Títulos do trabalho o princípio da eficiência e sua efetiva

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Títulos do trabalho o princípio da eficiência e sua efetiva
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Universidade de Lisboa
Faculdade de Direito
Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
NÍCIA REGINA SAMPAIO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA E SEU
CONTRIBUTO PARA A EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À
SAÚDE
Lisboa
2005
1
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
NÍCIA REGINA SAMPAIO
PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA E SEU
CONTRIBUTO PARA A EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À
SAÚDE
Dissertação de mestrado apresentada à
Coordenadora do Curso de Mestrado em
Ciências realizado pela Universidade de
Lisboa, Faculdade de Direito, como
requisito parcial para obtenção do grau
de Mestre em Ciências Jurídico-Políticas
na cadeira de Direito Constitucional.
Professor:
Lisboa
2005
2
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.
Rio, 27 de dezembro de 1947.1
1
Bandeira, Manuel. Estrela da Vida Inteira. 5ª edição. Volume nº 85. Livraria José Olympio Editora. Rio de
Janeiro. 1974. p. 196.
3
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Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
“Na prática se retira dos excluídos a dignidade
humana, retira-se-lhes mesmo a qualidade de
seres humanos, conforme se evidencia na
atuação do aparelho de repressão: nãoaplicação sistemática dos direitos fundamentais
e de outras garantias jurídicas, perseguição
física “execução” sem acusação nem processo,
impunidade
dos
agentes
estatais
da
violação,da opressão ou do assassínio. Por
isso a luta contra a exclusão, que é obrigatória
para o jurista, também não tem como objeto um
babouvismo próprio de um ‘comunismo da
Idade Pedra’ nem uma sociedade burquesa de
classe média; ambos os objetivos estão fora do
alcance da atuação especializada dos juristas.
O objetivo da luta é impor a igualdade de todos
no tocante à sua qualidade de seres humanos,
à dignidade humana, aos direitos fundamentais
e às restantes garantias legalmente vigentes de
proteção – sem que se permitisse aqui as mais
ligeiras diferenças, tampouco aquelas com
vistas à nacionalidade, aos direitos eleitorais
passivos e ativos ou à faixa etária (meninos de
rua)”.2
2
Muller, Friedrich. Quem é povo?. 3ª edição.Editora Max Limonad. São Paulo. 2003.p. 94.
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
METODOLOGIA........................................................................................................ 11
CAPITULO I .............................................................................................................. 12
ORIGEM E FUNDAMENTO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA
ADMINISTRATIVA .................................................................................................... 12
I.
Composição do princípio da eficiência e a idéia de montesquieu .................. 12
1. Conceito de eficiência ............................................................. 14
II. O princípio da eficiência como “mandamento de otimização
(optimierungsgebot)” .............................................................................................. 18
III.
Evolução do princípio da eficiência no ordenamento jurídico nacional ....... 22
IV.
O princípio da eficiência como uma vontade legítima do povo para a
concretização do bem comum. .............................................................................. 24
CAPÍTULO II ............................................................................................................. 27
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO UM NOVO PARADIGMA .............................. 27
I. O princípio da eficiência como um novo paradigma a ser perseguido e
praticado por todos os que atuam na área pública. ............................................... 27
II. O princípio da eficiência e o controle jurisdicional do mérito do ato
administrativo ......................................................................................................... 34
III.
Princípio da eficiência e sua hermenêutica ................................................. 38
IV.
Um olhar da ciência da administração sobre o princípio da eficiência ........ 46
CAPITULO III ............................................................................................................ 52
O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NO DIREITO COMPARADO .... 52
I. O princípio da eficiência no direito americano ................................................ 54
II. O princípio da eficiência no direito português ................................................. 61
III.
Sistema brasileiro de administração e seus matizes em relação aos
sistemas administrativos americano e português .................................................. 65
CAPITULO IV ............................................................................................................ 73
O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO PRINCÍPIO ESTRUTURANTE NO ESTADO
SOCIAL DE DIREITO. ............................................................................................... 73
I. Origem, conceito e finalidade do Estado ........................................................ 73
II. Do Estado neutral de raiz liberal para o Estado prestacional de serviços e
ações de saúde com eficiência. ............................................................................. 77
III.
Estado neoliberal ........................................................................................ 80
IV.
Administração pública e a incorporação do princípio da eficiência ............. 89
CAPITULO V ............................................................................................................. 94
5
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O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SUA INTERAÇÃO COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
COMO
INSTRUMENTOS
PARA
A
EFETIVAÇÃO
DO
DIREITO
FUNDAMENTAL À SAÚDE ....................................................................................... 94
I. Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................. 94
II. Princípio da igualdade................................................................................. 98
III.
Princípio da legalidade .......................................................................... 102
IV.
Princípio impessoalidade ....................................................................... 106
V. Princípio da motivação .............................................................................. 108
VI.
Princípio da publicidade ........................................................................ 110
VII. Princípio da moralidade ......................................................................... 112
CAPITULO VI .......................................................................................................... 115
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO UM INSTRUMENTO EFETIVO PARA A
IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, EM ESPECIAL O DIREITO
À SAÚDE................................................................................................................. 115
I. História dos direitos fundamentais......................................................... 115
II. O direito à saúde na Constituição Federal de 1988............................... 118
III.
A saúde como direito fundamental..................................................... 127
CAPITULO VII ......................................................................................................... 129
NORMAS LEGAIS PARA A EFETIVA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA ............................................................................ 129
I. O sistema único de saúde no brasil ................................................... 129
II. Competência do sistema único de saúde .......................................... 133
III.
O controle social............................................................................. 133
IV.
Vinculação de recursos e metas para a área da sáude ................. 137
V. Ações e serviços de saúde como de relevância pública .................... 139
VI.
A descentralização ......................................................................... 140
CAPÍTULO VIII ........................................................................................................ 142
INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO ................................................................ 142
I. Planejamento ................................................................................. 142
II. Estudo de lotação ideal .................................................................. 144
III.
Elaboração do plano de carreira, cargos e salários - pccs ......... 145
IV.
Concurso público ........................................................................ 147
V. Plano de saúde .............................................................................. 148
VI.
Relatório de gestão ..................................................................... 151
VII. Plano plurianual – PPA ............................................................... 152
VIII. LDO – lei de diretrizes orçamentária .......................................... 153
IX.
Lei orçamentária anual – LOA .................................................... 154
X. Implantação do programa de saúde da família .............................. 155
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CAPITULO IX .......................................................................................................... 156
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SEU CONTRIBUTO PARA A EVOLUÇÃO DO
ESTADO SOCIAL ................................................................................................... 156
I.
Proposições do trabalho ............................................................. 157
BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 160
ANEXO .................................................................................................................... 168
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INTRODUÇÃO
Da observação dos fatos, acredita-se numa possível reversão do quadro de caos
presente na Administração Pública Brasileira, em especial no tocante a prestação
continuada dos serviços e ações de saúde, através da perfeita compreensão do
princípio da eficiência e correta aplicabilidade dos instrumentos de planejamento já
construídos e disponibilizados para a área da saúde pública. A definição do
conteúdo e limite do princípio da eficiência
e sua real aplicabilidade pela
Administração Pública no Estado Social, contribui para a efetividade do direito à
saúde para todos.
Desta forma, os eixos propulsores desta pesquisa foram focalizados em primeiro
lugar em demonstrar que a ineficiência dos agentes públicos é uma das principais
causas do caos presente na administração pública brasileira, e em segundo
momento, delinear os traços marcantes do princípio da eficiência, na perspectiva da
hermenêutica jurídica, ressaltando o seu valor e importância para a evolução do
Estado Social.
Do estudo
restou constatado que existe uma discussão doutrinária sobre a
necessidade ou não de se elevar o princípio da eficiência à categoria de princípio
constitucional administrativo.
Enquanto pairam dúvidas sobre a sua real importância e efetividade, no campo
doutrinário, possibilitando uma concreta aplicabilidade deste, os parcos recursos
públicos existentes no país, usados indevidamente, contribuem para que milhares de
pessoas continuem a viver em condições sub-humanas, via de conseqüência influi,
também, para o atraso na implementação dos direitos sociais. Não se está a
contestar a importância e necessidade de um debate doutrinário, crítico e
construtivo, que contribua para uma melhor sedimentação dos direitos fundamentais,
postos na Carta Constitucional, até porque seria a negativa do próprio trabalho.
Entretanto, há que se buscar em qualquer teoria que se pretenda defender, seu
limite e conteúdo material,confrontando com as demais teorias com vinculação direta
com a mesma, antes de rechaçá-la ou confirmar a sua validade. Este é um dos
8
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grandes desafios deste trabalho3. Somente após um estudo nestes dois campos,
conteúdo e limite, pode-se contribuir para a efetividade ou não do princípio da
eficiência, estabelecendo o contributo deste para a transformação social do estado
de ação ou omissão dos poderes constituídos4, frente a díspare realidade social da
população brasileira no tocante ao direito fundamental à saúde 5. Para tanto, é
necessária uma incursão pela teoria filosófica, história e pela dogmática jurídica,
extraindo daí, conceitos sólidos, para aferir o grau normativo deste princípio.
Verifica-se, na medida em que avança o estudo do limite e conteúdo do princípio da
eficiência, o seu valor normativo e via de conseqüência a sua importância para a
efetividade do direito fundamental à saúde para todos. Este bem individual e
coletivo, simultaneamente, só é possível para todos na medida em que agentes
públicos se apropriem do conteúdo material do princípio da eficiência na sua práxis.
No decorrer da investigação, ao tempo em que vai se identificando o valor e
irradiação do princípio, fundamentado, principalmente, nos instrumentos legais de
controle e direcionamento para as ações e serviços de saúde, caminha-se, também,
pelo vale árido de sua efetividade, em face de sua não aplicabilidade, seja pelo
desconhecimento por parte dos agentes públicos: políticos e administrativos de seu
3
Como pontua, Marcello Caetano, in Estudos de Direito Administrativo, Lisboa, 1974,p.91 Apud Paulo Otero,
Direito Administrativo, Relatório de uma disciplina apresentado no concurso para professor associado na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1998, ensina “todos os problemas, por mais
discutidos, qualquer que seja o ramo do direito a que pertençam, ganham em ser revistos, de vez em quando, sem
preocupações de escola e sem preconceitos de nenhuma outra ordem”
4
Como bem expressa Onofre Alves Batista Junior (Princípio Constitucional Administrativo da Eficiência.
Mandamentos Editora. 2004. Brasil.p.55) A ineficiência da máquina pública, nesse contexto de crise, serve de
anteparo limitador às exigências tributárias. Incentiva a elisão e a evasão fiscal, funciona como fator de
insatisfação popular para com a AP, propicia uma firme desconfiança dos contribuintes no retorno do que pagam
em forma de benefícios para a coletividade e abre oportunistas brechas às propostas neoliberais plantadas pelo
poder econômico, que devem ser afastadas . Por isso, o Estado Social precisa de eficiência para romper com esse
círculo vicioso; necessita do uso otimizado dos recursos escassos disponíveis para legitimar sua atuação em prol
do bem comum.
5
Na mesma linha, Egon Bockmann Moreira (Processo Administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei
9.784/1999. 2ª edição.Malheiros Editores. Brasil.2003.p.163) conclui que : Ainda que sustentemos eventuais
vícios no texto positivado, a interpretação há de enriquecê-lo e suprimir os eventuais desvios, pressupondo a
existência de um legislador ideal. Afinal, como bem frisou Paulo Modesto, “ não se pode, em qualquer caso,
recusar a positividade, a operatividade e a validade jurídica do princípio da eficiência sob o argumento de que
seu conceito tradicionalmente desenvolvido pela Sociologia e pelas ciências econômicas. Todos sabemos que os
princípios jurídicos são normas, prescrições, dirigem-se a incidir sobre a realidade, referindo sempre algum
conteúdo impositivo”. E, acrescenta, assim, a compreensão constitucional do princípio não advirá da técnica
apurada desenvolvida pela Economia ou ciência da Administração, mas sim de uma compreensão democrática
da terminologia do Texto Maior. Uma vez positivada, a norma desprende-se do seu criador e assume um
significado todo próprio, oriundo da interpretação sistemática do ordenamento jurídico.
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alto grau normativo6, seja pelos operadores jurídicos que ainda não buscaram definir
seu conteúdo e limite.
Com o presente estudo não se pretende esgotar a matéria, mas contribuir para a
evolução do Estado prestacional de ações e serviços de saúde com qualidade para
todos, através da aplicação correta dos princípios constitucionais administrativos,
norte de toda a atuação dos agentes públicos.
6
Neste sentido, vale conferir a Apresentação feita por Fernando Henrique Cardoso, na Apresentação do Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Câmara da Reforma do Estado, www.planalto.gov.br/publi_04
/COLECAO/PLANDIA.HTM) extraido em 16/05/2005, Este plano procura criar condições para a reconstrução
da administração pública em bases modernas e racionais. No passado, constituiu grande avanço a implementação
de uma administração pública formal, baseada em princípios racional-burocráticos, os quais se contrapunham ao
patrimonialismo, ao clientelismo, ao nepotismo, vícios estes que ainda persistem e que precisam ser extirpados.
Mas o sistema introduzido, ao limitar-se a padrões hierárquicos rígidos e ao concentrar-se no controle dos
processos e não dos resultados, revelou-se lento e ineficiente para a magnitude e a complexidade dos desafios
que o País passou a enfrentar diante da globalização econômica. Asituação agravou-se a partir do início desta
década, como resultado de reformas administrativas apressadas, as quais desorganizaram centros decisórios
importantes, afetaram a “memória administrativa”, a par de desmantelarem sistemas de produção de informações
vitais para o processo decisório governamental. É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma
administração pública que chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência,
voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade
democrática, é quem da legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços
prestados pelo Estado.
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METODOLOGIA
A atividade de investigação se deu no campo doutrinário e jurisprudencial, sem
desprezar a contribuição do mundo empírico que nos cerca. O que determinou a
escolha do tema foi à vivência na defesa do direito fundamental à saúde para todos,
bem como, o desperdiço e descaso dos administradores
da coisa pública. A
consciência da magnitude do direito fundamental à saúde, como elemento essencial
para uma existência humana com dignidade e as possibilidades de sua concretude
através de uma administração pública eficiente foi a principal motivação do trabalho.
A
existência
de
instrumentos
eficazes
de
gestão
na
área
da
saúde
pública,desprezado pelos que gerenciam a coisa pública, tem contribuído para a
falência do Estado Social. Sabemos que os recursos atualmente aplicados na área
da saúde não atendem aos anseios sociais, entretanto, uma boa gestão dos
recursos já disponíveis permite salvar muitas vidas. O desenvolvimento de toda a
atividade de pesquisa foi prioritariamente realizado com vistas ao Sistema de Único
de Saúde no Brasil. O objetivo é contribuir para a divulgação dos instrumentos de
gestão na área da saúde, contribuindo para a construção de uma administração
pública eficiência que promova o tudo para todos.
Associado, a estes elementos motivadores já expostos, não podemos deixar de
registrar o incentivo que tivemos da Professora Doutora Maria João Estorninho que
mostrou com sua simplicidade e sabedoria o valor do direito administrativo para a
consolidação do Estado Social.
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CAPITULO I
ORIGEM E FUNDAMENTO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA
ADMINISTRATIVA
I.
Composição do princípio da eficiência e a idéia de montesquieu
O princípio da eficiência integra o art, 37, caput da Constituição Federal, por força da
Emenda Constitucional nº 19/98. Está inserido no Titulo III – Da Organização do
Estado, Capítulo VII – Da Administração Pública, Seção I – Disposições Gerais. O
texto legal diz :” A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte....”7:Pela leitura atenta do dispositivo legal vemos que se trata
de norma de cunho abstrato. Para se estabelecer os limites e conteúdo material da
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, tem-se que
entender o que é legal, impessoal, moral, eficiente e público. Os princípios da
legalidade, publicidade, impessoalidade e moralidade que já integravam a Carta
Política desde a sua gênese, já foram objeto de estudo dos doutrinadores nacionais
e internacionais, existindo já um certo consenso quanto à sua aplicabilidade. Estes
têm o seu conteúdo e limite já, amplamente estudado no campo doutrinário.
Entretanto, quanto ao princípio da eficiência, por ser ainda, considerado novo, como
princípio constitucional, merece uma atenção especial daqueles que querem
contribuir para um maior fortalecimento do Estado Social, através do aprimoramento
de sua organização. Desta forma, se justifica a opção pelo princípio da eficiência e
não pelos demais como matéria prioritária deste estudo. Este como os demais
princípios do art. 37 da CF/88 tem um conceito vago, não se fixando da simples
leitura do texto constitucional seu conteúdo e limite.Neste estudo, faz-se necessário
7
Brasil. Constituição(1988).Ed.atualizada em 1999- Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições
Técnicas.
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apresentar a justificativa ou necessidade de se estabelecer um conceito para
eficiência e seu real significado. O que se pretende é tentar estabelecer o limite e
conteúdo, para o fim de se contribuir para a melhor aplicabilidade do mesmo, seja
por quem tem o dever de aplicar a lei, seja por aquele que tem o dever de executar
a lei. Em sua obra “ Do Espírito das Leis” Montesquieu nos adverte: “Aqueles que
possuem uma inteligência bastante esclarecida para poder proporcionar leis a sua
nação ou a uma outra, devem conceder certa atenção quanto à maneira de as
criar”8.
