Vermes insólitos no fundo do mar

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Vermes insólitos no fundo do mar
PANORAMA
ambiente
Vermes insólitos
no fundo do mar
Um fenómeno inexplicável
© MBARI
Os segredos do subsolo marinho captam a atenção de cientistas
há muitas décadas. Mas um deles só agora começa a ser revelado.
Saiba o que os vulcões de lama submarinos e os estranhos vermes
que neles habitam têm a ver com a prospeção petrolífera.
texto Ana Rita Dinis
Estranhas comunidades de vermes tubulares
foram descobertas no fundo do Mar Beaufort
N
o fundo do Oceano
Ártico, no Mar Beaufort,
a norte do Canadá, vulcões
ativos expelem lama e gás
metano, que alimenta uma
bizarra espécie de vermes.
A uma profundidade de
entre 250 e 750 m, os vulcões
foram descobertos em 2009
quando cientistas do projeto
ArcticNet mapeavam o Mar
Beaufort. Entretanto, foram
detalhados em 2013, no
âmbito de uma expedição
científica que se propôs a
perceber o fenómeno. Na
altura, um veículo submarino
autónomo revelou cinco
vulcões de lama gigantes
com uma extensão de 600
a 1 100 m e até 30 m de altura.
Para os ver de perto foi usado
um veículo submarino
operado à distância (ROV)
que transmitiu, ao vivo,
imagens em alta definição do
solo oceânico. Percebeu-se,
então, que estes vulcões
tinham frequentes erupções,
libertando materiais argilosos
e bolhas de gás.
{Bolhas de metano}
Entre os vários químicos
libertados do interior da
terra, encontra-se sobretudo
metano (conhecido como
gás natural). Devido
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às altas pressões, estes
gases estão aprisionados
nas moléculas de água
congelada nos sedimentos,
na qualidade de hidratos de
gás. A atividade vulcânica
faz com que o metano que
compõe os hidratos se solte,
juntando-se ao metano
libertado das profundezas.
{Vermes estranhos}
Este ambiente tóxico e hostil
para a maioria dos seres
vivos parece perfeito para
outros. É o caso da bizarra
comunidade de vermes
tubulares descoberta nos
vulcões de Beaufort - um tipo
de verme desconhecido com
cerca de 8 cm, sem olhos,
estômago ou ânus, que resiste
a temperaturas extremas e a
pressões intensas, em água
repleta de ácido e gases.
Estas criaturas insólitas
que surpreenderam os
investigadores possuem
bactérias simbiontes no
tubo digestivo e são, ao
que tudo indica, atraídas
por gases expelidos pelos
vulcões (o metano ou
o sulfato de hidrogénio,
que é gerado quando
os micróbios em redor
oxidam o metano) dos quais
dependem para sobreviver.
Basicamente, é a síntese
de elementos químicos
(quimiossíntese) que está
na base da cadeia alimentar
nestes ecossistemas sem
luz. Os próprios vermes
ou a bactéria que vive
dentro deles têm uma
reação química ao metano
e ao sulfato de hidrogénio,
libertando eletrões que
fornecem energia.
{Potencial petrolífero}
Mas afinal o que tem de tão
especial esta descoberta?
A verdade é que o estudo
sobre a forma como os
organismos se adaptam a
condições extremas poderá
ser útil para desenvolver
processos biológicos com
aplicações futuras. Contudo,
as implicações vão mais
além... Por exemplo, já há
quem veja no aquecimento
do Ártico (consequência
das alterações climáticas)
uma oportunidade para
a expansão das rotas
comerciais, logo é fulcral
perceber o que se passa
debaixo do mar. Mas grande
parte do interesse na
descoberta relaciona-se com
o que esta pode significar
para a exploração petrolífera.
Os hidratos de gás são uma
forma concentrada de gás
e constituem um potencial
recurso energético. E ainda
que a presença de hidratos
de metano não confirme
a existência de reservas de
outros combustíveis fósseis,
como petróleo, é pelo menos
um indicador suficiente
para despertar o interesse
de alguns países.
Segundo a investigação,
o gás que sai dos vulcões de
Beaufort é metano biogénico
e não termogénico, o que
significa que é produzido pela
decomposição de material
orgânico e bactérias e não de
depósitos de petróleo presos
debaixo de terra. Ainda assim,
e até se estudar o fenómeno
geológico em profundidade,
o Ártico, um ecossistema
puro e vulnerável, parece
ser o próximo el dorado para
os gigantes do petróleo.
Em todo
o mundo, os
vulcões de lama
libertam
27 Mt
de metano por ano
= 5%
das emissões
globais