chamava a atenção para o fato de que “a Grande República Norte Americana, que
rapidamente conquistava a hegemonia entre as nações civilizadas, era um país protestante”. Segue
o pastor citando protestantes ilustres, tais como o presidente norte-americano Woodroow Wilson,
Franklin Roosevelt, William Bryan, Sir Issac Newton, Sir Humphrey Davey e o estadista
Gladstone. Logo, conclui Landes que:
[...] as nações mais civilizadas do mundo são aquellas que aceitaram a
reforma evangélica, os maiz atrazados e retrógrados, onde reinam o
analphabetismo, a superstição, a ignorância e a immoralidade são
aquellas que permaneceram no romanismo. Nos Estados Unidos o
governo é altruístico e patriota, o systema de ensino é o mais
aperfeiçoado do mundo e as suas industrias tem se desenvolvido
espantosamente. Os paizes dominados pelo romanismo, pelo contrario,
se vem obrigados a importar dos paizes protestantes as suas machinas
agrícolas, seus motores, telephones, machinas de costura, machinas para
estradas de ferro e inúmeras outras invenções modernas, ao passo que, os
produtos do romanismo são o analphabetismo, a superstição e a
ilegitimidade (O MATO-GROSSO, 05/12/1915, no 1320).
24
Figura 02 - Rev. Philippe Landes4
Philippe Landes nasceu em Botucatu, interior de São Paulo, em 22 de junho de 1883.
Segundo filho do casal de missionários americanos, George e Margaret Landes, Philippe
acompanhou seu pai em diversas viagens missionárias pelo interior do país. Estudou na
Escola Americana de Curitiba e no Mackenzie College em São Paulo. Nos Estados Unidos
formou-se no College of Wooster, em Wooster, Ohio. Sua formação teológica deu-se no
Princeton Theological Seminary, em Princeton, New Jersey. Logo, mesmo sendo brasileiro,
toda a sua educação e instrução foram norte-americanas, o que explica suas observações no
jornal o Mato-Grosso.
Em 1937 desligou-se dos trabalhos missionários de campo, voltou para os Estados
Unidos e passou dois anos estudando no mesmo seminário de Princeton, assumindo
posteriormente a cadeira de história no Seminário Teológico Presbiteriano de Campinas.
Landes faleceu em 29 de julho de 1967 e foi sepultado no Cemitério dos Protestantes na Rua
da Consolação, em São Paulo5. Uma vez que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá esteve
fortemente ligada ao seu fundador, depreende-se, portanto, de suas informações biográficas
que o nascente presbiterianismo em Cuiabá seria fortemente influenciado pela visão norteamericana protestante de ser e de enxergar o mundo.
Disponível em: http://ipjg.org.br/pastores-curriculo/fotos/Phillip%20Landes.jpg. Acessado em
20/05/2015.
5
Informações obtidas de uma carta da filha do Rev. Landes, Paulina Landes, datada de 13 de dezembro de 1988.
Documento pertencente ao acervo da Igreja Presbiteriana de Cuiabá.
4
25
Essa mentalidade norte-americana sobre os seus vizinhos ao sul do continente foi
pesquisada por Alfredo da Mota Menezes (1944 - ), em seu livro Ingênuos, Pobres e
Católicos. Menezes assinala que:
[...] talvez esteja na religião o foco maior dos ataques dos norteamericanos no século XIX e início do seguinte ao comportamento dos
latino-americanos. Associam a busca e o acúmulo de riqueza como
um prêmio pela virtude que um lado possuía, e que a pobreza ou
subdesenvolvimento era uma consequência ou punição pelos vícios e
erros de uma religião que não era a verdadeira. O lado bom seria o
protestantismo, o ruim a igreja católica. Se a América Latina era
pobre, com revoltas e guerras, seria uma punição de Deus. Se, por
outro lado, o país do norte demonstrava ser mais capaz e trabalhador,
com aumento de riqueza do seu povo, seria o prêmio pelo seu
comportamento e virtudes (p. 11).
Porém, quase um século depois, o protestantismo instalado em Cuiabá se vê diante de
outras transformações, discursos e demandas sociais. Contudo, resta saber se esta mesma
comunidade, atenta ao debate do início do século passado, também estará em sintonia com os
debates atuais. Se a mesma igreja que se apresentava como vanguarda há um século, se
manterá alinhada com as aspirações da sociedade neste início de terceiro milênio. De que
maneira tem reagido e reagirá diante das transformações sociais, políticas, econômicas e
culturais das últimas três décadas e até que ponto está disposta a se modernizar, ainda que
contradiga seus próprios elementos fundacionais. Esses são alguns dos questionamentos neste
trabalho.
Porém, antes de prosseguir, é necessária mais uma observação. Esta encruzilhada aqui
mencionada remete a outra ponderação feita por Weber. De acordo com ele, os efeitos
culturais “da Reforma foram em boa parte [...] consequências imprevistas e mesmo
indesejadas do trabalho dos reformadores, o mais das vezes bem longe, ou mesmo o contrário,
de tudo o que eles próprios tinham em mente” (1992, p. 81). Aliás, ainda segundo Weber:
[...] o antigo protestantismo de Lutero, Calvino, Knox, Voët, ligava
pouquíssimo para o que hoje se chama “progresso”. Era inimigo
declarado de aspectos inteiros da vida moderna, dos quais, atualmente,
já não podem prescindir os seguidores mais extremados dessas
confissões (2004, p. 38).
Por isso, é que este trabalho, parte do pressuposto de que, no recorte temporal desta
pesquisa, não há mais uma relação intensa e direta de construção da sociedade “pós-moderna”
pelo protestantismo histórico. Pelo contrário, a influência tem sido em direção oposta, e em
26
muitos casos, destrutivas para o protestantismo em suas raízes puritanas e calvinistas. Tal
afirmação se vale também da constatação, de há quase um século atrás, sobre o mundo
moderno e sua relação com as forças religiosas. Nela, Weber observou que:
Não só falta uma relação regular entre conduta de vida e premissas
religiosas, mas, onde existe a relação, costuma ser de caráter negativo,
pelo menos na Alemanha. Pessoas assim de natureza imbuída do
“espírito capitalista” costumam ser hoje em dia, se não diretamente
hostis à Igreja, com certeza, indiferentes a ela (Ibidem, p. 62).
O que se pode inferir, por enquanto, é que o compromisso do protestantismo tradicional é
com a sua confessionalidade e não com os anseios sociais. Em alguns momentos estes até
podem ser convergentes, mas em muitas situações - como será visto no corpo do trabalho serão divergentes, o que acaba por criar um ambiente de tensão e disputa sobre as mentes e
corações dos fiéis.
Enfim, é neste sentido que se procurará compreender, na concepção weberiana do termo,
como algumas dessas “consequências imprevistas e mesmo indesejadas” tem atuado como
forças remodeladoras sobre a tradição protestante e, até que ponto, esta tem cedido àquela
(1987, p. 28).
Resta agora saber até onde os membros da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, e
principalmente sua liderança, estarão dispostos a irem neste processo de modernização,
contradizendo por vezes sua própria tradição. Pois, uma vez que “a identidade perde as
âncoras sociais que a faziam parecer ‘natural’, predeterminada e inegociável, a ‘identificação’
se torna cada vez mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um “nós”
a que possam pedir acesso” (BAUMAN, 2005, p. 30). Ou seja, este ambiente coloca a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá numa situação de escolha e definições, inclusive de identidade.
Ainda sobre o estudo do fenômeno religioso, pode ser afirmado que a religiosidade é um
dos fenômenos mais antigos do ser humano e verificável somente em sua própria espécie.
Mesmo que a manifestação religiosa tenha se transformado conforme o tempo e o lugar, no
entanto, como prática social, nunca desapareceu e, devido a sua natureza, provavelmente, não
deixará de existir. Contudo, mesmo sendo este um fenômeno que se confunde com a própria
história da humanidade, o estudo sistemático deste tema data apenas do século XIX. E um dos
grandes motivos para esse interesse, foi exatamente porque, com o advento da modernidade,
se previu o fim da religião.
27
Uma das teorias em que há esta previsão é a “Lei dos Três Estados” de Augusto Comte
(1798-1857), sendo o Estágio Positivo ou Científico o último a ser estabelecido e
consequentemente a suplantar as manifestações religiosas. Enfim, o estudo sobre as religiões
esteve desde o início presente no desenvolvimento da incipiente sociologia como ciência
social. Basta mencionar que Marx (1818-1883), Engels (1820-1895), Durkheim (1858-1917)
e Weber (1864-1920) também dedicaram espaços consideráveis de suas obras a análise da
religiosidade humana. Isto porque, o ser humano, segundo Clifford Geertz, é totalmente
dependente da religiosidade como uma conferidora de interpretação da vida, com
características peculiares que a diferem de outras propostas. Afirma ainda Geertz que:
[...] se colocarmos a perspectiva religiosa contra o pano de fundo de
três das outras perspectivas principais nos termos das quais os homens
constroem o mundo – a do senso comum, a científica e a estética – seu
caráter especial emerge com bastante agudeza. [...] A perspectiva
religiosa difere da perspectiva do senso comum, como já dissemos,
porque se move além das realidades da vida cotidiana em direção a
outras mais amplas, que as corrigem e completam, e sua preocupação
definidora não é a ação sobre essas realidades mais amplas, mas sua
aceitação, a fé nelas. Ela difere da perspectiva científica pelo fato de
questionar as realidades da vida cotidiana não a partir de um ceticismo
institucionalizado que dissolve o “dado” do mundo numa espiral de
hipóteses probabilísticas, mas em termos do que é necessário para
torná-las verdade mais amplas, não-hipotéticas. Em vez de
desligamento, sua palavra de ordem é compromisso, em vez de
análise, o encontro. Ela difere da arte, ainda, por que em vez de
afastar-se de toda a questão da fatualidade, manufaturando
deliberadamente um ar de parecença e de ilusão, ela aprofunda a
preocupação com o fato e procura criar uma aura de atualidade real
(1989, pp. 127-128).
Logo, a presença e a força da religião no ser humano têm despertado no último século o
interesse acadêmico. Ainda que não sistematicamente, é oportuno notar também que, no
século XVI, o reformador genebrino, João Calvino (1509-1564), já havia atentado para a
universalidade do sentimento religioso e suas implicações, ao afirmar que:
[...] desde o princípio do mundo não há região nem cidade nem
mesmo casa alguma que não tenha nada de religião, nesse fato nós
temos uma confissão tácita de que há um senso da Divindade gravado
no coração de todos os seres humanos. [...] Até a idolatria nos serve de
grande argumento em favor desta ideia (Livro I, Cap. 1, Art. 4).
Já para a descrição da trajetória do interesse e estudo sobre as religiões, um bom manual é
Sociologia das Religiões de Jean-Paul Willaime, sociólogo francês e estudioso do fenômeno
28
religioso, principalmente do protestantismo. Publicado originalmente em 1995, o trabalho de
Willaime descreve a trajetória do estudo científico das religiões, abordando desde a obra de
Marx até o impacto do que ele chama de ultramodernidade, sobre as manifestações religiosas,
na transição do século XX para o XXI. Porém, em sua análise, as pesquisas apresentadas são
em sua maioria sociológicas ou antropológicas. Praticamente não há a presença de materiais
históriográficos sobre o tema.
Para uma ideia de quão recente são as pesquisas históricas sobre as religiões em
comparação com a sociologia ou antropologia, basta mencionar que a Associação
Internacional de História da Religião foi fundada em 1950 e a Associação Brasileira de
História das Religiões em 1999. Antes disto, somente alguns trabalhos isolados tratavam
historicamente do campo religioso. Logo, a História das Religiões é um domínio que ainda
tem muito a ser pesquisado, tanto em termos metodológicos quando em seus objetos de
estudo, principalmente em sua vertente protestante.
Como um dos marcos inaugurais do estudo do protestantismo brasileiro, temos o trabalho
de Émile-Guillaume Leonard (1891-1961), O protestantismo brasileiro: estudo de
eclesiologia e de história social, editado pela primeira vez em 1963. O autor, francês, ligado
a Escola dos Annales, residiu no Brasil e lecionou na Universidade de São Paulo entre os anos
de 1948 e 1950. Leonard fez do protestantismo um dos seus objetos de pesquisa ao longo da
sua vida acadêmica, estudando-o em sua manifestação tanto na França e na Europa, como no
Brasil. Foi ele o primeiro a chamar a atenção para a necessidade da pesquisa neste campo de
estudo (1981, p. 19). Porém, não uma escrita da trajetória de uma igreja ou culto em
particular, ou de uma determinada denominação ou confissão religiosa. A pesquisa a ser
realizada e que Leonard tem como objetivo:
[...] consiste na delimitação e no estudo das formas de Igreja que
respondem a tais ou quais necessidades religiosas, a tal ou qual
psicologia, e no estudo dos problemas institucionais e práticos,
eclesiásticos e algumas vezes políticos levantados para implantação e
desenvolvimento de igrejas. Consiste também [...] no estudo do
“corpo social” no qual se incarnam (sic) estas crenças, fazendo das
Igrejas realidades humanas, com todas as peculiaridades que surgem
desta tradução da Ideia ao “real” (Ibidem, p.16).
O autor também constrói o seu trabalho partindo da hipótese de que havia um ambiente
favorável no Brasil à implantação do protestantismo. Este ambiente era resultado do
enfraquecimento moral, institucional e estrutural da Igreja Católica durante o Império, devido
29
em grande parte ao regime do padroado, da religiosidade ou piedade popular existente, do
liberalismo brasileiro, tanto político quanto econômico, do jansenismo presente em boa parte
do clero e de uma postura oficial que denunciava a existência de um sentimento anticlerical
(Ibidem, 1981, pp. 27-45).
Segundo Leonard (Idem, pp. 27-28), este ambiente era similar ao existente na Europa
pré-Reforma e que devido às suas “profundas necessidades religiosas”, às deficiências em
termos numéricos e morais por parte do clero, à piedade individualista e leiga que surgia,
dentro de um contexto característico do século XVI, preparou o terreno para o movimento da
Reforma Protestante.
Contudo, apesar do autor declarar a necessidade de uma história do protestantismo vista
muito mais em sua dinâmica social, sua publicação ainda aborda com mais ênfase o processo
histórico do seu desenvolvimento no Brasil em suas diversas fases, desde a chegada dos
primeiros missionários até as primeiras décadas do século XX. No entanto, a partir do
trabalho de Leonard é que se propõe uma nova abordagem a este tema, porém, nem sempre
seguida por aqueles que posteriormente se dispuseram a escrever sobre ele.
Importante também para a historiografia protestante foi a obra de Boanerges Ribeiro
(1919-2003). Ministro presbiteriano e doutor em ciências sociais pela Fundação Escola de
Sociologia e Política de São Paulo, sua produção sobre o protestantismo brasileiro deu-se
entre os anos de 1947 e 1995. A mesma compreende duas biografias sobre José Manoel da
Conceição, um ex-padre que se tornou o primeiro pastor protestante brasileiro, sendo a
primeira em 1947 e a segunda em 1995. Publicou também mais quatro títulos sobre o
protestantismo brasileiro: Protestantismo no Brasil Monárquico, em 1973; Protestantismo e
cultura brasileira, em 1981; A Igreja Presbiteriana no Brasil, da autonomia ao cisma, em
1987; e, Igreja Evangélica e República Brasileira (1889-1930), em 1991.
Ribeiro segue a tese de Léonard ao afirmar que no século XIX o ambiente social, político,
religioso e econômico também era favorável à inserção protestante: “A cultura brasileira, após
a camisa de força das imposições luso-coloniais, exigia um pluralismo que poderia expressarse, e se expressou, entre outros, no sistema religioso” (1973, pp. 11-12; 1981, p. 15). Outro
pressuposto presente na obra de Ribeiro é a do caráter reformista pelo qual passou o país no
século XIX, inclusive na esfera religiosa (1981, p. 15). Ele entende que havia por uma parte
do clero, cujo expoente principal era Feijó, um desejo de reforma da própria Igreja. Porém,
30
não havendo esta possibilidade devido às fortes estruturas eclesiásticas existentes no Brasil
colonial, ela se deu em termos de práticas religiosas e não institucionais, criando-se assim um
ambiente propício à chegada das denominações protestantes (1987, pp. 3-4). Caso
emblemático citado por Ribeiro é o do ex-padre José Manoel da Conceição, cujo estilo de
pregação lhe valeu o apelido de “padre-protestante” (1981, p. 15).
Algumas referências a Léonard são feitas por Ribeiro em seu trabalho. Este reconhece
como oriundos do professor francês algumas de suas abordagens e temas pesquisados (1973,
pp. 11-12), como também o uso de determinadas fontes documentais (1981, p. 11). É a partir
da obra de Ribeiro, quando se fala de uma historiografia protestante, que notamos um corpo
denso em termos de referências. Nela estão presentes obras gerais e específicas sobre o tema,
periódicos eclesiásticos e seculares, legislações, atas de agências missionárias, igrejas locais e
denominações, correspondências e relatórios de missionários, enfim, praticamente tudo o que
observa Léonard estar ausente nas poucas obras existentes sobre o protestantismo, é presente
no trabalho de Ribeiro.
Sob uma nova perspectiva e estudando o protestantismo dentro de um discurso liberal ao
lado de outras correntes de pensamento, tais como o republicanismo, a maçonaria e
Positivismo, há o livro de David Gueiros Vieira (1929 - ), O protestantismo, a maçonaria e a
questão religiosa no Brasil. Este trabalho, que pode ser considerado pertencente ao campo da
História das Ideias, foi publicado em 1980 e prefaciado por Gilberto Freyre. Vieira, professor
de História aposentado pela UNB, trabalha com ampla documentação primária e sua pesquisa
se detém na Questão Religiosa (1870). Ele defende a tese de que “houve de fato certa
cooperação entre elementos liberais, maçônicos, republicanos e protestantes e de outros
grupos minoritários, contra o poder político da Igreja Católica” (1980, p. 12). A contribuição
de Vieira, além do seu trabalho propriamente dito, está em tirar a discussão do protestantismo
apenas do campo institucional e seu desenvolvimento denominacional e mostrar como os
protestantes também estavam presentes em outros espaços, como o intelectual e político.
Contudo, o livro é temático e não tem por objetivo estabelecer as relações entre
protestantismo e cultura brasileira.
Com a proposta de se buscar a compreensão do protestantismo mais “a partir do local
social em que o receptor da mensagem se encontra”, temos o trabalho de Antônio Gouvêa de
Mendonça (1922-2007), O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil.
Inicialmente apresentado como tese de doutorado na Universidade de São Paulo, a obra é uma
31
proposta de compreensão do protestantismo como uma realidade social (1995, p. 18).
Publicada em 1995, O celeste porvir, representa um avanço na historiografia protestante
nacional, pois entende que para uma melhor compreensão do tema, o mesmo deve ser
estudado além dos “problemas eclesiásticos ligados institucionalmente às denominações
protestantes” (Ibidem, p. 18). A pesquisa de Mendonça faz um amplo retrospecto histórico da
presença protestante no Brasil, buscando também suas raízes teológicas e filosóficas, tanto na
Inglaterra quanto nos Estados Unidos, objetivando assim compreender que tipo de
protestantismo aqui chegara.
A partir deste exercício, o autor defende que a inserção protestante no Brasil deve ser
compreendida dentro do discurso liberal da época e de um empreendimento missionário
norte-americano, o qual era um desdobramento do espírito do “Destino Manifesto” daquele
país. Ou seja, a crença de que, à semelhança de Israel dos tempos bíblicos, os Estados Unidos
também tinham a responsabilidade de, não somente se estabelecerem na nova terra prometida,
como também conduzirem as outras nações ao Reino de Deus. Contudo, por causa de seu
caráter generalizante, Mendonça acaba por não se aprofundar em tópicos mais específicos da
relação entre protestantismo e cultura brasileira, para os quais ele mesmo chama atenção no
início do seu trabalho.
Outra importante contribuição para as pesquisas sobre o protestantismo no Brasil é a
História documental do protestantismo no Brasil de Ducan Alexander Reily (1924-2004),
publicada em 1984. Segundo o próprio autor, o objetivo do seu trabalho foi produzir um
histórico do protestantismo no Brasil a partir de uma seleção temática de diversos documentos
(1984, p. 2). Esta seleção obedeceu primariamente o critério cronológico, levando em
consideração as diversas fases da instalação do protestantismo no país, desde a chegada dos
primeiros imigrantes ingleses após a vinda da Família Real até, em suas palavras, a
“revolução” de 1964.
Porém, o mérito de sua pesquisa consiste principalmente no conceito de documento
inserido no trabalho e a contextualização destes no âmbito político, social e econômico. Como
documento, além das declarações “oficiais”, o autor também incluiu nesta nomenclatura
“cartas, artigos, diários e outros escritos contemporâneos” (REILY, 1984, p. 5). A
importância deste posicionamento deve-se ao fato de que, ainda que isto seja óbvio em outros
ramos da história, certamente não o foi durante muito tempo nos trabalhos sobre a história
protestante, principalmente pela ênfase dada às distinções doutrinárias, o que certamente
32
exige o uso das declarações de fé ou pronunciamentos oficiais. Contudo, como salienta Marc
Bloch, “cabe ao historiador da religião ir além dos tratados de teologia e atentar, inclusive, à
cultura material existente dentro de um determinado grupo, pois esta pode lhe dizer, a respeito
das crenças, pelo menos, tanto quanto muitos escritos” (1997, p. 115).
A segunda contribuição tem a ver com uma vinculação maior da história do
protestantismo com os aspectos mais gerais da própria história nacional. Ainda que o
surgimento das principais denominações seja esboçado no seu trabalho, Reily vai além de
uma história denominacionalista ou de uma trajetória religiosa. Enfim, a proposta do autor foi
fazer uma história documental, o que faz com que o valor do seu trabalho esteja no
agrupamento em um só volume de diversos documentos, o que é de grande auxílio para o
pesquisador.
Por sua vez, um trabalho que marca uma nova fase na historiografia protestante foi a Tese
defendida em 2004 na Universidade Estadual Paulista, campus de Assis, com o título: As
outras faces do sagrado: protestantismo e cultura na Primeira República Brasileira, de
Lyndon de Araújo Santos. Em sua pesquisa, Santos, que é professor de História na
Universidade Federal do Maranhão, reconhece primeiramente as lacunas na historiografia
protestante brasileira, tanto em relação aos objetos pesquisados quanto em seus aspectos
metodológicos. Após esta constatação, ele busca comprovar sua hipótese geral “de que o
protestantismo foi um movimento significativamente atuante na recomposição do campo
religioso e da cultura no período da Primeira República”. Logo, segundo Santos, “as
categorias protestantismo, cultura e República são unidades discursivas carregadas de sentido
[...] (2006, pp. 17-18)”.
Santos, também entende que o “ser evangélico ou protestante transpõe as fronteiras da
definição teológica estrita de cada segmento eclesiástico para situar-se nas fronteiras
culturais” (Ibidem. p. 17). Logo, a partir destes pressupostos, ele procura desenvolver uma
pesquisa que privilegie uma abordagem que discuta a relação cultural entre protestantismo e
cultura brasileira. Em suas próprias palavras, ele buscou:
[...] escrever uma história fragmentada e auto-reflexiva do protestantismo,
trocar as lentes para um outro foco, refazer a abordagem de um objeto amplo
e complexo, sujeito a uma diversidade de leituras. Isto implicou na renúncia
em trabalhar a “religião” como um fenômeno coeso, homogêneo e uniforme,
tal como as instituições religiosas demonstram. (Ibidem. p. 22)
33
Porém, com a transição para o século XXI, começa a haver um novo fôlego nas pesquisas
sobre a História das Religiões em geral e o protestantismo em particular, nos programas
acadêmicos de pós-graduação no Brasil. Tal conclusão pode ser comprovada consultando-se
as Bibliotecas Digitais dos Programas de Pós-graduação em História das universidades
brasileiras, a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações e o site Domínio Público. Esta
consulta foi realizada em julho de 2014.
Nesses programas de mestrado foram defendidas 42 dissertações entre 2000 e 2014.
Destas, duas defendidas nos Programas de Sociologia, duas em Educação, uma em Português,
outra em Música e mais uma em Letras. Nos promissores cursos de Ciências da Religião
foram defendidas 18 dissertações e 17 nos Programas de Mestrado em História. Destas 17, 12
estão no campo da História Regional; duas na História Política e as demais em outras áreas.
Geograficamente, sete foram defendidas na Região Sudeste, seis no Centro-Oeste, três no
Nordeste e uma no Sul do país.
Quanto aos programas de doutorado, foram encontradas 34 teses relacionadas ao verbete
“protestantismo”. Destas, uma foi defendida na área da Comunicação, outra na Educação,
duas na Antropologia, quatro nas Ciências da Religião, nove na Sociologia e 17 na História.
Das defendidas na História, seis foram no campo da História Social; quatro na História
Política, sendo três exclusivamente dedicadas ao período militar; quatro trabalhos que
estudaram o uso da imprensa e produção bibliográfica pelos protestantes e três dedicadas à
História Regional.
Destes trabalhos, 10 foram produzidos em universidades de São Paulo, três no Rio de
Janeiro, dois em Pernambuco, um no Paraná e outro em Santa Catarina. Ou seja, mais de
setenta e cinco por cento das pesquisas foram produzidas no eixo Rio-São Paulo. A maioria
das pesquisas ainda se concentra nos primórdios do protestantismo no Brasil e sua inserção
em solo brasileiro.
Das denominações protestantes históricas, a presbiteriana é a que tem recebido a maior
ênfase. Também deve se destacar que nesta busca não foram considerados os movimentos
pentecostais e neopentecostais, visto estes não fazerem parte do protestantismo histórico,
ainda que no senso comum, todos sejam chamados de evangélicos.
Na esteira deste fluxo de trabalhos é que se insere a presente pesquisa. Esta, com quase
um século de diferença, em termos de balizas temporais, da minha dissertação de mestrado,
34
aborda a Igreja Presbiteriana de Cuiabá em seu momento de transição do século XX para o
XXI. A partir das tensões reveladas nos documentos, entre a tradição e modernização, resta
saber o que ainda sobrevive “dos nossos pais” e o “quanto estamos encantados com a nova
invenção”. É o conflito da “cidade com o sertão” e o cheiro inebriante da “nova estação”.
Essa tradição é que será estudada, dando destaque ao processo de renovação decorrente de um
mundo globalizado, uma sociedade em constante modernização e as tensões e contradições
inerentes a este embate.
Diante deste cenário desafiador é que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá se encontra,
principalmente porque “para a grande maioria dos habitantes do líquido mundo moderno,
atitudes como cuidar da coesão, apegar-se às regras, agir de acordo com os precedentes e
manter-se fiel à lógica da continuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutáveis
e de curta duração, não constituem opções duradouras” (BAUMAN, 2005, p. 60).
Com estes objetivos, na primeira parte do trabalho será discutida a trajetória da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, dando enfoque a elementos (organização, confessionalidade, valores
e práticas) que buscam justificar sua identificação com uma instituição tradicional. Não no
sentido estrito em contraposição ao conceito de moderno como um recorte temporal entre os
séculos XVI e XVIII, mas sim como uma instituição que possui valores que, uma vez
mudados, negariam a sua própria natureza protestante histórica. Neste aspecto, presume-se
que a sua identidade depende do seu conservadorismo. Logo, o propósito é analisar a
afirmação de que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá é uma comunidade tradicional nos
parâmetros estabelecidos por Weber, ao entender que tais comunidades têm as suas ações
sociais baseadas numa relação de solidariedade tradicional dos seus membros (1987, pp. 7778).
Também serão abordados temas que dizem respeito a missão que esta comunidade
assumia para si mesma; a sua preocupação em se manter fiel aos seus princípios fundacionais,
ou seja, o puritanismo de origem calvinista; senso de disciplina e boa administração do tempo
e bens materiais; e, suas primeiras reflexões sobre as transformações sociais que se faziam
sentir com o advento do novo milênio.
No capítulo seguinte será pesquisada a relação da Igreja Presbiteriana de Cuiabá com os
elementos culturais à sua volta, partindo do pressuposto de que estes elementos culturais são
conjuntos simbólicos de uma dada sociedade. Também será feita uma análise do patrimônio
35
cultural da igreja, ou seja, as transformações estéticas pelas quais passaram seu templo e os
pressupostos que estavam por trás destas transformações; à guarda do domingo como um
referencial cristão; as festas seculares, como o carnaval; e as telenovelas, como expressão do
lazer familiar brasileiro.
Já na terceira parte do trabalho, o foco será as relações e ações sociais dos membros da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá, tendo por relações e ações sociais os costumes e convenções
assumidos ou rejeitados por parte desta membresia. Neste sentido, será objeto de análise o
conceito de família e casamento deste grupo protestante; suas concepções quanto à
sexualidade; a relação com a mídia e o advento da internet, além das atuações no âmbito da
assistência social.
Por fim, na última parte da pesquisa, a atenção será direcionada para a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá e seus conceitos e relações políticas. Num primeiro momento
analisando o referencial político da instituição, principalmente aqueles herdados de sua matriz
puritana calvinista; posteriormente o relacionamento da Igreja Presbiteriana de Cuiabá com o
período militar; e por último, a reação dela à instalação da Nova República.
Neste início de século XXI, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá conta com mais de mil fiéis
em seu rol de membros e com quase um século de presença na capital mato-grossense.
Também está construindo um templo na Av. Historiador Rubens de Mendonça com espaço
para três mil pessoas, além de um complexo sócio educacional. Logo, ao se analisar de que
modo esta Igreja buscou uma renovação face a influência da globalização e da permanente
modernização social, de certa forma, também se pode construir um quadro da atual sociedade
cuiabana, uma vez que não há como estancar a via de comunicação e de mútua influência,
ainda que desigual, entre uma comunidade religiosa e a sociedade na qual ela está inserida.
Além do que, esta análise também ajuda a ter uma ideia de como as demais comunidades
protestantes históricas tem lidado com as mesmas questões.
Deve-se destacar também que, nem sempre a renovação de uma comunidade religiosa
será efetivada de forma coerente e linear. Há em seu bojo uma série de idas, vindas e
contradições que devem ser consideradas. Isto porque, neste início de século XXI, “as
identidades ganharam livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturálos em pleno voo, usando os seus próprios recursos e ferramentas” (BAUMAN, 2005, p. 35).
36
A partir destas mensurações, pesquisada num corpus documental composto de atas,
boletins e comunicações internas, periódicos e memória de seus membros, é que se poderá
visualizar melhor até que ponto os fenômenos sociais acima citados influenciaram o conceito
que estes protestantes têm a respeito de si mesmos. Também que tipo de comunicação e
contato eles estão estabelecendo com a sociedade a sua volta e quais as estratégias adotadas
pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá para continuar relevante - ainda que seja aos seus próprios
olhos - numa sociedade em transformação.
Buscando também atender as exigências da honestidade acadêmica, é importante
registrar, nas palavras de Michel de Certeau, o meu lugar social ou de enunciação, pois toda:
[...] pesquisa histórica se articula com um lugar de produção sócioeconômico, político e cultural. Implica um meio de elaboração que
circunscrito por determinações próprias: uma profissão liberal, um
posto de observação ou de ensino, uma categoria de letrados, etc. Ela
está, pois submetida a imposições, ligada a privilégios, enraizada em
uma particularidade. É em função deste lugar que se instauram os
métodos, que se delineia uma topografia de interesses, que os
documentos e as questões, que lhe são propostas, se organizam (pp.
66-67).
No meu caso, faço parte do quadro de ministros ou pastores da Igreja Presbiteriana do
Brasil desde 1999 e de modo mais particular, trabalho na Igreja Presbiteriana de Cuiabá desde
2011. Por isso que, a minha pesquisa documental vai somente até 2010, mesmo porque, nos
últimos anos, pouca coisa se alterou em sua configuração.
Enfim, numa época em que o fenômeno religioso se faz cada vez mais intenso e presente
na dinâmica social brasileira; que neste início de terceiro milênio diversos temas debatidos
atualmente tocam diretamente nos valores e princípios das confissões religiosas,
influenciando inclusive campanhas políticas, como se viu em 2010 com a questão do aborto;
torna-se imperativo, não somente estudar como as religiões agiram como elementos
modeladores na história da nossa sociedade, mas também entender de que modo elas poderão
atuar num ambiente em constante transformação, contribuindo assim para uma sociedade cada
vez mais democrática e ética.
37
CAPÍTULO 1
“AINDA COMO NOSSOS PAIS”
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ: TRADIÇÃO EM CRISE?
Você pode até dizer que eu 'tô por fora', ou então que eu 'tô inventando',
Mas é você que ama o passado e que não vê
É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem.
(Belchior, COMO NOSSOS PAIS, 1976).
No livro de Provérbios, capítulo 22, versículo 28 é encontrada a seguinte expressão: “não
removas os marcos antigos que puseram teus pais”6. Atribuído, em sua maior parte, ao rei
israelense Salomão, esse livro bíblico é um compêndio de sabedoria prática do povo hebreu.
Mesmo que se referindo aos limites estabelecidos das propriedades na época da conquista e
divisão da Palestina, esta expressão tem sido usada metaforicamente dentro dos círculos
protestantes como uma advertência à manutenção dos valores e das tradições. Ou seja, um
alerta a manter a identidade confessional, ética, litúrgica e prática desta confissão religiosa.
Um dos componentes que difere as igrejas protestantes dos movimentos neopentecostais,
é que elas trazem em sua estrutura um passado de quase cinco séculos. Só no Brasil, onde o
presbiterianismo é recente ao se comparar com outros países europeus, ele já tem 156 anos.
Por isso, a primeira etapa deste trabalho será discutir o peso deste passado sobre os ombros do
protestantismo em Cuiabá e até que ponto ele é um provocador de tensões na tentativa da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá se modernizar e também dialogar com o mundo deste início de
século XXI. Os historiadores Ângelo Adriano Faria de Assis e Mabel Salgado Pereira também
reconhecem essa tensão ao relatar que o:
[...] pluralismo religioso contemporâneo estabelece, por sua vez, as
identidades socialmente construídas e os espaços demarcados por
fronteiras cada vez mais complexas, permanentemente reelaboradas à
6
Não entrarei na longa discussão da autoria e datação dos livros bíblicos, uma vez que este debate não atende os
objetivos da pesquisa. Apenas os tomarei como são apresentados nas edições consultadas.
38
medida que os significados desses espaços se modificam. A tradição
religiosa ganha, assim novas chances de leitura redimensionada de
acordo com as interações com as preocupações e anseios do homem
do tempo atual. Desse modo, o presente leva a releituras da tradição
religiosa, que ganha novas cores e elementos, num fio tênue entre a
manutenção das tradições e seu processo de atualização e
modernização das questões ligadas às diferentes práticas e
representações religiosas. Tal conjuntura afeta diretamente a
experiência religiosa que, por sua vez, está imbricada nas questões do
cotidiano neste início de milênio, como se pode facilmente perceber
no peso religioso que existe sobre questões do mundo atual – guerras,
conflitos políticos internos ou internacionais, tentativas de releitura
sobre o holocausto, a ameaça do terrorismo internacional -, em grande
parte vinculadas a noção de religião. Sementeira bem adubada para a
gênese da intolerância religiosa, tão presente nessas disputas do
presente (pp. 7-8. Negrito meu).
No entanto, para uma melhor discussão do objeto proposto e desta tensão entre a
“manutenção das tradições e seu processo de atualização e modernização” é necessário que
antes se faça algumas observações de ordem teórica e metodológica para que se estabeleçam
os limites dentro dos quais a pesquisa será desenvolvida. Somente então poderemos
considerar se a Igreja Presbiteriana de Cuiabá pode ser chamada de uma comunidade
tradicional ou não.
O primeiro destaque a ser feito é a distinção entre igreja e seita. Num senso comum, seita
é a comunidade de um grupo de hereges, e herege sempre será o outro. Logo, heresia seria
tudo aquilo que foge de uma ortodoxia dentro da qual se está inserido. Por isso, é possível que
duas comunidades religiosas vejam a si mesmas como igrejas, e ao mesmo tempo, uma
considere a outra como seita. Porém, dentro de uma perspectiva sociológica weberiana, a seita
é identificada pelo seu caráter “associativo voluntário, pois [esta] admite em suas fileiras
somente aqueles que têm as qualidades religiosas requeridas”. Por outro lado, uma “Igreja”
tem um “caráter associativo compulsório”, é “monopolizadora dos benefícios religiosos” e
mantém um quadro administrativo capaz de coerção psíquica por meio da concessão ou não
de tais benefícios (WEBER, 1987, pp. 109-110 e 113).
No entanto, não há como aplicar exclusivamente um destes dois conceitos para identificar
a Igreja Presbiteriana de Cuiabá como igreja ou seita. As razões encontram-se na própria
trajetória do presbiterianismo como um todo. Na Escócia, por exemplo, ela já foi a igreja
oficial do Estado. Em outros locais, ainda em sua gênese, era compulsória em seu território,
como em Genebra. Contudo, ainda que no Brasil, a adesão de adultos ao presbiterianismo
39
sempre tenha sido voluntária, o batismo dos filhos, ainda na infância, é compulsório. Outro
aspecto é a presença de um quadro burocrático formado por especialistas para a administração
dos benefícios religiosos. Além do que, faz parte do seu aparato administrativo os meios de
coerção psíquica – conhecida como disciplina eclesiástica - o que confere a igreja relativo
domínio sobre seus membros. Por estes motivos é que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá será
referida como igreja e não pela análise do mérito se ela é detentora de uma ortodoxia
verdadeira em contraposição a seitas hereges.
Ainda como parte desta análise, também pode se dizer que a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá mantém uma relação social fechada ao exterior quanto aos seus valores, “como
geralmente é característico de um grupo que compartilha um sistema de crenças religiosas
comuns” (Ibidem. cit., p. 85). No entanto, como a pesquisa pretende mostrar, este caráter
fechado da Igreja Presbiteriana de Cuiabá ao exterior, limitando ou excluindo a participação
de determinadas pessoas ou ideias na sua dinâmica, diminuiu com o passar do tempo,
principalmente à medida que o início do século XXI se aproximava.
Em segundo lugar, além da Igreja Presbiteriana de Cuiabá ser uma igreja relativamente
fechada, porém com tendências à abertura nas últimas décadas, ela também pode ser
identificada como uma instituição onde as ações dos seus membros são majoritariamente
relacionadas a valores e à tradição. Esta identificação tem a ver com o fato de que “os
indivíduos orientam sua conduta em função daqueles conceitos [...] que exercem com
frequência uma influência causal muito real, sobre a ação destes indivíduos” (Ibidem, p. 24).
Não que estes membros tenham plena consciência do sentido subjetivo de suas ações, pois na
maioria das vezes eles serão governados pelo hábito ou instinto (Ibidem, p. 35). No caso da
ação relacionada a valores, ela está solidificada na crença de determinados valores absolutos
tais como são apresentados; e quanto à ação relacionada à tradição, a sua força está no tempo
que a legitima e lhe confere status de confiabilidade e autoridade, inclusive àqueles que a
administram (Ibidem, p. 68).
Seguindo esta linha de raciocínio e categorização weberiana, pode ser dito, tendo
inclusive a própria estrutura e confessionalidade da Igreja Presbiteriana do Brasil como apoio,
que a legitimidade de dominação da Igreja Presbiteriana de Cuiabá sobre seus fiéis baseia-se
predominantemente no seu caráter tradicional e carismático. Carismático, porque a
legitimidade de sua autoridade assenta-se na revelação divina aos profetas do Antigo
Testamento e apóstolos do Novo Testamento, responsáveis pelo registro bíblico. Tradicional,
40
porque estas crenças têm sido perpetuadas por gerações e guardadas por aqueles que
representam a autoridade destas comunidades (WEBER, 2009, p. 141).
Logo, a partir das categorias analisadas, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá pode ser
considerada uma igreja de relações fechadas ao exterior, porém com tendências a abertura nas
últimas décadas, onde as ações dos seus membros são relacionadas a valores e a tradição e
onde a legitimidade do domínio exercido é feita a partir também da tradição e do carisma.
Por tradição, além do sentido weberiano do termo, soma-se também a este as “práticas e
normas que se reproduzem ao longo das gerações na atmosfera lentamente diversificada dos
costumes” (THOMPSON, 1998, p. 18). Já por carisma, entende-se, além do conjunto de
normas e crenças baseadas na revelação divina, a existência de um centro de poder capaz de
influenciar e direcionar as esferas ao redor bem como os que dela fazem parte. Sendo assim, o
carismático não é necessariamente apenas o detentor de algum atrativo popular nem de
alguma loucura inventiva, mas sim, o que estiver mais próximo deste centro de poder
(THOMPSON, 1997, p. 184), o que ocorre com os sacerdotes ou mediadores do sagrado.
Dentro deste quadro teórico é que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá será tomada como uma
instituição tradicional e carismática, contrapondo-a aos seus movimentos internos de
renovação e seus refluxos de contradição.
Retomando o primeiro parágrafo deste capítulo, é com este significado que a frase “não
removas os marcos antigos que puseram teus pais” está sendo lida. Ou seja, uma tradição que
deve ser guardada porque foi construída a partir de elementos divinamente inspirados
(Ibidem, p. 148). Enfim, o objetivo neste capítulo é, a partir da trajetória da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, entender a sua formação e sobre quais bases sociais, políticas e
culturais ela foi fundada. Também observar a tensão vivida pela comunidade protestante
cuiabana em manter viva a sua tradição puritana e calvinista, face às transformações sociais
ocorridas ao longo de todo o século XX.
É importante ressaltar também que, mesmo sendo o recorte temporal da pesquisa a Nova
República, os valores e práticas cristalizados na comunidade protestante da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá devem ser buscados em toda a sua trajetória anterior, pois estes é que
foram questionados ou reafirmados face o advento do terceiro milênio. Somente assim será
possível fazer o contraponto necessário do seu processo de modernização ante a sua tradição,
bem como as contradições inerentes a este encontro.
41
1.1 SEREIS MINHAS TESTEMUNHAS ATÉ AOS CONFINS DA TERRA
De acordo com a narrativa bíblica, Jesus Cristo, após a sua ressurreição e momentos antes
de sua ascensão, comissionou os seus discípulos a uma grande tarefa. A ordem foi para que
eles divulgassem seus ensinamentos, sua morte e ressurreição até aos confins da terra. Esse
registro está no livro de Atos dos Apóstolos, capítulo 1, versículo 8, parte final. Esta
incumbência é o argumento justificador para a propagação do cristianismo em todos os
tempos e a todos os lugares, inclusive dos próprios missionários presbiterianos que vieram ao
Brasil na segunda metade do século XIX, tornando-o assim uma religião com pretensões
universalistas.
Em terras brasileiras, a chegada do protestantismo está inserida dentro do contexto da
abertura dos portos às nações amigas, como resultado dos Tratados de Aliança e Amizade e
Comércio e Navegação entre o Brasil e a Inglaterra, por ocasião da saída da Família Real de
Portugal em 18087. Além deste ambiente econômico e político no Brasil monárquico, o país
também passou a receber um grande contingente de imigrantes europeus, o que proporcionou
uma pluralidade religiosa maior em terras nacionais. Junto com esses imigrantes e decorrente
dessa “abertura religiosa”, algumas denominações protestantes, principalmente vindas dos
Estados Unidos, também marcaram a sua presença em solo brasileiro na segunda metade do
século XIX, entre elas a presbiteriana.
O primeiro pastor presbiteriano a chegar ao Brasil no início da década de 1850 foi James
Cooley Fletcher (1823-1901), enviado pela União Cristã Americana e Estrangeira e pela
Sociedade Americana de Amigos dos Marítimos. Trabalhou como capelão, envolveu-se em
atividades e representações comerciais, tornou-se membro correspondente do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro em 1862 e foi autor do livro Brazil and the brazilians
(1857), sendo traduzido como O Brasil e os brasileiros. Este livro foi uma ampliação da obra
de Daniel Parish Kidder (1815-1891), Sketches of residence and travels in Brazil (1845),
traduzida para o português como Reminiscências de viagens e permanências no Brasil,
editado pela Editora do Senado Federal.
7
Não me delongarei na narrativa da inserção protestante no Brasil, pois esta já foi realizada abundantemente em
outros trabalhos.
42
Porém, oficialmente como denominação, os presbiterianos iniciaram o seu trabalho com o
desembarque do jovem pastor de 26 anos de idade, Ashbel Green Simonton (1833-1867) no
Rio de Janeiro, em 12 de agosto de 1859, portanto, mais velha que a própria República
brasileira. Pouco tempo depois chegariam também Alexander Latimer Blackford (1829-1890)
e Francis J. C. Schneider (1832-1910). Aos presbiterianos coube expandir os trabalhos tanto
para a cidade de Rio de Janeiro e São Paulo quanto para o interior destas mesmas províncias,
bem como para outras regiões do país. Criaram o primeiro jornal protestante do Brasil, A
imprensa evangélica e o primeiro seminário teológico, no Rio de Janeiro, com o objetivo de
preparar lideranças locais para a continuação de suas atividades. Também foi presbiteriano o
primeiro pastor protestante brasileiro, o ex-padre, José Manoel da Conceição (1822-1873).
Até a década de 1950, a Igreja Presbiteriana foi a maior denominação protestante do país.
Os registros sobre o início das atividades protestantes em Cuiabá indicam que essas só
começaram após a Proclamação da República, contudo não há precisão quanto à data da
chegada do primeiro missionário8. Lenine Póvoas, em sua História Geral de Mato Grosso, se
refere ao ano de 1891 (1996, p. 100), o que é confirmado pelo Boletim Informativo da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, número 1189, de 14 de outubro de 1990. Por sua vez, João Alberto
Dias, filho de uma das primeiras famílias evangélicas da cidade, num relato pessoal escrito
em 1958 para as comemorações do centenário do presbiterianismo no Brasil, fala em meados
de março de 1897. Porém, o que importa observar aqui é que o protestantismo na cidade é
tardio ao se comparar com outras regiões do país.
A incursão do protestantismo em Cuiabá teve início com a vinda do missionário norteamericano John Price para a cidade, enviado pela Missão Aliança de Porto Alegre (PÓVOAS,
1996, p. 100; DIAS, 1958). Segundo esses relatos, Price rapidamente conquistou
simpatizantes devido a sua cultura e gentileza. João Alberto Dias faz questão de citar que seus
ouvintes eram todos “da melhor sociedade cuiabana”, o que denota que no início o
protestantismo em Cuiabá esteve restrito a uma camada social mais elitizada. Afirma também,
João Alberto Dias, que o pastor residiu na Rua Barão de Melgaço, onde viria futuramente a
funcionar o “Centro de Letras” (1958).
Price realizava os cultos em três pontos diferentes da cidade. Um na Rua Governador
Rondon, próximo à Praça Conde de Azambuja; outro nas proximidades da Caixa d´Água
8
Para um maior detalhamento sobre a inserção do protestantismo em Mato Grosso, veja SANTOS, Sérgio
Ribeiro. A inserção protestante em Cuiabá na Primeira República. Autor/Editor. Cuiabá: 2009.
43
Velha e outro ainda, segundo João Alberto Dias, “na residência do senhor João da Gama, no
lugar denominado Tanque da Enfermaria Militar (onde hoje está a sede do DNER, entre as
ruas 13 de Junho e Joaquim Murtinho)” (1958). Póvoas se refere a esse terceiro lugar apenas
como bairro do Porto, nas imediações da Rua Major Gama (1996, p. 100).
O jornal O Debate, de 10 de janeiro de 1914, traz em seu número 671, a informação de
que em 10 de janeiro de 1899, “por iniciativa do Pastor Dr. John W. Price”, foi fundada uma
sociedade científica que “recebeu a denominação de Sociedade Internacional de Estudos
Scientíficos”. Póvoas também se refere à fundação desta Sociedade, o que foi feito em
parceria com “Estevão de Mendonça e outras personalidades ilustres do mundo social
cuiabano” (1996, p. 100). Ainda segundo o histórico de João Alberto Dias, o qual escreve
sobre o fato dele mesmo ter ouvido os sermões desse missionário, Price deixou Cuiabá no
início de fevereiro de 1899 devido a problemas de saúde de sua esposa, retornando a Porto
Alegre.
Curioso é que nesse histórico há a informação de que do trabalho de Price não resultaram
conversões à nova fé, somente simpatizantes, com exceção de um Manuel Camilo Fernandes.
Para essa constatação pode-se sugerir ao menos três hipóteses: a primeira é que os ouvintes de
Price apenas se interessavam pela sua cultura e gentileza; a segunda é que os cuiabanos, num
primeiro momento, foram resistentes à pregação protestante, seja pela novidade desta ou por
temor a algum tipo de censura, uma vez que o catolicismo já estava totalmente arraigado nas
crenças e nos costumes do povo; ou, porque Price não chegou realmente em 1891, e sim em
1897, o que daria pouco tempo ao estabelecimento mais sólido de uma comunidade
evangélica.
Somente após três anos, já em 1902, é que chegaram a Cuiabá o pastor Frederico Glass e
um colportor9, o senhor Henrique “de Tal”, os quais passaram a residir na Rua Ricardo Franco
(DIAS, 1958). Esses missionários eram enviados da Igreja Batista, os quais promoveram uma
série de conferências ao ar livre. Apesar de uma boa audiência, ainda segundo João Alberto
Dias, Glass e seu companheiro não permaneceram muito tempo em Cuiabá.
As atividades evangelísticas foram reassumidas por outros dois missionários enviados
pela Igreja Batista, o pastor Camilo Róis, de origem espanhola, e o senhor José Teodoro,
9
De acordo com o dicionário on-line Michaelis, colportor é uma palavra de origem francesa “colpolteur”, que é
usada para designar o vendedor ambulante de livros, especialmente de Bíblias e livros de tratados religiosos.
Disponível em: http://michaelis.uol.com.br. Acesso em 02/07/2014.
44
paulista e também colportor. Também residiram na Rua Ricardo Franco, número 11, onde
reiniciaram os trabalhos. As reuniões contavam com a assistência de aproximadamente 30
pessoas, o que perdurou até 1905, quando aqueles retornaram para São Paulo. Dessa
assistência, após a partida dos evangelistas, apenas dois permaneceram fiéis, “Marciano de
Pinho e Manuel Rodrigues de Souza, vulgo Manucho”, não sendo, porém, acompanhados por
suas famílias (DIAS, 1958). Já essa experiência sim, denota que nem toda simpatia por parte
dos cuiabanos redundaria em conversão à fé reformada.
No ano de 1908, a Igreja Batista Livre de São Paulo, dirigida pelo pastor Raquen, enviou
Moris Bernard e sua esposa para reassumirem os postos aqui deixados. No entanto, em 1909 a
Sra. Bernard veio a falecer, ficando o pastor viúvo com um filho pequeno, o que obrigou a sua
volta a São Paulo. Desse trabalho mais uma vez não resultaram conversões.
Há de se perguntar se essas poucas conversões expressam o ambiente conflituoso pelo
que passava Mato Grosso desde a Proclamação da República ou a resistência por parte dos
católicos, liderados por D. Carlos Luís D´amour, bispo de Cuiabá no período. Pois é a este
que Virgílio Corrêa Filho, em tom ufanista, credita a resistência ao protestantismo e mesmo a
sua retração, contrariando assim os prognósticos de êxito da nova religião (1994, p. 668).
Contudo, talvez a explicação para a ausência de resultados iniciais esteja mais na
metodologia e tipo de trabalho realizado pelos protestantes até o momento, do que
necessariamente em fatores alheios à própria religião. Pois, a partir do trabalho missionário
presbiteriano, sendo este logisticamente amparado e estrategicamente estruturado, combinado
com alguns fatores sociais e econômicos, fez com que a nova crença se estabelecesse
definitivamente em Cuiabá.
João Alberto Dias escreveu em seu memorial que em 1913 chegou “acidentalmente”
em Cuiabá o pastor presbiteriano Franklin Graham, enviado da Missão Central do Brasil,
acompanhado do seminarista Antônio dos Santos e do tropeiro Marcolino Barreto. No
entanto, ainda que para os poucos protestantes que viviam em Cuiabá no início do século XX,
a chegada desses missionários parecesse acidental, esta não o foi, como se pode perceber pela
leitura da Minuta da Reunião da Missão Central do Brasil, realizada entre os dias 14 e 18 de
novembro de 1912, em Ponte Nova, na Bahia, base dessa missão. Nessa reunião ficou
decidido que:
45
[...] o Sr. Graham faria uma viagem a Goiás e Mato Grosso durante os
anos de 1913 e 1914, devendo partir o quanto antes; que na região
deveriam ser escolhidos lugares para a evangelização; que um desses
lugares deveria ser para uma escola como a que havia na base em
Ponte Nova; que em sua viagem ele se corresponderia com o
presidente do Comitê Executivo; [...] que o candidato Antônio dos
Santos acompanharia o Sr. Graham recebendo 50$000 por mês e as
despesas de viagem; que o Sr. Graham estava liberado do encontro de
1913 (Tradução minha).
Sendo assim, na primeira quinzena de março de 1913, Graham deixa Cateté, na Bahia
e dirige-se a Mato Grosso com o seminarista e o tropeiro na condução de nove animais. Numa
viagem que durou aproximadamente sete meses, passando cidades, distritos, povoados e
fazendas da Bahia, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, chegou finalmente o grupo a Cuiabá
em 14 de outubro de 1913 (CABRAL, 2000, pp. 1-3).
Figura 03 - Rev. Franklin Floyd Grahan 10
No seu trabalho de reconhecimento da região, Graham continua sua viagem visitando
outros locais como Rosário d´Oeste, Diamantino, Barra dos Bugres, Vila da Chapada,
Fazenda de Buriti, Poconé e São Luiz de Cáceres. Chegou até São Roque, nas fronteiras do
Brasil com a Bolívia, retornando a Cuiabá no começo de janeiro de 1914 e aí permanecendo
até o final do ano (CABRAL, 2000, p. 4). Também é oportuno observar que Graham
conheceu em Cuiabá o Sr. Atkinson, vice-cônsul inglês, o qual lhe comentou que estava
10
Imagem disponível em:
23/05/2015.
http://pt.slideshare.net/lucaspdefreitas9/ipb-mteduc19131969.
Acessado
em
46
ansioso para que se estabelecesse na cidade a evangelização presbiteriana (CABRAL, 2000, p.
3).
Conforme Philippe Landes, no dia 1º de novembro de 1914, foi celebrada a Santa Ceia,
sendo realizadas oito profissões de fé, recebidos três membros por jurisdição e batizadas
quatro crianças (1958, p. 1).11 Deve-se notar que o empreendimento missionário presbiteriano
fazia parte de uma estratégia elaborada pela agência missionária norte-americana, que tinha a
sua base em Ponte Nova, na Bahia. Tanto que, conforme a minuta da reunião dessa Missão,
que ocorreu entre 04 e 08 de dezembro de 1914, a mesma transfere para a Missão Sul do
Brasil, também presbiteriana, o campo de trabalho em Mato Grosso, devido ao acesso mais
fácil à região para quem vinha do sul do país.
Porém, uma vez que os batistas já haviam realizado trabalhos evangelísticos em Cuiabá
antes dos presbiterianos, a Missão Sul do Brasil solicita a “Evangelical Missionary Union”
que a evangelização de Cuiabá fique sob sua responsabilidade, o que foi feito (DIAS, 1958).
Conclui-se então, mais uma vez, que o empreendimento missionário protestante em Cuiabá,
em hipótese alguma, tenha sido fruto apenas de um espírito aventureiro e amador. Já se
contava com pelo menos cinco décadas de experiência de trabalhos missionários em terras
brasileiras por parte dos presbiterianos norte-americanos.
Após esse entendimento, chegou a Cuiabá, em 15 de agosto de 1915, mais um casal de
missionários, Philippe Landes e sua esposa, enviados pela Missão Sul do Brasil, com o
propósito de consolidar a fé protestante em terras mato-grossenses. Landes foi o primeiro
pastor da Igreja Presbiteriana de Cuiabá.
11
A Santa Ceia na Igreja Presbiteriana também é conhecida como Eucaristia. Já a profissão de fé é o ritual em
que o crente professa a sua fé numa cerimônia pública, sendo em seguida batizado, quando não o tenha sido na
infância. Recebimento por jurisdição é a transferência de um membro de uma Igreja Evangélica para outra. Na
Igreja Presbiteriana, as crianças, filhas de pais crentes, também são batizadas. Diferentemente da Igreja Católica
que reconhece sete sacramentos (batismo, crisma, eucaristia, penitência, unção dos enfermos, ordem e
matrimônio), o protestantismo reconhece apenas dois (eucaristia e batismo).
47
Figura 04 - Rev. Philippe Landes12
Após três anos de trabalho, a Missão envia o segundo casal, Adan Martin e sua esposa
Dna. Natie Martin. O trabalho de Martin era de caráter evangelístico, voltado, segundo João
Alberto Dias, aos pobres e enfermos (1958).
Figura 05 - Rev. Adan Martin13
12
Imagem disponível em:
23/05/2015.
13
Imagem disponível em:
23/05/2015.
http://pt.slideshare.net/lucaspdefreitas9/ipb-mteduc19131969.
Acessado
em
http://pt.slideshare.net/lucaspdefreitas9/ipb-mteduc19131969.
