Paranapiacaba - Por Valkiria Tinti Burattini Taioli Mazzuchelli Iacocca

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Paranapiacaba - Por Valkiria Tinti Burattini Taioli Mazzuchelli Iacocca
Site da Família Taioli
Gênova - Paranapiacaba - Por Valkiria Tinti Burattini Taioli Mazzuchelli Iacocca
Esta é uma história da vida real. Eu, Valkiria Tinti Burattini Taioli Mazzuchelli Iacocca, 56 anos, resolvi colaborar com a
simpática Denise e começar a escrever a minha versão da história dos Taiolis. Na verdade, tudo começou a ficar claro na
minha cabeça quando passei a me corresponder com a Márcia Taioli, lá na Bahia: e-mail, pra lá, e-mail pra cá, ela se
emocionando lá em Salvador e eu aqui nos altos da Paulista... Em nossas prosas, consegui até sentir o cheiro de uma
sopa de feijão com macarrão que a tia Dora fazia lá na Rua Padre Raposo...Lembrando de coisas assim, resolvi que a
nonna Lena vai ser o fio condutor deste meu relato. O que segue abaixo é apenas um ensaio, que nesta primeira parte
vai até a travessia Gênova – Santos e a subida da serra até a região de Paranapiacaba. Quem quiser participar me
escreva. 2006, mês de abril, outono brasileiro.Naquele meu tempo de menina, lá na Mooca, achava que depois da
virada do milênio tudo seria diferente: nada de Rua Lituânia com seus cortiços, nada de Madre de Deus com Guaimbé,
onde um tal de Torneiro, junto com o famoso tio Piero, torneavam alguns brinquedos, nada de Padre Raposo, onde o tio
Luciano consertava aqueles rádios cheios de válvulas que chiavam o tempo todo e TVs PB que ele olhava por um
espelho para ver quando a imagem iria aparecer. Também tudo seria diferente lá na Rua São Raphael, onde a gente
se encontrava para ver o Coral do Bastilha cantar na Igreja, tão próxima dali.Quando eu era menina, lá na Mooca,
achava que depois da virada do milênio ninguém iria mais chorar, pois ninguém mais iria morrer.Quando eu era
menina lá na Mooca, achava que o jogo de baralho dos nonos, que o velho Stud Baker do tio Piero, a Rural Willys do
Luciano e os crostolis da Rina seriam esquecidos, e que lá nos altos da Avenida Paulista tudo aquilo iria parecer coisa
pequena... Grande mentira! Hoje estou aqui com meus olhos marejados, a boca seca, o coração apertado, tentando
escrever um texto que emocione meus primos, ou melhor, os filhos dos meus primos, os filhos dos meus irmãos e os
meus filhos. E sabendo que não existe nada mais importante na minha história do que aquela convivência da minha
infância, nada mais importante que as histórias da nonna Lena, e é por ela que eu vou começar. “Salute a tutti”.Na verdade,
eu nunca pensei em sair de Gavinana. Afinal lá estava toda minha família: Teresina, minha mãe, Pietro, meu pai,
minhas irmãs e meus irmãos. Eu não sou Taioli, sou Burattini, e vivi até os 26 anos na Itália. Quem já foi lá em
Gavinana conheceu o “piccolo paese” onde eu nasci.Â
Apesar da miséria decorrente da primeira guerra mundial, a minha família fome não passava... Nós não tínhamos dinheiro,
mas existia uma certa fartura de legumes, frutas e outros alimentos que eram gerados ao redor daquela pequena aldeia
sobre a montanha, onde no inverno nos aquecíamos com o fogo da lareira e no verão corríamos pelas ruas de pedra e
pelos bosques do entorno. Apesar da guerra, apesar da neve, apesar da altura da montanha, eu e meus irmãos fomos
alfabetizados com primor, aprendíamos alguns ofícios e, ao redor da casa, também apreendíamos as regras mais
básicas de sobrevivência de um ser humano, desde o comércio usando a lei do escambo até a preparação de iguarias à
base de pimentões, berinjelas, abobrinhas, ervilhas, sem esquecer das massas frescas, dos deliciosos crostolis e as
conservas de “pomodori”,Um grande feito meu, foi quando tirei um “Dieci in Camicia”. Isso foi em 1910. A gente recebia
notas pelos trabalhos manuais na escola e eu costurei uma camisa que recebeu nota 10 da maestrina. Foi um dos dias
