a viabilidade da tipificação do terrorismo no direito brasileiro

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a viabilidade da tipificação do terrorismo no direito brasileiro
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE
WALTER JOSÉ DE AGUIAR MENDES
PUNINDO O INDEFINÍVEL:
a viabilidade da tipificação do terrorismo no direito brasileiro
BELO HORIZONTE
2010
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE
WALTER JOSÉ DE AGUIAR MENDES
PUNINDO O INDEFINÍVEL:
a viabilidade da tipificação do terrorismo no direito brasileiro
Monografia apresentada à disciplina Monografia II do
curso de Relações Internacionais do Centro
Universitário de Belo Horizonte, como requisito parcial
para obtenção do título de bacharel em Relações
Internacionais.
Orientador: Prof. Leandro de Alencar Rangel.
BELO HORIZONTE
2010
RESUMO
Este trabalho se dedica à discussão do fenômeno do terrorismo e sua
conceituação, e tem dentre seus objetivos o de analisar a viabilidade da pretendida
tipificação do terrorismo pelo direito brasileiro. Partindo da abordagem da
problemática da definição do próprio fenômeno no direito internacional, na teoria e
no direito interno de alguns dos países que já prevêem o terrorismo em suas
legislações; é então exposto o tratamento dispensado ao terrorismo pelo direito
brasileiro, demonstrando a ausência de sua tipificação. Após uma análise das
proposições sobre o tema que tramitam no Congresso brasileiro, a tipificação é
estudada como um instrumento de combate ao terrorismo, para assim possibilitar as
conclusões quanto a sua viabilidade e oportunidade.
RESUMÉ
Ce travail est dédié à la discussion du phénomène du terrorisme et à sa
conceptualisation ayant parmi ses objectifs, celui de l‟analyse de la possibilité,
convoitée par le droit brésilien, de typification du terrorisme. À partir de la démarche
de la problématique de définition du phénomène lui-même dans le droit international,
dans la théorie et dans le droit interne de certains pays qui prévoient le terrorisme
dans leurs législations ; il est donc exposé le traitement accordé au terrorisme par le
droit brésilien, tout en démontrant l‟absence de sa typification. Après une analyse
des propositions sur le thème, qui sont en discussion à l‟Assemblée nationale
brésilienne, la typification est étudiée en tant qu‟instrument de combat du terrorisme,
afin de permettre des conclusions qui concernent sa possibilité et son opportunité.
4
1 INTRODUÇÃO
Ao longo da história da humanidade, a violência - tanto física quanto
psicológica - sempre foi utilizada em nome de ideologias, religiões, do personalismo,
na repressão de movimentos contendentes, como forma de dominação ou
manutenção de poder, entre tantas outras razões igualmente injustificadas.
Recorreu-se incontáveis vezes ao uso de torturas, assassinatos e toda sorte de
coerção e ameaças, impondo o medo para se evitar ou causar rupturas e combater
antagonistas. Até mesmo grupos organizados, inclusive Estados, também se
utilizaram – e se utilizam até os nossos dias – de mecanismos e ações para impor
medo e terror às populações ou governos.
Embora se argumente que deite raízes no terror jacobino da Revolução
Francesa, notadamente no século passado é que o terror passou a ser cada vez
mais utilizado como aparente forma de ação estratégica e política. Vivemos em um
mundo no qual o poderio econômico, militar e até mesmo cultural está distribuído de
maneira consideravelmente nítida no sistema internacional, e a balança de poder
está delineada de maneira consideravelmente estável - ainda que não tanto como
em outros momentos da história. Nesse cenário o terrorismo, independentemente da
discussão acerca de seus objetivos, emerge como instrumento reacionário, tendo
em vista sua intenção predominantemente desestabilizadora (com relevante
exceção no terrorismo de Estado); desfigurando o status quo.
Em momentos cruciais, tanto de uma trajetória particular de vida quanto do
nosso desenvolvimento como sociedade, é comum que se atente mais à história que
nos precedeu do que para o futuro a nós reservado; e a história recente traz provas
disso. Um exemplo são dois marcos da chamada era pós-guerra fria: a queda de
uma construção, o Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989; e o colapso de
outra, as torres gêmeas do World Trade Center, a 11 de setembro de 2001. Em
ambos eventos, em termos concretos muito mais se discutiu sobre o momento
histórico que ali se encerrava do que sobre a conjuntura que se iniciava. Mesmo
tendo sido o nosso passado recente devassado pela mídia e pelos pesquisadores de
plantão, nosso futuro permaneceria incerto.
Acontecimentos lastimáveis como estes se tornam, desafortunadamente, um
marco negativo na história da Humanidade e conduzem-nos à reflexão – não
5
somente o episódio de onze de setembro, mas vários outros como o atentado à
bomba em Bali em 2002; o ataque ao metrô de Madri em 2004, o sequestro em
Beslan também em 2004; os atentados a Londres, em 2005; e os de Mumbai, em
2006 e 2008, só para citar alguns poucos e omitindo os que quase diariamente
ocorrem no Oriente Médio.
O temor geral causado pela disseminação de atentados terroristas por
diversos países do mundo de fato nos compele a uma reconsideração não só do
nosso papel como nação, mas também do caminho que será por nós trilhado na lida
com esse tipo de acontecimento. O atual cenário político internacional, fruto também
desses infaustos eventos, deixa óbvio que fizemos certas coisas que deveríamos
não ter feito, assim como deixamos de fazer outras que deveríamos.
Daí decorre, naturalmente, a necessidade do estudo do terrorismo. Até
mesmo a profusão de conceitos desse fenômeno, sem que nenhum deles reúna a
concordância dos autores, reforça a proficuidade de uma abordagem desse tema.
Embora toda a doutrina dedique considerável tempo à discussão do conceito do
terrorismo, ainda assim a irresolução é tamanha. O consenso é apenas encontrado,
paradoxalmente, na afirmativa da ausência de definições incontroversas. Muitos
então vêm se dedicando ao estudo e ao combate ao terrorismo. Os Estados, mais
especificamente, vêm utilizando seu aparato para entender, definir, prevenir, tipificar
e punir tais condutas.
Por se dedicar notadamente à mencionada tipificação, embora partindo de um
viés internacionalista, o presente artigo carece de alguns esclarecimentos quanto à
ela, ainda à guisa de introdução e sem muito arvorar-se pelos meandros jurídicos.
Dentre toda a variedade de fatos, uma pequena parte produz consequências no
mundo do direito, sendo eles então denominados fatos jurídicos. Além dos atos e
negócios jurídicos permitidos aos indivíduos pelo ordenamento, há aqueles que lhe
são contrários: os atos ilícitos, estando o crime, na teoria geral do direito, ocupando
relevante posição dentre esses atos. De maneira muito superficial e apenas sob o
aspecto formal, pode-se afirmar que o crime é uma ação (seja ela intencional ou
não) proibida pela lei penal, porquanto passível de aplicação de pena. Naturalmente,
o simples enquadramento do fato aos conceitos formais não o constitui um crime,
uma vez que para isso são também observados aspectos materiais e analíticos
estranhos ao presente trabalho.
6
O terrorismo, no direito brasileiro, não pode ser considerado um fato típico,
consequentemente não constituindo crime (embora obviamente seus resultados
sejam puníveis isoladamente). O crime, sob o aspecto jurídico formal, apresenta-se
com as características de ser um fato típico e antijurídico. A tipicidade dá-se com o
perfeito enquadramento do fato na descrição abstrata contida na norma penal
incriminadora. A antijuridicidade ou ilicitude é exatamente a contrariedade às normas
jurídicas. Assim, não havendo previsão legal, nem há que se falar em tipicidade e
ilicitude, não constituindo o ato terrorista um crime na legislação brasileira.
Da possibilidade de se definir e tipificar este fenômeno é que partiram as
discussões aqui apresentadas, especialmente do questionamento se a dificuldade
em se definir o próprio ato não contaminaria o tipo penal.
O desenvolvimento, então, é dividido em quatro partes principais. A primeira
aborda a problemática da definição do próprio fenômeno no direito internacional, na
teoria e no direito interno de alguns dos países que já prevêem o terrorismo em seus
ordenamentos. A segunda dedica-se ao estudo do tratamento dispensado ao
terrorismo no direito brasileiro, demonstrando a mencionada ausência de tipificação.
A terceira parte dedica-se a uma rápida análise das proposições sobre o tema no
Congresso brasileiro; seguida da quarta parte que estuda a tipificação como
instrumento de combate ao terrorismo, possibilitando as conclusões que a ela se
seguem.
2 DA DEFINIÇÃO DO TERRORISMO
2.1 Problemática
Antes mesmo de se debruçar sobre qualquer análise do fenômeno do
terrorismo, independentemente do viés adotado, o primeiro problema que emerge é
a ausência de uma definição incontroversa. Qualquer estudo que parta de um
conceito inadequado de seu objeto está fadado a executar uma análise imperfeita,
alcançando alternativas falhas para se lidar com o fenômeno. Se uma série de
manifestações criminosas diferentes for reunida sob o mesmo conceito de
7
terrorismo, as possíveis soluções encontradas e a eficácia delas restarão
certamente prejudicadas.
O termo terrorismo envolve não só direito como política, o que causa
problema em sua definição, tanto no âmbito interno dos Estados, como na esfera
internacional. Por sua vez, essa ambiguidade quanto à noção de terrorismo tem
como consequência o alcance de respostas insatisfatórias para lutar contra este
flagelo tanto por parte dos Estados, no quadro de sua legislação, quanto da
comunidade internacional.
Assim, pode-se afirmar que definir o terrorismo não é apenas um problema de
natureza teórica, mas também uma preocupação operacional para os que têm por
objetivo eliminá-lo. Se outrora podia ser tratado como um problema regional
envolvendo países específicos, atualmente o terrorismo detém uma grande
diversidade de aspectos internacionais. As organizações terroristas já têm
capacidade para executar ataques em vários países, com vítimas de diferentes
nacionalidades. Suas estruturas de comando e controle, bem como seus campos de
treinamento, ainda funcionam em vários países – inclusive recebendo apoio indireto
de diferentes Estados e recrutando o apoio de diversas comunidades étnicas e
fontes de financiamento ao redor do mundo.