Acessado
em
48
Também coube a Martin trabalhar na aquisição de fundos para a construção do templo,
que se iniciou em maio de 1921 e que teve o lançamento de sua pedra fundamental em 07 de
setembro do mesmo ano, sendo concluído em 24 de dezembro de 1922.
Figura 06 - “O Rev. Phillipe Landes discursando por ocasião do lançamento da pedra fundamental da
Primeira Egreja Presbyteriana de Cuiabá, a 7 de setembro de 1921.”
Acervo da família Paes de Barros.
A igreja nascente assumiu personalidade civil em 12 de outubro de 1920, tendo os
seus estatutos publicados na Gazetta Official, número 4627, em 30 de outubro de 1920, por
iniciativa dos dois missionários que aqui estavam. Constitui-se então, por eleição, a primeira
diretoria ou mesa administrativa, como era chamada, com os seguintes membros: Philippe
Landes (presidente); Armindo de Matos (secretário); Hygino Monte da Cruz (tesoureiro);
João Alberto Dias e Francisco Cezar de Mello.
Diante do que foi exposto, observa-se que, a partir da chegada dos missionários
presbiterianos, houve todo um processo de consolidação e institucionalização do
protestantismo em Cuiabá. Estas ações podem ser notadas na criação de um rol regularmente
reconhecido daqueles que professavam a fé evangélica, na demarcação de uma área de
trabalho, na busca de uma personalidade civil, na formação de uma estrutura em termos
49
administrativos e de uma liderança constituída. Criava-se assim uma estrutura burocrática
mínima para dar sustentabilidade ao projeto protestante. Todo esse procedimento, certamente
demarcaria um espaço social na cidade e, deixaria patente que se tratava sim de um novo
credo e que estava definitivamente estabelecido.
Figura 07 - 2ª. Mesa administrativa
Acervo pessoal da família Paes de Barros
Logo, essa metodologia dos missionários protestantes reflete as décadas de experiência
de trabalhos evangelísticos em outras regiões do país e do mundo, bem como a existência de
toda uma estrutura coordenada que dava sustentação àqueles que estavam na linha de frente
da empreitada. Em outras palavras, os missionários presbiterianos sabiam muito bem o que
estavam fazendo.
Em 2013, ano do centenário da chegada do primeiro pastor presbiteriano em Cuiabá,
havia em Mato Grosso quase 100 igrejas presbiterianas juridicamente constituídas, além de
dezenas de congregações, escolas e trabalhos missionários de expansão14.
Enfim, no início do protestantismo em Cuiabá havia somente duas igrejas representantes
do cristianismo: a católica e a protestante. Porém, decorrido mais de um século a realidade é
14
Centenário do Presbiterianismo em Mato-Grosso. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=wG3Q5L5AAek. Acessado em 19/03/2015.
50
bem diferente, principalmente no que tange à representatividade evangélica, o que acaba por
gerar uma imensa confusão em termos de identificação. Daí torna-se necessária uma descrição
mais detalhada da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, por isso, a seguir, sua definição mais
cuidadosa.
1.2 – OS DISCÍPULOS FORAM CHAMADOS DE CRISTÃOS
Uma das difíceis tarefas acadêmicas é a das definições, pois ao tentar fazê-la, se corre o
risco da imprecisão, insuficiência ou mesmo contradição. Mais ainda a autodefinição, dado a
carga de subjetivismo que acompanha o observador, seja de si próprio ou do outro. Bauman
afirma que “as pessoas em busca de identidade se vêem variavelmente diante da tarefa
intimidadora de ‘alcançar o impossível’ [...]” (2005, p. 16), o que indica que o exercício a
seguir será muito mais uma aproximação do que um trabalho exaustivo de definição.
Habitualmente, as definições são feitas pelo outro e com o cristianismo não foi diferente.
Tomemos como exemplo o relato bíblico de que somente alguns anos após a formação da
igreja cristã é o que o termo cristão veio a surgir. E mesmo assim, como um nome cunhado
por habitantes da província romana no território sírio, Antioquia, aos discípulos de Jesus que
para lá fugiram por causa da perseguição instalada na cidade de Jerusalém. O texto bíblico diz
que “em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez chamados cristãos” (Livro de Atos
dos Apóstolos, capítulo 11, versículo 26). Aliás, de acordo com Teófilo de Antioquia (c. 120180), um dos primeiros apologistas ou defensor do cristianismo, o termo cristão era usado
pelos não cristãos em um sentido pejorativo. Isso porque, cristão é um vocábulo grego que
tem a sua origem na palavra hebraica “messias”, que significa “ungido” [com óleo]. Pode-se
dizer então, que numa concepção popular, o nome cristão seria o mesmo que chamar alguém
de “besuntado” ou “sujo de óleo” (cap. 12, p. 224).
Contudo, antes de se passar à tipologia ou enquadramento da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá no cenário evangélico brasileiro, é oportuna a reflexão de Bauman sobre a importância
da identidade na constituição de uma pessoa, seja ela jurídica ou física, ainda que esta busca
gere ambivalência, pois, apesar do relativo conforto que ela trás, fica fora de sintonia numa
época com as características deste terceiro milênio. Afirma o autor que:
51
[...] o anseio por identidade vem do desejo de segurança, ele próprio
um sentimento ambíguo. Embora possa parecer estimulante no curto
prazo, cheio de promessas e premonições vagas de uma experiência
ainda não vivenciada, flutuar sem apoio num espaço pouco definido,
num lugar teimosamente, perturbadoramente, “nem-um-nem-outro”,
torna-se a longo prazo uma condição enervante e produtora de
ansiedade. Por outro lado, uma posição fixa de uma infinidade de
possibilidades também não é uma perspectiva atraente. Em nossa
época líquido-moderna, em que o indivíduo livremente flutuante,
desimpedido, é o herói popular, “estar fixo” – ser “identificado” de
modo inflexível e sem alternativa – é algo cada vez mais malvisto
(BAUMAN, 2005, p. 35).
Enfim, apesar dos riscos que as definições trazem e da ambivalência apontada por
Bauman, é importante demarcar as fronteiras que distingue a Igreja Presbiteriana de Cuiabá
como igreja protestante histórica dentro do grande quadro religioso evangélico no país,
principalmente o que se apresenta na virada do século XX para o XXI.
Nesta pluralidade religiosa, que tem recebido o nome de “evangélico”, a Igreja
Presbiteriana se distingue como uma instituição que faz parte do grupo de denominações
protestantes que vieram para o Brasil na segunda metade do século XIX com objetivos
proselitistas ou missionários. Contudo, antes de prosseguir é importante frisar que o
pertencimento e a identidade até então assumida pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá – bem
como de indivíduos ou outras instituições - é ela mesma frágil, principalmente no século XXI,
caracterizado pela sua “fluidez” e pela desintegração de conceitos e valores até então
inquestionáveis. Tanto que Bauman faz o seguinte alerta:
Tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade”
não têm a solidez de uma rocha, não são garantidos para toda a vida,
são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o
próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como
age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores
cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade”
(2005, pp. 17-18).
Logo, a própria tipologização da Igreja Presbiteriana de Cuiabá não pode ser tomada
como algo hermético e invariável, pois em grande medida dependerá de suas próprias
decisões e escolhas futuras.
Retomando o raciocínio, em princípio, o termo “evangélico” referia-se primordialmente
ao grupo dissidente do cristianismo católico romano no século XVI, movimento conhecido
como Reforma Protestante. Dentro desta ótica, a Igreja Presbiteriana é considerada uma igreja
52
histórica, evangélica e missionária. Porém, como atualmente o termo abrange um grupo muito
maior do que a definição acima é capaz de suportar, será adotada nesta pesquisa, pela clareza
e capacidade de síntese, a nomenclatura desenvolvida por Magali do Nascimento Cunha em
sua Tese de Doutorado em Ciências da Comunicação na Universidade de São Paulo em 2004:
“Vinho Novo em Odres Velhos: Um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no
cenário religioso evangélico no Brasil”. Em síntese, Cunha adota as seguintes nomenclaturas
para diferenciar os diversos momentos e movimentos dentro do grupo cristão que se
diferencia da Igreja Católica, conhecidos como evangélicos (2004, pp. 17-19):
a) Protestantismo Histórico de Migração. Esta definição se refere às igrejas que tem
suas raízes na Reforma Protestante do século XVI. Chegaram ao Brasil com o fluxo
migratório a partir do século XIX, sem preocupações missionárias conversionistas. Seu
público alvo era os imigrantes residentes ou em trânsito no país, tais como os ingleses num
primeiro momento e posteriormente alemães. É representado pelas igrejas Luterana,
Anglicana e Reformada.
b) Protestantismo Histórico de Missão. Também originado da Reforma do século XVI,
veio para o Brasil majoritariamente por meio de missionários norte-americanos no século
XIX. Corresponde às igrejas Congregacional, Presbiteriana, Metodista, Batista e Episcopal.
Estas denominações possuíam claros objetivos proselitistas e de implantação das suas igrejas
em solo brasileiro. Sua audiência era os brasileiros.
c) Pentecostalismo Histórico. Composto pelas Igrejas Assembleia de Deus,
Congregação Cristã no Brasil e Evangelho Quadrangular, esse grupo tem as suas raízes em
dissidências dentro das denominações históricas de origem reformada. Vieram para o Brasil
no início do século XX com claro objetivo missionário. A principal distinção deste grupo está
na sua doutrina do Espírito Santo. Segundo o pentecostalismo histórico, o cristão, além da
experiência da conversão, passa por uma nova experiência espiritual, chamada de “batismo do
Espírito”. Este novo “batismo” é evidenciado pelo fenômeno da glossolalia, ou seja, momento
em que o fiel fala em “línguas desconhecidas”.
d) Protestantismo de Renovação ou Carismático. Na década de 1960 algumas “igrejas
protestantes históricas” vivenciaram cisões em seu meio, principalmente por influência da
“doutrina pentecostal”. Por sua vez, estes grupos dissidentes fundaram novas igrejas que
buscavam conciliar essa influência pentecostal com a estrutura de governo mais alguns
53
elementos doutrinários originados na Reforma Protestante. Dentre este grupo podemos
destacar as igrejas Metodista Wesleyana, Presbiteriana Renovada, Batista Nacional, entre
outras.
e) Pentecostalismo Independente. Este grupo é formado a partir de divisões teológicas
ou políticas nas “denominações históricas” a partir da segunda metade do século XX. Sem
preocupação ou vínculo com as raízes do “protestantismo histórico” tem como uma de suas
principais características o agrupamento em torno de uma “liderança carismática”.
Doutrinariamente enfatiza a Teologia da Prosperidade e da Guerra Espiritual. Estas pregações
focam a prosperidade financeira e pessoal, como também a prática constante de exorcismos e
curas milagrosas. Sua enumeração é dificílima, dado o surgimento constante de novas
comunidades: entre outras, podem ser citadas as igrejas Deus é Amor, Brasil para Cristo, Casa
da Bênção, Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja Internacional da Graça, Igreja Mundial
do Poder de Deus.
f) Pentecostalismo Independente de Renovação. Fenômeno característico do final do
século XX e início do XXI. Possui as características do Pentecostalismo Independente, mas
difere dele por ter como público-alvo as classes médias e a juventude. Dando destaque para a
música, esse modo de ser atenua a ênfase no exorcismo e nos milagres e ressalta a
prosperidade e a guerra espiritual. Grupos de igrejas compostos pela Renascer em Cristo,
Comunidades (Evangélicas, da Graça), Sara a Nossa Terra e Bola de Neve, exemplificam essa
definição.
Cabe ressaltar também que, há correntes religiosas que são aceitas como evangélicas pelo
senso comum, porém não são consideradas como tais, nem pelos estudiosos sobre o assunto e
nem pelos próprios evangélicos. São as Igrejas dos Santos dos Últimos Dias (Mórmons),
Adventistas e as Testemunhas de Jeová. Eles têm como traço comum o fato de originarem-se
nos Estados Unidos como fruto das experiências místicas de seus líderes. Enfim, a partir da
síntese acima, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá será estudada dentro da perspectiva do
Protestantismo Histórico de Missão.
Contudo, como será observado no decorrer da pesquisa, nas últimas décadas, o esforço da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá será exatamente o de tentar manter-se fiel a esta tradição, mas
ao mesmo tempo – fazendo uso de uma palavra largamente difundida no meio evangélico:
“contextualizar-se”. Certamente este é um caminho nada fácil, que desembocará em
54
contradições que requerem escolhas difíceis. Ainda que se crie um clima de certa naturalidade
nesta trajetória, Bauman aponta para as dificuldades inerentes neste processo. Afirma o
sociólogo que:
[...] a “identidade” só nos é revelada como algo a ser inventado, e não
descoberto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa
que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre
alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais –
mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a
condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e
tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta (2005, p. 22).
Com estas ressalvas e cientes desta íngreme e difícil trajetória da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá e para um melhor entendimento dela, também é necessário localiza-la
denominacionalmente, ou seja, compreendê-la em sua estrutura maior, a Igreja Presbiteriana
do Brasil. Sendo assim, os desafios da Igreja Presbiteriana de Cuiabá – mas não
necessariamente as escolhas - são em certa medida experimentados por toda a denominação,
uma vez ser esta uma federação de igrejas com um sistema de governo unificado. Além do
que, a pesquisa também contribuirá para o entendimento das transformações do
protestantismo nacional.
Enfim, a partir de um caso local, o que dará materialidade as discussões teóricas a
respeito da religiosidade brasileira, a pesquisa também buscará estabelecer a relação com o
contexto maior, tentando, deste modo, compreender como os fenômenos sociais presentes no
final do século XX e inicio do XXI atuaram na renovação das comunidades protestantes
tradicionais, provocando por sua vez, contradições de discursos e práticas.
Quanto a Igreja Presbiteriana de Cuiabá é importante primeiramente notar que ela é uma
igreja federada a Igreja Presbiteriana do Brasil, o que a distingue de outras comunidades ou
igrejas independentes surgidas nas últimas três décadas, fruto de empreendimentos
carismáticos pessoais. A própria Igreja Presbiteriana do Brasil se auto define em sua
Constituição como:
Art. 1º - [...] uma federação de Igrejas locais, que adota como única
regra de fé e prática as Escrituras Sagradas do Velho e Novo
Testamentos e como sistema expositivo de doutrina e prática a sua
Confissão de Fé e os Catecismos Maior e Breve 15; rege-se pela
15
Esta Confissão e Catecismos mencionados são a Confissão de Fé de Westminster e os Catecismos Maior e
Breve, elaborados na Abadia de Westminster, Londres, entre os anos de 1643 e 1649, num Concílio de Igrejas
Reformadas de tradição calvinista, convocadas pelo Parlamento Inglês.
55
presente Constituição; é pessoa jurídica, de acordo com as leis do
Brasil, sempre representada civilmente pela sua Comissão Executiva e
exerce o seu governo por meio de Concílios e indivíduos,
regularmente instalados.
Art. 2º - A Igreja Presbiteriana do Brasil tem por fim prestar culto a
Deus, em espírito e verdade, pregar o Evangelho, batizar os conversos,
seus filhos e menores sob sua guarda e “ensinar os fiéis a guardar a
doutrina e prática das Escrituras do Antigo e Novo Testamentos, na
sua pureza e integridade, bem como promover a aplicação dos
princípios de fraternidade cristã e o crescimento de seus membros na
graça e no conhecimento de Nosso Senhor Jesus Cristo”.
Art. 3º - O poder da Igreja é espiritual e administrativo, residindo na
corporação, isto é, nos que governam e nos que são governados.
§ 1º - A autoridade dos que são governados é exercida pelo povo
reunido em assembleia, para:
a) eleger pastores e oficiais da Igreja ou pedir a sua exoneração;
b) pronunciar-se a respeito dos mesmos, bem como sobre questões
orçamentárias e administrativas, quando o Conselho o solicitar;
c) deliberar sobre a aquisição ou alienação de imóveis e propriedades,
tudo de acordo com a presente Constituição e as regras estabelecidas
pelos Concílios competentes.
§ 2º - A autoridade dos que governam é de ordem e de jurisdição. É de
ordem, quando exercida por oficiais, individualmente, na
administração de sacramentos e na impetração da bênção pelos
ministros e na integração de Concílios por ministros e presbíteros. É
de jurisdição, quando exercida coletivamente por oficiais, em
Concílios, para legislar, julgar, admitir, excluir ou transferir membros
e administrar as comunidades (MANUAL PRESBITERIANO.
Capítulo I. Natureza, Governo e Fins da Igreja).
Dentro desta estrutura, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá é considerada uma igreja local,
que segundo o mesmo Manual Presbiteriano é:
Art.4 – [...] uma comunidade constituída de crentes professos
juntamente com seus filhos e outros menores sob sua guarda,
associados para os fins mencionados no Art.2 e com governo próprio,
que reside no Conselho (MANUAL PRESBITERIANO. Capítulo II.
Organização das Comunidades Locais).
Pelo exposto até aqui, fica caracterizado a estrutura burocrática da Igreja Presbiteriana do
Brasil em geral e da Igreja Presbiteriana de Cuiabá em particular, bem como os elementos
tradicionais que dela fazem parte. O que será visto a seguir é como esses elementos foram
56
questionados, o que resistiu deles, ou seja, como ainda se apresentam e o que foi negociado
nas últimas décadas, período em que se inscreve esta pesquisa. O primeiro aspecto a ser
analisado será o doutrinário e litúrgico – uma vez que o segundo não pode ser dissociado do
primeiro - tão caro às igrejas protestantes reformadas.
1.3 UM POUCO DE FERMENTO LEVEDA TODA A MASSA
Desde os seus primórdios, a Igreja Cristã tem um histórico de embates para manter-se
“pura” em suas convicções e práticas. Inácio de Antioquia, um dos primeiros Pais
Apostólicos, martirizado em Roma entre 107 e 110 da nossa era, segundo a tradição cristã, já
enfatizava em sua carta aos tralianos16:
Eu, vos exorto, portanto, não eu propriamente, mas o amor de Jesus
Cristo, a usar somente alimento cristão, abstendo-vos de toda erva
estranha, que é a heresia. Aqueles que, para terem crédito, misturam
Jesus Cristo consigo mesmos, são como aqueles que oferecem veneno
mortal misturado com vinho melado. O incauto o toma com prazer,
mas nesse prazer nefasto lhe dá a própria morte (PADRES
APOSTÓLICOS, 1995, p. 99).
As maiores ameaças ao cristianismo em termos de desvios doutrinários, em sua maioria,
surgiram a partir de suas próprias fileiras. Daí a convocação de diversos concílios ao longo da
sua trajetória para se posicionar a respeito das novas formulações doutrinárias elaboradas em
seu meio. Parte deste zelo fundamenta-se na orientação do apóstolo mais aguerrido da
tradição cristã, Paulo. Na sua carta aos Gálatas, capítulo 5, versículo 9, ele adverte para o
perigo de que apenas “um pouco de fermento” seria o suficiente para “levedar toda a massa”.
No início de sua caminhada, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, como uma igreja
protestante histórica de missão, fazia questão de demarcar bem as suas fronteiras em termos
doutrinários, não somente em relação à Igreja Católica Apostólica Romana, mas a outras
denominações também, tidas pelo senso comum como “cristãs” ou “evangélicas”. Essa
postura demonstrava um forte sectarismo religioso, pois rejeitava qualquer tipo de
16
Trália era antiga cidade da Cária, região mediterrânea da Ásia Menor. Hoje se identifica com Aydin, na
Turquia. Tinha grande importância por se constituir numa encruzilhada. Depois tomou o nome de Selêucida. Fez
parte, mais tarde, do território do rei de Pérgamo. Devastada por terrível terremoto, foi reconstruída pelo
imperador Augusto, com o nome de Cesaréia, em sua homenagem (PADRES APOSTÓLICOS, 1995, p. 97).
57
ecumenismo com outras denominações sem tradição protestante que se instalavam em solo
cuiabano, o que no período correspondia a duas outras igrejas: uma de origem pentecostal e
outra adventista ou sabatista. Qualquer aproximação ou mudança para uma destas duas igrejas
demandava grande atenção por parte do Conselho17 da Igreja Presbiteriana de Cuiabá.
O primeiro relato de algo semelhante se deu no ano de 1943. Tratou-se da mudança de
um membro da Igreja Presbiteriana de Cuiabá para outra igreja de natureza pentecostal,
recentemente chegada a Cuiabá. Esta mudança foi tratada de modo enérgico, observando-se
todos os trâmites e rigores da Constituição Presbiteriana. E, como um meio de coibir futuras
transferências, dava-se ciência de tudo aos demais membros da Igreja. O caso referido se
encontra no Livro de Atas da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Nele está registrado que:
[...] o pastor comunica ao Conselho que a uns tres mezes atraz o
membro da Igreja Rodrigo Alves Ferreira, o procurou em sua casa
para lhe diser que não queria mais pertencer como membro da Igreja
Presbiteriana porque tinha se tornado Pentecostal. O Pastor lhe disse
que lhe daria um prazo para pensar sobre o estado, digo, sobre esta
declaração ao que lhe disse o Sr. Rodrigo que era inutil este prazo
porque ele já tinha chamado o Pastor Pentecostal de Uberaba para
chegar até aqui e batiza-lo em companhia da sua esposa o membro da
Igreja Osea Mendes Ferreira. Nesta semana chegou aqui em Cuiabá o
Ministro Pentecostal e o Pastor procurou em sua casa o Sr. Rodrigo e
sua esposa Da. Osea e que na presença do Ministro Pentecostal eles
declararam novamente não desejar mais continuar como membros da
Igreja pois hiam ser batizados na Igreja Pentecostal. Tendo
conhecimentos destes fatos o Conselho resolveu processal-os
sumariamente de acordo com o artigo 186 da Constituição, letra H e I,
combinado com o artigo 21 e com o artigo 153, letra C da mesma
Constituição, ficando ainda resolvido que no culto público do próximo
domingo fosse dada sciencia a Igreja (IGREJA PRESBITERIANA
DE CUIABÁ. Ata da 36ª Reunião do Conselho da Igreja Cristã
Presbiteriana de Cuiabá, em 24 de abril de 1943, p. 122).
Outra deliberação do Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá que revela sua
vigilância por manter sua tradição protestante, está na decisão de publicar seus valores e
princípios para distribuição pública. Na década de 1960, se resolveu mandar imprimir 500
folhetos que tinham por título “Declaração de Princípios”. Tal decisão foi uma ideia trazida de
uma reunião realizada em Campinas, São Paulo, em que estiveram presentes pastores
17
(Art. 75) O Conselho da igreja é o concílio que exerce jurisdição sobre uma igreja e é composto do pastor, ou
pastores, e dos presbíteros. (Art. 50) O Presbítero Regente [Presbítero Docente é comumente chamado de Pastor]
é o representante imediato do povo, por este eleito e ordenado pelo Conselho, para, juntamente com o pastor,
exercer o governo e a disciplina e zelar pelos interesses da igreja a que pertencer, bem como pelos de toda a
comunidade, quando para isso eleito ou designado (MANUAL PRESBITERIANO. Capítulo IV, Oficiais e
Capítulo V, Concílios).
58
presbiterianos de várias partes do território nacional, inclusive Cuiabá. O objetivo dos
panfletos era a “melhor divulgação entre os crentes e também entre o povo em geral, sendo a
publicidade levada aos jornais e rádios” do que era o protestantismo e a Igreja Presbiteriana
(IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 5 de Atas do Conselho, Ata 349 de 01 de
outubro de 1962, p. 55, verso).
Outra prática relatada nos anais da Igreja Presbiteriana de Cuiabá e que também
demonstra o quanto ela zelava por preservar a sua tradição e história, mantendo assim viva a
memória do seu passado nos crentes, era atribuir nomes de membros pioneiros às salas e
unidades da Escola Dominical, tais como: João Carlos, Manoel Atanazio, João Pedro Dias,
Francisco Cesar, Jorge Landes, Juvenal Batista, Rodolfo Anders, Leôncio Capriata e Glorinha
de Lima. Todas estas pessoas fizeram parte da geração de fundadores ou foram líderes
proeminentes na igreja (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 5 de atas do
Conselho 5, Ata 329 de 28 de dezembro de 1961, p. 26, frente). Tal prática caiu em desuso
nas últimas décadas do século XX, deixando-se de atribuir nomes às salas de aulas, inclusive
retirando os já existentes.
Também com o objetivo de manter a tradição protestante, a própria liturgia de culto era
pensada e conduzida de modo a distinguir-se de outras comunidades religiosas e também do
cotidiano. Buscava-se, então, impingir sobre os fiéis uma noção de austeridade, racionalidade
e sacralidade durante as cerimônias cúlticas. Razão pela qual que, ainda na década de 1960, o
Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá mandou “imprimir papeletas com versículos da
Bíblia e serem distribuídos pelos diáconos no horário do culto da noite, cujos versículos
[viessem] a lembrar aos irmãos ou visitantes que na hora do culto [deveria] haver silêncio e
respeito à Casa de Deus” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 5 de Atas do
Conselho, Ata 360 de 15 de outubro de 1962, fl. 58, frente).
Este estilo de culto ainda está na memória dos membros daquele período. É o caso de
Nadira Bucair. Descendente de libaneses que vieram para Cuiabá, Nadira nasceu em 1939 em
Poxoréu, interior do estado de Mato-Grosso. De origem católica, conheceu a crença
evangélica ainda na infância por meio de dona Margarida (esposa de Philippe Landes) e ao
mudar para Cuiabá com sua família, passou a frequentar a Igreja Presbiteriana na Rua 13 de
Junho.
59
Ao ser questionada sobre a dinâmica do culto em sua época de juventude, Nadira relata
que havia “um programa de culto que chamava liturgia”. Neste programa constavam os
momentos e a ordem das orações, leituras bíblicas, hinos a serem cantados pelo coral e pela
congregação, bem como o momento em que se daria o sermão. Em todos os cultos esses
elementos sempre se apresentavam na mesma disposição. Quanto às diferenças da época
mencionada com a atual, ela comenta:
Ah, mudou. Porque já vinha o boletim com o programa, né. Isso já
bem na minha mocidade, com uns 25, 30 anos. [...] Olha, a
modernidade entrou muito dentro da nossa Igreja. Naquela época a
nossa Igreja era muito rígida. Você não ia de roupa decotada, você não
ia de bermudinha, de short, como estão indo hoje na igreja, de short,
então, eu acho que mudou muito. A nossa Igreja deu uma abertura
para esta modernidade. Eu acho que a Igreja tem que ser mais rígida.
Eu vejo esses jovens indo de chinelo havaiana para a Igreja, de
bermuda; no nosso tempo, quando que você ia assim? Você ia bem
vestido, a melhor roupa era para ir para a Igreja.
Em primeiro lugar, o que deve ser observado na narrativa de Nadira - segundo o conceito
de Thompson - são os valores e a verdade simbólica nela contida (1992, p. 185). No caso, é
contraposto uma estrutura formal e rígida a uma “uma abertura para a modernidade”,
exemplificada muito mais pela indumentária que passa a ser aceita: “chinelos, bermudas e
roupas decotadas” do que pela mudança litúrgica. A roupa para ir à igreja devia ser a melhor.
Nota-se então, que a religiosidade cristã protestante do período em questão (anterior à década
de 1970) era fortemente marcada por um elemento já observado por Émile Durkheim - a
distinção em sagrado e profano (1989, p. 68). A igreja não era somente um lugar de
convivência social, mas também um momento que rompia com o cotidiano, inserindo em sua
estrutura um elemento exógeno, o sagrado. Este é o valor e a verdade simbólica contida na
fala de dona Nadira.
O historiador das religiões, Mircea Eliade (1907-1986), comentando o trabalho do
teólogo protestante alemão Rudolf Otto (1869-1937), O Sagrado, observa que:
O sagrado manifesta-se sempre como uma realidade inteiramente
diferente das realidades “naturais”. É certo que a linguagem exprime
ingenuamente o tremendum, ou a majestas, ou o mysterim fascinans
mediante termos tomados de empréstimo ao domínio natural ou à vida
espiritual profana do homem. Mas sabemos que essa terminologia
analógica se deve justamente à incapacidade humana de exprimir o
ganz andare: a linguagem apenas pode sugerir tudo o que ultrapassa a
60
experiência natural do homem mediante termos tirados dessa mesma
experiência natural (p. 12).
É exatamente esta capacidade de evocar o transcendente, explícito nos lembretes aos
visitantes e membros de que deveria haver respeito porque estavam na “Casa de Deus”, que
começou a declinar, e que Nadira interpreta pelo uso das roupas mais informais como uma
consequência da “modernidade que entrou na igreja”. Ainda de acordo com Mircea Eliade,
“[...] o mundo profano na sua totalidade, o Cosmos totalmente dessacralizado, é uma
descoberta recente na história do espírito humano. [...] o homem moderno dessacralizou o seu
mundo e assumiu uma existência profana” (p. 14). Ou seja, o “sagrado” começa a perder
espaço frente ao “profano” e a separação entre os dois começa a ficar cada vez mais tênue, o
que se revelará em diversas formas, inclusive na moda.
O segundo elemento do culto protestante que pode ser identificado na fala de dona Nadira
é a sua racionalidade. Já na década de 1960 alguns registros em atas levam a crer que o
Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá se esforçava para se manter fiel a sua herança
protestante e a racionalidade era uma delas. Na ata 400, se lê que “o Conselho faz uma
autocrítica quanto à manutenção da ordem do culto procurando melhorar” (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 5 de Atas do Conselho, Ata 400 de 07 de dezembro
de 1964, fl. 136, frente). Tal decisão leva a crer – mesmo que em germe – o protestantismo
histórico já percebia em sua estrutura os questionamentos e mudanças de comportamento que
caracterizariam as décadas seguintes.
Esta necessidade, sentida pelo Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá é também, por
sua vez, uma reação à alteração da configuração religiosa na capital mato-grossense, pois a
partir da década de 1960, novos movimentos religiosos começaram a se instalar em Cuiabá.
Por este motivo é que:
[...] o presidente faz sentir ao Conselho a grande necessidade de cada
membro do mesmo se aprofundar mais no conhecimento de doutrinas
a fim de nas pregações, visitas e aulas de Escola Dominical, dar
melhor lastro doutrinário a fim de fazer frente ao grande surto de
doutrinas pentecostais e quejandras (sic) (IGREJA PRESBITERIANA
DE CUIABÁ. Livro 5 de Atas do Conselho, Ata 388 de 01 de junho
de 1964, fl. 116, frente).
Tanto é assim que, mesmo com a expansão e fundação de outras comunidades
presbiterianas no Estado, estas sentem cada vez mais a necessidade de se diferenciarem de
outros grupos religiosos recém-instalados na região. Esta distinção deveria ficar bem clara,
61
tanto para o público interno quanto externo. Com este objetivo é que as duas igrejas
presbiterianas existentes na capital à época, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá e outra no bairro
do Areão, se unem no esforço de publicarem um folheto com o título “Conheça a Igreja
Presbiteriana” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 6 de Atas do Conselho, Ata
466 de 06 de novembro de 1967, fl. 43, verso). Ou seja, estava em franco desenvolvimento
uma disputa pelo espaço social e o monopólio do capital simbólico religioso, desta vez não
apenas com a Igreja Católica, mas entre as próprias igrejas evangélicas. Visto de outra forma,
e com as devidas ressalvas, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá vivenciava em meados do século
XX o que a Igreja Católica experimentara quando da chegada do protestantismo em Cuiabá
no início do mesmo século.
Enfim, o que começava a ser colocado em jogo era um conjunto de valores, usos e
costumes, perpetuados numa longa tradição protestante, com cerca de quatro séculos. Sendo
valores a sua confessionalidade e tradição; o “uso” entendido como uma prática que é
justificada pelo hábito; e “costume”, o hábito proveniente de uma longa data (WEBER, 1987,
p. 51).
Logo - ainda que não de imediato - esses “usos” e “costumes”, mantidos pelo antigo
hábito, fossem confrontados por esta nova configuração religiosa que buscava impor um novo
paradigma religioso, ficaria assim constituída uma ameaça à tradição protestante em geral e
da Igreja Presbiteriana de Cuiabá em particular. Outro ponto a ser observado, é que sendo a
tradição uma conferidora de legitimidade e autoridade ao seu portador ou líderes, estes
postulados também começariam a serem postos em cheque. Contudo, a questão ainda a ser
respondida é: qual ou quais os fatores que proporcionavam essas mudanças de usos e
costumes religiosos? Thompson, ao abordar a transição entre o tradicional e o mundo
moderno afirma que a:
[...] Revolução Industrial e a concomitante revolução demográfica
foram o pano de fundo da maior transformação da história, ao
revolucionar as “necessidades” e destruir a autoridade das
expectativas baseadas nos costumes. É isso sobretudo o que estabelece
a distinção entre o “pré-industrial” ou “tradicional” e o mundo
moderno. As gerações sucessivas já não se colocam em posição de
aprendizes umas das outras (1998, pp. 22-23. Negrito meu).
Reforçando a tese de Thompson, de que a chave para a compreensão das transformações
dos usos e costumes está na mudança e dinâmica das “necessidades” sociais, porém, agora
referindo-se especificamente ao ambiente eclesiástico, Weber também entende que:
62
[...] por mais incisivas que as influências sociais, determinadas
econômica e politicamente, possam ter sido sobre uma ética religiosa
num determinado caso, ela recebe sua marca principalmente das
fontes religiosas e, em primeiro lugar, do conteúdo de sua anunciação
e promessa. Frequentemente, a geração seguinte reinterpreta essas
anunciações e promessas de modo fundamental, ajustando as
revelações às necessidades da comunidade religiosa. Quando isso
ocorre, então, é comum que as doutrinas religiosas se ajustem às
necessidades religiosas (1982, p. 312. Grifo meu).
A fim de que não se caia no erro da formulação de uma hipótese autogerada, sem
confirmação empírica (THOMPSON, 1981, p. 4), é válido ressaltar que o protestantismo
cuiabano já contava com mais de quatro décadas de existência, logo, já se encontrava na
terceira geração. Neste caso, as necessidades “da comunidade religiosa” já haviam se alterado.
Ainda que os elementos econômicos e políticos não fossem os principais fatores de influência
para essa mudança, segundo o pensamento de Weber, certamente eles foram decisivos, pois
influíam significativamente nas necessidades religiosas de então, alterando-as.
Logo, novas propostas religiosas começavam a ter receptividade, principalmente aquelas
que estabeleciam uma maior interação com as práticas e valores de uma sociedade do fim
século XX. De acordo com a afirmação de Thompson, estas novas gerações já não se
colocavam em posição de aprendizes das anteriores.
O que passa a ocorrer a partir de então é o fenômeno apontado por Bauman, em que
indivíduos, “não mais monitorados e protegidos, cobertos e revigorados por instituições em
busca monopólio – expostas, em vez disso, ao livre jogo de forças concorrentes -, quaisquer
hierarquias ou graus de identidades, e particularmente os sólidos e duráveis, não são nem
procurados nem fáceis de construir”. Ao invés disto, “as identidades ganharam livre curso, e
agora cabe a cada indivíduo, homem ou mulher, capturá-los em pleno voo, usando os seus
próprios recursos e ferramentas” (2005, p. 35). Logo, a conclusão é o aumento da “demanda
pelo que poderíamos chamar de ‘comunidade guarda-roupa’ – invocadas a existirem, ainda
que apenas na aparência, por pendurarem os problemas individuais, como fazem os
frequentadores de teatros, numa sala” (BAUMAN, 2005, p. 37). Esta era a nova geração que
surgia em Cuiabá e que começava a sentar-se nos bancos da Igreja Presbiteriana.
No entanto, com o passar dos anos, pela leitura dos livros de atas do Conselho da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá é nítido o arrefecimento quanto à necessidade em fazer-se distinguir
de outros movimentos religiosos. Talvez por causa de um provável isolamento da própria
63
Igreja; ou por dirigir prioritariamente sua mensagem a um público mais seleto, portanto, mais
receptivo a um tipo específico de conteúdo de caráter mais racionalista, abdicando assim de
um diálogo maior com a sociedade circundante ou; simplesmente por abdicar da relevância de
uma possível distinção, por entender que “qualquer modelo com base num único fator seja
incapaz de dar conta da complexidade do ‘mundo em que se vive’ e abranger a totalidade da
experiência humana” (BAUMAN, 2005, p. 39).
Talvez haja mais plausibilidade na terceira hipótese. Por enquanto, o que se pode dizer é
que os registros quanto à necessidade de uma diferenciação do presbiterianismo frente a
outras expressões religiosas evangélicas, praticamente desaparecem por quase vinte aos.
Somente na década de 1990 o tema vem novamente à tona, trazido por participantes do
próprio Conselho e que “manifestaram-se preocupados quanto ao modesto conhecimento
doutrinário de alguns membros da Igreja” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro
11 de Atas do Conselho, Ata 936, de 07 de abril de 1997, fls. 104, verso e 105, frente).
Provavelmente uma constatação tardia da situação ou um reconhecimento remoto das
consequências de suas próprias decisões anteriores.
A solução encontrada – diga-se de caráter corretivo e não preventivo - foi tentar
timidamente preencher esta lacuna a partir de estudos doutrinários para os interessados.
Contudo, em dia e horário não tão significativos para tão árdua tarefa: quartas-feiras, às
dezenove horas. Considerando o fim da jornada diária de trabalho, deslocamento na cidade,
terceira jornada para os que estudam à noite, este horário escolhido mostra-se bem pouco
favorável a uma participação significativa da membresia da igreja. A esta altura do jogo,
corria-se o perigo da massa já estar totalmente levedada.
No entanto, ainda que o desconhecimento doutrinário tenha o seu impacto na manutenção
dos laços de fidelidade de um grupo a uma determinada confissão religiosa, provavelmente a
questão não estivesse somente na apreensão cognitiva de dogmas. Também deve ser
considerado como estes eram articulados com as necessidades sociais de uma geração que,
por dinâmicas que são, estão em constante processo de transformação e renovação de suas
necessidades, principalmente as religiosas. Isto porque, a religião cumpre um papel de
produtora de sentido para a vida, e se isto não ocorrer, outros manipuladores de símbolos
religiosos serão chamados a fazê-la.
64
Em certa medida, essa falta de sintonia por parte de algumas igrejas protestantes
históricas com as necessidades sociais e religiosas de seus adeptos, explica a evasão de fiéis
ocorrida na segunda metade do século XX para outras denominações evangélicas de
diferentes matizes que começavam a surgir. Logo, muitas igrejas protestantes históricas, de
modo um tanto pragmático, começaram a se renovar, até mesmo por questão de sobrevivência
para algumas. Esta hipótese está presente na Tese de Carlos Tadeu Siepierski, “De bem com a
vida: o sagrado num mundo em transformação” em Antropologia Social, defendida no ano de
2001 na Universidade de São Paulo. Segundo Siepierski: “[...] nessa situação de concorrência,
as outras igrejas, para não perderem adeptos, se vêem obrigadas a reelaborarem seus próprios
discursos” (2001, p. 197).
No entanto, nesta reelaboração do discurso religioso é que reside o risco da contradição,
pois uma situação é o surgimento de uma nova instituição religiosa a partir do contexto do
final século XX, sem ter que lidar com o peso de sua tradição, seus valores confessionais e a
memória dos seus membros. Outra, totalmente diferente, é a do protestantismo histórico, com
quase cinco séculos de existência, com toda a sua estrutura já institucionalizada e consolidada,
lidar com um mundo em rápida transformação e suas novas demandas.
O que começava a ocorrer nas últimas décadas do século passado com as igrejas
protestantes é o que Cunha chamou de “desterritorialização, caracterizada por símbolos da
modernidade”, onde, elementos como “a tecnologia, a mídia, o consumo de objetos materiais
e bens culturais”, enfim, a novidade passava a conviver com a tradição e “com a conservação
de aspectos caros ao protestantismo brasileiro” (2004, p. 234). Ainda em sua análise, a
pesquisadora afirma que:
A fim de garantir sua sobrevivência como expressão cultural religiosa
evangélica e, por conseguinte, sua identidade, o PHM 18, [...] negocia a
introdução de novas formas culturais em seu modo de vida e garante a
preservação de elementos que lhe são caros. Ou seja, abre-se à
“modernidade evangélica” e 1 – altera as suas práticas de culto,
abrindo-se às propostas midiáticas; 2 – atenua pouco a pouco as
dimensões da racionalidade e da restrição aos costumes. Portanto, o
PHM parece ser um dos segmentos que mais intensamente
experimenta as transformações do cenário evangélico, pois se abre a
mudança em dois aspectos que lhe são primordiais: o culto e a ética de
costumes (CUNHA, 2004, p. 243).
18
Protestantismo Histórico de Missão
65
Ainda que a relação entre “preservar elementos que são caros ao protestantismo” e
“negociar a introdução de novas formas culturais em seu modo de vida” seja questionável,
uma das evidências de que as igrejas presbiterianas em Cuiabá viviam a tensão acima descrita
pode ser identificada em duas decisões do Presbitério de Cuiabá (PCBA)19. A primeira,
votada na 43ª Reunião Ordinária do Presbitério de Cuiabá, ocorrida entre os dias 12 a 14 de
julho de 1995 traz a seguinte redação:
Documento número 139 – Proposta para reciclagens teológicas e
estudos sobre validade das questões chamadas pentecostais, para que
as igrejas jurisdicionadas ao PCBA20 se tornem mais maduras,
coerentes [...], capazes de fazer uma interpretação de qualquer
“modismo” que de forma daninha venham invadir nossas igrejas
(PRESBITÉRIO DE CUIABÁ. Ata 76 da 43ª Reunião Ordinária,
1995, fl. 159, frente e verso).
O que chama a atenção nesta decisão é o apelo à coerência e a capacidade de se fazer
uma interpretação contra qualquer “modismo”, considerado como “forma daninha”. Em
outras palavras, um fermento que está alterando a massa. Certamente, estes modismos não
eram apenas reflexos dos usos e costumes pentecostais, pois estes não surgiram somente na
década de 1990, mas sim, práticas que refletiam a adaptação a uma época.
Esta reação a “modismos” é identificada por Bauman como um posicionamento contra a
ameaça de uma erosão que torna vulnerável a unidade da congregação dos fiéis, pois erode a
essência que permeia e sustenta o corpo eclesiástico. Continua ele afirmando que, esta
essência ou:
[...] esse cânone está cada vez mais desgastado e borrado em suas
bordas, sua costura se desfazendo e até se despedaçando. As seitas que
as igrejas veem com apreensão como, comprovadamente, a maior
ameaça à sua unidade, se multiplicam – e as igrejas são forçadas a
assumir a posição de fortalezas sitiadas e/ou instituições em
“contrarreforma permanente”. O cânone da fé precisa ser defendido a
unhas e dentes e reafirmado diariamente, distração é suicídio,
vigilância é a ordem do dia, a “quinta coluna” (qualquer coisa
indiferente e hesitante no interior da congregação) deve ser
identificada a tempo e cortada pela raiz (2005, p. 92).
19
O Presbitério é o concílio constituído de todos os ministros e presbíteros representantes de igrejas de uma
região determinada pelo Sínodo.
Parágrafo único. Cada igreja será representada por um presbítero, eleito pelo respectivo Conselho (MANUAL
PRESBITERIANO. Capítulo V, Concílios, Artigo 85.
20
Presbitério de Cuiabá
66
Porém, a tendência do presbiterianismo em Cuiabá era muito mais a de uma
“contrarreforma permanente” do que manter-se firme em suas trincheiras. Tanto que, quatro
anos depois, o mesmo concílio faz mais uma advertência, porém, desta vez, com expressões
mais incisivas e diretas. Segue o registro da deliberação:
Relatório da Comissão de Legislação e Justiça. Quanto ao documento
038, sobre procedimentos estranhos nos cultos realizados em algumas
Igrejas do nosso Concílio, o PCBA resolve: a) Lamentar que fatos
estranhos aos nossos Princípios de Liturgia, tais como: ordenação de
ministros com o uso de óleo, simbolizando unção: práticas sob trouxe
(sic), de línguas estranhas e profecias chamando a atenção da Igreja
em momentos de culto e adoração; práticas do chamado
“arrebatamento”, quando a pessoa fica extática ou em transe, e outras
atitudes semelhantes que demonstram exageros; b) Determinar que
nas cerimônias de ordenação de Ministros e demais oficiais da Igreja,
seja observado o que preceitua os nossos Princípios de Liturgia; c)
Recomendar aos Ministros da Igreja Presbiteriana do Brasil, na
jurisdição do PCBA, que observem cuidadosamente a nossa
Teologia Reformada e os nossos Princípios Litúrgicos e Éticos.
Aprovado em plenário (PRESBITÉRIO DE CUIABÁ. Ata 79 da 45ª
Reunião Ordinária, 1999, p. 20. Grifo meu).
Três observações podem ser feitas a partir desta resolução. A primeira é que este foi um
relatório provindo da Comissão de Legislação e Justiça de um concílio da Igreja Presbiteriana
do Brasil, portanto, não se tratava mais apenas da conveniência ou não de determinadas
práticas sendo incorporadas aos costumes do protestantismo histórico, e sim da legalidade
delas, como compete a esta comissão julgar. A segunda, é que a decisão deixa de ser uma
observação, como na decisão anterior, e passa a contar com expressões do tipo “lamentar” e
“determinar que”. Por último, a insistência para que fossem observados cuidadosamente a
Teologia Reformada e os Princípios Litúrgicos e Éticos. Contudo, o que se passava nas igrejas
locais? Esta pergunta não pode ser deduzida apenas da resolução acima, mas deve ser buscada
nas motivações e necessidades mais profundas que geraram práticas não condizentes com a
tradição histórica protestante.
Antes de tudo, é importante lembrar que esta pesquisa tem a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá como objeto de estudo. Ainda que a decisão do Presbitério de Cuiabá atinja um
contingente maior de igrejas elas não serão mencionadas nesta pesquisa individualmente. Em
segundo lugar, pelo fato da decisão do Presbitério generalizar as práticas de uma determinada
região, nem todos os exemplos mencionados na deliberação se aplicam à Igreja Presbiteriana
de Cuiabá.
67
Voltando o foco sobre a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, pelas evidências apresentadas a
seguir, a princípio já se pode afirmar que havia certa tensão entre uma pretensa renovação e a
luta para que se mantivesse a tradição protestante. Sem se esquecer de que este tópico trata
mais especificamente de aspectos teológicos e litúrgicos, a primeira evidência, extraído do
Boletim Informativo, traz uma reflexão sobre a relação do crente com o dinheiro e a
prosperidade financeira. Nele há a seguinte nota:
POBREZA? RIQUEZA?21 Não creio na pobreza. Se eu não
ganhasse dinheiro, não teria que dar para a obra de Deus. Creio que
Deus deseja que prosperemos espiritual, física e financeiramente. Mas
para sermos abençoados financeiramente, precisamos aprender a dar.
À medida que dou para a obra de Deus, Deus me dá em grande
abundância. Alguém disse-me: “Nunca dou para receber”. Não
podemos ser mais morais do que Deus. Ele diz-nos que devemos dar
para receber”. (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Boletim
Informativo, 1997, número 1493).
Essas palavras transcritas no Boletim Informativo são atribuídas a David Yonggi Cho.
David é um sul-coreano, pastor da Igreja do Evangelho Pleno, que segundo os números da
própria igreja, tem cerca de 800 mil membros. O templo desta igreja em Seul, com arquitetura
moderna, é considerado o maior templo evangélico do mundo, com capacidade para mais de
25 mil pessoas, sendo promovidos oito cultos por domingo. A fundação e crescimento da
Igreja do Evangelho Pleno estão alinhados com o processo de industrialização da Coréia do
Sul. Porém, a grande polêmica envolvendo o nome do Pastor David, está na sua teologia que
defende abertamente a prosperidade pessoal como resultado da vida cristã, condensada no
best-seller, A quarta dimensão, com mais de 230 mil exemplares vendidos somente no Brasil.
Daniela Borja Bessa, em sua Tese de Doutorado, Literatura de auto-ajuda cristã: em
busca da felicidade ainda na terra e não só para o céu, defendida em 2008 na PUC São
Paulo, na área de Ciências da Religião, defende que este tipo de literatura, como o de David
Yonggi Cho, é “construída sobre bases psicológicas humanista e transpessoal, apropriada
pelos cristãos, especialmente na área de cura interior” (p. 14). Ainda segundo Bessa, alguns
“autores sustentam que a literatura de autoajuda é um gênero pós-moderno, por promover o
individualismo, responder a questões urgentes, desconsiderar o futuro, oferecer respostas
prontas para uma geração que tem a informação como valor supremo” (p. 27). A autora ainda
afirma que essa literatura foi influenciada por alguns movimentos, tais como: o filosófico21
Nas transcrições de avisos do Boletim Informativo serão mantidos os destaques como estão impressos no
original a fim de se preservar a ênfase pretendida pelo editor.
68
teológico do Novo Pensamento a partir do século XIX, o esotérico do Movimento Nova Era,
além do contexto da Pós-modernidade (p. 35). Ainda segundo esta pesquisadora, o objetivo
desta literatura é a busca do bem-estar ou bem-viver, que pode ser conceituado da seguinte
forma:
Nessa definição [conceito de bem-viver] está implícita a relação com
o consumo, um dos pilares da modernidade. Na modernidade, o
consumo se tornou a medida do sucesso, felicidade e vida bem
sucedida na cultura ocidental. [...] A literatura contribui para isso ao
fortalecer nos leitores a pressuposição de que podem e devem ser
felizes, mediante a aquisição de bens de consumo, e fornecer-lhes
orientações de como fazer isto. Uma vez que a valorização social está
atrelada ao poder do capital, à posse do dinheiro e aquisição de bens,
tal consumismo é defendido pela literatura de ajuda (p. 37).
Por isso que em seu livro, com clara influência da religião oriental, como o budismo, e a
partir de sua experiência pessoal, David Yonggi Cho ensina seus leitores a orarem
mentalizando aquilo que eles desejam. Se as imaginações forem pequenas, os resultados
também o serão. Se forem grandiosas, coisas grandes se concretizarão. Ou seja, trata-se de um
guia de como obter prosperidade em todas as áreas da vida.
A divulgação de ideias semelhantes à de David Yonggi Cho no Brasil foi tão ampla e sua
influência foi tão grande no meio evangélico, que elas receberam uma nomenclatura própria:
Teologia da Prosperidade ou mais especificamente Confissão Positiva. Certamente este tipo
de teologia também reflete a influência da mentalidade de consumo, própria de um sistema
capitalista, e graças à expansão rápida dos meios de comunicação, essas ideias alcançaram a
audiência brasileira em pouco tempo.
Contudo, ainda que largamente influente, esta corrente foi rejeitada por diversas igrejas e
teólogos. A argumentação era a de que este ensino feria frontalmente às lições e exemplos de
Jesus Cristo, o qual teve uma vida simples e humilde, estimulou seus discípulos a fazerem o
mesmo e ensinou sobre o desapego as coisas materiais.
Logo, para a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, uma igreja representante do protestantismo
histórico, de tradição puritano-calvinista, fica totalmente fora de contexto fazer uma citação
em seu Boletim Dominical de um dos maiores representantes no Brasil da Teologia da
Prosperidade. Isso vem somente a ferir totalmente sua tradição, já observada por Weber, ao
mencionar que a “ascese protestante intramundana [...] agiu com toda a veemência, contra o
69
gozo descontraído das posses; estrangulou o consumo, especialmente o consumo de luxo”
(1992, p. 155).
Porém, após dois anos, outra citação no Boletim Informativo da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá abordando a questão financeira e a prosperidade pessoal também chama a atenção. No
entanto, dessa vez, numa argumentação totalmente contrária à primeira. O título da citação é
“Vida bem-sucedida”. Nesta citação, o redator convida a seguinte reflexão:
Muitas pessoas falam a respeito de uma vida bem-sucedida, mas o que
é isto exatamente? Na maioria das vezes, temos aceito os padrões dos
nossos dias como referência para a vida bem-sucedida. Bom salário,
posição social e mesmo a compra de um carro, influencia nosso
sentimento sobre o sucesso pessoal. Esses padrões, mudam com
frequência para servirem como base para o sucesso. Quando vivemos
de acordo com esses padrões, acabamos confusos ou até desesperados
(IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Boletim Informativo,
1999, número 1576).
A contradição entre as citações destes dois boletins deixa patente a tensão existente na
orientação teológica da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Porém, o que chama atenção neste
processo de idas e vindas é que em 1995 a Teologia da Prosperidade já havia sido discutida, e
o consenso da liderança da Igreja Presbiteriana de Cuiabá era coerente com o que fora
publicado no boletim de 1999, logo, contraditória com a de 1997. O tema já havia sido tratado
em reunião do Conselho e registrado do seguinte modo:
[...] Inicia-se a reunião com a meditação do texto de Efésios 1.10-11,
o Rev. José Cabral faz considerações bíblico-doutrinárias a respeito do
chamado “Evangelho da Prosperidade”. Nesta oportunidade, o
referido pastor, conclama os presentes a sempre estarem firmados na
doutrina bíblica e por ela zelarem de acordo com os princípios da
Igreja Presbiteriana do Brasil (IGREJA PRESBITERIANA DO
BRASIL, Livro 11 de Atas do Conselho, Ata 904 de 14 de março de
1995, fl. 42, verso).
Resumindo, em 1995 a Teologia da Prosperidade é condenada numa reunião do
Conselho; em 1997, o Boletim Informativo da Igreja cita o pensamento de um dos seus
maiores proponentes; depois, em 1999, outra citação, no mesmo Boletim Informativo, reforça
o posicionamento tradicional do protestantismo.
Mais uma consideração deve ser feita neste momento. O boletim de uma igreja,
geralmente é de responsabilidade de uma pessoa que exerce a liderança dentro da instituição,
e na maioria das vezes este periódico é supervisionado pelo próprio pastor, pois tem o
70
objetivo de ser um canal de comunicação oficial da igreja. Se este tipo de contradição havia
nestas instâncias, resta saber o que se passava na mente dos membros que dependem, e muito,
da instrução pastoral para a sua orientação teológica.
Outras duas citações, publicadas em 1996, no mesmo Boletim Informativo, refletem a
tensão e as contradições numa instituição representante do protestantismo histórico e que ao
mesmo tempo se pretendia inovadora. Uma de junho e a outra de setembro, respectivamente
retiradas dos boletins números 1445 e 1460. O primeiro, de 02 de junho, traz o aviso de um
congresso que seria realizado em Goiânia, entre os dias 12 e 15 de junho de 1996. Este
congresso ocorreria também numa igreja presbiteriana e teria por tema a “Guerra Espiritual
Estratégica: crescimento no Corpo de Cristo”. Os preletores seriam o americano Peter Wagner
e a brasileira Neuza Itioka. Contudo, quem eram esses preletores? Eles foram dois dos
maiores responsáveis pela disseminação da teologia da Batalha Espiritual, com diversas
publicações e participações em diversos congressos no território nacional.
Mas, que teologia é essa? Essa doutrina é espécie de maniqueísmo cristão, onde as forças
espirituais do bem lutam contra as forças espirituais do mal, sendo que os crentes devem
participar ativamente desta luta. As estratégias consistem em descobrir os nomes dos seres
espirituais malignos, pois a posse do nome ajudaria no domínio sobre eles; mapeamento de
áreas geográficas para saber onde se concentram os espíritos malignos; técnicas de quebras de
maldições que podem estar numa mesma família há gerações. Esta “batalha espiritual”
também deve incluir as esferas políticas e econômicas, pois os cristãos devem retomar aquilo
que “lhes pertencem por direito” e “declarar” a falência do inimigo. Uma clara disputa pelo
poder e domínio social, incluindo aí o poder político e econômico. A partir desta concepção
teológica, muitas igrejas passaram a considerar esses espaços como postos que deveriam ser
conquistados, pois estavam nas mãos dos inimigos de Deus. Daí o envolvimento cada vez
maior das igrejas evangélicas na esfera política, lançando candidaturas próprias e participando
ativamente do jogo político partidário.
O último exemplo a ser mencionado, trata-se de uma reflexão de primeira página, que
teve por tema “Gênesis e a Ciência”, redigida pelo próprio pastor da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá à época, Rev. José de Brito Cabral. A pastoral, como são conhecidos esses pequenos
artigos, publicada em 15 de setembro, também de 1996, evidencia uma tentativa em conciliar
a narrativa bíblica da criação do mundo em seis dias e sua interpretação literal, com os
pressupostos científicos. O referido pastor afirma em seu artigo que “não existe maneira de os
71
dias de Gênesis 1 poderem serem (sic) limitados a 24 horas”. Continua afirmando que, “eles
podem ser de 24 horas, mas o escritor não pretende que eles sejam, necessariamente,
limitados a essa duração de tempo”. Conclui Cabral, afirmando que:
Não há necessidade de se considerar o Gênesis e as teorias científicas
como sendo conflitantes entre si. Gênesis não foi escrito como obra
científica. Gênesis foi escrito como testemunho do fato de que foi
Deus que nos fez, e que somos seus. As ciências naturais não são
capazes de nos oferecer as chaves para o propósito da criação. O
teólogo descreve a experiência intuitiva de um crente a respeito de um
mundo que ele conhece tão bem quanto o cientista conhece o seu. As
suas descobertas se suplementam, ao invés de se contradizerem. Onde
a ciência desiste, a revelação bíblica se aplica. Sem a ciência, a
religião pode tornar-se superstição. Sem a fé, a ciência torna-se
materialismo crasso. O PROPÓSITO DE GÊNESIS É REVELAR
QUE DEUS CRIOU TODAS AS COISAS. (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Boletim Informativo, 1996, número
1460. Destaque do próprio texto).
Estas proposições e tentativas de conciliação com alguns postulados científicos são uma
evidência de passar a imagem de uma igreja moderna e alinhada com a sua época. No entanto,
ao mesmo tempo incorria em grave contradição, pois uma interpretação alegórica e figurativa
do livro bíblico de Gênesis contraria a Confissão de Fé de Westminster, adotada pela Igreja
Presbiteriana do Brasil. Inclusive, a promessa de fidelidade dos pastores à Confissão de Fé de
Westminster é um dos pré-requisitos para esses assumirem suas funções.
