gênero literário 12

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gênero literário 12
GÊNERO LITERÁRIO 12
A LITERATURA FANTÁSTICA
A literatura fantástica constitui, verdadeiramente, um gênero narrativo? Não há uma resposta
definitiva pra esta questão. O fato é que os principais teóricos da literatura pelo menos estão
de acordo que a trama da narrativa pode ou não pode ser verificada, quer dizer com dados da
realidade: haveria uma intenção ou propósito do autor, é claro, de que a coisa narrada, fora do
comum, extraordinária, tenha relação com a realidade (“Le propós est de jouer sur les limites
do verifiable e de l’inverifiable” – Cf. Faivre, A., in La Littératture Fantastique, p. 15). Não é,
propriamente, uma questão de falso-errado ou mito-realidade, presente em outros gêneros
ficcionais. Dentre os que seguem a afirmação acima, para exemplificar, estão Tzvetan Todorov
(linguista búlgaro)e Roger Caillois (sociólogo francês) , respectivamente em Introduction à la
littérature Fantastique, 1970, e La anthologie du Fantastique, 1966.
O fantástico, o extraordinário não se limita a coisa escrita, mas significa um modo de relação
com o mundo, “que pode nascer da intervenção do estranho na nossa vida, como num sonho,
de uma experiência. vivida, de uma leitura ou de um encontro com uma obra de arte”,
segundo uma citação de Faivre, A., op. Cit. Acima, 1987.
De volta à questão inicial, a dificuldade de caracterizar a literatura fantástica como um gênero
especial está ou resulta em que esta pode ser confundida com as narrativas do romance
policial), da ficção científica e da literatura de terror ou de horror. Isto, no entanto, não exclui
necessariamente a literatura fantástica como gênero narrativo próprio, em minha opinião. A
imaginação ou fantasia vai do maravilhoso e extraordinário ao mistério, ao medo, espanto e
terror. Para Antoine Faivre, de acordo com a gênese de um gênero narrativo, do século XVII ao
XIX, haveria cinco conjuntos de temas característicos, que seriam os ancestrais e/ou a
prematuridade do gênero fantástico:
1) As histórias do além, que estão associadas originalmente ao mundo germânico, ao
romantismo alemão;
2) Os contos de fadas, que fizeram grande sucesso no fim do século XVII;
3) As maravilhas misturadas com a realidade do livro Mil e uma noite, de origem oriental
mas que teve grande repercussão quando foi traduzido na Europa;
4) A poesia do medo, da morte e do túmulo, característica da Inglaterra desde o século XVIII,
posteriormente imortalizada nas obras de Poe e Emily Brontë;
5) Os processos de feitiçaria, que “alimenta uma curiosidade pelo pavor e pelo sobrenatural.
Naturalmente, estes temas estão situados num contexto histórico, geográfico e cultural: a)
num período de transição do feudalismo para o capitalismo; b) em alguns países da Europa; c)
na fase em que o cristianismo é bastante contestado pelas novas ciências. É preciso certo grau
de desenvolvimento econômico e cultural para ver surgir um gênero literário novo, qualquer,
como manifestação do espírito humano, da sua evolução. Como em outros gêneros, a
literatura fantástica não nasce pronta e em qualquer lugar. Antes da maturidade que a define,
ela tem sua gênese, quer dizer sua história, mesmo na Antiguidade com Petrônio ( Satiricom) e
Apuleio (O asno de ouro), para exemplificar. Ou ainda antes do período citado por Faivre,
como em Dante (A divina comédia) e Lope de Veja (O peregrino na sua pátria). Isto até atingir
sua maturidade, o que a vai caracterizar como gênero narrativo próprio.
Os romances, contos e poesias da narrativa fantástica, já amadurecida como gênero, segundo
nosso autor de referência, situam-se no início do século XIX e início do século XX (1824-1914,
segundo a periodização de Faivre, que me parece insustentável). Daí, desde então, a
verdadeira literatura fantástica! Bom, ironia à parte, como exegeta que é Antoine Faivre está
mais preocupado com suas referências bibliográficas, de fonte histórica primária, do que com
a divulgação de obras clássicas no gênero: os já citados Edgar Allan Poe, no poema O Corvo, e
Emily Brontë, com O morro dos ventos uivantes, referenciados pelos temas de poesia do
medo, da morte e do túmulo. Ambos clássicos de qualquer literatura.