Desde que o terrorismo tornou-se um fenômeno de dimensões internacionais,
passou a exigir respostas na mesma escala. Desenvolver uma estratégia global
eficaz requereria um acordo quanto ao problema com o qual se está a lidar, ou seja,
era considerada necessária uma definição do terrorismo. Exemplo disso é que,
embora vários países tenham assinado acordos bilaterais e multilaterais no que diz
respeito a uma grande variedade de crimes, a extradição por ofensas políticas é
muitas vezes excluída, e os antecedentes dos atos terroristas são tidos como
políticos.
Esta fuga à justiça permite que muitos países não cumpram suas obrigações
de extraditar indivíduos procurados por atividades terroristas. Além do exemplo
recente envolvendo a polêmica situação de Cesare Battisti1 no Brasil, temos também
o posicionamento de países como a Itália e a França que já evitaram a extradição de
terroristas alegando motivos políticos. Até mesmo os Estados Unidos têm seu caso
1
Julgado e condenado na Itália por quatro mortes na década de 70, quando encabeçava o grupo
extremista de esquerda Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). No Brasil, recebeu status de
refugiado político em janeiro de 2009.
8
emblemático: em junho de 1988, um juiz rejeitou o argumento de um promotor
público que pedia a extradição de Mahmoud El-Abed Ahmad, acusado de participar
de um ataque contra um ônibus em abril de 1986 matando seis pessoas. A decisão
considerou o ataque um ato político integrante dos planos do movimento de
insurreição da Organização para a Libertação da Palestina nos territórios ocupados
para permitir atingir seus objetivos políticos2.
Muito embora se tenha muitas vezes como certa a necessidade da definição
do terrorismo (o que também pode ser discutido), não é possível se alcançar um
conceito único que sirva a todos os ramos da ciência que pretendem estudá-lo. São
muitas e variadas as definições apresentadas, chegando até mesmo a apresentarem
pouco em comum.
Nietzsche, citado por Laqueur (2002), explica a impossibilidade de se definir
certos conceitos de uma maneira tal que se encaixa no concernente ao terrorismo.
Segundo ele, seria impossível encontrar uma definição para um conceito que tem
uma história, uma evolução ao longo dos tempos. Assim, ao se tentar conceituar o
terrorismo, duas dificuldades já surgem de antemão: não há um conceito único do
fenômeno tendo em vista sua evolução histórica; e dada a vastidão de formas de
atuação em espaços diferentes no mesmo momento histórico. Para além da
inovação das técnicas de atuação do terrorismo, é comum encontrar até na mesma
década formas de luta diferentes ou mesmo opostas. Podemos nessa seara citar o
terrorismo de Estado no Cone Sul das décadas de 1960 a 1980, que coexistia com a
resistência dita terrorista.
Ademais, como também defende White (2003) também se pode identificar
como um dos obstáculos à definição o simples fato de que os próprios terroristas
usualmente não se assumem como tais, uma vez que o termo detém uma conotação
pejorativa, que degrada política e socialmente os terroristas. O terrorismo anarquista
da segunda metade do século XIX e os membros da organização Narodnaya Volya3
são raros exemplos históricos de elementos operacionais que se assumiram como
terroristas e que chamavam seu modo de atuação de terrorismo. Atualmente os
terroristas preferem intitular-se combatentes pela liberdade ou guerrilheiros urbanos.
O grupo judeu Lehi, que agiu durante os anos quarenta, foi descrito como um grupo
2
ESTADOS UNIDOS. United States Court of Appeals, Second Circuit, Mahmoud El-abed Ahmad v.
Wigen, Imundi, Baker e Thornburgh, 910 F.2d 1063 (1990).
3
Grupo terrorista revolucionário russo fundado em 1879.
9
criminoso de terroristas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas4 por
ocasião do assassinato do Conde Folke Bernadotte - então mediador das Nações
Unidas na Palestina - mas escolheu o nome de lutadores pela liberdade de Israel
(Lehi é o acrônimo do original em hebraico Lohamei Herut Israel). Da mesma
maneira, o ex-deputado federal Carlos Marighella, fundador do grupo armado Ação
Libertadora Nacional, que defendeu abertamente o uso do terrorismo, preferiu
qualificar sua organização como grupo de guerrilha urbana.
Nenhum terrorista gosta de ser definido dessa forma simplesmente porque
este termo encerra uma conotação extremamente negativa, que tem por
consequência um juízo moral prejudicial que pode retirar razão e apoio da causa.
2.2 No Direito Internacional
Quanto à existência de uma definição no direito internacional, Sarah Pellet
(BRANT, 2003, p.14) é enfática ao afirmar que “nenhuma convenção internacional
definiu o termo terrorismo”. Segundo ela, nesses textos ele é abordado em função
de suas consequências. Embora ela inicie sua análise pela Convenção para a
Prevenção e Punição do Terrorismo, – a chamada primeira Convenção de Genebra,
de 1937 – em numerosas ocasiões desde a década de 1920 a comunidade
internacional vem tentando alcançar uma definição genérica do terrorismo com o
propósito de proibí-lo e criminalizá-lo, mais uma vez ressaltando a considerável
importância dada a sua definição.
Embora tenha sido adotada em 1937, nas palavras da própria Organização
das Nações Unidas tal Convenção não chegou a ser utilizada5. Seu artigo 1° previa:
Na presente Convenção, a expressão „atos terroristas‟ quer dizer fatos
criminosos dirigidos contra um Estado, e cujo objetivo ou natureza é de
provocar o terror em pessoas determinadas, em grupos de pessoas ou no
público.
4
Resolução 57 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 18 de Setembro de 1948.
Disponível em <http://www.un.org/documents/sc/res/1948/scres48.htm>. Acesso em 20 nov. 2010.
5
Ver
“International
Instruments
to
Counter
Terrorism”,
disponível
em
<http://www.un.org/terrorism/instruments.shtml>. Acesso em 20 nov. 2010.
10
O artigo 2°, por sua vez, vinha enumerando os fatos criminosos. No entanto,
além de ter sido criticada por parte da doutrina6, a técnica de enumeração
simplesmente não explica a noção de terrorismo.
Já no âmbito da Organização das Nações Unidas, seguiram-se treze
principais convenções e protocolos lidando com o terrorismo. De fato, todas
preferem tratar defensivamente do tema e traduzem uma intenção de conter a
reação da comunidade internacional após a ocorrência de determinadas ações
terroristas, bem aos moldes do funcionamento do próprio Legislativo brasileiro no
que diz respeito à produção de leis. Procuravam, então, tais instrumentos, condenar
o terrorismo mais do que antecipá-lo.
Explica Henri Labayle quanto à metodologia utilizada na negociação desses
textos:
[...] os debates colocavam em oposição, regularmente, os defensores de
uma condenação setorial, específica a cada tipo de infração terrorista, de
uma parte, aos partidários de uma exclusão indiferenciada do terrorismo
como um todo. (LABAYLE, 1986, apud Pellet in Brant, 2003, p. 15).
O desenvolvimento dos trabalhos do Comitê Especial de Terrorismo
Internacional (criado em 18 de setembro de 1972 pela Resolução 3.034 da
Assembleia Geral das Nações Unidas, para, dentre outros, pesquisar uma definição
geral de terrorismo) reflete essa dicotomia, concluídos com a abstenção de uma
definição do termo pela impossibilidade do alcance de um posicionamento comum.
O terrorismo frequenta a agenda da Organização das Nações Unidas há
décadas. Para além das mencionadas convenções internacionais, os Estados
membros da Assembleia Geral vêm coordenando seus esforços contra o terrorismo
e permanecem no esforço de normatização legal. O Conselho de Segurança
também tem sido ativo no embate, através de resoluções e pelo estabelecimento de
alguns órgãos subsidiários. Ao mesmo tempo, vários programas, escritórios e
agências das Nações Unidas estão engajados em ações operacionais específicas
contra o terrorismo e na assistência aos Estados membros em seus esforços.
Para consolidar e intensificar essas atividades, os Estados deram início,
recentemente, a uma nova fase no combate ao terrorismo ao acordarem em uma
estratégia global para o chamado contra-terrorismo. A estratégia, adotada em 8 de
6
Ver, i.e., GUILLAUME, G., “Terrorisme et Droit International”, R.C.A.D.T., vol. 215, 1989, p. 303,
apud PELLET, Sarah in BRANT, 2003.
11
setembro de 2006 (na forma de uma resolução e um plano de ação à ela anexo 7),
marcou a primeira vez em que vários países passaram a adotar a mesma
abordagem estratégica para combater o terrorismo. Tal estratégia consubstanciaria
a base para um plano concreto de ação: abordar as condições propícias ao
recrudescimento das atividades terroristas; prevenir e combater o terrorismo; adotar
medidas suficientes para reforçar a capacidade estatal de combater o terrorismo;
fortalecer o papel da Organização das Nações Unidas em tal combate; além de
assegurar o respeito aos direitos humanos durante todo esse processo. A estratégia
baseou-se no consenso alcançado pelos líderes mundiais no World Summit de
setembro de 2005, condenando o terrorismo em todas suas formas e manifestações.
É certo que, nesses novos esforços, a busca pela positivação continuará. No
entanto, muito embora nas negociações recentes se caminhe para isto, é precipitado
afirmar se a definição genérica do terrorismo no Direito Internacional está próxima
de ser alcançada.
2.3 Na Teoria
Este quadro de indefinição (em seu sentido mais restrito) não é muito
diferente nem mesmo na teoria. Parte dos autores adota como marco para definir o
fenômeno do terrorismo a forma reiterada e sistemática de atuação violenta de
determinados grupos sociais que têm objetivos bem definidos dentre várias
motivações, como as religiosas, políticas ou sociais. Partindo daí, inclusive
distinguem várias espécies de terrorismo, como o chamado terrorismo de direita –
racista, sexista, nacionalista; terrorismo de esquerda – político-revolucionário; e o
terrorismo de Estado8. Outros estudiosos, no entanto, concentram-se nas finalidades
políticas das ações terroristas. Martin (1985), filiado à primeira orientação, constrói o
conceito de terrorismo como um ato de violência ou de ameaça de violência que
detenha um caráter intencionalmente público e atenda a interesse ou objetivos
conhecidos; e cujos beneficiários sejam outras pessoas, além dos responsáveis pelo
7
Texto disponível em <http://www.un.org/terrorism/strategy-counter-terrorism.shtml>. Acesso em 20
nov. 2010.