Sobre o tema debatido, afirma a Confissão de Fé de Westminster que “no princípio
aprouve a Deus o Pai, o Filho e o Espírito Santo, para a manifestação da glória de seu eterno
poder, sabedoria e bondade, criar ou fazer do nada, no espaço de seis dias, e tudo muito bom,
o mundo e tudo o que nele há, visível ou invisível (CAPÍTULO IV, DA CRIAÇÃO, Artigo I.
Negrito meu). Importante frisar que, na tradição protestante, os “seis dias” sempre foram
interpretados como dias literais, ou seja, um período de 24 horas para cada dia. Ainda que
diversos teólogos venham debatendo este tema, a interpretação de Cabral foge do que é aceito
tradicionalmente no protestantismo histórico.
Enfim, a partir dos exemplos dados, fica evidente que, à medida que o século XX
caminhava para o seu fim, contradições internas da Igreja Presbiteriana de Cuiabá precisavam
ser resolvidas. Pois, ao mesmo tempo em que ela buscava uma renovação, com o objetivo de
melhor dialogar com uma sociedade em processo de modernização, atendendo assim suas
demandas, por outro lado, era necessário resolver o que seria feito da sua tradição, no caso
72
deste tópico, sua tradição teológica e litúrgica. Patrimônio este do qual não poderia abrir mão
sem um grande prejuízo.
Porém, a tradição protestante não se restringe apenas ao seu conteúdo teológico. Contudo,
este acaba por influenciar diretamente a vida pessoal do indivíduo, incluindo as esferas
profissionais e mesmo recreativas. Ainda que sem a mesma intensidade das contradições
vistas anteriormente, é interessante observar a mensagem da Igreja Presbiteriana de Cuiabá
neste domínio.
1.4 FOSTE FIEL NO POUCO, SOBRE O MUITO TE COLOCAREI
A expressão “foste fiel no pouco, sobre o muito te colocarei” foi retirada de uma parábola
bíblica, a Parábola dos Talentos. Nela, Jesus conta que um rei distribuiu talentos 22 (dinheiro)
aos seus servos e saiu de viagem. Tempos depois ele retornou e pediu a devida prestação de
contas. Aos que fizerem bom uso e multiplicaram os valores recebidos, receberam a
aprovação do rei com a seguinte frase: “Muito bem, servo bom e fiel; foste fiel no pouco,
sobre o muito te colocarei [...]” (Evangelho segundo Mateus, capítulo 25, versículo 21).
Uma das heranças protestantes é o conceito de que o cristão, tal como o servo descrito na
Parábola dos Talentos, é um mordomo23 de Deus. Todos os seus recursos, inclusive suas
habilidades pessoais, não devem ser usados apenas em benefício próprio, mas sim levando em
conta a sociedade como um todo e a honra do nome de Deus. Esta boa administração, mesmo
nas pequenas coisas, como a correta administração do tempo, tem implicações diretas na vida
profissional, onde esta não pode ser dissociada da prática religiosa, antes, uma expressão dela.
João Calvino (1509-1564), ao desenvolver o conceito de vocação, assim comenta este
princípio:
22
Talento no Mundo Antigo do Oriente Médio era uma medida monetária. O talento podia ser em prata ou em
ouro e equivalia, caso fosse de prata a 6.000 denários. Denário era o valor de uma diária de trabalho braçal, ou
seja, seis mil dias, em torno de 16 anos e 45 dias. Caso o talento fosse em ouro, seu valor multiplicaria por trinta
(Tabela de pesos, moedas e medidas, in: BÍBLIA SAGRADA, Revista e Atualizada, 2ª ed.)
23
O conceito de mordomo e mordomia aparece nas obras de Xenofonte (430-354 a.C.) e Platão (428-348 a.C.),
significando primariamente a gerência de um lar, estendendo-se posteriormente à administração de estado. Em
Ésquilo (525-456 a.C.), refere-se concretamente a uma função exercida dentro de uma casa. No Antigo
Testamento, o termo é usado também para um oficial palaciano, enquanto que no Novo Testamento o termo se
refere ao administrador de uma casa e das propriedades (DICIONÁRIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA
DO NOVO TESTAMENTO. Verbete oikonomia).
73
É suficiente que saibamos que a vocação de Deus é como que um
princípio e fundamento baseados no qual podemos e devemos governar
bem todas as coisas, e que aquele que não atentar para ela jamais
encontrará o caminho reto e certo para desincumbir-se devidamente do
seu dever. Poderá por vezes fazer algo cuja aparência exterior inspire
louvor, mas não será aceito pelo trono de Deus, seja qual for o valor que
os homens lhe atribuem. [...] Além de tudo mais, se não tivermos a nossa
vocação como uma regra permanente, não poderá haver clara
consonância e correspondência entre as diversas partes da vida. Assim,
será muito bem ordenada e dirigida a vida de quem a conduzir tendo em
vista esse propósito. Desse modo de entender e de agir nos resultará
esta singular consolação: não há obra, por mais humilde e humilhante
que seja, que não brilhe diante de Deus e que não lhe seja preciosa,
contanto que a realizemos no serviço e cumprimento da nossa vocação
(INSTITUTAS, Livro 4, Capítulo XVII, artigo 45).
Este conceito de vocação desenvolvido pelos reformadores, principalmente Lutero e
Calvino, passou ser uma das marcas da tradição protestante. Weber, em sua obra Ética
protestante e o espírito do capitalismo, discorre sobre este princípio e o impacto que ele
causou nos países de tradição protestante. Segundo o sociólogo alemão:
[...] no conceito de Beruf24, [...], ganha expressão aquele dogma
central de todas as denominações protestantes que condena a distinção
católica dos imperativos morais em “praecept” e “concilia”25 e
reconhece que o único meio de viver que agrada a Deus não está em
suplantar a moralidade intramundana pela ascese monástica, mas sim,
exclusivamente, em cumprir com os deveres intramundanos, tal como
decorrem da posição do indivíduo na vida, a qual por isso mesmo se
torna a sua “vocação profissional” (p. 72).
André Biéler (1914-2006), professor de teologia na Universidade de Genebra, em sua obra O
pensamento econômico e social de Calvino, comenta que na ótica do reformador genebrino:
[...] a bênção do trabalho é não somente um penhor da graça atual de
Cristo, mas ainda um sinal do Reino vindouro. É então que o trabalho
achará sua verdadeira justificação. Aguardando a vinda definitiva do
Reino, todo trabalho exprime a inquietude laboriosa da criação até a
volta de Cristo. [...] Em criando o homem, Deus o chama a trabalhar. O
trabalho, acabamos de vê-lo, é um dos elementos da vocação humana.
Não é, porém, cada um chamado ao mesmo trabalho. É, pois, preciso que
cada ser execute a obra que Deus lhe dá, para que com ela se entusiasme
e nela se satisfaça [pp. 490-491].
Logo, o servo e o serviço de Deus não estão restritos à esfera eclesiástica e nem podem ser
delimitados pelas atividades ou programas de uma igreja local. Eles vão muito além e o cristão
deve estar preparado para exercer o seu papel por meio da vocação que lhe foi dada, o que
24
25
Vocação, em alemão
Preceitos ou mandamentos e conselho
74
significa trabalho e trabalho duro, ou seja, um verdadeiro “rigor ascético intramundano”, para
usar uma terminologia weberiana. Além do que, de acordo com as citações anteriores, o trabalho
era entendido como um sinal da graça divina e um meio pelo qual o mundo caído também seria
redimido.
Decorrente deste raciocínio, além da responsabilidade para com os deveres
intramundanos por meio da vocação profissional, outra característica também deste
protestantismo é o senso de mordomia quanto aos bens materiais, valores, tempo e sobre o
próprio corpo.
No século XVI, Calvino já tratava da mordomia cristã ao afirmar que:
A Escritura tem ainda outra regra [...] ou princípio geral, pela qual
devemos moderar o uso dos bens terrenos, regra da qual tratamos
resumidamente quando falamos sobre os preceitos do amor cristão.
Porque a presente regra nos mostra que todas as coisas nos foram
dadas de tal maneira pela benignidade de Deus, e destinadas ao nosso
uso e proveito, que elas nos foram deixadas como em custódia, em
depósito, e chegará o dia em que deveremos prestar contas delas. Por
isso devemos administrá-las tendo sempre em mente esta sentença:
teremos que prestar contas de tudo o que o Senhor nos tem confiado
(Livro IV, Capítulo XII, Artigo 44).
Este ensino do uso responsável dos recursos pessoais, do tempo e inclusive do próprio
corpo é presente em boa parte da trajetória da Igreja Presbiteriana de Cuiabá e é conhecido
tradicionalmente pelo nome de mordomia. Basta observar o quão recorrente são os avisos no
boletim da igreja sobre práticas esportivas, estudo e trabalho. Um exemplo que demonstra a
preocupação com a mordomia e disciplina dos corpos pode ser observado a partir do seguinte
relato encontrado no livro de Atas do Conselho, onde é deliberado que:
[...] tendo em vista ajudar o desenvolvimento das crianças da Igreja,
no que diz respeito ao crescimento físico, e mesmo intelectual,
autorizar a Sra. Alice Lotufo, que antecipadamente, tem sempre se
oferecido, para tomar conta das crianças aos Domingos, na parte da
tarde, levando-os fora da cidade, em lugares apropriados a certos tipos
de esportes recreativos, ajudando assim a criança a dar vazão em seus
instintos, de uma maneira mais apropriada e sadia; na certeza de que,
com a proteção de Deus, as nossas crianças estarão seguras, sob a
orientação de dona Alice (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ,
Livro 6 de Atas do Conselho, Ata 466 de 06 de novembro de 1967, fl.
41, verso).
75
Com estes mesmos objetivos é que também foi aprovada a construção de uma quadra
poliesportiva na Rua Barão de Melgaço, 1570, visando a prática do voleibol, basquete e
futebol de salão (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 6 de Atas do Conselho,
Ata 511 de 31 de maio de 1970, fl. 110, frente). Estes procedimentos reforçam a convicção de
que deveria haver uma busca constante da completa sujeição das paixões do corpo ao espírito
e ao intelecto.
Aliás, mordomia era objeto de estudos no presbiterianismo nacional. Tanto que, no início
da década de 1960, o pastor da igreja, Rev. Aristóteles Ferreira da Fonseca, foi enviado para
participar de um congresso que trataria desta temática. A deliberação tem o seguinte teor:
[...] o Rev. Aristóteles leu uma carta recebida do Rev. Newton Serra,
na qual convida esta Igreja em nome da Igreja Presbiteriana do Brasil,
a mandar representante à reunião que se realizará em Campo Grande
nos dias 25 a 31 do mês de outubro vindouro. O assunto principal
dessa reunião será sobre “Mordomia” e será dirigida pelo Dr. Paul
Lindholn, especialista nesse assunto (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Livro 05 de Atas do Conselho, Ata 320 do dia 18 do mês de
setembro de 1961, fl. 15, verso).
A importância dada ao tema pode ser visto na disposição por parte da liderança da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá em investir tempo e recursos a fim de se obter um efeito
multiplicador. Esta iniciativa torna-se ainda mais relevante se observarmos que estas decisões
se deram numa época em que Cuiabá não vivia o ritmo frenético deste início de terceiro
milênio, em que o gerenciamento de tempo e recursos tem se tornado um objeto constante de
estudo, o que não era o caso na década de 1960. Mesmo assim, o direcionamento foi para que:
[...] o Conselho a fim de aproveitar a experiência dos representantes às
reuniões do Instituto de Mordomia Cristã, resolveu que a partir da
próxima semana, isto é, nas 3as., 4as., e 6as. feiras, serão realizadas
reuniões para estudos nos grupos, com os crentes nos diversos bairros,
aproveitando-se para isso o material adquirido para esse fim (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 05 de Atas do Conselho, Ata
324 do dia 06 de novembro de 1961, fl. 15, verso).
Os dois exemplos extraídos dos livros de atas da Igreja Presbiteriana de Cuiabá
confirmam que, pelo menos até aquele período, ainda vigorava a tradição protestante da
mordomia, trabalho e vocação. Vale lembrar que uma das características particulares do
protestantismo em sua gênese, em contraposição a outros sistemas religiosos, era exatamente
a sua racionalidade. Sobre este assunto, Weber afirma que:
76
[...] o protestantismo ascético acabou realmente com a magia, com a
extramundanidade da busca de salvação e com a “iluminação”
contemplativa intelectualista como sua forma mais elevada; somente
ele criou os motivos religiosos para buscar a salvação precisamente no
empenho na “profissão” intramundana [...] (2009, p. 416).
Em outro lugar, o sociólogo ainda afirma que as manifestações protestantes “eliminaram
a magia do modo mais completo” (WEBER, 1986, p. 151). Por isso é que um pouco antes foi
afirmado que o cortejo com a Teologia da Prosperidade e a Teologia da Batalha Espiritual era
totalmente contraditório com a tradição protestante, pois essas prometiam vitória e
prosperidade de maneiras totalmente heterodoxas e longe da racionalidade identificada por
Weber. Este também afirmou que no protestantismo, “o pleno desencantamento do mundo foi
levado [...] às suas últimas consequências” (Ibidem. p. 152).
Segundo o credo protestante, o homem está num ambiente decaído e cabe a ele redimi-lo
também por meio do trabalho. Isso ele o faz a serviço de um Deus criador e transcendente a
criação. Daí a incompatibilidade do protestantismo de origem calvinista com o maniqueísmo seja com uma vestimenta cristã (tal como as teologias da Prosperidade e Batalha Espiritual)
ou não - pois de acordo com as formulações doutrinárias protestantes, Deus não está numa
guerra cósmica do bem contra o mal, porque está acima de qualquer criatura ou poder
existente. Enfim, ninguém desenvolveu a ética do trabalho mais do que a tradição protestante.
Comenta ainda Weber que:
[...] a consequência da relação com o Deus supramundano e com o
mundo irracional pervertido pelas criaturas era [...] a tarefa
absolutamente infinita do trabalho reiterado no controle e
domínio ético e racional do mundo dado: a objetividade racional
do “progresso”. Portanto, o contraste é entre a adaptação ao mundo
num caso e a transformação racional do mundo no outro. (Ibidem. pp.
155-156. Grifo meu).
Para entender a contradição existente entre o princípio da mordomia e o controle ético e
racional do mundo e o que passou a ser praticado na Igreja Presbiteriana de Cuiabá entre o
final do século XX e início do XXI, deve ser observada também as práticas litúrgicas da
igreja, principalmente as músicas cantadas durante os cultos. Parte delas, por meio de suas
letras, apelava a resoluções mágicas para os conflitos e instantâneas para o progresso pessoal,
tal como a Teologia da Prosperidade preconizava.
Tal entendimento deve-se ao fato de que uma das premissas deste trabalho é que as
convicções de um seguimento religioso não devem ser buscadas apenas em suas declarações
77
oficiais de fé. Seguindo o mesmo princípio já mencionado de Marc Bloch, aquilo que é
cantado evidencia muito das convicções teológicas pessoais, muito mais do que é oficialmente
declarado.
Ao se observar o repertório das músicas cantadas na Igreja Presbiteriana de Cuiabá, fica
evidente a contradição existente na igreja face à sua tradição. Como exemplo, segue alguns
trechos de músicas entoadas nos cultos, principalmente na década de 2000. Um rápido olhar
sobre as transcrições, sobretudo os termos em itálico, revelarão a contradição entre o
professado e o que era realmente declarado enquanto se cantava. Facilmente se percebe nestas
letras certas reivindicações de prosperidade, poder e realização de sonhos como um direito
pessoal e adquirido pelo simples fato de ser cristão, e por paradoxo que seja, o desejo e certa
obrigação de Deus em atender estes pedidos, ignorando assim a ética da mordomia, trabalho e
da vocação.26
1 - Mestre, eu preciso de um milagre
Mestre, eu preciso de um milagre
Transforma minha vida, meu estado.
Faz tempo que eu não vejo a luz do dia,
Estão tentando sepultar minha alegria,
Tentando ver meus sonhos cancelados.
[...]
Remove a minha pedra, me chama pelo nome.
Muda a minha história, ressuscita os meus sonhos.
[...]
Senhor, de tudo em mim já ouço a tua voz,
Me chamando prá viver, uma história de poder.
2 - Não vou calar meus lábios
Não vou calar meus lábios, vou profetizar.
Manifestar a graça, e abençoar a quem Deus quer libertar.
Sobre tua vida vou profetizar, nenhuma maldição te alcançará.
Sei que Deus tem prá ti um manancial, cujas águas nunca secarão.
3 - Os planos que foram embora
Os planos que foram embora, o sonho que se perdeu.
O que era festa e agora é luto do que já morreu.
Não podes pensar que este é o teu fim,
Não é o que Deus planejou, levante-se do chão erga um clamor.
Restitui! Eu quero de volta o que é meu!
4 – Se tentarem matar teus sonhos
Se tentarem matar teus sonhos, sufocando o teu coração.
26
Os cânticos transcritos fazem parte do repertório cantado na Igreja Presbiteriana de Cuiabá entre 2000 e 2010 e
me foram disponibilizados em meio eletrônico.
78
Se lançarem você numa cova e ferido, perdeu a visão.
Não desista, não pare de crer, os sonhos de Deus jamais vão morrer.
Não desista, não pare de lutar, não pare de adorar.
Levanta teus olhos e vê, Deus está restaurando teus sonhos e tua visão.
Recebe a cura, recebe a unção,
Unção de ousadia, unção de conquista, unção de multiplicação.
5 – Tudo o que Jesus conquistou na cruz
Tudo o que Jesus conquistou na cruz, é direito nosso, é nossa herança.
Todas as bênçãos de Deus pra nós, tomamos posse, é nossa herança.
Toda a vida, todo o poder, tudo o que Deus tem prá dar.
Abrimos nossas vidas prá receber, e nada mais nos resistirá.
Sobre a prática litúrgica, o norte-americano e teólogo presbiteriano, John Haddon Leith
(1919-2002), em seu livro A tradição reformada: uma maneira de ser a comunidade cristã,
também entende que “o culto tanto expressa as convicções éticas e teológicas de um povo
como as molda. A fé se expressa no culto antes de se expressar no credo, sendo aprendida no
culto antes de ser aprendida nas escolas. O culto é o centro da vida em comum da comunidade
cristã” (1996, p. 286). Leith ainda analisa os princípios adotados por João Calvino para a
condução litúrgica do culto. Segundo ele:
[...] Calvino insistia na questão da integridade bíblica e teológica do
culto. Como tem sido observado, Calvino era radical na crítica que
fazia à vida da Igreja, a partir da Bíblia. Ele insistia no fato de que
toda a prática deve ter sustentação no ensino bíblico. [...] Sua
insistência quanto à integridade teológica está relacionada com a
integridade bíblica, uma vez que esta última é o principal critério para
a beleza. Sentimento e emoção, estética e beleza estavam
subordinados à integridade teológica (1996, pp. 286-287).
No entanto, uma questão ainda precisa ser respondida neste processo de idas e vindas da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá entre a sua tradição e a busca por renovação, no caso
específico, a relação com o trabalho, dinheiro e bens materiais. Cunha sintetiza muito bem a
averiguação a ser feita, nas seguintes palavras: “o problema que se coloca não é a conservação
e resgate de tradições inalteradas, mas perguntar como elas estão se transformando, como
interagem com as forças da modernidade”. Nesta direção, a hipótese levantada por Cunha,
encontra apoio com a hipótese também desenvolvida neste trabalho. Para a pesquisadora, “a
urbanização, o consumo, o aparato tecnológico e a mídia são fatores determinantes do
processo de hibridação [...]” (CUNHA, 2004, p. 54).
Em outras palavras, os elementos decorrentes do processo de globalização e
modernização, como se tem afirmado neste trabalho, têm influenciado com singular força a
79
busca das igrejas protestantes históricas por um diálogo maior com o mundo contemporâneo e
suas necessidades religiosas, o que invariavelmente gera contradições decorrentes destas
tentativas de renovação. Ainda de acordo com a análise de Cunha, as igrejas protestantes
históricas foram as mais suscetíveis, e enumera alguns elementos que contribuíram
decisivamente neste processo. São eles:
1 – A consolidação da hegemonia do pentecostalismo no cenário
evangélico;
2 – A busca de modernidade e inserção dos evangélicos na lógica
social;
3 – A transformação na forma de cultuar e na ética de costumes de um
significativo número de igrejas, especialmente aquelas que compõem
o segmento histórico de missão;
4 – O lugar do capitalismo globalizado no cenário religioso
contemporâneo (Ibidem, pp. 233-234).
Por fim, podemos afirmar que este processo que foi iniciado no fim do século XX ainda
permanece no início do XXI, pois o campo religioso brasileiro, em suas interconexões sociais,
políticas, econômicas e culturais, está “estreitamente relacionada ao avanço do capitalismo
globalizado e à consolidação das culturas midiática e urbana, filhas da modernidade” (Ibidem.
p. 15). Certamente este processo traria implicações diretas sobre o caráter tradicional da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá.
1.5 NOS ÚLTIMOS DIAS SOBREVIRÃO TEMPOS DIFÍCEIS
Faz parte do corpo de doutrinas protestantes as convicções apocalípticas e milenaristas27.
Ele nutre uma expectativa de um novo céu e uma nova terra, porém, antes precedido de
tempos difíceis: um aumento substancial da maldade humana, apostasia à verdadeira religião,
27
O Catecismo Maior de Westminster, redigido com objetivos didáticos, faz a seguinte pergunta: O que
acontecerá no dia do juízo? Resposta: No dia do juízo, os justos, sendo arrebatados para encontrar Cristo nas
nuvens, serão postos à sua destra, e ali, abertamente reconhecidos e justificados, se unirão com ele para julgar os
réprobos, anjos e homens, e serão recebidos no céu, onde serão plenamente e para sempre libertados de todo
pecado e miséria, cheios de gozos inefáveis, feitos perfeitamente santos e felizes, no corpo e na alma, na
companhia de inumeráveis santos e anjos, mas especialmente na imediata visão e fruição de Deus o Pai, de nosso
Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo, por toda a eternidade. É essa perfeita e plena comunhão de que os
membros da Igreja invisível gozarão com Cristo em glória, na ressurreição e no juízo. Obs.: Somente lembrando
que o Catecismo Maior, juntamente com o Catecismo Menor e a Confissão de Fé de Westminster, compõe a
tríade de documentos oficiais que expressam a convicção doutrinária aceita pela Igreja Presbiteriana do Brasil.
80
materialismo crescente e uma busca insaciável da satisfação própria. Parte desta convicção
tem por base o ensino do apóstolo Paulo, expresso na segunda carta a Timóteo, capítulo 3,
versículos 1 a 4.
Este subtópico da pesquisa se dedicará especialmente a cultura do consumo e do
hedonismo, onde os fiéis passam a serem tratados como clientela e os padrões litúrgicos
começam a ser adaptados para atender as exigências da audiência.
Antes, porém, é útil observar que comumente nas viradas de séculos, e principalmente de
milênios, valores são questionados, retrospectivas e prospectivas são feitas, além de um forte
sentimento apocalíptico que passa a dominar o imaginário popular, influenciado é claro, pela
literatura e a partir de meados do século XX pelo cinema e mídia em geral28. Alguns avisos
constantes nos Boletins Informativos dão conta de exemplificar a inquietação que ganhava
espaço na Igreja Presbiteriana de Cuiabá diante do novo e do desconhecido. As áreas
abordadas foram diversas, tais como:
PREPARANDO A CRIANÇA PARA O 3º MILÊNIO. O Pr. Jaime
Kemp, diz que “o bom preparo começa no lar”. Colocar e praticar os
princípios bíblicos na criação dos filhos é a única maneira de entrar no
próximo milênio com famílias fortes e que permanecerão em pé no
meio de tanta impiedade e imoralidade (IGREJA PRESBITERIANA
DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 28 de fevereiro de 1999,
número 1572).
ESCOLA DOMINICAL. Se você deseja receber instruções acerca
do Batismo, ou participar de uma classe de estudos para casais, ou de
estudo acerca da Espiritualidade para o 3º milênio, venha
participar da Escola Dominical (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Boletim Informativo de 28 de fevereiro de 1999, número
1572. Negrito meu).
SENHORES PAIS. Toda mudança de século gera grandes
mudanças no mundo. Sabemos que o alicerce da família e da
sociedade são os jovens. Diante desta visão, a Santa Felicidade Clínica
de Saúde, vem oferecer um curso de Desenvolvimento Psicossexual.
As psicólogas Dra. Jussara Medeiros Vasconcelos e Dra. Regina
Eunice F. Campos, acompanharão cada grupo dando o curso (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ de 28 de março de 1999, número
1575. Negrito meu).
28
O dia depois de amanhã; 2012; Guerra dos mundos; Vírus; Nevoeiro; Fim dos tempos; O dia em que a terra
parou; Eu sou a lenda; Oblivion; Elysium; Depois da terra; Melancolia; Waal-E; Armagedon; O núcleo;
Presságio, são apenas alguns exemplos de produções cinematográficas milionárias sobre o tema.
81
PREPARANDO LÍDERES PARA O NOVO MILÊNIO. [...] O Dr.
Shedd expõe com muita clareza a visão neotestamentária da liderança
cristã. Uma liderança positiva visa o desenvolvimento da maturidade
dos membros da Igreja. Sua família, sua igreja, sua visão serão
irrigadas com as bênçãos que Deus tem preparado para nós. Ore por
esta conferência (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 24 de outubro de 1999, número 1605).
Não é mera coincidência que ao se aproximar o fim do século XX e, concomitantemente,
do terceiro milênio, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá passa a reavaliar sua trajetória, relevância
e também a conjecturar sobre o futuro, indagando, inclusive, sobre o seu comprometimento
com a tradição protestante e a necessidade ou não de renovação em seu modo de ser. Este é o
ambiente em que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, uma igreja do início do século XX e fruto
de uma tradição de quase cinco séculos, se encontra. Ela deve decidir, tal como numa
encruzilhada, qual caminho seguir, pois de um lado está a sua tradição histórica, mas por
outro, se vê diante de uma sociedade globalizada e em processo de modernização que
questiona valores e práticas cristalizadas ao longo das décadas. É neste momento que a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá busca se renovar e às vezes inovar, porém, tendo que lidar com as
tensões advindas das contradições desta readequação.
Aliás, um dos sinais de que havia dentro da própria Igreja Presbiteriana do Brasil um
movimento de autocrítica, cerca de duas décadas antes da virada de século, é observado no
convite enviado ao Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá para discutir a
“Contemporaneidade da Eclesiologia Calvinista”. (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Livro de Atas do Conselho, Ata número 656 de 10 de novembro de 1979, fl. 79,
verso). Ainda que fosse para reforçar princípios calvinistas, o simples fato de se discutir a
contemporaneidade e aplicabilidade da sua tradição eclesiológica, por si só, já denota a
abertura de um espaço receptivo a possíveis críticas e reavaliações.
O próprio momento e ambiente de culto começaram a ser repensados. De um local sério,
reverente e até certo ponto austero, a busca passava a ser por um ambiente agradável e
acolhedor, principalmente aos visitantes. Tanto que um Conselho de Relações Públicas é
criado para tal finalidade (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 09 de Atas do
Conselho, Ata 751 de 19 de agosto de 1984, fl. 28, frente). A própria melhora econômica dos
membros da Igreja passou a exigir que algumas providências fossem tomadas, visando assim,
um melhor atendimento ao público alvo. Tal providência pode ser exemplificada na busca de
pessoas para tomarem conta dos veículos na frente do templo na Rua 13 de Junho, no centro
82
de Cuiabá durante os horários de culto (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 10
de Atas do Conselho, Ata 763 de 14 de abril de 1985, fl. 20, frente). Passa-se, então, a haver
um público cada vez mais exigente frequentando a Igreja Presbiteriana de Cuiabá e uma
crescente pressão sobre sua liderança para que as necessidades e demandas desse novo
membro fossem atendidas.
Por sua vez, como ocorre nas sociedades de consumo, uma das grandes dificuldades é
manter a fidelidade da “clientela”, pois essa, ao menor sinal de desinteresse ou proposta mais
atraente, pode facilmente trocar de “marca consumida”. Em termos religiosos, com o
crescimento na quantidade de igrejas evangélicas no Brasil, o oferecimento cada vez maior de
“programas evangélicos” na televisão e a expansão da internet, as possibilidades de escolha
passaram a ser bem maiores. Numa análise muito objetiva, Bauman descreve o fenômeno
deste novo perfil de “cidadão consumista”, presente também nas igrejas:
O “modo consumista” requer que a satisfação precise ser, deva ser,
seja de qualquer forma instantânea, enquanto o valor exclusivo, a
única “utilidade”, dos objetos é a sua capacidade de proporcionar
satisfação. Uma vez interrompida a satisfação (em função do desgaste
dos objetos, de sua familiaridade excessiva e cada vez mais monótona
ou porque substitutos menos familiares, não testados, e assim mais
estimulantes, estejam disponíveis), não há motivo para entulhar a casa
com esses objetos inúteis. [...] Se os nossos ancestrais eram moldados
e treinados por suas sociedades como, acima de tudo, produtores,
somos cada vez mais moldados e treinados como, acima de tudo,
consumidores, todo o resto vindo depois. Atributos considerados
trunfos num produtor (aquisição e retenção de hábitos, lealdade aos
costumes estabelecidos, tolerância à rotina e a padrões de
comportamento repetitivos, boa vontade em adiar a satisfação, rigidez
de necessidades) se transformam nos vícios mais apavorantes no caso
de um consumidor (2005, pp. 70, 72).
Logo, este fenômeno deixou mais tênue os laços entre os fiéis e suas respectivas igrejas.
Nesta tendência, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá não foi exceção, sendo, inclusive, este
comportamento aludido em seu Boletim Informativo. A preocupação ficou expressa na nota
em que dizia que “GEORGE GALLUP, famoso pelas perguntas de opinião, disse que o
interesse em religião está aumentando, mas que há pouca diferença entre o comportamento
ético dos religiosos e os não religiosos”. (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim
Informativo de 17 de fevereiro de 1985, número 958).
No entanto, a questão a ser resolvida neste cenário é que “na corrida dos consumidores, a
linha de chegada sempre se move mais veloz que o mais veloz dos corredores; e a maioria dos
83
corredores na pista tem músculos muito flácidos e pulmões muito pequenos para correr
velozmente” (BAUMAN, 2001, p. 86). Isto significa, como diz o mesmo autor em outro
lugar, que ser:
[...] moderno passou a significar, como significa hoje em dia, ser
incapaz de parar e ainda menos capaz de ficar parado. Movemo-nos e
continuaremos a nos mover não tanto pelo “adiamento da satisfação”,
como sugeriu Max Weber, mas por causa da impossibilidade de
atingir a satisfação: o horizonte da satisfação, a linha de chegada do
esforço e o momento da autocongratulação tranquila movem-se rápido
demais (BAUMAN, 2001, p. 37).
Enfim, este tipo de inquietação e insatisfação, faz parte de um contexto de transformação
social ao final do século XX. A Igreja Presbiteriana de Cuiabá encontrava-se diante de um
mundo globalizado, com todos os seus efeitos na área do consumo e entretenimento e também
diante de uma nova visão de mundo, onde valores e crenças tradicionais e conservadoras
passavam a ser questionadas e relativizadas. Questões desta natureza começaram a ocupar os
debates da própria liderança da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, como relatado em uma das
reuniões do Conselho:
[...] o Conselho decidiu delongar as horas em reflexão da ação da
Igreja e sua espiritualidade nos momentos que atravessa, por ter uma
transformação no crescimento populacional, física e espiritual e o
texto da leitura bíblica foi de despertamento espiritual para que esta
reunião se tornasse o momento reflexivo com orações. Vários assuntos
polêmicos deste final de século para futuras orientações da
comunidade evangélica (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ.
Livro 11 de Atas do Conselho, Ata 938 de 10 de junho de 1997, fl.
107, verso).
A decisão tomada pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá, pelo que se observa em
deliberações e práticas, foi a de dialogar com a nova realidade social, tentando, porém, ao
máximo preservar seus valores. Opção difícil de por em prática, visto ser a própria estrutura
da Igreja, até então, calcada em pressupostos de tradição puritana e calvinista e em muitos
pontos, frontalmente opostas as atuais demandas sociais.
Uma das tentativas em se adaptar à nova configuração religiosa evangélica, foi a adoção
da expressão, “gospel”, para as reuniões da mocidade. Esta expressão é fruto de uma
estratégia de marketing, totalmente estranha ao meio presbiteriano, mas que agora estava
sendo apropriada como uma forma de se mostrar uma igreja sintonizada com as novas
tendências religiosas. Porém, a dificuldade estava em se utilizar o termo e ao mesmo tempo
84
filtrar as implicações contraditórias que o “movimento gospel” trazia. O curioso é que,
simultaneamente ao cuidado do Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá com as novidades
teológicas, tendências e desafios da virada do milênio, havia iniciativas que cortejavam tais
movimentos, como se pode ler a seguir na ata de outra das reunião do Conselho:
Destaca-se ainda, a atuação dinâmica da UMP [União de Moços
Presbiterianos], pelo bom desempenho das atividades espirituais do
acampamento Água-Viva ocorrido em fevereiro, pelo Festival Gospel
na Chapada dos Guimarães, pela efetiva participação da “Quarta
Gospel”, no templo da Igreja Presbiteriana de Cuiabá (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 11 de Atas do Conselho, Ata
949 de 02 de dezembro de 1997, fl. 129, verso).
Para se compreender um pouco mais do que se trata este movimento gospel, é oportuno
mais uma vez o uso da pesquisa de Cunha que se debruçou sobre o tema. Segundo esta
pesquisadora, o gospel deve ser visto como um “movimento cultural religioso”. Movimento
este que se articula principalmente sobre a tríade música, consumo e entretenimento (2004, p.
144). Logo, de acordo com ela, a compreensão deste fenômeno é chave para entender as
forças que atuam sobre as igrejas evangélicas de um modo geral. Conclui sua análise
afirmando que:
[...] a cultura de mercado, que tem na cultura gospel uma de suas
versões, seria uma das mediações da audiência evangélica [...]. Isto
significa que vivenciar o modo de vida gospel é consumir bens e
serviços religiosos e divertir-se não como mera assimilação da cultura
de mercado, mas como expressão religiosa (Ibidem, p. 239).
O alinhamento a esta nova forma de ser evangélico, se contradiz exatamente no fato de
que a cultura gospel, diferentemente do puritanismo e calvinismo, tem o seu foco dirigido
para a satisfação primária de uma audiência. Entende-se também essa cultura como uma
transformação na realização do culto religioso, reconfigurado pela produção fonográfica, a
promoção de espetáculos para a divulgação destes produtos e a reinterpretação e relativização
das doutrinas e costumes que fazem parte da tradição das igrejas evangélicas, principalmente
as protestantes históricas (CUNHA, 2004, p. 346).
Outra adaptação ou renovação, que contradiz a própria trajetória da Igreja Presbiteriana
de Cuiabá, pode ser observada nos objetivos pastorais traçado para o ano de 2000. Dando
clara ênfase no aspecto musical, o primeiro dos objetivos declara que a igreja deveria ser
“forte na adoração” e teria por ação “promover um louvor agradável a Deus e aos
adoradores” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 12 de Atas do Conselho, Ata
85
977 de 23 de novembro de 1999, fl. 01 verso. Negrito meu). Esta é uma clara referência à
adoção de um ambiente musical ao estilo gospel, características peculiares das novas
comunidades evangélicas surgidas na virada do século, porém sem nenhum compromisso com
o protestantismo histórico, principalmente no que se refere a promover um louvor “agradável
aos adoradores”, ou seja, música ao gosto do ouvinte, logo, música de mercado. Estas
estratégias exemplificam a reflexão feita por Bauman: “quando a qualidade o deixa na mão ou
não está disponível, você tende a procurar a redenção na quantidade” (2005, p. 37).
Aliás, esta tensão existente entre a secularização e indiferença religiosa por um lado, e a
adoção de estratégias para “fidelizar” os crentes por outro, já vinha sendo debatida há pelo
menos duas décadas no meio protestante. Três documentos discutidos entre os anos de 1970 e
1990, em concílios presbiterianos que jurisdicionam a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, dão
conta de exemplificar este dilema existente que é renovar para não perder a audiência, mas ao
mesmo tempo zelar para que esta renovação não contradiga a tradição protestante.
O primeiro é a orientação do Sínodo Brasil-Central, onde algumas estratégias são
sugeridas contra o secularismo, ou seja, indiferença para com os valores religiosos. A
discussão se dá nos seguintes termos:
[...] 3 – Acatar a recomendação do SBC [Sínodo Brasil-Central] aos
presbitérios quanto ao secularismo, nos seguintes termos: a) Estude
detidamente o problema; b) Estabeleça contatos mais diretos e
cordiais com as suas igrejas; c) procure encaminhá-las a uma prática
de vida autenticamente evangélica; d) Proporcionar ambiente sadio
e atrativo à juventude, por meio de programas bem elaborados
visando seu encaminhamento a uma verdadeira experiência
cristã: teatros, prática de esporte (em quadra apropriada),
acampamentos, congressos e um melhor aproveitamento dos
talentos jovens no trabalho da Igreja [...] (PRESBITÉRIO DE
CUIABÁ. Ata da 16ª Reunião Ordinária, de 03 a 06 de janeiro de
1973, fl. 133, frente. Negrito meu).
O segundo documento, elaborado cinco anos depois, reconhece novamente a indiferença
de uma parcela dos membros das igrejas presbiterianas. Também recomenda às lideranças
eclesiásticas que incentivem os fiéis a um compromisso maior com suas igrejas, porém
tomando cuidado para não cerceá-los de suas atividades seculares, pois eles deveriam se
pautar pela ética cristã, independentemente do ambiente (PRESBITÉRIO DE CUIABÁ. Ata
da 23ª Reunião Ordinária, de 11 a 14 de janeiro de 1978, fl. 75, verso e fl. 76, frente).
86
Já o terceiro documento possui uma deliberação um tanto ambígua, pois ao mesmo tempo
em que recomenda “aos Conselhos que orientem suas igrejas quanto ao bom gosto, decência e
simplicidade no uso de vestimentas”, não define qual o padrão do bom gosto, decência e
simplicidade. Similarmente é a orientação quanto ao uso de música gospel e “brinco” em
orelha masculina. Os conselhos são recomendados a orientar os “jovens à luz da Bíblia,
quanto à prática de Adoração, Louvor, usos e costumes, mediante ação pastoral”. Contudo,
essas recomendações são vagas porque tentam fazer duas coisas ao mesmo tempo: manter
uma tradição, mas também estabelecer pontos de contato com as novas tendências e
configurações sociais (PRESBITÉRIO DE CUIABÁ. Ata da 41ª Reunião Ordinária, de 15 a
17 de dezembro de 1995, fl. 127, verso).
As consequências a longo prazo deste cortejamento com a modernização da igreja pode
ser percebida na entrevista de Vinícius Rangel Soares Sampaio. Vinícius, que completará 36
anos de idade em outubro deste ano de 2015, é casado e pai de um menino. Formado em
Comunicação Social atua há vários anos com artes cênicas. De origem católica, converteu-se
na Igreja Assembleia de Deus por volta de 2003. Cerca de dois anos depois começou a
frequentar a Igreja Presbiteriana de Cuiabá por convite de um amigo. Em seu relato, ele
descreve como era o ambiente cúltico da igreja, principalmente nas reuniões específicas para
jovens:
Então, quando eu entrei na igreja e comecei a fazer essa mesma
pergunta e avaliação porque eu sabia que dentro da igreja não tinha,
da Igreja Assembleia de Deus não tinha essa coisa de ministério de
jovens, de coreografia, não tinham. Dentro das igrejas evangélicas,
algumas estavam tendo esta abertura. Eu entrei numa época que estava
tendo esta abertura. Eu acho que as igrejas se abriram com a
influência de um hábito que veio de fora, eu acredito que isso
começou fora do Brasil, e o movimento de JOCUM 29 para atrair os
jovens. Porque o jovem gosta desta linguagem da música com uma
outra toada, uma outra batida mais contemporânea, da dança, de uma
expressão, não sei se eu vou falar mais transgressora, o fato de se
expressar, de poder ter essa liberdade. O jovem gosta disso. Então eu
acho que as igrejas se abriram por causa disso. Para ser uma forma de
atrair o jovem e manter o jovem dentro da igreja. [...] Eu acho que a
questão de o jovem trabalhar, por exemplo, distribuindo panfletos no
final de semana, que era uma forma que as igrejas trabalhavam como
formas de evangelização, acho que a igreja viu como uma forma que o
29
JOCUM (Jovens com uma Missão), voltada prioritariamente para um público jovem, foi fundada em 1960 nos
Estados Unidos e em 1975 no Brasil. No seu propósito missionário são utilizadas artes cênicas, circenses,
trabalhos assistenciais, voluntariado e treinamento de missionários. Disponível em: http://www.jocum.org.br/nacabeca/quem-somos. Acessado em 27/06/2015.
87
jovem já não tinha mais aquela identificação com esse tipo de ação.
Diferente já quando se diz: “vamos fazer uma coreografia num bairro,
num hospital, numa praça, numa escola. Vamos montar uma
coreografia”. Então, eu acho que é isso, o jovem gosta de estar
envolvido neste tipo de ação.
No entanto, usando a metáfora de Bauman, em que a linha da satisfação move-se muito
mais rápido do que o mais rápido dos corredores em busca dela, as estratégias em sua busca
são capazes de romper com qualquer coisa que obstrua a sua conquista. Isso fica bem claro na
segunda parte da fala de Vinícius:
Eu entrei na época do pastor Uedson (2001-2010). Na época do pastor
Uedson tinha um auxiliar dele que era o pastor Leandro. O pastor
Leandro veio de JOCUM e tem uma visão especial com artes. Então
na época do pastor Leandro eu via algumas coisas dentro da igreja que
eu não conhecia, porque era novo, já havia me escandalizado. Por
exemplo: no culto de jovens havia muita liberdade, então tinha dança,
tinha o louvor, era numa época que o pessoal tava naquele movimento
de “Jesus é bom a beça”, era o bloco30 que fazia evangelismo lá em...
Então eu vi, por exemplo, jovens dançando coreografia, virando
mortal dentro da igreja. Isso me escandalizou, achava que aquilo era
um excesso. Mas em alguns cultos a gente tinha uma apresentação de
artes, cultos de domingo, com o pastor Uedson. Então eu cheguei e já
fazia apresentações nos cultos de domingo. Então não tinha ainda um
senso crítico, não sabia se era certo, se era errado, a Igreja.
Enfim, a linha da satisfação e do louvor agradável ao adorador tinha chegado a este ponto
descrito pelo entrevistado. Já outra prática que reforça também uma tentativa da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá em se adequar à logica globalizada e de mercado é a adoção de suas
terminologias, tais como “planejamento estratégico”, “missão” e “visão” (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 14 de Atas do Conselho, Ata 1052 de 09 de
novembro de 2005). Segue abaixo algumas citações retiradas dos Boletins Informativos, o que
exemplifica a busca de eficiência, gerenciamento de pessoas, gestão estratégica e
estabelecimento de metas sendo incorporados ao linguajar eclesiástico:
IMPORTÂNCIA DA VISÃO. Define “o que queremos ser”; Unifica
as expectativas; Dá sentido de direção; Facilita a comunhão; Ajuda o
envolvimento; Favorece o comprometimento; Dá energia às equipes
de trabalho; Inspira as grandes diretrizes da Igreja (Boletim
Informativo, número 1562, 20 de dezembro de 1998).
MISSÃO. A partir de 08 de julho de 2001, No. 1694, o Boletim
começa a trazer inserido a Missão da Igreja: “Pregar o evangelho a
30
Sobre o bloco “Jesus é Bom a Beça”, será tratado mais a frente no trabalho.
88
cada pessoa, em cada lugar, discipulando-as e equipando-as para a
glória de Deus”.
DECLARAÇÃO DE MISSÃO. Fazer saudáveis seguidores de Cristo
através da pregação do evangelho e do discipulado bíblico, na cidade e
entre todos os povos.
DECLARAÇÃO DE VISÃO. Ser uma igreja comprometida com
Deus, compartilhadora com as pessoas e presente na cidade para fazer
diferença (Boletim Informativo, número 1770, 22 de novembro de
2002).
LIDERANÇA E CARÁTER. Caráter é fundamental. A primeira
lição que precisamos aprender é que a liderança plena está
fundamentada na pureza de caráter. É essencial que haja uma
infraestrutura de excelente caráter para sustentar uma grande conduta.
A confiança e o envolvimento das pessoas que nos seguem correm
paralelos ao nível de nosso caráter.
Não conheço o segredo do sucesso, mas o segredo do fracasso é tentar
agradar a todos (Bill Cosby)
Você pode ter ideias brilhantes, mas, se não passá-las adiante, elas não
chegarão a lugar nenhum (Lee Iacocca)
Nenhum ato grandioso jamais foi alcançado sem entusiasmo (Ralph
Waldo Emerson)
Você deve conviver com as pessoas para conhecer os problemas delas,
e viver com Deus para resolvê-los (P. T. Forsyth)
No entanto, as renovações realizadas pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá eram mais o
resultado da influência do contexto no final do século XX e início do XXI do que propostas
que a própria igreja fazia a sociedade em que estava inserida. Logo, o que influenciava
diretamente a Igreja Presbiteriana de Cuiabá era uma novo modo de vida, caracteristicamente
marcado pelo surgimento dos “não-lugares”, tribos urbanas, predomínio de novas tecnologias
de comunicação e audiovisual, privatização da vida coletiva, individualismo, confinamento
em ambientes e redes sociais coletiva, consumo permanente de bens e investimento privado
em espaços culturais e de lazer. Todos os aspectos de uma sociedade globalizada e
modernizante (CUNHA, 2004, p. 104).
Contudo, resta outra questão a ser pensada. Porque numa sociedade tão impregnada pela
tecnologia e marcada por um avanço científico sem precedentes, o protestantismo não recuou,
pelo contrário, além de se mostrar vibrante, sobretudo na América Latina, sincretizou-se, não
somente com outras expressões religiosas, mas com valores seculares? Siepierski entende que
89
[...] quando os diversos recursos disponibilizados por esses sistemas
simbólicos [a ciência e a tecnologia] se mostrarem insuficientes, e o
mundo se insinuar caótico e sem sentido, mostrando-se a vida como
então irremediavelmente fragmentada, os indivíduos recorrerão à
religião que, nesse caso, será chamada a dar conta da totalidade da
vida. [...] A ciência moderna, com seu discurso triunfalista, inibiu e
reprimiu a religião como algo obscurantista, mas, nos momentos de
angústia frente à ameaça do colapso de sentido, o homem ainda
recorre a esse estoque simbólico construído ao longo de toda a história
da humanidade. [...] E essa leve camada de significações construída
pela sociedade moderna, com seus valores laicos e sua crença no
poder do pensamento racional, não consegue se sustentar ilesa diante
da erupção de símbolos com tremenda carga de significações (2001, p.
190-192).
Logo, o que passa a vigorar é uma tensão existente também no nível individual. Passa a
existir um cidadão que vive num mundo “desencantado”, porém, ainda com a mesma
necessidade de significações que dêem conta da totalidade da vida. Por isso, ele passa a
encontrar nos movimentos religiosos que, ao mesmo tempo se utilizam dos aparatos
tecnológicos produzidos pela modernidade, mas que não mantém nenhum compromisso com
o caráter racional, científico e historicista da sociedade moderna (Idem. p. 7). Confirmando
esta tese, Bauman também transmite este mesmo entendimento ao afirmar que:
[...] essas congregações assumem obrigações e deveres abandonados
por um Estado social em processo de encolhimento. Também
oferecem o ingrediente mais penosamente ausente de uma vida digna,
e que a sociedade em geral lhes recusa: um senso de propósito, de uma
vida (ou morte) significativa, de um lugar correto e decente no sistema
geral das coisas. Também prometem defender a sua fé contra as
“identidades” vigentes, estereotipantes e estigmatizantes impostas
pelas forças que governam o “mundo lá fora” inóspito e hostil [...]
(2005, p. 93).
Além do que, essas mesmas expressões religiosas modernizantes exploram o conceito de
cidadania que a cada dia mais e mais tem se identificado com a capacidade pessoal de
consumo. Sendo assim, o cidadão do reino de Deus é aquele que consome bens religiosos.
Isto não significa que a fé não tenha sido um “grande negócio” em tempos passados. Porém,
diferentemente do final da Idade Média, como no caso da venda de indulgências, onde as
pessoas consumiam pensando numa vida pós-morte, nas últimas décadas, o consumo religioso
busca satisfazer o aqui e agora. Segue Bauman em sua descrição deste novo cidadão
afirmando que:
90
[...] hoje em dia, um século e meio depois, somos consumidores numa
sociedade de consumo. A sociedade de consumo é a sociedade do
mercado. Todos estamos dentro e no mercado, ao mesmo tempo
clientes e mercadorias. Não admira que o uso/consumo das relações
humanas, e assim, por procuração, também de nossas identidades (nós
nos identificamos em referência a pessoas com as quais nos
relacionamos), se emparelhe, e rapidamente com o padrão de
uso/consumo de carros, imitando o ciclo que se inicia na aquisição e
termina no depósito de supérfluos (2005, p. 98. Itálico do autor).
A consequência disto é que, seguindo esta lógica de mercado, “o pluralismo religioso
tem-se revelado, portanto, uma das características do mundo atual, com o aparecimento de
novos movimentos religiosos ao lado das religiões tradicionais, ao mesmo tempo em que a
secularização ganha espaço” (CUNHA, 2004, p. 88). Ou seja, a associação a uma comunidade
religiosa corre o risco de ser muito mais motivada por uma “identificação com o grupo” do
que mesmo por convicções pessoais.
Conclui-se, portanto que, A Igreja Presbiteriana de Cuiabá, ao seguir esta lógica descrita,
passa a caminhar sobre uma linha tênue e estreita entre a modernização e a tradição. Enfim,
pode-se fazer uso do enunciado deste tópico, afirmando que para o presbiterianismo em
Cuiabá “os dias são difíceis”, pois ao mesmo tempo em que traz em sua bagagem todo um
repertório discursivo e simbólico construído ao longo dos séculos, se vê diante de uma lógica
de consumo, crescente relativismo, individualismo e pluralismo tão característicos deste início
de século XXI.
Destas opções decorrem as contradições, pois ao mesmo tempo em que denuncia, por
exemplo, a Nova Era como um movimento religioso, com clara influência política, social e
econômica na vida das pessoas e com forte caráter humanista, místico e pluralista, ao mesmo
tempo faz concessões ao sistema de valores característicos do capitalismo globalizado e com
tendências pós-modernas (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de
06 de outubro de 1991, número 1235).
91
CAPÍTULO 2
“NA CONTRAMÃO DA VIDA”:
A IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ
E SUA PROPOSTA (CONTRA) CULTURAL
I hear Jerusalem bells are ringing
Roman Cavalry choirs is singing
Be my mirror, my sword and shield
My missionaries in a foreign field31.
(Coldplay, VIVA LA VIDA, 2008).
Um dos grandes desafios para o cristianismo desde o seu nascedouro foi o de ser uma
proposta contra cultural. Isto ficou claro no ensinamento de Jesus quando, no célebre Sermão
da Montanha, afirmou que os seus discípulos deveriam “ser o sal da terra e a luz do mundo”
(Evangelho segundo Mateus, capítulo 5, versículos 13 e 14). Ou seja, caberia a eles
influenciar os valores e visão de mundo da sociedade a sua volta, e não o contrário.
Inicialmente, para uma discussão mais objetiva neste capítulo, cultura aqui será tomada
como um conjunto de símbolos partilhados por uma determinada sociedade, o que está
alinhado com o conceito do antropólogo Clifford Geertz apresentado em seu livro A
interpretação das culturas. Nele, o autor trabalha com a seguinte definição:
O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente
semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um
animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,
assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; [...] ele
[o conceito de cultura] denota um padrão de significados
transmitido historicamente, incorporado em símbolos, um
sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas
por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e
31
Eu ouço os sinos de Jerusalém tocando.
Corais da cavalaria romana estão cantando
Seja meu espelho, minha espada e escudo
Meus missionários em um campo estrangeiro.
92
desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à
vida (1989, pp. 15, 103.).
Desde o início do cristianismo os cristãos passaram a ter a responsabilidade de
compartilhar uma visão e conceito de mundo a partir de outra perspectiva ou de novos
significados. Apesar da distância temporal que separa a Reforma Protestante do nascimento
do cristianismo, num extremo, e da organização da Igreja Presbiteriana de Cuiabá no outro, os
objetivos do início do cristianismo sempre se mantiveram - ainda que variando de intensidade
ou método de época para época - com um sentido proselitista em sua missão, de
reconfiguração de valores e de transformação social.
É importante mencionar que o protestantismo que chegou ao Brasil e a Cuiabá, além dos
séculos acumulados de tradição protestante, trouxe também em sua bagagem o modo norteamericano de ser, pois, foram os seus missionários estadunidenses, formados na tradição
puritana e calvinista, que desembarcaram em solo brasileiro. Basta observar a biografia dos
missionários presbiterianos que estiveram em Cuiabá, formados na tradicional escola de
teologia da Universidade de Princeton.
Consequentemente isso fez que, em sua fase de organização, a influência norte-americana
na Igreja Presbiteriana de Cuiabá fosse grande, mesmo porque, eram as missões protestantes
americanas que financiavam os missionários e suas incursões pelo país desde meados do
século XIX. As igrejas fundadas por estes missionários faziam, inclusive, parte da estratégia
norte-americana da expansão protestante. Esta situação serviu, inclusive, para que o jornal
católico, A Cruz, publicasse matéria em tom denuncista contra o primeiro pastor da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, Philippe Landes.
A matéria em questão são as reproduções das conferências proferidas pelo Bispo Dom
Carlos D’Amour, sob o título “Imperialismo e Protestantismo” (CORRÊA FILHO, 1994, p.
668). O conteúdo destas palestras foi publicado pelo jornal A Cruz. Por sua vez, este tipo de
abordagem do jornal constrangeu Landes se explicar diante da administração da igreja sobre
suas reais intenções e que tipo de propaganda ele fez do Brasil por ocasião de sua viagem aos
Estados Unidos. Na ocasião, ele se justificou, afirmando que:
[...] realmente falou em um discurso na América do Norte, sobre
alguns males que pesam sobre o Brasil, como o analphabetismo –
doenças, etc. não o fez com o sentido de crítica, mas para ver o que se
poderia fazer para ajudar a minorar os males, completando que só o
Evangelho poderia liquidar esses males. Elle sendo brasileiro amando
93
a sua Pátria de maneira nenhuma o fez para feril-a. (PRIMEIRA
EGREJA PRESBYTERIANA DE CUYABA. Livro de Actas da
Assembleia Geral, p. 22).
Nota-se, portanto, nesta declaração, bem nítido o objetivo proselitista e também de
divulgação de um novo ethos em terras católicas: o protestante. Uma das estratégias adotada
para a propaganda protestante na cidade foi a imprensa, pois esta serviria para criticar
costumes locais, como as touradas, os cabarés, as loterias, etc. propondo assim uma nova ética
e modo de ser. Em seus primeiros anos na capital, Philippe Landes escreveu no jornal O
Matto-Grosso. No entanto, em uma de suas viagens aos Estados Unidos, trouxe um prelo
doado pela Igreja Presbiteriana na Philadelphia, para ser usado na publicação de materiais
religiosos (PRIMEIRA EGREJA PRESBYTERIANA DE CUYABA. Livro de Actas da
Assembleia Geral, p. 22). Para a execução desta estratégia propagandística, foi organizada a
Sociedade de Boa Literatura que teria por finalidade publicar o jornal cujo título seria A
Penna Evangélica, com tiragem quinzenal (PRIMEIRA EGREJA PRESBYTERIANA DE
CUYABA. Livro de Actas da Assembleia Geral, p. 24).
Enfim, tal como os “missionários em campos estrangeiros” da banda britânica Coldplay,
em sua música Viva la Vida, os missionários protestantes estavam encarregados de transmitir,
além de um evangelho nos moldes protestantes, também um novo modo de vida, fosse em
termos sociais, políticos ou culturais e esse seria o “american way of life”. Estas estratégias
podem ser vistas, sob a ótica de Geertz, dentro de um formato no qual a cultura passa a ser
melhor apreendida quando compreendemos o conjunto de regras e instituições que governam
um comportamento. E mais, segundo o antropólogo, o ser humano é quem mais precisa destes
mecanismos externos de controle, ou seja, os programas culturais, que ordenem seus
comportamentos (1989, p. 56). Alguns destes mecanismos é que serão vistos adiante, como
eram operacionalizados e como foram reelaborados à medida que o fim do século XX se
aproximava.
