Vigorexia. - Fundação São José

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Vigorexia. - Fundação São José
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CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO JOSÉ DE ITAPERUNA
CURSO DE PSICOLOGIA
SHUSANA APARECIDA BERARDI ALVIM
VIGOREXIA
Itaperuna/RJ
Dezembro/2012
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SHUSANA APARECIDA BERARDI ALVIM
VIGOREXIA
Artigo
apresentado
à
Banca
Examinadora do Curso de Psicologia do
Centro Universitário São José de
Itaperuna como requisito final para
obtenção do título de Psicólogo.
Orientador: Profa Esp. Ieda Tinoco
Boechat.
Itaperuna – RJ
Dezembro/2012
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SHUSANA APARECIDA BERARDI ALVIM
VIGOREXIA
Artigo
apresentado
à
Banca
Examinadora do Curso de Psicologia do
Centro Universitário São José de
Itaperuna como requisito final para
obtenção do título de Psicólogo.
Orientador:
Boechat.
Profª
Itaperuna 05 de dezembro de 2012.
Banca Examinadora:
Profa Esp. Ieda Tinoco Boechat (Orientador)
UNIFSJ – Itaperuna
Profa Esp. Fátima Aguiar Faria Ximenes (Examinador 1)
UNIFSJ – Itaperuna
Prof. Esp. Carlos Eduardo Corrêa de Oliveira (examinador 2)
UNIFSJ – Itaperuna
Esp.
Ieda
Tinoco
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Vigorexia
Shusana Aparecida Berardi Alvim1*
Ieda Tinoco Boechat2
Resumo: O conceito de beleza no universo masculino é bastante antigo e remonta
aos tempos das civilizações antigas, egípcia, grega e romana, em que além de se
dedicarem à prática de exercícios, os homens preocupavam-se com a cultura e a
politização. Historicamente, esses conceitos passaram por diversas mudanças. Na
Idade Média, o belo incluía atributos espirituais. Já na Idade Moderna, consolidou-se
na transitoriedade e no consumismo. Na Idade Contemporânea, o universo
masculino foi marcado por dois conceitos de beleza: o metrossexual, que
compreendia uma preocupação maior com a beleza, chegando o homem a realizar
depilações, fazer uso de cremes e maquiagem e o überssexual que valoriza mais os
caracteres masculinos e utiliza menos artifícios de embelezamento. A vigorexia
corresponde a uma percepção distorcida da imagem corporal, em que a pessoa se
acha mais magra ou fraca do que realmente é, levando-a a praticar exercícios de
maneira abusiva e a utilizar anabolizantes esteroides. A patologia estudada entre os
transtornos alimentares traz sérias consequências psicológicas, físicas, sociais e
ocupacionais. Atualmente, não existe um tratamento específico para o Transtorno
Dismórfico Muscular, sendo indicada a combinação de métodos utilizados para o
tratamento do Transtorno Dismórfico Corporal e transtornos alimentares.
Palavras-chave: Vigorexia. Anabolizantes. Exercícios. Beleza.
Introdução
A vigorexia é conhecida clinicamente como transtorno dismórfico muscular. O
indivíduo que apresenta esse transtorno em geral demonstra um vício exagerado
pela prática de exercícios físicos, principalmente a musculação, excedendo a
capacidade de o corpo recuperar-se do esforço no qual é submetido. O público
masculino é atingido em maior escala por esse transtorno que comumente encontrase associado a distorções psicológicas a respeito da autoimagem, transformando-se
em um quadro patológico.
Inicialmente a vigorexia foi diagnosticada como uma espécie de Transtorno
Obsessivo Compulsivo. Contudo, posteriormente, observaram-se especificidades
desta patologia que levaram a uma classificação especifica como Transtorno
Dismórfico Muscular, que popularmente ficou conhecido com Síndrome de Adônis e
1
* Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário São José de Itaperuna – RJ.
Psicóloga, Terapeuta de Família, Psicopedagoga, Professora do Curso de Psicologia do UNIFSJ,
Professor-orientador do CEJA-Itaperuna.