8
Há na realidade uma variedade de critérios na caracterização do terrorismo moderno,
independentemente da corrente metodológica de definição adotada.
12
ato. Já Philip Heymann (2000), no mesmo sentido embora de maneira mais
específica, discorre sobre uma forma ilegal de conflito armado levado à cabo por um
grupo clandestino infra ou extra-estatal para mudar políticas, pessoal, estrutura ou
ideologia de um governo, ou para influenciar as ações de outra parte da população –
que no seu entendimento deve ter identidade suficiente para responder à tal
violência seletiva.
Por outro lado, na mencionada finalidade política das ações baseia-se, dentre
outras, a definição de Harmon (2000), para quem o terrorismo é uma ação
deliberada e sistemática por parte de indivíduos, grupos, agentes estatais ou mesmo
movimentos insurgentes, que devem ter por resultado mortos e feridos (o que leva à
estranha conclusão de que um atentado frustrado não é terrorismo). Ele também
aponta como requisitos uma ameaça constante de novos atentados, atingindo
pessoas inocentes, no sentido de inspirar medo generalizado sempre com fins
políticos. A estratégia do medo generalizado e da violência simbólica conduziria à
escolha de alvos civis para as ações criminosas, arruinando, assim, o grau de
confiança que o povo deposita em seu governo. O terrorismo, nessa perspectiva,
deve ser visto, nos termos de Combs (2005, p.8), como uma “síntese de guerra e
teatro, uma dramatização do tipo mais proscrito da violência [...] realizada diante de
uma audiência com o propósito de criar um clima de medo, com fins políticos”.
Ainda focando-se nos objetivos políticos da ação, Eugenio Diniz desenvolve
ao longo de um completo artigo uma definição de terrorismo que ele mesmo resume:
[...] emprego do terror contra um determinado público, cuja meta é induzir
(e não compelir nem dissuadir) um outro público (que pode, mas não
precisa, coincidir com o primeiro) um determinado comportamento cujo
resultado esperado é alterar a relação de forças em favor do ator que
emprega o terrorismo, permitindo-lhe no futuro alcançar seu objetivo
político – qualquer que este seja. (DINIZ, in BRIGAGÃO e PROENÇA,
2004, p. 212).
Diante da multiplicidade destas abordagens e definições, Schimid e Jongman
(2005) elaboraram extensa pesquisa recorrendo a 109 diferentes definições de
terrorismo, coletadas nos escritos de renomados acadêmicos desta área.
Analisaram então, os elementos constantes dessas definições, que representam
estatisticamente desta maneira: a) violência/força – em 83,5% das definições; b)
político – 65%; c) medo, terror – 51%; d) ameaças – 47%; e) efeitos psicológicos e
reações antecipadas – 41,5%; f) discrepância entre os alvos e as vítimas diretas –
13
37,5%; g) intencionalidade, planejamento, sistematização, ação organizada – 32%;
h) método de combate, estratégia, tática – 30,5%.
Sobre que questões na definição de terrorismo continuam por se resolver, os
mesmos estudiosos apontaram algumas: a) a fronteira entre o terrorismo e outras
formas de violência; b) se o terrorismo de Estado e o terrorismo de resistência são
parte do mesmo fenômeno; c) a separação entre terrorismo e simples atos criminais;
d) se seria o terrorismo uma subcategoria da coerção, violência, poder ou influência;
e) se o terrorismo pode ser legítimo e quais objetivos, nesta hipótese, legitimariam a
sua utilização; f) a relação entre guerrilha e terrorismo.
Embora nítida a multiplicidade de conceitos dentre os estudiosos do tema, a
presença de elementos comuns já nos permite tentar distinguir, mesmo sem uma
definição precisa, mas com o amparo dos teóricos, o que pode ou não ser
enquadrado como uma conduta terrorista. Utilizando as palavras de Eugenio Diniz
(BRIGAGÃO e PROENÇA, 2004) a respeito dos méritos de sua definição, o objetivo
é distinguir o terrorismo de outras formas de luta, possibilitando a construção de um
modelo de combate a este funesto fenômeno. No entanto, se o objetivo é tipificar
uma conduta e pretender-se punir indivíduos, não pode restar subjetividade.
Além da profusão de definições e de toda a discussão acerca do tema, mais
especificamente o Brasil enfrenta ainda alguns obstáculos no desenvolvimento do
estudo do terrorismo; talvez por apenas recentemente nos vermos sujeitos à ele, ou
pela rancificação de uma doutrina militar incapaz de bem compreender fenômenos
contemporâneos. Alguns dos que aqui se dedicam ao estudo do terrorismo têm
posicionamentos que diferem completamente dos estudos alienígenas mais
recentes. À guisa de exemplo da disparidade do conhecimento produzido por nossa
Escola Superior de Guerra, temos os escritos de André Luís Woloszyn 9 (2006), que
inclusive chama de “terrorismo criminal” os atos de grupos criminosos no Brasil.
Discorrendo sobre as vulnerabilidades do Brasil perante o terrorismo, dentre outros
fatores, como a vastidão de nossas fronteiras, ele ressalta como risco o “aumento no
número de imigrantes de origem árabe-palestina em diversos estados brasileiros”:
9
Especialista em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra, em Ciências Penais pela
UFRGS e em terrorismo pelo Colégio Interamericano de Defesa (Washington, EUA); foi analista da
Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (1997/98) e Assessor de
Inteligência do Gabinete do Governador do RS (2003/05).
14
De outra forma, podemos constatar estatisticamente um aumento no número de
imigrantes de origem árabe-palestina em diversos estados brasileiros. Dados do
Departamento de Polícia Federal indicam que somente em São Paulo, vivem 1,5
milhão de imigrantes seguido do Paraná (Foz do Iguaçú/Cidad del L‟este) com
aproximadamente 15 mil pessoas, Rio Grande do Sul com sete mil e Pará com
uma colônia de cerca de 300 pessoas. A questão é quais seriam os reflexos para
a comunidade de imigrantes árabe-palestino no Brasil face aos freqüentes
fracassos nos acordos de paz no Oriente Médio e da possibilidade de
recrudescimento nos atentados terroristas e retaliações entre israelenses e
palestinos e como agiriam frente a atual política externa dos EUA em relação aos
países árabes [sic]. (WOLOSZYN, André Luís. Aspectos Gerais e Criminais do
terrorismo e a situação do Brasil. Defesanet: Agosto, 2006).
Vozes mais lúcidas felizmente identificam a tendência deste tipo de visão
deturpada. Nesse sentido, escreveu Rafael Ávila (2007) sobre a contenção do
terrorismo chamando a atenção para a negligência com “o ressurgimento do
xenofobismo e do nacionalismo” contra os imigrantes. Mesmo assim, a
contaminação de uma visão deturpada do fenômeno do terrorismo pode ser
facilmente identificada em muitas das justificativas de projetos de lei sobre o tema
que tramitam em nosso Congresso, associando-o à guerra do tráfico, às invasões de
propriedades e a outros fenômenos que padecem de qualquer motivação política ou
intenção de mudança no equilíbrio de forças.
2.4 No Direito Comparado
Busquemos então as definições já existentes no direito de alguns países. De
maneira geral, o legislador alienígena adota a segunda das orientações
metodológicas abordadas, buscando subsumir os objetivos de natureza política.
Percebe-se um tratamento do terrorismo, como crime, de maneira generalizada ao
ponto de não o cercear a figuras delituosas específicas, facilitando o enquadramento
de determinada ação ou omissão como terrorista. Embora tenha por objetivo
assegurar
o
tratamento
legal
adequado,
esta
atuação
confere
muita
discricionariedade ao intérprete/aplicador da lei.
Explica-se: é que o legislador pode enquadrar determinadas condutas, já
tipificadas como crime, no conceito de terrorismo, conforme o objetivo que se
pretendia com essa prática – algo como o que fez o legislador brasileiro ao
considerar hediondas, na Lei 8.072/90, certas figuras já tipificadas. Por outro lado,
15
pode também elaborar um tipo que não exemplifique os delitos, seja a enumeração
numerus clausus ou não, concentrando-se especificamente no objetivo da conduta
praticada.
Na Itália, por exemplo, o Código Penal define o terrorismo como “atos de
violência com o fim de subverter a ordem democrática”, punindo-se a promoção,
constituição, organização e direção da associação (art.270 bis), o sequestro (art.289
bis) e o atentado (art.280) com tais fins:
Art. 270 bis Associazioni con finalita' di terrorismo e di eversione dell'ordine
democratico
Chiunque promuove, costituisce, organizza o dirige associazioni che si
propongono il compito di atti di violenza con fini di eversione dell'ordine
democratico e' punito con la reclusione da sette a quindici anni. [...]
Art. 280 Attentato per finalita' terroristiche o di eversione
Chiunque, per finalita' di terrorismo o di eversione dell'ordine democratico attenta
alla vita od allá incolumita' di una persona, e' punito, nel primo caso, con la
reclusione non inferiore ad anni venti e, nel secondo caso, con la reclusione non
inferiore ad anni sei. [...]
Art. 289 bis Sequestro di persona a scopo di terrorismo o di eversione
Chiunque per finalita' di terrorismo o di eversione dell'ordine democratico
sequestra una persona e' punito con la reclusione da venticinque a trenta anni.
10
[...]
No fim das contas, enquadrar a conduta como terrorista caberá à atividade
jurisdicional, uma vez que a lei se refere a esses atos de violência ao mesmo tempo
em que, por mais de uma vez, refere-se à “finalidade de terrorismo ou subversão da
ordem democrática”, sem que objetivamente defina o terrorismo.