Montesquieu descreve as caracteríticas que uma lei deve ter para a sua real
aplicabilidade. Assim, aplicando os traços identificados pelo autor como essenciais
para que uma lei possa ser cumprida, foi desenhado um quadro comparativo entre o
que Montesquieu entendeu como conteúdo essencial de uma lei e o princípio da
eficiência, neste termos:
Coisas que devem ser observadas na composição das Composição do Princípio da Eficiência
leis – Idéia de Montesquieu
1 - seu estilo deve ser conciso9
1- estilo conciso,mas não claro
2- estilo das leis deve ser simples : a expressão direta 2- estilo simples
é sempre melhor compreendida do que a expressão
reflexa10
3-é essencial que as palavras das leis despertem em 3- da simples leitura não desperta em todos os
todos os homens as mesmas idéias11
homens as mesmas idéias
4- que nas leis é preciso que se raciocine da realidade 4- o raciocínio não nos remete da realidade a
à realidade; e não da realidade à imagem, ou da realidade, mas da imagem a realidade
imagem a realidade12
5- as leis não devem ser sutis13
5- não é sutil
6-não devem ser feitas mudanças numa lei sem que 6- a inserção do princípio teve por base razões
para isso exista uma razão suficiente14
suficientes
8
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Coleção Universidade de Bolso. Tradução de Gabriela de Andrade
Dias Barbosa. Ediouro. Editora Tecnoprint S.A.p.398.
9
MONTESQUIEU. Op.cit.p.398.
10
MONTESQUIEU. op.cit.p.398.
11
MONTESQUIEU. Op. cit.p.399.
12
MONTESQUIEU.Op. cit. P.399.
13
MONTESQUIEU.Op. Cit. p.399.
14
MONTESQUIEU. Op.cit.p.399.
13
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7- Quando alguém se empenha em apresentar o 7- é preciso o uso da hermenêutica para lhe definir o
motivo de uma lei, é preciso que esse raciocínio seja conteúdo e limite
digno da mesma15
8- assim como as leis inúteis enfraquecem as leis 8- é uma lei útil, na medida em que busca a igualdade
necessárias, as que podem ser burladas enfraquecem a material
legislação16
9- as leis não devem ferir a natureza das coisas 17
9- contribui para que as coisas sejam devolvidas ao
seu estado natural
10- é preciso que exista nas leis uma certa candura. 10- encerra a inocência necessária
Feitas para punir a maldade dos homens, elas devem
encerrar em si próprias a maior inocência 18
Da evidência do quadro comparativo, conclui-se que o princípio da eficiência, objeto
de estudo, pode ser aperfeiçoado, quanto ao seu modo de elaboração, uma vez que
os traços dificultam a sua aplicabilidade. Este, apresenta características essenciais,
conforme já delineado no quadro comparativo, merecendo uma interpretação pela
doutrina, principalmente à luz do direito comparado, para a sua concretude, seja
pela função jurisdicional ou pela função administrativa.
1. Conceito de eficiência
O sentido etimológico da expressão eficiência na gramática nacional segundo o
Dicionário Aurélio Buarque de Holanda é “qualidade daquilo que é eficiente;
eficácia”. (do latim efficiente). Eficiência e eficácia aparecem no dicionário como
palavras sinônimas. Eficaz – ETIM lat. Efficax,acis que executa, opera, obra; que
leva a cabo; eficaz, poderoso. Eficiência – ETIM lat. Efficientia,ae faculdade de
15
MONTESQUIEU.Op.ci. p.399.
MONTESQUIEU.Op. cit.p.400.
17
MONTESQUIEU.Op.cit.p.400.
18
MONTESQUIEU.Op.cit.p.400.
16
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produzir um efeito; virtude , propriedade, ação.Eficiente – ETIM lat. Efficiens,entis
que efetua, que produz.19
Pela leitura do significado das duas expressões eficiência e eficácia, no português
falado no Brasil, pode-se pensar, a princípio, que traduzem o mesmo conteúdo,
entretanto, através de um estudo sincrônico das duas expressões podemos
sintetizar que estas não são sinônimas, posto que eficiência se dirige a quem faz a
ação e eficácia se dirige ao resultado. Eficiente é uma qualidade, um atributo, uma
virtude da pessoa. Enquanto que eficácia é um atributo do meio. Se um elemento for
eficiente e tiver instrumentos eficazes de ação obterá um resultado a que
denominamos eficaz. De eficiência temos o adjetivo eficiente e de eficácia temos o
adjetivo eficaz. Eficiente, conforme a tradução do latim, se refere a quem efetua,
quem produz a ação. Eficaz se refere ao meio pelo qual se leva a cabo a ação.
Como exemplos podemos citar duas frases costumeiramente usadas no vernáculo
pátrio:
O médico foi eficiente no diagnóstico e O médico foi eficaz no diagnóstico e na
na
escolha
do
medicamento
combater a enfermidade
para escolha do medicamento para combater
a enfermidade
o remédio foi eficaz no tratamento da O remédio foi eficiente no tratamento da
doença.
doença
Pela leitura das duas frases é possível se aferir a diferença existente entre as duas
expressões eficiência e eficácia.
Quando alguém age com eficiência pode ou não produzir um resultado eficaz. Para
que se possa rotular uma ação de eficiente ou ineficiente é necessário muito mais
que uma simples avaliação da ação de quem determinou a ordem primeira. A
eficácia da ação depende de fatores externos, que deverão ser somados
a
qualidade daquele que é eficiente. A eficiência enquanto atributo da pessoa, pode
ser individualizada em cada caso concreto. Um exemplo clássico que pode ser
usado para demonstrar o que está sendo afirmado é a construção de uma casa. Um
elabora a planta baixa, a execução, entretanto depende de diversos atores. Uma
19
Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Instituto Antônio Houaiss, Editora objetiva, 2001, Rio de
Janeiro - RJ
15
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ação pode ter início e fim em uma mesma pessoa. Mas, quase sempre irá depender
do desempenho de diversos atores. Assim, como no caso exemplificado, vários
atores concorrem para o sucesso da construção. Em caso de defeito na obra, é
possível, fazendo o caminho inverso da construção, identificar quem foi o ator ou os
atores ineficientes.
Uma leitura desatenta pode conduzir a afirmação de que ambas contém o mesmo
significado. Eficiência é a qualidade daquilo que é eficiente. Como atribuir a Eficácia
à qualidade daquilo que é eficiente.
Na mesma linha, usando como parâmetro o conceito semântico da ciência da
administração, temos que
“a eficiência não se preocupa com os fins, mas
simplesmente com os meios. O alcance dos objetivos visados não entra na esfera de
competência da eficiência; é um assunto ligado à eficácia.”
20
Observa-se, portanto,
que eficácia e eficiência são dois conceitos distintos. É possível ser muito eficiente
sem ser eficaz.
Um caso paradigmático da aplicação dessas expressões na esfera da administração
pública, mais precisamente na área da saúde é o do município de Anchieta, situado
no Estado do Espírito Santo, Brasil. O gestor da saúde foi eficiente na implantação
do Programa Estratégia de Saúde da Família que visa trabalhar a área da
prevenção. Esse programa dispõe de uma equipe formada por médico generalista,
enfermeira, dentista, agentes comunitários para atender a um número de 4500
pessoas. Dados levantados por especialistas da área identificaram uma cobertura de
100% (cem por cento ) do programa no município mencionado. Contudo, em contrapartida, levantamento das causas de internação no município, bem como, o número
de pacientes internados revelou que o programa não estava sendo eficaz. O
trabalho desenvolvido pelos agentes do programa não foi eficiente ao ponto de
reduzir as causas de internação. Conclui-se, portanto, que o fazer com eficiência na
área pública necessita de uma constante aferição dos resultados produzidos, em
outras palavras, a eficácia. Esta se relaciona diretamente ao fim da ação
desenvolvida pelos agentes públicos, enquanto que a eficiência se dirige à pessoa
20
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração.4ª ed. São Paulo. McGraw
Hill,1993,p.238 Apud Antonio Carlos Cintra do Amaral. Texto publicado na internet com o tírulo “O princípio
da Eficiência no Direito Administrativo”., www.direitopublico.com.br. Revista Diálogo Jurídico, Número 13,
junho/agosto de 2002, Salvador, Bahia, Brasil.
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como um meio para se obter a eficácia. Percebe-se, claramente, pelos exemplos
apresentados, que as duas expressões, apesar de aparecerem no dicionário como
sinônimas, não comportam o mesmo significado. Há que se ter atenção a isto, a
banalização das palavras e via de conseqüência o desconhecimento de seu real
conteúdo, contribui diretamente para a prática de ações violadoras dos direitos
fundamentais. Corre-se o risco, ao se interpretar, creditar e aplicar a uma ação o
selo da eficiência, sem perquirir o resultado produzido por esta, de desconstituir o
seu real significado e valor, principalmente, quando falamos de ações e serviços de
saúde produzidos com recursos públicos. O caso emblemático do município de
Anchieta, já mencionado no presente estudo , e rotineiramente constatado na práxis
do fazer saúde no Brasil, tem gerado a inércia dos órgãos de controle, quanto à
responsabilização dos agentes públicos. Ações, nomeadamente, rotuladas como
eficientes são na verdade ineficientes, quando investigado o resultado produzido por
esta, ausência de eficácia.
Acrescenta-se, ainda, a tudo quanto foi dito, que o fazer com eficiência impõe,
muitas das vezes, não só a ação de um individuo, mas também de todos os demais
atores que participam do desenvolvimento da ação. Assim, retornando uma vez
mais, aos exemplos já citados, a ação do gestor público municipal que determinou a
cobertura de 100% de PSF não se completa e finda em si mesma. O responsável
pelo processo seletivo dos agentes que irão integrar o programa, a capacitação
destes profissionais, associado aos instrumentos que serão utilizados para se aferir
o resultado, são fatores determinantes para se rotular a ação como eficiente. O
responsável direto, primeiro pela eficácia de todo o processo deve ser eficiente não
só ao dar início a ação, como também, em atrair para o desencadeamento desta,
pessoas com competência para a obtenção do resultado. Este depende para a
certificação de sua ação como eficiente, da parceria direta dos demais envolvidos
no processar da ação. A ineficiência de qualquer dos atores nominados
comprometerá a eficácia.
Resta claro, que a eficiência se dirige a quem pratica a ação e a eficácia ao
resultado pretendido com a mesma.
Neste sentido, a centralização e a burocratização são fatores impeditivos para uma
atuação eficiente. A eficiência enquanto um atributo da pessoa humana, implica
17
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também, na atração de pessoas eficientes para o desempenho e eficácia da ação
determinada. De outro ponto, tem-se
a ética e a moral como pré-requisito da
eficiência. As ações pautadas por princípios éticos e morais, revestidos, também, da
prática desburocratizada e descentralizada, proporcionaram resultados positivos,
uma evolução constante.
II.
O
princípio
da
eficiência
como
“mandamento
de
otimização
(optimierungsgebot)”
O primeiro passo para compreender a magnitude e importância do princípio da
eficiência, princípio de direito público contido no sistema constitucional brasileiro,
passa, necessariamente, pela identificação e compreensão do que é um princípio.
O questionamento que fazemos, quando nos deparamos com a formulação
legislativa posta para o ordenamento jurídico está sedimentada em dois pontos, ou
seja, qual a origem da criação de determinadas normas e sua finalidade. Nessa linha
podemos sintetizar que o legislador constituinte derivado, no caso específico do
princípio ora em relevo, quando da sua formulação, usou a expressão princípio da
eficiência e não regra da eficiência, exatamente por compreender a dimensão
axiológica deste.
Juristas de diversas partes do mundo se dedicaram a compreender e definir o que é
um princípio, seu peso e valor. Várias teorias foram suscitadas na tentativa de
melhor explicar o conteúdo e limite de um princípio. Entretanto, foi o jurista Alemão
Robert Alexy, em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, quem ampliou o conceito
de princípio, bem como, elucidou e dissipou os questionamentos existentes entre
norma, regra e princípio. Para este renomado jurista, os princípios podem referir-se
tanto a direitos individuais como a bens coletivos.21
21
Alexy, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales.
Madrid, 2002,pág.
18
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Acrescenta, ainda, o renomado jurista pós-positivista, a norma é o gênero, e
princípio e regra são as espécies. “ Los principios ordenam que algo debe ser
realizado en la mayor medida posible, tiniendo en cuenta las possibilidades jurídicas
e fáticas”22. As regras, ao contrário dos princípios, “ son normas que sólo pueden
ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que
ella exige, ni más ni menos”23. Os princípios são, por conseguinte, enquanto valores,
a pedra de toque ou o critério com que se aferem os conteúdos constitucionais em
sua dimensão normativa mais elevada.24 Assim, o princípio da eficiência como
norma-valor alcança seu mais alto grau normativo quando é inserido na Carta
Fundamental. As normas princípios ocupam o ápice da pirâmide no ordenamento
jurídico, são mandamentos de otimização, ou seja, determinam o limite e o conteúdo
de toda formulação legislativa, atuação dos agentes públicos administrativos e
exercício da cidadania. Na linha do pensamento fundado, o princípio da eficiência,
associado aos demais princípios de direito público, exercem a função de
mandamento diretivo de todas as leis e atos administrativos.A partir do momento em
que este é entendido e definido como norma princípio, podemos aferir algumas
conclusões.
Todo princípio, compreendido como aquilo que dá origem, fundamento, base de
outras coisas ou ser, é o primeiro ponto de partida para a realização das ações
executadas na vida em sociedade (polis) e aplicação e construção do edifício
jurídico.
Toda construção jurídica, bem como, todas as ações executadas seja na área
pública ou privada devem ter como base a obediência aos princípios constitucionais.
Assim, quando da elaboração legislativa de qualquer norma regra, que irá compor o
ordenamento jurídico, deverá ser observado pelos integrantes do parlamento sobre
quais princípios aquela lei será fundamentada. Se houver a violação a um dos
princípios elencados na Constituição Federal, está norma padece de vício de origem,
que a torna inválida, causa impeditiva de sua efetiva aplicação.
22
Robert Alexy.ob.cit.p.86
Robert Alexy.ob.cit.p.87
24
Bonavides, Paulo. Curso de direito Constitucional. 13ª ed. Malheiros Editores. 2003..p.283.
23
19
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Da mesma forma, e com igual sorte, toda ação executada na área pública , que
desconsiderar em seus fundamentos a observância de qualquer princípio
constitucional, no processo que se desencadeia do início da ação até o seu
exaurimento, deve ser declarada como ação corrompida, ensejando imediata ação
inversa para sanar ou minimizar seus efeitos maléficos.
Merece atenção especial, neste particular, a prática de ações na área pública,
envolvendo recursos públicos. Uma ação executada na área da saúde, por exemplo,
seja pelo agente político ou pelos agentes públicos, que não tenha por fundamento
princípios como a dignidade da pessoa humana, igualdade, impessoalidade,
moralidade, eficiência, padecerá de vício de origem. Esta ação pode envolver não
são aquele que deu o “start”, mas também todos os outros atores com
responsabilidade solidária pela consecução do objetivo final da ação. Estes agentes
públicos respondem solidariamente pelos danos causados à coletividade, obrigando
diretamente aqueles que tem o dever legal de fiscalizar a execução, um agir
imediato
no
sentido
contrário,
aplicando
medidas
jurídicas
repressivas
e
reparadoras, inclusive, a declaração de invalidade do ato, devolvendo à sociedade a
justiça e a paz social. Esta máxima foi assim construída e organizada na pirâmide
do ordenamento jurídico, posto que na área pública as ações cominadas de vício
não atingem apenas um indivíduo, mas também poderá prejudicar a toda uma
coletividade.
Nesse sentido, a importância de que todos, indistintamente, conheçam bem o
conteúdo material dos princípios constitucionais identificados e gravados na
Constituição Federal, para um exercício correto da cidadania. Cidadania esta,
entendida não só como aquele indivíduo que exercita seus direitos na polis , mas
também como aquele que integra a cidade através do contrato social de que nos fala
Rosseau, aderindo, junto com os demais cidadãos, aos direitos e deveres que vigem
e correm entre governo e cidadão.
O princípio da eficiência , como os demais princípios constitucionais, ganha seu mais
alto grau normativo quando é inserido na Carta Maior, passando a ocupar o ápice da
pirâmide jurídica. De outro ponto, como norma ordenadora, fundamento e base da
construção jurídica e social, ocupa a base da pirâmide,ou seja:
20
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Princípios - Norma Valor
Constituição Federal –princípios constitucionais
Leis
Decretos
Portarias
Executivo
Judiciário
Legislativo
Princípios – Norma Fundamento da Construção Jurídica e Social
Os princípios vão irradiar sobre todas as ações do governo,da sociedade como um
todo, e construções jurídicas o seu valor, regendo o modus operandi da vida em
sociedade e o desencadeamento e aplicação do aparato legal, de um Estado
Democrático de Direito.
Estes princípios, diga-se uma vez mais, ocupam a base da pirâmide inversa, porque
apesar de serem poucos, devem ser o fundamento, o ponto de partida, mandamento
de otimização, “onde a medida imposta de execução não depende apenas das
possibilidades fáticas, senão também jurídicas”. Nesta perspectiva é possível
21
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submeter ao controle jurisdicional não só a legalidade das decisões administrativas,
mas também, o mérito dessas decisões, declarando, inclusive, a sua invalidade.
Sintetizando tudo o que foi dito, após colher os ensinamentos acerca do valor de um
princípio na estrutura de todo o ordenamento jurídico, têm-se que o princípio da
eficiência tem a sua origem e fundamento no Estado Social de Direito. No Estado
Social que foram ampliadas as funções do Estado, passando a assumir a obrigação
de assegurar a todo o individuo que integra a polis o direito à educação, à saúde,ao
trabalho em igualdade de condições. O Estado Social idealizado pelo mandamento
constitucional é o que mais se aproxima do Estado de Natureza, do qual o homem
abriu mão para viver em sociedade. Isto porque, na medida em que se realiza a
igualdade material, em vias transversas tem-se também assegurada a liberdade.
Vê-se no princípio da eficiência a mola propulsora para a concretização do princípio
da igualdade. a implementação deste, através da apropriação de seu conteúdo
material contribuirá para a efetividade dos objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil, em especial, ajudando a construir uma sociedade livre, justa e
igualitária.
III.