Na periodização de Faivre, haveria três fases de prematuridade do gênero narrativo fantástico,
entre a metade do século das Luzes ao início da era vitoriana, ou seja, mais ou menos da
metade do século XVIII às décadas iniciais do século XIX: Fase I (1746-1772), com destaque
para o romance de Jacques Cazotte, O Diabo amoroso, de 1772; Fase II (1772-1795), com
destaque para as baladas alemãs e o romance gótico, presentes nas obras de Ann Radcliffe em
The mysteries of Udolpho e M.G.Lewis em The Monk; e Fase III (1795-1814, com destaque na
Alemanha para E.T.A. Hoffmann, com O magnetizador, baseado em experiências de
mesmerismo, sobre isso, ver Prosper Merimée, e Mary Shelley na Inglaterra com seu célebre
Frankenstein. Os outros autores citados por Faivre nestas fases de prematuridade do
fantástico enquanto gênero narrativo está de acordo com as discussões científicas, filosóficas e
religiosas da época, abordando questões das ciências da natureza, do ocultismo, do
paranormal ou sobrenatural e também a disputa entre o real e o irracional. É uma afirmação
de que a arte, a literatura anda passo a passo com o desenvolvimento das ideias e visão de
mundo novas.
Mas, de qualquer forma, é por volta do ano de 1800 e na era vitoriana romântica que se
constitui o gênero fantástico: “Ora, é precisamente nesta época, na Inglaterra e mesmo
antes da era vitoriana (Simbolizada pelo longo reinado da Rainha Vitória) que aparece o
primeiro texto fantástico, no sentido mais restritivo do termo. Trata-se do romance de
James Hogg, The private memories and confessious of a Justified Sinnes, de 1824, que é ao
mesmo tempo uma obra prima”.
Dos outros autores citados por Faivre como “autores fantásticos” nesse período de
maturidade, destacamos alguns que ainda estão atualizados do ponto de vista literário e do
interesse do público leitor: 1) Alexandre Dumas, em Les mille et un fantômes, de 1849; 2)
Nathaniel Hawthorne, com The Scarlet letter de 1850 e 3) Bram Stoker, com o sempre
lembrado Drácula de 1897. Claro, além dos já citados E.T.A. Hoffmann e E.A. Poe, que são
referências obrigatórias. De Poe, sobretudo, com suas histórias extraordinárias e o fantástico
conto A queda da casa de Usher (The fall of the house of Usher).
Conforme temos constatado nessa serie sobre gêneros narrativos, os contextos históricos,
econômicos e culturais, justamente onde surgem tal e qual literatura, são importantes para
um estudo mais aprofundado de qualquer obra artística. Diríamos mesmo que são
condicionantes, pois refletem um grau de maturidade do espírito humano. Assim, no gênero
literatura fantástica, nosso autor de referência, através da gênese de um gênero narrativo, que
é o título do seu texto, traça uma espécie de linha do tempo, uma história do que precede e do
que é prematuro ao que é a maturidade do fantástico. No sentido econômico há uma relação
direta do gênero fantástico com os primórdios do capitalismo até o auge do imperialismo
britânico na primeira década do século XX. E, em terceiro lugar, o predomínio das línguas
inglesa e alemã no desenvolvimento da literatura fantástica.
Enfim, a partir daí, segundo Faivre, haveria outras tendências dentro do gênero, que ele
caracteriza como neo-fantástico, diferenciado como 1) neo-fantástico racionalizado, com base
na ciência e na técnica, e 2) neo-fantástico numinoso, baseado no paranormal, no ocultismo,
na psicologia das profundidades, como a de C.G. Jung. Importante destacar que o interesse
editorial pela literatura fantástica é disseminado em todo o mundo e não somente na Europa e
Estados Unidos, que a viram florescer. Isto reflete, como em outros gêneros, o interesse
também por versões cinematográficas, a julgar pelos inúmeros filmes realizados. É quando as
artes se complementam.
REFERÊNCIAS:
FAIVRE, Antoine. Gènese d’un genre narratif, le fantastique (essai de périodisation) –
Gênese de um gênero narrativo, o fantástico (ensaio de periodização), in Colloque de Cerisy
– La litterature fantastique, Albin Michel, Paris, 1991, pp, 15 a 41.
SOUZA, Antonio. Blog IC FAMA – A Iniciação Científica da FAMA na Web. In 09.12.13.