Em Portugal, a enumeração de delitos já é mais ostensiva, prevendo o
objetivo da prática dos delitos que enumera mas indiferente se ele se presta, por
exemplo, a um fim político ou religioso:
Artigo 300º
Organizações terroristas
10
Art. 270 bis. Associação com finalidade de terrorismo e subversão da ordem democrática: Quem
promove, constitui, organiza ou dirige associação que se propõe à prática da violência com fim de
subversão da ordem democrática é punido com a reclusão de sete a quinze anos. Art. 280. Atentado
com finalidade terrorista ou de subversão: Quem, pela finalidade de terrorismo ou de subversão da
ordem democrática atenta contra a vida ou incolumidade de uma pessoa é punido, no primeiro caso,
com pena de reclusão não inferior a 20 anos e, no segundo caso, com pena de reclusão não inferior a
6 anos. Art. 289 bis. Seqüestro de pessoa com objetivo de terrorismo ou subversão: Quem, pela
finalidade de terrorismo ou de subversão da ordem democrática seqüestra uma pessoa é punido com
pena de reclusão de 25 a 30 anos (tradução livre, pelo autor, do original em italiano - as omissões
nas citações são referentes ao aumento de pena, agravantes, atenuantes e o concurso de pessoas
previsto nas disposições legais referidas).
16
1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação terrorista, a eles
aderir ou os apoiar, é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
2 - Considera-se grupo, organização ou associação terrorista, todo o agrupamento
de duas ou mais pessoas que, actuando concertadamente, visem prejudicar a
integridade ou a independência nacionais, impedir, alterar ou subverter o
funcionamento das instituições do Estado previstas na Constituição, forçar a
autoridade pública a praticar um acto, a abster-se de o praticar ou a tolerar que se
pratique, ou ainda intimidar certas pessoas, grupo de pessoas ou a população em
geral, mediante a prática de crimes:
a) Contra a vida, a integridade física ou a liberdade das pessoas;
b) Contra a segurança dos transportes e das comunicações, incluindo as
telegráficas, telefónicas, de rádio ou de televisão;
c) De produção dolosa de perigo comum, através de incêndio, libertação de
substâncias radioactivas ou de gases tóxicos ou asfixiantes, de inundação ou
avalanche, desmoronamento de construção,
contaminação de alimentos e águas destinadas a consumo humano ou difusão de
doença, praga, planta ou animal nocivos;
d) De sabotagem;
e) Que impliquem o emprego de energia nuclear, armas de fogo, substâncias ou
engenhos explosivos, meios incendiários de qualquer natureza, encomendas ou
cartas armadilhadas. [...]
Artigo 301º
Terrorismo
1 - Quem praticar qualquer dos crimes previstos nas alíneas a) a d) do nº 2 do
artigo anterior, ou qualquer crime com o emprego de meios referidos na alínea e)
do mesmo preceito, com a intenção nele referida, é punido com pena de prisão de
2 a 10 anos, ou com a pena correspondente ao crime praticado, agravada de um
11
terço nos seus limites mínimo e máximo, se for igual ou superior àquela. [...]
Por seu turno, dispõe o Código Penal francês:
Titre II : du terrorisme, chapitre premier : des actes de terrorisme
Art. 421-1.
Constituent des actes de terrorisme, lorsqu'elles sont intentionnellement en relation
avec une entreprise individuelle ou collective ayant pour but de troubler gravement
12
l'ordre public par l'intimidation ou la terreur [...] .
Depois de declinar o objetivo da conduta criminosa, também colaciona vasta
enumeração de delitos, como o atentado à vida, à integridade física, o rapto, o
sequestro de pessoas, de aviões, de navios e de outros meios de transporte, roubo,
extorsão, destruição, degradação, deterioração de bens, além da introdução na
atmosfera, no solo, no subsolo, na água e mar territorial de alguma substância de
forma a colocar em perigo a saúde do homem e dos animais ou o meio natural (arts.
421-1; 421-2 e 421-2-2).
11
As omissões são referentes a agravantes; punição de atos preparatórios e causa de diminuição da
pena.
12
Constituem atos de terrorismo aqueles dolosamente praticados, individual ou coletivamente, com o
objetivo de perturbar gravemente a ordem pública por intimidação ou terror (tradução livre, pelo autor,
do original em francês).
17
Do Código Penal suíço, em seu título 13 dos “crimes e delitos contra o Estado
e a defesa nacional”, constam tipos em que se poderia enquadrar eventual conduta
terrorista, como a “alta traição” (art. 265); “atentado à independência da
confederação” (art. 266); “práticas de estrangeiro contra a segurança da Suíça”
(art.266 bis); “violação da soberania territorial da Suíça” (art. 269); “atentados à
ordem
constitucional”
(art.
275);
“propaganda
subversiva”
(art.
275
bis);
“grupamentos ilícitos” (art.275 ter), dentre outros. No entanto, tal diploma legal
apenas refere-se diretamente ao terrorismo – definindo-o como ato de violência com
o objetivo de intimidar uma população ou constranger um Estado ou organização
internacional a praticar ou abster-se de praticar qualquer ato - ao condenar seu
financiamento:
Art. 260quinquies 1
Finanzierung des Terrorismus
1 Wer in der Absicht, ein Gewaltverbrechen zu finanzieren, mit dem die
Bevölkerung eingeschüchtert oder ein Staat oder eine internationale Organisation
zu einem Tun oder Unterlassen genötigt werden soll, Vermögenswerte sammelt
oder zur Verfügung stellt, wird mit Freiheitsstrafe bis zu fünf Jahren oder
13
Geldstrafe bestraft .
O Código Penal espanhol dedica toda uma seção (seccíon 2) à disciplina do
crime de terrorismo, em 10 grandes artigos. O Tribunal Constitucional espanhol, na
linha da legislação, desde a “Sentencia nº 199”, do ano de 1987, concebe o
terrorismo como atividade sistemática, reiterada e frequentemente indiscriminada
que importa em um perigo efetivo para a vida e a integridade das pessoas e para a
subsistência da ordem democrático-social.
O Terrorism Act 2000, lei britânica de prevenção ao terrorismo considerada
por Sarah Pellet (BRANT, 2003, p. 16) “a mais eficaz dos Estados-membros da
União Européia”, também concentra-se nos objetivos da ação terrorista:
(1) In this Act "terrorism" means the use or threat of action where[…]
(b) the use or threat is designed to influence the government or to intimidate
the public or a section of the public, and
13
Quem, com a intenção de financiar um ato de violência criminal que objetive intimidar uma
população ou constranger um Estado ou organização internacional a praticar ou abster-se de praticar
qualquer ato, reúne ou põe à disposição fundos, será punido com uma pena privativa de liberdade de
até cinco anos ou com pena pecuniária (tradução livre, pelo autor, do original em alemão).
18
(c) the use or threat is made for the purpose of advancing a political,
14
religious or ideological cause.
Os estadunidenses, por sua vez, definem o terrorismo algumas vezes ao
longo do chamado United States Code (na verdade a compilação e codificação das
leis federais dos Estados Unidos da América, publicada a cada seis anos). A
principal dessas definições está no Título 18 (crimes e processo penal), parte 1
(crimes), Capítulo 113B (terrorismo), § 2331 (definições). Dentre outros conceitos, o
terrorismo é definido como “atividades que involvam atos violentos ou atos perigosos
à vida humana que constituam violação das leis criminais dos Estados Unidos ou de
qualquer Estado”. Quanto à motivação, especifica-se que tais atos devem “aparentar
ter a intenção” de “intimidar ou coagir uma população civil; ou influenciar as políticas
de um governo através da intimidação ou coerção; ou afetar a conduta de um
governo através da destruição massiva, assassinato ou sequestro”.
Na Turquia, no entanto, a definição legal se amplia de modo a contemplar
qualquer movimento contrário ao governo ou à unidade do Estado (art.8°, Lei
Antiterror).
3 O TERRORISMO NO DIREITO BRASILEIRO
3.1 Constituição da República
O repúdio ao terrorismo está, já no artigo 4° de nossa Constituição, dentre os
princípios regentes das relações internacionais do país.
Dispõe posteriormente o art. 5°, XLIII:
“a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática
da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os
definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”.
14
Neste ato o terrorismo significa o uso ou a ameaça de ação em que (b) o uso ou ameaça visa a
influenciar o governo ou intimidar o público ou uma seção do público; e (c) o uso ou ameaça é feito
pelo propósito de avançar uma causa política, religiosa ou ideológica (tradução livre, pelo autor, do
original em inglês).
19
Embora a Constituição o eleve à uma condição privilegiada em nosso
ordenamento, dentre os princípios, direitos e garantias fundamentais; e inclusive
preveja especificidades de natureza processual, o terrorismo não está definido do
texto constitucional. Tampouco, embora os reprima com veemência e severidade,
não definiu a Carta Magna o que entende por crimes hediondos – aos quais
equipara o terrorismo.
Enquanto não encontrado o conceito de terrorismo no ordenamento jurídico
infra-constitucional brasileiro, as severas previsões constitucionais à ele afetas serão
de todo inócuas. O mesmo ocorreria com a tortura, o tráfico de entorpecentes e os
chamados crimes hediondos. Assim, sob o comando constitucional, foram
aprovadas várias leis no sentido de fazer valer tais previsões, definindo conceitos e
tipificando condutas. Resta saber se o terrorismo foi alcançado por alguma delas.
Dentre todas, se destaca a Lei n° 8.072/90, mais conhecida como Lei dos Crimes
Hediondos.
3.2 Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90)
Além de definir os crimes ditos hediondos, tal diploma contém várias
disposições de cunho penal e processual penal, bem como referentes à execução
da pena dos crimes hediondos e dos chamados tipos equiparados ao crime
hediondo: a tortura; o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins; e o terrorismo.
Tal “equiparação” se dá uma vez que, na esteira do inciso XLIII do art. 5° da
Constituição, a Lei 8.072/90 estendeu a essas figuras as restrições mencionadas na
regra constitucional.