Evolução do princípio da eficiência no ordenamento jurídico nacional
O princípio da eficiência foi elevado a categoria de Princípio Constitucional pela
Emenda Constitucional nº 19/98. Analisando o movimento da sociedade brasileira no
período que antecede a elaboração e promulgação da EC nº19/98, identificamos
fatores externos e internos que contribuíram e conduziram a constitucionalização do
princípio. O desperdício, a falta de ética no exercício da função pública,
burocratização, omissão, desvio e má gestão dos recursos públicos, pagamento da
dívida externa, associado à necessidade de se estabelecer definitivamente os
contornos do Estado Social no Brasil , são alguns dos fatores para a introdução do
princípio da eficiência no rol dos demais princípios constitucionais administrativos. A
exigência de uma atuação eficiente na área pública já
estava presente no
ordenamento jurídico brasileiro, desde a Reforma dos anos 1930 com o Estado
22
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novo, a Reforma Administrativa Federal do Dec.-lei 200/67. Este nos artigos 13,
25,inc.V e VIII, art. 26, III e art.100 exige de forma explícita a eficiência administrativa
com a comprovação de resultados, possibilitando a demissão e dispensa do servidor
comprovadamente ineficiente ou desidioso25. Na seqüência
das reformas
administrativas, vem a Reforma Administrativa de 1995, teve início com a Mensagem
Presidencial nº 886/95, convertida na PEC nº 173/95 na Câmara e PEC nº 41/97
Senado, atual Emenda Constitucional nº 19/98.
“A Reforma Administrativa implantada a partir de 1995 deu-se especialmente através
da pretensão à descentralização estatal, parcerias com a iniciativa privada e
valorização da competência e eficiência da Administração Pública. Visava-se a
instalar a denominada “Administração Gerencial”26 .
De igual modo, a Carta Magna de 1988, em diversos artigos, também faz referência
ao dever de boa administração, somente a título de exemplo, podemos citar o
art.74,inc. II que exige dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (...)IIcomprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da
gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da
administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades
de direito privado”27. A obrigação de uma gestão pública eficiente pode ser
comprovado, ainda no texto constitucional, quando determina no art. 198 que “as
ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...)
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;”. A
descentralização do Sistema Único de Saúde tem por objetivo otimizar a prestação
material dos serviços e ações de saúde para todos. O Dec.-lei 200/67 e os artigos da
Constituição Federal de 1988
mencionados vem reforçar a importância que
representou para a sociedade brasileira a elevação do princípio da eficiência a
categoria de preceito constitucional. É da natureza do Estado Social de Direito
25
Sobre o tema consultar a obra Direito Administrativo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, p. 83, 15º edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2003.
26
MOREIRA,Egon Bockmann. Processo Administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/99. 2ª
edição.Malheiros Editores. Brasil.2003.p.157.
27
Sobre o tema consultar o texto Notas para um Debate sobre o Princípio Constitucional da Eficiência, extraído
da internet www.direutopublico.com.br , Revista Diálogo Jurídico, Ano I, vol.I,nº02,maio 2001, Salvador, Bahia,
Brasil.
23
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administrar a coisa pública com eficiência produzindo resultados otimizados para a
sociedade.
O Princípio da eficiência nasce no momento em que se busca a concretização dos
direitos fundamentais sociais. Pode-se dizer, por outras palavras, que este é
imanente ao Estado Social que visa assegurar o direito igual de todos os cidadãos
aos direitos sociais. Somente uma atuação eficiente, pautada em princípios éticos e
no conhecimento, poderá assegurar uma aproximação entre o legislado e o contexto
social.
IV. O princípio da eficiência como uma vontade legítima
do povo para a
concretização do bem comum.
Ao traçarmos as linhas deste trabalho, precisamos nos valer do texto constitucional
consagrado como a vontade do povo para a nação brasileira. Partimos assim, do art.
1º , parágrafo único da Carta Maior, quando diz: Todo o poder emana do povo, que o
exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos da
Constituição. Tomando como ponto de partida o texto evidenciado, passamos a
analisar o princípio da eficiência acrescido ao corpo da Constituição Federal ,
através da Emenda Constitucional nº 19/98, como uma manifestação inequívoca da
vontade popular. Apesar de não ter passado por um plebiscito, pode-se aferir pelas
conseqüências práticas de sua implementação, que este passo seguro, dado pelo
legislador, traduz a vontade daquele que são os destinatários das prestações
civilizatórias do Estado.A busca incessante da eficiência na gerência da coisa
pública,
move-se
em
direção
da
concretização
do
verdadeiro
Estado
democrático.Não obstante as inúmeras constatações efetivadas por filósofos quanto
a existência de uma democracia ainda incipiente no Brasil, que não transmudou do
plano retórico da argumentação ideológica para uma democracia real, temos que
ressaltar que o povo atuou como protagonista,28 exercendo o seu verdadeiro papel
28
Segundo propõe Friedrich Muller, na obra Quem é o povo?, 3ª edição. Editora Max Limonad,São Paulo, 2003,
p.37, “o povo é invocado no documento constitucional, ao passo que o seu papel verdadeiro no processo político
não é tematizado”.
24
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na revolução do processo político imposto, quando, através de seus mandatários,de
forma mediata, fez inserir na Carta política os princípios constitucionais que devem
compor toda a atuação no exercício da função pública, em especial o princípio da
eficiência.
Neste sentindo é importante registrar o pensamento de Jean-Jacques Rosseau,
sobre a soberania e o papel do poder legislativo e executivo.Rosseau qualifica a
soberania de inalienável e indivisível, 29 e como conseqüência somente a vontade
geral pode por si só dirigir as forças do Estado, segundo o fim de sua instituição, que
é o bem comum30. O poder pode ser transmitido, mas não a vontade.31 Rosseau
atribui ao povo a responsabilidade pela elaboração das leis32, sintetizando que o
poder legislativo é o coração do Estado, a força executiva o seu cérebro, que dá
movimento a todas as partes do corpo33.
Na linha do pensamento posto, verifica-se uma supremacia do poder legislativo
sobre o poder executivo, cabendo a este apenas a responsabilidade de executar as
leis, uma vez que a soberania do Estado repousa com exclusividade no poder
legislativo. Não obstante vislumbrar, no estado contemporâneo, uma supremacia do
poder executivo(função de defesa,proteção e prestação) sobre os demais poderes,
realidade oposta a idéia do filósofo, credita-se, a inserção do princípio da eficiência
no corpo constitucional, a uma pressão do povo no sentido da implementação de um
verdadeiro Estado Social de Direito. Este tem por fundamento a igualdade material.
Foi a vontade geral expressa pelo princípio democrático que fez elevar à categoria
de princípio constitucional o princípio da eficiência. Somente uma administração
pública pautada nos valores éticos e princípio da eficiência poderá produzir mais
justiça social e seus frutos, igualdade e liberdade entre os homens. Em outras
palavras o tudo para todos. Não há liberdade sem a correspondente igualdade entre
os homens. O princípio da eficiência visa aproximar o homem do estado de natureza
livre, na medida em que cria condições iguais para todos os homens de usufruir os
bens essenciais.
29
Cfr. Jean-Jacques Rousseau, O Contrato Social, Livro II, Cap.I,p.35, Cap.II,p.36. Edições e Publicações Brasil
Editora S.A. São Paulo. 5ª edição.
30
Cfr. Jean Jacques Rousseau, O Contrato Social, Livro II, Cap.I,p.35.
31
Cfr. Jean Jacques Rousseau, O Contrato Social,Livro II, Cap. I,p.35.
32
Cfr. Jean Jacques Rousseau, O Contrato Social, Livro II,Cap.VI,p.49.
33
Cfr. Jean Jacques Rousseau, O Contrato Social, Livro III,Cap.XI,p.104.
25
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Para Locke, na mesma linha de Rosseau, a vontade geral deverá prevalecer em
qualquer forma de Estado. “Quando qualquer número de homens, pelo
consentimento de cada indivíduo, constituiu uma comunidade, tornou, por isso
mesmo, essa comunidade um corpo, com o poder de agir como um corpo, o que se
dá tão-só pela vontade e resolução da maioria”.34 Acrescenta , ainda, o autor que
“seja qual for a forma de governo sob o qual se acha a comunidade, o poder que
tem mando deve governar mediante leis declaradas e recebidas e não por
prescrições extemporâneas e resoluções indeterminadas”35. Estes filósofos, apesar
de expressarem seus pensamentos de formas diferentes entendem que o homem é
por natureza livre. Rosseau afirma que “ O homem nasceu livre “ 36 e Locke “ os
homens são por natureza livres”37. A razão acompanha a afirmação descrita, na
medida em que se sabe que no estado de natureza, também, vige a igualdade entre
os homens. Locke partindo da premissa de que todos os homens são por natureza
livres, questiona, o motivo pelo qual ele abriria mão de sua liberdade, “ se o homem
no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto de sua
própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão
dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e
controle de qualquer outro poder?”. Sem entrar no mérito do questionamento
formulado por Locke e suas conclusões sobre os possíveis fatores que levam o
homem livre a submeter-se ao domínio e sujeição de outro poder, cumpre assinalar
que, no estado de natureza o homem usufrui a liberdade, na medida em que é igual
ao maior e a ninguém sujeito, ou seja, goza da igualdade material (exemplo típico
dos índios no Brasil antes do descobrimento). No momento em que o homem tem
que abandonar o estado de natureza, para viver em um sociedade política ou civil
deve estabelecer regras que serão traduzidas pela vontade geral. Desta forma, mais
uma vez, vale afirmar que o princípio da eficiência encontra eco na vontade geral 38,
na medida em que se traduz em meio eficaz para produzir a justiça social.
34
Cfr. John Locke. Os Pensadores. XVIII. Segundo Tratado sobre o Governo. Editor Victor Civita.p.77.
Cfr.John Locke. Os Pensadores XVIII. Segundo Tratado sobre o Governo.p.94.
36
Cfr. Jean Jacques Rousseau. O Contrato Social. Livro I.Cap. I.p.13.
37
Cfr. John Locke. Os Pensadores. XVIII. Segundo Tratado sobre o Governo. p.80.
38
No mesmo sentido Immanuel Kant.( La Metafísica....§46,p.143) diz “ só a vontade coletiva do povo pode ser
legisladora” , e ainda, “só a vontade concordante e unida de todos, na medida em que decidem o mesmo cada
um sobre todos e todos sobre cada um”.
35
26
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CAPÍTULO II
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO UM NOVO PARADIGMA
I. O princípio da eficiência
como um
novo paradigma a ser perseguido e
praticado por todos os que atuam na área pública.
Com a nova proposta constitucional de um princípio administrativo que exige muito
mais que ser um administrador , mas um facere comprometido com resultados
positivos para o cidadão, é delineado um novo paradigma. Quebra-se a lógica
anterior tão enraizada no imaginário comum do serviço público no Brasil, de não
compromisso com o resultado, ou por outras palavras, uma atuação na área pública
irresponsável e descomprometida39. “A constitucionalização do princípio da
eficiência surgiu em reação contra os desmandos e inconseqüências do modelo
burocrático e tecnocrático do Estado, cujos desacertos restaram encobertos pelo
manto da irresponsabilidade”.40
Para Thomas Kuhn, “ A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual
pode surgir uma nova tradição de ciência normal, está longe de ser um processo
cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma . É antes uma
reconstrução na área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que
altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem
como muitos de seus métodos e aplicações”41.
39
Como pondera Onofre Alves Batista Júnior ( O Princípio da Eficiência Administrativa. Editora Mandamentos,
Belo Horizonte, 2004, p. 202) A eficiência administrativa pública não é uma eficiência econômica, que considere
apenas a vertente economicidade da eficiência. Trata-se de uma eficiência jurídica multifacetada, com inúmeros
aspectos, que deve considerar uma série de referenciais axiológicos, como os ingredientes éticos e políticos, bem
como se curvar a aspectos garantísticos, sendo que, antes de tudo, deve reverência ao próprio traçado das normas
do ordenamento jurídico.
40
MORAES, Germana de Oliveira. Considerações Gerais sobre a Reforma Administrativa Emenda
Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, Lusíada Revista de Ciência e Cultura. Coimbra Editora.
1998,p.335.
41
Kuhn, Thomas. A Estrutura das Revoluções Cientificas. Editora Perspectiva. 6ª edição.2001.p.116
27
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No exercício da atividade privada, a mola propulsora de toda a atuação, daqueles
que se dispõem a administrar, vem revestida do princípio da eficiência. Uma
atividade , seja ela de qual natureza for que não produza ganhos para os
empreendedores é ceifada de imediato, bem como, deve ser eliminada a pessoa, de
sua estrutura organizacional, que não desempenhe a contento o seu papel. Segundo
o Vicente Falconi Campos, in TQC Controle da Qualidade Total (no estilo Japonês)
42
, a única forma de sabermos se a atividade desenvolvida está produzindo
resultados que merecem ser mantidos , levando a mais investimento, é uma
avaliação constante das causas e seus efeitos. Assim, uma empresa deve analisar o
mercado de consumo a que se destina seu produto antes de fazer qualquer
investimento. Somente a partir destes dados, pode definir o tipo, quantidade, e
destinatário do produto. Através de uma constante aferição dos resultados pode
identificar se existe necessidade de alterar a essência desse produto ou até mesmo
de mudar de ramo. De igual forma, a partir do novo paradigma que se propõe, a
atividade pública não pode mais ser exercida de maneira irresponsável e
descomprometida com o resultado. É preciso aplicar para a administração pública
conceitos que de há muito vem conduzindo a atividade na esfera privada, sem
contudo,
esquecer
que
a
administração
das
organizações
privadas
visa
primeiramente o lucro, enquanto a administração das organizações públicas tem por
objetivo primeiro a prossecução do interesse público. Este traz subjacente no Estado
Social, a satisfação das necessidades coletivas. Desta forma, o peso e o valor da
eficiência aplicado na atividade privada, não será o mesmo da área pública.
No entendimento do mesmo autor,
o ser humano se organiza, constituindo
empresas, escolas, hospitais, governos, etc..., para tornar sua vida mais amena e
confortável, em outras palavras para garantir a sobrevivência na terra. Para tanto,
toda organização humana, necessariamente, será constituída de três elementos :
Equipamentos e materiais (“Hardware”), Procedimentos, também entendidos como
“maneira de fazer as coisas”, métodos (“Software”) e ser Humano (“Humanware”). A
existência e melhoria continua de Equipamentos e materiais (“Hardware”) está
condicionada a “Aporte de Capital”. A criação e melhoria dos procedimentos ou
métodos de trabalho têm como premissa, o desenvolvimento do “Humanware”, é por
42
Campos, Vicente Falconi, in TQC – Controle da Qualidade Total (no estilo japonês). Nova Lima –MG: INDG
Tecnologia e Serviços Ltda, 2004.
28
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meio das pessoas que estes se desenvolvem . E, finalmente, para que uma
organização humana tenha pessoas capazes de criar “Software” e definir bem o
aporte de capital que deve ser aplicado para o “Hardware” é preciso melhorar o ser
humano, através do “Aporte de conhecimento”.
Como diz o Professor Falconi: O conhecimento pode ser levado às organizações de
várias maneiras: pelo recrutamento de pessoas bem-educadas (aqui entra o valor da
educação básica fornecida ao indivíduo pela sociedade), pela contínua educação
dos empregados em cursos formais, pelo auto-aprendizado pelo treinamento no
trabalho, pela assistência técnica adquirida de outras empresas (contato com
pessoas de outras organizações), pelo contato com consultores, etc.
Todos os itens identificados pelo autor como forma de se levar o conhecimento para
as organizações humanas, é aplicável ao Estado Prestacional de serviços e ações
de saúde. A forma encontrada pelo Legislador Constituinte Originário para o
recrutamento de pessoas qualificadas para a prestação do serviço essencial à saúde
foi o concurso público (artigo 37,inciso II). Este , desde que , aplicado em obediência
ao princípio da moralidade e legalidade selecionará para a organização humana
valores capazes de desenvolver e absorver “software”.A produção de “software” para
a área da saúde significa salvar vidas. De igual modo, o legislador ordinário
objetivando levar o aporte de conhecimento para a área pública da saúde, inseriu no
art. 4º da Lei 8.080/92, a exigência, para o Aporte de Capital nos Entes Federados ,
de um Plano de Carreira, Cargos e Salários, próprio para a saúde. O ingresso de
pessoas no serviço público por meio do concurso público de provas e provas e
títulos, bem como, a existência de um Plano de Carreira, Cargos e Salários tem o
condão de contribuir para a efetividade do direito fundamental de todo ser humano à
saúde. Para fazer o aporte de conhecimento, necessário para toda organização
humana, deve ser assegurada contínua capacitação das pessoas que integram a
função pública, através de cursos formais, treinamento no trabalho e transmissão do
conhecimento de outras pessoas, que já integram os quadros, sendo detentores de
rico conteúdo da área fim. Diz o mesmo Falconi, ocupando-se ainda do Aporte de
Conhecimento da empresa, “reconhecendo a limitação humana na velocidade do
seu aprendizado, este aporte de conhecimento deve ser contínuo, isto é, por toda a
vida do empregado; E mais “reconhecendo a existência do “ATIVO DO
29
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CONHECIMENTO” na cabeça das pessoas, é necessário criar condições que evitem
a saída das pessoas da empresa. Esta saída traria como conseqüência um
“vazamento” deste ativo. A decantada “estabilidade no emprego” não deveria ser
meta dos sindicatos mas sim dos empresários.43 No Brasil, não obstante a
obrigatoriedade de concurso público para o ingresso na função pública, bem como, a
existência de Plano de Carreira, Cargos e Salários, o que se vê na área da saúde
pública é a famigerada contratação temporária. Na mesma Carta Constitucional , no
art. 37, inciso IX está previsto que “a lei estabelecerá os casos de contratação por
tempo determinado
para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público”.