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Vigorexia, nomenclatura esta amplamente utilizada e difundida pelo pesquisador
americano Harrison Granham Pope Junior.
É crescente o número de vigoréxicos e não é incomum o uso de
anabolizantes esteroides por essas pessoas, devido a sua busca incansável por um
corpo perfeitamente esculpido, em que todos os músculos sejam trabalhados e
desenvolvidos através de exaustivas séries de exercícios de resistência, a fim de
atingirem a autoimagem idealizada. Eis a justificativa desse estudo.
A presente pesquisa busca, conceituar vigorexia e compreender como essa
patologia se desenvolve na pessoa, quais prejuízos é capaz de trazer à saúde do
indivíduo, sobretudo, quando associada à utilização de anabolizantes e quais as
possíveis formas de tratamento utilizadas atualmente.
A pesquisa se apoia em revisão literária a evolução do conceito de beleza
masculina e ao longo da história e o surgimento da vigorexia, que tem sido estudada
entre os transtornos alimentares, por outros autores como: Ana Beatriz, Sheila
Assunção e Cristiane Martins.
1 Breve histórico sobre as representações do belo masculino
Ao abordar a história e os conceitos de beleza masculina, tem-se a Vigorexia
como centro da pesquisa. Segundo Andreola (2000, p. 01), a vigorexia surgiu na
literatura científica no ano de 1993, descrita pelo psiquiatra americano Harrisom
Pope, que a tratou inicialmente como Anorexia Reversa e, posteriormente, como
complexo de Adônis, devido a sua similaridade com a história do herói grego.
Para uma melhor compreensão do surgimento da vigorexia, importa abordar a
temática do surgimento do conceito social de beleza entre os homens e sua
evolução ao longo da história da humanidade.
Segundo Silva (2005, p.33), os relatos mais antigos encontrados referentes à
preocupação com a aparência física remontam às antigas civilizações egípcia, grega
e romana.
De fato, a batalha por um corpo bonito e saudável é bem antiga. Contudo, de
acordo com Fernandes Filho (2010), na Grécia Antiga a beleza do corpo não se
resumia apenas à estética, compreendendo esta expressão o modo de vida do
cidadão grego. Na cultura grega, o homem belo, além de dominar a prática de
exercícios físicos, também deveria conhecer a música e ser politizado.
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Foucault mostra que ao analisar os textos dos primeiros séculos
produzidos na Grécia, mais do que interdições sobre os atos sexuais,
o que aparece é a insistência com o que ele chamou de “cultura de
si”. Tal prática envolvia, por um lado, um rigoroso treinamento e
constituição corporal; e por outro, o cuidado com a alma, realizado
através da filosofia. Constituía-se num “privilégio-dever”, um domobrigação que nos assegura a liberdade, mas ao mesmo tempo
obriga-nos a tomar-nos nós próprios como objeto de toda nossa
aplicação. Assim, para os Epicuristas, a filosofia deveria ser
considerada como o exercício permanente dos cuidados consigo. E
cuidar de si significava manter o corpo e a mente em constante
exercício, aspecto ressaltado também por Sennet (1997), para quem,
na Grécia Antiga, cidadania, nudez e corpo em forma eram
indissociáveis. O autor comenta que as figuras escavadas em pedra
nos mármores de Egin, no Parthernon, retratavam pessoas jovens,
exibindo corpos perfeitos e nus. A nudez tinha total relação com a
forma como os gregos concebiam o corpo, em especial o masculino,
que por ter a possibilidade de gerar e manter calor, não necessitava
de roupas. Para os gregos, um corpo musculoso nunca estava
totalmente nu. Mas, para que o corpo e a própria alma se
mantivessem aquecidos, duas práticas eram fundamentais: a
primeira, exercitar o corpo nos ginásios; e a segunda, aquecer a
alma e a fala através da filosofia e da oratória.