mais felizes da minha vida.Eu sempre fui muito vaidosa e sempre detestei meu nome, Maddalena. Quando criança eu me
perguntava como alguém podia ter colocado em mim, uma menina, o mesmo nome da minha nonna. Afinal eu era
jovem, bonita, ruiva, faceira, e a nonna Maddalena uma vecchia. Lembro que eu me assustava com suas rugas.Por
causa disso sempre gostei dos meus vários apelidos. O que eu mais gostava era “ricciola”, porque eu tinha os mais
belos cabelos de Gavinana: eram vermelhos como fogo e formavam verdadeiros cachos macios, tudo muito natural. Eu
realmente era uma beleza.As diversões lá “nel paese” eram poucas, mas intensas. Até brincar no carnaval a gente
brincava. Já naquele tempo os homens se vestiam de mulher e as mulheres de homem, e com algumas mascaras
estilo veneziano brincávamos pelas ruas. Uma coisa que me lembro muito bem e que já naquele tempo, mesmo
naquele pequeno paesello, um dos nossos amigos tinha trejeitos afeminados. Ele era muito dedicado às orações, e quando
íamos à missa de domingo carregava um missal e sempre esperava as moças para ir junto. Ele se chamava Leon e sua
mãe Leona, e todos o chamavam “Leon della Leona”. Assim os anos foram passando e eu, Madalena Burattini, que todos
conheciam como “La Ricciola”, chegava aos 23 anos quando algo aconteceu de repente...Um dia, Matteo Taioli, filho de
Pietro e Annunziata Ferrari, nascido na praça de Gavinana, voltou de sua longa viagem a um desconhecido e longínquo
país que ficava do outro lado do mundo, país esse chamado Brasil.Ele voltava depois de passar 10 anos como imigrante
no Brasil e tudo lhe pareceu mudado. Ele percorria as poucas ruas do paese e sentia que ali não era mais o seu lugar.
Percebeu que havia fincado suas raízes lá na distante América. Outro motivo que o entristecia foi ter encontrado sua
mãe muito envelhecida. Ele achava que indo embora não veria o envelhecimento de seus pais, o que o faria sofrer
muito.Foi assim que começou a planejar sua volta definitiva para o Brasil. Para tanto, teria que deixar tudo... Tudo? Bem,
quase... Foi quando pensou: “Vou embora e deixo tudo, minha mãe, meus amigos, ma la bella ricciola me la porto via”. Ele
era lindo, fino, educado, e eu cheia de amor pra dar. Foi assim que, alguns meses depois, eu me tornava Maddalena
Burattini Taioli.Nossa lua de mel foi em Firenze. Eu, que nunca tinha saído dal paese, cheguei a Firenze em uma carroça,
único meio de transporte na época. Eu me sentia uma princesa. Foi inesquecível, um assombro. (Não se esqueçam que
naquele tempo não existiam telefone, televisão, carros e mais outras milhares de invenções que hoje parece que sempre
existiram).Ficamos hospedados em um hotel. Que loucura foi aquilo. Para começar, naquela época ninguém ensinava
nada pra gente, ninguém falava sobre sexo, controle de natalidade ou qualquer outra coisa relacionada a esse assunto.
O grande choque foi ver a estátua do Davi, aquela obra de Michelangelo, que estava totalmente nu. Ele lá na minha
frente com seu sexo despido. Depois vimos outras estátuas de homens nus, de mulheres nuas. Eu não disse uma
palavra ao Matteo, pois tinha vergonha e não queria que percebesse que eu estava olhando. Como eu era muito “furba”,
ficava olhando com o rabo dos olhos.Outra grande surpresa foi nossa ida ao teatro para assistir a uma ópera. Até então
eu só tinha visto os saltimbancos que às vezes se apresentavam lá na praça de Gavinana. Foi uma maravilha! Eu estava
com um vestido azul marinho, bem cortado, com umas nervuras no peito e uma flor, um pequeno casquete na cabeça,
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imaginem só, na mesma cor do vestido e um sapato que parecia uma botinha, cheia de botãozinhos. O problema foi que
durante o espetáculo a minha bexiga precisava ser esvaziada. Eu não agüentava mais, mas, como disse
anteriormente, não tínhamos o mínimo de liberdade para dizer simplesmente “vou ao banheiro” ou qualquer coisa parecida.