Sabemos que toda prestação de serviços ofertada pelo governo através de seus
órgãos é financiada direta ou indiretamente pela sociedade. O Estado brasileiro
oferta ações e serviços de saúde através dos impostos pagos pelo cidadão ao ente
municipal, estadual e federal44. Na atualidade, a Emenda Constitucional nº 29/2000,
define o percentual que cada ente federado deverá aplicar na área da saúde, bem
como, quais os impostos que deverão financiar o Sistema Único de Saúde. De igual
modo, o Governo Federal ao instituir a CPMF tinha como objetivo implementar as
ações e serviços de saúde. Importante este registro para que toda a sociedade
43
Para Falconi o Aporte de Conhecimento e o Aporte de Capital têm características distintas, vejamos: a) O
Aporte de capital tem retorno baixo, inseguro e variável (10-20% ao ano em condições estáveis); o aporte de
conhecimento tem retorno elevadíssimo mas de difícil avaliação. Fizemos,junto com companheiros de duas
empresas brasileiras, uma avaliação do retorno sobre o Aporte de conhecimento em um programa de Qualidade
Total e encontramos algo em torno de 30.000% ao ano! Mesmo que tenhamos errado numa ordem de 10 ou 100,
ainda assim a taxa de retorno sobre investimento em educação é muito maior. b) o Aporte de capital pode ser
feito em curto espaço de tempo. Havendo dinheiro compra-se o que se desejar. No entanto, o aporte de
conhecimento só pode ser feito de forma lenta e gradual pois o ser humano é limitado na sua velocidade de
aprendizado . Se aasim não fosse, não seriam necessários cinco anos para lecionar o curso primário, sete anos
para o secundário e cinco anos para o superior!.
44
Nos termos da Constituição Federal de 1988, art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado
de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinados assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social. No mesmo diploma legal define, no art. 195 que : A seguridade social será
financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos
orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: Ido empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre : a) folha de salários
e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados , a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,
mesmo sem vínculo empregatício; b) receita ou faturamento; c) o lucro; II- do trabalhador e dos demais
segurados da previdência social não incidindo contribuição sobre a aposentadoria e pensão concedidas pelo
regime geral da previdência social de que trata o art. 201; III- sobre a receita de concursos de prognósticos... §2º
A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela
saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de
diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos...§ 10. A lei definirá os critérios de
transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o
Distrito Federal e os Munícipios, e dos Estados para os Muncípios, observada a respecttva contrapartida de
recursos.
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brasileira tenha a exata dimensão de que o direito à saúde assegurado na Carta
Magna para todos, é financiado por todos.
Percebe-se que o investimento de cada cidadão no financiamento do Sistema Único
de Saúde, visando atender a uma necessidade primária de toda criatura humana, ou
seja, a vida, precisa ser bem aplicada (“Hardware”), trazendo resposta positiva para
todo a sociedade. Assim, a aplicação dos conceitos de controle da qualidade total,
identificados a nosso ver com o conteúdo e fim do princípio da eficiência, para o
universo da administração pública, possibilita a concretização do direito fundamental
social à saúde.
Transportando para o princípio da eficiência, ao estilo japonês, ensinado pelo autor,
para a área da saúde pública, podemos aplicar as seguintes conclusões: o legislador
constituinte originário inseriu na Carta Magna, instrumentos efetivos de controle da
qualidade total para a área da saúde pública, através dos arts. 5º,6º,37, 196 a 200,
Emenda Constitucional n.19/98, 29/2000 (Aporte de Conhecimento( “Software” e
Humanware”) e Aporte de Capital (“Hardware”) e o legislador ordinário, de igual
forma, aplicou conceitos da qualidade total quando da elaboração das leis 8.080/92
e 8.142/92, introduzindo instrumento efetivos para assegurar que o Aporte de
Capital e Aporte de Conhecimento
para a Administração Pública venha a trazer
resultados positivos para o cidadão, ou em outras palavras, assegurando a
efetividade do direito fundamental à saúde.
Pela Lei nº 8.080/92 estabeleceu-se que a cada quatro anos deve ser elaborado um
plano de ação fundamentado no perfil epidemiológico da população de cada
localidade. De igual modo a cada ano deve ser elaborado e dada a devida
publicidade ao quadro de metas, com a devida apresentação ao final de cada
exercício do relatório de gestão. Pela Lei nº 8.080/92, art. 4º , para que os Estados e
municípios possam se habilitar na Gestão Plena do Sistema Municipal, precisam
obrigatoriamente contar com o Plano de Carreira, Cargos e Salários. É a Valorização
do recurso humano, elemento chave de toda organização humana. A Constituição
Federal de 1988, define no art. 37, inc. II que a investidura em cargo ou emprego
público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e
títulos, com o objetivo de assegurar o ingresso de candidatos qualificados para o
exercício da função pública. Estes instrumentos de controle e outros formalmente
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Nícia Regina Sampaio
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constituídos no ordenamento jurídico para a área da saúde, serão trabalhados no
capítulo próprio. Neste tópico, interessa colocar em relevo a importância do novo
paradigma, representado pelo princípio da eficiência. Este quando é elevado a
categoria de princípio constitucional da administração pública atinge o seu mais alto
grau normativo, passando a exigir de todos aqueles que atuam na área pública a
eficiência com resultados.
Conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro o princípio da eficiência “impõe ao
agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução
dos fins que cabem ao Estado alcançar”.45
No sentido assinalado pela administrativista, o princípio da eficiência se impõe a
pessoa (agente público), tendo assim, sérias implicações a forma de recrutamento
de recursos humanos para a área da saúde. Não temos como falar em eficiência,
quando temos um quadro de pessoal desorganizado, desmotivado e incapacitado
para a produção das ações e serviços de saúde. Analisando o atual quadro de
recursos humanos da área da saúde no Brasil, temos que concluir que a
continuidade no modus de ingresso na área da saúde, ou seja , a tão propagada e
defendida Contratação Temporária, transformada na práxis dos gestores como
regra, quando a norma constitucional a condiciona a fatores excepcionais, não
permitirá a mudança de paradigma proposta pelo novo modelo de fazer saúde no
mundo. Hodiernamente, o conceito de saúde definido pela Organização Mundial de
Saúde implica na execução de medidas eficazes que atentem para o bem estar,
físico, mental e social. A consecução de medidas preventivas que evitem que a
população adoeça. Somente um ser humano qualificado e que receba uma
permanente capacitação poderá produzir instrumentos eficazes de controle da
qualidade de vida de um povo, bem como, capaz de aplicá-lo em favor deste com
eficiência.
Vê-se, de regra, que atualmente os que executam as ações na área da saúde foram
nomeados sem critérios previamente estabelecidos, ou melhor, por indicação
política. A ocupação dos cargos públicos na área da saúde, no Brasil, tem sido
utilizada como moeda de troca dos políticos eleitos, através da contratação de
45
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo. Atlas. 1998,p.7374.(confirmar no livro a página).
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pessoal por tempo determinado. Os funcionários nomeados por contratação
temporária funcionam como elementos garantidores para a próxima eleição. O
usuário não é levado em conta, suas necessidades, bem como, os atuais objetivos
do sistema único de saúde. Esta forma ilegal de contratação de pessoal não
interessa ao Sistema Único de Saúde, nem ao servidor, visto que, a qualquer
momento este poderá ser exonerado de suas funções, não contando com as
garantias funcionais asseguradas constitucionalmente. Do que se conclui, que a
manutenção da contratação temporária, que deveria ser apenas usada como medida
excepcional, interessa a políticos corruptos que integram o sistema político nacional.
Neste cenário, permissa venia, não adianta aporte de recursos, pode-se aumentar a
aplicação de recursos na área da saúde, e continuaremos a ter uma população
fadada a adoecer. Exemplificando as afirmações colocadas, vale lembrar o trabalho
da Prof. Maria Emi Shimazaki, no texto Curso de Gestão de Sistemas de Serviços de
Saúde, FAESA, 2005. Esta conclui em seu trabalho que “o desafio é instituir uma
gestão que possibilite aos profissionais sintam-se responsáveis pelos serviços, que
partilhem do planejamento das ações e comprometam-se com os resultados”. Parte
de dados estatísticos do sistema de serviços de saúde do Reino Unido, onde para
cada 1 milhão de usuários atendidos, o Serviço Nacional de Saúde produz 50
milhões de decisões clínicas e milhares de decisões gerenciais a cada ano. Em
outras palavras, o estudo demonstra que cada profissional da rede de atenção ao
produzir uma consulta e deliberar pelos procedimentos que serão melhor aplicáveis
ao caso concreto, atuam diretamente como ordenadores de despesa, invertendo a
estrutura contábil e financeira dos órgãos de saúde. Com este estudo comprova-se,
uma vez mais, a importância da forma de recrutamento e qualificação na área da
saúde, para a atuação eficiente e com resultados eficazes. O atual estágio do
Estado providência no Brasil não alcançará resultados eficazes se não contar com
uma Administração especializada. A especialização da função pública poderá
contribuir para a real efetividade de um direito fundamental à saúde para todos,
evitando os desmandos e loteamentos feitos hoje pela classe política 46
46
Sobre o tema Paulo Otero leciona que: “a satisfação das necessidades colectivas a cargo do “Estadoprovidência (ou “Estado de bem-estar”) e do “Estado-segurança” (ou “Estado-preventivo”) não se compadece
com um aparelho administrativo dotado de um elemento humano sem qaulificação técnicas ou científicas : as
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Insta ressaltar que a opção política feita por uma forma de recrutamento diverso do
determinado na Carta Constitucional deve ser revista pelo poder judiciário,
invalidando tais atos administrativos e responsabilizando seus agentes. Neste caso,
não se trata de avaliar o mérito da decisão administrativa, mas a sua legalidade, ou
conformação com o bloco legal.
II. O princípio da eficiência e o controle jurisdicional do mérito do ato
administrativo
Locke em sua consagrada obra Segundo Tratado sobre o Governo, Capítulo XIV, já
previa a existência de atos pelo executivo que não estavam previamente
estabelecidos pelo ordenamento jurídico, por ele denominado de prerrogativa. “A
prerrogativa nada mais é senão o poder de fazer o bem público sem se subordinar a
regras”.47
Para o autor, “Muitos assuntos há a que a lei não pode prover por meio algum; e
estes devem necessariamente ser entregues à discrição daquele que tem nas mãos
o poder executivo, para que as regule conforme o exigirem o bem público e
vantagem geral”.48 Conforme assinala Paulo Bonavides, mergulhado no pensamento
de Locke “ o interesse público representa assim a medida da prerrogativa”. 49
A diretriz, que irá nortear as ações do executivo, será sempre o interesse público.
Quando o ato a ser praticado pelo executivo já encontra expressa previsão legal do
seu modus operandi , este deve segui-lo a risca. Vige para a Administração o
princípio da legalidade, ou seja, esta somente pode fazer aquilo que a lei permite. A
ineficiência da ação, neste caso, deve ser imputada, em primeiro, àquele que foi o
responsável pela elaboração legislativa. Nos casos não previstos em lei, em que o
tarefas a cargo do moderno Estado exigem uma Administração especializada.(Paulo Otero, Legalidade e
Administração Pública, Livraria Almedina, Coimbra, 2003.)
47
LOCKE, John. Os Pensadores XVIII: Segundo Tratado sobre o Governo. Capitulo XIV. 1ª edição. 1973.
Editor Victor Civita . São Paulo. Tradução de Anoar Alex. p. 104.
48
Locke, John. Op.cit. p.104.
49
Bonavides, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 4ª edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1980. p.13
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Executivo deve agir, ainda assim, deve ser perquirido sobre a eficiência ou não da
ação, partindo-se do agente que tomou a decisão primeira.
O mérito do ato administrativo ganha nova forma de controle. Antes as decisões
tomadas pelo executivo, que não encontravam eco no ordenamento jurídico, não
eram passíveis de análise pelo poder jurisdicional. Na medida em que o princípio da
eficiência é elevado à categoria de princípio fundamental, este estabelece um novo
modo de ver a administração, permitindo ao poder jurisdicional analisar, também, o
mérito do ato administrativo. Esse é o grande contributo do princípio da eficiência
para a concretização do Estado Social de Direito. Na medida em que se exige mais
eficiência na gestão da coisa pública, por outra via, está a se exigir que se otimizem
recursos humanos e materiais para alcançar
a igualdade material. Temos uma
moeda, em que de um lado exige-se a eficiência e de outro a produção da igualdade
material.
Nesta esteira, toda decisão (vinculada ou discricionária) que não for eficiente na
busca do interesse público, deve ser submetida ao crivo do poder judiciário. E, em
sendo o caso, deve ser declarada inválida e responsabilizado o seu responsável.
Na linha do pensamento de Locke, pode-se dizer que o interesse público representa
assim, também, a medida do princípio da eficiência.
Se a ação executada for mais onerosa para os cofres públicos, mas atender com
maior eficiência o interesse público perseguido, a mesma deve ser reconhecida
como uma ação eficiente.
É preciso traçar um marco delimitador entre eficiência e gasto público. Existe uma
associação mental imediata, quando se fala em eficiência, entre a mesma e
aplicação de recursos. Entende-se na área privada, que quanto menor o
investimento e , via de conseqüência maior lucro, mais eficiência. Entretanto, esta
mesma associação quando transportada para a área pública pode redundar em
conseqüências desastrosas , principalmente para os direitos fundamentais. A
eficiência que se pretende, no meio empresarial, esta diretamente relacionado ao
lucro , que esta mesma empresa irá produzir. Enquanto que, na área pública, o
princípio da eficiência está diretamente relacionado a atender ao interesse público.
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O custo com a execução da ação deve ser sopesado, mas nunca ocupar o ápice da
pirâmide. Ademais, o que se entende por gasto na área privada, muitas das vezes
se traduz, na área publica em investimento. Um “gasto” em educação, não
representa “gasto”, quando se obtém retorno com a mesma. Este
ganha os
contornos de investimento, o que não ocorre na área privada.
Ademais, deve ser registrado, que o interesse público é cambiante de civilização
para civilização, de Estado para Estado, mesmo quando analisado no mesmo
movimento histórico. No Brasil, atualmente, o interesse público se traduz na
consecução dos objetivos da República. São eles, segundo o art. 3º da Carta Maior:
I- construir uma sociedade justa e igualitária; II- garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais; IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, reça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Por esta leitura, vê-se que não haverá uma sociedade justa e igualitária , enquanto
não forem assegurados os direitos fundamentais a todos em condição de igualdade.
Nessa esteira, alargando o campo de exame dos objetivos da República, pode-se
afirmar que o interesse público aqui traduzido como sendo os objetivos da república,
também se identificam com os direitos fundamentais.
Assim, na prática comum dos agentes políticos e
públicos, todas as ações
emanadas do executivo devem ter como parâmetro de decisão um fazer com
eficiência, objetivando a consecução dos direitos fundamentais, em especial , no
atual estágio dos direitos humanos, os direitos fundamentais sociais.
Se o resultado da ação foi eficaz, ou por outras palavras, se o Estado prestacional
atendeu aos objetivos da República, pode-se afirmar que houve eficiência na ação
administrativa. Caso contrário, este ato é passível de ser invalidado de imediato,
responsabilizando-se o agente que deu causa.
Desta forma, com a elevação do
dever de eficiência a categoria de princípio
fundamental , este deixa de ser um dever imperfeito e passa a ser considerado como
um dever perfeito. A previsão constitucional assegura ao poder jurisdicional o
controle sobre o ato administrativo, podendo portanto analisar a legalidade e mérito
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Nícia Regina Sampaio
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da decisão administrativa, atos vinculados e discricionários e, em não sendo a
melhor declarar a sua anulação, com a responsabilização direta daquele ou
daqueles que deram causa ao resultado. Percebe-se que existe uma relação direta
entre a avaliação da eficiência de uma ação e o mérito da mesma ação. Aquelas
ações que já foram contempladas pela norma legal, estabelecendo-se os meios para
a prossecução do interesse geral , também podem ser avaliadas como eficientes ou
ineficientes.Essa avaliação se faz tomando como parâmetro a determinação legal,
trata-se de um ato vinculado. Um exemplo clássico deste modelo é a aplicação
obrigatória por parte da União, de um percentual mínimo para a implementação das
políticas de saúde. A não observância da determinação legal, gera de imediato o
dever de intervenção do poder judiciário, declarando a ilegalidade da decisão
administrativa e responsabilização do agente. Contudo, a dificuldade que se coloca
a frente para a aplicação do princípio da eficiência está em se avaliar o peso e valor
do mérito do ato administrativo. Quando o administrador tem em suas mãos uma
margem de discricionariedade para adotar uma decisão ou outra, para se alcançar o
interesse geral, torna-se mais difícil de se aferir qual dentre as decisões foi a mais
correta. Partindo-se para um exemplo prático, o Prefeito de uma cidade x, precisa
construir uma ponte para atender a uma determinada população. Este pode
contratar diretamente a execução da mão de obra, e com uma coordenação direta
executar a construção. Pode, também, contratar terceiros que executarão a obra a
um custo “x”. Estes podem apresentar ao administrador duas ou mais formas de
execução da obra, incluindo só o fornecimento de mão de obra ou a mão de obra e o
material. Como fica a avaliação pelo controle jurisdicional do ato? Esse somente
poderá aferir a melhor decisão na medida em que tiver em mãos custosxqualidade.
Com esses elementos é possível ao administrador tomar a melhor decisão e,
também, permitir o controle jurisdicional sobre o ato. Entretanto, quando se tem que
tomar decisões genéricas e complexas que irão beneficiar a toda a uma coletividade,
essa aferição é mais difícil, mas não é impossível. Pensando, por exemplo, numa
decisão que tem por objetivo a redução da mortalidade infantil.
Para atender a essa meta mobilizadora deverão ser desencadeadas uma série de
ações para a obtenção do resultado pretendido. Ações que vão desde a seleção de
pessoal até a definição dos meios e métodos a serem utilizados. A melhor decisão
será aquela que num menor espaço de tempo atingir a meta mobilizadora.