Desta maneira, mostraremos que os cuidados com o corpo no
período helênico grego configuravam–se como práticas sociais,
tomando forma em estruturas institucionalizadas, que contavam com
autoridades reconhecidas, que, por estarem mais avançadas,
conduziam os neófitos na prática dos exercícios da mesma maneira
que fazem os instrutores de ginástica e os personal trainers da
atualidade. (BERGER, 2007, p. 03).
Um dos maiores símbolos da preocupação dos gregos com a perfeição de
seus corpos se traduz na academia, que, segundo Santos ; Salles (2009, p. 89),
compreendia “um local de aperfeiçoamento tanto corporal quanto civil e a ginástica
afirmou-se como um sistemático exercício de elevação espiritual, sendo, ainda,
vinculada ao desenvolvimento da verdadeira nação”.
A respeito da beleza na civilização egípcia, Fernandes Filho (2010, p. 63)
explica que existiam dois termos que eram usados como adjetivos e compreendiam
objetos e pessoas: "n" e "NFR2". Nfrw3 indicava sempre a beleza de um homem
jovem, pois nesta cultura o jovem esbelto de quadris estreitos expressava o quanto a
fisionomia deveria ser valorizada. O corpo masculino devia ser demarcado por dois
triângulos, ombros largos e uma cintura fina.
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Compreende o conceito de beleza utilizado como adjetivo, em geral utilizado no Egito antigo para
fazer referência a objetos e pessoas.
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Compreende o conceito de beleza utilizado como adjetivo, em geral no Egito antigo era utilizado
para indicar a beleza masculina.
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A beleza, pouco discutida no meio acadêmico e, portanto, timidamente
abordada em textos de cunho científico, aparece em publicações relacionadas à
cosmética e vestuário, como traz, numa interessante contribuição Charlotte
Kuchinski.
Kuchinsky (2007) expõe que a preocupação com a beleza no Egito Antigo
estava voltada para o corpo, em que o peso constituía-se motivo de atenção. Este
era controlado e os egípcios seguiam uma rigorosa dieta de frutas e verduras,
evitando o consumo de carnes. Os egípcios ainda depilavam todo o corpo, pois
acreditavam que os pelos eram um sinal de impureza; a maquiagem era usada por
mulheres e por homens, porque possuía uma importante função repelente:
afugentava as moscas no deserto.
Interpretando Sobol e Vicentino, Fernandes Filho (2010) diz que, durante a
Idade Média, a sociedade europeia se organizou em um regime feudal temendo as
invasões bárbaras e foi nesse período que se criou a cavalaria medieval que tinha
por ideal a honra, lealdade e heroísmo; pertencer à cavalaria equivalia, mais que à
aspiração de um nobre, a um código de condutas que abrangia a proteção da honra
feminina e dos fracos, e limitavam-se aos condes, barões e o título de cavaleiro, que
deveria ser conquistado.
Dessa forma, não é uma tarefa muito simples discorrer sobre o conceito de
beleza que prevaleceu durante a Idade Média, uma vez que, nesse período,
observou-se a predominância das vontades e conceitos impostos pela religião
Católica, que previa a dominação dos corpos, gestos e costumes morais e, mais
ainda, ditava as normas de conduta.
Devido à forte influência exercida pela religião sobre a sociedade, alguns
conceitos como os referentes à beleza física limitavam-se, segundo Fernandes Filho
(2010) ao interpretar Eco e Isidoro de Sevilha, a delinear a beleza do corpo como
uma pele rosada, olhos luminosos, principalmente verde-azulados e considerado a
uma aparência sã. Isto porque a Idade Média foi um período marcado por diversas
crises e guerras reduzindo substancialmente a expectativa de vida e com uma alta
taxa de mortalidade entre os jovens.
A ditadura imposta pela Igreja Católica na Idade Média começa a perder força
com a Reforma Protestante de Lutero e com o surgimento do Movimento
Renascentista que se originou na Península Itálica, de acordo com Mota e Braick
(apud FERNANDES FILHO 2010,p). Todo o mundo ocidental começa a ter uma
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nova perspectiva sobre a beleza promovida pelos ideais do antropocentrismo e
disseminada pelo movimento artístico que se propagava pela Europa. Tal momento
é importante na desconstrução das ditaduras de normas e condutas religiosas.