Assim, sofri durante as 3 horas da ópera, meu pé ficou inchado e o Matteo teve que me ajudar a desabotoar todos
aqueles botões. Foi uma noite “inesquecível”, pois naquele tempo não se falava mas se fazia, tanto que logo eu estava
grávida. De volta a Gavinana, percebemos que as coisas não eram mais como na infância. Estávamos constituindo
uma família mas nem eu nem o Matteo tínhamos trabalho. A única fábrica da região, chamada Campo di Soro, ficava
em San Marcello Pistoiese.Como era uma fábrica de material bélico, com o final da guerra muitos operários ficaram
desempregados. A cada dia Matteo alimentava o sonho de voltar para o Brasil e pos em ação o seu plano “A caminho da
América”.Vamos ficar uns dois anos e depois voltamos para Gavinana, dizia ele, e eu cai direitinho no “Conto da
América”, e realmente acreditei que vínhamos fazer a América.Eu falava pra minha mãe, Teresina: em dois anos eu
volto, nem vou levar meu enxoval, vamos fazer a América e voltaremos “con i soldi”. Meu pai não queria que eu “la cocca
del babbo”, viesse para o Brasil. Apesar da falta de meios de comunicação, os imigrantes que retornavam contavam que
aqui só tinha índios, insetos que picavam e fazia muito calor. Então, o babbo Pietro dizia: sempre sobrevivemos aqui,
sempre tivemos orgulho do nosso paese, fome nunca passamos... O que vocês vão fazer naquele fim de mundo.Meu
pai tinha razão. Como eu poderia deixar a família, a cidade, a praça... Era naquela nossa praça que estava o monumento
de Francesco Ferruccio, que nos orgulhava muito. Ele nosso herói, nosso espadachim da honra, da bravura, de tudo que
pode representar a grandeza do ser humano. Era em volta daquela estátua que nós brincávamos, dançávamos e
reverenciávamos nosso herói. Ele conhecia o desconhecido, ele  não tinha medo da luta e nem da guerra, as mulheres
o admiravam, e os homens o invejavam... Ainda hoje o povo da vizinha San Marcello reclama que o herói é filho de sua
cidade, mas eu, La Ricciola, posso garantir para quem quiser ouvir que Francesco Ferruccio é filho pródigo e alma única
del mio paese Gavinana. Foi assim que, Matteo com 33 anos, eu com 26, o pequeno Sisto nos braços e mais um filho na
barriga, partimos em uma carroça semelhante àquela que nos havia levado para a Lua de Mel. Só que nosso destino foi o
porto de Genova. Fomos sozinhos, pois naquela época as famílias não podiam nos acompanhar até o porto, que era
muito longe. Mas eu não tive medo. Matteo, com seu espírito calmo, parecia que estava dando uma volta na piazza.
Quanto a mim, que só tinha ido a Firenze uma vez, ficava aflita, pensando no desconhecido, no imponderável, mas
também não tinha dúvida de que eu amava aquele homem e que iria com ele onde quer que fosse. Também não
poderia desejar mais guerras para retornar a trabalhar no Campo di Soro.Subimos no navio para enfrentar uma viagem
que duraria 28 dias. Nem sequer lembro o nome do navio. Os primeiros dias de viagem foram muito cansativos, pois o
navio enfrentou todo tipo de problemas comuns em uma travessia tão longa. Era fantástico observar o atrevimento dos
mais corajosos, e o visível pavor daqueles que temiam o desconhecido.Lembro que muitos companheiros de viagem
ficaram doentes, e eu logo comecei a ficar preocupada com a febre insistente do meu pequeno Sisto. Para aliviar minha
preocupação, os outros passageiros diziam: não se preocupe, logo chegaremos, já estamos perto da América. Os dias
foram passando e eu, perplexa, via a vida do meu pequeno Sisto se esvair ali, naquele lugar dantesco, tão longe da
minha bella montanha, tão longe da minha bella piazza. Quando ele morreu, poucos dias antes de chegarmos ao Rio de
Janeiro, eu sofri muito. Um sofrimento que superava o sofrimento de quando morreu meu irmão, de gripe espanhola. Ele
tinha estado por longo tempo servindo na guerra, sobreviveu àquelas balas que entupíamos de pólvora lá em Campo di
Soro e foi morrer de uma gripe. Mais uma vez o sofrimento me abatia, mas com outro filho na barriga e o marido a quem
eu amava, tinha que seguir em frente.Era só água no entorno do navio. Acostumada a todos os rituais fúnebres quando
morria alguém, me desesperei: onde iria enterrar meu pequeno Sisto. Os marinheiros, já acostumados com aquele tipo
de situação, me consolaram dizendo que ele seria enterrado no Rio de Janeiro, que estava perto. Da proa do navio,
vendo ao longe as terras do Brasil, um pequeno barco levou o frágil corpo do meu filho. O barco tinha um nome,
DIANA, e naquele momento fiz uma promessa de quando tivesse uma filha ela se chamaria Diana, promessa que nunca
cumpri. Com a dor da perda no coração, com os olhos arregalados com tanta água e tanta incerteza, chegamos ao porto
de Santos. Quando o navio atracou e eu vi os estivadores no seu trabalho braçal, negros, brancos, pessoas como jamais
eu tinha visto, tive um momento de reflexão e pensei: CIAO BELLA GAVINANA, tenho certeza que deste Continente não
sairei nunca mais. Eu e Matteo sabíamos que não voltaríamos mais.
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