94
2.1 LEMBRA-TE DO DIA DE SÁBADO PARA O SANTIFICAR
Um dos Dez Mandamentos exposto no livro bíblico de Êxodo é separar um dos sete dias
da semana para o culto a Deus e o descanso. Daí o nome “sábado” ou “shabat” (descanso, em
hebraico). Diz o texto bíblico:
Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e
farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu
Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua
filha, nem o teu servo, sem a tua serva, nem o teu animal, nem o
forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o
SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia,
descansou; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o
santificou (BÍBLIA SAGRADA, Livro do Êxodo, Capítulo 20,
versículos 8-11).
A importância deste mandamento para os protestantes de tradição reformada é tal que o
mesmo encontra espaço na Confissão de Fé de Westminster, exposição máxima de doutrina
adotada pela Igreja Presbiteriana do Brasil. Rege a Confissão que:
Como é da lei da natureza que, em geral, uma devida proporção de
tempo seja destinado ao culto de Deus, assim também, em sua
Palavra, por um preceito positivo, moral e perpétuo, preceito que
obriga a todos homens, em todas as épocas, Deus designou
particularmente um dia em sete para ser um sábado (= descanso)
santificado por ele; desde o princípio do mundo, até à ressurreição,
esse dia foi o último dia da semana; e desde a ressurreição de Cristo,
foi mudado para o primeiro dia da semana, dia que nas Escrituras é
chamado dia do Senhor (= domingo), e que há de continuar até o fim
do mundo como sábado cristão.
Este sábado é santificado ao Senhor quando os homens, tendo
devidamente preparado os seus corações e de antemão ordenado os
seus negócios comuns, não só guardam, durante todo o dia um santo
descanso das suas obras, palavras e pensamentos a respeito de seus
empregos seculares e de suas recreações, mas também ocupam todo o
tempo em exercícios públicos e particulares de culto e nos deveres de
necessidade e de misericórdia (CONFISSÃO DE FÉ DE
WESTMINSTER. CAPÍTULO XXI, artigos 7 e 8).
Esta tradição, seguida e institucionalizada desde muito cedo na comunidade cristã,
também foi objeto de rigorosa atenção nos primórdios na Igreja Presbiteriana em Cuiabá. O
zelo para com o descanso no “dia do Senhor” pode ser observado no modo disciplinar como
eram tratados os que incorriam na quebra deste mandamento. Todas as atividades sociais,
95
familiares, recreativas ou comerciais deviam ser norteadas a partir do seguinte princípio: seis
dias para se dedicar aos afazeres de caráter privado e um dia para o serviço religioso. A
observância a este princípio ilustra bem a cultura também como um mecanismo de controle,
com bem salientou Geertz:
A perspectiva de cultura como “mecanismo de controle” inicia-se com
o pressuposto de que o pensamento humano é basicamente tanto social
como público – que seu ambiente natural é o pátio familiar, o mercado
e a praça da cidade. Pensar consiste não nos “acontecimentos na
cabeça” [...], mas num tráfego [...] de símbolos significantes – as
palavras, para a maioria, mas também gestos, desenhos, sons musicais,
artifícios mecânicos como relógios, ou objetos naturais como joias –
na verdade, qualquer coisa que esteja afastada da simples realidade e
que seja usada para impor um significado à experiência (p. 57).
O descumprimento de uma regra cultural, ainda que expressa num mandamento religioso,
trás em seu bojo uma ruptura ao ordenamento da vida diária, o que acaba por acarretar
sanções sociais. O caso a seguir ilustra como eram abordados aqueles que infringiam o quarto
mandamento e como eram tratados tais casos:
Sendo manifesto por sufficiente provas, que o membro desta Igreja Sr.
Benedicto José da Silva, é culpado.
1º) Por fazer uso de bebidas alcoólicas,
2º) De tomar parte em corridas de cavalos ao Domingo, com
flagrante desrespeito ao dia por Deus santificado,
3º) Tomar parte em bailes e chinfrins, dando assim lugar com esse seu
procedimento, a que os incrédulos zombem do evangelho e blasfemem
contra a Igreja de Christo. Nós a sessão da 1ª Igreja Presbyteriana de
Cuiabá em nome e pela autoridade do Senhor Jesus Christo,
declaramos o referido irmão Benedicto José da Silva suspenso dos
sacramentos da Igreja, por tempo indefinido, até que dê provas
satisfatórias do seu arrependimento (ATA DA REUNIÃO DA
SESSÃO DA PRIMEIRA IGREJA PRESBYTERIANA DE
CUIABÁ, 15 de setembro de 1935, p. 4. Grifo meu).
Observa-se que havia uma grande preocupação com a imagem institucional da Igreja. Isto
fica evidente ao ressaltar que o comportamento do Sr. Benedicto José da Silva, estava “dando
assim lugar” a que “os incrédulos zombem do evangelho e blasfemem contra a Igreja de
Christo”.
Para que esses controles fossem eficientes, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá mantinha em
sua estrutura um órgão que cuidava somente das questões “espirituais” dos fiéis. Assuntos de
96
natureza “material” eram tratados pela Mesa Administrativa, composta em sua maioria por
diáconos32. Deve-se ressaltar que na década de 1940 a Igreja Presbiteriana de Cuiabá já
possuía mais de 300 membros espalhados por toda a baixada cuiabana. Outra ocorrência
reforça o caráter controlador que existia no meio protestante, conforme depoimento ao
Conselho pelo pastor da época, Augusto José de Araújo, relatando que:
[...] tendo chegado ao seu conhecimento que o Sr. Luiz de França
Borges vinha de muito tempo a esta data, profanando o Dia do
Senhor, concorrendo assim dessa forma para que muitas pessoas se
escandalizassem, dentro e fora da Igreja, procurou por diversas vezes
averiguar desse irmão se taes acuzações eram verdadeiras, o mesmo
tendo sido feito pelo presbítero José Pereira da Silva, recebendo do Sr.
Luiz de França Borges não só a resposta afirmativa bem como
também que conscientemente sabia que estava praticando um erro,
porém que não trocaria de atitude, que continuaria abrindo a sua casa
de negócio no Dia do Senhor, pois que tinha filhos para criar e que
suas despezas com a manutenção de sua família era grande; (IGREJA
CRISTÃ PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Ata da 36ª reunião do
Conselho, em 24 de abril de 1943, p. 157. Grifo meu).
Fica claro na redação da ata que um comerciante que abrisse a sua casa de negócios num
domingo era visto como alguém que estava “profanando o dia do Senhor”. Este modo de
pensar confirma a ideia da separação entre o profano e o sagrado, já mencionado no primeiro
capítulo. Observa-se também que o princípio da “guarda do dia do Senhor” estava de tal
modo enraizado no dia a dia dos presbiterianos de Cuiabá que mesmo duas décadas após os
casos citados a liderança da Igreja Presbiteriana ainda mantinha preocupação com a sua
observância.
No entanto, ainda que houvesse um grupo composto por líderes da igreja local que
supervisionassem a “guarda” deste dia, com o passar do tempo, este tema avançaria para se
situar mais na categoria de convenção do que de lei. Este, a cada ano, se tornaria um costume
garantido “contra violações por sanções de desaprovação” (WEBER, 1987, p. 62) ou, nas
palavras de Thompson, “uma prática tão antiga que adquire a cor de um privilégio ou direito”
(1998, p. 15).
32
O diácono é o oficial eleito pela igreja e ordenado pelo Conselho, para, sob a supervisão deste, dedicar-se
especialmente:
a) à arrecadação de ofertas para fins piedosos;
b) ao cuidado dos pobres, doentes e inválidos;
c) à manutenção da ordem e reverência nos lugares reservados ao serviço divino;
d) exercer a fiscalização para que haja boa ordem na Casa de Deus e suas dependências (MANUAL
PRESBITERIANO. Capítulo IV, Seção 3ª – Presbíteros e Diáconos).
97
O relato a seguir é o último encontrado nos livros de atas do Conselho da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá que vem a tratar do tema da guarda do “dia do Senhor”. Nele já não
há mais o trato da questão de maneira tão incisiva como anteriormente, e certos cuidados,
como compor uma comissão para conversar e denominar o assunto como “delicado”, denota
uma transformação em andamento, ainda que germinal, no entendimento de determinados
temas. Registra o livro de atas que:
O Pastor declarou ao Conselho que conversou com a irmã Helena de
Souza, residente no bairro da Lixeira com referência a denúncia que
este Conselho recebeu da dita irmã. A denúncia dizia sobre a sua
conduta moral e também nas suas relações comerciais em que vinha
comerciando no dia do Senhor, vendendo bebidas alcoólicas,
cigarros, etc. E como naquela entrevista com o Pastor da Igreja, nada
ficou determinado com referência a situação da já referida irmã, o
Conselho então, resolveu designar uma comissão composta do Pastor
e alguns presbíteros a irem a sua residência, a fim de decidir aquele
assunto delicado com referência a irmã denunciada (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABA. Livro 5 de Atas do Conselho, Ata
351 de 29 de outubro de 1962, fls. 59, verso e 60, frente. Grifo meu).
Porém, à medida que as últimas décadas do século XX se aproximavam, o controle sobre
algumas práticas e comportamentos dos membros da Igreja Presbiteriana de Cuiabá passa a
ser relativizado ou mesmo reconsiderado. A licitude da prática esportiva aos domingos foi
reconsiderada pelo Conselho da Igreja, deliberando sobre o assunto do seguinte modo:
Iniciando a Ordem do Dia, o pastor leva ao conhecimento do
Conselho, o pedido da UMP [União de Mocidade Presbiteriana] local,
solicitando diretrizes sobre a prática de esportes na quadra da casa da
rua Barão de Melgaço, inclusive aos domingos e resolve, após as
devidas considerações que as partidas e competições esportivas sejam
realizadas aos sábados e feriados, podendo permanecer aberta para
recreação aos domingos, no período da tarde, nos dias em que não
houver programações especiais na igreja, sob orientação e supervisão
de um responsável pela quadra (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Livro 08 de Atas do Conselho, Ata 629 de 23 de janeiro de
1978, fl. 43, frente).
A primeira observação a ser feita na resolução acima é que o critério para distinção entre
competições esportivas e recreação não está explícito, ficando, deste modo, dependente da
subjetividade alheia. Aliás, esta relativização quanto ao Domingo pode também ser percebida
em uma deliberação do Presbitério de Cuiabá, três anos antes, ou seja, em 1975. O documento
número 40, da 23ª Reunião Ordinária, traz:
98
1 – Recomendar aos Conselhos que [de] maneira criteriosa procurem
incentivar a guarda do Dia do Senhor;
2 – Que seja evitada a prática de esportes no domingo;
3 – Que as Igreja que possuem quadras de esportes evitem o seu uso
para a prática de esportes no Dia do Senhor;
4 – Que estas recomendações sejam consideradas pelos Conselhos
como uma orientação bíblica visando evitar as consequências que
advém da quebra da guarda do Dia do Senhor, reservado para o louvor
a Deus;
5 – Que estas recomendações sejam enviadas aos Conselhos e
Diretorias de Congregações Presbiteriais (1975, fl. 71).
Destaque especial deve ser dado às expressões “incentivar”, “evitar” e “recomendar”. Tal
flexibilidade, tanto nas ponderações do Presbitério de Cuiabá quanto da Igreja Presbiteriana
de Cuiabá, destoa do tom enérgico empregado no trato de pessoas que não “guardavam o dia
do Senhor”, visto nos primeiros exemplos. Em alguma medida, o que ocorreu nas decisões
transcritas, foi uma acomodação da prédica à prática. Aliás, esse pressuposto teórico ficaria
totalmente evidente cerca de uma década depois em um dos Boletins Informativos:
EVANGELHO E CULTURA. O processo de comunicação do
evangelho não pode ser isolado da cultura humana de que procede,
nem daquele em que deve ser proclamado. Este fato deve sempre
constituir num dos elementos fundamentais na tarefa da
evangelização. Não levá-lo em consideração é empobrecer a
mensagem do evangelho e torná-lo obscuro àqueles que o ouvem
(IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de
15 de maio de 1987, número 1092).
Logo, o que pode ser deduzido da declaração constante neste boletim de 1987 e das
deliberações do Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá e do Presbitério de Cuiabá, é que
aos poucos começava a haver certa acomodação do princípio à prática social. O que se vê não
é mais controle para que o “dia do Senhor” seja observado em sua plenitude. Os termos
utilizados passam a ser o de recomendação e incentivo. E mais, o uso da quadra seria lícito
desde que fosse para recreação e não competição, o que gera dubiedade. Além de tudo isso, a
validação teórica de que o evangelho acompanha a cultura em que está inserido. São
concessões e flexibilizações desta natureza, nesta e em outras áreas, que marcam a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá em sua transição do século XX para o XXI, o que certamente
constitui-se em contradição com sua tradição. Outro ponto que já pode ser observado de
antemão nas transcrições anteriores é o protagonismo que os jovens começaram a exercer nos
rumos da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, refletindo em certa medida o que ocorria no plano
nacional.
99
Porém, tratando-se ainda de práticas e valores culturais, deve-se também observar como a
Igreja Presbiteriana de Cuiabá orientava seus fiéis ao longo de sua trajetória e que contornos
esses direcionamentos assumiram no recorte temporal estudado. O tópico seguinte tratará
exatamente dos valores culturais ensinados pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá em contraste
com os valores da sociedade em que ela estava inserida e como, aos poucos, algumas destas
distâncias foram superadas.
2.2 NÃO PEÇO QUE OS TIRES DO MUNDO E SIM QUE OS GUARDE DO MAL
Nas últimas palavras de Jesus Cristo, registradas pelo Apóstolo João em seu evangelho,
capítulo 17, versículo 15, parte de sua oração foi para que o Pai não retirasse os seus
discípulos do mundo e sim que os guardasse do mal. Este estilo de vida, da maneira em que
ela foi interpretado e encarnado pelos protestantes, foi estudado por Max Weber e por ele
denominado de “ascese intramundana”. Ou seja, um modo moderado de vida, não dentro de
um claustro, mas sim nas vivências diárias, onde vocação, trabalho, disciplina e
gerenciamento do tempo deveriam ser elementos marcantes de vida. Em suas palavras:
[...] a ascese cristã, que de início fugira do mundo para se retirar na
solidão, a partir do claustro havia dominado eclesiasticamente o
mundo, enquanto a ele renunciava. Ao fazer isso, no entanto, deixou
de modo geral intacta a vida cotidiana no mundo com seu caráter
naturalmente espontâneo. Agora ela ingressa no mercado da vida,
fecha atrás de si as portas do mosteiro e se põe a impregnar com sua
metódica justamente a vida mundana de todo dia, a transformá-la
numa vida racional no mundo, não deste mundo, não para este mundo
(2004, p. 139).
Desde muito cedo existiram mecanismos de controle e disciplina na vida dos membros de
uma igreja cristã para que estes vivessem no mundo, porém não para o mundo. Tanto que,
segundo o pensamento de João Calvino - o reformador que mais influenciou a doutrina da
Igreja Presbiteriana - a disciplina era uma marca subsidiária da verdadeira igreja, servindo
para que a obediência à Bíblia e a administração correta dos sacramentos (Batismo e
Eucaristia) fossem devidamente observados (LIVRO II, Capítulo IV, Artigo 112). Esta
postura, obviamente, serviria de contraste em relação às denúncias de lassidão moral que
pesava sobre a Igreja Católica do fim da Idade Média, principalmente seu clero. Enfim, a
100
conduta rígida que se exigia dos crentes protestantes, acompanhou-os em sua trajetória
também aqui no Brasil, pelo menos até um pouco depois da segunda metade do século XX.
Contudo, o que se viu, ao se aproximar o fim do século XX e início do século XXI, foi
uma elasticidade maior nas exigências e controle morais dos evangélicos, inclusive dos
protestantes históricos. Porém, tal transição, ou quase “anomia”, não ocorreria sem “efeitos
colaterais”. Isto porque, ainda nas palavras de Geertz, “o homem precisa [...] de tais fontes
simbólicas de iluminação para encontrar seus apoios no mundo”, uma vez que “a qualidade
não simbólica constitucionalmente gravada em seu corpo lança uma luz muito difusa” (1989,
p. 57). É exatamente o processo de modernização assumido pela Igreja Presbiteriana de
Cuiabá que a levará a ser conduzida em alguns momentos por esta luz difusa, sinônimo das
contradições inerentes a este processo.
Enfim, a “cultura, a totalidade acumulada de tais padrões, não é apenas um ornamento da
existência humana, mas uma condição essencial para ela – a principal base de sua
especificidade” (GEERTZ, 1989, p. 58). O fato desta base, os “padrões acumulados” da
tradição protestante serem questionados neste processo de modernização e também
repousarem agora sobre um terreno cada vez mais instável, serve para explicar o alto grau da
crise identitária de diversas igrejas evangélicas no Brasil, principalmente as tradicionais e o
baixo nível de compromisso dos fiéis com suas respectivas igrejas. Isto porque, “a fronteira
entre o que é controlado de forma inata e o que é controlado culturalmente no comportamento
humano é extremamente mal definida e vacilante” (GEERTZ, 1989, p. 62).
Logo, ao contrário do que pode ser imaginado, a religião depende de elementos que
exerçam certos controles sobre seus adeptos a fim de que cumpra com o seu papel, que é o de
conferir significado à vida dos seus fiéis. A razão é que “os recursos culturais são
ingredientes, e não acessórios, do pensamento humano” (GEERTZ, 1989, p. 97). Porém, foi
buscada uma modernização em que a proposta era exatamente a substituição de
“ingredientes” por “acessórios”, e muitos destes totalmente contraditórios com a tradição
histórica e cultural do protestantismo.
Continuando a análise, um traço marcante da tradição puritana e calvinista sempre foi a
sua ênfase na pureza, ou seja, manter-se distante de tudo aquilo que fosse considerado
“pecado”, “impuro” ou atentasse contra os princípios bíblicos e cristãos. Nestas categorias
consideradas profanas, para os primeiros protestantes em Cuiabá - eram inclusos os bailes,
101
boates, e festas populares, principalmente o carnaval, ou seja, elementos culturais de lazer e
entretenimento da sociedade brasileira. Qualquer ocorrência desta natureza era seriamente
investigada e, se necessário, punida. Alguns registros demonstram este rigor, um deles é
lavrado em uma das atas da igreja. Na reunião que deu origem a esta ata, após:
[...] comentado a atitude que alguns crentes mantiveram para com os
festejos carnavalescos, resolveu-se que, além das visitas pastoraes a
esses crentes, fosse do pulpito externada a reprovação da Igreja
áqueles que com sua presença animaram taes festejos indo ve-los e
que, aos que de tal se abstiveram, fosse manifestada a aprovação da
Igreja. Isto comunicado como sendo resolução do Conselho, sem
menção de nomes, mas de modo incisivo para que a atitude dos
crentes para com os festejos carnavalescos seja de completa repulsa e
nem emprestem a eles o concurso de os irem ver (PRIMEIRA
IGREJA PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, Ata da Reunião da
Sessão, em setembro de 1935, p. 45).
O Salmo bíblico número um contém uma expressão pertinente à ocasião: “não se detenha
no caminho dos pecadores”. Este texto bíblico faz uma forte demarcação entre o “crente” e o
“ímpio”, insistindo para o que primeiro não tenha as suas práticas delimitadas pelo modo de
vida do último. Daí a justificativa do uso da palavra “repulsa” e a decisão para que se façam
visitas as residências, como um trabalho preventivo, além da manifestação pública de apoio
àqueles que se abstiveram de qualquer simpatia para com o Carnaval. Para aqueles que
insistissem em conduta contrária, a “disciplina eclesiástica” era a consequência final, como
está registrado no caso abaixo:
[...]; finalmente relata o Rev. Augusto José de Araújo que em sua
visita pastoral à Congregação da Guia, aliás, à Congregação de
Coxipó do Ouro, dia onze de Fevereiro deste ano, aplicou a disciplina
de exclusão da Igreja Cristã Presbiteriana do Brasil ao membro Maria
Guarim, depois de o ter ouvido, nos termos do Art. 160 da
Constituição da Igreja Cristã Presbiteriana do Brasil e de ter verificado
serem verdadeiras as acusações feitas de ter aquela senhora tomado
parte em festejos carnavalescos e em um baile onde foi motivo de rixa
e grande escândalo (PRIMEIRA IGREJA PRESBYTERIANA DE
CUIABÁ. Ata da Reunião da Sessão em dia 9 de maio de 1936, p.
81).
Este tipo de controle social já havia sido observado por Weber em seu trabalho ao
analisar a conduta protestante na relação com o capitalismo. Ao examinar o comportamento
protestante, observa o autor que:
102
[...] a Reforma significou não tanto a eliminação da dominação
eclesiástica sobre a vida de modo geral, quanto a substituição de sua
forma vigente por uma outra. E a substituição de uma dominação
extremamente cômoda, que na época mal se fazia sentir na prática,
quase só formal muitas vezes, por uma regulamentação levada a sério
e infinitamente incômoda da conduta de vida como um todo, que
penetrava todas as esferas da vida doméstica e pública até os limites
do concebível (2004, p. 30).
Logo, de uma instituição que, em seu início, mantinha uma proximidade muito maior
com os padrões puritanos calvinistas, não seria de esperar outra situação, que não fosse essa
“regulamentação [...], que penetrava todas as esferas da vida doméstica e pública”.
Antes de prosseguir, deve-se, contudo, destacar que o “sucesso” deste tipo de controle
também se assenta sobre o que pode ser chamado de “estabilidade do mero costume”. Ou seja,
um indivíduo que não se adapta à prática predominante dentro de um determinado grupo
social, está sujeito “a grandes e pequenos inconvenientes e aborrecimentos, enquanto a ação
da maioria dos envolvidos continuar a corresponder a este costume e a proceder de acordo a
ele” (WEBER, 1987, p. 54). Esta situação se encaixa bem na análise de Zygmunt Bauman
sobre a desintegração do sentido de pertencimento a um grupo e consequentemente a sua
identificação com este mesmo grupo. Entende Bauman que:
[...] estar total ou parcialmente “deslocado” em toda parte, não estar
totalmente em lugar algum (ou seja, sem restrições e embargos, sem
que alguns aspectos da pessoa “se sobressaiam” e sem serem vistos
por outras como estranhos), pode ser uma experiência desconfortável,
por vezes perturbadora. Sempre há alguma coisa a explicar, desculpar,
esconder ou, pelo contrário, corajosamente ostentar, negociar, oferecer
e barganhar (2005, p. 19).
Logo, essa pretendida uniformidade ética, aceita pela maioria, era o meio mais eficaz de
coerção e controle da sociedade protestante de então, somente reforçando o poder
disciplinador do Conselho e dando-lhe um caráter quase que incontestável.
Posteriormente, outro fato significativo, e também emblemático, para entender que tipo
de conduta era esperada por aqueles que faziam parte da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, pode
ser visto na ocasião em que um grupo de jovens da igreja visitou uma tradicional casa de
shows entre os anos de 1960 e 1970, o Sayonara. Dona Nadira, integrante do grupo de jovens
daquela época e totalmente envolvida com o acontecimento, assim descreve o fato:
Como eu falei, a Igreja era mais rígida naquela época. Eu me lembro
que meu irmão tinha uma boate, o Sayonara, e eu trabalhava lá na
103
boate e ajudava ele no caixa. Aí, um tempo eu levei a mocidade prá
ver um desses artistas... Que todo mês ele trazia um artista aqui para
Cuiabá, da Globo né, Roberto Carlos, Aguinaldo Timóteo, Aguinaldo
Rayol, e eu levei um grupo da mocidade. Quando nós chegamos lá na
porta do Sayonara, “tava” dois presbíteros lá, de chapéu até aqui [dona
Nadira gesticula simulando um chapéu com a aba encobrindo os
olhos], sondando a mocidade. Aí no outro dia, “tava” todo mundo no
Conselho da Igreja [risos].
Tal fato, devido a sua repercussão, foi objeto de debate no Conselho da igreja, sendo,
inclusive, chamados todos os envolvidos no assunto para darem as devidas explicações: O
registro detalhado dá uma ideia do ambiente à época do ocorrido:
O vice-presidente presbítero Gonçalo Marques da Silva fez uso da
palavra expondo que os membros do Conselho tomaram
conhecimento de dois fatos ocorridos com a Mocidade de Nossa Igreja
que fez chocar profundamente. O primeiro foi o fato de um grande
número de jovens da nossa União da Mocidade ter, na noite do dia 26
do mês findo, ido ao Sayonara e participado abertamente da pista de
dança, causando uma onde de comentários desagradáveis em torno
da mocidade e da Igreja. O segundo fato tem sido a afirmação de que
“o Conselho não tem idoneidade moral para chamar à atenção os
jovens uma vez que os mesmos membros do Conselho tem falhas
comprometedoras” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro
5 de Atas do Conselho, Ata 415 de 09 de julho de 1965, fls. 166, verso
e 167, frente. Grifo meu).
Destaque deve ser dado aos termos escolhidos para descrever os fatos que envolveram a
ida deste grupo de jovens ao Sayonara: “chocar profundamente” e “onda de comentários
desagradáveis”. Tais escolhas demonstram o quanto o Conselho da Igreja estava preocupado
com a imagem que era transmitida para o público externo. Observa-se também que os jovens
envolvidos na questão não se sentiam confortáveis em serem julgados por pessoas que,
segundo eles, não possuíam “idoneidade moral” para estabelecer critérios de comportamento.
Outra avaliação subjacente que pode ser feita é que o espírito questionador de uma
geração que conviveu com um país fechado em termos políticos já se fazia presente, inclusive
a transgredir o ethos protestante característico da tradição puritano e calvinista e a desafiar
líderes eclesiásticos que, segundo eles, não eram fiéis à sua própria tradição.
A tensão existente acaba por provocar no Conselho certa flexibilização em sua decisão
sobre os fatos ocorridos, como segue transcrito:
A ata 416 foi aprovada com as seguintes observações que devem ser
publicadas no boletim da Igreja: 1. Uma vez que as acusações feitas
104
ao Conselho são improváveis, provam elas a frivolidade de alguns
jovens que não pesam as consequências da palavra empenhada.
Admite o Conselho críticas, pois ele não é infalível, porém, crítica
construtiva e não destrutiva. 2. O caminho certo seria a disciplina de
acordo com o Código de Disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Todavia, considerando ser esta a primeira advertência o Conselho faz
ciente: a) Considerar os jovens suficientemente avisados e advertidos
sobre o problema de bailes no Sayonara, em quaisquer outros bailes
ou mesmo em casas particulares. Reincidências serão atingidas pelo
Código de disciplina da Igreja Presbiteriana do Brasil (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 5 de Atas do Conselho, Ata
418 de 16 de agosto de 1965, fls. 170, verso e 171, frente).
Sobre a frequência a shows e casas de espetáculos, Dona Nadira ainda comenta que “a
turma quase não frequentava não, mas hoje...”. Fica assim caracterizada a diferença de
comportamento dos jovens da época com os jovens deste início de milênio. O que se conclui é
que o episódio do Sayonara foi somente isto, um episódio, uma transgressão, enquanto que,
na fala da entrevistada, essa exceção tem virado regra: “mas hoje...”.
Retomando os festejos carnavalescos, cerca de duas décadas depois deste caso do
Sayonara, ainda é possível encontrar, mesmo que esporadicamente, algumas advertências
publicadas em boletim. Porém, não havia mais a prestação de contas particular ao Conselho
por parte daqueles que apreciavam a festa mais popular do Brasil. As admoestações passaram
a ser inserções nos Boletins Informativos da igreja e mais de caráter preventivo, como
demonstra o exemplo seguinte:
MEDITAÇÃO. “O Rio de Janeiro foi, no início, o Jardim do Éden”.
Com este enredo uma das escolas de samba do Rio inicia o desfecho
do seu enredo. O carnaval, ano após ano, tem assumido a sua real
forma e significado: “a carne vale”. Há um total desprezo às coisas de
Deus, chocarrices, gozações, mil sátiras. Vale, vale tudo desde que
seja a vontade da carne. Vale ser o que não é, amoral ou imoral, vale
ser ridículo ou absurdo, vale despir-se ou acintosamente fantasiar-se.
Estes são dias em que os ditames da natureza humana decaída, cede
completamente a ordem e orientação corruptas [...]. Diante deste
burburinho carnavalesco, misto de orgias e ilusões, como deve o
crente posicionar-se em relação a esta festa declaradamente satânica,
que, contudo, procura vestir a roupagem de uma “cultura sadia” do
brasileiro? (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Boletim
Informativo de 17 de fevereiro de 1985, número 958).
Ainda que o carnaval tenha sido duramente criticado, como demonstra a transcrição
acima, o poder de controle por parte da liderança da Igreja Presbiteriana de Cuiabá diminuiu
drasticamente ao longo dos anos e isto por algumas razões. Uma delas é que, com o advento
105
dos meios eletrônicos, como a televisão, e posteriormente a internet, o comportamento se
tornou mais privado e a maior parte das pessoas passaram a acompanhar os festejos
carnavalescos no interior de suas casas, sem a necessidade de se exporem nas ruas e janelas.
Ou seja, o controle do Conselho sobre os membros da Igreja diminuía à medida que a esfera
do pessoal e particular ganhava terreno em detrimento do público.
É bem verdade que a relação entre a vida pública e privada passa por uma grande
reformulação e redefinição neste mundo de redes sociais. O público tem sido cada vez mais
discutido e decido em ambientes privados e o privado tem ganhado atenção e espaços
públicos; onde o interesse pela coisa pública diminui e concomitante, o interesso pelo privado,
principalmente das “celebridades”, aumenta.
Contudo, a publicação do privado é uma decisão do indivíduo e este a cada ano tem
aceitado menos a interferência, pelo menos conscientemente, de regramentos públicos, ou a
dar satisfação de seus atos particulares a instituições regradoras, como o Conselho de uma
igreja. Logo, o órgão responsável pela disciplina no âmbito da Igreja Presbiteriana de Cuiabá
viu diminuir a sua capacidade de gerenciamento comportamental dos membros da igreja, não
por desconhecê-los, mas por lhe faltar o ambiente coercitivo para tal.
No entanto, à medida que o controle pessoal diminuía, os discursos contra os padrões
seculares difundidos pela televisão, considerados pecaminosos e agressivos aos ensinamentos
bíblicos, ganhavam cada vez mais espaço em publicações, como se vê em outro boletim de
1985, demonstrando assim mudanças de estratégias no disciplinamento comportamental:
SE NÃO BASTASSE O “ROCK IN RIO”, agora o país todo
prepara-se para mais alguns dias de depravação liberada, onde não há
censura a qualquer ato imoral. As cinzas da maior festa brasileira, nos
contarão a história de alguns dias em que os atos mais absurdos e
pecaminosos tornaram-se algo natural na vida de milhões de
brasileiros. O que durante um ano aconteceu no oculto, em apenas
cinco dias estaremos vendo a realidade da moral de um povo sem
Deus. A Igreja deve atuar como comunidade missionária preservandose na fé e testemunho de Cristo a um país sem Deus (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 10 de
fevereiro de 1985, número 957).
Entende-se, portanto, que segundo a orientação da Igreja Presbiteriana de Cuiabá os seus
membros deveriam manter-se longe dos ambientes carnavalesco. Em nenhum momento
deveria haver qualquer atitude de simpatia com o Carnaval. Pelo contrário, a igreja deveria
106
opor-se e seria sua responsabilidade “atuar como comunidade missionária preservando-se na
fé e testemunho de Cristo a um país sem Deus”.
Também há outra pastoral que expressa os conceitos da liderança da Igreja Presbiteriana
de Cuiabá na década de 1990. Apesar de um pouco longa, é oportuna a transcrição da reflexão
intitulada A flor de Judas, pois esta explica as razões que sempre levaram as igrejas
protestantes em geral a promoverem “retiros” nos feriados de Carnaval a fim de manterem a
juventude longe do ambiente carnavalesco. Outra razão também para a transcrição completa
desta reflexão, é que mais a frente será vista outra postura da Igreja Presbiteriana de Cuiabá
em relação a mesma festa, de certo modo contraditória com a conduta até aqui apresentada,
mesmo porque, em seu final, a reflexão é um tanto ambígua, deixando algumas portas entre
abertas. Traz o Boletim Informativo número 1296, na sua primeira página:
Há, nas florestas da África, um pequeno arbusto, muito encopado e
atraente, que possui a força magnética da sedução. De suas lindas
flores exala um aroma de suave fragrância mas de forte poder letal,
envenenando colibris, borboletas, abelhas e outros insetos que buscam
o néctar traidor de seus pólens. A sua sombra é um verdadeiro
cemitério de incautas presas! Esta legítima festa de descontração
nacional é uma autêntica flor de Judas! É assim que a Igreja vê os
festejos do rei Momo. Mais que divisas para o país, o Carnaval
incrementa a frouxidão moral, fonte de toda corrupção e violência.
Não há que negar nele, sinais de colorida beleza. É uma poderosa
válvula de escape à hiperinflação e a todos os queixumes populares.
Literalmente, o Brasil, convertido num gigantesco Sambódromo, põe
a máscara para melhor descontrair-se na Praça da Apoteose Nacional.
Todos aplaudimos suas Escolas de Samba com seus enredos e carros
alegóricos. Condenado por uma distorcida mentalidade de origem
puritana, certos setores da Igreja incorrem no mesmo farisaísmo
responsável pela crucificação de Cristo, porque estes mesmos
“crentes” se fantasiam e gingam o corpo, assistindo pelo vídeo, em
casa, os desfiles carnavalescos! O êxodo do Egito, a passagem do mar
Vermelho, e a entrada do rei Davi e de Jesus em Jerusalém, sinalizam
um carnaval bíblico onde a tônica era o grito, a música e a dança.
“Todas as coisas nos são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por
nenhuma” (Extraído: Igreja Presbiteriana Bethesda – Rio de Janeiro.
Boletim Informativo, número 1296, 21 de fevereiro de 1993).
Para que se entenda onde se acha a contradição acima mencionada é necessário a
compreensão do contexto em que ela foi produzida. Esta reflexão, transcrita no Boletim
Informativo da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, foi publicada originalmente pela Igreja
Presbiteriana Bethesda no Rio de Janeiro. Não haveria nada de incomum, se esta não fosse a
igreja fundada pelo mato-grossense Nehemias Marien (1933-2007). Marien, nascido na
107
Fazenda do Buriti, em Chapada dos Guimarães, bacharelou-se em teologia pelo Seminário
Teológico Presbiteriano de Campinas e obteve seu mestrado em Teologia pela Universidade
de Jerusalém. Marien ficou nacionalmente conhecido pela sua participação no programa de
auditório, na década de 1970, de J. Silvestre, chegando a ganhar o prêmio máximo,
respondendo perguntas bíblicas.
No entanto, Nehemias Marien saiu da Igreja Presbiteriana do Brasil, fundando no ano de
1985 sua própria igreja, no bairro de Copacabana, Rio de Janeiro, dando-lhe o nome de Igreja
Presbiteriana Bethesda33. Sua exclusão do rol de pastores da Igreja Presbiteriana do Brasil
deveu-se às suas posições liberais para os moldes do presbiterianismo histórico. Foi o
primeiro pastor brasileiro a realizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e também a
partilhar ideias espíritas, como a reencarnação. Sua principal bandeira era o ecumenismo
universal. Dificilmente o responsável pelas publicações dos boletins dominicais da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá não detinha estas informações, dado a repercussão do caso no interior
da Igreja Presbiteriana do Brasil. Logo, tanto o conteúdo quanto a autoria da reflexão,
constituem-se, no mínimo, num corpo estranho em um periódico de uma igreja que postulava
primar pela coerência com seus estatutos fundantes. Mais à frente será visto o desdobramento
das pequenas frestas que se fizeram a partir deste documento.
Retomando o papel desempenhado pelo Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá,
ainda que não se pudesse mais manter o controle sobre os membros do mesmo modo como
era mantido há quatro ou cinco décadas, isto por si só não significava a aquiescência ou
mudança dos valores até então professados.
Uma observação que não pode ser omitida, é que o protestantismo sempre foi a religião
da palavra e da pregação, diferentemente da Igreja Católica que tem o ritual e o simbolismo
como matrizes de sua expressão religiosa. Obviamente, os valores protestantes sempre
estiveram muito mais presentes nas prédicas do que em outros meios, por isso o sermão
sempre foi uma das características marcantes do protestantismo (WEBER, 2009, pp. 318319). Enfim, no “protestantismo histórico de missão, o divino passou a ser representado pela
linguagem verbal: os protestantes leem, cantam, ouvem e, sobretudo, pregam” (CUNHA,
2004, p. 73). O que se diminuía era a capacidade de gerenciamento individual da vida dos
membros da Igreja, reflexo de uma época em que o indivíduo começava a ser valorizado em
33
Bethesda era o nome de uma cidade Palestina que significa “casa de misericórdia”.
108
detrimento do coletivo, o que certamente acabou por acentuar dois tipos de discursos
religiosos, o oficial e o da prédica, e o prático, vivenciado dia a dia por grande parte dos fiéis.
Também com o objetivo explícito de reafirmar o ethos protestante, é que passa a haver na
Igreja Presbiteriana de Cuiabá uma mensagem de repúdio contra os costumes difundidos pela
teledramaturgia brasileira, como pode ser observado em outro dos boletins da Igreja na
década de 1980:
DIGA NÃO A NOVELA. É alarmante o fundo moral e as mensagens
contra a família alardeadas em todas as novelas. Os pastores da Igreja
exortam a comunidade a não tomar a forma do presente século. Não
permita que satanás lhe doutrine em sua própria casa, diga NÃO às
novelas (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 10 de novembro de 1985, número 993).
No entanto, ainda que o controle pessoal fosse cada vez mais difícil, a rejeição pública às
novelas globais só aumentavam. É o caso de Roda de Fogo, novela exibida em horário nobre
entre agosto de 1986 e março de 1987. Escrita por Lauro César Muniz e Marcílio Moraes,
dirigida por Dennis Carvalho e Ricardo Waddington, Roda de Fogo teve como protagonistas
Tarcísio Meira, no papel de Renato Villar, e Bruna Lombardi, interpretando a incorruptível
juíza Lúcia. A trama narra a história de um empresário corrupto, Renato Villar, que ao
descobrir-se portador de um tumor incurável, resolve passar sua vida a limpo, e que, no
decorrer do processo, envolve-se amorosamente com Lúcia, justamente a juíza designada para
julgar os processos em que Renato estava envolvido. As críticas a essa trama por parte da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá se deu nos seguintes termos:
RODA DE FOGO. A nova novela da Globo tem se apresentado
como um definitivo rompimento com padrões éticos da vida ensinados
por Jesus. É a injustiça injusta; é a satisfação do adultério pelo
“amor”, é gosto da vingança e da violência; é a destruição do lar pela
luxúria; é o filho bastardo; é o prazer de viver o momento não
importando sua moralidade; é a política suja e corrupta; é o poder
monetário a esmagar. Pode um crente permitir este tipo de
programação EM SUA PRÓPRIA CASA? Aprovaria Deus tal novela
para seus filhos? (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 12 de outubro de 1986, número 1034. Destaques do
próprio texto).
Ainda que dando a impressão de que o próprio redator do Boletim Informativo
acompanhava o folhetim, ou pelo menos o seu resumo, ele continua sua reprovação com
termos cada vez mais incisivos e condenatórios. Ao final da trama, a conclusão final foi:
109
QUATRO ASSASSINATOS consecutivos e malevolamente
arquitetados, é o saldo exposto pela perversa novela “Roda de Fogo”
da Rede Globo. Só o fruto de mentes doentes e maculadas pelo
pecado, poderia elaborar e taxar como “boa programação” roteiros
como aquele. Você como crente acha que vale a pena assistir esse
colóquio de homossexualidade, corrupção e violência; quando a
palavra de Deus nos orienta a usar o tempo em coisas que edificam?
(IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de
15 de março de 1987, número 1050).
No entanto, é muito difícil mensurar até que ponto declarações desta natureza tenha
ressonância nos ambientes familiares dos membros da Igreja. Provavelmente o
comportamento assumido pelas famílias protestantes quanto à audiência televisiva não seja
diferente da maioria dos lares brasileiros, variando apenas de acordo com o grau de instrução,
faixa etária e renda familiar, o que confere acesso a outros meios de entretenimento. Porém, o
desafio continuava, “ser” deste mundo, mas não “para” este mundo.
2.3 – LOUVAI A DEUS COM ADUFES E DANÇAS
O espaço deste tópico será dedicado a analisar a relação dos membros da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá com outro elemento cultural presente em qualquer sociedade: a
dança. Porém, esta análise não se restringirá apenas ao aspecto litúrgico, mas sim o lugar que
ela ocupa no espectro cultural dos membros da Igreja Presbiteriana e qual o significado dela,
o que não excluirá o seu uso durante os cultos.
A expressão “louvai a Deus com adufes e danças” é parte de um dos seis versos que
compõe o Salmo 150. O livro de Salmos, em boa parte, é a compilação de vários hinos
cantados ou recitados pelo povo israelita da antiguidade. O calendário deste povo era
intensamente litúrgico e festivo, com várias expressões artísticas e arquitetônicas. Esse
calendário retratava a história de Israel, principalmente o período entre a saída do Egito e a
conquista da Palestina. Grande parte também das cerimônias estavam ligadas à expectativa
messiânica deste povo, ou seja, tipificavam os serviços futuros que o Messias encarnaria. No
entanto, o serviço religioso, especificamente aquele vinculado ao Templo em Jerusalém,
possuía regras específicas e rígidas restrições quanto à sua realização. Enfim, as danças
israelitas faziam muito mais parte de um contexto cultural do que propriamente litúrgico.
110
Contudo, este versículo vem sendo usado largamente entre os muitos protestantes, mesmo que
fora de contexto, como justificativa para a introdução de danças e coreografias nas liturgias
das igrejas.
Como já apontado, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá em suas primeiras décadas possuía
uma liturgia muito mais racionalizada e introspectiva. Quando comparada aos moldes que ela
assumiu no período pesquisado, este contraste fica bem mais vivo. Doroty Queiroz Topanoti é
uma rosariense, nascida em 1959, viveu todo esse ambiente mais contemplativo e tem
presenciado toda esta transição que tem sido objeto desta pesquisa. Ao ser questionada sobre
o ambiente de culto durante sua infância na Igreja Presbiteriana de Rosário Oeste, Mato
Grosso, que não diferenciava das práticas da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, Doroty responde:
Rosário era aquele litúrgico, bem litúrgico mesmo, aquele silêncio né.
Lembro que meu avô não permitia nem a gente levantar: “Vai tomar
água antes, vai ao banheiro antes e senta aqui”. E eu tenho boa
lembrança daqueles hinos, do órgão; tinha organista. Hoje eu sinto
saudades, eu gostava daquele... É, muito sério, não tinha assim... Hoje
eu vejo que, acho até estranho... Tem pastor que fica brincando lá no
culto. E eu falo: “ah, não pode ficar brincando com outros assuntos,
né”. Faz a liturgia, termina tudo. E tem gente que fica brincando lá e
eu não gosto disso. Por causa dessa... Por que antigamente eu achava...
Eu tive que tomar água antes, ir ao banheiro... [...] Hoje tem uma
liturgia misturada sabe. Não é mais daquele jeito como eu aprendi.
Que era a contrição, oração, ah, hoje mistura tudo. Ah, eu gostava
como era antes.
Este sentimento da necessidade de um ambiente mais introspectivo e contemplativo não é
apenas resultado do saudosismo de uma memória de alguém que viveu um momento
diferenciado dentro da Igreja Presbiteriana. Outro entrevistado foi Fábio de Oliveira Gomes
Mota, um jovem de 25 anos e que começou a frequentar a Igreja Presbiteriana de Cuiabá
somente após 2005, ou seja, grande parte de sua vivência foi fora do ambiente evangélico.
Quando questionado sobre a condução litúrgica nos cultos, Fábio responde:
Eu acho que tinha que ter momentos mais de calmaria e oração.
Porque eu acho que assim com a modernidade tudo é corrido, na
igreja, enfim. E eu acho que tendo uma calmaria dentro do culto, acho
que condiciona a cabeça das pessoas prá que elas possam ter aquele
momento mais de quietude, introspectivo.
O que fica evidente na fala de Fábio Mota, é que, segundo o seu entendimento, a igreja
deveria ser uma ilha de refúgio num mundo moderno, onde a frenética correria do dia a dia
fosse estancada e que houvesse um ambiente mais propício à reflexão e contemplação. Ainda
111
que este tipo de raciocínio pareça ser o de uma minoria, ele serve para confirmar a regra de
que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá perdeu muito de seus elementos fundacionais ao ceder às
pressões e características de um processo modernizante.
Enfim, apesar da insistência da Igreja Presbiteriana de Cuiabá em se diferenciar
comportamentalmente ao longo de sua história, não podem ser omitidas as apropriações que
ela fez de práticas que num passado recente eram condenadas. Uma delas é exatamente a
dança, que foi sacralizada e trazida para dentro da igreja, dando-lhe assim um caráter cúltico.
Uma das primeiras referências a esta concessão, ou melhor, apropriação, é encontrada no
ano de 2003, numa decisão Conselho da Igreja em adquirir um equipamento de som para
ensaios das equipes de coreografia e dança (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Livro
13 de Atas do Conselho, Ata 1019 de 12 de fevereiro de 2003, pg. 77).
Esta decisão tomada pelo Conselho não era coerente com a tradição presbiteriana e,
inevitavelmente, provocaria contradições que surgiriam da sacralização de práticas até então
consideradas profanas, pois ao mesmo tempo em que se condenava a dança em outras
localidades, agora a sua prática era tutelada pelo Conselho da igreja. A diferença estava no
local onde se dançava, como e para qual propósito. Enquanto que num ambiente estranho ao
sagrado se dançava para o mundo e para satisfação da sua “própria carne”, na igreja se
dançava para adorar a Deus. A evidência desta contradição pode ser notada no momento em
que, no mesmo ano de 2003, era comprado aparelho de som para a equipe de coreografia e
dança na igreja, mas também se discutia a natureza das festas promovidas pelos membros da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá, como pode ser verificado na transcrição a seguir:
Ouve-se do Pr. Uedson a manifestação de sua opinião a respeito das
atividades festivas promovidas pelos membros da Igreja Presbiteriana
de Cuiabá. Ele tem sentido de certos irmãos a falta de seriedade,
atitude com a Palavra de Deus e que tem promovido festas
inadequadas com os padrões de ensino bíblico na Igreja. Em seguida
ouve-se dos membros do Conselho a opinião individual (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Livro 13 de Atas do Conselho, Ata
1026 de 12 de novembro de 2003, pg. 91).
Este tipo de apropriação é, nas palavras de Cunha, uma expressão da cultura gospel.
Prossegue a pesquisadora de modo incisivo - ainda que privilegiando o aspecto econômico afirmando que:
112
[...] a cultura gospel, é um fenômeno cultural-religioso do mercado.
Ela permitiu aos evangélicos brasileiros se inserirem na forma de
viver a fé e relacionar-se com o sagrado, elementos profanos, aqueles
integrantes da cultura de mercado. Não parece ser uma simples
rendição “ao mundo”, ou “deixar que o mundo entre na igreja”, mas
um processo de sacralização de elementos profanos. É dar ao consumo
e ao entretenimento, mediados pelos meios de comunicação
eletrônicos, o status de expressão da fé (Op. cit. p. 240).
Em certa medida, este é o mesmo processo que ocorreu na Igreja Presbiteriana de Cuiabá,
e de modo mais acentuado no início do século XXI. Atividades antes impensadas, agora eram
promovidas com o apoio da liderança da própria igreja. O grupo de danças recebera o status e
identidade de “Ministério de Coreografias” Dókimos34 Arte e Cia, convidando abertamente os
interessados a participarem de suas atividades (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ.
Boletim Informativo de 19 de março de 2000, número 1662).
A partir de então, os jovens da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, ao invés de se retirarem
para locais isolados nos períodos de Carnaval, agora criavam seu próprio “bloco”, chamado
de “Jesus é bom à beça” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de
29 de janeiro de 2006, número 1929). O objetivo seria, por meio do “evangelismo pessoal,
danças, teatros e músicas”, mostrar que a verdadeira alegria é Jesus (Ibidem). Este foi o
resultado do caminho apontado pelas portas semiabertas no ano de 1993, com o artigo “A flor
de Judas”, onde as expressões festivas do antigo judaísmo bíblico foram interpretadas como
formas de carnaval.
Para se entender como essa modernização operava na mente dos membros da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, será tomada a entrevista concedida por Ana Raphaela Spinelli
Scheline. Ana Raphaela é uma jovem arquiteta de 30 anos, represente típica de classe média
alta, perfil sócio-econômico da Igreja de Cuiabá, convertida ao protestantismo há 15 anos e
proveniente da Igreja Católica Apostólica Romana. Ana Raphaela chegou na Igreja
Presbiteriana de Cuiabá num período de transição da instituição e ainda é membro dela. Segue
a transcrição de um trecho da entrevista onde o tema “dança” é abordado, tanto no ambiente
secular quanto eclesiástico:
Você está a pouco mais de dez anos na igreja. Você acha que teve
mudanças no modo de culto, no comportamento, etc.?
Sim.
34
Dókimos é uma palavra grega que significa testado, aprovado, aceito.
113
Como era e como está agora?
Era um pouco meio pentecostal [refere-se à década de 2000]
O que vem a ser esse “meio pentecostal”?
Não que hoje em dia não tivesse mais seriedade nos cultos, mas é
como se antes certas coisas não eram aceitas. Tinha que ficar lá
sentadinho, comportadinho.
Era mais sério.
O que eu estou falando, não que hoje não tivesse mais seriedade, mas
certos comportamentos não eram bem vistos, como você dançar hoje
durante o culto, que a gente faz hoje em dia e à vontade, com muita
alegria.
Você acha que isso é melhor ou pior?
Melhor, porque a gente fica mais à vontade diante de Deus.
Você gosta de dançar?
Sim.
Você sai para dançar?
Às vezes. Se tiver uma turma boa.
E na igreja, você dança? Você acha que não tem problema dançar na
igreja?
Não. Se não for escandalizar ninguém [...].
E qual a diferença entre dançar na igreja e dançar fora?
Ah, a motivação. Dentro da igreja você está louvando a Deus, você
está com o coração todo ligado nele. Às vezes começa meio travado,
e quando você vê você está dançando, batendo palma, com a mão
prá cima e nem percebe.
As igrejas tradicionais antigamente não tinham esse comportamento.
Era uma coisa mais introspectiva, as pessoas entravam e mantinham
certa contemplação. Pelo que você está falando, há uma
informalidade maior. Você credita a que essa mudança e, em sua
opinião, tem alguma coisa que se perdeu, que seria importante
resgatar?
Não, eu acho que não. Porque a cada dia que passa, as pessoas, nós, os
pastores tem buscado mais a Palavra de Deus e que ele responda as
nossas dúvidas, as nossas orações. Quando a gente vai aprendendo
mais e vai vendo que certas coisas de fato, não tem problema diante de
Deus. Como esse exemplo. Porque hoje em dia, por causa de uma
vírgula, de uma interpretação errada, são criadas “ene” igrejas
diferentes, seitas, inclusive. Algumas delas, diria até de má fé mesmo,
prá tirar proveito de pessoas mais humildes, tirar dinheiro, isso e
aquilo outro, dizendo que tem que andar de véu ou de saia até o pé, ou
não pode depilar, arrumar o cabelo e isso ou aquilo outro. Não pode
comer carne de porco, usar brinco, entendeu? Então, na medida que a
114
gente realmente se coloca diante de Deus e busca ele de todo coração,
as respostas consequente vão vindo. Então a gente passa a aprender
mais de fato, a ficar mais à vontade, não tão bitolado. E eu, não sei,
acredito que nada tenha se perdido não.
Fica evidenciado na fala da entrevistada que algumas práticas foram sacralizadas, como a
dança. E o que confere o status de sagrado a estas práticas são o lugar e a motivação. Na
igreja você dança prá Deus, ainda que não seja ilícito sair para dançar com uma “boa turma”.
Contudo, o que fica claro em suas respostas é desconhecimento da própria tradição histórica
do protestantismo, pois toda liturgia de um culto é classifica por Ana Raphaela como questão
de preferências pessoais. E mais, ela considera como “bitolado” o modo de pensar
característico da tradição da própria igreja em que ela está inserida e veja que ela confere aos
pastores a responsabilidade deste movimento.
Porém, como em tudo, a contradição também tem seus limites. Isto significa que a partir
de um determinado momento o argumento de dançar para Jesus não daria mais conta de
restringir esta prática apenas ao meio eclesiástico. Outra entrevistada, Maria Alice Maciel
Orione, também presbiteriana desde a infância, não vê problemas em sair para dançar. Maria
Alice, uma jovem turismóloga de 32 anos de idade acrescenta que não há nenhum
inconveniente: “depende do lugar e da música”. Como categoria de exclusão, ela afirma que
não iria a um baile funk.
Vinícius Rangel também responde sobre a legitimidade e compatibilidade de um jovem
protestante sair para dançar com seus amigos. Na resposta de Vinícius fica evidente que a
sincronia entre cultura, culto e divertimento é uma equação difícil de se resolver dentro do
meio protestante. Vinícius deixa claro também a contradição que as soluções apresentadas a
este tema têm gerado. Em sua experiência, dentro da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, ele
responde que:
Olha só. Quando a gente tinha um grupo de jovens que a gente fazia
impacto, a gente montava coreografias, né. E aí essas coreografias a
gente fazia como apresentação, mas tinha coreografias de axé, que é
um ritmo bem brasileiro que a gente tinha um conjunto que todo
mundo dançava e eu gostava de dançar. Todos os jovens dançavam, a
gente fazia essas coreografias juntos, então eu acho que dançar é uma
coisa do ser humano, é uma coisa que todas as culturas têm danças. Eu
admiro muito algumas danças, por exemplo, o povo chileno eles
dançam, tem danças típicas, como o povo gaúcho. Então você vê que
lá na cultura deles eles saem para dançar, as danças típicas. Eu tenho
reservas para algumas coisas que têm nas danças. Por exemplo, você
115
vai dançar numa boate, que tipo de dança você vai dançar lá. Acho
que tudo nos é lícito, mas nem tudo nos convém. Então eu acho que é
lícito, mas tem coisas que não convém. Por exemplo, nossos jovens
hoje saem e vão para uma boate, aí lançam no Facebook, é
escandaloso. Vai escandalizar. Então, ao mesmo tempo eu acho que
eles são livres para fazer. Eles têm a consciência deles para fazer, eu
acho que eles podem dançar sem usar o corpo como objeto de
sexualidade e sensualidade. Então eu acho que tem hora e local.
Essa mudança gradual de comportamento ao longo dos anos na Igreja Presbiteriana de
Cuiabá também pode ser analisada como resultado de uma mudança no tipo de legitimidade
da autoridade exercida. De uma autoridade baseada na tradição e no costume para uma
autoridade sustentada por motivos de fins, ou seja, qual o objetivo final daquilo que faço.
Comenta Weber:
[...] uma autoridade sustentada somente por motivos de fins
geralmente é muito menos estável que uma mantida puramente numa
base de costume. Esta última atitude para com a autoridade é bem
mais comum. E ainda mais estável é o tipo de conduta orientada ao
costume que goza do prestígio de ser considerada exemplar ou
obrigatória, ou possui o que se conhece como “legitimidade”. Está
claro que a transição de uma conduta orientada por fins ou por
tradição a uma motivada por uma crença em sua legitimidade é
extremamente gradual (1987, p. 56).
Logo, uma vez que a modernização rompeu com certos costumes, portanto, com uma
categoria de legitimidade, assumindo em seu lugar outra categoria, uma autoridade legitimada
por fins, as ações também agora orientada pelos fins, e não mais pelas tradições, assumiram
uma volatilidade bem maior do que até então vivenciada. Neste caso, a tradição pode ser
comparada a colunas que dão segurança a um edifício. Ainda que este passe por reformas, não
se pode prescindir daquelas.
Outro destaque que também explica essa mudança de paradigma na Igreja Presbiteriana
de Cuiabá, uma igreja protestante histórica, em direção a uma expressão mais artística, com
danças e coreografias, está no fato de que a lógica interna de funcionamento e administração
eclesiástica passava a ser voltada mais para uma religião de massa. Ou seja, ao invés do
acompanhamento e controle individual por parte da liderança da igreja, a ênfase recaiu mais
sobre o domínio do público e da multidão. Em relação a este tipo de caso e a outros
semelhantes, Weber faz uma observação muito intrigante ao afirmar que:
[...] a religiosidade encontra-se constantemente diante da sensação da
inegável ‘divindade’ de certas obras artísticas, e precisamente na
116
religiosidade de massas sempre tem de recorrer diretamente a meios
artísticos para impressioná-los de modo drástico, e inclina-se a fazer
concessões às necessidades mágico-idolátricas das massas. [...]
Toda religiosidade baseada no estado de ânimo [...] que busca o
rompimento místico da individualidade [...] conduz com extrema
facilidade por um caminho de volta à arte (2009, p. 403-404. Negrito
meu).