Diante desses novos ideais renascentistas, o homem passa a ser expresso
nas artes com seu poder e uso dos prazeres, daí a representação através da
robustez e gordura. Fernandes Filho (2010) aponta as observações de Novaes;
Vilhena, ao fazerem menção às peças de Shakespeare, sinalizando a valorização à
gordura corpórea: a magreza apontava maldade e astúcia, poderia ser perigosa e
traiçoeira; a gordura estava ligada à saúde.
A Idade Moderna segue e consolida os padrões de beleza firmados durante o
renascimento. No século XX, a grande característica da beleza retrata-se
exatamente por sua transitoriedade supervalorizando o consumismo.
Até o final do século XIX e até metade dos anos 60 (século XX)
houve uma luta entre a beleza provocativa (trazida pelo movimento
vanguarda que quebrou a harmonia) e a beleza de consumo, a qual
propõe uma beleza calcada nos ícones da moda (modelos) expostos
nas capas de revistas, cinema e televisão (mass media), mas
nenhum ideal em específico, devido justamente a essa plasticidade e
efemeridade das formas ou beleza – um ícone pode servir de
inspiração por uma semana e modificar na outra. (FERNANDES
FILHO, 2010, p. 72).
No que diz respeito aos conceitos de beleza no universo masculino,
atualmente, são encontrados dois conceitos que mostram relevância social, o do
metrossexual e do überssexual. É possível observar atualmente que o conceito de
homem metrossexual extrapolou as barreiras que limitam as tendências e os
modismos, transformando-se em um estilo de vida, conforme elucida Fernandes
Filho ao mencionar a obra de Michael Flocker.
O metrossexual: guia de estilo, um manual para o homem moderno
trata-se de uma descrição detalhada e uma atualização para que o
homem possa se “tornar um atleta na nova era do homem
metrossexual” [...] para tornar-se um metrossexual necessita de
conhecimento em diversas áreas, sendo elas: arte, cozinha, etiqueta,
vinhos, moda e estilo. (FERNANDES FILHO, 2010, p. 74).
É possível fazer uma descrição minuciosa do homem metrossexual – palavra
que representa a contração de heterossexual com metropolitano – como aquele que
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se preocupa excessivamente com a aparência chegando ao extremo de fazer uso de
cremes antirrugas e também tratamentos de pele, mudanças no corte e cor do
cabelo, maquilagem, definição de sobrancelhas, musculação em busca de formas
corporais perfeitas; entretanto, outros ousam ainda mais e se utilizam de
cosméticos, roupas caras e bebidas requintadas, mostrando um lado delicado sem
exibir uma postura feminina, consoante Garcia (2004).
Mais recentemente, Fernandes Filho (2010, p. 74) ressalta que:
Está surgindo um novo conceito, o de ‘überssexual’ – termo alemão para definir a nova tendência de masculinidade, uma tendência da
masculinidade que se aproxima de homens como Bill Clinton, George
Clooney – símbolo da überssexualidade - e Arnold Schwarzenegger,
que encaram uma imagem muito mais clássica do homem. Tal termo
foi descrito pelos autores Marian Salzman, Ira Matathia e Ann
O'Reilly, no livro intitulado The Future of men (O futuro dos homens).
Assim, podemos destacar que über em alemão significa acima e em
inglês, nesse caso, o equivalente, super; por conta disso, trata-se de
um homem decidido, menos preocupado com o cuidado com a
beleza como o metrossexual, mas com aspectos mais masculinos
(ou do estereótipo de macho).
Fernandes Filho (2010) explica que, no estilo überssexual, a moda voltada
para a depilação e ao uso de cremes cede lugar a um estilo mais clássico de
masculinidade, preocupa-se com a aparência, mas sem exageros; contudo, ainda
afirma que esse conceito não atingiu as mesmas proporções do conceito de
metrossexual.