Assim, nem os crimes hediondos, nem os delitos a eles equiparados – dentre
eles o terrorismo (art. 2° da Lei 8.072/90) - comportam anistia, graça ou a concessão
de fiança. Indo inclusive além do texto constitucional, o legislador vedou, na Lei de
Crimes Hediondos, a liberdade provisória, o indulto, determinou o cumprimento
integral da pena privativa de liberdade em regime fechado e permitiu ao acusado,
mediante decisão fundamentada, apelar de sentença condenatória em liberdade;
tudo isso com o intuito de reprimir essas condutas.
20
Muito clara a legislação brasileira até este ponto (embora se pugne a
inconstitucionalidade de algumas dessas previsões). No entanto, nada mais se
encontra que possa fornecer ao menos algum subsídio à definição legal do
terrorismo. Busquemos então em outras previsões de nosso infindo ordenamento
jurídico.
3.3 Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83)
Há quem entenda que o terrorismo está previsto no art. 20 da Lei nº 7.170/83,
dentre os quais destacamos Antônio Scarance Fernandes (1990) e Victor Eduardo
Gonçalves (2004 e 2005). De fato, em tal diploma legal encontra-se um tipo penal
que faz menção ao terrorismo:
Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere
privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos
de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados
à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena – reclusão, de três a dez anos.
No entanto, a maior parte da doutrina, da qual se destaca o entendimento de
Alberto Silva Franco (2005), entende que tal dispositivo, ao referir-se de maneira
genérica a “atos de terrorismo”, fere o princípio constitucional da legalidade. Da
simples leitura do artigo em tela, de onde é impossível extrair qualquer significado do
termo, vê-se que o terrorismo restou novamente indefinido.
Em outro sentido, na visão de Gonçalves (2004), o artigo 20 conteria um tipo
misto alternativo em que várias condutas típicas se equivalem pela mesma
finalidade de inconformismo político ou obtenção de fundos. Em suas palavras:
Não se pode exigir que, para constituir delito dessa espécie, a própria lei defina
expressamente a palavra terrorismo, sob pena de concluirmos que também não
existe crime de tráfico de entorpecentes porque a Lei n. 6.368/76 não usa a
palavra „tráfico‟ em seus arts. 12, 14 e 14. (Gonçalves, 2004, p. 88).
Não podemos, no entanto, concordar com tal posicionamento. Nele a
discussão sobre a existência do conceito legal do terrorismo fica deturpada. O que a
21
doutrina aponta como deficiência do dispositivo legal em tela não é a simples
ausência da palavra “terrorismo”: é inegável que o conteúdo do dispositivo é
inconclusivo e que a expressão “atos de terrorismo” é genérica. Utilizando da
mesma lógica discursiva do respeitável autor, se o art. 20 se referisse a “terrorismo”
– em vez de “atos de terrorismo” - haveria que se concluir que o fundamento de toda
a doutrina que não encontra na Lei de Segurança Nacional a definição de terrorismo
cairia por terra – o que por óbvio não é verdade.
Ademais, a Lei n° 7.170/83 é fruto de um conturbado período histórico, sendo
que sua genitura e conteúdo não carecem de veementes críticos na doutrina
nacional. Nesse sentido, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei de
Crimes contra o Estado Democrático de Direito (a ser abordado posteriormente)
visando a introduzir um Título XII no Código Penal, revogando, assim, a Lei de
Segurança Nacional – Lei 7170/83.
3.4 Crimes Políticos
Quanto ao enquadramento do terrorismo dentre os crimes políticos, da
mesma forma a questão se põe de maneira controversa. O crime político objetivo
compreende fatos que ofendem um valor político, do Estado ou do cidadão. Sua
característica de crime político deriva do bem jurídico que é objeto da tutela penal. O
crime político subjetivo, por sua vez, diz respeito a fatos praticados por motivos
políticos.
Cernicchiaro e Costa Jr. (1991) explicam que parte da doutrina sustenta que o
terrorismo estaria compreendido na categoria dos crimes políticos subjetivos, porque
a conduta põe em perigo o convívio social, provocando pânico e alarme.
No entanto, os estudiosos do assunto e a jurisprudência internacional revelam
nítida resistência em qualificar o terrorismo como crime político, para evitar que ele
possa receber um tratamento jurídico mais favorável. Muito embora o terrorismo não
seja merecedor de regalias semelhantes e sim de um tratamento penal dos mais
severos, essa matéria é irrelevante a partir do momento que findamos por não
encontrar no ordenamento jurídico brasileiro qualquer conceito de terrorismo. No
mesmo sentido interessante também lembrar a previsão da punição da chamada
22
“lavagem de dinheiro”, que, no entanto, pressupõe a existência de uma prática
criminosa anterior. Não estando o terrorismo tipificado, a “lavagem” de dinheiro fruto
da atividade terrorista – ou que ela financia – tampouco poderia ser incriminada.
3.5 Lei nº 10.744/03
Tal diploma legal tem sua origem fortemente ligada aos atentados de 11 de
setembro. Tudo começou em 24 de setembro de 2001, com a Medida Provisória
(MP) nº 2. Decorrência quase imediata daquele nefasto evento foram alterações
significativas nas coberturas de seguro da aviação civil, notadamente a redução
drástica dos seguros de responsabilidade civil em caso de riscos de guerra e
terrorismo (reduzidos unilateralmente de montantes superiores a 1 bilhão de dólares
estadunidenses para o limite de 150 milhões, na data de 25 de setembro de 2001).
Com isso, as companhias aéreas deixaram de atender as coberturas mínimas
exigidas pelos países para operação de voos. Na iminência de suspendê-los, o que
ocorreu em todo o mundo foi uma operação de socorro em que os Governos
Nacionais passaram a cobrir – à época temporariamente – esse risco, até que uma
solução se desse via mercado.
Tal MP foi convertida em Lei. Em seu texto não havia, entretanto, definição do
que seria um ato terrorista. A solução encontrada foi dar ao Ministro da Defesa o
poder de “atestar que o sinistro [...] ocorreu em virtude de ataques decorrentes de
guerra ou de atos terroristas” (art. 4º da Lei 10.309/01). Como tal assunção tinha um
prazo de trinta dias, ela foi sendo prorrogada várias vezes, via decreto, até a edição
de novas Medidas Provisórias (a de nº 32, de 18/02/02 e a 61, de 16/08/02), também
convertidas em Leis e novamente prorrogadas. Inovação relevante veio apenas com
a edição da MP nº 126, em 31 de julho 2003 (convertida na Lei 10.744/2003), já no
governo Lula. Mesmo sem retirar do Ministro da Defesa o poder de atestar o que
constituiria um atentado, a Lei prevê que “entende-se por ato terrorista qualquer ato
de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano, com fins
políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional”
(art. 1º, § 4º da Lei nº 10.744/03).
23
Bem à moda brasileira e ignorando as já mencionadas dificuldades em se
definir o terrorismo, o Poder Executivo – à guisa de Medida Provisória – estabeleceu
que qualquer ato, praticado por qualquer pessoa, desde que dele advenha algum
dano e tenha finalidade política ou terrorista, é ato terrorista. Dizer que ato terrorista
é ato com fim terrorista não ajuda hermeneuticamente. Do conceito resta, então, o
objetivo político: basta que qualquer pessoa, movida por um objetivo político,
pratique qualquer ato que cause algum dano (acidental ou não) para ter cometido
um ato terrorista.
Desnecessário analisar a subjetividade da definição ou a insegurança jurídica
dela decorrente. De toda forma, embora definido legalmente o terrorismo (ou os atos
terroristas) continuou não tipificado; sem cominação de pena.
4 AS PROPOSIÇÕES DO CONGRESSO NACIONAL
A esta altura, resta nítida, quiçá óbvia, a esterilidade de demais previsões
legais - notadamente as processuais - concernentes ao terrorismo, pelo simples fato
de que ele ainda não está tipificado em nossa legislação, porquanto não é punível.
Ainda assim, tramitam ou já tramitaram no Congresso várias proposições que
se referem ao tema ou sobre ele têm reflexos, como que ignorando a inexistência de
tal tipificação.
Dentre várias, destacam-se algumas: fixando prazo para prisão
processual em se tratando de crime de terrorismo; incluindo dentre os crimes contra
a paz pública a “organização criminosa formada por três ou mais pessoas que, de
forma estruturada e com divisão de tarefas, valem-se da violência, intimadação,
corrupção, fraude ou outros meios assemelhados para cometer delito” (PL 1353/99;
PL 2751/2000; PL 2858/2000); proibindo (PL-4232/2004) ou limitando (PL5838/2009; PL-7823/2010) a concessão de livramento condicional nos casos de
condenação por terrorismo; permitindo a extradição de brasileiros natos envolvidos
em terrorismo (PEC 43/2003); proibindo o trabalho externo dos que cumprem pena
por terrorismo (PL 2309/2003); definindo terrorismo biológico (PL 1943/2003);
determinando que acusados de terrorismo somente poderão ser assistidos pela
Defensoria Pública e impedindo a contratação de advogados (PL 866/2003);
vedando o benefício da prisão especial para acusados de terrorismo (PL 4389/2001
24
e PL 2215/1991); vedando a suspensão condicional da pena, substituição de penas
e livramento condicional, além de obrigar a decretação de prisão preventiva por
ocasião do recebimento da denúncia nos processos por terrorismo (PL 1237/1999,
PL 3616/1993); atribuindo à União a responsabilidade pela indenização dos danos
causados por atos de terrorismo quando após decorridos seis meses do fato não
houver sido identificado seu autor (PL 3400/1980); tornando crime a “simulação de
ato terrorista”, capaz de provocar alarme, ou produzir pânico ou tumulto (PL
5659/2001 e 5626/2001); aumentando a pena para o crime de ameaça, quando
simular ato terrorista (PL 5614/2001); estabelecendo pena em dobro e cumulativa
para a comunicação falsa de ato terrorista (PL 3469/2004); caracterizando como
terrorismo a invasão de propriedade alheia com o fim de pressionar o governo (PL
7485/2006).