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Entretanto, deve ser registrado, ainda, que fatores externos podem surgir, pósdecisão inicial, influenciando no resultado. Este complexo de decisões e fatores que
condicionam o resultado, tendem a dificultar a avaliação da eficiência. No entanto,
se fizermos o caminho inverso, partindo do resultado (eficácia) e seguindo os passos
que foram desencadeados até a emissão da primeira decisão, temos como submeter
ao controle jurisdicional o mérito da ação. Neste caso, considerando a primeira
decisão, como a principal para influenciar o resultado, a sua análise, a priori, é
suficiente para se constatar se o que se buscou com o ato administrativo foi o bem
comum, reflexo do interesse geral, ou o que se buscava era tão somente a
construção de um estado paralelo, para atender a interesses menores e
individualistas.Se o resultado obtido com a ação encontra eco no interesse público,
ou na efetivação dos direitos fundamentais, está ação deve ser declarada eficiente
do ponto de vista da administração, mesmo que para alcançar esse objetivo tenha
que se investir , num primeiro momento mais recursos. Este “gasto” que não é
“gasto”, mas investimento, representará para o futuro uma economia inigualável para
os cofres públicos.
Por tudo o que foi dito, percebe-se que é necessário um cuidado todo especial,
quando fazemos a aplicação de conceitos aplicados na esfera privada para a área
pública, pois os objetivos de um e de outro são diversos e até antagônicos. No
privado temos o benefício, primeiro, do indivíduo, enquanto que, no público temos
como beneficiário, primeiro, toda uma comunidade, depois o indivíduo.
III. Princípio da eficiência e sua hermenêutica
Desde a sua elevação à categoria de princípio constitucional administrativo, o
princípio da eficiência tem sido objeto de estudo por parte dos doutrinadores, a fim
de se estabelecer seu limite e conteúdo.
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Para Hely Lopes Meirelles, o princípio da eficiência corresponde ao dever de boa
administração da doutrina Italiana50, exigindo que a atividade administrativa seja
exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional51. Na linha do pensamento
do autor, não se concebe mais o exercício funcional descomprometido com o
resultado, ou seja, para que o trabalho seja referendado como eficiente é preciso
que exista uma perfeita adequação técnica aos fins visados pelo Estado52.
De outro ponto, José Afonso da Silva chama a atenção para o conceito de eficiência,
dizendo que não se trata de “um conceito jurídico, mas econômico, não qualifica
normas, qualifica atividades”53.
Com a influência das ciências econômicas,
acrescenta o autor que o princípio da eficiência administrativa “consiste na
organização racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para
a prestação de serviços públicos de qualidade em condições econômicas de
igualdade dos consumidores”54.
Partindo de um ponto de vista divergente, Celso Antonio Bandeira de Mello entende
que não há nada para ser dito sobre o princípio da eficiência 55. Acentua o autor que
“trata-se de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluído e de tão
difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao
artigo 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto” 56. E,
mais, “o princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já
superiormente tratado, de há muito, no Direito Italiano: o princípio da “boa
administração”57.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro lembra que o princípio da eficiência apresenta dois
aspectos : “ pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente
público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para
lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar,
50
MEIRELLES, Hely Lopes.op.cit.p.102.
MEIRELLES, Hely Lopes. Op.cit.p.94.
52
neste sentido consultar Hely Lopes Meirelles.op.cit.p.103.
53
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.22ª edição. Malheiros Editores.
Brasil.2003.p.651.
54
SILVA, José Afonso da.op.cit.p.652.
55
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª edição. Malheiros Editores.
Brasil.2003.p.101.
56
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª edição. Malheiros Editores.
Brasil.2003.p.102.
57
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op.cit.p.112.
51
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disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os
melhores resultados na prestação do serviço público”58.
José dos Santos Carvalho Filho, valida a idéia de que a Administração deve recorrer
“à moderna tecnologia e aos métodos hoje adotados para obter qualidade total da
execução das atividades a seu cargo, criando, inclusive, novo organograma em que
se destaquem as funções gerenciais e a competência dos agentes que devem
exercê-las”59. Para o autor existe uma diferença de conceitos entre eficiência,
eficácia e efetivamente que não se deve desprezar. Para este “ a eficiência transmite
sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade
administrativa; a idéia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado,
eficácia tem relação com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no
exercício de seus misteres na administração; o sentido aqui é tipicamente
instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada para os resultados obtidos com as
ações administrativas, sobreleva neste aspecto a positividade dos objetivos”60.
Para Lúcia Valle Figueiredo, na mesma linha de Celso Antonio Bandeira de Mello, “
e de se perquirir o que muda com a inclusão do princípio da eficiência, pois, ao que
se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência
em seus cometimentos”61.
Antonio Carlos Cintra Amaral, ao definir o que se pretende com o princípio da
eficiência, renova o questionamento de Celso Antonio Bandeira de Mello, quando:
”ao dizer-se que o agente administrativo deve ser eficiente, está se dizendo que ele
deve agir, como diz Trabucchi, com a “diligência do bom pai de família”. E aí não há
como evitar uma indagação: se esse é o significado objetivo do princípio da
eficiência, será que foi de alguma utilidade sua explicitação no texto constitucional,
58
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª edição. Editora Atlas S.A.São Paulo.2003.p.83.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ª edição. Editora Lumen Juris.
Rio de Janeiro. 2005.p.18.
60
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op.cit.p.18 e 19.
61
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo.5ª edição. São Paulo. Malheiros
Editores.2001.p.63.(confirmar referência)
59
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ou ele é, como diz Celso Antonio Bandeira de Mello, “ um adorno agregado ao art.
37?”62
Ubirajara Custódio Filho descortina a importância do princípio em estudo para o
fortalecimento do Estado Social, quando confirma que a “Administração Pública
deve atender o cidadão na exata medida da necessidade deste com agilidade,
mediante adequada organização interna e ótimo aproveitamento dos recursos
disponíveis”63.
Na mesma linha, Gustavo Vettorato, conclui que “assim, resta esclarecido que o
princípio da eficiência administrativa, existente a muito antes da Emenda
Constitucional 19/98, deve ser interpretado de forma a abalizar a melhor utilização
dos inputs administrativos (recursos, meios e esforços), bem como, os seus outputs
(resultados). Ou seja, quanto ao princípio da eficiência da Administração Pública,
não deve haver separação da avaliação dos meios e da eficácia dos atos
administrativos, ou sua mesclagem a outros princípios de forma a fazê-lo
desaparecer”64.
Em trabalho publicado na Revista Diálogo Jurídico, Paulo Modesto traz um debate
sobre o princípio da eficiência e apresenta suas conclusões valiosas, nos termos
seguintes :” mas o princípio da eficiência além disso, pode ser percebido também
como uma exigência inerente a toda atividade pública. Se entendermos a atividade
de gestão pública como atividade necessariamente racional e instrumental, voltada
ao servir público, na justa proporção das necessidades coletivas, temos de admitir
como inadmissível juridicamente o comportamento administrativo negligente, contraprodutivo, ineficiente. Não se trata de uma extravagância retórica. Raciocínio
semelhante vem sendo adotado há anos pela doutrina alemã, que chega a afirmar
ser o princípio da eficiência “um princípio constitucional estrutural pré-dado” ou,
62
AMARAL, Antonio Carlos do. Princípio da Eficiência no Direito Administrativo. Revista Diálogo Jurídico,
Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 14, junho-agosto.2002- http://www.direitopublico.com.br.
63
CUSTODIO FILHO, Ubirajara. A Emenda Constitucional nº 19/98 e o Princípio da Eficiência. In Cadernos de
Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo. Revista dos Tribunais,nº27,p.210-217,abr/julh.1999,p.214
Apud Antonio Carlos do Amaral. Princípio da Eficiência no Direito Administrativo. Revista Diálogo Jurídico,
Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 14,junho-agosto.2002-http://www.direitopublico.com.br.
64
VETTORATO, Gustavo. O Conceito Jurídico do Princípio da Eficiência da Administração Pública.
Diferenças com os princípios do bom administrador, razoabilidade e moralidade. Jus Navigandi.
Teresina,a.8,n.176,29
dez
2003.
Disponível
em
«http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4369»acesso20jun2005.
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como parece melhor, uma “decorrência necessária da cláusula do Estado Social” 65.
E, acrescenta, ainda, o mesmo autor, citando o professor João Carlos Gonçalves
Loureiro, “o princípio da eficiência é percebido inclusive como uma decorrência da
idéia de justiça. No seu dizer:”um mínimo de eficiência é uma exigência que integra
a idéia de justiça”66.
Em direção idêntica, Onofre Alves Batista Júnior, identifica o valor da eficiência. Para
este “ a eficiência é um valor em si, no sentido de necessidade permanente da AP
de buscar, de forma mais ampla possível, o bem comum. É o valor que traduz a
necessidade de buscar o melhor interesse público possível, portanto, a face
instrumental da igualdade (material), da justiça social”67.
Para Egon Bockmann Moreira o princípio constitucional da eficiência “ pode ser
compreendido como a necessidade de o ato administrativo atingir e produzir o efeito
útil e adequado, tal como previsto em lei, de forma transparente, moral e
impessoal”68. E mais, “ é um instrumento posto à disposição dos particulares e da
Administração na busca do exercício dos direitos sociais celebrados pela
Constituição Federal. O princípio da eficiência há de ser compreendido como
outorgante de maiores garantias aos administrados (ento e extraprocessuais)”69.
No direito português o princípio da eficiência está presente nos princípios
constitucionais sobre a organização administrativa, ou seja, no princípio da
desburocratização, princípio da aproximação dos serviços às populações, princípio
da participação dos interessados na gestão efetiva dos serviços públicos, princípio
da descentralização e da desconcentração.
João Caupers analisa especificamente cada um dos princípios fundamentais da
organização administrativa pública, contida nos n.ºs 1 e 2 do artigo 267º da CRP,
sintetizando em linhas gerais que : o princípio da desburocratização exige que os
65
MODESTO.Paulo. Notas para um debate sobre o princípio constitucional da eficiência. Revista Diálogo
Jurídico.
Ano
I.
Vol.I.nº2.
maio
de
2001.
Salvador.
Bahia.Brasil.
Disponível
em
http://www.direitopublico.com.br/pdf_2/DIALOGO-JURIDICO-02-MAIO-2001-PAULO MODESTO.pdf
66
LOUREIRO, João Carlos Gonçalves. Procedimento Administrativo entre a Eficiência e a Garantia dos
Particulares : Algumas Considerações. Coimbra.Coimbra Editora,1995.p.147 Apud Paulo Modesto. Op.cit.
67
BATISTA JUNIOR. Onofre Alves. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. Belo Horizonte.
Mandamentos Editora. 2004.p.408.
68
MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo.: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/99.2ª edição.
Malheiros Editores. 2003. Brasil. p. 180.
69
MOREIRA, Egon Bockmann. Op.cit.p.195.
42
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
métodos de trabalho da Administração Pública evitem diligências e formalidades
inúteis e facilitem a vida dos cidadãos; o princípio da aproximação dos serviços às
populações recomenda, não só a instalação física dos serviços públicos em locais
próximos daqueles em que se encontram os destinatários da sua actividade, mas
também que tais serviços sejam integrados por pessoas colectivas públicas de
menor
âmbito
territorial
compatível
com
a
sua
eficiência
(princípio
da
subsidiariedade); princípio da participação dos interessados na gestão efectiva dos
serviços públicos aconselha a adopção por estes de modelos de administração
participativa, designadamente por via da instituição de órgãos representativos de
interesses; princípio da descentralização administrativa determina que os interesses
públicos que a actividade administrativa pública visa satisfazer num determinado
país não estejam somente a cargo do Estado, mas também de outras pessoas
colectivas públicas; o princípio da desconcetração recomenda que em cada pessoa
colectiva pública as competências necessárias à prossecução das respectivas
atribuições não sejam todas confiadas aos órgãos do topo da hierarquia, mas
distribuídas pelos diversos níveis subordinados70.
Da leitura do princípio da desburocratizição e dos demais, vê-se claramente que
estes traduzem, às várias faces exigidas de uma Administração eficiente, suas
qualidades. Para se alcançar uma atuação nomeada de eficiente é preciso que
exista uma atuação desburocratizada, mas planejada; que os serviços estejam
próximos daquele que é o destinatário final; que a população acompanhe e participe
da gestão efetiva dos serviços; que se fundamenta no melhor aproveitamento das
potencialidades humanas, dividindo tarefas e responsabilidades a fim de atender
melhor ao cidadão.
Diogo Freitas do Amaral, associa o dever de boa administração ao princípio da
eficiência, para este “a idéia é, pois, a de que a actividade administrativa deve
traduzir-se em actos cujo conteúdo seja também inspirado pela necessidade de
satisfazer da forma mais expedita e racional possível o interesse público
constitucional e legalmente fixado”71
70
CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo. 6ª edição. Editora Âncora. Lisboa. 2001.p.133/135.
AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. V.II. 2º Reimpressão. Editora Almedina.
Coimbra.2003.p.38.
71
43
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Por tudo o que foi dito, pode-se concluir que eficiência é uma qualidade inerente a
pessoa humana, que realiza suas atividades da melhor maneira possível,
fundamentada em um bom planejamento. Na área pública, eficiente é aquele que
executa bem a tarefa de prossecução do interesse público e obtém a satisfação do
bem comum. Com uma ação eficiente produz um resultado eficaz.
Nesta seara, conforme já assinalado neste trabalho, o princípio da eficiência ao ser
elevado à categoria de princípio constitucional atinge o seu mais alto grau normativo,
passando a exigir de todos os que atuam na Administração Pública, não só, uma
atuação que se coadune com o bloco legal, a moralidade, a publicidade, a
impessoalidade, mas que gerencie a coisa pública com o maior zelo possível,
usando todos recursos disponíveis de forma a alcançar o interesse público pelos
meios mais eficazes.
Desta forma, divergindo daqueles que consideram o princípio da eficiência uma
redundância no texto constitucional, e acompanhando o entendimento do Professor
Paulo Modesto, o qual cita a doutrina alemã, vê-se que este, ao contrário, é “um
princípio constitucional estrutural pré-dado”, “uma decorrência necessária da
cláusula do Estado Social”. Ou, ainda, no dizer de João Carlos Gonçalves Loureiro “
um mínimo de eficiência é uma exigência que integra a idéia de justiça”.
Na linha do tema objeto de estudo, pode-se aferir que não há Estado Social, onde
não se produza uma prestação de serviços e ações de saúde com qualidade para
todos. A eficiência da Administração Pública é condição essencial para que se
obtenha a paz e justiça social.
A eficácia, na área da saúde, se traduz na realização do interesse público.
Entretanto, esta não acontece, se o interesse que move cada agente público não
vier revestido da plena consciência do fazer com eficiência. Se cada um tiver pleno
conhecimento de suas responsabilidades, ou seja, souber a resposta certa para o :
Quando fazer?, Quem deve fazer?Como fazer?Qual a melhor forma de fazer?, por
certo a eficácia ocorrerá. Neste particular, chama-se a atenção, uma vez mais, para
a responsabilidade maior daquele que decide e elabora o planejamento que será
executado por todos. A eficiência deste agente é fator determinante para se obter a
eficácia, resultado positivo.
44
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
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Todos, indistintamente, são importantes no processo da construção da saúde
pública para todos, entretanto, não se pode olvidar que aqueles que elaboram o
planejamento macro, exercem o papel de escritor da história. Todo o grupo pode ser
eficiente no seu exercício público, mas podem estar guiados por planejamentos
falhos. Desta forma, a eficiência ou ineficiência daquele que estabelece os rumos da
história pode comprometer a eficiência de todo um grupo.
Daí a importância de se escolher líderes, que tenham uma formação moral e
profissional a melhor possível. Isto vale para todos aqueles que assumem posições
de comando.
Na linha do pensamento fundado, Onofre Alves Batista Junior lembra, também, que
“freqüentemente, boas alternativas de prossecução do bem comum, boas idéias,
bons planos são inviabilizados pela falta de pessoal qualificado nos quadros do
serviço público, apto a dar realização à boa sistematização dos interesses
coordenados. Da mesma forma, a própria atuação dos agentes pode ser
insuficientes para que os objetivos firmados possam conduzir à melhor persecução
do bem comum”72.
Do mesmo, modo, Paulo Otero sentencia que “verifica-se, num outro sentido, que a
satisfação das necessidades colectivas a cargo do “Estado-providência” (ou “Estado
de bem-estar”) não se compadece com um aparelho administrativo dotado de um
elemento humano sem qualificações técnicas ou científicas: as tarefas a cargo do
moderno Estado exigem uma Administração especializada”.
O que nos leva a considerar que para se alcançar uma Administração conceituada
de eficiente, é preciso o investimento em recursos humanos qualificados, ou seja, 1através de um processo de seleção, que garanta o acesso aos quadros da função
pública dos melhores profissionais do mercado, não por apadrinhamento; 2- a
adoção de um plano de carreira , cargos e salários que valorize a potencialidade
humana de cada um;3- um programa de capacitação permanente, aumento do ativo
do conhecimento; 4- a oferta de condições ideais de trabalho, evitando-se o
vazamento do ativo do conhecimento. Somente assim, teremos um recursos
humanos (Humanware) eficiente, produzindo Software e Hardware eficazes.
72
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Op.cit. 219.
45
Nícia Regina Sampaio
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Em outras palavras, para que o Estado Providência alcance os fins para o qual foi
instalado, depende da colaboração de agentes públicos eficientes. Para se atingir a
eficiência desejada, estes agentes devem saber responder aos questionamentos
que formulamos e colocar em prática às suas respostas, ou seja : 1- O que é ser
eficiente? Ser eficiente é escolher dentre as opções presentes a que melhor atende
ao interesse público, traduzido em economicidade de recursos, tempo e satisfação
do cidadão-cliente; 2- Como ser eficiente? Conhecendo bem a sua área de
competência e estabelecendo um planejamento para melhor atingir o resultado; 3Quando ser eficiente? Sempre, a fim de atingir a justiça e a paz social;4- Por que ser
eficiente? Porque a eficiência na atuação do agente administrativo se traduzirá em
valores positivos para a sociedade, agregando qualidades ao bem comum, que se
reverterá em benefícios de todos, inclusive daquele que executou a ação. A quem
compete ser eficiente? A todos os agentes públicos, indistintamente.