2 CONCEITO DE VIGOREXIA
Em fevereiro de 2011, o Jornal Folha de São Paulo publicou uma matéria
sobre os excessos de exercícios físicos e o fato de que em geral as pessoas que
sofrem de vigorexia não percebem que estão doentes. A matéria revela que
A doença faz a pessoa se achar mais magra ou fraca do que é –
enquanto seus músculos incham – vem sendo subdiagnosticada,
conforme especialistas.
Essa falsa percepção caracteriza o transtorno da vigorexia, leva o
doente a abusar de exercícios físicos, e às vezes anabolizantes.
Diferentemente do paciente anoréxico, o vigoréxico raramente
procura ajuda, segundo a psiquiatra Ana Gabriela Hounie, da
Associação Brasileira de Psiquiatria.
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“Quando um chega ao psiquiatra é porque foi encaminhado por um
cardiologista ou urologista, procurado para solucionar problemas
causados pelo uso de esteroides”. (FOLHA DE SÃO PAULO, 2011,
p. 01).
Pope et al (apud PEREIRA, 2009, p. 07) comentam que as pessoas que
desenvolvem a vigorexia tornam-se obsessivas por sua imagem corporal, focandose no desenvolvimento muscular e a sua definição.
Para alcançarem o resultado desejado, submetem-se à prática de exercícios
de resistência de forma compulsiva, com uso, às vezes, abusivo de anabolizantes.
Em 1993, Pope et al, analisando uma amostra de 108 fisiculturistas
(com e sem uso de esteróides anabolizantes), descreveram o que foi
denominado na época de anorexia nervosa reversa. Nesta amostra,
foram identificados nove indivíduos (8,3%) que se descreviam como
muito fracos e pequenos, quando na verdade eram extremamente
fortes e musculosos. Ademais, todos relatavam uso de esteróides
anabolizantes e dois tinham história anterior de anorexia nervosa.
Pope et al, revisando seus conceitos, publicou artigo posterior sobre
o assunto no qual renomearam o quadro, que passou a ser chamado
de dismorfia muscular, enquadrando-o entre os transtornos
dismórficos corporais (TDC). Ao contrário dos TDCs típicos, nos
quais a preocupação principal é com áreas específicas, a dismorfia
muscular envolve uma preocupação de não ser suficientemente forte
e musculoso em todas as partes do corpo. Além disto, os indivíduos
acometidos passam a ter uma importante limitação de atividades
diárias, dedicando muitas horas a levantamento de peso e dietas
para hipertrofia. (ASSUNÇÃO, 2002, p. 81, 82).
As pesquisas de Assunção (2002) revelam que a dismorfia muscular ainda
não foi inserida nos manuais de diagnóstico de psiquiatria, ou seja, no CID 10
(Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com
a Saúde) e DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).
Sobre o conceito de dismorfia muscular, Silva (2005, p. 108) também afirma
que
O recente conhecimento da dismorfia muscular (DM), anteriormente
denominada anorexia nervosa reversa – quadro no qual o indivíduo
pensa ser pequeno, frágil e fraco quando na realidade é grande, forte
e muito musculoso – e também a constatação de qual situação
ocorre quase exclusivamente em homens começam abrir a
discussão sobre a imagem corporal masculina e suas interligações
com transtornos alimentares.
Estarmos atentos para os transtornos alimentares em homens é de
vital importância para que possamos oferecer um melhor
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atendimento aos indivíduos acometidos e, também, para termos um
melhor
entendimento
das
causas
dessas
alterações
comportamentais que acometem as pessoas nos dias de hoje em
caráter quase epidêmico.
Muito embora a dismorfia muscular ainda não figure nos manuais de
diagnóstico, estudiosos a vêem como uma patologia. Conforme afirma Silva (2005,
p. 111), a “vigorexia ou complexo de Adônis são nomes coloquiais para o que a
medicina chama de dismorfia muscular (DM)”: esta corresponde a um transtorno da
imagem corporal, onde a pessoa, geralmente do sexo masculino, apesar de serem
musculosos, não conseguem mostrar aos outros a massa muscular que gostaria de
ter; obcecados por exaustiva atividade física, fazem uma dieta alimentar rigorosa
com suplementos energéticos que não os permita ganhar gordura nem perder a
“massa magra”.