Há inclusive uma Proposta de Emenda Constitucional15, atualmente
aguardando um relator na Comissão de Constituição e Justiça, que pretende
possibilitar a cominação de pena perpétua para o crime de terrorismo. A justificativa
do relator, referendada por 172 assinaturas de seus pares que com ele
apresentaram a Proposta, bem reflete a imperante e deturpada lógica pela qual a
imposição de penas mais severas refreia o criminoso e tranquiliza a população.
Segundo ela, o “espírito liberalizante” da Constituinte, “profundamente incentivado
pelo momento histórico em que a nação transitava da ditadura militar para a
democracia plena”, teria restringido a visão do tema ao impedir a prisão perpétua em
qualquer circunstância. Por isso, nessa lógica, far-se-ia necessária “uma ação
específica e dura, capaz de levar uma inequívoca mensagem ao criminoso,
dissuadindo-o” além de satisfazer os anseios da própria sociedade, “cansada de
observar a liberdade precoce de indivíduos criminosos em vista de mecanismos
legais”.
Percebe-se que muito embora a legislação não defina o que é um ato
terrorista, há a intenção por parte do legislador de punir inclusive a simulação de ato
terrorista e aumentar a pena para ameaça ou comunicação falsa de ato terrorista.
Para além disso, pretendem possibilitar a prisão perpétua dos condenados por
terrorismo. No plano concreto tais previsões, sem a tipificação, obviamente seriam
inaplicáveis.
15
PEC nº 421/2009, dep. Sabino Castelo Branco (PTB/AM).
<http://www.camara.gov.br/sileg/integras/713877.doc>. Acesso em 20 nov. 2010.
Disponível
em:
25
Mesmo assim, alguns desses projetos chegam a ser transformados em
normas jurídicas. A Lei nº 10.701/03 (oriunda do Projeto nº 7018/2002), por exemplo,
modificou a Lei nº 9613/98 (que dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação
de bens, direitos e valores), fazendo dela constar como conduta criminosa o ato de
“ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou
propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de
crime: [...] II – de terrorismo e seu financiamento” (art. 1º, III da Lei nº 9613/98).
Contraditoriamente, não há crime de terrorismo nem de seu financiamento mas
ocultar bens deles decorrentes é conduta criminosa.
Além dos projetos que se dedicam a definir o crime de terrorismo, há os que o
pretendem por vias indiretas. Um projeto de lei originário do Senado16, que
atualmente aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, tem
dentre seus objetivos o de definir o crime de “financiamento ao terrorismo”. Por
óbvio, para definir o que constitui financiar-se o terrorismo, não há como se esquivar
da definição do próprio terrorismo. O projeto então objetiva modificar a Lei nº 9.613,
de 1998, definindo como “financiamento ao terrorismo” o ato de “prover, direta ou
indiretamente, de bens, direitos ou valores pessoa ou grupo de pessoas que
pratique crime contra a pessoa com a finalidade de infundir pânico na população,
para constranger o Estado Democrático ou organização internacional a agir ou
abster-se de agir”. Ainda que por via “colateral”, percebe-se que o projeto define
terrorismo como “crime contra a pessoa com a finalidade de infundir pânico na
população, para constranger o Estado Democrático ou organização internacional a
agir ou abster-se de agir”. Não só a definição é inadequada como a aprovação de tal
projeto teria por consequência a teratologia de se punir o financiamento de algo que
não é punível.
Especificamente quanto à tipificação do terrorismo, houve parlamentar que
até voltou atrás. Em 20/03/2007 foi apresentado o PL nº 486/2007 pelo dep. Eduardo
Valverde (PT/RO), definindo o crime de terrorismo e organização terrorista. Quarenta
e quatro dias depois, o próprio deputado requereu a retirada de seu projeto. O
primeiro parágrafo da justificativa de seu projeto já é bem ilustrativo da já
mencionada confusão entre diferentes fenômenos e motivações:
16
PL nº6577/2009, sen. Gerson Camata (PMDB/ES) Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/
integras/728199.doc>. Acesso em 20 nov. 2010.
26
Em face dos atentados praticados por organizações criminosas nacionais (PCC,
Primeiro Comando da Capital) contra pessoas inocentes, visando objetivos [sic]
similares aos praticados por organizações terroristas internacionais (Al Quaeda)
[sic], resta a legislação pátria compreender este fenômeno, dando-lhe contornos
jurídicos-fáticos [sic]. Além dos fatos inerentes às condições sócios econômicas
[sic] que o país atravessa, que registra a existências [sic] de atos terroristas
pautando tão somente no conflito de bandos formados por criminosos comuns
contra o poder público (citam-se as ações criminosas contra a Força Pública do
Estado de São Paulo) [sic], outros poderão existir, por motivações políticas,
considerando o papel do Brasil. no cenário internacional [sic]”. PL nº 486/2007,
17
dep. Eduardo Valverde (PT/RO) .
Outros projetos de tipificação foram arquivados ao fim das legislaturas ou
mesmo rejeitados pelas Comissões. Considerando os que pretendem tipificar o
terrorismo, e que ainda tramitam, destaca-se – em adiantada fase de tramitação –
apenas o Projeto de Lei nº 2462/1991.
Na verdade, o projeto original está defasado e inclusive já foi rejeitado no
mérito. Sobrevive, no entanto, graças aos projetos à ele apensados (PL 6764/2002 e
PL 149/2003), estes sim com chances de serem aprovados e transformarem-se em
normas jurídicas (muito embora não em um futuro próximo).
O Projeto de Lei nº 149/2003 também já recebeu parecer contrário do relator
dep. Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG) na Comissão de Constituição e Justiça, sob o
argumento de que seus artigos já estão tratados pela Lei de Segurança Nacional.
Mesmo assim, já recebeu neste ano um apenso, o Projeto nº 7765/2010, de
17/08/2010, o mais recente a pretender tipificar o terrorismo, nestes termos:
Art. 2º Para fins desta lei, considera-se terrorismo qualquer ato praticado com uso
de violência ou ameaça por pessoa ou grupo de pessoas com intuito de causar
pânico, através de ações que envolvam explosivos ou armas de fogo, com vistas
18
a desestabilizar instituições estatais .
Além de ser estatocêntrico e de limitar o terrorismo a ações que envolvam
explosivos e armas de fogo (deixando de fora, só para citar os mais óbvios, os gases
tóxicos e o apoderamento ilícito de aeronaves), o citado projeto cinge o ato ao intuito
de causar pânico.
Já o Projeto nº 6764/2002 é fruto de uma discussão mais aprofundada.
Oriundo do Poder Executivo, é resultado dos trabalhos da “Comissão de Alto Nível”
coordenada pelo Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, e com participação do Dr. Luiz
17
Disponível em <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/444044.pdf>. Acesso em 20 nov. 2010.
PL nº7765/2010, dep. Nelson Goetten (PR/SC) Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/
integras/796395.pdf>. Acesso em 20 nov. 2010.
18
27
Roberto Barroso, Dr. Luiz Alberto Araújo e Dr. José Bonifácio Borges de Andrada,
constituída por Portaria com o intuito de efetuar estudos sobre a legislação de
Segurança Nacional e sugerir princípios gerais para nortear a elaboração de Projeto
de Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito.
O completo projeto introduz no Código Penal um título específico dedicado
aos “crimes contra o Estado Democrático de Direito”, além de revogar a Lei de
Segurança Nacional. Dentre várias previsões, como o apoderamento ilícito de meios
de transporte, sabotagem, ação de grupos armados e coação contra autoridade
pública, tipifica o terrorismo, nos seguintes termos:
Art. 371. Praticar, por motivo de facciosismo político ou religioso, com o fim de
infundir terror, ato de:
I - devastar, saquear, explodir bombas, seqüestrar, incendiar, depredar ou
praticar atentado pessoal ou sabotagem, causando perigo efetivo ou dano a
pessoas ou bens; ou
II - apoderar-se ou exercer o controle, total ou parcialmente, definitiva ou
temporariamente, de meios de comunicação ao público ou de transporte, portos,
aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, instalações públicas ou
estabelecimentos destinados ao abastecimento de água, luz, combustíveis ou
alimentos, ou à satisfação de necessidades gerais e impreteríveis da população:
Pena – reclusão, de dois a dez anos.
§ 1o Na mesma pena incorre quem pratica as condutas previstas neste artigo,
mediante acréscimo, supressão ou modificação de dados, ou por qualquer outro
meio interfere em sistemas de informação ou programas de informática.
§ 2o Se resulta lesão corporal grave:
Pena – reclusão de quatro a doze anos.
§ 3o Se resulta morte:
Pena – reclusão, de oito a quatorze anos.
§ 4o Aumenta-se a pena de um terço, se o agente é funcionário público ou, de
19
qualquer forma, exerce funções de autoridade pública.
À toda evidência, vê-se que se trata de definição mais abrangente, abarcando
inclusive o chamado terrorismo cibernético. Mesmo assim, parte de um pressuposto,
hoje já discutido pelos teóricos, que o terrorismo é necessariamente praticado “por
motivo de facciosismo político ou religioso”. Ao optar por descrever os atos, corre o
risco de deixar algo de fora ou mesmo de se tornar obsoleta. Além disso, em
especial seu inciso II dá azo a interpretações flexíveis, podendo inclusive enquadrar
manifestações populares como atos terroristas.
19
PL nº6764/2002, Poder Executivo. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/32274.
pdf>. Acesso em 20 nov. 2010.
28
5 A TIPIFICAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE PREVENÇÃO DO TERRORISMO
Parte-se do pressuposto que à exceção do terrorista, o objetivo de quem se
dedica ao terrorismo é exatamente evitar que ele ocorra. Analisamos então sua
tipificação como um instrumento de contraterrorismo, para identificar se ela de
alguma maneira colabora com este propósito. Assim, se a tipificação do terrorismo
se mostrar inútil ao recrudescimento do fenômeno, ela passa a não se justificar,
notadamente se, além disso, identificarmos consequências negativas da tipificação.