Indubitavelmente, esta mudança de paradigma estava ligada ao grupo de jovens da igreja
que desde a década de 1970 passa a ter destaque nas decisões do Conselho, sendo
frequentemente mencionados, tanto em atas quanto nos Boletins Informativos. Tal evidência
leva a concluir que começava a haver uma nova demanda na Igreja Presbiteriana de Cuiabá
que até então não havia, ou que era incipiente ou, que não era atendida.
Uma das menções a esta composição etária se dá exatamente na área musical, justamente
numa década de grande produção artística, contestação e transgressão de costumes, tanto no
Brasil como no mundo. Este foi um período em que surgiram as grandes bandas de rock
internacional, movimentos e grupos nacionais como a Jovem Guarda, o Tropicalismo, os
Novos Baianos, os grandes festivais da música brasileira além, obviamente, das influências
internacionais, como Elvis Presley, Beatles e Woodstok. Nesse contexto altamente artístico
dos anos 1960 e 1970, não é de se estranhar a iniciativa registrada a seguir:
O conselho toma conhecimento através do Presidente da UMP [União
de Mocidade Presbiteriana] de que [...] a pedido dos mesmos, resolvese autorizar a formação de um conjunto musical para animar o
serviço da mocidade da Igreja (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO
DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 7, Ata 596 de
29 de março de 1976, fl. 86, frente. Negrito meu).
Contudo, a tensão entre a tradição, conservadorismo e a modernização se faz sentir nas
decisões e orientações ao pretendido conjunto. Ao mesmo tempo em que um espaço maior era
concedido a participação dos jovens na Igreja Presbiteriana de Cuiabá, justificado pelo
argumento de “animar o serviço da mocidade e da Igreja”, outros cuidados eram tomados para
que ela não perdesse a sua identidade litúrgica. Fica assim muito claro a disputa de espaço
entre a modernização, por sua vez, desconhecida, ameaçadora, porém inevitável e a tradição,
conhecida e confortável, porém em declínio, pelo menos neste quesito. Prescrevia ainda as
recomendações ao novo grupo musical:
Quanto ao conjunto pretendido pela UMP [União de Mocidade
Presbiteriana], o Conselho resolve: I – Tomar conhecimento de que a
Diretoria da Mocidade adquiriu um conjunto instrumental, composto
117
de guitarra, contra-baixo e aparelho de som, cujas peças deverão ser
detalhadamente lançadas na próxima Ata assim como as normas dos
componentes do conjunto. II – Declarar que em sendo desfeito este
conjunto se incorpora ao patrimônio da Igreja e em caso de alienação,
deverá ter permissão deste Conselho. III – Aprovar a participação
apenas de membros professos para compor o conjunto da mocidade
desta Igreja, com bom testemunho, inclusive dos de fora. IV –
Autorizar o funcionamento do conjunto, desde que, sua atuação seja
mais na própria igreja, não impedindo os seus componentes de tomar
parte em outras atividades locais, como coral e outras; as atividades
fora deverão ocorrer em entrosamento com o Conselho. V –
Recomendar que sejam ensaiadas não apenas corinhos modernos
dos quais a congregação não participa, mas também hinos
conhecidos que sejam sentidos por todos como mensagem. VI –
Determinar que eleita a Diretoria do Conjunto seja elaborado o
regimento interno do mesmo e submetido a aprovação do Conselho
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 7, Ata 599 de 14 de junho de
1976, fls. 90, verso e 91, frente. Grifo meu).
Cabe também observar que este momento marcante de relativa abertura para os jovens na
Igreja Presbiteriana de Cuiabá - que agora poderiam cantar “corinhos modernos” - já exprime
o anseio contido numa sociedade que aos pouco lutava pela liberdade política e de costumes
no país. Algum tempo depois, mais exatamente no ano de 1985 era celebrado o Ano
Internacional da Juventude, sendo realizada uma passeata com concentração final no ginásio
da Universidade Federal de Mato Grosso. Um dos oradores da ocasião foi exatamente um dos
pastores da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, Valter Moura (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIBÁ. Boletim Informativo de 31 de março de 1985, número 962). Um ato como este
consolidaria a presença dos jovens não somente na estrutura e demandas da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, mas no cenário evangélico como um todo.
Deste modo, a música tornava-se um sinal claro da tensão existente entre a tradição da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá e o seu processo de modernização. Aos poucos as concessões
começavam a serem feitas, como a compra de uma bateria, autorizada pelo conselho, não sem
antes enfatizar que o uso desta deveria ser supervisionado pelos pastores (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 14 de maio de 1989, número
1137).
Essa nova tendência musical dentro das igrejas evangélicas, no caso estudado, de uma
igreja protestante histórica, ficou conhecido como música gospel. Profundamente analisada
por Cunha, a música gospel, como parte de uma cultura, impactou significativamente as
118
igrejas evangélicas brasileiras. De acordo com a pesquisadora, “a ênfase na música foi
associada à mídia, ao consumo, ao entretenimento, à busca da inserção na modernidade,
ingredientes que passaram a caracterizar um modo de vida religioso [...]”. (2004, p. 115) Fica
patente, então, que a nova estética que começava a ser apresentada nos cultos da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, em grande medida, era decorrência direta de um processo político,
social e econômico ao qual o país se adaptava. Concluindo sua análise sobre o fenômeno
“gospel” em geral e sua expressão musical em particular, Cunha ainda afirma que:
[...] o que predomina aqui é que a indústria da canção gospel satisfaz à
demanda dos evangélicos: 1 – de afirmação social (os cantores tem
projeção, têm sucesso e por isso levam adiante o nome “evangélico”);
2 – de integração ao mundo moderno (os hinos antigos são
substituídos por música contemporânea; os cantores gravam CDs,
produzem vídeos e DVDs, possuem páginas na internet, ganham
exposição na mídia, produzem espetáculos com a tecnologia da
sonorização e iluminação como qualquer outro artista secular); 3 – de
sintonia religiosa (os cantores e os ministérios possibilitam o “chegar
mais perto de Deus”); e 4 – de cumprimento da “missão de proclamar
a palavra de Deus” (os cantores e ministérios são instrumentos por
quem Deus fala e que proporcionam conversões de “incrédulos”)
(2004, p. 236).
Quanto a este espaço concedido aos jovens da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, no que se
refere à adoção de “novo estilo musical”, também deve ser levado em conta a observação feita
por Weber, de que “no interesse da conservação e propagação do grupo de adeptos” são
levadas em consideração as necessidades dos leigos. E que, os “sacerdotes”, para manter sua
posição de poder, frequentemente têm de condescender em alto grau (2009, p. 313). Agora os
crentes podem louvar a Deus com “adufes e danças”.
2.4 MINHA CASA SERÁ CHAMADA CASA DE ORAÇÃO
Templos religiosos ou lugares de culto servem, entre outros propósitos, para delimitar a
fronteira entre o sagrado e o profano, ou seja, estabelecer um limiar que separa o indivíduo do
cotidiano inserindo-o na esfera do transcendental. Por isso é comum os templos ou lugares de
culto possuírem uma arquitetura própria, repletas de elementos simbólicos e/ou iconográficos.
119
Na primeira metade do século passado, Marc Bloch já afirmava que o patrimônio
material deve ocupar um lugar de destaque no estudo das religiões, pois ele nos tem a dizer
muito mais do que as declarações oficiais de teologia (1997, p. 80). Em muitos casos, a
relação do fiel se faz muito mais intensa com a sua cultura material do que propriamente com
as suas declarações de fé. Ainda que o protestantismo seja uma religião da palavra,
principalmente falada, as suas concepções teológicas também se fazem sentir em suas
edificações.
Uma das primeiras providências a ser tomada por ocasião do estabelecimento do
cristianismo numa determinada região, independente se de natureza católica ou protestante, é
a construção de uma capela ou templo religioso. Ainda que com significativas diferenças
arquitetônicas, a construção de um lugar de culto, com todo o seu conjunto simbólico
artístico, é para os diversos ramos do cristianismo uma importante demarcação de espaço e
conquista dentro de uma determinada sociedade. Geertz traduz bem o valor da arte para a
interpretação de uma cultura:
[...] a compreensão desta realidade, ou seja, de que estudar arte é
explorar uma sensibilidade; de que esta sensibilidade é essencialmente
uma formação coletiva; e de que as bases de tal formação são tão
amplas e tão profundas como a própria vida social, nos afasta daquela
visão que considera a força estética como uma expressão
grandiloquente dos prazeres do artesanato. Afasta-nos também da
visão a que chamamos de funcionalista, que, na maioria das vezes, se
opôs à anterior, e para a qual obras de arte são mecanismos elaborados
para definir as relações sociais, manter as regras sociais e fortalecer os
valores sociais (1997, pp. 149-150).
A partir desta elaboração é que serão estudadas neste tópico as transformações
arquitetônicas pela qual passou o templo histórico da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, bem
como os conceitos que nortearam a concepção arquitetônica para a construção do novo espaço
de culto na Avenida Historiador Rubens de Mendonça.
Contextualizando o título deste tópico, “minha casa será chamada casa de oração”, é este
uma porção do Antigo Testamento que foi usada por Jesus Cristo na ocasião em que ele
expulsou os cambistas e vendedores do Templo edificado em Jerusalém.
Episódio este
narrado nos evangelhos bíblicos. Para os cristãos, um templo, ainda que não tenha a mesma
perspectiva teológica do que aquele que havia em Jerusalém tinha para os judeus, desde muito
cedo ocupou um lugar de destaque em sua relação com o sagrado.
120
Em 1998, o arquiteto norte-americano Daniel Lee, escreveu na primeira edição da revista
Sacred Architecture um pequeno artigo intitulado “A arquitetura cristã de uma perspectiva
protestante”. Em suas considerações, ele afirma que:
A arquitetura de uma igreja serve para moldar e realçar nosso culto de
um modo que honre Aquele a quem adoramos. Igrejas são construções
modeladas, adornadas e designadas para o propósito muito especial de
nossa comunhão como corpo com o Deus da Aliança. Entretanto,
como obras de arte, elas também falam à cultura como um todo ao seu
redor. Isto porque a arquitetura simboliza, dentro do tecido de uma
comunidade, a hierarquia social e a aspiração - ou a posição atual - da
instituição nela abrigada. Ela revela, por meio de representações
artísticas, o relacionamento entre constantes transcendentes mais
amplas e as questões imanentes que nos confrontam na vida diária. Ela
fornece um ambiente significativo para nossas interações sociais e
espirituais diárias. No passado, as igrejas eram frequentemente os
edifícios de maior proeminência arquitetônica de uma comunidade, e
os cristãos serviam alegremente como patronos da arquitetura
eclesiástica porque ela proclamava sua fé e afirmava sua visão de
mundo. Mas hoje as coisas têm mudado. (1998, p. 15. Tradução
minha).
Para se ter uma ideia de como esse processo apontado por Lee se deu com o patrimônio
cultural da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, um rápido olhar sobre as transformações ocorridas
na estética do seu templo e a arquitetura do seu novo espaço de culto, demonstra a diferença
entre os propósitos arquitetônicos do início do protestantismo em Cuiabá e sua configuração
neste início de século.
O templo da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, localizado na Rua 13 de Junho, no centro da
cidade, começou a ser construído em 07 de setembro de 1921. Hoje ele faz parte do
patrimônio histórico e cultural da Capital.
121
Figura 08 - Construção do templo na Rua 13 de Junho – Vista interna35
A sua arquitetura peculiar, para a cidade de Cuiabá, é similar aos edifícios construídos no
Mackenzie College - hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie - no final do século XIX e
início do XX em São Paulo.
Figura 09 – Prédio da Biblioteca George Alexander - Mackenzie36
Nota-se claramente a influência norte-americana nessas concepções arquitetônicas,
reportando a igrejas e escolas construídas no mesmo estilo nos Estados Unidos, como pode
ser observado na figura a seguir.
35
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/ipcuiaba/5292165680/. Acessado em 08/07/2015.
Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=biblioteca+mackenzie&biw=1365&bih=884&source=
lnms&tbm=isch&sa=X&ei=GyCdVYD2JIWlwgTlto6QAQ&ved=0CAYQ_AUoAQ&dpr=0.75#imgrc=rL3tdPy
ACiC2aM%3A. Acessado em: 08/07/2015.
36
122
Figura 10 - Princeton Theological Seminary 37 - New Jersey/EUA
Esta mesma concepção de construção pode ser vista em outra instituição da Igreja
Presbiteriana do Brasil, o Seminário Presbiteriano do Sul, erguido em Campinas na primeira
metade do século XX. Chama a atenção a similaridade de sua fachada com a do Seminário
Teológico de Princeton, New Jersey, Estados Unidos.
Figura 11 - Seminário Presbiteriano do Sul – Campinas/SP38
37
Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=princeton+theological+seminary&biw=1365&bih=
884&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=KiWdVfKxJ8n8wQS2jIiYAQ&sqi=2&ved=0CAcQ_AUoAg&dpr=0.
75#imgrc=odyNXk3CEOBwoM%3ª. Acessado em 08/07/2015.
123
Padrão arquitetônico semelhante ao da Igreja Presbiteriana de Cuiabá foi empregado na
construção da Capela do Colégio Evangélico Buriti, na Chapada dos Guimarães, Mato
Grosso. Ainda que as linhas gerais difiram em seu estilo, o conceito é o mesmo.
Figura 12 - Capela do Colégio Evangélico Buriti – Chapada dos Guimarães/MT39
Estes estilos arquitetônicos foram adotados quase um ano antes do início da construção
do templo. A própria escolha do engenheiro responsável por projetar o futuro espaço dá a
indicação do que se pretendia. A Mesa Administrativa, em sua primeira Ata, no dia 1º de
novembro de 1920, resolveu que:
[...] se pedisse ao Rev. Adam J. Martin, que seja elle o portador das
informações detalhadas para o Dr. Waddell do Mackenzie Collegie, de
S. Paulo, para nos mandar preparar uma planta e o orçamento para a
construção do novo templo (PRIMEIRO LIVRO DE ACTAS DA
MEZA
ADMINISTRATIVA
DA
PRIMEIRA
IGREJA
PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, em 1 de novembro de 1920).
Ao acompanhar as reuniões preparativas para a construção do templo, pode-se perceber
que todos os detalhes eram discutidos, o que sugere que para os protestantes da época, o
templo seria mais do que um lugar para reuniões, pois trazia consigo todo um simbolismo,
principalmente porque seria o primeiro templo protestante do estado. Um exemplo que pode
ser dado é a reunião do dia 21 de abril de 1921, quando a Mesa Administrativa da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá decidiu que não haveria porão na futura edificação, contrariando
assim um padrão de construções da época (PRIMEIRO LIVRO DE ACTAS DA MEZA
38
Disponível em: http://www.sps.br/. Disponível em 08/07/2015.
Disponível em: https://www.flickr.com/photos/macedofotografias/sets/72157629210237315/. Acessado em
07/07/2015.
39
124
ADMINISTRATIVA DA PRIMEIRA IGREJA PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, em 24 de
abril de 1921).
Quase dois anos após o início da construção, ficou decidido que haveria uma torre no
novo templo. Aliás, esta torre já estava presente no primeiro projeto enviado de São Paulo
pelo Dr. Waddell (PRIMEIRO LIVRO DE ACTAS DA MEZA ADMINISTRATIVA DA
PRIMEIRA IGREJA PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, em 08 de fevereiro de 1921). Notase que, pelo menos do ponto de vista da própria Igreja Presbiteriana de Cuiabá, o seu projeto
arquitetônico também serviria de propaganda para o protestantismo. Estes detalhes não podem
ser ignorados, mesmo porque:
[...] os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um
povo – o tom, o caráter e a qualidade da sua vida, seu estilo e
disposições morais e estéticos – e sua visão de mundo – o quadro que
fazem do que são as coisas na sua simples atualidade, suas ideias mais
abrangentes sobre ordem. [...] Se os símbolos sagrados não
induzissem a disposições nos seres humanos e ao mesmo tempo não
formulassem ideias gerais de ordem, por mais oblíquas, inarticuladas
ou não sistemáticas que fossem, então não existiria a diferenciação
empírica da atividade religiosa ou da experiência religiosa (GEERTZ,
1989, pp. 104, 113). 40
Figura 13 – Frente da Igreja Presbiteriana de Cuiabá41
No caso, esse ethos a ser sintetizado, era o norte-americano. Não por coincidência, o
engenheiro escolhido para a elaboração do projeto era um estadunidense que também era
40
Pode-se até dizer de um homem que ele é “religioso” em relação ao golfe, mas não simplesmente porque ele
se interesse aqui apaixonadamente por ele e joga aos domingos: ele precisa vê-lo como símbolo de algumas
verdades transcendentais (GEERTZ, 1989, p. 113).
41
Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=igreja+presbiteriana+de+cuiaba&biw=1365&bih=884&
source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=bCGdVcasD8WewgTS25G4Cw&sqi=2&ved=0CAcQ_AUoAg&dpr=0.75#i
mgrc=wQY9L7NElSXbSM%3a. Acessado em: 08/07/2015.
125
responsável pelos projetos do Mackenzie Collegie e fundador do seu curso de engenharia.
Enfim, em pouco tempo, o empreendimento angariaria a simpatia até mesmo de
personalidades ilustres de Cuiabá, como se vê registrado:
Foi notificado pelo Rev. Martin a offerta de uma apolice estadual (no.
1) do valor de 500#000, que ficará como parte do patrimônio da
Egreja. Oferta do Ilmo. Sr. Dr. Estevam de Mendonça. Em seguida foi
autorizado o Sr. Secretário a escrever uma carta agradecendo, cujo
conteúdo foi o seguinte:
A Comissão Administrativa do 1ª Egreja Presbyteriana de Cuyabá em
sua ultima reunião foi sabedora de sua valiosa offerta de 1 Apolice
Estadual no. 1 do valor de 500#000. A Comissão ou por outra toda a
Egreja sabe que V.S. tem uma profunda simpatia pela Causa
Evangelica. A sua offerta provou essa sympathia. Profundamente lhe
agradecemos; e Deus permita que em breve possamos regosijar com a
offerta do seu coração aquelle que é O Caminho, a Verdade e a Vida,
ao grande Mestre e Salvador Jesus Christo (PRIMEIRO LIVRO DE
ACTAS DA MEZA ADMINISTRATIVA DA PRIMEIRA IGREJA
PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, em 15 de abril de 1923).
Para uma igreja nascente, em uma cidade de maioria absoluta católica romana, um gesto
como o de Estevão de Mendonça, certamente conferiria credibilidade ao protestantismo.
Nota-se também que, o cuidado com o patrimônio material esteve presente não apenas em sua
edificação, mas durante os anos subsequentes.
Uma das preocupações demonstradas por Philippe Landes, pastor fundador da Igreja
Presbiteriana em Cuiabá, tem a ver com questões sanitárias, o que denota o espírito de
mordomia já analisado. Em reunião com a Mesa Administrativa, no dia 05 de agosto de 1924,
informa sua doação pessoal de um conto de réis. Essa doação deveria ser usada para a
construção de fossas biológicas nos fundos do terreno da Igreja, principalmente porque no
mês de julho seguinte haveria atividades envolvendo crianças. (PRIMEIRO LIVRO DE
ACTAS DA MEZA ADMINISTRATIVA DA PRIMEIRA IGREJA PRESBYTERIANA DE
CUIABÁ, em 05 de agosto de 1924).
Nas décadas seguintes, apenas manutenção com caiação foram feitas no templo, sem
grandes mudanças na construção. Somente em 1964 se começa a discutir a necessidade de
uma reforma mais ampla no templo. Neste ano cogita-se, inclusive, pleitear a vinda do
engenheiro Del Nero, professor do Mackenzie42, para o fim de outubro, com vistas à
42
Disponível em: http://www.figueiredoferraz.com.br/br/empresa/imprensa/item/428-entrevista-com-joaoantonio-del-nero-ao-instituto-de-engenharia. Acessado em 14/07/2015.
126
orientação do que se deveria fazer na reforma do templo. Porém, efetivamente, somente a
troca das janelas de madeiras por janelas de ferro foram feitas, e isto em 1965 (LIVRO DE
ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, livro 5, ata 394 de
17 de agosto de 1964, p. 126, frente).
No entanto, na década seguinte, uma reforma mais ampla seria realizada. Contudo, como
pode ser notado nas discussões preparatórias, foram levadas muito mais em consideração as
questões funcionais do que as estéticas ou simbólicas. Os debates sobre a reforma do templo
foram feitos nos seguintes termos:
Em vista do pequeno espaço e da insuficiência das acomodações para
cultos e escolas dominicais em nosso Templo, resolve-se elaborar um
projeto de aumento do Templo com a construção de um edifício que
venha aproveitar bem a área ora ocupada oferecendo as condições
desejadas e melhor mordomia cristã do imóvel (LIVRO DE ATAS
DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ,
Livro 7, Ata 574 de 28 de outubro de 1974, fl. 27, frente).
Deve-se notar a preocupação do bom aproveitamento da área para oferecer as melhores
condições desejadas, sem se descuidar com a “mordomia cristã” no uso do imóvel. Ou seja, a
busca da conjunção do bom uso mais a funcionalidade. Decidiu-se, finalmente, no ano
seguinte, que o primeiro pavimento seria composto de sala de aulas e o segundo pavimento
seria um salão social (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA
DE CUIABÁ, Livro 7, Ata 582 de 21 de abril de 1975, fl. 51, verso).
Ainda na mesma década de 1970, surge uma discussão interessante no Conselho da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá quanto ao uso de elementos simbólicos no interior do templo. O
debate ficou registrado nas atas do Conselho:
Aborda-se a necessidade de aprimoramento dos móveis que comporão
a área do púlpito do templo e discute-se a conveniência de se colocar a
cruz como antes, como parte da ornamentação do templo. Conclui-se
pela recolocação, visto se tratar de uma tradição bem Presbiteriana,
uma vez que a cruz vazia é o símbolo do Cristianismo vitorioso. A
cruz vazia e o túmulo vazio, nos indicam que Jesus está vivo,
ressurreto (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 08, Ata 642 de 29 de
dezembro de 1978, fls. 57 verso e 58 frente).
Nota-se, portanto, que as discussões que envolviam qualquer tipo de reforma ou
aquisição de mobiliário do templo, começavam a figurar entre dois polos: o da funcionalidade
e o da tradição protestante. Isto porque as novas exigências gravitavam mais em torno de uma
127
crítica ao “estilo do consumidor” do que “ao estilo do produtor”, como era até então
(BAUMAN, 2001, p. 33). Porém, ao mesmo tempo em que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá
começava a sentir a necessidade de se adequar - inclusive arquitetonicamente - aos parâmetros
do fim de século, ainda havia o peso de sua tradição que a ligava a uma herança protestante
histórica.
Aliás, é exatamente esta tradição um dos elementos que fez com que a Igreja fosse
incluída no patrimônio histórico da cidade. Inclusive, isto lhe deu condições de pleitear
participação no programa de restauração do patrimônio histórico do Estado, conforme “carta
procedente da Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso assinada pelo Deputado
Carlos Brito” (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ, Livro 14, Ata 1048 de 11 de agosto de 2005).
A preocupação com o ambiente de culto se reflete até mesmo na recomendação das
roupas a serem usadas pelos crentes. O apelo é ao bom senso, mas a justificativa é de natureza
metafísica:
BOM SENSO. Sempre conclamamos para que haja o espírito de
moderação em nosso comportamento, nos usos e costumes dos
crentes, membros do Corpo Vivo de Cristo. Algumas pessoas estão
exagerando quanto as suas vestes, vindo à Igreja para adorar e usando
saias ou bermudas excessivamente curtas ou decotes ousados.
Aparência exterior agrada aos homens, ao passo que a santidade
interior é apreciada por Deus (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Boletim Informativo de 02 de março de 1997, número
1477).
Porém, duas grandes transformações se fizeram sentir neste processo. Uma reforma
interna pela qual passou o templo da Rua 13 de Junho e a elaboração do projeto para a
construção do novo templo na Avenida Historiador Rubens de Mendonça. Em sua reforma
interna - uma vez que o aspecto externo - por força de lei, não poderia ser mudado, fica nítida
uma nova concepção e mentalidade que nortearia o futuro ambiente interno e as linhas
arquitetônicas do futuro templo.
128
Figura 14 - Imagem do púlpito do Templo da Rua 13 de junho antes da reforma de 2002.
Acervo de Aristóteles Ferreira da Fonseca
Na imagem a seguir, nota-se que há muito mais um aspecto de auditório do que o de uma
nave interna de um templo cristão histórico. Saem os móveis de madeira colocados na área do
púlpito, e este espaço passa a se assemelhar mais a uma plataforma ou palco, muito mais
próximo a audiência. Por sua vez, esta passa a assemelhar-se mais a um auditório.
Figura 15 - Interior do Templo na Rua 13 de Junho após a reforma de 2002.
Acervo do autor
129
Quanto ao novo templo, por sua vez este já está sendo construído totalmente a partir de
outra perspectiva. Para melhor compreender os princípios norteadores desta nova edificação,
foi entrevistada a arquiteta e urbanista responsável pela execução do projeto, Karina
Volkmann Ultramari Santos. Segue parte do diálogo:
1 - Como arquiteta, qual a sua experiência com projetos religiosos?
Tenho experiências de trabalhar com várias igrejas no segmento
protestante, como Presbiteriana, Deus é amor, Congregação Cristã e
Vinho Novo. Cada igreja tem um perfil. Sempre estudo o estilo
arquitetônico da igreja antes de iniciar o projeto. Adotei isto como
oferta em forma de serviço [...].
2 - Podemos dizer que atualmente há um estilo religioso de
arquitetura para as igrejas evangélicas?
Cada igreja evangélica tem uma linguagem arquitetônica, porém todas
elas têm optado por materiais de acabamento e equipamentos mais
modernos e atuais. Algumas igrejas mais tradicionais apresentam um
estilo arquitetônico mais clássico, o qual torna-se padrão para todos os
templos, como a Congregação Cristã.
3 - Na sua opinião, quais as principais influências contemporâneas na
concepção de um projeto para um templo evangélico?
Uma grande influência que as igrejas têm sofrido é a existência de
som alto, o que tem levado a busca por projetos acústicos especiais
(igrejas com bandas e/ou orquestras). A opção por materias modernos
como alumínio composto, acrílico, painéis amadeirados, pedras
naturais, dentre outros, também têm sido opções para detalhes
estéticos de fachadas e painéis atrás do altar. Iluminações decorativas
também são ênfase na decoração de templos. A busca por naves em
desníveis para melhor visualização também são opções que
trabalhamos bastante.
4 - Quais os princípios e objetivos que nortearam a elaboração do
projeto do Novo Templo da Igreja Presbiteriana de Cuiabá?
O partido arquitetônico deu-se pela busca pela formação axial e em
níveis, onde a visibilidade se torna prioridade. Esteticamente, o
trabalho com volumetrias e aberturas estratégicas fizeram parte do
partido. Internamente, o trabalho em desníveis com o forro oferece
proteção acústica e iluminação bem disposta. No altar, o forro em
gesso trouxe uma volumetria especial anatômica, combinado com o
formato do púlpito. O painel atrás do altar trás uma beleza estética
fornecida pelo conjunto de cores da madeira, com qualidade
absorvente de som.
5 - Em sua opinião, o que se ganha e o que se perde nestas
transformações de estilos arquitetônicos nas igrejas?
Acredito que nada se perde, pois as tendências de modernidade
ocorrem naturalmente, as tecnologias existem para serem utilizadas
130
e o conforto e bem-estar do usuário do templo devem estar bem
compostos. Desde que tudo seja utilizado sem exageros e ostentação
excessiva, acredito que podemos usufruir da melhor maneira possível.
Figura 16 - Maquete da fachada da Igreja Presbiteriana de Cuiabá43
Como fica evidente na entrevista de Karina, iluminação, acústica e visibilidade, são os
pilares desta construção, combinados com materiais e conceitos modernos. Mas, o maior
princípio norteador é a busca do conforto e bem-estar do usuário do local. Isto confirma o
pensamento de Daniel Lee, de que a arquitetura religiosa espelha a formação e estrutura da
sociedade que a rodeia. Segue também, para haja uma ideia do interior do novo templo (ainda
em construção) e a visualização da fala de Karina, a reprodução do projeto.
43
Disponível em: https://www.google.com.br/search?q=igreja+presbiteriana+de+cuiaba&biw=1365&bih=884&
source=lnms&tbm=isch&sa=X&ei=MteeVeWgKo7_gwSAwKzICg&sqi=2&ved=0CAcQ_AUoAg&dpr=0.75#i
mgrc=3UfIYiwYb9VX6M%3A. Acessado em 09/07/2015.
131
Figura 17 - Vista panorâmica do auditório do Novo Templo44
Figura 18 - Vista frontal da plataforma do Novo Templo45
44
45
Disponível em: https://www.facebook.com/ipcuiaba/photos_stream. Acessado em 09/07/2015.
Ibidem
132
133
134
135
136
No início do capítulo foi afirmado que o cristianismo sempre teve como um dos seus
desafios ser uma proposta contra cultural. Isso pode ser observado nas discussões sobre o
patrimônio material da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, o tipo de lazer e entretenimento
praticado pelos seus membros e o recomendado pela liderança da Igreja, a tradição envolvida
na observância do sábado, questões litúrgicas e até mesmo o tipo de moda que orientava a
indumentária destes fiéis.
No entanto, esta não é uma tarefa fácil, pois as pressões externas sobre os membros de
qualquer instituição religiosa tendem a ser maiores do que as pressões internas ou provindas
do próprio sistema religioso a qual se pertence, principalmente numa sociedade globalizada.
Daí a contradição vivida em diversos momentos quando se pretende uma modernização numa
instituição fortemente marcada pela tradição.
No próximo capítulo, a pesquisa se deterá sobre os valores e relacionamentos sociais.
Enquanto neste, a análise se deteve sobre a rede de significados em que estão inseridos os
presbiterianos da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, no seguinte, a ênfase recairá sobre o
comportamento social, ou seja, como os relacionamentos em seus círculos mais íntimos foram
vividos ao longo das décadas e como eles tem se apresentado nesta virada de século.
137
CAPÍTULO 3
“EM BUSCA DO PARAÍSO PERDIDO”:
A IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ
À PROCURA DE UMA “VELHA” SOCIDADE
Eu, que outrora cantei o feliz jardim perdido
pela desobediência de um homem,
agora canto a reconquista desse paraíso
por toda a humanidade,
obtida pela firme obediência de um homem
contra toda a tentação.
[...].
Despercebido, à casa de sua mãe ele retornou.
(John Milton, O PARAÍSO RECONQUISTADO, 1671).
A identidade social da Igreja Presbiteriana de Cuiabá deve ser vista como o conjunto de
valores e práticas sociais cultivados por ela, que a diferencia ou a iguala a outras instituições
religiosas, ou não, dentro da sociedade cuiabana, principalmente a deste terceiro milênio.
Também deve ser entendida como parte desta tradição, a particular visão de mundo em
algumas áreas específicas que norteia o comportamento dos presbiterianos. Neste capítulo
serão abordadas duas destas áreas em que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, como uma igreja
protestante histórica sempre teve seus posicionamentos alinhados com uma linha de conduta
que pode seguramente ser identificada como tradicional e que nas últimas três décadas têm
sido profundamente questionadas.
A primeira aborda a questão da sexualidade, casamento e modelo de família adotada pela
Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Este tema é importante, pois é um dos que mais têm sido
debatidos nas últimas décadas e que provavelmente continuará ainda muito tempo em pauta.
138
Aliás, vivemos em um contexto em que dificilmente as plataformas ou agendas políticas terão
condições de fugir deste assunto.
O segundo tópico abordará como a Igreja Presbiteriana de Cuiabá tratou os casos de
transgressão moral ao longo de sua história. Abordagem semelhante foi feita no capítulo 2,
porém o enfoque foi muito mais no aspecto cultural e a análise ali se restringiu ao carnaval e
as danças. Aqui, a pesquisa se concentrará mais sobre os tipos de comportamentos que eram
considerados violações às convenções sociais ou eclesiásticas e como estes poderiam servir de
elemento propagador de uma boa ou má reputação da Igreja. Neste tópico, também será visto
quais as estratégias escolhidas pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá para divulgar a si mesma.
Partindo de um ponto onde o meio utilizado estava focado na conduta individual dos seus
membros até que, paulatinamente, o instrumento escolhido como modo de propaganda passou
a ser marketing direcionado para o grande público.
No entanto, antes de continuar, nunca é demais lembrar que, também no caso das
instituições religiosas é comum termos um discurso e um padrão oficial a ser seguido, porém,
ao mesmo tempo, termos uma prática, e em algumas situações convicções pessoais, que nem
sempre estejam alinhadas, ou que sejam até contraditórias com o que é professado pela
instituição. Nestas situações, na Igreja Presbiteriana do Brasil, dependendo da área e do grau
em que a prática difere do professado, passa os Conselhos das igrejas locais a funcionarem
como tribunal, buscando assim a maior coerência possível entre o discurso oficial e a prática
dos seus membros. Porém, como já observado, com o passar dos anos, a particularização e a
privatização da vida social, tem tornado cada vez mais difícil este acompanhamento.
No caso da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, como em toda igreja de tradição protestante
histórica e confessionalmente alinhada com o calvinismo e o puritanismo, o seu discurso
oficial tem por base e padrão as instruções contidas na Bíblia e nas Confissões de Fé
reformadas. Para estas, a Bíblia é a única regra de fé e prática e somente ela pode obrigar à
consciência dos homens.
Aliás, a expressão “viu Deus tudo quanto fizera e eis que era muito bom”, registrada no
livro de Gênesis, capítulo 1, versículo 31, logo após o relato da criação, embasa a convicção
das igrejas protestantes históricas de que o melhor padrão social a seguir é aquele estabelecido
por Deus no princípio de todas as coisas e não pelas exigências ou convenções sociais. Nas
palavras do poeta inglês, John Milton (1608-1674), essa busca de um passado de ouro que
139
ficara para trás seria o retorno para casa. Com base neste princípio é que a Igreja Presbiteriana
de Cuiabá buscava instruir e conduzir seus membros, inclusive fazendo uso do que é
denominado no protestantismo de disciplina eclesiástica, sendo esta aplicada pelo Conselho.
Quanto a este ponto doutrinário, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá não toma essa prática
como um processo “inquisitivo” ou mesmo como um estado policialesco. Pelo contrário, ela é
justificada biblicamente como um ensinamento do próprio Jesus a partir do relato do
Evangelho segundo Mateus:
Se teu irmão pecar [contra ti], vai argui-lo entre ti e ele só. Se ele te
ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma ainda
contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou
três testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender,
dize-o à igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como
gentio e publicano. Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na
terra terá sido ligado nos céus, e tudo o que desligardes na terra terá
sido desligado nos céus. Em verdade também vos digo que, se dois
dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa
que, porventura, pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai, que está
nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome,
ali estou no meio deles (A BÍBLIA SAGRADA, Mateus 18.15-18).
De acordo com a interpretação adotada pela Confissão de Fé de Westminster, a razão que
dá base a essa disciplina não é a prática do controle social pelo simples exercício do poder,
mas sim, “a honra de Cristo e seu evangelho e a pureza da Igreja”. Prescreve, portanto, a
Confissão de Fé adotada pela Igreja Presbiteriana do Brasil:
O Senhor Jesus, como Rei e Cabeça da sua Igreja, nela instituiu um
governo nas mãos dos oficiais dela; governo distinto da magistratura
civil. A esses oficiais são entregues as chaves do Reino do Céu. Em
virtude disto, eles têm, respectivamente, o poder de reter ou cancelar
pecados; de fechar este reino a impenitentes, tanto pela Palavra quanto
pelas censuras; de abri-lo aos pecadores penitentes, pelo ministério do
Evangelho e pela absolvição das censuras, quando as circunstâncias o
exigirem. As censuras eclesiásticas são necessárias para chamar e
ganhar (para Cristo) os irmãos transgressores, a fim de impedir que
outros pratiquem ofensas semelhantes, para lançar fora o velho
fermento que poderia corromper a massa inteira, para vindicar a honra
de Cristo e a santa profissão do Evangelho, e para evitar a ira de Deus,
a qual, com justiça, poderia cair sobre a Igreja, se ela permitisse que o
pacto divino e seus elos fossem profanados por ofensores notórios e
obstinados. Para melhor obtenção destes fins, os oficiais da igreja
devem proceder dentro da seguinte ordem, segundo a natureza do
crime e demérito da pessoa: repreensão, suspensão do sacramento da
140
Ceia do Senhor por algum tempo e exclusão da Igreja (CONFISSÃO
DE FÉ DE WESTMINSTER, capítulo 30).
Dentro desta tradição puritana calvinista, a Igreja Presbiteriana do Brasil adota em seu
Manual de Governo um Código de Disciplina, com orientações de todos os passos a serem
seguidos para que uma censura eclesiástica seja proferida. Esses passos incluem a tipificação
das faltas, as penalidades, a composição dos tribunais, os casos de suspeição e
incompetências, os trâmites processuais, os recursos cabíveis, a execução da censura, e por
fim, a possibilidade de restauração. Cabe também observar a base conceitual em que o
referido Código foi elaborado:
Art.1 - A Igreja reconhece o foro íntimo da consciência, que escapa à
sua jurisdição, e da qual só Deus é Juiz; mas reconhece também o foro
externo que está sujeito à sua vigilância e observação.
Art.2 - Disciplina eclesiástica é o exercício da jurisdição espiritual da
Igreja sobre seus membros, aplicada de acordo com a Palavra de
Deus.
Parágrafo Único - Toda disciplina visa edificar o povo de Deus,
corrigir escândalos, erros ou faltas, promover a honra de Deus, a
glória de Nosso Senhor Jesus Cristo e o próprio bem dos culpados
(MANUAL PRESBITERIANO, Código de Disciplina, Capítulo I).
A prática da disciplina ou censura eclesiástica, adotada pela Igreja Presbiteriana do
Brasil, ilustra muito bem a análise do conceito de autoridade convencional desenvolvida por
Weber. Esta disciplina tem por alicerce a “probabilidade de que qualquer desvio dentro de um
grupo social será tratado com uma desaprovação relativamente geral e significativamente
perceptível” (1987, p. 61). Além do mais, o exercício desta autoridade passa a ser legitimado
pela existência de “um grupo de homens providos de autoridade especial” para a aplicação
das devidas sanções (Ibidem, p. 62).
É verdade que em boa parte das sociedades e instituições, a horizontalidade dos fatos nem
sempre corresponde a verticalidade dos códigos. Antes, porém, para que não se cometa
nenhuma injustiça, deve ser observado que todas às vezes que um membro penitente, solicitou
a reintegração ao quadro de membros da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, sempre foi atendido,
desde que tenha satisfeito as exigências necessárias estabelecidas pelo próprio Código de
Disciplina. Há inclusive caso de alguns que voltaram a ocupar cargos de destaque dentro da
comunidade. A título de ilustração, transcreve-se a “restauração” abaixo:
141
O Conselho decidiu readmitir no rol desta Igreja, estando em plena
comunhão o irmão Severo Leonardo da Cruz, que se encontrava
suspenso, em virtude do vício da embriagues, e tendo em vista ter
aquele irmão provado o abandono por completo daquele vício (ATAS
DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ,
Livro 5, Ata 139 de 06 de setembro de 1953, p. 81).
Por fim, cabe salientar também que, as exigências da Igreja Presbiteriana de Cuiabá em
termos morais, eram cobradas somente dos seus membros que voluntariamente haviam se
comprometido com a comunidade protestante. Este compromisso devia ser espontâneo e
realizado em reunião solene e pública. Também estava ele claramente redigido no estatuto
fundacional da igreja:
Nós, os membros professos, da Primeira Egreja Presbyteriana de
Cuyabá, confiados no poder de Deus, solemnemente prometemos e
pactuamos viver juntos, como Egreja organizada, adoptando para a
nossa direcção ecclesiastica os principios da fé e ordem da Egreja
Presbyteriana no Brasil, e quanto estiver da nossa parte promettemos
conservar a pureza e harmonia de toda a corporação (LIVRO DE
ACTAS DA ASSEMBLEIA GERAL DA PRIMEIRA EGREJA
PRESBYTERIANA DE CUYABA, p. 6)
Logo, com base nestes princípios e nestes compromissos é que o Conselho da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá atuava junto aos seus membros. Importante ressaltar aqui, como
observa Weber, que práticas como a da disciplina eclesiástica são quase que incompreensíveis
àqueles que estão inseridos em outros sistemas de valores, no entanto, são aceitos pelos que
dela participam, racionalmente ou não (1987, pp. 1-2).
A partir deste pano de fundo conceitual fica mais fácil compreender as ações do Conselho
da Igreja de Cuiabá. O contraste ou contradição que será pontuado em alguns momentos, de
modo explícito, ou não, decorre do advento do processo globalizante e modernizante pelo
qual tem passado as sociedades nestas últimas três décadas, principalmente as metropolitanas,
o que explica o declínio deste controle social da Igreja. Será observado também que os
discursos oficiais permaneceram praticamente inalterados, conforme a mais rígida tradição
protestante, porém, que nem sempre é visto dentro das relações sociais.
142
3.1 O QUE DEUS UNIU NÃO SEPARE O HOMEM
Um dos aspectos sociais mais debatidos neste início de século XXI é a definição de
família e quais os “papéis” que devem ser assumidos pelo homem e pela mulher, se é que há
tais papéis. Quando a questão é família e definição de papéis, pode-se dizer que a Igreja
Presbiteriana do Brasil é conservadora. O padrão adotado, ou pelo menos idealizado, no que
se refere à composição familiar, é o que está expresso na Confissão de Fé de Westminster, no
capítulo que trata do matrimônio e do divórcio:
1. O casamento deve ser entre um homem e uma mulher; ao homem
não é lícito ter mais de uma esposa, nem a mulher ter mais de um
marido ao mesmo tempo.
2. O matrimônio foi ordenado para auxílio mútuo de marido e esposa,
para a propagação da raça humana por uma sucessão legítima, e da
Igreja por uma semente santa, e para evitar-se a impureza.
3. A todos os que são capazes de dar consentimento ajuizado, é lícito
casar, mas é dever dos cristãos casar somente no Senhor; portanto, os
que professam a verdadeira religião reformada não devem casar-se
com infiéis, papistas ou outros idólatras; nem devem os piedosos
prender-se a jugo desigual por meio do casamento com os que são
notoriamente ímpios em suas vidas, ou que mantém heresias
perniciosas.
4. Não devem casar-se as pessoas entre as quais existem graus de
consanguinidade ou afinidades proibidos na Palavra de Deus; tais
casamentos incestuosos jamais poderão tornar-se lícitos pelas leis
humanas ou pelo consentimento das partes, de modo a poder viverem
juntas como marido e esposa.
5. O adultério ou a fornicação cometidos depois de um contrato, sendo
descoberto antes do casamento, dá a parte inocente justo motivo para
dissolver o contrato; no caso do adultério depois do casamento, à parte
inocente é lícito propor o divórcio, e, depois de obter o divórcio, casar
com outrem, como se a parte infiel fosse morta.
6. Posto que a corrupção do homem seja tal que o incline a procurar
argumentos a fim de indevidamente separar aqueles que Deus uniu em
matrimônio, contudo nada, senão o adultério, é causa suficiente para
dissolver os laços do matrimônio, a não ser que haja deserção tão
obstinada que não possa ser remediada nem pela Igreja nem pelo
magistrado civil. Para a dissolução do matrimônio é necessário haver
um processo público e regular, não se devendo deixar ao arbítrio e
143
discrição das partes o decidir em caso próprio. (CONFISSÃO DE FÉ
DE WESTMINSTER, CAP. XXIV, Artigos 1-6).
Um caso que exemplifica, pelo menos em tese, que o padrão acima era o pretendido pela
Igreja Presbiteriana de Cuiabá, pode ser encontrado num processo disciplinar movido contra
um presbítero. O motivo alegado era o descaso da sua parte em relação à sua esposa e filhos.
No relatório final, embasando a decisão disciplinar, o Conselho registrou as seguintes
palavras:
O homem é a cabeça da criação, mas a mulher é a corôa. Não foi ella
tirada da sua cabeça, como si houvesse de dominal-o nem dos seus pés
como se houvesse de ser pisada por elle, mas do seu lado para ser sua
igual; de sob o seu braço para ser por elle amparada e protegida; de
junto do seu coração para ser o objecto do seu amor, e o centro dos
seus affectos. A escriptura ensina ainda que os casados devem soffrer
em paciência um do outro as fraquezas a que a humanidade está
sujeita por causa do seu estado decahido e devem animar-se e
caminhar-se em todas as afflicções e desgostos da vida; devem cuidar
um do outro nas doenças e ajudar-se mutuamente pelo trabalho, a fim
de promoverem a felicidade e sustento temporal um do outro; devem
animar-se mutuamente a respeito de todo o que pertence a Deus e as
suas almas immortais, e em todas as circunstâncias devem viver juntos
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 1, Ata de 21 de junho de
1926, fls. 16, verso e 17, frente).
Tal declaração se reveste de especial importância, principalmente se for levado em
consideração a época em que ela foi redigida, na década de 1920, poucos anos depois da
fundação da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Além do que, tal sentença também induz a
investigação sobre a importância da mulher dentro do sistema eclesiástico protestante,
particularmente o da Igreja Presbiteriana do Brasil.
Uma das constatações é de que a mulher participava ativamente nas deliberações da
igreja, como se vê num edital de 1927, onde foi feita uma convocação para eleições internas,
sendo que as mulheres também eram chamadas a este compromisso, como deixa claro o
documento (LIVRO DE ACTAS DA ASSEMBLEIA GERAL DA PRIMEIRA EGREJA
PRESBYTERIANA DE CUYABA, p. 27). O que o torna emblemático este edital é que a
legislação que permitiria o voto feminino só foi sancionada na década de 1930 e ele só se
tornou obrigatório na década seguinte. Logo, apesar de uma postura conservadora quanto ao
casamento, as mulheres tinham importância decisória nos rumos da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá. Inclusive, há registros de mulheres exercendo funções de prestígio na Igreja, como a
144
de tesoureira geral. É o caso da Srta. Maria Helena Barroso na década de 1960 (LIVRO DE
ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, livro 5, Ata 404 de
21 de dezembro de 1964, p. 141, frente).
Ainda hoje as mulheres não são ordenadas a diaconisas, presbíteras ou pastoras na Igreja
Presbiteriana do Brasil. Porém, para esta denominação, isto não significa necessariamente
superioridade do homem em relação à mulher, e sim “atribuições diferentes de funções”. Não
que a ordenação feminina não tenha sido discutida na Igreja Presbiteriana do Brasil. Na sua
Assembleia Geral em 1930 há a decisão de que uma senhora não poderia ser eleita e ordenada
diaconisa, porém, ela poderia ser designada pelo Conselho para assumir cargos piedosos e de
caridade (DIGESTO PRESBITERIANO. AG-1930-037 - Diaconisas). Logo, se houve este
tipo de resolução, é porque o assunto já estava em pauta. Em 1974, outra consulta é realizada
sobre a possibilidade de eleição de diaconisas, e o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana
do Brasil manteve a decisão anterior (DIGESTO PRESBITERIANO 1971-1984 - SC-74-058,
Resolução XXXV).
Para se ter uma noção de que como este assunto divide opiniões dentro da Igreja
Presbiteriana do Brasil, em 2004 foi realizada uma consulta a todos os presbitérios por meio
de carta-voto, onde foi proposta uma emenda à Constituição da Igreja. 105 presbitérios não
encaminharam à resposta; dos 146 presbitérios que encaminharam à resposta, 86 foram
contrários à mudança e 60 favoráveis. Ou seja, os 105 presbitérios que não encaminharam a
sua carta voto, teoricamente poderiam ter mudado a legislação presbiteriana em vigor no
tocante a este assunto (ATA DA TERCEIRA REUNIÃO REGULAR DA REUNIÃO
ORDINÁRIA DA COMISSÃO EXECUTIVA DO SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA
PRESBITERIANA DO BRASIL. Resolução XXIX, CE-SC/IPB – 2004).
No ano passado, em 2014, na sua Reunião Extraordinária, o Supremo Concílio volta a
debater o tema e aprova o relatório de uma Comissão Permanente para tratar especificamente
da ordenação de diaconisas. Esta Comissão entende e relata a favor da manutenção das
decisões anteriores do Supremo Concílio. A argumentação se baseia na inexistência de tal
prática na Bíblia, o que não impede as mulheres de exercerem trabalhos diaconais, ou seja, de
serviço e misericórdia. O parecer da Comissão é de que tal propositura se deve à influência de
outras denominações que são levadas por modismos e deliberam sem uma reflexão bíblica de
maior profundidade. Por fim, reafirma a Comissão nomeada para tratar deste assunto, o
Conselho de cada igreja local tem competência para designar “mulheres piedosas para
145
cuidarem dos enfermos, dos presos, das viúvas e órfãos, dos povos em geral, para alivio dos
que
sofrem”
(ATA
DA
PRIMEIRA
SESSÃO
REGULAR
DA
REUNIÃO
EXTRAORDINÁRIA DO SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO
BRASIL. Resolução XIX, SC-E/IPB-2014).
É instigante também conhecer o que pensa os membros da Igreja Presbiteriana de Cuiabá
sobre a ordenação feminina. Foi perguntado, por escrito, a um grupo de 39 pessoas se ele
concordava com a prática. Foram apresentadas quatro possibilidades de respostas: pastoras,
presbíteras, diaconisas e nenhum. Também foi perguntado, porque, na opinião dos
entrevistados, a Igreja Presbiteriana do Brasil não permitia a ordenação feminina. Todas as
respostas foram dadas por escrito e de modo anônimo. As únicas questões de cunho pessoal
foi o sexo do entrevistado, idade e tempo na Igreja Presbiteriana de Cuiabá.
Dos 39 (18 mulheres/21 homens) entrevistados, 25 (13 mulheres/12 homens) afirmaram
concordar com a ordenação feminina para diaconisa, ou seja, 64%. Do total, 07 (04
mulheres/03 homens) afirmaram concordar com a ordenação feminina para o presbiterato,
cerca de 18% ). Para pastoras 06 (05 mulheres/02 homens), e 13 (05 mulheres/08 homens),
afirmaram não concordar com a ordenação feminina para nenhum ofício dentro da igreja, o
que dá uma proporção de 33%.
Nove dos que responderam contrariamente à ordenação feminina apresentaram
argumentos bíblicos para sustentarem sua opinião. Outra pessoa diz que a mulher não sabe
como administrar e outro entrevistado entende que as situações que são apresentadas no dia a
dia “requerem um perfil e postura mais arrojada e humanista”.
Das entrevistas que afirmaram ser a favor da mulher exercer ofício dentro da Igreja
Presbiteriana do Brasil, acham que isso não ocorre por questões culturais ou pela própria
tradição da Igreja. Há ainda oito pessoas que, mesmo entendendo que não há previsão bíblica
para tal, deveria haver sim, a ordenação feminina. Três pessoas não souberam responder e
uma disse que o que falta é vontade de mudar.
Essa entrevista, muito mais de caráter qualitativo do que quantitativo, reforça a tese que a
membresia de forma geral não acompanha as decisões oficiais da Igreja, pelo menos não no
que se refere às razões destas decisões. Basta observar que somente 23% argumentaram de
modo semelhante à decisão do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil. O que
falta ainda saber é porque um número tão pequeno da membresia da Igreja Presbiteriana de
146
Cuiabá não está a par das decisões da instância máxima do governo da sua denominação.
Seria a falta de identificação denominacional? Pois esta é mais uma das características do
processo de modernização pelo qual vem passando a Igreja.
Enfim, o maior espaço de atuação das mulheres na Igreja Presbiteriana do Brasil é
realizado por meio de uma sociedade feminina que faz parte da estrutura da igreja,
denominada Sociedade Auxiliadora Feminina - SAF. Esta é uma sociedade fortemente ativa
dentro da instituição e de grande mobilidade política, visto que em sua maioria, as igrejas são
compostas majoritariamente por mulheres.
Outra evidência que ressalta as transformações socialmente ocorridas a partir da segunda
metade do século XX e que se refletiu diretamente na composição da membresia da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá está no constante crescimento do número de solteiros e divorciados
em seu quadro. Exemplo disto é a divulgação de um retiro de carnaval intitulado “Grupo dos
Singles”. A propaganda traz a informação de que nos dias 12 a 16 de fevereiro de 1999,
haveria em Nazaré Paulista, cidade do interior de São Paulo, num ambiente de muito verde, ar
puro e lagos numa reserva ecológica, um retiro espiritual para solteiros, divorciados e viúvos
(IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 07 de fevereiro de 1999,
número 1569). Conclui-se que, se havia divulgação de atividades desta natureza é porque
existia demanda.
Quanto à vida sexual, de acordo com a Confissão de Fé de Westminster, adotada pela
Igreja Presbiteriana do Brasil, o casamento deve ser entre um homem e uma mulher, sendo ele
ordenado para auxílio mútuo do marido e esposa e para evitar-se a impureza. Logo, a vida
sexual, segundo estes padrões, deve ser iniciada somente após o casamento e mantida apenas
dentro dele.
No início de sua trajetória, refletindo em parte o contexto social da época, a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá exercia um rigoroso controle no tocante a sexualidade dos fiéis, como
pode se notar no caso transcrito:
Em seguida o pastor disse que o fim daquela reunião da Sessão, era
ouvir o irmão Augusto José de Sant’Anna a respeito das graves
accusações que havia contra elle. Assim, a Sessão havia sido
informada que elle praticara um defloramento na pessoa de sua
cunhada, razão pela qual havia sido preso e processado pela polícia.
Dada a palavra ao accusado para fazer a sua defesa, declarou que de
facto a sua cunhada fora passar uns dias na sua casa, na chácara e que
147
lá fora tentado e cahira com ella em adultério, confessara este peccado
mas affirmava que não era auctor do seu defloramento, pois quando a
sua cunhada foi passar uns dias na sua chácara, já se tinha prostituído
(ATA DA REUNIÃO DA SESSÃO DA 1ª IGREJA
PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, 9 de maio de 1936, p. 12).
Dentro do contexto social da época, até mesmo as relações familiares eram orientadas
eclesiasticamente, servindo inclusive o Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá como um
tribunal para dirimir questões surgidas entre os relacionamentos interpessoais e familiares.
Outro relato exemplifica bem esta prática:
Ficou determinado pelo Conselho em face do estado de saúde da irmã
Alice Moraes de Moura e Silva e dos problemas de harmonia e
ajustamento existentes entre ela e seu esposo, o presbítero José Gomes
da Silva, resolveu que sejam feitas visitas pelos presbíteros ao casal
para prestarem auxílio e cooperação para harmonização do lar
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, livro 5, ata 406 de 18 de janeiro de
1965, p. 151, verso).
Aliás, a instituição familiar tradicional é um modelo adotado e incentivado pela Igreja
Presbiteriana de Cuiabá. Isto pode ser percebido em datas especificamente reservadas para
este fim, como o Primeiro de Maio, quando as famílias da igreja se reuniam e ainda se reúnem
para passar o dia juntas; uma clara valorização da instituição familiar nos moldes tradicionais
e bíblico (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ, Ata 339 de 30 de abril de 1962, p. 39, frente). Outro caso do acompanhamento da
liderança eclesiástica em ambiente familiar pode ser observado a partir da próxima citação:
Após uma oração proferida pelo Rev. Aristóteles, teve inícios os
trabalhos, com a palavra do referido Rev. que abordou inicialmente o
assunto, referente ao procedimento de Ernesto Ury Sancêdo, membro
recente desta Igreja; o referido procedimento é no que diz respeito a
separação da sua família sem motivo que justificasse a tal ato. Diante
da atitude assumida pelo referido membro em falta, não sendo
possível o Conselho chamá-lo a atenção, por ter o mesmo
desaparecido da cidade, imediatamente, após o referido desquite, em
caráter litigioso, levando artigos que estava sob seus cuidados, estando
a polícia em seu encalce. O Conselho no uso de suas atribuições
legais, visando única e exclusivamente, a manter a moralização da
Igreja, resolve eliminá-lo da comunhão da referida entidade (LIVRO
DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ, Livro 6, Ata 457 de 08 de março de 1967, fl. 30, verso.
Grifo meu).
148
Contudo, com o passar dos anos, já no final da década de 1970, a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá começa a lidar com outra realidade social no meio familiar, até então estranha ao
ambiente interno da Igreja. Tratava-se das relações estáveis, vivenciadas por alguns casais.
Segue a transcrição de uma das atas do Conselho:
O pastor apresenta à consideração do Conselho, casos de casais não
casados, e que estão frequentando regularmente à Igreja há mais de
dez anos e com bom testemunho. O Conselho, com base na resolução
do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil em julho de
1976, resolve: que tais casais sejam examinados e se julgados aptos,
sejam recebidos à Comunhão da Igreja (LIVRO DE ATAS DO
CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro
08, Ata 612 de 25 de abril de 1977, fl. 16, frente).
A resolução referida na decisão do Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá é de 1966
e não de 1976. No Supremo Concílio daquele ano foi feita uma consulta sobre a possibilidade
da recepção de membros que não fossem casados, mas que viviam há mais de 15 anos juntos.
Obviamente tratava-se de um caso concreto, porém que serviu de base para a legislação do
assunto por parte da Igreja. A decisão foi que, via de regra, para se tornar membro da Igreja
Presbiteriana do Brasil, os casais deveriam ser civilmente casados, a não ser em casos
especialíssimos, a critério e sob a responsabilidade do Conselho.