Em relação à etiologia, Assunção (2002) sugere que os aspectos
socioculturais encontram-se na gênese de tal transtorno, dada a relevância que a
sociedade dá à aparência física nos dias atuais. Graves; Welsh (apud PEREIRA,
2009, p. 07) apontam que a etiologia da vigorexia “[...] parece ser multifatorial,
incluindo predisponentes genéticos, socioculturais e de personalidade. Não
obstante, é inegável o papel dos padrões de beleza atuais na insatisfação dos
indivíduos com a sua aparência física”.
Assunção (2002) ainda descreve como característica principal dos vigoréxicos
a manifesta preocupação com o corpo que vêem como delgado, quando, na
verdade, não o é. Eles experimentam um prejuízo no relacionamento social,
ocupacional e recreativo do indivíduo, pois chegam a dedicar de 4 a 5 horas diárias
do seu tempo à prática de exercícios. “Pensamentos intrusivos de que estão fracos
ou que precisam se tornar mais fortes são vivenciados por mais de 5 horas diárias
em levantadores de peso com dismorfia muscular” (ASSUNÇÃO, 2002, p. 82).
3 VIGOREXIA ASSOCIADA AO USO DE ESTERÓIDES E ANABOLIZANTES
Conforme já mencionado é comum o portador de vigorexia utilizar
anabolizantes e demais substâncias que sejam capazes de promover aumento na
massa muscular.
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A obsessão por um corpo perfeito a qualquer custo leva pessoas de todas as
classes sociais a tomarem diversas medidas que põem em risco à integridade de
sua saúde. Os praticantes de musculação, principalmente os homens, normalmente
recorrem à utilização de hormônios sintéticos que são capazes de estimular o
crescimento de vários tecidos do corpo e que se destinem ao tratamento de algumas
doenças como dizem Silva; Danielski; Czepielewisk, 2002, Tokish; Kocher; Hawkins,
2004 (apud SANTOS et al, 2006, p. 26): “na medicina, os anabolizantes são
utilizados no tratamento de sarcopeniais, hipogonadismo, câncer de mama,
osteoporose, deficiências androgênicas e déficits no crescimento corporal, dentre
outras. Apesar disso, não raro encontram-se pessoas que fazem uso dessas
substâncias com o fim de aumentar o volume dos músculos e a força física.
Marques; Pereira; Aquino Neto (apud SANTOS et al, 2006, p.372) explicam
que “os hormônios esteróides anabólicos androgênicos, popularizados como
anabolizantes ou ‘bombas’, compreendem esteróides derivados da metabolização
do colesterol, dentre eles a testosterona”.
Geralmente as pessoas que praticam musculação estão mal orientadas e
fazem uso de anabolizantes de forma perigosa e exagerada, administrando altas
doses ou ainda em associação com outros hormônios, com intuito de obter
resultados mais rápidos sem se preocupar com os efeitos colaterais indesejados.
Nesse sentido, Silva (2005, p. 111) comenta que, na busca pelo físico
perfeito, muitos homens utilizam substâncias ergogênicas, como os esteróides e
anabolizantes andrógenos, cujo uso abusivo pode desencadear ou manter o
transtorno dismórfico corpóreo, além de causarem diversos outros problemas de
saúde.
O abuso de anabolizantes acarreta nos seus usuários acne, tumores
hepáticos, riscos de diabetes, aumento de LDL (mau colesterol),
diminuição do HDL (bom colesterol), atrofia testicular, ginecomastia
(desenvolvimento de tecido mamário em homens) e convulsões.
Também pode desencadear o aparecimento de transtornos sérios de
comportamento como psoríases, episódios de euforia, ansiedade,
crises de pânico, comportamento violento e depressões na retirada
ou redução das doses. (SILVA, 2005, p. 111).
12
Iriart e Andrade (2002, p. 1382) informam que:
Os esteróides anabólico-androgênicos, comumente chamados
simplesmente de anabolizantes, são substâncias sintetizadas em
laboratório, relacionadas aos hormônios masculinos (androgênios).