IV. Um olhar da ciência da administração sobre o princípio da eficiência
Na ciência da administração várias teorias foram construídas tentando melhorar a
capacidade de administrar do ser humano, ser mais eficiente. Em 1903 surgiu a
Teoria da Administração Científica que teve em Taylor o seu precursor, começou
com ênfase nas tarefas73. Em seguida, em 1909 e 1916 surgem as Teorias da
Burocracia e Clássica, respectivamente capitaneada por Weber e Fayol, com ênfase
para a estrutura74.Com ênfase nas pessoas, nascem as teorias Estruturalista,
Comportamental e do Desenvolvimento Organizacional75. Na mesma linha, já em
1951 emerge a teoria dos sistemas, complementada pela teoria da contingência, que
colocava em relevo o ambiente76.
Todas as teorias, não obstante colocarem em destaque algum aspecto essencial da
arte de administrar, que refletia uma necessidade de seu tempo, teve e tem
73
Cfr. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração.6ª edição. Editora Campos. Rio
de Jeneiro.Campus.2000.p.8.
74
sobre o tema consultar Idalberto Chiavenato.op.cit.p.8.
75
cfr. Idalberto Chiavenato.op.cit.p. 8.
76
Cfr. Idalberto Chiavenato.op.cit.p.8
46
Nícia Regina Sampaio
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importância para aqueles que assumem cargos de administrador, seja na esfera
pública ou privada.
Idalberto Chiavenato conclui que “todas as teorias administrativas são aplicáveis às
situações atuais, e o administrador precisa conhecê-las bem para ter à sua
disposição um naipe de alternativas adequadas para a situação”77
Conforme conceitua o autor já mencionado, o administrador é um agente “ não só de
condução, mas também de mudança e de transformação das empresas, levando-as
a novos rumos, novos processos, novos objetivos, novas estratégias, novas
tecnologias e novos patamares...”78
Para Henri Fayol “Administrar é prever, organizar, comandar, coordenar e controlar.
Prever é perscrutar o futuro e traçar o programa de ação. Organizar é constituir o
duplo organismo, material e social, da empresa. Comandar é dirigir o pessoal.
Coordenar é ligar, unir e harmonizar todos os atos e todos os esforços. Controlar é
velar para que tudo corra de acordo com as regras estabelecidas e as ordens
dadas”79
Idalberto Chiavenato complementa acentuando que “a Administração não é um fim
em si mesma, mas um meio de fazer com que as coisas sejam realizadas da melhor
forma, com o menor custo e com a maior eficiência e eficácia”80. E, acrescenta que
“eficiência significa fazer as coisas bem-feitas e corretamente de acordo com o
método pré-estabelecido. A eficiência corresponde a 100% do tempo padrão
estabelecido pelo estudo do tempo e movimento”81.
Todos tem um papel preponderante na construção da eficiência em qualquer área,
entretanto, àqueles a quem foi incumbida a tarefa de administrar cabe um papel de
protagonista. Se o princípio da eficiência vale para todos, muito mais, vale para
aqueles que devem administrar. Na área pública, este é o maior obstáculo. A
mudança constante dos cargos de comando, associado a falta de conhecimento dos
77
CHIAVENATO.Idalberto. op.cit.9.
CHIAVENATO.Idalberto.op.cit.p.11.
79
FAYOL.Henri. Administração Industrial e Geral: previsão, organização, comando, coordenação, controle.
Henri Fayol (tradução para o português de Irene Bojano e Mário de Souza).10ª edição. São Paulo.
Atlas.1989.p26.
80
CHIAVENATO. Idalberto. Op.cit.p.11.
81
CHIAVENATO.Idalberto.op.cit.p.80.
78
47
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agentes que ocupam estes cargos contribui para a ineficiência na prestação dos
serviços e ações de saúde dentre outros serviços públicos.
Fayol registra que “ a instabilidade ministerial é uma praga para o país. No dia em
que a opinião pública capacitar-se disso, os partidos, sabendo que esse jogo se
tornou perigoso, a ele não se entregarão tão afoitamente como agora”82
O mesmo autor, ao escrever sobre a função do Estado na formação administrativa
dos cidadãos e quanto aos exemplos que tem dado, conclui que “ o sistema de
recrutamento atual conduz freqüentemente ao poder homens estranhos aos
negócios e não preparados ou apenas insuficientemente preparados para as difíceis
funções em que foram de repente investidos”83
Verifica-se que na Administração Pública procuramos homens eficientes, mas não
nos preocupamos em formar homens eficientes. O Primeiro passo para se alcançar
uma administração eficiente passa pela formação acadêmica e depois pela forma de
seleção de pessoal. Se fizermos a opção pelo nepotismo, apadrinhamento já
estaremos traçando os passos de uma administração ineficiente. Se o funcionário
selecionado para o cargo não possui um mínimo de conhecimento, não adiantará o
investimento em capacitação. É jogar dinheiro fora. O pré-requisito para seleção de
pessoal na área pública deve ser um concurso público sério, que encerre em seu
conteúdo um máximo de conhecimento necessário para o bom exercício da
profissão. Selecionado o corpo funcional deve ser oferecido, como condição para
progressão na carreira, capacitação permanente do quadro. Da mesma forma, para
se alcançar eficiência no trabalho é preciso contar com instrumentos eficazes de
trabalho. Isto em se tratando de execução do trabalho. Um elemento dotado de
conhecimento alcançará eficiência quando: 1- for estimulado pela promoção na
carreira, através da
capacitação;2 -
medição de seu desempenho e pela busca constante
de
receber instrumentos eficazes de execução, associado a uma
coordenação dos serviços planejada e preparada para se alcançar os melhores
resultados. Daí a importância do planejamento. Aquele que detém o poder de
direção, que planeja os passos em que serão desenvolvidas as tarefas, executa um
papel essencial para a obtenção da eficiência.
82
83
FAYOL, Henri.op.cit.p.77.
FAYOL,Henri.op.cit.p.120.
48
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No mesmo sentido, Frederick W. Taylor, ao apresentar os fundamentos para a
Administração Científica lembra que “... que a administração deve planejar e
executar muitos dos trabalhos de que até agora têm sido encarregados os operários;
quase todos os atos dos trabalhadores devem ser precedidos de atividades
preparatórias da direção, que habilitam os operários a fazerem seu trabalho mais
rápido mais rápido e melhor do que em qualquer outro caso. E cada homem será
instruído diariamente e receberá auxílio cordial de seus superiores, em lugar de ser,
de um lado, coagido por seu capataz, ou em situação oposta, entregue à sua própria
inspiração”84.
Ainda, Idalberto Chiavenato sentencia “seja nas indústrias, comércio, organizações
de serviços públicos, hospitais, universidades, instituições militares ou em qualquer
outra forma de empreendimento humano, a eficiência e eficácia com que as pessoas
trabalham em conjunto para conseguir objetivos comuns depende diretamente da
capacidade daqueles que exercem função administrativa” 85
Na prestação dos serviços e ações de saúde, o Estado Administração não pode agir
no amadorismo, vamos fazer para depois ver se vai dar certo. Os recursos públicos
são escassos, as necessidades sociais múltiplas. Somente administradores
eficientes serão capazes de produzir ações eficazes.
No mesmo sentido, Idalberto Chiavenato leciona que “ como o administrador não é
executor, mas o responsável pelo trabalho dos outros, ele não pode cometer erros
ou arriscar apelando para estratagemas de ensaio-e-erro, já que isso implicaria
conduzir seus subordinados pelo caminho menos indicado”86. Os instrumentos de
planejamento na área da saúde já foram construídos, fundamentados na prática do
fazer saúde, não há mais motivos para a desassistência daqueles que recorrem ao
serviço público em busca da manutenção da vida.
Se quisermos implementar uma Administração Pública fundada nos valores do
princípio da eficiência, deve ser do conhecimento daqueles que administram a coisa
84
TAYLOR. Frederick W. Princípios de Administração Científica. Editora Atlas S.A.São Paulo. 1995.p.34.
CHIAVENATO.Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração.6ª edição. Editora Campos.Rio de
Janeiro: Campus,2000,p.5.
86
CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª edição. Editora Campos. Rio de
Janeiro: Campus, 2000,p. 11.
85
49
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pública a teoria geral da administração , como, por exemplo, o modelo de
administração científica construído por Taylor, assim sintetizado:
1- Ciência, em lugar de empirismo;
2- Harmonia, em vez de discórdia;
3- Cooperação, não individualismo;
4- Rendimento máximo, em lugar de produção reduzida;
5- Desenvolvimento de cada homem, no sentido de alcançar maior eficiência e
prosperidade87.
E, acrescenta o autor “é chegada à época de tudo o que é grande ser feito pelo
sistema de cooperação, na qual cada homem realiza o trabalho para que está mais
bem aparelhado, conserva sua personalidade própria, é excelente nas suas funções,
não perde sua capacidade criadora ou iniciativa pessoal; contudo é orientado e
trabalha em harmonia com muitos outros homens”88.
Na área pública no Brasil, infelizmente, conforme já registrado, a cada nova eleição,
há uma quebra no planejamento e metas da Administração Pública. Cada partido
eleito quer implementar as suas próprias metas e colocar nos cargos de direção os
companheiros de partido. Estes na maioria das vezes, se mantém alheios a toda a
construção do interesse público, assumindo os cargos, para de alguma forma tirar
proveitos pessoais. Há um loteamento dos altos cargos públicos, exatamente
daqueles que exercem o papel principal para se alcançar a eficiência. Não planejam,
desconhecem os instrumentos de planejamento,promovem uma desordem e
ineficiente, o recurso público vai para o ralo. Associado a isto, temos a contratação
temporária, que deveria ser uma exceção e passou a ser a regra. Ou seja, forma-se
uma cadeia de desmando, primeiro o político eleito, seja no executivo ou legislativo,
indicam os apadrinhados que ocuparão os cargos de chefia, depois,
estes
apaniguados indicam os cabos eleitorais e seus comparsas para figurarem como
87
88
TAYLOR. Frederick W. Princípios de Administração Cientifica. Editora Atlas S.A.São Paulo.1995.p.101.
TAYLOR. Frederick W. Princípios de Administração Científica. Editora Atlas S.A. São Paulo. 1995.p.101
50
Nícia Regina Sampaio
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servidores públicos. No fim da cadeia de desmandos o cidadão que paga impostos e
perece por desassistência do Estado Administração.
No mesmo caminho Jairnilson Silva Paim lança o questionamento: “ como pensar
em Sistema Único de Saúde predominantemente público, garantindo a qualidade e a
continuidade da atenção, se a cada mudança de gabinete ou de auxiliares de
governadores e de prefeitos substituem-se chefes e chefetes e até mesmo o
funcionário que serve o cafezinho?”89
O caminho para eficiência passa obrigatoriamente por estancar essa ferida aberta
nos quadros da função pública .Para os cargos de direção devem ser indicados
técnicos dotados de alto conhecimento científico para coordenarem os trabalhos da
forma mais eficiente possível. Não se pode permitir que um
cargo como o de
Secretário de Saúde seja ocupado por pessoas que nunca militaram na área da
saúde, que desconhecem os conteúdos essenciais desta área, como tem acontecido
no Brasil. “A legislação deve especificar, com os detalhes pertinentes, o perfil dos
ocupantes de cargo dirigente do SUS em todos os níveis de governo e vinculá-lo à
carreiras específicas”90. De outro ponto, deve-se obedecer ao princípio da legalidade
e realizar concurso público para cargos efetivos da Administração Pública.
É preciso, na linha do pensamento de Taylor, a fim de se alcançar, na área da
saúde, o tudo para todos, que exista um trabalho orientado e movido em sistema de
cooperação.
Afinal como sintetiza Fayol, não adianta a existência dos princípios, ou como o do
estudo, o princípio da eficiência pois “sua luz, como a dos faróis, não guia senão
aqueles que conhecem o caminho do porto. Um princípio, sem o meio de pô-lo em
execução, carece de eficácia”91.
89
PAIM, Jairnilson Silva. Saúde, Política e Reforma Sanitária. Jairnilson Silva Paim. Salvador. BA.2002.p.211.
PAIM,Jairnilson Silva.op.cit.p. 211.
91
FAYOL, Henri. Op.cit.p.38.
90
51
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CAPITULO III
O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NO DIREITO COMPARADO
O objetivo do estudo do princípio da eficiência no direito comparado é contribuir
para uma melhor hermenêutica dos operadores do direito no que tange a aplicação
da lei aos casos concretos, bem como, contribuir com aqueles a quem a lei incumbiu
o dever de planejar, direcionar e executar tarefas em favor da coletividade. Cumpre,
entretanto, antes de adentrar no tema especifico do trabalho, trazer a colação os
sistemas administrativos adotados e dados estatísticos gerais, comparativos dos
países selecionados, antes de fazer o cotejo entre o princípio da eficiência exercido
por estes e o pelo Brasil. Neste mister, insta ressaltar, que optamos por estudar o
princípio ora em relevo, num país que adotou o sistema anglo-saxônico, os Estados
Unidos da América, tal qual o fez o Brasil, traçando o atual quadro da função pública
naquele país, bem como,
a prestação dos serviços e ações de saúde (estado
prestacional) e um país que incorporou o sistema romano-germânico, ou seja,
Portugal.
Conforme já salientado, deve preceder ao estudo comparado, um delineamento da
posição do país selecionado, em termos territorial, populacional, econômico e
político, uma vez que, estes dados serão determinantes das opções políticas a
serem feitas, da elaboração legislativa levada a cargo da função legislativa e, via de
conseqüência do fazer com eficiência. Na área da saúde, cabe registrar que “ os
níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do
país”, conforme registrado no art.3º da Lei nº 8.080/90. Neste sentido, usando dados
52
Nícia Regina Sampaio
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do IBGE, datados de 2003, traçamos um estudo entre o Brasil, Portugal e Estados
Unidos da América, identificando gasto público per capita/ano(dados do Bird e da
OMS para o ano de 2000), população, renda per capita, escolaridade, mortalidade,
IDH e Expectativa de vida ao nascer, a fim de visualizar os níveis de saúde da
população, através da organização social e econômica de cada país.
Cumpre registrar que no Brasil, apesar da Constituição Federal de 1988 definir para
a saúde o mínimo de 30% do orçamento da Seguridade Social, excluído o segurodesemprego, o que implicaria num montante de recursos para o ano de 2005 em
torno de R$ 70 bilhões, foi realmente destinado no orçamento do Ministério da
Saúde em 2005 R$ 39,2 bilhões92. “Nos países desenvolvidos, dos gastos totais com
saúde, 70% são recursos públicos. No Brasil 15 anos após a criação do SUS, o total
de gastos públicos chega a 45% dos recursos totais para a saúde”93.
População
Renda per
Escolaridade
Mortalidade
IDH
capita
Expect.
vida ao
nascer
Brasil
EUA
Portugal
176,3
7770
0,88
36
0,775
68
291
35750
0,97
08
0,939
77
10
18280
0,97
0,897
76,1
per
One of the three
Under-five
(PPP
indices on which
mortality rate
the
(per
1,000
development
live
births)
(gross
index is built. It is
The
domestic
based
probability of
product) and
adult literacy rate
dying
PPP
and
between birth
GDP
capita
US$)
/
(HDI)
See GDP
(purchasing
human
on
the
the
combined
gross
enrolment
ratio
and
exactly
five years of
92
dados coletados do texto Autogestão em Saúde no Brasil : 1980-2005: história da organização e consolidação
do setor: São Paulo: Unidas - União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, 2005.p.21
93
Autogestão em Saúde no Brasil: 1980-2005: história da organização e consolidação do setor : São Paulo :
Unidas – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde.2005.p.21.
53
Nícia Regina Sampaio
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power
for
parity).
secondary
primary,
tertiary
For
and
schools.
details
on
age,
expressed
per 1,000 live
births.
how the index is
calculated,
see
Technical note 1.
http://hdr.undp.org/statistics/data/index_countries.cfm#U
Após desenhar o quadro comparativo dos países, no que tange
aos dados
identificados pela pesquisa empírica, como responsáveis diretos ou indiretos pela
transmudação, para a função legislativa do Estado-coletividade dos valores a serem
defendidos, respeitados e prestados pela função administrativa, bem como, a sua
importância na opção a ser levada a efeito pela função política
e a sua real
influência na eficácia daqueles que atuam com eficiência, passamos a examinar o
princípio
da
eficiência
no
direito
administrativo
e
constitucional
destes
países,lembrando sempre que estes integram a denominada família capitalista.
I.
O princípio da eficiência no direito americano
Antes de adentrar especificamente no conceito e aplicação do princípio da eficiência
pela Administração Pública nos Estados Unidos da América, deve ser registrado que
este, tal qual o Brasil, adotou o sistema anglo-saxônico de administração, com as
seguintes características fundamentais, conforme lição do Professor Doutor Marcelo
Rebelo de Sousa:
1)- submissão da Administração Pública ao Direito Comum, como qualquer cidadão;
54
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
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2)- em conformidade, necessidade de, tal como qualquer particular, a Administração
Pública não poder definir e sobretudo executar as suas decisões que atinjam
particulares senão mediante permissão dos tribunais;
3)- decorrente sujeição aos tribunais comuns;
4)- natureza de plena jurisdição da intervenção destes na garantia dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos particulares perante a Administração Pública;
assim, os particulares dispõem de meios jurisdicionais contra a Administração
Pública de eficácia jurídica
similar a todos quantos lhes são reconhecidos nas
relações com os seus concidadãos.