Nestes casos especiais, os casais deveriam estar vivendo juntos a mais de dez anos,
desfrutarem de boa reputação, tanto dentro como fora da igreja e deveriam também estar há
pelo
menos
cinco
anos
participando
do
convívio
da
igreja
local
(DIGESTO
PRESBITERIANO 1961-1970. SC-66-086). Também não pode ser omitido que casos
semelhantes a estes se deveu em boa medida ao fato de que a lei 6.515, que regulamentou o
divórcio no Brasil, foi sancionada somente em 26 de dezembro de 1977. Quanto ao divórcio,
o posicionamento da Igreja Presbiteriana do Brasil sempre foi alinhado à da Confissão de Fé
de Westminster. Este é lícito em caso de infidelidade conjugal ou deserção irremediável.
No ano de 1978, esta nova realidade familiar que agora surgia por conta da “lei do
divórcio” foi debatida no Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil. O argumento
para se receber pessoas divorciadas e que contraíram um novo casamento como membros de
uma igreja local era o de “pleno respeito e acatamento às leis brasileiras, bem como a toda
autoridade legalmente constituída”. Contudo, a “cerimônia religiosa”, ou “bênção
matrimonial” seria estendida somente às partes ofendidas, ou seja, aquelas que foram traídas
ou abandonadas (DIGESTO PRESBITERIANO 1971-1984. SC-78-081).
149
Aliás, a sexualidade bem como outros temas ligados à instituição familiar sempre foi um
assunto do interesse da Igreja Presbiteriana do Brasil. Em 1952, A Comissão Executiva
nomeou uma comissão para “estudar o assunto da publicação de um livro sobre educação
sexual
à
altura
das
atuais
necessidades
da
juventude
da
Igreja”
(DIGESTO
PRESBITERIANO 1951-1960. CE-53-117). Para esta tarefa foram escolhidos três nomes que
figuraram entre as maiores personalidades do presbiterianismo nacional: Benjamim Moraes,
José Borges dos Santos Jr. e Boanerges Ribeiro. Basta dizer que os três foram presidentes do
Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil, de grande expressão intelectual e
eclesiástica.
Dentro ainda do âmbito familiar, outro tema que começou a ganhar espaço e atrair a
atenção da Igreja Presbiteriana do Brasil foi o controle de natalidade. Tanto que, o Presbitério
de Campinas, em São Paulo, por três vezes consecutivas (duas em 1957 e uma em 1958)
encaminha à alta direção da Igreja um pedido para que a mesma se posicionasse sobre o
assunto (DIGESTO PRESBITERIANO 1951-1960. SC/058/217, CE 058E/8 e CE 059/080).
Consequentemente, no Supremo Concílio seguinte (1962), a Igreja Presbiteriana do Brasil
delibera sobre o assunto e faz o seguinte pronunciamento:
"Planejamento da Família" ou "Controle de Natalidade" - o SC:
1) Considerando que a família é uma instituição de caráter sagrado,
estabelecida para garantir a preservação da espécie e a felicidade do
gênero humano; 2) Considerando que, na previdência de Deus, o
casamento cristão é uma relação de amor e fidelidade que envolve a
complexa união de um homem e de uma mulher que, em liberdade, se
dão inteiramente um ao outro e que a vida sexual, dentro do
casamento, é uma benção divina para a felicidade do ser humano, não
sendo o ato sexual em si pecaminoso; 3) Considerando que há
situações múltiplas em que o controle de natalidade é exercido
criminosamente, como cobertura de pecado, como, por exemplo,
quando um casal economicamente bem dotado e de boa saúde se
recusa a ter filhos por mero comodismo; 4) Considerando que "os
filhos são herança do Senhor" e que devem sempre ser recebidos com
alegria e não com surpresa indesejável ou como ônus econômico
insuportável; 5) Considerando ainda que os filhos necessitam
encontrar, no seio do lar, pelo menos condições mínimas de sustento,
conforto e educação que garantam o desenvolvimento de todas as
faculdades e talentos que caracterizam a personalidade humana;
RESOLVE: 1º) - Declarar que o casal cristão tem direito de deliberar
quanto ao número de filhos que pretende ter; 2º) - Que esta decisão
seja tomada sob orientação de um guia espiritual e de um médico
cristão competente; 3º) - Que o controle da natalidade por processos
abortivos é pecaminoso por atentar contra uma vida já formada
(DIGESTO PRESBITERIANO 1961-1970. SC-62-192).
150
Pode se perceber nesta resolução que, ao mesmo tempo em que posturas conservadoras
são mantidas, outras podem ser vistas como modernizantes, como é o caso da possibilidade de
um casal poder decidir quantos filhos deseja ter, o que difere da postura da maior vertente
cristã no país, que é o catolicismo46.
Os entrevistados para esta pesquisa foram unânimes quanto ao controle de natalidade. De
acordo com Nadira Bucair, o planejamento familiar ajuda na consolidação da estabilidade do
casal. Segundo Doroty Queiroz Topanoti, um casal deveria ter no máximo três filhos. Esse
pensamento é acompanhado por Fábio de Oliveira Gomes Mota. Segundo ele, que ainda é
solteiro, para ter um filho é “preciso estar bem estruturado” para proporcionar coisas boas
para o filho. No pensamento de Vinícius Rangel Soares Sampaio, a medicina deve ser vista
como uma capacidade que Deus deu ao homem para um viver melhor. Se ela pode ajudar
nesta área da fertilidade e controle de natalidade, ele não vê nenhum problema.
Quando o assunto é aborto, a postura da Igreja Presbiteriana de Cuiabá é tradicional.
Sobre este tema tão polêmico, a Igreja começou a se pronunciar contrariamente a respeito na
década de 1985. O posicionamento deu-se por meio da transcrição de um documento
elaborado por uma instituição médica, redigida nos seguintes termos:
CONTRA O ABORTO. Reunida em Assembleia geral, na cidade de
Lavras, MG, a 08 de julho, a União Médico Hospitalar Evangélica
(UMHE), aprovou um documento contrário ao aborto, “por violentar
os princípios da fé cristã, baseada na Palavra de Deus”. A Declaração
de Lavras, como ficou conhecida, manifesta total repúdio à
legalização do aborto no Brasil e sugere às Igrejas evangélicas que
encaminhem as autoridades competentes solicitação para colocarem
em imediata execução os programas já existentes de profilaxia do
aborto (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Informativo
de 31 de março de 1985, número 962).
Neste mesmo ano, a Igreja Presbiteriana do Brasil também já começava a se debruçar
sobre o assunto. Em sua Reunião Ordinária, a Comissão Executiva da denominação nomeou
uma comissão composta por 02 pastores, 02 médicos e 02 juristas para que elaborassem um
parecer sobre a matéria e que este, após aprovado, fosse divulgado de forma ampla, inclusive
às autoridades políticas (DIGESTO PRESBITERIANO 1985-1992. CE-85-073).
46
O posicionamento oficial da Igreja Católica Apostólica Romana pode ser encontrado na Exortação Apostólica
Familiares Consortio do Papa João Paulo II publicada em 22 de novembro de 1981. Disponível em:
http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/apost_exhortations/documents/hf_jp-ii_exh_19811122_familiarisconsortio.pdf. Acessado em 12/06/2015.
151
No ano seguinte, a Igreja Presbiteriana do Brasil se posicionou oficialmente sobre o
assunto, o que foi feito na assembleia maior da Igreja, que é a reunião do Supremo Concílio.
Nesta reunião ficou decidido que:
1) Considerando que Deus é a Causa primeira de tudo, pois é o
Criador de todas as coisas e principalmente da vida, e continua
criando a cada instante pelo Seu poder; 2) Considerando que Deus não
é apenas transcendente, nem tão pouco um Deus abscôndito
(escondido), porém, o Deus presente que governa e mantém tudo
como quer, provendo a todas as necessidades básicas de seus filhos; 3)
Considerando que Deus, o Todo - Poderoso, é o Único Senhor, e
somente Ele tem direito sobre as nossas vidas; 4) Considerando que,
ao ser formado o ovo (novo ser), este já está com todos os caracteres
de um ser humano; 5) Considerando que existem diferenças marcantes
entre a mulher e o concepto; 6) Considerando que o nascituro tem
direitos assegurados pela Lei Civil brasileira, sendo determinado por
Lei que se nomeie Curador se a mulher enviuvar estando grávida; 7)
Considerando que na lição da doutrina a punição do aborto em suas
três modalidades, - procurado, sofrido e consentido - justifica-se por
importar na extinção de um Ser com Direito à vida e ainda por colocar
em perigo a saúde e até a vida da mãe; 8) Considerando que a morte
do nascituro não irá corrigir os males já causados no estupro, e o
aborto não representa a solução para maternidade ilegítima, pois, a
rigor, não haveria no caso filiação ilegítima, isto porque ilegítimos
seriam os pais e não a criança; Resolve: I - Repudiar a legalização do
aborto, com exceção do aborto terapêutico, quando não há outro meio
de salvar a vida da gestante. Hoje, com o avanço da ciência e técnicas
cirúrgicas, quase nulo; 2) Repudiar anticoncepcionais abortivos. 3)
Conclamar o povo evangélico de um modo geral, principalmente o
presbiteriano, a manter firme nossa linha tradicional, mesmo aqueles
mais abertos, orientada na Palavra daquele que é o Senhor da vida,
Deus, pois, assim fazendo, estamos na linha correta e mantendo uma
sociedade mais saudável, como "sal da terra e luz do mundo" que
somos. 4) Recomendar, que na eventualidade de estupro, a mulher
seja imediatamente objeto de atenção médica [...] (DIGESTO
PRESBITERIANO 1985-1992. SC-86-048 - Sobre controle de
natalidade e métodos contraceptivos).
Ao que parece, a temática do aborto também ocupou a atenção da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá durante algum tempo, visto ter havido inclusive um seminário sobre o assunto
envolvendo profissionais da área jurídica, médica e pastoral (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Boletim Informativo de 02 de maio de 1987, número 1053).
Quanto à prática sexual externa ao matrimônio, esta também foi objeto de análise do
Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, sendo por ele condenada, como se pode notar em
uma de suas atas no ano de 1995:
152
Sob a presidência do Rev. José de B. Cabral iniciou-se os trabalhos
com a leitura dos textos bíblicos em 1 Ts 4.1-8; 2 Pe 2.11; 1 Co 6.1220; Hb 13.4 e Ef 4.17-24. Destes textos abordou o estudo sobre o
comportamento do crente no Senhor Jesus Cristo, quanto as atitudes
da impureza e consequência danosa da sexualidade fora do casamento
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIBÁ, Livro 11, Ata 912 de 03 de outubro
de 1995, fl. 53, verso).
Nota-se, portanto, que em determinados momentos e sobre certos assuntos, a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá buscou se modernizar, enquanto em outros temas, ela manteve-se
conservadora, principalmente em questões familiares e no tocante a sexualidade. Aliás, o
debate sobre a sexualidade começou a ganhar espaço na Igreja Presbiteriana de Cuiabá
principalmente a partir da década de 1980. Temas como homossexualidade, aborto e AIDS
passaram a ocupar rotineiramente os periódicos da igreja, orientando quanto aos princípios
que deveriam nortear os fiéis nestas questões.
Sobre a homossexualidade, resumidamente, o pensamento era de que a prática não é
coerente com o ensinamento bíblico, porém, o indivíduo não pode ser alvo de preconceito ou
discriminação. A primeira menção sobre o assunto ocorreu no Boletim Informativo número
1057, de 31 de maio de 1987. Tratava-se da divulgação e distribuição da revista “Ultimato”
que teve como matéria de capa “A Questão Gay”. A revista “Ultimato” é produzida pela
Editora Ultimato, fundada em 1968 na cidade mineira de Viçosa, por um pastor presbiteriano,
Elben Cézar Lentz. Segundo consta em seu próprio site 47, o objetivo da revista é discutir
temas atuais à luz dos ensinamentos bíblicos e sob uma perspectiva cristã.
Nesta questão, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá se pronuncia antes da própria
denominação. Aliás, o único pronunciamento da Igreja Presbiteriana do Brasil sobre
homossexualidade foi a apreciação de um relatório da capelã do Hospital do Servidor Público
do Estado de São Paulo, Eleny Vassão de Paula Aitken. Ela informa as atividades
desenvolvidas, que entre outras, compreende a orientação e assistência a pessoas acometidas
pela AIDS, produção de literatura específica sobre o tema, conferências e abordagens à
problemas “socio-morais e espirituais, como prostituição, travestismo e homossexualidade”
(DIGESTO PRESBITERIANO 1985-1992. CE-92-045. Doc. XI).
Alguns anos depois, mais especificamente em 1994, o Boletim Informativo, número 1347
de 08 de maio, traz uma longa reflexão sobre a sexualidade, produzida pelo teólogo e escritor
47
Disponível em: http://www.ultimato.com.br/quem-somos. Acessado em 14/07/2015.
153
anglicano John Robert Walmsley Stott, intitulada “Falemos sobre sexo”. Stott nasceu em
Londres em 1921 e faleceu em 2011, aos 90 anos de idade. Reconhecido mundialmente no
círculo cristão, foi considerado pela revista Time, em 2005, como uma das 100 pessoas mais
influentes do mundo48.
Em seu artigo, Stott salienta, em primeiro lugar, que os cristãos deveriam ter uma atitude
mais positiva sobre o sexo, pois a Bíblia não silencia sobre o assunto. Pelo contrário, ela
apresenta lições claras, objetivas e práticas sobre o tema. Tendo como ponto de partida o texto
bíblico de Gênesis 2.24 que diz que o homem deve deixar seu pai e sua mãe e se unir à sua
mulher, tornando-se os dois uma só carne, o teólogo britânico sumaria o que pode ser
considerado como a interpretação adotada pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá quanto à
sexualidade. As implicações da definição bíblica de casamento são cinco. Segundo elas, o
casamento deve ser:
1 – Monogâmico – entre um homem e uma mulher; 2 –
Heterossexual – o homem... e sua mulher; 3 – Publicamente
reconhecido – deixar o pai e a mãe significa uma ocasião social,
pública; 4 – Consumado em união sexual – tornando-se os dois uma
só carne; e 5 – Para toda a vida – ninguém o separe. [...] Essa união é
proibida em qualquer outro contexto: fornicação (sexo entre pessoas
solteiras), adultério (sexo entre uma pessoa casada com outra que não
seja seu cônjuge) e parcerias homossexuais (uniões do mesmo sexo
nunca podem ser encaradas como alternativas legítimas). É necessário,
porém, enfatizar que a atitude primária do cristão em relação ao sexo é
positiva (dentro do casamento). As restrições são designadas
principalmente para proteger os esposos no casamento.
Tais considerações refletem a constatação feita por Weber de que as religiões proféticas
“regulamentavam, quase sem exceção importante, as relações sexuais em favor do
matrimônio” (1982, p. 394). Tal é o caso do protestantismo.
Em 2001, novamente há um longo texto sobre o tema da homossexualidade. Desta vez no
Boletim Informativo número 1693 de 01 de julho. Com o tema “Homossexualismo e a
Igreja”, o Boletim discute a matéria divulgada pela revista Isto É, sobre a ordenação de gays e
lésbicas por parta da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos (PCUSA), a mesma mencionada
na introdução deste trabalho.
48
Disponível em: http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1972656_1972717_1974108,
00.html. Acessado em 20/08/2014.
154
A Igreja Presbiteriana de Cuiabá relembra que a Igreja Presbiteriana do Brasil já havia
rompido relações eclesiásticas com esta
denominação norte-americana por seus
posicionamentos liberais. Quanto à prática homossexual, traz o Boletim Informativo que a
Igreja Presbiteriana de Cuiabá reconhece apenas “o relacionamento entre homem e mulher,
sob a bênção e proteção do casamento”, pois, “qualquer outro relacionamento é e sempre será
tido pelas Escrituras como fora do propósito de Deus, portanto pecaminoso”. No entanto,
termina o artigo com a seguinte reflexão:
A prática homossexual é condenada na Palavra de Deus (1 Coríntios
6.9), é pecado; mas o homossexual é gente e deve ser tratado como
gente. O que ele precisa não é de rejeição, mas de ajuda. Por outro
lado a igreja não pode confundir ajudar a pessoa com aceitar os
desvios dela. Os desvios devem ser corrigidos com a graça de Deus no
poder do Evangelho, a pessoa deve ser aceita e amada com
misericórdia.
Nesta lógica de argumentação, a homossexualidade continua sendo debatida dentro da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá buscando sempre se pautar por duas balizas: de um lado a
rejeição à prática homossexual e do outro a aceitação e amor ao indivíduo, ainda que não se
concorde com seu estilo de vida. Exemplo disto são as matérias dos Boletins Informativos
números 1797 e 1798, de 29 de junho e 06 de julho de 2003, respectivamente. Os títulos dos
boletins são: “A igreja e os homossexuais: da omissão à compaixão”. Cabe aqui observar que
considerações como essas evidenciam a profunda tensão existente “a maior força irracional da
vida” que é o amor sexual e a “ética fraternal da religião”, principalmente pelo fato de que a
valorização da castidade a sexualidade passou a ser “facilmente considerada como
especificamente dominada pelos demônios” (WEBER, 1982, p. 393).
Emblemática também é a programação promovida pelos jovens da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá no dia 08 de maio de 2009. O convite trazia a seguinte informação: “Testemunho do
ex-travesti Joide Miranda. Venha ser impactado com o poder de Deus, que salva, cura e
transforma o homem” (Boletim Informativo de 03 de maio de 2009, número 2100). Enfim, o
posicionamento da Igreja Presbiteriana de Cuiabá quanto às questões étnicas e de gênero,
pode ser sintetizado com o título de outra reportagem da revista Ultimato, adaptada para o
Boletim Informativo, número 1951 de 09 de julho de 2006: “Nos braços amorosos de Deus
cabem brancos e negros, gays e lésbicas, George Bush e Bin Laden”.
As questões políticas envolvendo o debate homossexual também foram objetos de análise
e posicionamento da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. A primeira manifestação ocorreu em 06
155
de janeiro de 2008, por meio do Boletim Informativo, número 2032. Com o título “Brasil:
liberdade religiosa em risco”, o boletim discutia os Projetos de Leis 122/06 no Senado e
6418/2005 na Câmara Federal. Segundo o redator do Boletim Informativo da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, os projetos que propõem “evitar o preconceito, também possuem
regras para silenciar e censurar a pregação da Bíblia Sagrada”.
Outra comunicação a respeito da mesma temática, envolvendo a esfera política, ocorreu
no Boletim Informativo, número 2056 de 22 de junho de 2008. No artigo “O movimento gay
e o governo”, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá se posiciona contra a iniciativa e o patrocínio
por parte do Governo Federal da Conferência Nacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais,
Travestis e Transexuais. Conclui o artigo:
[...] os meios de comunicação e, agora, os governantes insistem em
incutir em nossas mentes que a homossexualidade é algo normal,
natural. Entretanto, esta atitude é um desrespeito à família e,
principalmente, aos princípios de Deus e Sua Palavra. Estamos cientes
de que Deus odeia o pecado, mas ama o pecador. E nós também
queremos a salvação e também a transformação dos que são escravos
dos pecados sexuais. Admiti-los como normal, no entanto, seria outra
forma de pecado contra o Deus santo.
Ainda em 2008, que parece ter sido o ano em que a questão da homossexualidade foi
mais debatida, outro pronunciamento da Igreja Presbiteriana de Cuiabá foi divulgado. Mesmo
que seja um pouco extenso, a sua transcrição é válida, pois se trata do último sobre a temática,
que ainda continua em voga.
QUANTO À HOMOFOBIA. O projeto de lei tão defendido pelo
nosso governo é extremamente ideológico. É hostil à família, à igreja
e a quem pense o contrário. Seus defensores falam em preconceito,
mas são extremamente preconceituosos com quem pensa diferente. É
uma proposta para amordaçar os bons costumes e as liberdades
individuais. Aprovada essa lei não será permitido pensar sobre o
assunto, muito menos falar. É absurdo porque fere o princípio
constitucional e a liberdade individual de pensar e opinar. É uma
proposta carregada de ódio contra a heterossexualidade. Ao mesmo
tempo repudiamos qualquer forma de violência contra o ser humano
criado à imagem de Deus, o que inclui homossexuais e quaisquer
outros cidadãos. [...] Qualquer pessoa que luta contra o
homossexualismo deveria encontrar na igreja um abrigo, um refúgio,
um apoio. Esse pecado é grave, mas não menos do que adultério,
desonestidade financeira, corrupção, imoralidade, e tantos outros
pecados cortejados e praticados. [...] Rejeitamos o projeto de lei contra
a homofobia por ser anti-bíblico e inconstitucional. Mas também
rejeitamos a atitude medíocre dos que se sentem melhores que os
156
homossexuais, mas encontram-se sujos aos olhos dAquele que vê
tudo, sem ficar nada de fora (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Boletim Informativo de 31 de agosto de 2008, número
2066).
Com estas palavras, a Igreja Presbiteriana busca uma posição em que ao mesmo tempo
seja contra a prática homossexual, porém sem discriminar o homossexual. Por um lado
respeita a liberdade individual, mas também quer ter a mesma liberdade para ser contrária e
manifestar aquilo que defende.
Outro tema também que toca diretamente a esfera sexual, ainda que não restrito por esta,
é a AIDS. Divulgada pelos meios de comunicação, principalmente a partir do início da década
de 1980, ela ocupou um bom espaço no Boletim Informativo Dominical da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá. A primeira menção foi feita em 01 de novembro de 1987, no Boletim
Informativo número 1072. Tratava-se do convite para uma palestra que seria ministrada por
um dos pastores da igreja, Sérgio Paulo Ribeiro Lyra.
Algum tempo depois, já em 1991, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá se põe como portadora
de uma missão quanto à AIDS. A partir do questionamento “Qual a missão da igreja frente à
AIDS?”. A igreja se pronuncia, porém ainda ecoando a ideia de que a síndrome era
consequência direta de “comportamentos sexuais inadequados”, expressando o conceito de
“grupos de risco”. “Nós conhecemos o único meio pelo qual as pessoas que viveram nestes
maus hábitos (prostituição, homossexualismo, travestismo e drogas) podem ser perdoadas e
transformadas, começando uma vida nova: JESUS”. Continua o artigo dizendo que “informar,
amar, evangelizar e consolar, são maneiras pelas quais a igreja confirma ser a luz do mundo e
o sal da terra”. Após condenar o preconceito, o individualismo e a indiferença, o articulista dá
a seguinte resposta à pergunta sobre qual seria a missão da igreja: “amar, evangelizar,
socorrer o necessitado, receber o estrangeiro e consolar os abatidos” (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 10 de novembro de 1991, número
1240).
O engajamento da Igreja Presbiteriana de Cuiabá no combate à AIDS é refletido na
convocação de todos os adolescentes e jovens da igreja para participarem da elaboração do 1º
comercial evangélico para a “Campanha contra AIDS” (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ, Boletim Informativo de 23 de maio de 1993, número de 1993). No entanto, o que
se percebe com o tempo, é que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá também passa a ter uma
157
postura mais crítica das políticas públicas no combate à AIDS. É o que pode ser visto no
Boletim Informativo de 1994.
Neste periódico, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá endossa a opinião de que simplesmente
o incentivo do uso de preservativos e seringas descartáveis não resolve o problema, pois a
questão principal está no estilo de vida adotado pelo indivíduo, uma vez que ao mesmo tempo
a mídia ressalta a importância da preservação pessoal, incentiva hábitos promíscuos. A
proposta é que se busque alternativa educativa que leve em conta “a dignidade do corpo e a
santidade de vida num contexto de solidariedade”, o que requer responsabilidade pessoal e
coletiva. Transcrevendo parte da Declaração do Congresso de São Paulo, reproduzido na
Revista Ultimato de abril de 1994, o Boletim Informativo da Igreja Presbiteriana de Cuiabá
conclui:
[...] conclamamos cada igreja local a encarar prontamente esses
desafios, criando ou apoiando serviços de educação e socorro. As
marcas da Pastoral da saúde deverão ser caracterizadas por
intervenção rápida, posturas e atitudes compassivas de aceitação e não
condenação e sem proselitismo, mas que explicite o caminho para
Deus para a transformação de vidas. Destacamos a necessidade de
aprendizado de hábitos salutares de convivência e sexualidade, o
fortalecimento de vínculos familiares e solidariedade com os semfamília. Educar com informações científicas e bíblicas a todos os
grupos sociais e faixas etárias, incluindo-se crianças. Capacitação de
agentes pastorais e terapêuticos de caráter multidisciplinar. Para isto
convocamos os profissionais da área da saúde e educação para
atenderem ao chamado do Senhor Jesus que nos encaminha aos
necessitados (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 23 de abril de 1994, número 1345).
Este assunto também foi tema das entrevistas. Foi perguntado sobre o casamento entre
pessoas do mesmo sexo, homossexualidade e travestismo. Todos os entrevistados seguem a
mesma orientação da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. São contra a prática homossexual, mas
afirmam ter respeito pelo próximo, como uma pessoa que também é criada à imagem e
semelhança de Deus, porém que se encontra em pecado e precisa da mensagem de salvação.
Dona Nadira entende que “Deus fez o homem e a mulher” e que ele “mandou multiplicar os
seres na terra”. Logo, como dois homens ou duas mulheres vão cumprir este papel sozinhos?
No entanto, ela continua afirmando que ao encontrar amigos que são homossexuais os
trata sem nenhum preconceito: “cumprimenta, abraça e beija”. Quando o assunto é
travestismo, ela revela ter havido um caso assim em sua família. Em sua opinião, a vida deles
158
é sofrida e diz ter piedade deles. Continua em sua entrevista: “Esses dias eu passei ali perto da
Igreja, aquela Igreja ali, aquela bonita, do Colégio dos Padres. Tinha uns ali, só de biquininho,
seminu. Eu falo: Senhor, tenha piedade desse povo. Aí qualquer carro que passa eles entram,
vão fazer suas orgias, né, suas noitadas lá. E amanhã?”
A entrevistada Doroty também afirma ter um caso assim na família. Ela se pergunta:
“Porque ele fez isso?”. Ela mesma responde: “Ele reclama muito das dores da vida”. Enfim,
conclui: “Prá mim ele é uma pessoa sofrida, carente e precisa de Deus também”.
Fábio Mota fala de uma atividade evangelística que foi feita pelos jovens da igreja no Km
Zero, em Várzea Grande, típico ponto de prostituição da região. Sobre esta experiência, conta
o entrevistado que os travestis falavam sobre os pais e os problemas de relacionamentos com
eles (entenda-se pais no gênero masculino). Muitos, segundo Fábio, estavam ali para mostrar
que conseguiriam ter independência. O entrevistado também comenta que era perguntado a
estes travestis se eles eram felizes, e eles afirmavam que não. Em sua opinião, a igreja deveria
aprender a acolher estas pessoas.
Como já afirmado, no tocante a temas familiares, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá ainda
mantém uma postura conservadora. Porém, o seu desafio é exercer o discurso da compaixão
dissociado do preconceito, ao mesmo tempo preservar os seus valores, sem ser
discriminatória. Porém, outros aspectos da conduta social são também um desafio para a
Igreja Presbiteriana de Cuiabá, uma comunidade tradicional do início do século XX. Assuntos
estes do próximo tópico.
3.2 CARTA ABERTA DIANTE DOS HOMENS
Foi o apóstolo Paulo quem definiu os cristãos como “uma carta aberta diante dos
homens” e que, por isso, pode ser lida por todos. Este subtópico traz este título por dois
motivos: o primeiro é que o movimento evangélico começa a estabelecer com a mídia e o
marketing uma relação muito mais próxima, usando todos os meios de divulgação possíveis
para se fazer presente, inclusive passando a ostentar o nome de figuras públicas como
propaganda de suas igrejas. Em segundo lugar, porque alguns temas em debate no cenário
nacional começam a demandar um posicionamento público por parte das igrejas evangélicas.
159
Pelo menos em tese, o cristianismo tem a responsabilidade de assegurar uma boa
reputação diante da sociedade em geral. Isto porque ele se coloca como um paradigma a ser
seguido e também como um propagador de conduta social. O objetivo deste tópico será traçar
quais foram as estratégias estabelecidas pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá para fazer a si
mesmo conhecida e respeitada.
Num primeiro momento, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá buscou o seu reconhecimento
social por meio da estrita observação da conduta diária dos seus membros. Contudo, com o
passar do tempo, houve um arrefecimento no controle social dos seus quadros e isso por
alguns motivos: primeiro, o próprio tamanho da igreja na transição do século XX para o XXI
em comparação com as décadas anteriores; em segundo lugar, como já afirmado
anteriormente, a particularização e privatização da vida social; por fim, a própria estrutura
social urbana neste início do terceiro milênio que dificulta o exercício de um controle maior
sobre a vida dos fiéis de uma igreja.
Contudo, no início do século passado, essa dinâmica era eficiente, como pode ser visto no
relatório de Augusto José de Araújo, pastor da Igreja Presbiteriana de Cuiabá entre as décadas
de 1930 e 1940. Segue relato do referido pastor:
Registro do ato de disciplina aplicado ao membro da Igreja Miguel
Egídio da Silva Paes, a 23 de julho de 1938 em Coxipó do Ouro.
Tendo sido informado da conduta repreensível e anti-cristã do
membro professo Miguel Egídio da Silva Paes, residente em Coxipó
do Ouro, para lá me dirigi no dia 22 de julho de 1939. Conversando
com o Sr. Miguel no dia seguinte, domingo, em casa do seu cunhado
João Pedro de Amorim e irmã Anita Paes de Amorim, membros da
Igreja, às onze e meia horas da manhã, a respeito de todas as
informações, digo, acusações que havia contra êle, e dando-lhe a
oportunidade de se defender, conforme a Constituição, Art. 160,
confessou que realmente todas as acusações eram verdadeiras, pois
tem dançado em reuniões profanas, bebido bebidas alcólicas e se
ausentado dos cultos da Congregação. Exortado a que puzesse a sua
vida em conformidade com o Evangelho, não manifestou nenhum
sinal de arrependimento; e tendo nos separado o Sr. Miguel foi para
um baile onde passou dançando o resto do dia. Mediante estes fatos e
a sua confissão de pecado, sem manifestação de arrependimento, e a
sua conduta atual, resolvi, agindo como ministro evangelista excluir o
Snr. Miguel Egídio da Silva Paes, desligando-o de membro da Igreja,
(de acordo com a Constituição, artigo 53, letra c), publicamente às
vinte horas no culto da noite, a sua sentença. Outrossim, exortei a
todos os irmãos que se achavam presentes a não ter comunhão com o
Sr. Miguel a fim de que se envergonhasse, todavia não o tratassem
como inimigo, mas o admoestassem sempre como se fosse irmão e se
160
esforçassem por trazê-lo outra vez arrependido à comunhão da Igreja.
Augusto José de Araújo (ATA DA REUNIÃO DA SESSÃO DA 1ª
IGREJA PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, 9 de maio de 1936, pp.
34-35).
A partir deste relatório, algumas observações podem ser feitas: 1) O caráter de urgência
dada a tais situações; 2) a preocupação com a legalidade da advertência, segundo a
Constituição da Igreja Presbiteriana do Brasil; 3) a publicidade da sentença, o que certamente
impingia sobre os demais membros da Igreja o cuidado para que não incorressem em práticas
semelhantes; 4) a advertência aos membros da congregação a que não mantivessem relações
sociais com o “culpado”, mas que não o tratassem como “inimigo”. Enfim, pode-se afirmar
também diante dessa narrativa, que grande parte do esforço e energia da liderança da igreja
eram canalizados para manter a comunidade dentro do padrão exigido e corrigir
exemplarmente os faltosos.
Sobre este controle social entre o grupo protestante, deve-se notar também que até as
práticas que contrariassem os costumes sociais vigentes, se tornavam alvos daquelas censuras.
Um caso que ilustra esta observação pode ser visto na apuração de uma denúncia feita contra
um membro da Igreja por se envolver numa recreação considerada ilegal na época. Nas atas
do Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá lemos que:
[...] tendo sido apresentado denuncia de ter, o irmão Pedro Xavier da
Silva sido preso por estar, com outros companheiros jogando bocha,
contrariando as disposições policiais que condenam esse jogo,
resolveu o Conselho intimar o referido irmão Pedro Xavier da Silva
para se defender da acusação que lhe foi feita (ATA DA 19ª
REUNIÃO
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
CRISTÃ
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, de 06 de julho de 1941, p. 89).
Semelhantemente, os litígios familiares eram em alguma medida também tutelados pela
liderança da igreja, uma vez que essas divergências eram facilmente observadas por toda uma
vizinhança que em sua maioria absoluta não era protestante. Como se tratava de um novo
seguimento religioso em Cuiabá, a “boa conduta”, obviamente, seria uma das melhores
estratégias de divulgação do protestantismo, como pode ser observado no caso a seguir
transcrito:
Compareceram a reunião do Conselho os irmãos49 Paulo Fernando
Brenta e Janina Brenta e interrogados a cerca das tres acuzações que
49
Paulo e Janina não eram irmãos de sangue e sim, marido e mulher. O termo “irmãos” é apenas uma forma de
se dirigir a pessoas que pertençam à mesma fraternidade cristã.
161
lhe foram feitas por D. Aurora Brenta e Janina Brenta sendo a 1ª que o
seu filho Paulo lhe havia enchotada para fora da sua casa; 2ª que esses
mesmos havia desfeitiada e a 3ª que os irmãos havia se apropriado
indevidamente de galinhas do seus visinhos comendo-as. Os irmãos
interrogados sobre estas tres acuzações responderam negativamente;
quanto a primeira acusação; afirmando que não enchotaram a sua mãe
para fora da sua residencia e sim que ela mesma querendo se retirar do
seu lar eles não se opuzeram a que ela se retirasse da sua casa; quanto
a segunda acuzação, respondeu o irmão Paulo que de fato a irmã
Janina devolveu a sua sogra os presentes, por ter a D. Aurora por
motivos futeis e trocas de palavras, motivado pela incompatibilidade
de genios existentes entre as mesmas e haver essa procurado humilhar
a irmã Janina, jogando-lhe no rosto, diante de pessoas estranhas a
família os brindes que lhes havia dado; quanto a 3ª acuzação, negaram
haver praticado aquele ato. O Conselho tendo chegado a conclusão
que o irmão Paulo Fernando Brenta tem sido como chefe de familia
um tanto flexível nos seus atos, e que a irmã Janina, do contrário,
abrogou os deveres de chefe do lar anulando por completo a
autoridade de seu esposo, contrariando por completo os ensinos dos
evangelhos na parte concernente aos deveres da esposa no lar cristão;
Resolveu: manifestar o seu completo desagrado e reprovar a todas
aquelas atitudes de falta de amor cristão no lar dos irmãos (ATA DA
36ª REUNIÃO DO CONSELHO DA IGREJA CRISTÃ
PRESBITERIANA DE CUIABÁ em 24 de abril de 1943, pp. 135136).
Outro exemplo de que como as questões familiares eram acompanhadas bem de perto
também pode ser vista abaixo:
Relatório: Tendo sido designado pelo Pastor, a fim de proceder uma
sindicância para apurar fatos relacionados com a vida social de nossa
irmã Sebastiana Ferreira da Silva, o presbítero Antônio Maria de
Mesquita apresentou o seguinte relatório: Vive aquela irmã atualmente
morando sozinha sem a companhia de seu esposo; ter-se dado ao vício
da embriaguez, praticando ainda outros atos que depõe contra as
normas da vida cristã; esta após as observações feitas por aquele
presbítero, na qual mostrou-lhe os erros que vem praticando, prometeu
que em breve estará em companhia de seu esposo, e espera normalizar
a sua vida e deixar os vícios (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Ata 125 de 02 de outubro
de 1952, p. 72).
Neste relatório se percebe que o cuidado e vigilância não eram apenas responsabilidades
pessoais do pastor, pois presbíteros ou anciãos da igreja também exerciam esse papel. Aliás,
ao se fazer uma leitura geral de todos os casos disciplinares, nota-se que havia um controle
exercido pelo grupo de fiéis como um todo, pois muitas averiguações por parte do Conselho
eram feitas a partir de denúncias dos próprios membros da comunidade. Em continuidade a
162
este relatório, pode ser observado também que não somente o ambiente familiar era tutelado,
mas o ambiente de trabalho também. Ou seja, as relações sociais deveriam expressar ao
máximo à profissão de fé que era feita na igreja. Segue ainda o mesmo relatório informando
que:
[...] o Conselho resolveu convocar o irmão Izaias Ferreira da Silva,
para esclarecer os fatos relacionados com o crime que cometeu na
cidade de Cáceres, quando militar, servindo na Unidade do Exército
aquartelado naquela cidade, e do qual lhe resultou a condenação de 14
meses de reclusão (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Ata 125 de 02 de outubro de 1952,
p. 72).
Esta forma de agir da direção da Igreja Presbiteriana de Cuiabá apenas refletia a
orientação da própria igreja nacional. Em 1900, quando o Supremo Concílio ainda era
designado como Assembleia Geral, a orientação era para que todos os obreiros combatessem
com “insistência os vícios, os exageros da moda e tudo quanto rebaixe o nível de
espiritualidade”.
De um modo específico, quanto ao uso de bebidas alcoólicas, a recomendação era para
que os membros da Igreja se esforçassem para “abandonar o uso, mesmo moderado, de todas
as bebidas alcoólicas, exceto remédios”. E mais, para aqueles que trabalhavam na fabricação
ou negociação de bebidas alcoólicas, eram orientados a “deixar esse ramo de negócio ou meio
de vida, a fim de não concorrerem, nem direta, nem indiretamente para a ruína do corpo e da
alma de seus semelhantes”.
Em 1936, a Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana do Brasil declara que “tudo o que
destrói o corpo, que é o Templo do Espírito Santo, é pecado e deve ser evitado”. Porém, o
mesmo concílio também afirma que “reconhece que a Igreja é constituída de crentes que estão
caminhando em santificação, uns mais e outros menos, devendo os conselhos esforçarem-se
por conseguir o melhoramento espiritual de maneira amistosa e fraternal” (DIGESTO
PRESBITERIANO 1951-1960. AG – 1900-021).
Pelo que consta, a preocupação com os chamados “vícios sociais” era um tema recorrente
no âmbito conciliar da Igreja Presbiteriana do Brasil. Em 1951, reunido o Supremo Concílio,
a determinação era para que os concílios inferiores intensificasse a campanha contra o “vício
de fumar e aos demais vícios sociais”. Também ficou determinado nesta reunião que se
pedisse aos “ministros e oficiais que fumam que, por amor a Igreja e respeito à consciência de
163
seus irmãos mais jovens, deixar de fumar”. Por fim, também ficou decidido que não fossem
ordenados
ministros,
presbíteros
ou
diáconos
pessoas
que
fumem
(DIGESTO
PRESBITERIANO 1951-1960. SC-051-015).
Cerca de sete anos depois, em 1958, o Supremo Concílio novamente recomenda às
igrejas “que intensifiquem a campanha educativa contra o vício de fumar, como uma prática
prejudicial à saúde e ao bom testemunho da fé evangélica” (DIGESTO PRESBITERIANO
1951-1960. SC-58-137. Negrito meu).
Em 1962, o Supremo Concílio entendeu que havia exagero e exibição de modas, e que as
igrejas locais deviam ser orientadas “sobre o decoro no uso dos costumes e das modas”
(DIGESTO PRESBITERIANO 1961-1970. SC-62-016). Importante salientar, mais uma vez,
que essa foi a década do “rock and roll”, de Elvis Presley, Beatles, Jovem-Guarda, da
minissaia, do festival de “Woodstok Music & Art Afair”, da ida do homem à lua, da geração
pacifista na Europa e nos Estados Unidos, da Ditadura Militar no Brasil, da contestação e do
psicodelismo. Tal contexto levava certamente a Igreja à lidar com esse espírito de
contestação, principalmente entre os jovens
Na década seguinte, o tema dos “vícios sociais” vem novamente à tona e a Igreja
Presbiteriana do Brasil faz o seguinte pronunciamento:
Considerando que: 1) A Igreja Presbiteriana do Brasil, defende e
prega a aplicação integral dos princípios que a Bíblia contém, visando
à edificação dos crentes; 2) Os vícios sociais, tais como o fumo, o
álcool, o jogo, inclusive a loteria esportiva, e também, a frequência a
bailes, reconhecidamente contribuem para a deterioração da pessoa
humana, cristã ou não; 3) É dever das igrejas, lutar por todos os meios
e modos, continuamente contra vícios; O Supremo Concílio resolve:
Recomendar vigilância redobrada, em todos os seus concílios,
instituições e igrejas contra os males acima referidos (DIGESTO
PRESBITERIANO 1971-1984. CE-74E2-010).
Somente mais de três décadas depois, em 2007, a Igreja Presbiteriana do Brasil faz outro
pronunciamento quanto a práticas sociais que ela julga nociva a sociedade. A resolução foi
motivada por um documento enviado do Presbitério das Alterosas, sediado em Belo
Horizonte/MG. Em seu documento, o Presbitério alega que a “sociedade brasileira está sendo
marcada com fatos e agentes, públicos ou privados, que vêm sendo instrumentos da
decadência moral do nosso povo, com influências notórias no meio do povo de Deus”. O
documento alude especificamente ao programa da TV Globo, Big Brother Brasil, afirmando
164
que este trás influência perniciosa sobre os lares do Brasil. Acrescenta ainda que os meios de
comunicação tem sido “agudos corruptores dos bons hábitos e da moralidade prescrita na
Sagrada Escritura”.
Em resposta a este documento, o Supremo Concílio resolveu que a Igreja Presbiteriana do
Brasil deveria elaborar uma pastoral de orientação aos fiéis sobre o tema e pronunciar-se ao
Governo Federal por meio de suas instâncias competentes (ATA DA QUINTA SESSEÃO
REGULAR DA REUNIÃO ORDINÁRIA DA COMISSÃO EXECUTIVA DO SUPREMO
CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL – 2007 – DOC. CCXXI)50.
A última deliberação da Igreja Presbiteriana do Brasil a respeito de práticas sociais,
inclusive algumas bem contemporâneas, seu deu na Reunião Extraordinária do Supremo
Concílio em 2010. A discussão foi originada a partir de uma consulta realizada pelo
Presbitério de Governador Valadares, Minas Gerais. Neste documento é feita a referência ao
uso de bebidas alcoólicas, tabagismo, tatuagem, piercings e participação em festas com
danças, consideradas mundanas, por membros e até mesmo por pastores e oficiais das igrejas
locais51.
Sobre esta consulta, o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil faz algumas
considerações. Primeiramente, é consenso de que não se pode exigir dos membros de uma
igreja aquilo que não está exigido na Bíblia, e fazendo uso de uma frase do apóstolo Paulo,
enfatiza: “tudo é lícito, mas nem tudo é conveniente”. Também é solicitada a moderação nos
usos e costumes por parte dos membros das igrejas, e que é característico do amor levar em
consideração à consciência dos mais fracos no uso da liberdade pessoal. Outra observação, é
que a Igreja deve atentar para os “aspectos culturais da sociedade na qual está inserida, a fim
de testemunhar eficazmente o evangelho de Cristo, sendo cuidadosa tanto com a forma quanto
com o conteúdo de seu discurso e prática”. O Supremo Concílio também afirma que tudo o
que destrói o corpo, que é o Templo do Espírito Santo, é pecado e deve ser evitado. No
tocante a esta matéria, as decisões anteriores são reafirmadas e os conselhos de cada igreja,
bem como seus pastores, são instados a cuidarem individualmente destes casos com todo
amor e cuidado pastoral, a fim de que o uso da liberdade cristã não seja motivo para o pecado
(ATA DA SEGUNDA SESSÃO REGULAR DA REUNIÃO EXTRAORDINÁRIA DO
50
Disponível em: http://www.executivaipb.com.br/site/atas/CE/Ata_CE_2007.pdf. Acessado em 15/06/2015.
Disponível em: http://www.executivaipb.com.br/Atas_CE_SC/SC-E/SC-E%202010/doc25_087.pdf. Acessado
em 15/06/2015.
51
165
SUPREMO CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. SC 2010E –
LXXIV)52.
No entanto, com o passar do tempo e à medida que se aproximava o fim do século XX, se
tornou cada vez mais difícil cumprir as deliberações do órgão maior da Igreja Presbiteriana do
Brasil. A publicidade da Igreja Presbiteriana de Cuiabá começava a migrar da
responsabilidade individual e comportamental e se tornava cada vez mais institucional. Ou
seja, o “bom nome” individual, recomendado principalmente pela abstenção aos “vícios
sociais”, começa a ceder lugar ao marketing e a divulgação especializada. E é exatamente
neste ponto que pode ser observada outra contradição entre os princípios fundamentais do
presbiterianismo e a prática adotada pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá, principalmente nesta
última virada de século.
Siepierski ressalta a ideia de que toda a religião tem o seu componente de espetáculo ou
teatralidade. Porém, “com a multiplicação e difusão dos meios de comunicação,
principalmente os eletrônicos, [...] os recursos espetaculares à disposição da religião se
renovaram” (2001, p. 172). Foi exatamente o que passou a acontecer na Igreja Presbiteriana
de Cuiabá quando esta passou a usar esses recursos de divulgação com maior assiduidade. A
atenção que era dada à conduta individual dos membros como forma de manter uma boa
imagem diante da sociedade cuiabana, cedeu espaço - ainda que transitoriamente - a
atividades assistenciais e educacionais e finalmente às estratégias de marketing como forma
de divulgação.
Numa certa medida, o protestantismo sempre se esforçou para se fazer presente na
sociedade que o cerca por meio do seu envolvimento em atividades educacionais e
assistenciais. Respeitando esta tradição, o presbiterianismo instalado no início do século
passado em Cuiabá também investiu nestas demandas. Aliás, o próprio Colégio Buriti,
fundado em 1923, na Chapada dos Guimarães, é resultado desta tônica53.
Quanto ao trabalho assistencial, ao se reconstruir a trajetória da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá, observa-se que ela não fugiria a regra, pelo menos nas intenções manifestas. O
52
Disponível em: http://www.executivaipb.com.br/site/atas/SC-E/Ata_SC-E_2010.pdf. Acessado em
15/06/2015.
53
Sobre o Colégio Buriti, veja-se a Dissertação de Mestrado em Educação, Entre o evangelho e o ensino: o
colégio presbiteriano de Buriti (1923-1964), defendida por Lucas Paulo de Freitas em 2013 no Instituto de
Educação na Universidade Federal de Mato Grosso. Disponível em: http://www.ie.ufmt.br/ppge/dissertacoes/ind
ex.php?autor_nome=lucas&ano_base=&palavra_chave=&orientador=. Acessado em 16/06/2015.
166
primeiro registro de uma iniciativa solidária foi feito nove anos após a organização da Igreja,
ou seja, 1929. Numa das reuniões da Mesa Administrativa ficou decidido que:
[...] se remettesse á Comissão Norte Americana incumbida de levantar
fundos para socorrer a classe pobre da China que luta com
difficuldades para sua alimentação, por intermédio do nosso irmão
Erasmo Braga, residente no Rio de Janeiro, a quantia de 85#000
(oitenta e cinco mil reis) sendo 55$000 levantada pela Escola
Dominical do 1º Distrito e 30#000 pelo 2º (PRIMEIRO LIVRO DE
ACTAS DA MEZA ADMINISTRATIVA DA PRIMEIRA IGREJA
PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, em 18 de novembro de 1929).
Duas décadas e meia depois, em 1954, o Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá
discutia planos que, para a realidade numérica e financeira da comunidade protestante local,
eram bem ambiciosos. No entanto, ainda que o projeto não tenha se concretizado, ele revelava
o ethos protestante do período. Ficou lavrado em ata que:
[...] naquela mesma reunião o senhor presidente apresentou um plano
ao Conselho, assunto sobre levantamento de um hospital, para atender
tuberculosos no Planalto da Serra, distrito da Chapada e assim
aproveitando a oferta de um auxílio oferecido pela comissão engajada
dos trabalhos da Bacia Amazônica. Em referência ao assunto o
Conselho autorizou o Pastor a trabalhar com o fim de que pudesse
alcançar aquele ideal em favor dos muitos sofredores daquela terrível
doença (ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABA. Livro 3. Ata 148 de 08 de junho de 1954, p. 90).
A Igreja Presbiteriana de Cuiabá também se engajou na esfera educacional, participando,
inclusive, ativamente de políticas públicas do período, como a Campanha Nacional de
Alfabetização na década de 1960. Tal envolvimento ficou destacado em outra ata, a qual
relata que:
[...] o pastor desta Igreja recebeu um telegrama do Exmo. Sr.
Presidente da República, concitando a “Pena Evangélica” a participar
do lançamento da mobilização nacional contra o analfabetismo em
cerimônia a ser realizada em Brasília. Declara-se que a reunião
realizou-se no mês de agosto findo (ATAS DO CONSELHO DA
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 4. Ata 319 da
Reunião Ordinária em 04 de setembro de 1961, fls. 14, verso e 15,
frente).
Contudo, outra observação pode ser feita em relação às práticas de caráter assistencial ou
educacional desenvolvidas pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá. A partir da década de 1960
nota-se que, à medida que as discussões em torno das obras assistenciais aumentavam, a
167
ênfase que havia na disciplina eclesiástica e no controle dos “vícios sociais” começavam a
perder espaço, ou pelo menos começava a dividi-lo com outros temas.
A razão para essa mudança de ênfase e a busca constante por parte da Igreja Presbiteriana
de Cuiabá em se construir uma imagem de uma comunidade preocupada com as questões
sociais deve ser buscada, inclusive, na formação de seu pastor à época e no contexto teológico
brasileiro. No primeiro caso, Aristóteles Ferreira da Fonseca, pastor da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá entre os anos de 1960 e 1983, fez parte de uma geração formada no Seminário
Presbiteriano de Campinas no final da década de 1950 e início da década seguinte. Deste
grupo foi professor o norte-americano Richard Shaull (1919-2002), missionário presbiteriano
no Brasil e na Colômbia e um dos responsáveis pelo desenvolvimento da Teologia da
Libertação na América Latina.
Souza também acrescenta que este missionário foi atuante junto aos universitários e
seminaristas, buscando desenvolver o ideal de responsabilidade social de fé cristã. Trabalhou
também no setor de responsabilidade social da Confederação Evangélica Brasileira, onde
buscou aprofundar o debate sobre o cristão na sociedade brasileira. Em seus debates não
desqualificava o marxismo e o comunismo, mas se propunha a analisar quais contribuições
essas correntes políticas e filosóficas ofereciam ao debate teológico cristão (p. 106). Segundo
Aristóteles Ferreira da Fonseca, o professor Shaull era muito inteligente, carismático e tinha
ideias que não condiziam com as ideias da alta direção da Igreja Presbiteriana do Brasil
naquele período. No entanto, foi ele em grande parte responsável pela tônica do seu
ministério. Ainda informou que o tema de sua “tese” [monografia] no seminário foi inspirada
pelo professor: “Unidade na Diversidade”.
Ainda sobre este período e sem entrar no mérito se as ações eram motivadas pela
Teologia da Libertação, em 1962 o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil
aprecia a participação das igrejas em programas como a erradicação do analfabetismo, a
discussão em torno das ideologias sociais, a ação em favelas, a luta pela moralidade, etc.
(DIGESTO PRESBITERIANO 1961-1970. SC-62-060). Ainda neste mesmo Supremo
Concílio há um grande pronunciamento da Igreja Presbiteriana do Brasil sobre os problemas
políticos e sociais do período. Para uma noção do espírito da época, segue alguns trechos
deste pronunciamento:
No propósito de avivar a consciência de todos os fiéis para os perigos,
deveres e oportunidades da hora presente, apresenta o seguinte
168
pronunciamento sobre os problemas políticos e sociais: 1) O
imperativo que impõe à Igreja a obrigação de fazer pronunciamentos
sobre questões sociais da atualidade nacional e internacional deriva de
sua vocação profética de proclamadora e testemunha do Reino e sua
submissão e fidelidade à Palavra de Deus. 2) Sua autoridade para
pronunciar-se sobre essas questões, em dada situação concreta, deriva,
porém, da disposição com que os cristãos participem, sincera e
sacrificialmente, da luta por uma ordem social em que se expressem,
cada vez mais perfeitamente os postulados fundamentais da fé cristã
sobre Deus, o homem, a sociedade, o Estado, e os sistemas
ideológicos políticos, sociais e econômicos. [...] IV - Criados, em
Cristo, à imagem e semelhança de Deus, todos os homens são
fundamentalmente iguais, e tem todos os direitos a oportunidades
iguais de educação, saúde, trabalho e participação na vida política, e
bem assim a iguais garantias da inviolabilidade de sua vida, de sua
pessoa e de sua família, e da utilização adequada de seus bens. V Todas as formas de opressão religiosa, política ou econômica, todas as
formas de discriminação racial e social, todas as restrições à liberdade
de pensamento e de expressão, são igualmente odiosas e contrárias à
fé cristã. VI - Todas as nações do mundo tem igual direito de escolher
a maneira como desejam ser governadas, desde que tal escolha se faça
sem a imposição interna de minorias econômica ou militarmente
poderosas e sem a pressão externa de forças econômicas ou
ideológicas; e todas tem igual direito de promover, por todos meios
legítimos os que interessam à paz, à justiça, à liberdade e à
prosperidade nas suas relações internas e externas. [...] VII - Nenhuma
ordem social é inteiramente cristã. Aproxima-se mais desse ideal
aquela em que os direitos e deveres dos cidadãos forem mantidos em
justo equilíbrio, em que for garantido a todos o pleno
desenvolvimento de suas potencialidades para o bem, e em que for
oferecida aos fracos e desvalidos a indispensável proteção. [...] As
Igrejas Presbiterianas do Brasil, compete, portanto: 1) Dar, pelo
púlpito e por todos os meios de doutrinação, expressão do Evangelho
total de redenção do indivíduo e da ordem social. 2) Incentivar seus
membros a assumirem uma cidadania responsável, como testemunhas
de Cristo, nos Sindicatos, nos Partidos Políticos, nos Diretórios
Acadêmicos, nas Fábricas, nos Escritórios, nas Cátedras, nas Eleições
e nos Corpos Administrativos, Legislativos e Judiciários do País. 3)
Clamar contra a injustiça, a opressão e a corrupção, e tomar a
iniciativa de esforços para aliviar os sofrimentos dos infelicitados, por
uma ordem social iníqua; colaborando também com aqueles que,
movidos pelo respeito a dignidade do homem e espírito de temor a
Deus busquem esses mesmos fins, assim como aceitando sua
colaboração. [...] 5) Lutar pela preservação e integridade da família e
pela integração de grupos marginalizados pela ignorância e
analfabetismo, pelos vícios, pelas doenças e pela opressão na plena
comunhão do corpo social. [...] 7) Defender, pelo exemplo de seus
membros, a dignidade do trabalho, quer manual quer intelectual. 8)
Fazer a proclamação profética incessante dos princípios éticos e
sociais do evangelho de modo que sejam denunciados todos os erros
169
dos poderes públicos, sejam de omissão, ou comissão, que resultem
em ameaças ou obstáculos e a paz social ou tendam a destruição da
nossa estrutura democrática. 9) Defender a necessidade de mais
equitativa distribuição das riquezas, inclusive da propriedade da terra,
e advertir, em nome da justiça de Deus e da fraternidade cristã,
aqueles cujo enriquecimento seja fruto da exploração do próximo
(DIGESTO PRESBITERIANO 1961-1970. SC-62-200).
Neste contexto, com o passar do tempo, torna-se perceptível a tendência nos quadros da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá em desenvolver um trabalho mais próximo à população em
termos assistenciais. Um dos indicadores desta inclinação é a sequência de propostas de
atividades com este propósito que começam a ser apresentados ao Conselho da Igreja. Uma
destas iniciativas parte do grupo de jovens, onde o seu represente junto ao Conselho:
[...] o Presbítero Plínio Serra, Conselheiro da mocidade apresentou ao
Conselho a iniciativa junto a mocidade da Igreja a fim de que a União
de Moços da Igreja pudesse realizar um trabalho mais expressivo com
referência a assistência social. Foi também abordado pelo Snr.
Conselheiro o desejo da mocidade abrir uma classe de alfabetização
de adultos, no Pavilhão da Igreja, tendo o Conselho apoiado a feliz
iniciativa, e esperando breve ação daquela boa obra (LIVRO DE
ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Livro 5, Ata 338 de 09 de abril de 1962).
Figura 19 - Cruzada de Alfabetização de Adultos
Acervo pessoal de Aristóteles Ferreira da Fonseca
170
Porém, com o passar dos anos, o entusiasmo por ações sociais também diminui e quase
nada fica desse período. Somente uma atividade que pode ser inserida como uma preocupação
com questões sociais foi desenvolvida. Cerca de três décadas depois, em 1990, há o registro
de que o Conselho autorizou o departamento de jovens a promover um debate sobre a Pena de
Morte (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ,
Livro 10, Ata 844 de 11 de dezembro de 1990, fls. 148, frente).