Essas substâncias aumentam a síntese protéica, a oxigenação e o
armazenamento de energia resultando em incremento da massa
muscular e de sua capacidade de trabalho. Na gíria popular, os
anabolizantes são vulgarmente conhecidos pelo nome de ‘bomba’
(em referência ao efeito de inchaço muscular por eles produzido), e é
também comum que fisiculturistas sejam chamados pejorativamente
de ‘bombados’. [...] Entre os esteróides androgênicos, os mais
utilizados são: Durateston (Testosterona), Stradon P (Testosterona +
Estradiol) e Deca-durabolim (Nandrolona). Os hormônios femininos
mais mencionados pelos informantes foram os anovulatórios Uniciclo
(Algestona e Estradiol) e Premarim. O baixo poder aquisitivo dos
fisiculturistas dos bairros populares, leva à opção pelos produtos
mais baratos, incluindo nessa categoria os de uso veterinário. Entre
esses, os mais frequentemente mencionados foram o ADE
(vitaminas A, D e E), Potenai (complexo vitamínico à base de
vitamina B) e o antiparasitário Ivomec (Ivermectina).
Ainda, segundo as pesquisas de Iriart e Andrade (2002, p. 1382), o consumo
de anabolizantes inicia-se logo após os primeiros meses de academia: os colegas
mais experientes estimulam os novatos a fazerem uso dessas substâncias ou os
novatos
constatam
que
companheiros
desenvolveram
massa
muscular
consideravelmente maior, mesmo tendo iniciado as atividades físicas à mesma
época. “A escuta e participação nas conversas entre os fisiculturistas veteranos,
onde o uso de anabolizantes é um tema muito frequente, cria a curiosidade e facilita
a inserção do iniciante nos meandros de seu consumo”. (IRIAT; ANDRADE, 2002, p.
1382).
O mal uso de anabolizantes é capaz de proporcionar diversas consequências
psicológicas, sendo comum observar desde oscilações de humor até quadros de
transtorno bipolar.
Silva e cols (apud MARTINS et al., 2005, p. 86) afirmam que o uso
indiscriminado de anabolizantes pode levar o indivíduo a desenvolver um
comportamento agressivo, apresentando mudanças súbitas de temperamento,
síndromes comportamentais e crimes contra a propriedade. Pode, também, ser
constatada exacerbação da irritabilidade, raiva, hostilidade, ciúme patológico,
alterações da libido e sentimentos de invencibilidade.
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Além dos problemas específicos ora citados vislumbra-se também o fato de
que anabolizantes e esteróides são drogas, e como o tal exercem dependência
sobre seus usuários, e períodos de abstinência podem desencadear crises
comportamentais, seguidas de perda de controle, fadiga, inquietação, perda de
apetite, insônia, decréscimo da libido e dores de cabeça.
O uso abusivo de esteróides e anabolizantes pode trazer consequências
psicológicas ainda mais graves, ocorrendo quando o usuário passa a apresentar
sintomas de um transtorno dismórfico corporal, a disformia muscular.
4 TRATAMENTO DA VIGOREXIA
Olivardia 2001 (apud.Pereira et al., 2009, p. 14) esclarece que não há
atualmente um tratamento específico para o Transtorno Dismórfico Muscular (TDM),
sendo indicada a combinação de métodos utilizados para o tratamento do
Transtorno Dismórfico Corporal e transtornos alimentares.
Assunção (2002, p. 83) comenta ser extremamente importante para uma boa
resposta ao tratamento, a boa relação entre o médico e o paciente. O paciente deve
ser informado acerca dos prejuízos que sua patologia pode lhe causar e, se usa
esteroides anabolizantes, o médico deve sugerir sua suspensão imediata. Afirma,
ainda, que:
A terapia cognitivo-comportamental parece ser útil no tratamento da
dismorfia muscular. Suas estratégias incluem a identificação de
padrões distorcidos de percepção da imagem corporal, identificação
de aspectos positivos da aparência física e confrontação entre
padrões corporais atingíveis e inatingíveis. Os comportamentos
compulsivos relacionados ao exercício, dieta ou de checar o grau da
musculatura devem ser inibidos. Da mesma forma, o indivíduo deve
ser encorajado a gradualmente enfrentar sua aversão de expor o
corpo.