Após analisarmos o atual tratamento do terrorismo no direito internacional, no
direito comparado e no direito brasileiro, partimos de algumas hipóteses para
identificar eventual préstimo da tipificação.
O objetivo é perscrutar as diferentes razões pelas quais seria oportuno
tipificar-se a conduta. Estudando-se o que motiva as ações terroristas, tenta-se
verificar se uma eventual previsão da legislação – e a imposição de uma pena – têm
o condão de dissuadir a prática de um ato terrorista. Identificando quão severamente
o nosso ordenamento, em seu estado atual, puniria uma conduta que se
enquadrasse como terrorista, pode-se avaliar se a pena eventualmente aplicada
deve ser aprimorada, principalmente considerando a necessidade, ou não, de se
punir diferentemente o terrorista. Ainda perquirindo a validade da tipificação do
terrorismo, passa-se também a analisar os possíveis reflexos benéficos de tal
medida, para o Brasil, no ambiente internacional; bem como os riscos advindos da
subjetividade que cerca a definição do fenômeno.
5.1 O terrorista e sua motivação
Todo ato tem um agente e uma motivação (racionais ou não). Para evitar que
o ato ocorra, neste caso o ato terrorista, debrucemo-nos então sobre o agente e sua
motivação. Quem é o terrorista e o que o motiva?
Inúmeros são os estudos a analisar especificamente o terrorista, inclusive
extensos estudos psicológicos levados à cabo com centenas deles. Os cientistas
políticos não raro chegam a conclusões diversas quanto a estes indivíduos.
29
Lamentavelmente ignorando muitas peculiaridades destes estudos, pelo bem
da concisão, dividimos tais visões em três grupos: os que consideram os terroristas
indivíduos psicologicamente perturbados, portanto atores irracionais; os que os
consideram racionalmente voltados para a consecução de um objetivo político; e os
que os consideram atores racionais que utilizam o terrorismo com objetivos sociais,
como a formação de fortes laços entre si.
Uma série de estudos psiquiátricos tende a contradizer os que ainda acham
que terroristas são indivíduos irracionais sem consciência da gravidade de seus atos
e movidos por graves psicopatologias. Louise Richardson (2006, p. 14) deixa claro
logo no início de sua obra que estudos empíricos demonstram que terroristas não
são irracionais. Na verdade, a essa visão não é dada muita credibilidade acadêmica
também porque não colabora ao estudo de medidas preventivas deste fenômeno.
Além de simplista, leva-nos à inarredável constatação que, se o terrorismo é fruto de
um distúrbio, não há razão para que, à exceção dos psicólogos e psiquiatras, nos
dediquemos a seu estudo.
Grande parte dos teóricos, no entanto, vêem o terrorista como um ator
racional que se vale do terror para alcançar uma determinada plataforma política ou
religiosa. Nitidamente, tal visão inclusive é a que norteia os esforços de combate ao
terrorismo, a legislação dos Estados no que se refere ao tema e, no caso específico
do Brasil, as intenções de tipificação da conduta terrorista. Não coincidentemente,
no mencionado estudo de Schimid e Jongman (2005) com uma centena de
definições, o elemento mais recorrente – naturalmente após a violência – é a
política.
Mais recentemente, alguns teóricos se contrapõem a esta ideia dominante.
Max Abrahms (2008) faz uma pesquisa detalhada, analisando tendências comuns a
várias organizações terroristas ao longo do tempo, no intuito de demonstrar que o
modelo estratégico com o qual hoje lidamos com o terrorismo parte de uma
convicção de que os terroristas são atores racionais motivados por objetivos
políticos, o que na visão dele é contradito por uma série de preponderância de
evidências teóricas e empíricas que, sistematizadas em sete tendências de
organizações terroristas, ele chama de “seven empirical puzzles” a contradizer o
modelo estratégico e demonstrar sua fragilidade empírica.
Tais tendências demonstrariam que os indivíduos (não coincidentemente os
socialmente isolados) participam de organizações terroristas não para alcançar suas
30
plataformas políticas oficiais, mas sim para desenvolver fortes laços afetivos com os
demais terroristas. Dessa maneira, se os terroristas geralmente dão mais
importância para os benefícios sociais dos que aos benefícios políticos de se valer
do
terrorismo,
então
as
estratégias
contraterroristas
requerem
mudanças
fundamentais. No âmbito deste artigo, o enquadramento da tipificação do terrorismo
nessas mudanças constituiria uma razão a justificá-la, mas não parece ser o caso.
5.2 Os riscos da subjetividade
Como discorrido, não existe um consenso na academia acerca do conceito de
terrorismo. Pode-se perceber, também, que as definições muitas vezes são criadas
para se enquadrar ao ponto de vista ou interesse dos que a cunham. A mesma
organização, dependendo de quem a analisa e da definição que utiliza para isso,
pode ser um grupo terrorista, um movimento de guerrilha ou um heroico grupo de
libertação nacional.
Tal subjetividade se dar no plano da idéias é perfeitamente exequível. No
entanto, quando se trata de enquadrar a conduta de um indivíduo como terrorista e a
ele aplicar severas penas, não há tanto espaço para interpretações.
Uma tipificação que dê à quem a opera a faculdade de nela enquadrar toda
série de atos, com base tão somente em uma hermenêutica maculada por
concepções pessoal ou partidárias, não condiz com um Estado Democrático de
Direito. Lamentavelmente, percebemos que em vários países a luta contra o
terrorismo vem se dando em detrimento de liberdades individuais e da segurança
jurídica de seus cidadãos. Da leitura de muitas definições constantes dessas
legislações, percebemos que impera a lógica do “eu saberei que é quando
acontecer”, exatamente para dar flexibilidade à interpretação do Estado.
No atual cenário brasileiro, de considerável estabilidade das instituições
democráticas, é perigosamente fácil deixar-se passar uma previsão legal que nos
deixaria sujeitos aos bons auspícios de quem estiver no poder. Não se pode, no
entanto, ignorar um passado recente ou iludir-se pela pretensão de não estar o
Brasil sujeito a tendências totalitárias que pairam inclusive sobre vizinhos, que hoje
padecem com governos de vocação pouco democrática.
31
Além da subjetividade que marca as definições do terrorismo constantes dos
ordenamentos alienígenas estudados, e dos mencionados riscos dela derivados,
constata-se que ainda assim - mesmo com a previsão legal - julgar e punir o
terrorista continua sendo um problema nestes países.
Uma completa reportagem do The Washington Post de 13 de novembro de
2010, reverberada em vários países20, retrata este quadro de indefinição. Embora
transcorrida quase uma década, o mentor confesso dos atentados de 11 de
setembro ainda não foi julgado, devendo continuar detido em prisão militar sem
previsão de julgamento. O governo concluiu que a oposição dos congressistas - dos
quais depende para fechar Guantânamo - impede que ele seja julgado em um
tribunal federal. A opção de retomar os julgamentos militares da prisão em Cuba
encontra oposição ainda maior, inclusive dentro do Partido Democrata. A Casa
Branca, no entanto, já deixou claro que a decisão final caberá ao próprio Presidente.
Mesmo
tendo
tipificado
a
conduta,
criado
toda
uma
estrutura
de
enquadramento, detenção e persecução penal, além de submetido todos os
estadunidenses à subjetividade de um tipo penal aberto, os Estados Unidos vêem-se
diante de um impasse político para julgar um terrorista, o que pode não coadunar
com um regime democrático e legalista. Nesse sentido, o fato de a decisão de onde
se dará o julgamento caber ao presidente só corrobora a tese da insegurança
jurídica a que estão sujeitos até os próprios estadunidenses: não há como afirmar o
que constitui ou não um ato terrorista e nem mesmo como será julgado quem
eventualmente for acusado de tê-lo cometido.
A segurança jurídica é frequentemente invocada nas justificativas dos projetos
de lei que pretendem tipificar o terrorismo no Brasil. Mas por este ângulo a
tipificação tem um resultado diametralmente oposto.
5.3 O atual tratamento do terrorista no direito brasileiro
Em não estando tipificado, porquanto sendo impunível no território brasileiro,
como responderá perante a justiça brasileira um terrorista? Por mais improvável que
20
Ver também artigo “Mentor do 11 de Setembro pode ficar sem julgamento, diz jornal”. Folha de São
Paulo, 14/11/2010. Mundo, p. A19.
32
tal hipótese possa hoje parecer, não podemos afastar a possibilidade de o Brasil ser
alvo de um ataque, notadamente considerando a presença de representações
diplomáticas e filiais de empresas oriundas de países considerados inimigos por
organizações terroristas. Ao protagonismo pretendido pelo Brasil deve corresponder
um maior cuidado com este tipo de fenômeno, haja vista que o terrorismo
internacional ignora a existência de fronteiras.
Lembremos também que brasileiros já foram, direta ou indiretamente, vítimas
do terrorismo ou mesmo de seu combate. Nos ataques a bomba que mataram mais
de 200 pessoas em Bali no ano de 2002, morreram os brasileiros Alexandre Watake
e Marco Antônio Farias. Em agosto de 2003, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, à
trabalho da ONU no Iraque, foi outra vítima de um atentado terrorista em Bagdá.
Também no Iraque, no início de 2005, o engenheiro João José Vasconcellos foi
sequestrado e morto. Em julho do mesmo ano, Jean Charles de Menezes foi morto
no metrô de Londres ao ser confundido com um terrorista.
Sem a tipificação do próprio terrorismo, no Brasil quem praticasse esse tipo
de ato seria punido apenas pelas consequências dele derivadas. Assim sendo,
responderia por homicídio no que se refere às vítimas fatais de seus atos; por lesão
corporal, conforme a gravidade, pelos feridos no intento; pelos danos que
eventualmente viesse a causar. Por já se tratarem de penas das mais severas de
nosso ordenamento, e considerando que, por previsão constitucional, as penas
privativas de liberdade estão limitadas a 30 anos no Brasil, inarredável a conclusão
de que a cominação de mais penas acabaria surtindo pouco efeito no que diz
respeito ao tempo que o indivíduo acabaria privado de sua liberdade.