Porém, à medida que a transição do século XX para o XXI se aproximava, o marketing
começa ser a opção de estratégia de divulgação da Igreja. Ela substitui tanto o zelo pela
disciplina eclesiástica quanto a ênfase na assistência social. A primeira constatação deste
movimento pode ser observada na decisão do Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá pela
inclusão digital da Igreja Presbiteriana de Cuiabá na rede mundial de computadores. (LIVRO
DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 11, Ata
920 de 12 de março de 1996, fl. 71, verso). Ou seja, fica claro que a comunidade protestante
local demonstrava com essa decisão a preocupação em estar sintonizada com os temas,
tendências e inovações tecnológicas. Deliberações como esta demonstram também que a
Igreja Presbiteriana de Cuiabá estava construindo a imagem de uma comunidade
contextualizada e relevante para o tempo presente.
É o que começa a ocorrer a partir de 1996 na Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Em seu
Boletim Informativo, número 1437 de 31 de março, comemora-se o pioneirismo da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá em se conectar a rede mundial de computadores. Dois meses depois,
mais precisamente em junho, é celebrado efusivamente este feito, sendo relatado aos seus
membros que a página da igreja recebera felicitações e consultas oriundas dos Estados
Unidos, Suíça, Porto Rico e Japão (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 02 de junho de 1996, número 1445). Ou seja, a ênfase da igreja passava a ser
muito mais com uma projeção midiática do que com a repercussão das condutas “indevidas”
de seus membros.
Valendo-se mais uma vez do trabalho de Siepierski, cabe notar que a “espetacularidade
não está só nos cultos ou nos programas veiculados através da mídia eletrônica. Ela ganhou
espaços cênicos. Saiu dos templos para ganhar as ruas e praças. É uma encenação feita
também no espaço público” (2001, p. 174). Outro ponto de contradição, e exemplo claro desta
espetacularidade é a Marcha para Jesus. Apesar de todas as controvérsias e debates sobre este
evento, a princípio a Igreja Presbiteriana de Cuiabá alinhou-se a este movimento, procurando,
171
inclusive, dar uma justificativa teórica para sua adesão. Isso ela fez buscando responder a
seguinte questão de maneira retórica: o que é uma Marcha para Jesus? Ela própria responde
em seu veículo oficial de comunicação.
É um chamado aos cristãos para as ruas a fim de louvar e orar –
proclamando o senhorio de Jesus Cristo diante do céu e da terra e
louvando-o em uma jubilosa celebração. Marcha para Jesus é um ato
profético que simboliza todo o Corpo de Cristo movendo-se para levar
o evangelho a todas as pessoas. Prepara as bases para uma
evangelização efetiva, traz coragem ao povo de Deus e ajuda a
estabelecer relacionamentos entre cristãos e igrejas. Não é marcha de
protesto, e sim de afirmação de Cristo e seu evangelho – procurando
ser bênção à cidade, à nação e a todas as pessoas (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 26 de maio
de 1996, número 1444).
Nesta última transcrição temos uma justificação “teológica” para a participação neste
evento conhecido como “Marcha para Jesus”. Porém, as alegadas razões para este
envolvimento, como um modo de evangelização e uma “reafirmação de Cristo e seu
evangelho”, talvez sirva muito mais como pretexto, ou um fator a mais ao lado de outros, que
realmente impulsionam um grupo religioso a este tipo de manifestação pública.
Em sua pesquisa, Carlos Tadeu Siepiersk entende que uma mobilização como esta tem a
capacidade de produzir um grande “sentimento de pertencimento e a ilusão da unidade”.
Logo, um evento como este, a despeito das diferenças, e grandes, que existem entre os grupos
evangélicos, produz a ilusão da existência de comunidade em que são apagadas
“momentaneamente as discriminações sociais, fazendo com que todos pareçam iguais”. “A
Marcha” tem a capacidade de transformar indivíduos que muitas vezes sentem o complexo de
minoria numa grande multidão. “Essa encenação devolve ao grupo uma imagem idealizada de
si mesmo, portanto, aceitável para cada um dos seus participantes, tomados individualmente e
para todos em conjunto, como um evento de alta eficácia simbólica” (p. 182).
Também comentando a necessidade de pertencimento a um grupo social, principalmente
neste período de virada de milênio, Bauman afirma que “para pessoas inseguras,
desorientadas, confusas e assustadas pela instabilidade e transitoriedade do mundo que
habitam, a ‘comunidade’ parece uma alternativa tentadora. É um sonho agradável, uma visão
de paraíso: de tranquilidade, segurança física e paz espiritual” (2005, p. 68). Daí talvez a
aproximação com movimentos desta natureza.
172
Contudo, quase dez anos depois da participação da Igreja Presbiteriana de Cuiabá na
“Marcha para Jesus”, o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil se manifestaria, e
contrariamente, a participação de igrejas presbiterianas locais neste evento. Consultado pelo
Sínodo da Bahia, Presbitérios de Piratininga e São Bernardo do Campo, ambos de São Paulo,
o Supremo Concílio expõe os motivos para a sua deliberação. Em sua análise, uma das razões
alegadas é que na última “Marcha para Jesus” antes daquela reunião de 2006, houve a
participação de grupos gays que se consideram evangélicos, sem qualquer pronunciamento
por parte da liderança do evento; outra, é que o movimento também estaria alinhado às
Teologias da Prosperidade, Confissão Positiva, Batalha Espiritual e Teologia Triunfalista.
Logo, uma igreja que se pretende presbiteriana e reformada, como a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá, estaria totalmente fora de contexto em sua participação em tal evento (ATA DA
QUINTA SESSÃO REGULAR DA XXXVI REUNIÃO ORDINÁRIA DO SUPREMO
CONCÍLIO DA IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL. SC-IPB-2006. DOC. CXLVIII)54.
Outra maneira usada pelos evangélicos nas últimas três décadas para se difundir uma
Igreja é o uso do nome de pessoas popularmente conhecidas ligadas a ela, dando assim,
publicidade a instituição. Tal estratégia pode ser percebida, pelo menos em duas ocasiões, em
meados da década de 1980. No primeiro caso a de um jogador de futebol local, e no segundo,
jogadores de futebol de expressão internacional. Traz o boletim da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá que:
O PONTA ESQUERDA do Misto Futebol Clube é Miquéias
Rodrigues, crente no Senhor Jesus e participante dos Atletas de Cristo.
Miquéias é recém-chegado de Limeira-SP e tem frequentado a nossa
Igreja. Ao irmão um carinhoso bem-vindo, e muitos gols (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 28 de julho
de 1985, número 978).
O que fica ressaltado nesta saudação a Miquéias é que a presença de visitantes e novos
membros numa igreja é corriqueira, mas a prática de nominá-los em boletins, não. Logo, é
evidente que o fato do novo frequentador ser um jogador de futebol é determinante para a
distinção. No outro caso, ainda que não explicitamente, pode-se inferir que a mensagem nas
entrelinhas era de que o sucesso da Seleção Brasileira Júnior de Futebol de 1985 se devia em
parte a participação de um grupo de jogadores evangélicos da Seleção e ao estilo de vida
adotado por eles. Traz a nota:
54
Disponível em: http://www.executivaipb.com.br/site/atas/SC/Ata_SC_2006.pdf. Acessado em 16/06/2015.
173
VOCÊ SABIA QUE NO TIME Bicampeão Mundial Júnior, há um
grupo de jogadores crentes, que não fumam, não bebem, não fazem
programas com as “moças” do hotel e leem a Bíblia diariamente? O
técnico disse: “Esse estilo de vida é muito bom, ajuda o time e evita
excessos”. Graças a Deus pelos DANIÉIS do século XX (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 15 de
setembro de 1985, número 985).
Nota-se, portanto, claramente que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá começava a adotar
como estratégia de marketing a divulgação de nomes famosos do meio esportivo que haviam
aderido a fé evangélica. Nestes casos o apelo passava a ser duplo. O primeiro era o nome
conhecido como meio de propaganda e o segundo era o fato de que esses nomes eram ligados
ao esporte, o que vinculava o modo evangélico de ser a um estilo de vida saudável. Mais um
exemplo desta prática é a inserção de outra nota no Boletim Informativo a respeito de atletas
evangélicos, como é o caso a seguir:
RELIGIÃO MARCA JOGADOR. Religião e gols. Essas duas
palavras acompanham a carreira de Baltazar, desde que começou a
jogar como profissional pelo Atlético de Goiás em 78. Ele é fundador
do grupo “Atletas de Cristo”, junto com o piloto Alex Dias Ribeiro e o
goleiro João Leite (ex Atlético Mineiro). Cita Deus em quase todas as
declarações que dá. Em campo, além de ter o hábito de presentear o
adversário com uma Bíblia, Baltazar exercita sua outra especialidade:
ser goleador. Cabeceia bem e usa as duas pernas. Foi o artilheiro do
Grêmio na campanha do título brasileiro de 81. Glória a Deus pelo seu
talento e testemunho (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ.
Boletim Informativo de 18 de junho de 1989, número 1141. Adaptado
de jornal Folha de São Paulo).
Este uso da imagem de pessoas famosas, como jogadores de futebol, trás implícito um
momento pela qual a Igreja Presbiteriana de Cuiabá passava, bem como outras comunidades
protestantes: a necessidade de se fazerem conhecer ou se distinguir. Bauman entende que
“quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam parecer ‘natural’, predeterminada
e inegociável, a ‘identificação’ se torna cada vez mais importante para os indivíduos que
buscam desesperadamente um ‘nós’ a que possam pedir acesso” (2005, p. 30). Era exatamente
o que estava acontecendo com a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, uma vez que o antigo modelo
de instituição protestante não abarcava mais toda a pluralidade de ideias presentes na igreja.
Logo, a necessidade de se buscar um grupo que a possa identificar ou representar.
Outros assuntos que começavam também a ganhar força com o século XXI, como
tecnologia, vida saudável e preservação do meio-ambiente, passavam também a influenciar a
temática das atividades da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. É o caso do “Acampamento
174
Ecológico Espiritual no dia das Crianças”, promovido pelo Departamento Infantil da Igreja
(LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro
13, Ata 997 de 31 de agosto de 2001, p. 17). Esta iniciativa mostra a apropriação e
sacralização de temáticas e espaços, até então fora da esfera eclesiástica. Ou seja, estava em
curso a construção da imagem de uma igreja engajada, ainda que isso custasse uma tênue
relação com o poder político, como pode ser visto no aviso seguinte:
MEIO AMBIENTE. Em reunião realizada no dia 05/09/97, a convite
da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do nosso Estado,
juntamente com outros pastores e líderes evangélicos, o nosso pastor,
Rev. Cabral, participou da discussão do PROJETO DE LEI 1664-D
1991, QUE DISPÕES SOBRE SANÇÕES PENAIS E
ADMINISTRATIVAS DERIVADAS DE CONDUTAS (sic) AO
MEIO AMBIENTE. O assunto é de grande importância para todos
nós; precisamos estar atentos com as distorções do verdadeiro espírito
da Lei (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 28 de setembro de 1997, número 1504).
Neste capítulo, o objetivo foi pesquisar como a Igreja Presbiteriana de Cuiabá reagiu às
transformações sociais ocorridas nesta última virada de milênio. Quanto ao âmbito familiar, o
seu discurso permaneceu conservador, porém tendo que lidar com novas realidades que tocam
o casamento e a sexualidade. Já em relação ao modo como a Igreja se fazia conhecer, a
estratégia mudou com o passar dos anos. Num primeiro momento o testemunho pessoal e a
conduta dos membros era o meio pelo qual se construía a reputação da Igreja, tanto que a
disciplina eclesiástica era muito mais observada neste período. Já num segundo momento, a
assistência social, acompanhando o contexto teológico do Brasil à época, foi o destaque das
décadas de 1960 a 1970 e início de 1980. A partir de então, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá
passou a adotar muito mais uma estratégia de marketing como modo de se fazer conhecer.
Esta decisão evidencia uma contradição com os postulados protestantes que fazem parte do
início do presbiterianismo em Cuiabá e demonstra uma clara adequação a uma sociedade
marcada pelo consumo, típica das últimas décadas.
No capítulo seguinte, a pesquisa se voltará mais para o caráter político da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, pois esta, como uma instituição quase centenária, vivenciou todos os
grandes momentos políticos do país. O objetivo será entender como esta reagiu a cada um
destes períodos e como tem se adaptado a abertura política do país a partir de 1985.
175
CAPÍTULO 4
“QUEM SABE FAZ A HORA, NÃO ESPERA ACONTECER”:
A IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ E SUA CONSCIÊNCIA POLÍTICA
Eu vejo um novo começo de era
De gente fina, elegante e sincera.
Com habilidade pra dizer mais sim do que não.
(Lulu Santos, TEMPOS MODERNOS, 1982).
“Dai a César o que é de César”: Na tradição protestante, esse é um dos maiores
argumentos bíblicos para se defender a separação entre os poderes temporal e espiritual.
Sobre este tema, orienta a Confissão de Fé de Westminster:
[...] é dever dos magistrados civis proteger a pessoa e o bom nome de
cada um dos seus jurisdicionados, de modo que a ninguém seja
permitido, sob pretexto de religião ou de incredulidade, ofender,
perseguir, maltratar ou injuriar qualquer outra pessoa; e bem assim
providenciar para que todas as assembleias religiosas e eclesiásticas
possam reunir-se sem serem perturbadas ou molestadas (CAPÍTULO
XXIII, DO MAGISTRADO CIVIL, artigo III).
Antes de prosseguir, é interessante observar a semelhança entre este artigo da Confissão
de Fé e o artigo da Constituição do Brasil no tocante à garantia de liberdade de crença e à
proteção dos locais de culto, apesar de haver um espaço de mais de trezentos anos entre
ambas. Somente a título de comparação, segue a transcrição:
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias
(CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Cap. I, Art. 5º, inciso VI).
Retomando, a Confissão continua no artigo seguinte versando sobre as responsabilidades
individuais, do magistrado e a relação com o Papa, visto ser este um assunto muito debatido
nos países europeus que adotaram a Reforma Protestante entre os séculos XVI e XVII. Diz o
artigo IV que:
176
[...] É dever do povo orar pelos magistrados, honrar a pessoa deles,
pagar-lhes tributos e outros impostos, obedecer as suas ordens legais e
sujeitar-se à sua autoridade, e tudo isso por amor de consciência.
Incredulidade ou indiferença de religião não anula a justa e legal
autoridade do magistrado, nem absolve o povo da obediência que lhe
deve, obediência essa da qual não estão isentos os eclesiásticos. O
papa não tem nenhum poder ou jurisdição sobre os magistrados dentro
do domínio deles, ou sobre qualquer um do seu povo; e muito menos
tem o poder de privá-los dos seus domínios ou vida, por julgá-los
hereges ou sob qualquer outro pretexto (CAPÍTULO XXIII, DO
MAGISTRADO CIVIL, artigo IV).
São essas, portanto, as diretrizes que deveriam orientar a relação dos Estados adeptos da
Reforma Protestante e da Confissão de Fé de Westminster com a política, e em particular a
Igreja Presbiteriana de Cuiabá, uma vez que esta é federada a Igreja Presbiteriana do Brasil,
que por sua vez se submete a mesma confissão.
4.1 TODA AUTORIDADE É INSTITUIDA POR DEUS
Na carta do apóstolo Paulo, escrita a Igreja de Roma, capítulo 13, versículo 1, há uma
orientação que se reveste de especial significado, principalmente se for levado em
consideração que aquela cidade era a capital do Império. Diz o apóstolo: “Todo homem esteja
sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as
autoridades que existem foram por ele instituídas”. Comentando estre trecho bíblico, João
Calvino, uma das maiores influências na tradição presbiteriana diz que “o direito de governar
é ordenado por Deus visando ao bem-estar da humanidade. [...], o apóstolo nos ordena a que
livre e voluntariamente respeitemos e honremos o direito e a autoridade dos magistrados
como sendo algo indispensável à humanidade (1997, p. 451. Itálico meu). Continua o
reformador escrevendo que “a utilidade dos magistrados consiste em que o Senhor designou
este meio para prover a paz dos bons e sofrear o ímpeto rebelde dos ímpios. E destes dois
recursos depende o bem-estar da humanidade”. Logo, a conclusão do reformador genebrino é
que “a não ser que a fúria dos ímpios seja contida, e os inocentes sejam protegidos da
perversidade daqueles, a destruição universal será inevitável” (1997, p. 452).
Sendo assim, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, para manter a sua coerência confessional,
deveria observar os dois princípios descritos acima: o respeito às autoridades legitimamente
177
constituídas e a separação entre o governo civil e eclesiástico, sendo este, em matéria civil,
submisso ao primeiro.
Quanto a questões políticas, poucos pronunciamentos são encontrados nos registros do
Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá em suas primeiras décadas de existência. Isto
reflete, em parte, a formação política sobre a qual a Igreja Presbiteriana de Cuiabá fora
fundada, reproduzindo assim, a sua herança puritana calvinista. Pois de acordo com a
Confissão de Fé de Westminster, ainda que exista um “poder espiritual” e outro “poder
temporal”, estes são distintos, separados e assim devem permanecer, o que constituiu um dos
primeiros passos para um Estado Laico e democrático de direito. Assim prescreve a Confissão
de Fé:
Os magistrados civis não podem tomar sobre si a administração da
Palavra e dos Sacramentos, ou o poder das chaves do Reino do Céu,
nem de modo algum interferir em matéria de fé; contudo, como pais
solícitos, tem o dever de proteger a igreja de nosso comum Senhor,
sem dar preferência a qualquer denominação cristã acima das outras,
de tal maneira que todos os eclesiásticos, sem distinção, gozem plena,
livre e indisputada liberdade de cumprir todas as partes de suas
sagradas funções, sem violência ou perigo. Como Jesus Cristo
constituiu em sua Igreja um governo regular e uma disciplina,
nenhuma lei de qualquer estado deve interferir, impedir, ou embaraçar
o seu devido exercício entre os membros voluntários de qualquer
denominação cristã, segundo a profissão e crença de cada uma [...].
(CAPÍTULO XXIII, DO MAGISTRADO CIVIL, artigo III).
Neste artigo, percebe-se claramente a intenção em delimitar o poder civil, tirando-lhe
qualquer competência de legislar em matéria de fé. Diferentemente de criar um Estado ateu, a
Confissão de Fé de Westminster reconhece uma religiosidade civil, restrita ao âmbito da
consciência pessoal, da qual o Estado é o guardião e protetor. Já no artigo seguinte, a mesma
Confissão delimita a esfera da influência religiosa, insistindo nos deveres civis, inclusive dos
eclesiásticos, e não reconhecendo nenhuma jurisdição civil ou estatal para as autoridades
religiosas. Encontra-se em sua redação que:
[...] é dever do povo orar pelos magistrados, honrá-los, pagar-lhes
tributos e outros impostos, obedecer às suas ordens legais e sujeitar-se
à sua autoridade, e tudo isto por dever de consciência. Incredulidade
ou indiferença em questão de religião não invalida a justa autoridade
do magistrado, nem isenta o povo da obediência que lhe deve,
obediência essa da qual não estão excluídos os eclesiásticos [...].
(CAPÍTULO XXIII, artigo IV).
178
A partir deste arcabouço intelectual, pode-se entender a reação eufórica da incipiente
Igreja Presbiteriana do Brasil na Proclamação da República, quando:
[...] ao iniciar seu relatório de 1890 a Mesa Administrativa da Igreja
Presbiteriana do Rio, presidida pelo Rev. Antônio Trajano, afirma que
esse ano havia sido de bênçãos “para a causa de Cristo porque foi
decretada pelo benemérito Governo Provisório a separação da igreja
do estado e desta sorte concedida às igrejas plena liberdade para
anunciarem o glorioso Evangelho como e onde quiserem. Por este
motivo devem dar mil graças ao Todo-Poderoso e aproveitar a
oportunidade para adiantarmos seu Reino” (RIBEIRO, 1991, p. xiii).
Ecoando essa visão de um Estado laico, no ano de 1926 a Igreja Presbiteriana de Cuiabá
fez um pronunciamento em relação a uma possível subvenção do governo do Estado a favor
da Igreja do Bom Despacho. A partir da leitura desta declaração, fica evidente qual era a
orientação política protestante à época, apelando inclusive para a consciência do Presidente do
Estado e ao cumprimento das leis federais que regiam o país:
[...] Resolveu-se escrever uma carta ao Presidente do Estado, Dr.
Estevan Alves Corrêa, pedindo-lhe que reflicta sobre a falta do
cumprimento das leis da nação, em que o Estado vae subvencionar a
Egreja de Roma com 10:000#000 pró Bom-Despacho, pedindo-lhe
que não sancione a lei.
Por sua vez, buscando coerência em suas decisões e princípios, a mesma Mesa
Administrativa, se posicionou contrariamente quanto a uma oferta do governo que beneficiava
a Igreja Presbiteriana de Cuiabá:
[...] Foi apresentada a consideração da Mesa, o offerecimento feito
pelo Dr. Mario Corrêa, presidente do Estado, de uma area de terreno, a
titulo gratuito, no perimetro marcado para a futura cidade de
Mariopolis, para a fim de ser futuramente construido um templo
evangelico. Discutido o assunto foi resolvido o seguinte:
1º - Que se fisesse sentir ao Dr. Mario a nossa gratidão pela sua
bondosa lembrança de dotar a futura sociedade de Mariopolis, logo as
suas primeiras construções, com um Templo Evangelico;
2º - Que não podemos acceitar a offerta nas condições propostas,
porque a essa se opõem á Constituição da Republica;
3º - Que acceitaremos de bom grado a valiosa offerta, si ella nos for
feita sem caracter official, pela pessoa do Dr. Mario Corrêa, depois de
ter adquirido o terreno pelos meios legaes (PRIMEIRO LIVRO DE
ACTAS DA MEZA ADMINISTRATIVA DA PRIMEIRA IGREJA
PRESBYTERIANA DE CUIABÁ, em 02 de dezembro de 1929).
179
Como já foi frisado, praticamente não há registros nos livros de atas da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá sobre questões políticas em suas primeiras décadas de existência.
Contudo, isso não significava apatia ou indiferença a este tema, pois em outros espaços eles
eram debatidos. Um deles foi o jornal A Penna Evangélica, periódico publicado sob a
responsabilidade de um dos presbíteros da Igreja, o jornalista José Nonato de Faria. Aliás, um
dos seus escritos, em 1932, incitou uma demanda que quase culminou numa cisão na
comunidade protestante, não fosse a ingerência da Missão Norte-Americana, responsável
direta pela administração da Igreja Presbiteriana de Cuiabá à época.
A polêmica tomou vulto quando, numa reunião do Conselho, um de seus membros
encaminhou ao colegiado uma carta questionando o artigo publicado n’A Penna Evangélica.
A matéria foi escrita sob o título “Religião e Política”. Nele, o articulista indagava:
Como é que um cidadão pelo facto de se ter feito christão, poderá se
desinteressar assim em absoluto pela alta administração de sua pátria e
por todos os negócios de ordem administractiva que se prendem ao
bem estar da colletividade em cujo meio vive? [...] Como poderá o
christão actuar na política si vive fugindo della? [...] Como poderá ser
o christão a luz do mundo si vive elle a arder em casa preocupado
exclusivamente com os interesses da sua própria família? [...] Ficará
mal a uma Egreja se collocar desassombradamente ao lado de Jesus
nessa sua política de defeza dos opprimidos, exaltação do direito e da
justiça, visando a fraternidade universal? (A PENNA EVANGELICA,
ANNO VIII, No. 312, de 27 de outubro de 1932).
Contudo, adverte o escritor: “Agora, o que o christão não pode ser é – politiqueiro,
político de fancaria, político que está prompto a todos os papeis os mais baixos para defender,
não a causa do bem geral, não a causa da Pátria, não a causa de Jesus, mas a cauza da sua
propria barriga, a cauza de Satanaz” (A PENNA EVANGELICA, ANNO VIII, No. 312, de 27
de outubro de 1932).
Após analisar a queixa e também a matéria publicada, o Conselho da Igreja Presbiteriana
de Cuiabá chegou à seguinte conclusão:
[...] estudado os argumentos apresentados, de todo improcedente
porquanto o artigo da “A Penna” em que se referiu não aconselhava
nem crente e nem a Egreja a tomar este ou aquelle partido político dos
que se degladiavam na política, mas, que todos os crentes, a Egreja
toda deve seguir a política de Jesus, isto é, collocarem-se ao lado de
todos os principios geraes da sã politica, visando a paz e a fraternidade
universal [...] (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA
180
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 1, Ata de 27 de novembro de
1932, p. 37).
Logo, o que se pode inferir da decisão transcrita é que, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá,
pelo menos em seus primórdios, sempre se posicionou como uma instituição apartidária, mas
não apolítica. O que não podia ser feito era misturar as esferas religiosas e políticas, pelo
menos em tese. No entanto, isto não significava exigir dos seus membros uma retirada pessoal
dos interesses políticos da sociedade.
Outro acontecimento que também revela as concepções políticas da Igreja Presbiteriana
de Cuiabá ocorreu em uma de suas Assembleias Gerais. Estas assembleias serviam e ainda
servem para a eleição dos representantes dos membros da igreja no Conselho (órgão
administrativo da Igreja), eleições de pastores e para outros fins específicos, como a venda e
compra de imóveis. Desde a sua fundação, participavam destas assembleias todos os membros
civilmente capazes, inclusive as mulheres. Numa destas ocasiões em que ocorria uma eleição,
houve uma proposta para que o voto fosse aberto, ou por aclamação. A réplica a esta proposta,
expõe, no mínimo, uma elaborada consciência política e democrática. A contraproposta ficou
registrada do seguinte modo:
[...] declarou o Sr. Presidente que o fim da reunião da mesma
Assembleia Geral era proceder a eleição para: Presidente da
Assembleia Geral, secretário, tezoureiro e superintendente geral das
escolas dominicaes. Foi proposto pelo Presidente da Comissão de
votação, Sr. João Alberto Dias, para que a eleição fosse feita por
aclamação; fez uso da palavra o Presbítero Sr. Francisco Cezar de
Mello que expoz a inconveniência dessa prática dizendo que muitos
membros eleitores poderiam sentir-se constrangidos e não tendo
coragem para protestar perante a Assembleia contra a eleição de
candidato que não fosse da sua opinião neste caso ficaria tolhido o
verdadeiro espírito de liberdade de votos (LIVRO DE ATAS DA
ASSEMBLEIA GERAL DA IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Ata de 03 de fevereiro de 1937).
A mentalidade política da Igreja Presbiteriana de Cuiabá em seus primórdios também
refletia em certa medida as orientações da denominação a qual ela pertence, a Igreja
Presbiteriana do Brasil. Em 1928, 1936 e 1938, ficou definido que um ministro não poderia
“interferir numa campanha política sem prejuízo de sua obra evangélica e influência
espiritual”. Também foi recomendado aos pastores que se mantivessem neutros quando os
membros de uma igreja local estivessem divididos.
181
No entanto, apesar destes cuidados por parte dos pastores presbiterianos, era
recomendado aos membros das igrejas de um modo geral que eles exercessem seus direitos
civis e políticos. Em 1928, o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil já havia
afirmado que escapava “à sua competência, como concílio espiritual, opinar sobre ideologias
ou partidos políticos”. Era reafirmado que competia ao cristão “obedecer às autoridades
legitimamente constituídas e realizar os deveres de cidadão”. Contudo, uma ressalva era feita:
os cristãos nunca deveriam adotar qualquer ideologia que atentasse “contra os princípios
evangélicos da liberdade civil, e de consciência e da ordem e paz sociais”. Esta última parte
marcaria, praticamente, todas as posições políticas assumidas pela Igreja Presbiteriana do
Brasil daí em diante (DIGESTO PRESBITERIANO 1951-1960. AG-1938-038 – Política).
Reunido em fevereiro de 1951, na cidade de Jandira, em São Paulo, o Supremo Concílio
volta novamente a se posicionar sobre o envolvimento dos pastores presbiterianos na vida
político-partidária. A determinação foi para que os Presbitérios tomassem as medidas
necessárias para que nenhum ministro presbiteriano exercesse atividades de “membro de
diretório político, ou de candidato a qualquer cargo político, ou ainda, de orientar ou
promover campanhas políticas, sem licença prévia do Presbitério”. E mais, uma vez
concedida a licença por parte do Presbitério, a este caberia julgar da conveniência do
exercício da atividade pastoral pelo postulante. Por fim, também ficou determinado que os
Presbitérios tomassem medidas para que nenhum pastor fizesse uso de seus títulos
eclesiásticos em benefício de campanhas políticas (DIGESTO PRESBITERIANO 1951-1960.
SC-051-013). Esta decisão foi reafirmada no Supremo Concílio de 1966 (DIGESTO
PRESBITERIANO 1961-1970. SC-66-005 – Campanhas Políticas – Participação de
Ministros – Doc. XLII).
Quanto ao período Vargas (1930-1945), há apenas uma citação nos livros de atas do
Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Pelo que se pode inferir da nota é que, pelo
menos até aquele momento, a simpatia dos protestantes sempre foi por governos
democraticamente eleitos. A nota refere-se a iniciativa do pastor da igreja em cumprimentar o
novo governo instalado pelo voto direto. Traz a ata que:
O Pastor relatou que por ocasião do compromisso perante a
Assembleia e posse do Sr. Arnaldo Estevão de Figueiredo, na
investidura do Governo deste Estado, passou ao General Eurico
Gaspar Dutra, Presidente da República, em nome desta Igreja, um
telegrama congratulando-se com o povo matogrossense, pela volta
deste Estado ao regime democrático (ATA DA 71ª REUNIÃO DO
182
CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ EM 30
DE MARÇO DE 1947, p. 188).
Aliás, no início do governo Vargas foi redigido um memorial, subscrito por alguns
pastores da Igreja Presbiteriana do Brasil, a todos os crentes evangélicos brasileiros. A
relevância deste documento é proporcional ao momento em que ele foi divulgado, maio de
1932. No início do memorial, há o seguinte parágrafo explicativo:
[...] a situação política e social do Brasil [...] exige que os crentes
evangelicos cerrem fileiras e affirmem unisonos, com todo o vigor, e
por toda a parte, os princípios que, sob o ponto de vista político e
social, consideram substanciaes, fundamentaes, indispensaveis para a
salvação do Brasil. Urge abandonar de vez a attitude de simples
observadores, attitude de expectativa, de apparente bem-estar, de
indifferença e commodismo! Urge procurar ter a visão, clara e nitida,
da gravidade indisfarçavel desta hora nacional, angustiosa, que
estamos vivendo! Urge que a voz dos evangélicos de todo o Brasil se
faça ouvir por aquelles que vierem a compôr a Assembléia
Constituinte, que decidirá dos problemas que affectam a vida
espiritual e social do Brasil.
Em continuidade ao texto, há uma série de observações que expõem o pensamento
político de uma boa parcela dos membros da Igreja Presbiteriana do Brasil. Logo, fica
evidente o porquê da congratulação do pastor da Igreja Presbiteriana de Cuiabá pela volta do
regime democrático de direito:
I. NA ORDEM POLITICA
1) Posto que a fórma de governo seja a certo aspecto secundaria, tanto
para o bem estar do individuo, como para os sagrados interesses do
verdadeiro Christianismo, visto que o Evangelho apenas expõe
principios geraes que se podem applicar sob qualquer regimen, somos de parecer que, tendo sido já experimentada a fórma
presidencialista republicana, será, talvez, conveniente, no Brasil, a
experiencia do regimen parlamentar, sendo, porém, esta questão
aberta.
2) Queremos a verdade eleitoral absoluta, baseada no voto secreto
como processo de saneamento dos costumes politicos do Brasil, e que
se não façam as eleições no domingo.
3) Queremos a justiça popular, rapida e gratuita.
183
4) Queremos a completa laicidade do Estado e, consequentemente, a
do ensino official, ou seja, a conservação integral do Artigo 72, § 6º,
da Constituição de 189155.
II. NA ORDEM SOCIAL
1) Absoluta liberdade de pensamento e da manifestação do
pensamento, respondendo cada uma pelos abusos que commetter [...].
SOCIAL
5) Não votar absolutamente em candidatos ou com partidos que
adoptem programas favoraveis a medidas que compromettam a
laicidade do Estado, introduzam ou facultem o ensino religioso nas
escolas officiaes.
Rio de Janeiro, em maio de 1932.
Mattathias Gomes dos Santos, Erasmo Braga, Galdino Moreira, Julio
C. Nogueira, Mota Sobrinho, Anisio Pereira Lira, Efraim Rizzo,
Alfredo Borges Teixeira, Severino da Silva,Samuel Leur de Araujo
Cesar, L. O. Lima Filho, José Sousa Marques, Alfredo Rebouças,
Nemesio de Almeida, Rodolfo Anders, Raul Villaça, Daniel Ferreira,
Epaminondas Moura,Benjamin Moraes, Alberto Gomes Pereira,
Clodomir Goulart e Odilon Moraes.
Pelo que pode ser observado até aqui, a tendência da Igreja Presbiteriana de Cuiabá era se
alinhar politicamente aos moldes conservadores norte-americanos. A razão deste alinhamento
pode ser encontrada na própria trajetória da igreja e na administração que até então era
exercido pela Missão Norte-Americana na Igreja. Inclusive, um dos signatários do memorial,
Rodolfo Anders, foi pastor da Igreja Presbiteriana de Cuiabá no ano de 1930.
A tendência política da Igreja fica ainda mais evidente face à reação do Conselho da
igreja diante das posturas políticas adotadas pelo periódico A Penna Evangélica. O Conselho
da Igreja Presbiteriana de Cuiabá decide que:
[...] devido às irregularidades que de há muito tempo vinha-se
notando acentuadamente na publicação da “Penna Evangélica” e mais
a agravante de haver o chefe das oficinas irmão Antônio Evangelista,
por abuso de confiança, incluído nas páginas desse jornal, um artigo à
revelia do seu Diretor-Gerente, concorrendo assim com esse seu
procedimento para colocar em posição esquerda à Igreja, com os
Altos Poderes da República; por estes motivos e não como alguém
que julga, de ter sido por falta de administração, é que foi suspensa
55
“Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/constituicao/ constituicao91.htm. Acessado em 15/07/2015.
184
provisoriamente a publicação da “Penna Evangélica” (ATA DA 74ª
REUNIÃO
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
CRISTÃO
PRESBITERIANA DE CUIABÁ EM 05 DE OUTUBRO DE 1947, p.
197. Negrito meu).
Este posicionamento político da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, em certa medida, reflete a
concepção política da igreja nacional. Sua tendência liberal fica evidente em todos os seus
pronunciamentos em relação à esfera política. Este perfil será o responsável pelo alinhamento
da igreja ao regime militar em anos futuros, movido fortemente pelo sentimento
anticomunista. Aliás, sobre esta temática, há um longo debate no meio presbiteriano.
No Supremo Concílio de 1954, o Presbitério Norte do Paraná encaminha uma consulta a
respeito de uma pessoa que fosse membro do Partido Comunista se poderia ser membro da
Igreja, do Presbitério ou exercer qualquer outro privilégio eletivo na Igreja. Provavelmente
esta pergunta não foi feita no vazio, sem uma razão que a justificasse. No entanto, sem entrar
no mérito da questão, ou fugindo dele, o Supremo Concílio apenas responde que pelo fato do
Governo Brasileiro ter cassado o registro do Partido Comunista, o qual não existia mais
legalmente, a consulta perdia a sua legitimidade (DIGESTO PRESBITERIANO 1951-1960.
SC-54-140).
Outro caso debatido na Comissão Executiva do Supremo Concílio envolvendo o tema
“comunismo” deu-se em 1959. Neste mesmo ano, o jornalista Manuel Paulo Filho (18901969), publicou no jornal “O Correio da Manhã”, antigo jornal sediado no Rio de Janeiro,
alguns artigos em que relacionava o Concílio Mundial de Igrejas e o Comunismo. Nestes
artigos, o articulista denunciava a vinda ao Brasil do tchecolosváquio Josef Hromadka. Ele,
segundo o jornalista, vice-presidente da Aliança Presbiteriana Mundial, viria ao Brasil com o
objetivo de minimizar a resistência das igrejas protestantes ao comunismo. Porém, segundo
“O Correio da Manhã”, a comemoração do centenário presbiteriano no país foi usada como
pretexto para a visita de Hromadka (CORREIO DA MANHÃ, 25 de julho de 1959, n. 20.346,
ano LIX)56.
Na publicação do dia 08 de agosto do mesmo ano, novamente Manuel Paulo Filho volta a
publicar outro artigo relacionado ao tema, com o título de “Missionários do Comunismo”. O
objetivo era, novamente, alertar para elementos do Concílio Mundial de Igrejas que fazia
56
Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=089842_06. Acessado em 18/06/2015.
185
propagandas pró-regime soviético (CORREIO DA MANHÃ, 08 de agosto de 1959, n.
20.358, ano LIX)57.
No dia seguinte, o mesmo jornal publica uma matéria intitulada: “Na Tcheco-Eslováquia,
religiões não podem criticar o governo”. Na verdade, são resumos da entrevista concedida
pelo Professor Hromadka, quando de sua visita ao Brasil. Neste artigo, o articulista também
faz questão de mencionar que o citado professor participou da 18ª Assembleia Geral da
Aliança Mundial Presbiteriana e que o mesmo era um propagandista das doutrinas marxistas
(CORREIO DA MANHÃ, 09 de agosto de 1959, n. 20.359, ano LIX) 58.
Já no dia 22 de agosto do mesmo ano, o jornal “O Correio da Manhã” publica uma carta
intitulada “Evangelistas Brasileiros contra o Comunismo”. Esta carta foi encaminhada a
redação do jornal “O Correio da Manhã” pela “Confederação Evangélica do Brasil” na pessoa
do Sr. Euclides Deslandes, presidente à época. A transcrição de parte se justifica, pois o texto
ajudará na compreensão da relação da igreja evangélica brasileira e da Igreja Presbiteriana do
Brasil e - de modo mais específico - de Cuiabá, com o governo brasileiro no período militar.
Trás a correspondência que:
[...] O Evangelismo brasileiro, como o Protestantismo em todo o
mundo é radicalmente infenso ao comunismo ateu, não porque teme a
ideologia vermelha, mas porque lhe conhece a estrutura materialista e
dialética histórica. Consequentemente, nós, evangélicos, repudiamos a
doutrina marxista, porque temo-la como nociva aos valores espirituais
e à liberdade humana. [...] É preciso que se diga, entretanto, que os
evangélicos brasileiros, como os de todo mundo, repudiam com o
mesmo vigor com que combatem o comunismo materialista, certas
formas iníquas de capitalismo que, onde imperam, espalham as
mesmas misérias e as mesmas injustiças criadas pelo comunismo. [...]
O evangelismo brasileiro sabe onde está o perigo real e não se assusta
com moinhos de vento. [...] Estamos empenhados na obra de
reconstrução moral e espiritual de nossa Pátria, pois desejamos
contribuir eficazmente para criar uma nação que não só tema o
comunismo, mas também, inspirada no Espírito de Cristo, repudie
toda e qualquer injustiça pela adoção de diretrizes evangélicas de
justiça social; pois, somente deste modo, poderemos criar antídoto
permanente contra todas as formas de tiranias materialistas, sejam elas
de direita ou de esquerda (CORREIO DA MANHÃ, 22 de agosto de
1959, n. 20.370, ano LIX).
57
58
Disponível em: ibdem
Disponível em: ibdem
186
No entanto, a reação não se restringiu apenas à Confederação Evangélica do Brasil. A
Comissão Executiva do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil decidiu também
mandar uma carta ao “Correio da Manhã” esclarecendo que não possuía qualquer relação com
o Sr. Hromadka e que também a sua vinda ao país não tinha nenhum ligação com a
comemoração do centenário do presbiterianismo. Tal esclarecimento revela, de imediato, a
intenção de, por nenhum meio, ser ligado ao comunismo (DIGESTO PRESBITERIANO
1951-1960. CE 059E/02).
Alguns anos depois, no Supremo Concílio de 1966, a Igreja Presbiteriana do Brasil
novamente delibera sobre uma consulta oriunda do Presbitério de Castro, Paraná, quanto à
possibilidade de um obreiro presbiteriano ser comunista. Na deliberação em apreço, é
reafirmado que todos os oficiais (diáconos e presbíteros) e ministros (pastores), devem aceitar
a Bíblia como norma daquilo que se crê e do que se pratica, bem como a sua Confissão de Fé.
“Quando qualquer prova se possa fazer contra membro ou membros da IPB de que já não
mais aceitam a Palavra de Deus e seus símbolos de fé por adotarem uma filosofia em choque”
com a Bíblia, seja na sua totalidade ou partes dela, deveria ser apresentada ao Concílio
competente para que as devidas providências fossem tomadas (DIGESTO PRESBITERIANO
1961-1970. SC-66-074 – Pbt. de Castro – Consulta – Doc. XXXIV). Logo, conforme esta
decisão da Igreja Presbiteriana do Brasil, ser comunista é estar em oposição ao pensamento e
orientação bíblicas.
As concepções teológicas e políticas alcançam os próprios seminários da denominação.
Era imprescindível o combate a uma formação contrária aos princípios adotados pela Igreja
Presbiteriana do Brasil. Tanto que, no Supremo Concílio de 1966 uma importante decisão
fora tomada, afetando diretamente o berço de qualquer desvio doutrinário ou político, que era
a formação acadêmica dos futuros ministros da Igreja. Nesta reunião ficou decidido que se
devia:
1) Reconhecer que uma situação de fato existe que compromete o
futuro da Igreja; 2) Declarar que, embora respeitando o foro íntimo de
cada indivíduo, a IPB não entende que a liberdade de exame implique
na abertura de suas portas a toda sorte de dúvidas e heresias; 3)
Determinar que os professores dos seminários da IPB se dediquem ao
preparo intelectual e espiritual de seus alunos e se abstenham de
propaganda e práticas ecumenistas e ideológico-políticas; 4)
Determinar às congregações que cancelem as matrículas de todos os
alunos cujas ideias ou cuja conduta seja havidas pelas Congregações
de Professores ou pelas entidades superiores da administração,
187
incompatíveis com os padrões éticos e doutrinários da IPB [...]
(DIGESTO PRESBITERIANO 1961-1970. SC-66-091 – Seminários
– Doc. VI).
Pode-se afirmar que esta foi uma medida profilática que até hoje reverbera em suas
consequências, dada o seu alcance. Reconhecida como necessária por muitos e também
abusiva por outros. No entanto, ela não pode ser julgada apenas por leitura pura e simples sem
o devido conhecimento do contexto em que fora tomada, o que cabe a outras pesquisas, pois
foge ao escopo desta.
Retomando o contexto local, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá teve poucos membros
envolvidos diretamente na política partidária. Um dos poucos exemplos é Edward Reis Costa,
deputado estadual no início da década de 1960. Porém, mais significante para a pesquisa do
que a legislatura em si, foi o seu pronunciamento ao Conselho da Igreja por ocasião de sua
mudança para a cidade de Três Lagoas em 1962. Ainda que em germe, já se faz sentir em suas
palavras a ideia de que o seguimento evangélico também precisava se fazer representar
politicamente, ocupando e influenciando também estes espaços sociais. A este encontro foi
dedicado o seguinte registro:
O senhor Presidente em sequência deu a palavra ao irmão presente Dr.
Reis Costa, o qual fez ciência em ligeiras palavras, ao Conselho com
referência a política dentro da nossa organização religiosa e mostrou a
necessidade dos evangélicos interessarem pelos candidatos
evangélicos, a fim de que os negócios públicos não ficarem
unicamente em mãos de elementos incrédulos e inescrupulosos,
interessando somente em si mesmo ou em um pequeno grupo, mas
sim em elementos que pudessem também levar a sua influência
benéfica a aqueles elementos sem esta consciência ou predisposição
de servir e com a finalidade de trabalhar para sempre engrandecer o
nosso Estado e País. E tendo sempre em vista a recomendação do
Senhor Jesus, dizendo que o crente deve ser o sal da terra, levando
assim as suas influências benéficas ao convício que Deus o colocar.
Testemunhando sempre o nome glorioso do senhor Jesus. Foi apoiada
a teoria apresentada pelo irmão Dr. Reis Costa ao Conselho da Igreja
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Livro 5, Ata 337 de 06 de abril de
1962).
O que deve ser observado no final deste registro é que o Conselho toma a palavra do
parlamentar como uma “teoria”, a qual foi endossada pelo colegiado reunido. Em certa
medida, esta “teoria política” ecoa a tese já defendida por Weber de que o comportamento
político e social dos puritanos ingleses podia ser definido como “ascese intramundana”.
188
Certamente, de algum modo, esta concepção política acompanhou a trajetória puritana e
calvinista até o desembarque dos primeiros missionários norte-americanos no Brasil.
No entanto, a médio e longo prazo, a teoria política puritana deixaria de ser posta em
prática pelos protestantes presbiterianos cuiabanos. Ou seja, todos os registros encontrados
nos livros de atas do Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, principalmente a partir do
período militar, apontam muito mais na direção de como ela poderia se beneficiar dos favores
políticos do que propriamente poderia fazer em favor da política, o que em si acaba por ser
mais uma contradição dentro de uma igreja de confissão reformada e herança protestante.
A primeira indicação deste comportamento pode ser observada num gesto de gratidão a
dois deputados estaduais que colaboraram com a Igreja Presbiteriana de Cuiabá durante suas
gestões na Assembleia Estadual. Ficou lavrado em ata que o Conselho resolveu saudar
oferecendo um cartão de felicitação “[...] aos dois ilustres homens públicos, também pela
valiosa colaboração, prestada a nossa Igreja durante as suas gestões na Assembleia Legislativa
do Estado, trata-se dos irmãos Dr. Antônio Alves Duarte e Dr. Edward Reis Costa [...]”
(LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro
6, Ata 452 de 29 de dezembro de 1966, fl. 25, verso).
Aliás, esta conduta se tornaria repetitiva à medida que se avançava os anos do governo
militar. Logo, o comportamento político da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, pode ser dividido
em três cenários: da sua fundação até 1957, data em que se encerra a gestão da Missão NorteAmericana sobre a igreja; do ano seguinte ao fim do período militar; e da redemocratização
em diante.
No primeiro, devido à presença norte-americana na direção da Igreja, se nota uma postura
política muito mais coerente com a tradição puritana calvinista americana, sobre a qual o
protestantismo havia sido fundado em Cuiabá. No cenário seguinte, contradizendo em boa
medida o anterior, nota-se uma aproximação da Igreja Presbiteriana de Cuiabá com o mundo
político, porém muito mais no sentido de se beneficiar dele. Já no terceiro, após um breve
momento de euforia com a implantação da Nova República, a consciência política dos
membros da igreja torna-se muito mais particularizada e pragmática, sem uma linha teórica
unificadora que possa ser identificada com a tradição protestante.
Retomando os documentos que sustentam as observações acima esboçadas, seguem-se
quatro registros em atas que inclui desde a transferência de verba visando atividades
189
educacionais, até a solicitação de terreno para futuros projetos da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá. O primeiro relato traz que o pastor:
[...] apresentou ainda para conhecimento do Conselho ter sido o
portador da importância de Cr$ 400.000,00 (quatrocentos mil
cruzeiros), dos cofres do Estado à tesouraria da Igreja, importância
esta doada pelo governo para fins educandários, desta entidade.
Destaca-se, portanto, o destino da referida verba, 100.000,00 cruzeiros
destinados à construção da escola evangélica primária do Areião e
300.000,00 cruzeiros, aplicados de igual modo em Várzea Grande [...]
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 6, Ata 453 de 23 de janeiro
de 1967, fl. 27, verso).
Outro pleito da Igreja Presbiteriana de Cuiabá é o pedido de um terreno na área do Centro
Político Administrativo por ocasião de sua urbanização. Numa reunião do Conselho, no ano
de 1974, foi dada a entrada do seguinte relatório:
[...] do diácono Dr. Abel quanto ao plano do Conselho de aquisição de
uma área de terra no Centro Político Administrativo desta Capital,
dando ciência do que o Diretor daquele órgão recomenda os seguintes
passos: 1º - Requerimento ao Sr. Governador solicitando a área
mencionada e as finalidades. 2º - Até um ano após o deferimento do
requerimento a elaboração de um projeto. 3º - Até um ano após a
aprovação do projeto o início da construção. Diante do exposto
resolve-se que o diácono Abel junto ao Pastor, elabore o requerimento
a ser encaminhado apresentando-o para o conhecimento do Conselho
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 7, Ata 571 de 15 de julho de
1974, fls. 21, verso e 22, frente).
Nas justificativas apresentadas para o pedido no ano seguinte, ou seja, 1975, encontra-se
a construção de um hospital. Também é adicionado ao pleito a solicitação de uma área para a
construção de um amplo santuário, dependências educacionais e uma residência pastoral. A
descrição detalhada dos acréscimos à solicitação anteriormente feita é transcrita em seu
inteiro teor, inclusive com a ampliação da área requerida:
O Conselho reconsidera o pedido de área feito ao Governo do Estado
de Mato Grosso, no Centro Político Administrativo, para construção
de um Hospital Evangélico, para corrigir um engano a saber, que a
área solicitada deve ser de 20.000 metros quadrados para o Hospital e
não 2.000 metros quadrados como consta no primeiro requerimento.
Quanto a área do Templo Presbiteriano que seja suficiente para a
construção de um amplo santuário com dependências para Educação
Cristã e residência pastoral, se possível na mesma praça ou avenida
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
190
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 7, Ata 588 de 05 de outubro
de 1975, fl. 69, frente).
Uma vez que, com o passar do tempo, a solicitação não era atendida, a negociação para a
aquisição da área já se encaminhava para a Área Industrial da cidade. Numa nova reunião do
Conselho, o pastor da igreja, Aristóteles Ferreira da Fonseca relata ao Conselho:
[...] o requerimento da área de 20.000 m2 no Centro Político
Administrativo de Cuiabá, encaminhado ao Sr. Governador no ano de
1975, não foi ainda despachado pelo governo, e sendo assim o pastor
entrou em contato com o Sr. Secretário de Estado da Indústria e
Comércio, o Eng. Agr. Macao Tadano e com seus assessores Econ.
Aríosto dos Santos Lima e Dr. Ivo Scaff recebendo deles a sugestão
para que a Igreja solicite uma área no Distrito Industrial de Cuiabá,
com a finalidade de construção de um templo com condições para
abrigar 700 fiéis e um Hospital Geral Evangélico com capacidade de
até 250 leitos, sugestão esta aceita pelo Conselho da Igreja (LIVRO
DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ, Livro 08, Ata 615 de 20 de junho de 1977, fls. 19, frente e
verso).
Pode ser visto neste tópico a trajetória inicial das concepções políticas da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá. Esta foi mudando aos poucos os seus fundamentos teóricos políticos
e assumindo uma atuação muito mais pragmática. Emblemática é a recusa num primeiro
momento de um terreno doado pelo governo do estado e num segundo momento, a própria
Igreja tomar a iniciativa de solicitar tal doação. No tópico seguinte será visto, no período
militar, como este tipo de relação se aprofundará, até o momento em que a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá não poderá mais ser identificada com uma linha teórica política em
específico.
4.2 O LEVIATÃ OLHA PARA TUDO COM DESPREZO
No livro bíblico de Jó há a figura de um animal chamado “leviatã”. Sem entrar nas
considerações de que animal seria este, Thomas Hobbes (1588-1679) escreveu um livro que
levaria o nome da criatura e que se tornou um clássico político. Na literatura bíblica as
referências a este animal são de força e poder:
191
E, quanto ao monstro Leviatã, será que você pode pescá-lo com um
anzol ou amarrar a sua língua com uma corda? [...] Só de olhar para
o monstro Leviatã as pessoas perdem toda a coragem e desmaiam de
medo. [...] Agora vou falar das pernas do Leviatã, do seu tamanho e da
sua força sem igual. Quando o Leviatã espirra, saem faíscas; os seus
olhos brilham como o sol ao amanhecer. [...] O Leviatã olha para
tudo com desprezo e entre todas as feras orgulhosas ele é rei
(BÍBLIA SAGRADA, Livro de Jó, capítulo 41, versículos 1, 9, 12, 18
e 34, Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Negrito meu).
Devido a essa superioridade em relação aos outros animais e ao próprio homem, é que
Hobbes toma por empréstimo essa figura e a aplica em sua metáfora do Estado. Assim diz o
filósofo político:
Na realidade, graças à arte criamos esse grande Leviatã a que
chamamos República ou Estado (em latim, Civitas), que nada mais é
que um homem artificial, bem mais alto e robusto que o natural, e que
foi instituído para sua proteção e defesa; nele, a soberania é uma
alma artificial que dá vida e movimento a todo o corpo; os
magistrados e outros oficiais de justiça e execução são ligamentos
artificiais; a recompensa e o castigo (mediante os quais cada
ligamento e cada membro vinculado à sede da soberania é induzido a
executar seu dever) são os nervos, que fazem o mesmo no corpo
natural; a riqueza e a abundância de todos os membros particulares
constituem sua potência; a salus populi (a segurança do povo) é seu
objetivo; os conselheiros, que informam sobre tudo o que é preciso
conhecer, são a memória; a equidade e as leis, uma razão e uma
vontade artificiais; a concórdia é a saúde; a sedição, a enfermidade; a
guerra civil, a morte (2009, p. 17. Grifo meu).
Ressalvando as devidas diferenças com as monarquias absolutistas da Era Moderna e
possíveis anacronismos, a figura do leviatã também foi tomada de empréstimo do clássico
hobbesiano e da literatura bíblica como tema deste subtítulo. O objetivo é usá-la como uma
referência ao governo estabelecido pela ditadura militar no Brasil. Ou seja, um governo,
usando mais uma vez a terminologia de Hobbes, “soberano”, consequência do seu tamanho e
força e que fez da segurança nacional seu slogan. Logo, neste tópico, o objetivo será analisar
o relacionamento entre a Igreja Presbiteriana de Cuiabá e o regime militar estabelecido no
Brasil entre os anos de 1964 e 1984.
Inicialmente é necessário mencionar que há duas pesquisas realizadas especificamente
sobre a Igreja Presbiteriana do Brasil e o regime militar. A primeira, uma Dissertação de
Mestrado, defendida em 2006 na Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, no
programa de pós-graduação em História. Seu autor, Eduardo Guilherme de Moura Paegle,
192
defende a proximidade e o alinhamento da direção da Igreja Presbiteriana do Brasil com o
regime. A dissertação tem por título “A posição política da Igreja Presbiteriana do Brasil
(IPB) nos anos de chumbo (1964-1985)”.
O segundo trabalho, uma Tese de Doutorado, também em História, foi defendida na
Universidade Estadual Paulista – UNESP , Assis, em 2013. A Tese “O respeito à lei e a
ordem: presbiterianos e o governo militar no Brasil (1964-1985) foi defendida por Silas Luiz
Souza. Ambos os pesquisadores defendem o alinhamento da direção da Igreja Presbiteriana
do Brasil ao regime aludido. As razões apresentadas para este apoio são encontradas no
combate ao comunismo, à formação liberal protestante ao estilo americano e puritano,
principalmente no que concerne à liberdade religiosa e à oposição ao catolicismo alinhado à
Teologia da Libertação, com seus equivalentes dentro da própria Igreja Presbiteriana do
Brasil, além do medo da anarquia entregue ao sindicalismo. Além destas razões, há também a
influência norte-americana, segundo Souza, o qual salienta que o presbiterianismo:
[...] teve a presença de missionários [norte-americanos] até meados
dos anos setenta do século XX. Para nosso objeto é importante
perceber a relação do presbiterianismo com a cultura norte-americana.
Isso ajuda a construir o sentido do apoio ao governo militar como um
amparo a um governo austero, com autoridade para defender a
sociedade, cujos padrões estavam presentes na nação cristã tida como
modelo. No imaginário do povo presbiteriano, os Estados Unidos
apareciam como nação modelo a ser seguida (p. 102).
Essa “defesa da sociedade” seria a luta contra o comunismo e os valores dele decorrentes,
principalmente quanto à liberdade religiosa, tendo em vista o que ocorria em outros países
comunistas, a exemplo da URSS e leste europeu.
Para Aristóteles Ferreira da Fonseca, não se pode afirmar que o Brasil se tornaria
comunista, caso não tivesse ocorrido a “revolução”, mas havia totais condições para tal.
Ainda no seu entendimento, o período militar foi muito bom para Mato Grosso, muito mais
por questões de infraestrutura do que mesmo ideológicas. Segue o antigo pastor da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, em sua entrevista, afirmando que Cuiabá era dominada por três
famílias: Ponce, Muller e Paes de Barros e isso acabou com a intervenção militar. Cuiabá era
visto como o “fim do mundo” e o período militar trouxe um grande desenvolvimento para
região, inclusive a mudança política. Neste sentido, ele conclui, foi bom.
193
Algumas deliberações da Igreja Presbiteriana do Brasil neste período evidenciam o
distanciamento que a denominação buscava do comunismo e instituições que cortejavam com
a doutrina. Exemplo desta intenção pode ser vista na resolução que é tomada em relação ao
Seminário Bíblico Palavra da Vida.
O Seminário Bíblico Palavra da Vida, sediado em Atibaia, São Paulo, foi fundado por
missionários norte-americanos no ano de 1965. Haroldo Heimer e Ary Bollback chegaram ao
Brasil em 1952 para o trabalho de evangelização entre os índios. O objetivo para a criação do
Seminário foi o de preparar os próprios brasileiros para o desenvolvimento desta tarefa59.