Alguns aspectos obsessivos e compulsivos destes indivíduos podem
ser minimizados com o uso de inibidores seletivos da recaptação de
serotonina. (ASSUNÇÃO, 2002, p. 83).
Pope et al. 2000 (apud PEREIRA, 2009, p. 15) entendem que a terapia
freudiana convencional não parece surtir efeito na resolução de problemas mais
graves de dismorfia muscular, embora não desconsiderem a relevância das
experiências infantis e a utilidade da “terapia do diálogo” no que se refere à imagem
14
corporal.
Entendem,
então,
que
a
terapia
adequada
seria
a
cognitivo-
comportamental, pois tem se mostrado mais eficaz em estudos clínicos de
transtornos alimentares mais graves. Nesses casos, os autores afirmam ser indicada
a utilização de antidepressivos que, no entanto, deve ser acompanhado de perto por
psicofarmacologista experiente no tratamento de distúrbios alimentares.
No que compete à forma mais branda do transtorno, os referidos autores
afirmam que a utilização de cinco conselhos básicos costuma surtir bons efeitos,
sendo estes conselhos os seguintes:
Não “comprar” as imagens veiculadas pela Mídia;
Lembrar-se de que muitos corpos masculinos e supermusculosos
são apenas produtos de drogas;
Lembrar-se de que a indústria lucra fazendo o homem se sentir-se
inseguro em relação ao corpo;
A masculinidade não é definida pela aparência física;
É bom ter um aspecto saudável e não existe nenhum problema em
se ter uma aparência “normal”. (POPE et al. apud PEREIRA, 2009, p.
15, grifo dos autores).
Dessa forma, nota-se que a informação e a conscientização são capazes de
contribuir singularmente para a prevenção e o tratamento da vigorexia, devendo a
intervenção medicamentosa ser utilizada apenas em casos graves.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa pode observar que desde a Idade Antiga as pessoas se
preocupam com sua aparência física, e que essa preocupação sofreu e sofre
modificações conforme o contexto sócio-histórico e cultural de cada povo.
Embora a idealização de um corpo perfeito assombre perversamente o
universo feminino, também pode ser constatado que os homens há muito tempo se
preocupam com a aparência, sendo capazes de atingir os mesmos atos extremados
que as mulheres em busca da perfeição.
Atualmente, existe uma tendência marcante acerca do conceito de beleza
masculina denominada metrossexualismo, além de outra denominada überssexual.
Contudo, o desejo de perseguir um determinado padrão de beleza faz com que
diversos homens atinjam um quadro patológico.
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Dentre os distúrbios mais comuns entre homens que desejam insistentemente
atingir um determinado padrão de beleza, encontra-se a Dismorfia Muscular,
popularmente conhecida como Vigorexia, cujos estudos vêm aumentando
significativamente em todo o mundo.
A pesquisa notou, ainda, que a Vigorexia é estudada entre os transtornos
alimentares que atingem os homens. Nesse tipo de transtorno, o indivíduo embora
possua um bom desenvolvimento físico, cria uma autoimagem comprometida e
distorcida, em que o corpo é percebido como fraco, franzino e raquítico, o que, por
sua vez, leva à prática excessiva de exercícios físicos e ao uso abusivo de drogas
como esteroides anabolizantes e andrógenos.
Por fim, a pesquisa observou que não existe, atualmente, um tratamento
específico para o Transtorno Dismórfico Muscular, sendo indicada a combinação de
métodos utilizados para o tratamento do Transtorno Dismórfico Corporal e
transtornos alimentares. O tratamento medicamentoso somente se aplica aos casos
graves. A terapia cognitivo-comportamental é apontada como a mais adequada,
devido a sua eficácia demonstrada por estudos clínicos.
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