Os Estados Unidos da América aderiu ao princípio da separação de poderes,
idealizado por Montesquieu, deliberou por formar um Estado Federado e traçou
como sistema político o presidencialismo.
O Estado Federado tem como fundamento o direito constitucional e apresenta como
característica “um Estado soberano, formado por uma pluralidade de Estados, no
qual o poder do Estado emana dos Estados-membros, ligados numa unidade
estatal”.94 Associado ao Estado Federado, tem um sistema presidencialista, no qual
o Presidente da República é o “chefe supremo do Exército e da Marinha dos Estados
Unidos, e também da milícia dos diversos Estados, quando convocadas ao serviço
ativo dos Estados Unidos”95. O sistema político adotado pelos Estados Unidos da
América, segundo Wilfried Rohrich, caracteriza-se pelos seguintes traços: 1Liderazgo del ejecutivo unido a la persona del presidente (secretários);2- Los
secretarios (directores de los Departmentos) y las agencias ejecutivas están
supeditadas al presidente. En la práctica el presidente puede tomar todas las
decisíones
en
contra
de
sus
ministros;3-
Incompatibilidade
entre
cargos
gubernamentales y parlamentarios;4- Responsabilidad constitucional del presidente.
A ello se añada la possibilidad de procesamiento (impeachment) por la traición,
corrupción,etc;5- Las iniciativas legislativas del presidente sólo pueden presentarse
al Congreso de forma indirecta,através de diputados que le sean próximos; 6- El
94
G. Jellinek. Allgemeine Staatslehre, 3ª ed.,p.769 Apud Paulo Bonavides. Ciência Política. 10ª edição.
Malheiros Editores. 2003.p.179.
95
Constituição dos Estados Unidos da América, Seção 2º.
55
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partido representa un aparato unitário de acción en la medida en que existan
puestos políticos vacantes.
Vê-se que o sistema político Estadunidense,caracterizado pela centralização do
exercício do poder executivo na pessoa do presidente, traça um diferencial no que
tange a eficiência da administração, uma vez que, este enquanto chefe maior da
administração não compartilha suas opções políticas com o parlamento, e ainda, fica
a seu cargo a nomeação e exoneração de milhares de empregos federais, dentre
eles, em especial daqueles que irão responder pelos mais altos cargos da função
pública. “Essa massa de empregos, a serem distribuídos politicamente em cada
renovação do poder, fortalece de maneira considerável, pelo lado interno, a
autoridade do presidente, o prestígio material de sua função”. 96 Beneficia
diretamente ao eleito, aos integrantes do partido vencedor, aos amigos do “rei”,
sendo questionável a qualidade e eficiência de suas ações em defesa do interesse
público, na medida em que o critério de escolha não é feito tomando por base o
princípio da igualdade entre os que estão em condição de livremente concorrerem
ao cargo (especialização administrativa), bem como, sua qualificação profissional,
associado
à transitoriedade no exercício da função (vazamento do ativo de
conhecimento). Chama a atenção,também, que ao tempo em que o sistema anglosaxônico de administração, adotado pelos Estados Unidos da América, evidencia
como traço essencial o controle da sociedade civil sobre o poder político do Estado,
e pela submissão deste
ao Direito Comum e Tribunais Comuns97, de outro ponto,
denota uma supremacia da Administração Pública sobre os cidadãos98. Existe
96
Bonavides, Paulo, op.cit. p. 299.
Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, in Lições de Direito Administrativo. Lisboa. 1994/5.p.32.
98
Neste sentido, John Clarke Adams (El Derecho Administrativo norteamericano). Buenos Aires: Editora
Universitária de Buenos Aires, 1964,p.36. Apud Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. 15ª
edição. Editora Atlas S.A. São Paulo. 2003. p.38/39) traça uma comparação entre o conteúdo do Direito
Administrativo norte-americano e o dos direitos francês e italiano, ressaltando as seguintes diferenças quanto ao
primeiro: a) a doutrina norte-americana da separação de poderes está fundada em critérios funcionais, em
decorrência dos quais a Administração Pública deve limitar-se a exercer funções administrativas, não podendo
assumir funções jurisdicionais, como a que exerce o Conselho de Estado francês;b) falta, no direito norteamericano , o conceito de interesse legítimo que delimita, na Itália, as competências do Conselho de Estado e da
magistratura ordinária;c) a doutrina norte-americana da judicial supremacy dá aos tribunais ordinários um poder
genérico de controle sobre qualquer ato administrativo, por questões de legalidade, sempre que um particular
tenha um direito de ação garantido pelo common law ou pelas leis;d) a doutrina da irresponsabilidade do Estado
no commom law opõe-se à da responsabilidade no direito francês e italiano; e) é limitado o uso da execução
forçada no direito norte-americano, onde, a não ser em casos excepcionais, em que o interesse coletivo esteja em
perigo, a execução dos atos da Administração depende de autorização dos tribunais; f) falta um regime jurídico
de emprego público nos Estados Unidos; g) inexiste um corpus de jurisprudência administrativa; h) é escasso o
desenvolvimento e importância da doutrina no direito anglo-americano;i) a predominante posição da
97
56
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contradição estruturante entre o sistema político adotado por este e o sistema de
administração incorporado. A escolha por um Estado Federado, partindo-se da idéia
de descentralização do poder, permitindo uma maior autonomia dos Estadosmembros, também leva a questionamentos frente a atual posição do presidente do
Estados Unidos , que como bem asseverou o Constitucionalista Brasileiro Paulo
Bonavides, “é virtualmente um “ditador constitucional” que o presidencialismo do
nosso século instituiu”. Acrescenta, ainda, o autor que este “é o responsável direto
pela nomeação de milhões de funcionários públicos e pela execução orçamentária
que se aproximam de meio trilhão de dólares”.Um outro fator que evidencia uma
contradição entre a coexistência do sistema anglo-saxônico, num Estado Federado,
com uma opção pelo regime presidencialista é a concentração de recursos
financeiros na administração federal. A idéia de Estado Federado é aproximar o
cidadão
dos serviços públicos prestados no Estado prestacional, através da
descentralização e desconcentração. Para que Estados-membros como nos Estados
Unidos da América, e Estados-membros e municípios no caso do Brasil, possam
prestar com mais eficiência ações e serviços, como o caso da saúde, precisa de um
maior aporte de recursos financeiros. Entretanto, o que se vê é uma concentração
de poderes e recursos pela Administração Central, com a descentralização dos
serviços99. Assim,a arrecadação feita também pelos Estados-membros, em sua
grande maioria vai para o cofre federal, que depois devolve aos cofres dos estados e
municípios de acordo com as regras estabelecidas pelo próprio Estado Federal. Este
fica com a responsabilidade de regular e financiar, como no Brasil, não executando
diretamente serviços, mas concentra a maior fatia da renda.
jusrisprudência no Direito Administrativo norte-americano leva a um método de ensino universitário diverso,
baseado quase só em textos de decisões judiciais.
99
Acrescenta-se, ainda, o entendimento de Jean Jacques Rousseau, in Contrato Social, Livro II, Cap.IX,p.58,
quando diz que um Estado pequeno é proporcionalmente mais forte que um maior. E mais, a administração é
mais penosa nas grandes distâncias, como um fardo se torna mais pesado na extremidade de uma alavanca.
Torna-se mais onerosa à medida que os graus se multiplicam, porque então, cada cidade tem, naturalmente, a
sua, que o povo paga. A sua, cada distrito, pago também pelo povo. Depois cada provincia, após grande s
governos, as satrapias, vice-reinados,etc., que se pagam mais caros à medida que ascendem em importância,
sendo necessário sustentar a expensas do desgraçado povo. Tantas cargas agravam os súditos que, longe de
serem governados por essas instituições, estão em piores condições que se fosse uma só. Apemas restam
recursos para casos excepcionais, e quando recorrem a eles, o Estado já está em véspera de ruína.Isso não é tudo.
Não somente o governo tem menos vigor e rapidez para fazer cumprir as leis, impedir verames, corrigir os
abusos e prever as sedições que possam manifestar-se em lugares afastados, mas também o povo tem menos
estima aos seus chefes, nunca vê a pátria, que é aos seus olhos como o mundo, nem aos seus concidadãos, dos
quais o maior número lhe são estranhos. As próprias leis não podem servir às diversas províncias que têm
costumes diferentes, que vivem sob climas diversos e que não podem ter idêntica forma de governo.
57
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“Nos Estados Unidos, segundo refere Durand, ocorre o mesmo desequilibro entre os
recursos federais e os recursos estaduais, estimando-se que dos 55 bilhões de
dólares de despesas públicas, em 1948, 48 bilhões foram empregados pelo Estado
federal”.100 A contradição entre o sistema administrativo adotado e o atual modelo de
administração americana revela um novo sistema de administração bem diferente do
inicial, o qual não conferimos nenhum nome em especial101. Tem-se hoje um Estado
típico regulador, que deixou de ser um Estado providência,
basta, para tanto,
analisar o atual funcionamento do sistema de saúde americano. Este garante acesso
aos serviços de atenção à saúde para grupos sociais classificados como
hipossuficiente, devendo “a população economicamente ativa com condições de
autofinanciamento adquire os serviços junto ao poder privado. A participação do
Estado na regulamentação se reduz a garantir aos consumidores a sustentabilidade
financeira dos planos de seguro”102. Os planos de saúde trabalham com cada
indivíduo, atendendo quando se inverte o estado de saúde para o estado de doença,
atuando o Estado apenas como órgão-regulador103. As medidas de cunho
preventivo, afetas a área da saúde, entretanto, que atingem a toda a comunidade
devem ser adotadas pelo Estado. Tem-se como medidas de cunho preventivo, todas
aquelas que incidem sobre o modo de vida da pessoa e que refletem diretamente
em sua qualidade de vida, indo desde o equilíbrio do meio ambiente até o
desenvolvimento de atividades físicas regulares. Para uma avaliação da eficiência
dos serviços e ações de saúde no sistema americano, tem que se estabelecer,
obrigatoriamente uma distinção entre a prestação curativa, através da prestação de
serviços médicos e hospitalares, uma vez que estes não são prestados diretamente
pelo Estado, mas terceirizados, e as ações de cunho preventivo que visam a atender
a toda a coletividade. Quanto a prestação dos serviços de saúde, na área curativo,
100
Durand, Charles,” L’État Féderal”, in Le Fédéralisme,p.213. Apud Paulo Bonavides,op.cit.p.190.
crf. Ensina Juan Alfonso Santamaria Pastor existe um “direito administrativo subterrâneo” que, vivendo ao
lado do designado “ direito administrativo oficial, é composto por regras e principios opostos aos que
caracterizam tradicionalmente o Direito Administrativo. (Juan Alfonso Santamaria Pastor, Fundamentos de
Derechos Administrativos, I, 1º, Reimp.Madrid. 1991,p.172. Apud Paulo Otero,op.cit.p.109.
102
dissertação de mestrado, O Sistema de Saúde Americano.
103
Neste sentido, Luiz Fernando Nicz, em artigo publicado na Revista : Médico, HC-Fmusp, ano 1 nº 2maio/junho/98,p.96-105, também, assim se pronunciou : Os Estados Unidos, no entanto, o país capitalista por
definição, organizou o seu Sistema de Saúde com mínima participação estatal direta: conceituados como bens de
consumo, serviços de saúde passaram a ser adquiridos livremente dos prestadores (a maioria privados), por meio
de seguradoras existentes no mercado. Apenas aqueles que não conseguem adquirir serviços de saúde no
mercado, recebe-os através do Governo. Assim, nos Estados Unidos, há uma função genérica de regulamentação
desempenhada pelo Governo, mas há regulamentações específicas por parte de empresas privadas operadoras de
seguros e planos de saúde e do próprio Governo, e as funções clássicas de financiamento, administração e
prestação dos serviços são predominantemente privadas.
101
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deve ser registrado o que pensam os Líderes e Economistas Americanos que
participaram do Simpósio de Curitiba, em que foi avaliado o gerenciamento dos
custos na assistência à saúde nos EUA. Para estes, “ o sistema de saúde NorteAmericano é perigosamente disfuncional e está deteriorando”. “Nós temos que
reformar o sistema de assistência à saúde nos EUA. Nós temos que construir um
sistema de assistência à saúde moderno, inovador, que dê aos pacientes mais
opções de menos regras, e que fortaleça o relacionamento médico-paciente”104. O
sistema privado de assistência à saúde adotado nos EUA, tal qual, em outros
países, visa , em primeiro lugar, o lucro em sua atividade comercial. O que se
evidencia a prima facie, quando se coloca um plano de saúde no mercado de
consumo é rentabilidade que este pode trazer para os seus proprietários e, em
segundo lugar, quiçá numa escala até inferior, o direito fundamental à vida ou à
saúde. Nessa regra de mercado em que cada um quer uma fatia maior do mercado,
como fica a vida humana ? A eficiência praticada por aqueles que gerenciam o
sistema privado de assistência a saúde, será sempre direcionada para a produção
de resultados que primeiramente atendam a missão da empresa. O ser humano que
adere ao plano de saúde privado é tido, prioritariamente, como um número, que
somado a outros se traduzem em cifras interessantes para o mercado. A eficiência
do Estado Americano no que tange a garantia do direito à saúde fica
comprometida105. A adesão, primeira, feita pelo homem com o Estado, através do
104
Este material está disponibilizado no site
www.simposiocuritiba.combr(palestra)gerenciamentontodos.pdf#search=sistema
105
sobre o tema , Luiz Fernanco Nicz. Managedcare. Artigo Publicado na Revista Médico, HC-FMUSP, ano 1,
nº 2- maio/junho/98,p.96-105, leciona .O tema managed care é um dos mais polêmicos hoje nos EUA, a mídia
comenta muito a respeito, quase sempre realçando seus defeitos, o próprio Presidente Clinton está estudando
uma lei que estabelece direitos dos pacientes, e 40 Estados americanos já aprovaram algum tipo de
regulamentação do funcionamento das empresas de atendimento gerenciado. Estas empresas são bastante
impopulares nos EUA, apesar de seus resultados positivos em conter a inflação da saúde sem comprometimento
objetivo da qualidade da assistência, e de sua contribuição para o equilíbrio da economia como um todo.
Há dificuldades para se avaliar as consequências do atendimento gerenciado nos EUA, mas aparentemente elas
podem ser assim agrupadas, quanto a6):
a.
b.
pessoas – houve aumento da cobertura e do acesso a serviços de saúde, diminuiu o custo, mas
há muitas críticas quanto à qualidade do atendimento (autorização de um dia para internação
em caso de parto normal etc.);
empregadores – seus custos diminuíram, agora têm maior controle sobre o tipo de serviços
prestados e sobre as despesas decorrentes;
59
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contrato social , defendida por Rosseau, foi terceirizada, com conseqüências
desastrosas para o próprio homem106. No que tange a prestação material das ações
de saúde no âmbito coletivo, temos que esta, também tem a sua eficiência
comprometida, pelos fatores de ordem política já denunciados neste trabalho, vez
que, a mão de obra que planeja e executa estas ações, é selecionado sem levar em
conta primordialmente a qualificação profissional, mas sim, o grau de sintonia do
escolhido com quem o indica. Associado ao fator da transitoriedade destes recursos
humanos nos cargos indicados, há sempre um vazamento do ativo do
conhecimento, quando se muda o grupo político eleito e, via de conseqüência a
descontinuidade nos programas e planejamento de âmbito coletivo, ou seja, “ à subutilização de medidas de promoção de saúde e de prevenção de doenças”.107
De outro ponto, constata-se que na verdade a igualdade entre administrados e
Administração pretendida pelo sistema anglo-saxônico também não vingou, uma vez
que, o direito comum ao qual a Administração Pública deveria ficar subordinada, “
não oferece aos particulares um grau de garantias igualável ao que o Direito
Administrativo entretanto desenvolveu”.108 Os particulares, nesta dança que a
Administração Pública estabelece para evitar o controle de seus atos, ora invocando
o direito comum em seu favor, ora as regras de um pseudo-direito administrativo
(realidade do EUA e Brasil), ficam privados de meios legítimos de defesa de seus
direitos públicos subjetivos, contra as arbitrariedades impostas pelo poder.
a.
b.
c.
d.
e.
médicos – diminuiu o seu controle sobre a prestação de serviços, a renda anual dos generalistas
aumentou, mas a renda anual de alguns especialistas diminuiu; houve piora da qualidade de
seu trabalho, de acordo com a sua percepção;
hospitais – aumentou o controle sobre suas atividades, seus custos diminuíram, mas suas
receitas também diminuíram e, às vezes, mais do que os custos;
empresas de atendimento gerenciado – seus custos diminuíram, aumentou a demanda por seus
serviços, assim como seus lucros e seu controle sobre os prestadores e os beneficiários;
Governo – diminuiu o seu controle sobre o Sub-Sistema Privado de Saúde, embora haja hoje
muita pressão para aumentar este controle, a "inflação da saúde" foi contida com reflexos
positivos para a economia como um todo, discute-se se houve aumento da equidade no acesso
a serviços de saúde;
sociedade – diminuiu o seu controle sobre o Sistema de Saúde, mas há movimentos para a
formação de associações de consumidores nos 50 Estados americanos, visando obter
informações sobre resultados e custos dos atendimentos; diminuíram os custos da economia
como um todo.
106
sobre o questionamento vale conferir o artigo “Managedcare”, de Luiz Fernando Nick, publicado na Revista:
Médicos, HC-FMUSP, ano 1 nº2- maio/junho/98,p.96-105, bem como, a obra de J. Needleman, O dinheiro e o
significado da vida. São Paulo. Best Seller, 1991.
107
Cfr. Luiz Fernando Nicz. Managedcare. Artigo publicado na Revista Médics/HC-FMUSP, ano 1 nº 2maio/junho/98,p.96-105.
108
Otero, Paulo. Op.cit.p.284.