No ano de 1977, a Comissão Executiva do Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do
Brasil tomou uma decisão que restringiu o relacionamento entre as igrejas presbiterianas
locais e o Seminário. As razões apresentadas para a deliberação foram baseadas nas
informações dadas pelo Presidente do Supremo Concílio à época, Rev. Boanerges Ribeiro. A
partir delas, a Comissão Executiva considerou ambígua a doutrina implícita sobre a
compatibilidade ética do comunismo russo, marxista, com o cristianismo, esposado pela
“Organização Palavra da Vida”. Tal constatação adveio de uma publicação no “Jornal Palavra
da Vida” por meio dos artigos “Eu chorei na Rússia” e “Cristianismo na Rússia, uma
existência inquieta”.
Logo, a decisão foi para que se recomendassem às igrejas locais que, “mediante
doutrinação”, aconselhassem seus jovens e fiéis e não participarem das atividades da
“Organização Palavra da Vida”. Também que fosse recomendado aos Presbitérios e Igrejas a
não encaminharem os jovens para os cursos mantidos pela entidade (DIGESTO
PRESBITERIANO 1971-1984. CE-77-007 – Atividade da Organização Palavra da Vida –
Doc. XLIV).
Dois anos depois, em 1979, agora como Vice-presidente do Supremo Concílio, o Rev.
Boanerges Ribeiro viaja aos Estados Unidos para participar como representante da Igreja
Presbiteriana do Brasil da Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos. Em
seu relatório à Comissão Executiva de 1979, ele relata que a evangelização, tal como
compreendida pela Igreja Presbiteriana do Brasil vinha “perdendo relevo” na igreja dos
Estados Unidos para uma “libertação” em um “entendimento marxista, histórico-materialista”.
Alerta também o relatório “contra a infiltração de pessoas oriundas de tal orientação”
59
Disponível em: http://opv.org.br/portal/sbpv/sobre/historia/. Acessado em 18/06/2015.
194
(DIGESTO PRESBITERIANO 1971-1984. CE-79-016 –Rev. Boanerges Ribeiro – Relatório
de Comparecimento à Assembleia Geral da Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos – Doc.
XLV). Estas evidências demonstram a orientação política dentro da Igreja Presbiteriana do
Brasil, o que não significa que houvesse unanimidade em seus quadros. Mesmo porque, em
certa medida, o ambiente interno da Igreja Presbiteriana do Brasil, refletia a tensão política
daquele momento no território nacional. Souza ainda entende que:
As lutas internas na denominação, que de fato atingiram praticamente
todo o corpo do protestantismo brasileiro, refletiam a Guerra Fria que
separou o mundo capitalista do mundo comunista. Nos Estados
Unidos da América do Norte viu-se o capitalismo como um sistema
cheio de virtudes evangélicas e o comunismo como arma do diabo
para a derrota da fé cristã e da humanidade. Esse grupo forte dos
EUA, que alia o fundamentalismo protestante com a direita política,
sempre exerceu grande influência no Brasil, visto que diversas igrejas
são frutos do trabalho missionário norte-americano e ainda em meados
do século XX essas igrejas estavam bastante ligadas às igrejas-mães
(pp. 108-109).
São essas concepções e deliberações políticas, alinhadas ao conceito de liberdade,
“entendida principalmente como liberdade religiosa e, depois, como garantia de algumas
liberdades pessoais”, que delineiam o pensamento político dos protestantes, principalmente
dos presbiterianos. Quanto à ideia de liberdade, esta também tinha o seu viés teológico, pois a
liberdade seria uma consequência da salvação. Por sua vez, esta salvação “era entendida como
algo essencialmente individual e subjetivo, tal e qual a ideia de liberdade foi também
compreendida. Esse pensamento foi fundamental para que o presbiterianismo apoiasse o
golpe militar” (SOUZA, p. 120).
Quanto ao alinhamento político ou não do pastor da Igreja Presbiteriana de Cuiabá no
período aludido, pelas evidências gerais e pelo conteúdo da documentação pesquisada,
denota-se que este também se posicionara ao lado do grupo dominante, politicamente falando,
ainda que isso contrariasse de algum modo a sua formação. O que também pode ser
observado, a partir do registro nos livros de atas do Conselho da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá, são as subvenções do Estado de Mato Grosso a projetos educacionais promovidos
pela Igreja. A fim de que não se cometa nenhum julgamento prematuro, deve-se assinalar que
estas atividades ainda estão em funcionamento no decorrer desta pesquisa, com destaque
especial para a Escola Presbiteriana de Cuiabá, no bairro do Areão. No entanto, a contradição
fica evidente quando comparada com as orientações políticas do Conselho da Igreja nos
195
primórdios de sua instalação, em não aceitar ou até mesmo denunciar qualquer tipo de
subvenção às atividades religiosas.
Porém, o que demonstra relativa proximidade entre o governo militar e a direção da
Igreja Presbiteriana de Cuiabá pode ser verificada pelo convite do Comandante do 9º BEC
para que se realizasse um culto como parte das comemorações da semana do Exército
(LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro
6, Ata 527 de 28 de agosto de 1971, fl. 141, verso). Aliás, tal prática era frequente, incluindo
outros líderes religiosos da cidade. (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 6, Ata 529 de 21 de novembro de 1971, fl. 144,
verso).
Contudo, a proximidade entre o governo e a Igreja Presbiteriana de Cuiabá não estava
restrita apenas a subvenções para atividades educacionais, ou cerimônias religiosas em
unidades militares. Na década de 1970, o pastor comunica a parceria entre a Secretaria de
Educação do Estado e as igrejas de Cuiabá para o ensino religioso nas escolas, como segue:
O pastor deu conhecimento ao Conselho de sua escolha e nomeação
pela Secretaria de Educação e Cultura deste Estado para elaboração de
currículo de ensino religioso para as escolas da rede oficial de 1º e 2º
graus, juntamente com outros elementos evangélicos e católicos em
Comissão e apresentar o plano de ensino já elaborado para as
primeiras 4 séries do 1º grau bem como o anteprojeto de estatuto
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 6, Ata 553 de 06 de maio de
1973, fl. 188, frente).
Outro registro feito pelo Conselho da Igreja, e ao que parece feito sem nenhum
constrangimento, é a ajuda financeira para atividades internas da própria Igreja. Nele lemos
que o Conselho:
[...] toma conhecimento de que o governo estadual votou uma verba
de Cr$ 2.000,00 (dois mil cruzeiros) de no. 3.342 de 17/08/73. Auxílio
para fins sociais e econômicos para a Igreja Presbiteriana de Cuiabá,
destinada ao Congresso da mocidade do Presbitério de Cuiabá que foi
recebida em 13/09/73 e encaminhada ao fim a que se destinava. O
Pastor apresenta a prestação de conta da mocidade da utilização pela
federação da mocidade Presbiteriana de Mato Grosso da verba
referente a ordem 3.342 no valor de 2.000,00 (dois mil cruzeiros) de
acordo com os contratos de locação de veículos para viagem a San
Matheus e Salto do Céu no total de Cr$ 2.188,00 (dois mil, cento e
oitenta e oito cruzeiros). A prestação de contas recebe a aprovação do
196
Conselho por ter sido aplicada fielmente ao fim a que se destinava
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 6, Ata 559 de 01 de outubro
de 1973, fls. 194, verso e 195, frente).
Tal benefício põe em relevo uma proximidade considerável entre a liderança da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá e a administração do Estado. Este é um tipo de situação em que a
separação entre poder temporal e poder espiritual ficava bem tênue. Porém, o que não pode
ser omitido era que naquele momento político do país, este tipo de aproximação do governo
militar com instituições eclesiásticas não se dava apenas com os presbiterianos em particular,
mas com as igrejas em termos gerais. Aliás, relacionamento este cada vez mais intrínseco com
o passar dos anos.
No entanto, numa época em que a participação de evangélicos na política partidária era
diminuta e quase inexistente a sua presença nas diversas assembleias legislativas do país, não
se pode esquecer que parte desta proximidade entre a Igreja Presbiteriana de Cuiabá e o
governo do Estado de Mato Grosso se deve em grande medida a presença também de um de
seus membros, Edward Reis Costa, no quadro político regional, como deputado estadual. A
cessão do título de utilidade pública estadual à Igreja denota bem esta realidade:
Toma-se conhecimento através do Diário Oficial do dia 20 de maio de
1974, que pela lei número 3.394 de 15/05/74, a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá, foi declarada de utilidade pública pelo Sr. Governador do
Estado de Mato Grosso, Dr. José Manoel Fontanilho Fragelli. Por tão
auspicioso acontecimento, o Conselho resolve registrar o seu
agradecimento ao Dr. Edward Reis Costa pela iniciativa a Assembleia
Legislativa, pelo encaminhamento do processo e ofício ao Sr.
Governador do Estado, agradecendo o sancionamento da referida lei
(LIVRO
DE
ATAS
DO
CONSELHO
DA
IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 7, Ata 570 de 03 de junho de
1974, fl. 19, frente).
Porém, iniciativas como estas mencionadas não eram vistas pela própria igreja como
“favores particulares” e nem como algo que contrariasse os princípios orientadores da relação
entre governo civil e eclesiástico, expresso na sua Confissão de Fé. Pelo contrário, são vistos
como “portas abertas” e “oportunidades” para a expansão do evangelho. Exemplo disto foi a
inclusão de um culto na posse do governador Garcia Neto em 1975. Apesar de um pouco
longa a transcrição, ela demonstra bem o espírito com que era recebido tal evento na
comunidade protestante:
197
Resolve-se registrar em Ata para efeito histórico que pela primeira vez
em Mato Grosso e quem sabe no Brasil, foi incluído na programação
de posse do Governador um culto de Ação de Graças em nosso
templo, no dia 16 de março do corrente ano. Estiveram presentes não
somente o Dr. Garcia Neto, governador, Dr. Cássio Leite de Barros,
vice-governador, com esposas e os doze (12) secretários e senhoras.
Como senadores, deputados federais e estaduais, assim como
prefeitos, vereadores e grande número de autoridades civis, militares e
eclesiásticas. Foi pregador especialmente convidado o Rev. Nehemias
Marien, pastor da Igreja Presbiteriana de Guanabara, que pregou
oportuna e inspiradora mensagem sob o tema: “O governo de
sabedoria e justiça”, baseado em 1 Reis 3.5-9. O coral teve excelente
participação sob a regência da professora Léa Saliés Fonseca. Na
oportunidade quando o templo comportava apenas parte dos visitantes
e os evangélicos ouviram a mensagem pelos altos falantes e pela
Rádio “A Voz do Oeste”. Duas bíblias foram entregues ao
Governador e a Vice-Governador pelos Reverendos Nehemias e
Aristóteles e um Novo Testamento dos “Gideões Internacionais”, foi
entregue por uma equipe de jovens da nossa Igreja a cada um dos Srs.
Secretários do Estado. Deve-se este grande acontecimento que,
ofereceu a Igreja grande oportunidade de testemunho, a influência
atuante, principalmente do Dr. Edward Reis Costa, - membro desta
Igreja, Secretário do Interior e Justiça. Contamos ainda com a
influência do Secretário da Saúde, Dr. Antônio Alves Duarte,
Presbítero da Igreja Presbiteriana de Dourados e Dr. David Balamine,
batista de Campo Grande, Chefe da Casa Civil. Com gratidão a Deus
se verifica que as portas se abrem de maneira desafiadora para o
testemunho evangélico em Cuiabá (LIVRO DE ATAS DO
CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 7,
Ata 581 de 31 de março de 1975, fls. 48, verso e 49 frente. Negrito
meu).
Aliás, esta não foi a única ocasião registrada da participação da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá ou de membros de sua liderança em posse de autoridades civis. Em 1976, o pastor da
Igreja relata que por iniciativa da própria “Câmara Municipal e do Sr. Prefeito Municipal, Dr.
Emanuel Rodrigues Palmo, foi dirigido um culto de ação de graças em que pregou o próprio
Pastor, no dia 07 de abril deste ano, antecipando o aniversário da Capital” (LIVRO DE ATAS
DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 7, Ata 598 de 26 de
abril de 1976, fls. 89, verso e 90, frente). Situações como estas pareciam corriqueiras, pois em
outra ocasião seria resolvido:
[...] indicar Comissão composta pelos irmãos Rev. Aristóteles,
Presbíteros Maurício e Mesquita e os Diáconos Alinor, José Vieira e
Manoel Seixas Filho a fim de representar a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá no Culto de Posse do Governo Estadual no culto a ser
realizado no próximo domingo (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO
198
DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 08, Ata 722, de
05 de março de 1983, fl. 177, frente).
Nota-se também, em outros registros, que a relação entre a Igreja Presbiteriana de Cuiabá
era próxima o suficiente para que sua liderança se sentisse à vontade para pleitear recursos
públicos a fim de atender suas demandas, tal como segue:
Toma-se conhecimento de que o Pastor oficiou aos deputados Ary
Leite de Campos, Oscar Costa Ribeiro, Lourdes Machado, Antônio
Correa da Costa e Orácio Cerzózimo, solicitando auxílio para a Escola
Evangélica de Várzea Grande (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO
DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 7, Ata 591 de
30 de novembro de 1975, fl. 75, verso).
A prática do uso de verbas públicas já havia sido, inclusive, objeto de debate no
Presbitério de Cuiabá. Numa de suas reuniões ficou estabelecido que as igrejas locais
deveriam fazer uso de tais verbas somente se estas já estivessem previstas no orçamento do
Estado ou da União, que não implicasse em compromisso político e que fossem aplicadas
apenas ao campo assistencial (PRESBITÉRIO DE CUIABÁ. Ata da 16ª Reunião Ordinária
realizada em 03 a 06 de janeiro de 1973, fl. 129, frente).
No entanto, membros do próprio Governo do Estado se antecipavam em se colocar à
disposição da Igreja para atendê-la em suas solicitações. O comunicado seguinte aponta o
livre trânsito entre estas duas esferas, a civil e a religiosa:
Recebe-se telegrama do Sr. Heronides Araújo, comunicando ter sido
indicado Secretário Chefe da Casa Civil do Governo de Mato Grosso,
e colocando seus préstimos à disposição da igreja e pedindo oração
dos irmãos para que o Senhor o abençoe na função ora recebida.
Resolve-se registrar e comunicar ao mesmo os agradecimentos da
igreja (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro 08, Ata 706, de 20 de março
de 1982, fl. 151, frente).
A relação entre a Igreja e o poder público era tão próxima que o Conselho da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá já contava com a eventualidade de conseguir subsídios públicos para
despesas internas, o que fica claro na deliberação abaixo, em que se resolve aprovar:
[...] a participação do Rev. Aristóteles juntamente com o Rev. Valter
Moura, do Congresso Brasileiro de Evangelização à realizar-se em
Belo Horizonte nos dias 31/10 a 05/11/83, com passagem de avião,
caso não seja conseguidas junto aos irmãos influentes dos diversos
órgãos do governo, será por conta da igreja (LIVRO DE ATAS DO
199
CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Livro
08, Ata 732, de 08 de outubro de 1983, fl. 194, frente).
Pode ser mencionado também que as práticas anteriormente mencionadas eram vistas
com tal naturalidade que até mesmo em boletim de circulação interna eram transcritas, ao que
parece, sem nenhum constrangimento. Este foi o caso da doação por parte do Prefeito de
Cuiabá, Dr. Arnildo Lima Barros, da quantia de 80 postes de concreto para cercar o terreno
daquela Congregação no bairro do CPA. (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 30 de junho de 1985, número 974). Cabe apenas relembrar que essas práticas
contrariavam a orientação do Presbitério de Cuiabá, dada há quase uma década.
Por fim, há o registro de uma transação entre a Igreja Presbiteriana de Cuiabá e o Estado
que ocorreu já na Nova República, mas para que a lógica de argumentação forme um todo
coerente, será mencionado neste subtópico. Trata-se da construção do novo templo que está
numa área concedida pelo governo do Estado no Centro Político Administrativo. O primeiro
registro desta concessão está na Livro de Atas do Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá,
Ata 1058 de 29 de junho de 2006, página 10: “Toma-se conhecimento da necessidade de
envio de um ofício para o governo do Estado de Mato Grosso para fins de obtenção de um
terreno para a Igreja Presbiteriana de Cuiabá”. Explicando o contrato, ainda há o registro de
que a “área onde a obra será erguida é fruto de Contrato de Concessão de Uso de Bem Imóvel
a título gratuito celebrado entre o Estado de Mato Grosso através da Secretaria de Estado e
Administração – SAD e a Igreja Presbiteriana de Cuiabá” (LIVRO DE ATAS DO
CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Ata 1076 de 02 de setembro de
2007, p. 23). Enfim, sem discutir a legalidade dos atos mencionados entre a Igreja e o Estado,
pois este não é o objetivo da pesquisa, verifica-se uma mudança profunda no comportamento
político da liderança da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, o que chega a ser contraditório.
4.3 A JUSTIÇA E A PAZ SE BEIJARAM
A década de 1980 foi uma época de grandes transformações de impacto global e de
mudanças no cenário nacional, o que inevitavelmente acabou por influenciar na esfera
religiosa, o que inclui, obviamente o protestantismo. O esfacelamento da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, a queda do Muro de Berlim, o rápido desenvolvimento das
200
telecomunicações, o aquecimento dos mercados globais e o advento da internet, são só alguns
exemplos de fenômenos que contribuíram para as transformações sociais vivenciadas.
Começa então um processo definido como globalização, que no entendimento de Bauman
aponta para um “Estado [que] não tem mais o poder ou o desejo de manter uma união sólida e
inabalável com a nação”, o que consequentemente abriu espaço para a atuação de outros
protagonistas, principalmente aqueles ligados ao capital internacional (2005, p. 34).
No Brasil, de modo especial, temos o fim do Regime Militar, a Emenda Constitucional
05/1983 do Deputado Federal por Mato Grosso, o cuiabano Dante de Oliveira, a qual
desencadeou o movimento popular “Diretas Já”, a promulgação da Constituição de 1988, o
fim do discurso nacionalista das décadas precedentes, a abertura para o mercado global e,
consequentemente, o impacto de transformações que mundialmente ocorriam. Logo, na
política brasileira, de modo especial, o clima era de expectativa e esperança. A proximidade
do fim do período militar e a volta das eleições diretas para presidente criavam uma atmosfera
de tempos novos e melhores. Ambiente este, captado e retratado na letra da música Tempos
Modernos de Lulu Santos, em 1982: “Eu vejo um novo começo de era, de gente fina, elegante
e sincera. Com habilidade pra dizer mais sim do que não”.
Sobre a expressão, “a justiça e a paz se beijaram”, esta foi retirada de um salmo
messiânico (85.10), ou seja, de uma literatura poética judaica. No texto em específico, o autor
também remete o leitor a grande expectativa de que haveria um novo tempo inaugurado pela
vinda de um Messias, descendente direto da linhagem de Davi. Este tempo seria de paz e
todas as questões sociais seriam tratadas de modo justo. Por isso, a expressão foi usada
metaforicamente para abrir este tópico que trata de um período aguardado também como um
novo tempo, na história do país em geral e na história de muitas pessoas, em particular.
Pois bem, a partir da Nova República, com a abertura política do país, começa a haver
uma maior participação na política partidária, inclusive por parte dos evangélicos. Em 1993,
Paul Freston, defendeu na Unicamp sua tese de doutorado em Sociologia que teve por título
os Protestantes e política no Brasil: da constituinte ao Impeachment. Nela, logo de início, o
autor afirma que a atuação protestante na política brasileira é fenômeno da Nova República
(1993, p. 1). Continua Freston:
Com a redemocratização, ficou patente o cacife eleitoral evangélico.
O tamanho numérico e a expansão rápida já seriam motivo de
interesse. Outros fatores aumentam o potencial político: o alto índice
201
de prática e o forte sentimento de minoria, aliado à natureza sectária
da socialização pentecostal, fazem dessa comunidade um reservatório
político relativamente fácil de atingir. É possível que o voto
evangélico tenha definido a eleição presidencial de 1989. A
compreensão dessa nova realidade e de suas tendências tornar-se-á
vital para um entendimento das perspectivas para a democracia
brasileira, na medida em que estas se vinculam à questão da cultura
politica (Ibidem, p. 21).
Em particular, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, objeto desta pesquisa, começa também a
assumir publicamente posturas políticas, até então mantidas no nível do relacionamento da
liderança da igreja local com representantes da máquina estatal. A partir de então, seus
pronunciamentos passaram a se dirigir não apenas a política partidária, mas também a
questões de interesse público, inclusive de natureza internacional, o que denota uma
aproximação entre a realidade local e a global. Exemplos deste engajamento podem ser vistos
nos avisos divulgados nos boletins informativos dominicais. Um deles traz o conflito na
Nicarágua, no início da década de 1980, durante o período revolucionário sandinista. O aviso
dizia que:
A IGREJA NA NICARÁGUA pede orações das Igrejas brasileiras.
O povo, oprimido pelo governo que tenta instalar-se sobre pressão
comunista, vê o seu país ruir-se em chamas. As Igrejas clamam por
justiça e vida e neste brado, muitos são fuzilados. Esta é a informação
que um pastor batista dá em uma entrevista concedida ao jornal
evangélico “Contexta”. Oremos pelos irmãos da América Central
(IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Informativo
Dominical, número 941, ano XXI, de 21 de outubro de 1984).
Antes de continuar, ainda pode ser notado pelo aviso acima transcrito, que mesmo
distante temporalmente, e em algumas situações, longe conceitualmente da orientação política
dos seus primórdios, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, como quase a totalidade das igrejas
evangélicas, mantém o seu viés anticomunista. Vê-se claramente a responsabilização ao
governo socialista pela opressão e, inclusive, pelas execuções de cristãos na Nicarágua.
Em outro boletim, a comunidade evangélica também é incitada a posicionar-se nos
acontecimentos sociais na região. Este é um tipo de chamada que concita ao exercício do
ativismo político, não só dos membros como cidadãos individualmente, mas da igreja como
instituição. No caso específico, na disputa por terras no interior de Mato Grosso. De modo
direto e incisivo é noticiado:
202
VIOLÊNCIA EM JAURU. No último conflito travado na cidade de
Jauru, entre posseiros e soldados, verificou-se um acidente entre as
pessoas que nada tinham a ver com a contenda. Neste conflito, diga-se
de passagem, violento e inescrupuloso, um crente batista foi atingido
por um projétil vindo a falecer instantaneamente. Fatos como estes
vêm ocorrendo em diversas partes do país, no qual inocentes tem
pagado por erros de irresponsáveis. A comunidade evangélica deve
orar e posicionar-se numa atitude de protesto cristão (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ, Boletim Informativo Dominical de
18 de novembro de 1984, número 945).
Destaque especial deve ser dado na conclusão do aviso acima: “A comunidade evangélica
deve orar e posicionar-se numa atitude de protesto cristão”. Esta é uma chamada a um
engajamento político, até certo ponto, inovadora no meio da Igreja Presbiteriana de Cuiabá.
Neste sentido, a comunidade evangélica começa a apresentar uma consciência de uma
participação mais efetiva e protagonista dos acontecimentos sociais e políticos. Tanto que, no
mesmo boletim, há também uma pequena chamada para o dia 10 de dezembro, pois nesta data
seria “lembrado por todas as Igrejas e organismos membros da C.L.A.I. (Conselho Latino
Americano de Igrejas) o dia dos Direitos Humanos. Esta data lembrará os 36 anos de
existência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948”
(Ibidem).
O que se observa é que os avisos dominicais começavam a dedicar um espaço maior a
estas ocorrências do que apenas a avisos de atividades internas. Outra evidência que ilustra
essa nova orientação editorial, pode ser observado no Boletim Informativo de 29 de junho de
1986, número 1021. Nele há a notícia de que igrejas evangélicas no Brasil estariam se
movimentando para “enviar um documento ao governo no sentido de reivindicar o
rompimento das relações diplomáticas do Brasil com a África do Sul, por causa do regime
racista, instalado naquele país”.
Exemplo mais recente deste tipo de engajamento é a militância em favor da “Lei
Muwaji”. Este Projeto de Lei, número 1057, já aprovado na Comissão de Constituição e
Justiça e aguardando votação em plenário do Congresso, versa sobre a proteção de crianças
sujeitas ao infanticídio em algumas culturas indígenas. Este projeto foi apresentado pelo
Deputado Henrique Afonso (PT/AC) em 2007 e foi batizado de Lei Muwaji em homenagem à
coragem da indígena Muwaji Suruwaha. Pela tradição do seu povo ela deveria ter sacrificado
sua filha Ignani, que nasceu com paralisia cerebral, o que não fez. (IGREJA
203
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 30 de março de 2008, número
2007).
Enfim, em termos políticos, começa a haver um posicionamento mais contundente por
parte da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. No entanto, não pode ser esquecido que um dos
momentos mais emblemáticos do início da Nova República tem a ver com o não
comparecimento e posterior falecimento do presidente eleito Tancredo Neves. Sobre este
episódio houve um destaque considerável nos Boletins Informativos da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá. A primeira notícia foi publicada nas seguintes palavras:
O SUSTO DO PRESIDENTE. Milhões de brasileiros aguardavam
ansiosamente pela cerimônia de posse do novo presidente da
República Tancredo Neves, na sexta-feira, porém, a decepção foi
grande quando o “Tancredo” não podia estar presente, acometido de
uma enfermidade. Passou-se uma semana e aquele dia já virou
passado, mas o presidente ainda não assumiu o Brasil. “Será golpe?!”
Quantos já não fizeram esta pergunta com medo de ser uma verdade.
Precisamos de muito cuidado naquilo em que vamos colocar a nossa
esperança. Devemos crer naquilo que Deus pode fazer e não no que o
homem é capaz de realizar. Estejamos em oração por este novo
governo, pedindo que Deus manifeste a luz da sua justiça sobre a
“Nova República” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim
Informativo de 24 de março de 1985, número 961).
Atenção especial deve ser dada não somente ao caráter noticioso do aviso, mas também a
sua natureza interpretativa. A expressão “será golpe?”, fortalece essa compreensão. Outras
palavras como, “ansiosamente”, “decepção”, “esperança”, “luz da sua justiça”, indicam que a
Igreja Presbiteriana de Cuiabá, juntamente com os demais brasileiros, também vivia dias de
expectativa. Aliás, essa ansiedade por mudança já podia ser sentida internamente, quando no
início da década de 1980, a própria comunidade presbiteriana efetua a troca do seu antigo
pastor por mais de duas décadas, por dois pastores bem mais jovens.
Voltando a expectativa na Igreja Presbiteriana de Cuiabá sobre a posse de Tancredo,
outro Boletim Informativo trouxe ainda o seguinte aviso:
A NOVA REPÚBLICA continua desfalcada do seu principal líder, o
Pres. Tancredo Neves. O Brasil todo tem vivido, nestes últimos dias,
momentos de dúvidas, incertezas e às vezes, insegurança. O papel da
Igreja frente ao Governo civil deve ser visto no espírito da
recomendação Bíblica de 1 Timóteo 2.1-2 “use a oração em favor dos
Governantes” (Trad. Interpretada). Exortamos a nossa comunidade, a
interceder pelo Presidente da República, pois antes de ser um ato
204
humano, é uma prática cristã. DEUS SALVE O PRESIDENTE
(IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Informativo de 31
de março de 1985, número 962).
Neste aviso, algumas palavras chamam a atenção. O conceito de “Nova República” já
passava a fazer parte do vocabulário político da igreja. Porém, o tom emocional permeava
toda a notícia. Expressões como “principal líder”, “momentos de dúvidas”, “incertezas”,
“insegurança”, “Deus salve o presidente” (em letras maiúsculas) e a chamada a oração pelos
governantes, evidenciam a sintonia emocional da Igreja Presbiteriana de Cuiabá com o
momento político que o Brasil atravessava.
Como não seria diferente, a morte de Tancredo Neves também recebeu destaque no
Boletim Informativo da Igreja. Nele se nota claramente que ao mesmo tempo em que a Igreja
se ressente do acontecimento, ao mesmo tempo também tenta se distanciar dele, buscando a
demarcação entre poder temporal e o poder espiritual estabelecida na Confissão de Fé de
Westminster. Ou seja, a rápida e frustrante sintonia com o cenário político nacional, foi o
suficiente para levar novamente os crentes a um local mais confortável, para um ponto de
vista muito mais metafísico. Neste boletim é declarado que:
A NOVA REPÚBLICA não viu o seu principal articulador,
presidente Tancredo Neves, subir vivo a rampa do Palácio do Planalto.
No último dia 21 o Brasil todo sentia a perda do seu grande estadista
democrata. No povo paira agora o olhar de esperança duvidosa em
relação ao futuro do País; mas na Igreja, povo de Cristo, inabalável na
fé, deve permanecer a tranquilidade e a confiança na soberania de
Deus. “Feliz a nação cujo Deus é o Senhor”. Estes eram os dizeres do
Salmo 33.12 numa faixa colocada de fronte ao Palácio do Planalto.
Este Salmo retrata com plena fidelidade onde reside a esperança e
felicidade da nação. Com a morte de Tancredo, vão os ideais políticos
do homem, porém, não vão os ideais de fé, esperança e salvação. O
Brasil, antes de tudo, precisa de Deus. A esperança deve continuar
viva nos corações do povo de Deus, a luz do que Paulo escreve aos
romanos: “Ora, a esperança não confunde, porque o amor de Deus é
derramado em nossos corações pelo Espírito do Senhor, que nos foi
outorgado” (Romanos 5.5). Sejamos nós porta-vozes da verdadeira
esperança do Brasil ao invés de nos contristarmos como povo sem
esperança (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim
Informativo, de 28 de abril de 1985, número 966).
Após este primeiro momento na Nova República, que inclui a morte de Tancredo Neves e
a posse do vice, José Sarney, outro episódio que também ganhou espaço entre os protestantes,
recebendo novamente destaque especial no noticiário interno da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá foi a Assembleia Nacional Constituinte.
205
Algumas inserções nos boletins informativos sobre este assunto deixam claro que havia
uma boa dose de preocupação por parte dos protestantes quanto a se fazerem ouvir no
Congresso. Exemplo desta preocupação é encontrado no Boletim Informativo de agosto de
1985. Nele, há a expressa anuência ao pleito do Deputado Federal Daso Coimbra (PMDB-RJ)
que reivindicou “junto ao ministro Fernando Lyra, a presença de um evangélico na comissão
de organização da constituinte, uma vez que há representação da CNBB na referida
comissão”. Conclui o aviso, ainda com um tom de perplexidade: “teremos voz e vez na
formação da constituinte como povo evangélico”? (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Boletim Informativo de 04 de agosto de 1985, número 979).
Porém, para orgulho e satisfação dos presbiterianos, o representante nomeado pelo
Presidente da República a época da Constituinte, José Sarney, para integrar a Comissão PréConstituinte, foi o Rev. Guilhermino Cunha, pastor da Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro,
a mais antiga de toda denominação. Trouxe o boletim de setembro de 1985 que “dentre os 50
nomes, o Rev. Guilhermino será a voz do povo evangélico [...]. Sua tarefa é árdua e difícil,
sejamos as colunas deste nosso irmão através da oração”. Logo, em alguma medida os
protestantes, principalmente os presbiterianos, se sentiam representados. Tanto que o anúncio
no boletim conclui afirmando que agora havia “um novo alento para interceder pelo nosso
Brasil” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 15 de setembro
de 1985, número 985). Uma semana depois, o sentimento de representatividade aumentaria
ainda mais com a indicação de outro pastor para compor a Comissão Pré-Constituinte. O
aviso vinha com título: “mais um evangélico na pré-constituinte”:
[...] a ordem dos Ministros Evangélicos do Brasil (OMEB), indicou
um dos seus membros (Pastor Congregacional) que hoje integra a
comissão pré-constituinte. Agora são duas vozes comprometidas com
o Evangelho, naquele tão importante trabalho. Ore por estes irmãos,
incumbidos de tão importante tarefa (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIBÁ. Boletim Informativo de 29 de setembro de 1985, número
987).
Contudo, esse interesse pela política nacional também era justificado teoricamente, uma
vez que este era um dos momentos propícios para os evangélicos influenciarem positivamente
os rumos do país. O argumento era que não se tratava apenas de uma participação, mas sim,
uma tomada de consciência política enquanto cidadãos ativos. De acordo com o Boletim
Informativo:
206
[...] os evangélicos não deverão apenas ter uma visão da liberdade
religiosa, e sim deverão ter a visão de Deus para a realidade do
nosso povo. O Rev. Guilhermino Cunha, representante evangélico da
pré-constituinte emitiu um telegrama aos pastores das Igrejas
evangélicas de Cuiabá com vistas à formação de um Comitê, o qual
foi constituído na última quarta-feira, sendo eleito o Rev. Sérgio como
vice-presidente; o Rev. Valter e o Presb. Maurício como assessores de
imprensa (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 20 de outubro de 1985, número 990. Grifo meu).
Este momento de interesse pela política por parte dos protestantes em geral, e da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá em particular, revela que diante do novo quadro político nacional,
acalentavam eles não somente o desejo de se fazerem ouvir, mas sim, participarem ativamente
como protagonistas no novo cenário político que se desenhava. Indicador desta tendência é a
articulação em Belo Horizonte por parte da comunidade evangélica para que se elegesse um
pastor batista como prefeito da cidade. O aviso desta notícia no boletim da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá concluía com a seguinte interrogação: “E nós? Teremos uma voz
evangélica em Cuiabá”? (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Informativo de
23 de junho de 1985, número 937).
Outro apelo com conotação política encontrado nos registros da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá refere-se às eleições para prefeito no dia 15 de novembro de 1985. Neles não há uma
indicação de nome ou partido a ser votado. Porém, segundo as descrições apresentadas,
certamente o candidato recomendado seria aquele que mais se identificasse com o perfil
evangélico. O aviso é contundente em afirmar que:
[...] é necessário que cada crente, também cidadão brasileiro e eleitor,
saiba discernir em quem confiar o seu voto. Honestidade,
responsabilidade, justiça e misericórdia são qualidades de um bom
homem público. Jesus no coração do homem é a única solução para
uma Cuiabá melhor. Ore por nossa cidade e seus líderes (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 10 de
novembro de 1985, número 993).
No entanto, a nova realidade política vivida pelo país também desafiava a relação entre
Estado e Igreja. Sem muita tradição no jogo político, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá vive nos
primeiros anos da redemocratização do país certa dose de euforia pelas “oportunidades” que
se avistavam. As inserções nos boletins comentando o cenário político brasileiro passam a ser
mais frequentes e qualquer movimentação que denote uma influência dos evangélicos no
ambiente político passa a ser incentivado. Este é o caso da instalação do “Grupo Evangélico
de Ação Política”, composto por evangélicos residentes em Brasília. O evento ainda contou
207
com uma palestra intitulada “A experiência e participação dos Evangélicos na Política
Brasileira”, proferida pelo assessor legislativo Roberto Torres Holanda. Encerra o aviso do
Boletim Informativo conclamando os presbiterianos a orarem para que “Deus suscite do seu
povo homens íntegros e capazes de conduzir o Brasil para o caminho da Paz Social e da
Justiça proposta pelo Senhor Jesus Cristo” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ.
Boletim Informativo de 23 de março de 1986, número 1007).
Era esse estado de ânimo que permeava a Igreja Presbiteriana de Cuiabá por conta da
elaboração da nova Constituição. As igrejas evangélicas brasileiras já tinham um
representante na comissão responsável por discutir o anteprojeto da Carta Magna, e este, para
orgulho dos presbiterianos, era um pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, Guilhermino
Cunha. Inclusive, esteve ele por mais de uma vez em Cuiabá promovendo debates entre a
liderança evangélica a respeito do tema. O Boletim Informativo da igreja, número 1032 de 21
de setembro de 1986 informa sobre duas reuniões na Igreja Presbiteriana do Areão, uma no
dia 20 de setembro e outra programada para o dia 27 do mesmo mês. Os temas debatidos
seriam: a participação da mulher na constituinte, aborto, divórcio e reforma agrária.
Outro momento que demandou atenção e orientação na esfera política por parte da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá foram as eleições de 1986. Lembrando que naquele ano foram eleitos
22 governadores ligados ao PMDB, dos 23 possíveis, e também os 487 deputados federais
responsáveis pela formulação da nova Constituição que seria promulgada em 198860. O
Boletim Informativo trouxe as seguintes palavras:
ELEIÇÕES 86. Você estará frente às urnas neste próximo sábado,
dando o seu voto àqueles que considera capazes de fazerem algo pelo
bem da coletividade. Mais do que isso, você estará votando naqueles
que irão representar o povo na Assembleia Constituinte. É muita
responsabilidade! O espírito da Igreja não deve ser o de eleger a fim
de operar em benefício próprio. A visão da Igreja precisa ser mais
ampla, ela precisa ver o Brasil e seus problemas. Quantos imaginam
que elegendo determinado tipo de candidato, teria benefício próprio.
Devemos votar em homem que tenha soluções substanciais para as
situações adversas do nosso país. Vá para a urna consciente desta
responsabilidade. Não vá pensando em retorno, mas no que pode dar a
este povo sofrido. A Igreja é uma comunidade profética e como tal
precisa participar deste momento com fidelidade nos princípios de
justiça e amor da Palavra de Deus (IGREJA PRESBITERIANA DE
60
Disponível em: http://www2.camara.leg.br/comunicacao/institucional/noticias-institucionais/ha-25-anos-eraeleita-a-assembleia-nacional-constituinte. Acessado em 16/07/2015.
208
CUIABÁ. Boletim Informativo de 09 de novembro de 1986, número
1038).
No dia seguinte à eleição de 15 de novembro de 1986, uma longa reflexão abriu a edição
do Boletim Informativo de 16 de novembro daquele ano. O tema era “A Igreja e a Política” e
versava sobre a responsabilidade das igrejas evangélicas no processo de redemocratização do
país. O articulista iniciou suas considerações afirmando que a Igreja é parte da população que
sofre, mas que ao mesmo tempo está cheia de esperança. Logo, ela não está alijada do
processo político, devendo ser atuante nele. Porém, segundo o autor, havia possibilidade real
de muitos crentes participarem do processo político de forma aleatória, sem o devido alcance
do momento que o país vivia. Sua conclusão era de que a participação do evangélico na
política deveria ir além do voto.
Logo, os evangélicos tinham a responsabilidade de ajudar o país a fazer o bem, e neste
caso, visando a coletividade e não grupos ou indivíduos. Outra tarefa que cabia a igreja era
lutar pela justiça, combatendo os opressores que usavam das leis em causa própria sem levar
em consideração o outro. Esse tipo de denúncia era denominado de voz profética (uma alusão
aos profetas israelenses do Antigo Testamento que denunciavam a corrupção e opressão
social em seus dias).
Mais uma vez o autor da reflexão relembra a Constituinte, enfatizando que a mesma era
responsável pela elaboração das leis do país que deveriam ser justas e visassem a comunidade
e não grupos específicos, inclusive os religiosos. Conclui: “Espero, com todo amor, que o
nosso voto não tenha visado os benefícios bons que não mais teremos no amanhã, mas que ela
tenha o espírito de justiça e vise o bem do povo que compõe nossa nação e da qual somos
parte integrante” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 16 de
novembro de 1986, número 1039).
Vivendo ainda o ambiente político e o resultado das eleições de 15 de novembro de 1986,
o engajamento, pelo menos teórico, da Igreja Presbiteriana de Cuiabá continuou durante o ano
de 1987. Um dos resultados que foram comemorados pela comunidade presbiteriana de
Cuiabá, foi a eleição para Deputada Estadual de Thaís Barbosa, membro da Igreja à época. Na
ocasião foi celebrado um “culto de gratidão a Deus pela sua vitória” (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 22 de março de 1987, número
1051). Ainda neste mesmo Boletim Informativo era publicado o pedido de orações pelo
Governador eleito, Carlos Bezerra.
209
No mês seguinte, por ocasião do aniversário de Cuiabá em 08 de abril, era comunicado
que a Igreja Presbiteriana de Cuiabá fora convidada para participar das solenidades. Esta
participação se daria por meio do pastor da igreja, Walter Moura, responsável por proferir
uma mensagem no auditório da Câmara Municipal (IGREJA PRESBITERIANA DE
CUIABÁ. Boletim Informativo de 10 de abril de 1987, número 1088). Ainda como resultado
dessa euforia inicial, foi promovido também o 1º Encontro de Políticos Evangélicos nos dias
31 de julho e 1º de agosto na sala de convenções do Hotel Palace, sob o tema “Influenciando
o Meio” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 26 de julho de
1987, sem número). Por fim, ainda no mesmo ano, o Presidente José Sarney recebe o
Presidente da Igreja Presbiteriana do Brasil naquele período, Edésio Chequer, a fim de expor
de que modo os presbiterianos poderiam contribuir para o “desenvolvimento social e
espiritual da nação brasileira”. (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim
Informativo de 18 de outubro de 1987, número 1071). Muito provavelmente, este encontro foi
recebido pelos presbiterianos de um modo geral, inclusive pela Igreja Presbiteriana de Cuiabá,
com expectativas muito maiores do que realmente veio a significar.
Após a promulgação da Constituição Brasileira em 1988, todos os Estados da Federação
precisaram readequar suas Constituições Estaduais às diretrizes da Carta Superior. No ano de
1989, o Conselho da Igreja Presbiteriana de Cuiabá envia correspondência à Assembleia
Estadual Constituinte (LIVRO DE ATAS DO CONSELHO DA IGREJA PRESBITERIANA
DE CUIABÁ, Livro 10, Ata 826 de 09 de maio de 1989, fl. 114, frente). Não se tem o teor
desta correspondência nos Livros de Atas do Conselho da Igreja. A partir de então, as
inserções nos Boletins da Igreja Presbiteriana de Cuiabá sobre política se limitaram à
orientações gerais nas eleições de 1989, 1994, 2002 e 2006.
Na primeira eleição direta para Presidente da República após o período militar, a
orientação institucional da Igreja Presbiteriana de Cuiabá, por meio de seu Boletim
Informativo era de que a escolha política deveria ser individual e secreta. Escreve o redator,
que geralmente era o pastor da igreja, que o Brasil “precisa de um bom presidente”. Porém
que esta escolha não devia ser feita por “interesses pessoais, por compromissos particulares e
por pressões diversas”. Conclui afirmando que “não queremos indicar nomes, direta ou
indiretamente”, contudo, “ao cristão convicto não é ridículo orar sobre o assunto e pedir
sabedoria necessária para votar com acerto” (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ.
Boletim Informativo de 08 de outubro de 1989, número 1152). Esse tipo de pronunciamento
vai ao encontro da constatação feita por Freston. Ele entende que “as igrejas históricas
210
cultivam a consciência do cidadão autônomo. A estrutura burocratizada e a clientela de classe
média não incentivam a definição eleitoral pela cúpula. Como a Igreja Católica, limitam-se a
‘princípios’” (1993, p. 253).
Quanto ao impeachment de Collor, em 1992, o pastor da Igreja Presbiteriana de Cuiabá
na ocasião, José de Brito Cabral, se limitou a fazer a seguinte declaração no dia 04 de outubro
de 1992:
Pelo que se noticia diariamente, através de todos os canais de
comunicação, entende-se, que o Brasil atravessa um gravíssimo
momento histórico. Entendemos que, para resgatar a credibilidade de
suas instituições e o amadurecimento do processo democrático, tanto
na preservação da constituição como nos padrões da ética política e
governabilidade do país, não havia outro caminho para a Câmara, se
não, pedir o afastamento do Presidente da República. Os evangélicos
do Brasil, através de sua associação, foi oposição aos atos do governo,
e o fez de uma forma ordeira, civilizada, no mais elevado espírito de
cidadania e cristianismo (IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ.
Boletim Informativo de 04 de outubro de 1992, número 1280).
A mesma tônica de independência política do indivíduo continua nas eleições seguintes.
Na eleição de 1994, onde foram eleitos Fernando Henrique Cardoso para presidente e Dante
de Oliveira para governador de Mato Grosso, a chamada no Boletim Informativo da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá falava de um “voto responsável, consciente e ético”. Sem maiores
esclarecimentos, o autor da reflexão, José de Brito Cabral afirma: “A mídia já elegeu certos
candidatos, se certo ou errado, não sei, estou consciente que é tarefa desafiadora de cada
cristão, tentar superar os enganos e curvar-se somente aos ditames de uma consciência
esclarecida pelo Espírito Santo”. De um modo mais direto, porém sem citar nomes, o redator
continua:
Para presidente e governador, devemos votar baseados no programa
apresentado pelo candidato, e não deixar ser influenciado pelos boatos
dos que dizem acerca de fulano ou sicrano. Nosso voto deve estar
acima dos interesses de grupos isolados, nosso alvo é o bem geral da
Pátria e do Estado. Portanto, nem um crente deve se sentir
constrangido por ter opinião política diferente à do seu pastor ou líder
espiritual. O voto é direito intransferível, a opinião pública é
individual. O nosso dever de cidadão não termina amanhã ao depositar
o voto na urna. Devemos continuar cumprindo os nossos deveres e
exigindo os nossos direitos. Devemos continuar a lutar pela justiça
social, educação ao alcance de todos, saúde, segurança, enfim, melhor
qualidade de vida para o nosso povo. É hora de votar com consciência
211
(IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de
02 de outubro de 1994, número 1368).
Com o passar dos anos, a relação de boa parte dos políticos ditos evangélicos também se
tornou fisiologista, sendo que alguns destes tiveram diretamente seus nomes envolvidos em
recentes escândalos na Nova República. O que antes era euforia começava a se tornar
desconfiança. Ou seja, a participação de políticos evangélicos não havia sido tão significativa
e influente como se pretendia. Essa decepção pode ser vista no Boletim Informativo que
antecedia as eleições do ano de 2002. O redator do texto inicia constatando que “o país está
vivendo um momento delicado: escolher homens e mulheres que irão governá-lo a nível
estadual e federal”. O tom da reflexão é bem enfático também ao afirmar que “alguns fazem
promessas que nunca poderão cumprir, não vote neles. Outros até usam o nome de Deus e da
fé em busca de apoio; visitam igrejas e participam de cultos – é lamentável” (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 08 de setembro de 2002, número
1755).
No ano de 2006, uma semana antes do primeiro turno das eleições, o Boletim Informativo
da Igreja trouxe também uma longa reflexão. Ela é iniciada com as seguintes palavras:
“Quando os homens são puros, as leis são desnecessárias; quando são corruptos, as leis são
inúteis”. O autor da citação não é identificado, mas em uma rápida pesquisa na internet pode
se obter a informação de que ela foi elaborada por Benjamim Disraeli (1804-1881), escritor e
político britânico, extraída do seu livro “Wit e Wisdom” (Prudência e Sabedoria). O texto,
produzido pelo pastor da Igreja Presbiteriana de Cuiabá na época, Uedson de Souza Vieira,
segue em tom de desabafo, enfatizando que:
[...] a sensação é de completa impotência. Os governantes, quase que
de maneira generalizada, bem como os postulantes aos governos e
casas legislativas não merecem nossa confiança, porque não se fazem
merecer. Espero que você conheça exceções, embora elas sejam
poucas. [...] Os crentes políticos, pois não me parecem políticos
crentes, estão envolvidos até a raiz do cabelo em corrupção. Eu sei
que há exceções, o problema é que elas não aparecem. [...] Não aceite
que, mesmo pastores e líderes evangélicos, definam seu voto. O dever
deles é apenas de orientar os fiéis sobre como votar com ética e
discernimento. Os líderes evangélicos devem ser lúcidos e
democráticos. Os que “fecham” com determinados “candidatos
evangélicos” erram grosseiramente contra o Corpo de Cristo, que é a
Igreja. [...] Nenhum cristão deve se sentir obrigado a votar em um
candidato pelo simples fato de ele se confessar cristão evangélico.
Antes disso, os evangélicos devem discernir se os candidatos ditos
cristãos são pessoas lúcidas e comprometidas com as causas da justiça
212
e da verdade. E mais: é fundamental que o candidato evangélico
queira se eleger para propósitos maiores do que apenas defender os
interesses imediatos de um grupo religioso ou de uma denominação
evangélica. [...] é mesquinho e pequeno demais pretender eleger
alguém apenas para defender interesses restritos às causas temporais
da igreja. Um político de fé evangélica tem que ser, sobretudo, um
evangélico na política e não apenas um “despachante” de igrejas. [...]
O servo de Cristo não vota em irmão, nem mesmo sendo ele pastor, só
porque é irmão. É necessário que ele tenha qualificações para o cargo
que almeja alcançar através do seu voto e de tantos outros (IGREJA
PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Informativo de 24 de
setembro de 2006, número 1962).
Passado, porém, a euforia do momento de redemocratização, o que se percebe daí em
diante é que temas políticos deixam de ser tratados institucionalmente na Igreja. O que se
passa a ver são as questões políticas serem praticamente relegadas à esfera do privado e da
consciência pessoal, fomentando assim uma pluralidade de correntes políticas dentro da Igreja
Presbiteriana de Cuiabá. Tal situação é de certa forma contraditória quando comparada com a
orientação institucional a um posicionamento político mais liberal democrata, como
demonstrado no início do capítulo.
213
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na introdução desta pesquisa escrevi que nos últimos anos percebia as “as
transformações na sociedade e que alguma coisa estava acontecendo com o protestantismo
que um dia conheci”, mesmo que à época não possuísse os recursos e as condições para
verbalizar o quê. Para entender este fenômeno, tomei como objeto de pesquisa a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá a partir da Nova República. Trabalhei com a hipótese de que os
efeitos da globalização, a cultura de mercado e a modernização agiram como forças
remodeladoras do campo protestante no Brasil, principalmente o protestantismo histórico de
missão.
Agora, ao final deste trabalho, algumas considerações podem ser feitas. Em primeiro
lugar, é possível afirmar que não se pode ter a pretensão de esgotar este tema em uma
pesquisa pontual, como esta. Isto porque, a gama de informações, variáveis e interfaces entre
os vários campos dos estudos sociais, o que inclui o religioso, requerem uma vida de
pesquisa. A complexidade do gênero humano se traduz em suas ações, tornando a prática
religiosa tão complexa quanto o seu praticante.
Quanto ao objeto de pesquisa, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá, pode-se afirmar que esta
instituição, representante do protestantismo herdeiro da Reforma e dos valores puritanocalvinistas, não ficou imune aos efeitos dos fenômenos sociais ocorridos nas últimas décadas
do século XX e início do seguinte. Para o estudo e compreensão deste processo, pode-se dizer
que foi realizada uma discreta aproximação neste trabalho.
Na primeira parte da pesquisa, além da tipologização do objeto e da sua contextualização
teórica como uma instituição tradicional, pode ser observado que, à medida que o fim do
segundo milênio se aproximava, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá passou a vivenciar tensões
internas que eram resultados do peso e influência de sua tradição justaposta aos fenômenos
sociais apresentados. O cortejamento com as novidades do mundo eclesiástico, como a cultura
gospel e a Teologia da Prosperidade, bem como a adoção de estilo ao “sabor do consumidor”,
refletem esta tendência e as difíceis escolhas que deveriam ser tomadas pela Igreja
Presbiteriana de Cuiabá, principalmente sua liderança.
214
Contudo, a partir deste ponto da pesquisa já se tornou possível afirmar que o caminho
escolhido não foi a adoção de um novo estilo em detrimento dos valores tradicionais e
conservadores esposados pela centenária instituição. O que passou a vigorar foi muito mais
um sincretismo ou hibridização de conceitos e práticas. Isto, porque, não se desfaz do peso de
uma tradição de quase cinco séculos, como é o caso do protestantismo histórico. No entanto,
não se pode negar a influência do processo de desintegração e desterritorialização, tão
característico do chamado “mundo líquido moderno”, descrito por Bauman.
Em termos culturais, desde o início, a proposta do cristianismo sempre foi o de ser “sal da
terra e luz do mundo”. Porém, como o encontro de diferentes visões de mundo sempre passa a
ser uma via de mão dupla, não se constitui necessariamente numa novidade ver que alguns
aspectos da sociedade globalizada acabaram por influenciar os valores partilhados pelos
membros da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Destaque pode ser dado à “guarda do domingo”.
O que durante muito tempo era impensável, ao iniciar o século XXI tornou-se corriqueiro, ou
seja, o tempo que era dedicado às atividades religiosas, agora compete em pé de igualdade, ou
quem sabe, até mesmo em desvantagem, com outros compromissos sociais. Isto se configura,
claramente, numa contradição de valores numa instituição que se pretende herdeira da
Reforma Protestante, do puritanismo e calvinismo. A particularização da vida relegou para
muitos a prática religiosa a uma condição de periferia, tirando-a da centralidade e da condição
de reguladora do comportamento social de um modo geral.
Apropriações foram feitas e também sacralizadas, como foi o caso da dança e introdução
de elementos até então estranhos à liturgia protestante, como as coreografias. Situações estas
ainda não resolvidas, pois enquanto é conferido legitimidade a estas práticas no ambiente
eclesiástico, por sua vez são questionadas em outros locais. Também foram analisadas as
transformações arquitetônicas pela qual passou o patrimônio da Igreja Presbiteriana de
Cuiabá. Nesta análise, ficou nítida a preocupação inicial com a simbologia de um lado, e por
outro, o conforto do usuário em fases mais recentes. O que reflete bem uma mentalidade de
consumo.
Quanto às práticas sociais, quase que não se pode mais identificar um linha demarcatória
bem definida entre o comportamento dos membros da Igreja Presbiteriana de Cuiabá e à
sociedade circundante em geral. Exemplo disto por parte da liderança da própria igreja é a sua
opção de uma divulgação e publicidade própria muito mais a partir de estratégias de
marketing, como a maioria das instituições deste terceiro milênio, do que do controle que era
215
exercido sobre os seus membros, requerendo deles o compromisso do “testemunho
individual”, principalmente por meio de um ethos protestante. Ainda que em áreas como a
sexualidade, a Igreja Presbiteriana de Cuiabá mantenha-se conservadora, os mesmos dilemas
presentes da atual sociedade, como o divórcio, também são realidades presentes no meio
protestante. Certamente, esta será uma das áreas mais difíceis para a Igreja nas próximas
décadas, pois a escolha deverá gravitar entre uma demarcação constante de postura e valores
internos, ou acomodação e diálogo com as novas demandas sociais.
Em termos políticos, se percebe claramente três momentos. Um, em que a influência
norte-americana era presente, o que acabava por caracterizar politicamente a Igreja
Presbiteriana de Cuiabá como instituição muito mais identificada com o liberalconservadorismo estadunidense. Um segundo momento, no período militar em que
praticamente as fronteiras entre o poder temporal e espiritual são inexistentes e outra, a partir
da redemocratização do país, que se aproxima muito mais do pragmatismo, presente em boa
parte do eleitorado brasileiro. De certo modo, isto também acaba por ser contraditório com os
princípios fundacionais do protestantismo histórico, em especial do presbiterianismo que tem
como exposição doutrinária a Confissão de Fé de Westminster.
No entanto, deve também ficar claro que estes dilemas, tensões e contradições não são
exclusividades da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Eles também são experimentados por outras
comunidades evangélicas, e em intensidade cada vez maior quanto mais esta comunidade
estiver próxima do Protestantismo Histórico de Missão.
Enfim, pode-se concluir, pelo menos provisoriamente, que a Igreja Presbiteriana de
Cuiabá ainda mantém traços marcantes de sua tradição eclesiástica, porém, em algumas áreas
em processo de simbiose, como foi demonstrado no decorrer do trabalho. Processo este,
decorrente de suas próprias escolhas frente às forças remodeladoras da globalização, da
cultura de mercado e das consequências do processo de modernização, o que acaba por
influenciar diretamente a sua tradição, seus valores culturais, suas práticas sociais e seus
posicionamentos políticos.
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IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim dominical, No. 945, ano XXI, Cuiabá,
18 de novembro de 1984.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim dominical, No. 949, ano XXI, Cuiabá,
16 de dezembro de 1984.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim dominical, No. 958, Ano XXI, Cuiabá,
17 de fevereiro de 1985.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Dominical, No. 958, Ano XXI, Cuiabá, 17
de fevereiro de 1985.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Dominical, No. 961, Ano XXI, Cuiabá, 24
de março de 1985.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Dominical, No. 962, Ano XXI, Cuiabá, 31
de março de 1985.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Dominical, No. 966, Ano XXI, Cuiabá, 28
de abril de 1985.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIBÁ. Boletim Dominical, No. 968, Ano XXI, Cuiabá, 12
de maio de 1985.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Dominical, No. 974, Ano XXII, Cuiabá,
30 de junho de 1985.
IGREJA PRESBITERIANA DE CUIABÁ. Boletim Dominical, No. 978, Ano XXII, Cuiabá,
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04 de agosto de 1985.
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XAVIER, Wendell Lessa Vilela. Vozes do trovão: a vez e a voz de Boanerges Ribeiro.
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8 - Entrevistas
Ana Raphaela Spinelli Scheline. Arquiteta. Em 11/10/2013.
Aristóteles Ferreira da Fonseca. Ex-pastor da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Em 16/07/2015.
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Doroty Queiroz Topanoti. Funcionária pública aposentada. Em 08/10/2013.
Fábio de Oliveira Gomes Mota. Administrador de empresas. Em 14/10/2013.
Karina Volkmann Ultramari Santos. Arquiteta. Em 15/07/2014.
Maria Alice Maciel Orione. Turismóloga. Em 17/10/2013.
Nadira Bucair. Assistente social aposentada. Em 07/10/2013.
Vinícius Rangel Soares Sampaio. Obreiro da Igreja Presbiteriana de Cuiabá. Em 18/10/2013.

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