A Gastronomia de Hoje e Amanhã

Transcrição

A Gastronomia de Hoje e Amanhã
A Gastronomia de hoje e amanhã
Chef Edson Puiati
No mundo globalizado o grande desafio da gastronomia é ser aberta ao novo,
sintonizar-se, absorvendo novas tendências ajustando-se aos conceitos de
padronização e segurança alimentar, preocupando-se sempre com uma criação
saudável e nutritiva, sem perder sua autenticidade, seu caráter de regionalidade,
seus costumes, experiências acumuladas através da história da alimentação
ajustadas à geografia, valores, religião e culturas.
Já é de nosso conhecimento que um dos axiomas da globalização é justamente o
respeito ao que é diferente. O difícil é conciliar as exigências e pressões do
mercado e da mídia para adoção de novos modelos, ao mesmo tempo, separando
o que é descaracterização. Não se prega aqui a estagnação ou apego exagerado
ao estabelecido, mas uma reflexão sobre como continuar a evolução, pois a
gastronomia é dinâmica e sempre em estado de transformação, mas é preciso
estar atento e evoluir sem ferir as origens, não podemos perder nossas raízes.
Os chefs e gourmets a cada dia demonstram a aplicação de técnicas e
tecnologias, seguindo a nova tendência que valoriza os sabores e texturas dos
ingredientes e que já é uma realidade na cozinha européia. O resultado disso: A
cozinha “Tecnoemocional”, substantivo criado pelo jornalista espanhol Pau
Arenòs, termo que descreve as novas técnicas de Ferran Adriá, na busca de
novas sensações, procurando emocionar, buscaram no laboratório novas técnicas.
A partir disso, uma enxurrada de criações e combinações aliada aos costumes e
produtos da terra.
Filé em crosta de cereais com cogumelo recheado, queijo coalho e mix de legumes em papillote / Chef Edson Puiati
A história moderna da gastronomia pode-se dizer que se inicia em 1900 com
Auguste Escoffier, francês que codificou e documentou as bases da gastronomia
clássica francesa. Os primórdios da Nouvelle Cuisine surgiram com Fernand Point,
com quem Paul Bocuse trabalhou isto ainda antes da década de 60. Pierre e Jean
Troisgros, Michel Guérard, Alain Chapel, Gaston Lênotre e outros contribuíram
com este movimento. Uma segunda etapa, já da década de 80, que ele chama de
primeira geração conta com chefs como Pierre Gagnaire, Joel Robuchon e Alain
Ducasse. Alain Passard, Marc Veyrat e Pierre Hermé já são da segunda geração.
A Nouvelle Cuisine mudou conceitos na gastronomia, com alimentos frescos, do
seu terroir, pouco cozimento, molhos mais leves e em menor quantidade para
preservar o gosto real do alimento. Os pratos começaram a serem servidos já
prontos, o que deu asas à criatividade do chef na decoração. A arte visual foi
incorporada ao prato como mais um elemento sensorial.
Salada de cogumelos e ervilhas defumada com capim cidreira / Fórum Gastronomia 2008
Camarões caramelizados, salmão com espuma de limão, salmão com espuma de cenoura / Chef Edson Puiati
A partir da década de noventa, nova evolução. Esta aconteceu inicialmente na
Espanha com Albert e Ferran Adrià. Foi chamada inicialmente de gastronomia
molecular, depois vindo a se definir como Tecnoemocional que alia a técnica às
emoções.
Esta nova tendência reuniu várias nacionalidades, que incluíram estas novas
técnicas em seu trabalho com resultados surpreendentes. São técnicas científicas,
novos aparelhos, equipamentos, etc., tudo testado em laboratório. Elas visam
aumentar as sensações de prazer, mudar conceitos, intensificar aromas, sabores.
Enfatizar texturas. É uma gastronomia de emoção, de diversão, de extremo
prazer. Todos os sentidos estão envolvidos, não somente olfato e paladar. O
visual, as texturas, as temperaturas são muito importantes. Tudo isto buscando na
memória a infância, os sentimentos, nostalgia, euforia. Poder transformar um
ingrediente simples como sardinha, tomate ou melancia, em alimentos sofisticados
como caviar e lagosta. Todos têm o mesmo valor. O que importa é o sentimento.
Um exemplo deste sentimento: Adrià fala do tomate que é americano, e a massa é
chinesa. O prato “espaguetti ao pomodoro” é italiano pelo sentimento com que os
italianos deram ao prato.
Outro exemplo de mudança era o serviço de refeição completa, quando os pratos
eram servidos em travessas. Jean e Pierre Troisgros iniciaram servir o prato
individual e decorado (Sur assiette), e nesta época, Michel Guérard pediu
permissão a eles para fazer o mesmo. Não se copiava sem autorização, vale
ressaltar que o ícone da gastronomia moderna Arzak um dos mais velhos iniciou
sua carreira com os Troigros.
Por falar em Arzak gosto muito de sua fala em relação à criatividade na cozinha:
“Você tem que pensar como uma criança. Ter a mente aberta para
novidades. Elas não têm problemas com coisas novas” e ainda: “Quando
vou criar um prato, tenho que esquecer o que já foi feito antes. O que foi
feito já está feito. Isso é evolução. Trabalhamos com conhecimentos
consolidados, porque isso a Espanha está na vanguarda da cozinha. E
Ferrán continua ensinando a todo mundo. É uma das pessoas mais criativas
do mundo. Ele me ensina técnicas, e eu lhe ensino filosofia da cozinha,
porque essas duas coisas andam juntas. E acho que ele nunca vai
abandonar a cozinha, assim como eu. Quero continuar por toda a vida
cozinhando porque de outra maneira minha vida não faria sentido. Pode ser
que alguém fale: mas ele tem 76 anos e ainda vai à bares, restaurantes,
cozinha. Hora, não seja ridículo, eu não vou mudar”.
Diante dessa nova tendência, é importante entender melhor este novo conceito.
Fugir da resistência e reconhecer os benefícios dessa mudança é o primeiro
passo para que chefs e gourmets possam dar asas à imaginação nas criações e
inovações de novos pratos, com a preocupação de valorizar cada vez mais os
produtos regionais. Mais que tudo, os novos profissionais devem conhecer a
história da evolução da gastronomia, suas raízes, tradições e costumes de cada
região. Este é o pilar para o entendimento da nova concepção da gastronomia de
vanguarda.
O perfil dos novos candidatos à arte de cozinhar também esta em franca
mudança, mas é importante ressaltar que, sem a leitura e o entendimento das
técnicas e tecnologias que fazem parte da história da gastronomia, sem a prática
do dia-a-dia nas cozinhas, não é possível se formar novos chefs. Os cursos de
qualificação, graduação e pós-graduação continuam servindo de direcionamento
para construir uma profissão sólida e reconhecida no mercado.
Frente à nova revolução culinária, a orientação é para que sejamos criativos,
inovadores, porém sem perder de vista o bom senso, preservar as tradições e,
acima de tudo, respeitar sempre as leis da alimentação.
Edson Puiati e Ferran Adriá