Não se pretende adentrar em uma discussão quanto aos objetivos da pena,
mas é consenso que em todo lugar em que foi tipificado, aos atos terroristas foram
cominadas penas das mais severas. Então, se o objetivo de fato é aumentar a
punição, vemos que em nossa realidade jurídica a tipificação não faria tanto efeito.
5.4 O reflexo da tipificação no ambiente internacional
Megalomanias à parte, a relevância do Brasil inegavelmente vem crescendo
no âmbito regional e mundial. Em alguns itens da agenda, como as negociações
33
comerciais multilaterais, ele chega a se destacar. Dentre os chamados Brics, o país
vem sendo visto como um importante ator na nova configuração da hoje instável
ordem econômica mundial.
Consabido que o Brasil tem pretensões ainda maiores, a formulação e a
execução de nossa política externa naturalmente devem perpassar a identificação
das melhores oportunidades externas. Na vasta e complexa agenda do cenário
internacional,
considerando
as
especificidades
brasileiras
há
temas
que
inegavelmente podem proporcionar melhores resultados – leia-se, maior afirmação
no plano internacional - com o mesmo nível de esforço. Dispensando análise
profunda, a simples constatação de nossas características pode indicar que não
serão questões militares e estratégicas que elevarão o Brasil a tal papel relevante.
Ademais, os que estão à cargo da política externa de fato já optaram por via
diversa. Não fosse assim, o Brasil também estaria agindo mais incisivamente para
livrar-se de recentes críticas a apontar certa negligência em matéria de direitos
humanos. Na última e recente oportunidade que teve para fazê-lo, o Brasil preferiu
não o fazer. No último dia 18 de novembro, o país se absteve de condenar, em uma
resolução aprovada no comitê de direitos humanos da Assembleia Geral das
Nações Unidas, a tortura, a alta incidência de aplicação de pena de morte, inclusive
contra pessoas menores de 18 anos, a violência contra a mulher e a perseguição
contra minorias étnicas. A resolução, patrocinada por 42 países capitaneados pelo
Canadá, se originou de discussão motivada pelo célebre caso da iraniana Sakineh,
condenada à morte por supostos adultério e assassinato21.
No âmbito das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos, o
Brasil assinou e ratificou todas as convenções internacionais sobre o terrorismo;
além de vir cumprindo todos os protocolos sobre lavagem de dinheiro – assunto que
em alguma instância se comunica com o terrorismo. No âmbito regional, inclusive
capitaneou algumas iniciativas plurilaterais de prevenção e combate ao terrorismo.
Ao ensejo da Declaração de Ministros da Justiça e do Interior do Mercosul
(Montevidéo, 28 de setembro de 2001) foi criado o Grupo de Trabalho Especializado
sobre Terrorismo22, subordinado à Comissão Técnica encarregada de coordenar os
grupos de trabalho especializados do Mercosul. As atividades deste se voltam à
21
Ver também artigo “Brasil de abstém em votação contra Irã”. Folha de São Paulo, 20/11/2010.
Mundo 2, p. 1.
22
Compõem o GTE os países-membros do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai), os
associados (Bolívia, Chile, Peru e Venezuela) e a Colômbia.
34
implementação e coordenação de ações operacionais, em matéria de terrorismo,
baseada no Plano Geral de Cooperação e Coordenação Recíproca para a
Segurança Regional. Para além disso, há outros dispositivos pertinentes na esfera
do Mercosul, como o Protocolo sobre Assistência Judiciária Mútua em Assuntos
Penais, de 1996, e o Acordo sobre Extradição, de 1998.
Muito embora não tenha tipificado o terrorismo, ao assinar todas as
Convenções e sempre se posicionar de maneira clara repudiando tais práticas o
Brasil acaba não atraindo pressões internacionais no que concerne a uma atuação
mais ferrenha contra o terrorismo. À vista de tudo isto, é exequível afirmar-se que
não será simplesmente tipificando o terrorismo que o país alcançará qualquer
resultado considerável no que diz respeito a avolumar sua relevância no plano
internacional.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O princípio da legalidade está prescrito no art. 5º, II da Constituição da
República: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei”. Dele emerge um dos mais relevantes sustentáculos do Estado
Democrático de Direito, garantindo ao particular o direito de fazer – ou deixar de
fazer – tudo que a lei não proíba. Desta forma, tal garantia constitucional ainda
assegura a prerrogativa de rechaçar quaisquer injunções impostas senão pela lei.
Graças a este princípio, o indivíduo pode conhecer o que lhe é permitido e vedado,
consequentemente sendo lídimo partir-se do pressuposto de que ele sempre age
consciente da licitude ou ilicitude de seus atos.
Adotada na totalidade dos Estados democráticos e até “nas legislações de
outros Estados de menor vocação democrática” (LOPES, 1994, p. 32), no Brasil a
legalidade penal está inscrita no art. 5º, XXXIX da Constituição da República e
disposta, como elemento basilar do Direito Penal, no art. 1º do Código Penal: “não
haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
No consabido postulado latino, nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.
Assim, somente uma lei anterior ao fato terá o condão de transmutá-lo de
simples fato a uma conduta criminosa, igualmente estabelecendo a sanção dela
35
decorrente. Naturalmente, inexistindo tal lei prévia, não há que se falar nem em
delito.
Decorre disso que as sociedades apressaram-se a prever as condutas que
consideravam reprováveis, sempre no intuito de se proteger delas, dissuadindo os
potenciais criminosos e punindo à altura os recalcitrantes. Mas basta a
reprovabilidade de um ato para que ele deva ser alçado à categoria de crime?
Quando nos vemos diante de um ato tão brutal como o resultante de um
atentado terrorista, o sim a tal questionamento é imediato. No entanto, percebemos
que há muito a ponderar. O terrorismo, como objeto de estudo, faz parte de um
seleto grupo de fenômenos que dizem respeito a todos. Mesmo um país como o
Brasil, tradicionalmente pacifista, não pode se permitir dar as costas ao terrorismo;
principalmente se de fato tem pretensões de ver-se alçado ao status de potência,
protagonizando as grandes discussões de high politics em igualdade com os mais
poderosos Estados do planeta.
Não obstante tudo isso, e toda a pesquisa dedicada ao redor do mundo à
origem do terrorismo, seus meios de atuação e instrumentos de combate,
percebemos que nem mesmo uma definição incontroversa existe. Para além disso,
não podemos igualmente afirmar se tal definição é de fato necessária – ou mesmo
desejável.
A verdade que prevalece sem contradição é que em pleno século XXI
diuturnamente morrem pessoas em decorrência deste fenômeno que não tem rosto,
não tem hora nem lugar para acontecer e muitas vezes é indistinto com relação a
suas vítimas. Principalmente limitando-nos às nefastas consequências de suas
ações, não é difícil classificar os terroristas como bárbaros, mentes doentias,
criminosos da pior estirpe que nada têm a perder. Complicado, isso sim, é perquirir
as origens deste fenômeno; o que leva uma pessoa a se matar levando junto
centenas ou mesmo milhares de inocentes. Com um seleto grupo de juristas, é
também consideravelmente fácil redigir um conceito do terrorismo para daí aprová-lo
como lei, aplicando a mais severa das penas. O difícil é não deixar à mercê de quem
estiver no poder a decisão do que é ou não terrorismo, constituindo uma poderosa
arma não mãos de regimes excepcionais.
Desde a década de 1990, e sobretudo após os atentados de 11 de setembro,
multiplicaram-se as iniciativas de resposta ao terrorismo, principalmente por parte
dos Estados Unidos e dos países da Comunidade Europeia: endurecimento da
36
legislação, reforço da cooperação internacional antiterrorista, ações abertas ou
encobertas – não raro violando normas de direito internacional. Os dramáticos e
sangrentos efeitos dos atentados de fato conseguiram inibir o julgamento crítico de
outras ameaças que algumas destas iniciativas representam para a democracia.
Assim, fica nítido que temos muito a aprimorar em nossas respostas. No caso
do Brasil, antes de bradar pela tipificação do terrorismo – como muito recentemente
o fez inclusive nosso Presidente – precisamos dedicar maior apreço à viabilidade
dessa previsão e suas consequências. Se o objetivo da lei é, antes de simplesmente
punir a conduta, impedir que ela ocorra; é necessário entender o que motiva um
terrorista, por mais difícil que isso possa provar ser, para daí agir adequadamente.
Ao longo destes escritos, vemos que os estudiosos, teoricamente os mais
bem preparados para definir o terrorismo, não alcançaram uma definição uníssona.
As legislações que tipificaram o ato, por melhor que o fizeram, são subjetivas.
Mesmo um conceito bem delineado e aparentemente objetivo estará apoiado em
outros, mais subjetivos. O que é terror? O que constitui ou não as recorrentes
motivações religiosas e políticas?
Os projetos brasileiros de tipificação provaram-se limitados, vagos ou mesmo
perigosos do ponto de vista democrático. Se nosso esforço legislativo estivesse
voltado para atividades preventivas, de inteligência e compartilhamento de
informações, talvez normas mais efetivas já poderiam estar à serviços das
autoridades brasileiras. Da mesma forma, considerando os reflexos externos de uma
tipificação, é difícil vislumbrar que tal atitude se reverterá em capital político ou
mesmo algum prestígio para o Brasil no plano internacional.
Muita discussão há inclusive acerca do que motivaria um terrorista em seus
atos. Percebemos, no entanto, que independentemente da visão à qual se filie, não
será a punição o que dissuadirá a mente terrorista em seus intentos. Mesmo em
termos práticos, restou exposto que cominar uma pena ao terrorismo seria de todo
inócuo no resultado final. Tudo isso, sem se discutir se a motivação política ou
religiosa é de fato elemento a agravar a pena, se comparado com um homicídio
completamente imotivado; ou motivado pelo mero prazer de matar.
Esta pesquisa inicial leva à conclusão de que a tipificação não é tão imperiosa
quanto se imaginava, ou mesmo desejável. Dentro de suas limitações, que ao
menos dê azo a uma maior discussão do tema, que hoje é tratado com um arriscado
automatismo.
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