60
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Apresentados pontos fulcrais do atual modelo estágio do Estado Americano deve ser
registrado que este não contemplou na Carta Constitucional o princípio da eficiência,
tal qual o fez a Constituição Brasileira de 1988. Entretanto, verifica-se pelo que foi
registrado sobre o sistema de saúde Estadunidense que a exigência de se
implementar uma administração eficiente, também aflige ao povo americano,
podendo, também, ser visto no National Performance Review.
II. O princípio da eficiência no direito português
Portugal, diversamente ao Brasil e Estados Unidos da América, adotou um sistema
de administração judiciária, da família romano-germânica, marcada pelas principais
características, segundo Marcelo Rebelo de Sousa:
1)- atribuição à Administração Pública de poderes “exorbitantes”, de um estatuto de
supremacia sobre os cidadãos e suas organizações, que envolve não só o poder de
definir unilateralmente o Direito nas relações com os particulares, como o poder de
executar coercitivamente essa definição, não restando àqueles senão a hipótese de
impugnação executar coercitivamente a posteriori da decisão já executada; a
Administração Pública goza, assim, do poder de decidir unilateralmente com força
executória e proceder à correspondente execução sem intervenção jurisdicional
(principe du préalable e privilège de l’execution d’office).
2)- para este efeito existe um Direito especial, que consagra um estatuto de poder
para a Administração Pública, favorecendo-a em relação aos particulares – o Direito
Administrativo;
3)- a Administração Pública encontra-se sujeita ao controlo de legalidade, não dos
tribunais comuns, mas de órgãos específicos, os chamados tribunais administrativos,
que começaram por não ser verdadeiros tribunais (mas órgãos de administração
reflexiva) para, depois, se jurisdicionalizarem; ou seja, de início existiu uma
interdição de controlo jurisdicional da Administração Pública, que evoluiria para a
especialização dos tribunais encarregados dessa fiscalização;
61
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4)- os administrados dispõem de meios de defesa perante os tribunais
administrativos, mas estes não gozam de plena jurisdição perante a Administração
Pública; em homemagem a separação de poderes, não proporcionam todas as
garantias efectivadas através dos tribunais comuns, nomeadamente no tocante à
possibilidade de ordenar comportamentos à Administração Pública e de forçar a
executar todas as sentenças contrárias a actos ilegais que tenha praticado.
5)- o peso dominador do Estado dentro da Administração Pública, contrastando com
o escasso relevo da Administração local, dentro de uma lógica centralizadora, que
atingiu expressão eloqüente com o império napoleônico.
Portugal, também, incorporou o princípio da separação de poderes, adotou um
Estado Unitário e um regime misto parlamentar presidencial, “onde são visíveis
elementos caracterizadores do regime parlamentar e dimensões próprias da forma
de governo presidencialista”109. Como caracteristicas do sistema parlamentarista, o
Estado Português apresenta traços como: “separación de funciones (jefe de
gobierno y del Estado); Las competencias de gobierno se reparten entre el jefe de
gobierno (que determina las líneas maestras de la política), los distintos ministros
(responsables de su cartera) y el gabinete;El jefe de gobierno y los ministros son por
lo general mienbros del parlamento; La persona y la política del jefe de gobierno
reciben el apoyo de una mayoria del parlamento. En caso de diferencias puede
expressarse al jefe de gobierno una noción parlamentaria (o coalición) mayoritaria;
Entrecha cohesión en seno de cada partido. Disciplinar de la fracción
parlamentaria”110.
De acordo com as reflexões de J.J. Gomes Canotilho, o regime misto parlamentarpresidencial
consagrado na Constituição Portuguesa de 1976 como forma de
governo, apresenta traços do regime parlamentar e do regime presidencial como:
Traços do Regime Parlamentar
Traços do Regime Presidencial
109
CANOTILHO.J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Editora Almedina. Coimbra.
2002. p. 594.
110
ROHRICH. Wilfried. Los Sistemas políticos del mundo. Ciencia política. Alianza Editorial.2001.p.32.
62
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a)
Autonomia
do
Governo
–
“...a
CRP a) A instituição de um Presidente da República
estabelece a existência de um Governo dirigido eleito através do sufrágio directo – “Tal como
por
um
Primeiro-Ministro
como
órgão
de acontece nos sistemas presidenciais, o PR é
soberania institucional autónomo (cfr.arts.110 º, eleito através de sufrágio universal, directo e
182 º)”
b)
Responsabilidade
secreto dos cidadãos Portugueses (art.121 º)”
Ministerial
–
“o b) O direito de veto político e legislativo –
desenvolvimento da responsabilidade política do
Governo perante o Parlamento não se afasta, no “ Embora o PR não disponha de iniciativa
nosso sistema, do clássico modelo parlamentar legislativa, pode opor-se através do veto político,
(i) ou se trata de uma iniciativa da AR através de como acontece nos regimes presidenciais, às
uma moção de censura (art.195 º/f);(ii) ou se leis votadas pela AR (cfr. art.136 º)”
verifica uma iniciativa do próprio Governo
através de uma moção de confiança (arts.193 º
e 195 º)”
c)Referenda Ministerial – “Não obstante a c) A existência de poderes de direção política –
evolução verificada quanto à natureza do
instituto da referenda, ela significa que o “um regime – um regime presidencial
Presidente da República e o Governo partilham caracteriza-se pela existência de poderes de
certas tarefas, cabendo a este último, através direcção política por parte do presidente da
dela, comprometer-se politicamente quando a república, diferentemente do que acontece com
certos actos(cfr.art.140 º)”
im
presidente
parlamentar”.
da
república
em
regime
111
Estabelecendo um estudo comparativo,à luz do princípio da eficiência, entre o
sistema de administração judiciária
e o sistema parlamentarista, pode-se aferir de
pronto algumas idéias.
Um primeiro marco que distingue o princípio da eficiência ao estilo americano do
português está assentado no sistema de governo. Conforme já foi dito, no sistema
presidencialista as decisões e ou opções políticas do chefe maior da administração
não são compartilhadas, enquanto que no sistema misto parlamentar presidencial
estas decisões são tomadas entre chefe de governo e parlamento. Verifica-se, não
obstante, a consagração do regime misto parlamentar presidencial por parte da
Constituição Portuguesa, este apresenta essencialmente traços preponderantes do
regime parlamentar.
111
CANOTILHO.J.J. Gomes. Op.cit. p. 595/596.
63
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O princípio da unidade de Estado, já vem inscrito no art.6º da Constituição da
República Portuguesa, quando declara que o “ Estado é Unitário...”.Na lição de
JJ.Gomes Canotilho “ a unidade do Estado significa República una, com uma única
Constituição e órgãos de soberania únicos para todo o território nacional”112.
O que se pretende com o Estado Unitário é uma aproximação entre o poder central e
os cidadãos. Num país de dimensão territorial como Portugal é racional a adoção do
princípio da unidade de Estado. Este consegue se fazer presente em todo o território
sem maiores entraves, desde que mantenha uma administração eficiente.
Outro ponto que deve ser registrado,é que o sistema de administração judiciária
inicialmente incorporado por Portugal e paises como Itália e França, passa por
mudanças em sua estrutura, com um “aumento progressivo das garantias dos
particulares, limitando as prerrogativas de autoridade da Administração Pública”113.
Esse movimento que acontece na evolução do sistema administrativo Português, ora
em análise, concretiza a idéia de que o sistema de administração judiciária
se
aproxima mais dos princípios da igualdade, liberdade e solidariedade114.
Em Portugal, diversamente do Brasil, o princípio da eficiência não foi elevado a
categoria de princípio fundamental, entretanto, o ordenamento jurídico português
consagrou o princípio da desburocratização e da eficiência, no art. 10º do CPA.
Analisando a incidência do princípio sobre o mérito da ação administrativa, João
Caupers suscita o seguinte questionamento: “ na verdade, ao referir que a
administração pública deve assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das
suas decisões o CPA não estará a «puxar» para o campo da legalidade a quase
totalidade dos juízos ditos de méritos sobre a ação administrativa? Uma decisão
errada do ponto de vista económico não será já uma decisão ilegal? 115 Na opinião
de Diogo Freitas do Amaral o dever de eficiência ou da boa administração é um
112
CANOTILHO. JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Editora Almeida.
Coimbra.2002.p. 359.
113
OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: O sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade.
Livraria Almeida. Coimbra. Maio 2003. p. 335.
114
Neste sentido, Paulo Otero.op.cit.p.335 acentua que o desenvolvimento do Direito Administrativo tem
revelado um aumento significativo da vertente garantística a nível material e processual : a história da evolução
do Direito Administrativo pode bem ser resumida na crescente importância dos direitos subjectivos e dos
interesses legítimos dos particulares na limitação da actividade administrativa e ao controlo contencioso das
decisões administrativas.
115
Caupers. João. Introdução ao Direito Administrativo. Editora Âncora. 6ªedição. Lisboa. 2001.p.66.
64
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dever jurídico imperfeito, porque não comporta uma sanção jurisdicional. Para este
não é possível ir a um tribunal obter a declaração de que determinada solução não
era a mais eficiente ou racional do ponto de vista técnico, administrativo ou
financeiro, e portanto deve ser anulada: os tribunais só podem pronunciar-se sobre a
legalidade das decisões administrativas, e não sobre o mérito dessas decisões116.
Na esteira do entendimento do autor, não é possível se aferir o mérito da decisão
administrativa que define, com fundamento no poder discricionário, qual a melhor
decisão a ser adotada ao caso concreto, posto que no ordenamento jurídico
Português não existe essa prévia determinação. Nesse sentido, analisando o
princípio da eficiência, tal qual se encontra no ordenamento jurídico Português, em
cotejo ao princípio da eficiência inserido na Carta Constitucional Brasileira, percebese que nesta, o princípio atinge o mais alto grau normativo, comportando desta
forma um dever jurídico perfeito. Passível, portanto, de imediata aplicabilidade.
III. Sistema brasileiro de administração e seus matizes em relação aos sistemas
administrativos americano e português
A essência do Estado Federado, suas características e principais objetivos sofreu
mutações diversas no decorrer da história dos paises que fizeram a opção por esta
forma de Estado. No Brasil, não foi diferente, sendo que atualmente temos uma nova
forma de Estado, a que “alguns autores acham mais prudente e verídico falar de
Estado unitário de máxima descentralização do que propriamente de Estado
federal”117.
A transferência de recursos federais para estados e municípios vem ocorrendo em
ostensivo descumprimento dos critérios legais de rateio. Conforme
pontua o
Sanitarista Gilson Carvalho “ o MS, desde 1991, época da vigência da LOS, vem
116
117
Amaral. Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. Editora Almeida. V.II. Coimbra,2002. p.39.
Bonavides, Paulo. Ciência Política.10ª edição. Editora Malheiros. p.190.
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fazendo o rateio dos recursos entre União, Estados e Municípios, em desobediência
à Lei 8.080, art. 35(27) e à Lei 8142(28).118
Não obstante a presença nominal de um Estado Federal, verifica-se que na verdade
estamos diante de uma incompletude da idéia de Estado Federal119, na medida em
que se tem apenas uma descentralização administrativa associada a uma
superioridade econômica e financeira deste.120
A idéia originária de um estatuto igualitário da Administração Pública em relação aos
particulares, a valorização e autonomia do poder local, características da típica
família anglo-saxônica não estão presentes atualmente na Administração Pública do
Brasil tal qual, como acontece nos Estados Unidos da América.
Por outro lado, caminhando num sentido oposto, no sistema romano-germânico,
adotado por Portugal, existe controle dos atos da administração pública através dos
tribunais administrativos, o que permite um maior controle pelos administrados e via
de conseqüência um maior controle da eficiência da atuação da função pública.
Associado a uma formação acadêmica que privilegia o estudo e formação na área
do direito púbico.
No sistema anglo-saxônico, que adota o sistema presidencialista como Estados
Unidos da América e Brasil, o controle deveria ser exercido pela justiça comum, com
as incidência das regras de direito comum. No entanto, vê-se que na verdade não
existe um estatuto igualitário da Administração Pública121, tendo esta benefícios que
vão deste a concessão de prazos processuais em dobro para contestar e em
quádruplo para recorrer (art.188 CPC) até os denominados precatórios .
118
Carvalho, Gilson de Cássia Marques. Financiamento Federal para a Saúde 1988-2001.São Paulo. 2002.p.294
Cfr. lembra Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, Reforma Administrativa, Brasilia Jurídica, 1998,p.15.Na
Federeção brasileira, os Estados-membros devem organizar-se à imagem e semelhança da União, de modo que a
autonomia dos Estados acaba por esvaziar-se, caminhando-se para, de fato, uma centralização da União Federal .
120
neste sentido a lição de Paulo Bonavides, op.cit.p.190, in verbis: Quando se traça pois esse inarredável quadro
da esmagadora superioridade econômica e financeira do Estado federal sobre as unidades federadas e se observa
a dependência efetiva a que estes ficam sujeitas, a primeira impressão que se tem é de negar a existência
contemporânea do sistema federal, o qual teria já transitado para uma fórmula de mera descentralização
administrativa. Assim é que alguns autores acham mais prudente e verídico falar de Estado unitário de máxima
descentralização do que propriamente de Estado federal.
121
No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 15ª edição. São Paulo. Atlas.
2003. p. 36, lembra que “ o mesmo ocorreu nos Estados Unidos, onde inúmeros órgãos administrativos foram
investidos de funções judiciais ou quase judiciais, para a solução das reclamações dos particulares contra o
Estado, dos empregados contra os trabalhadores, sem as características essenciais dos tribunais judiciários e sem
a possibilidade de revisão por estes últimos,a não ser sobre questões de direito.
119
66
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Os tribunais comuns, em especial no Brasil não estão preparados para receber a
demanda coletiva ou individual em face da ação ou omissão da administração
pública. Os cursos superiores no Brasil estão em regra privilegiando a formação
acadêmica para o direito privado, deixando para segundo plano o direito público.
Essa formação eminentemente privativista tem contribuído para uma dificuldade nos
julgamentos das ações que tratam de temas como políticas públicas.Estes
julgadores não dão tratamento igualitário a Administração Pública, mas preferencial,
contando com garantias como já manifestado de prazos em dobro para contestar e
quádruplo para recorrer, dentre outros. Outro fator que tem influência direta na
dificuldade do Poder Judiciário exercer um controle sobre os atos da administração
é o número de varas disponíveis para atender a demanda. Temos, a título de
exemplo, no Estado do Espírito Santo, em especial na capital, duas varas da
fazenda pública estadual, enquanto temos 11(onze)
varas cíveis. Há um
descompasso na atual estrutura organizacional do poder judiciário, o que leva a um
abarrotamento das varas da fazenda pública, com dificuldade extrema para os
julgadores no tange ao controle dos atos dos poder executivo.
Na verdade, o que deveria representar uma vantagem do sistema anglo-saxônico
quanto ao sistema romano-germânico é um desastre. Não existe efetivo controle
pela justiça comum dos atos da administração pública, pelos motivos já enumerados.
Por outro lado, a participação da comunidade nas opções políticas da cúpula é frágil
e incipiente. A idéia de controle social, tal qual previsto na Constituição Federal de
1988 para a saúde pública é um passo importante para a implementação da
Democracia participativa. Entretanto, de acordo com dados do IBGE dando conta de
que --------da população brasileira está abaixo da linha da pobreza e com um grau de
escolaridade que não ultrapassa a 4 anos de estudo, controle social é ainda um
ideal, mas não é real.
Assim, não existe um efetivo controle judicial dos atos do poder por falta de uma
estrutura física e recursos humanos especializada para exercer bem esse controle, e
não existe controle social por ausência de preparo daqueles que se dispõem a fazer
o controle, isso sem falar na ausência de controle por parte do legislativo. Esse, está
tão preocupado em garantir uma fatia do orçamentos e da negociação dos cargos
comissionados e temporários da administração para se perpetuar no poder que não
67
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lhes sobra tempo, bem como, lhes faltam conhecimento e interesse para
implementar
um
efetivo
controle.
Estamos
acompanhando
uma
ditadura
constitucional, conforme assinala o Constitucionalista e cientista político Paulo
Bonavides. Em outras palavras,quem não controla, não gerência. Se não existe
controle efetivo dos atos do poder e este não tem juízo político, toda a atuação na
área administrativa, por mais eficiência que seja está fadada ao insucesso. Se o
chefe do executivo “ não conceber a sua missão, acima de tudo, em termos de
oportunidade para prestar um serviço duradouro à causa pública122 “ não será capaz
de obter êxito em suas ações. Para Fritz Morstein Marx a marca de um grande
chefe do Executivo em um governo democrático é : “Encara seu cargo como um
mandato para a missão mais nobre dentro da vontade popular – privilégio da
liderança em ação, destinada a promover o bem-estar geral”123.
Valendo, ainda, de um estudo comparativo, pode-se cotejar a figura do presidente,
governador, ministros, altos chefes de agências públicas aos representantes das
forças armadas. Nas forças armadas temos um comando composto por General,
Almirante, Capitão ... Estes, estudam e se preparam durante muitos anos para a
defesa da pátria quando necessário. Quando aparece a necessidade de combate, a
cúpula se reúne e planeja a melhor forma de ataque. Usam estratégias variadas
para alcançar seu objetivo que é a vitória sobre o inimigo. Neste caso, todos devem
ser eficientes, entretanto, aquele que estabelece a forma e os meios de ataque tem
uma importância vital124. Os soldados podem ser muito eficientes, estarem dotados
de equipamentos bélicos altamente sofisticados, mas, se o planejamento for
equivocado,
de nada adiantará todo o armamento e recursos humanos. A
qualificação, vocação e ética dos que são responsáveis por deflagrar o processo de
defesa ou de ataque é crucial. Exemplos não faltam de vitória e derrotas nas guerras
travadas no curso da história da humanidade. O que chama a atenção, na ação do
122
Marx, Fritz Morstein. Elementos de Administração Pública. Editora Atlas S.A.1ªedição em
português.1968.p.168.
123
Marx, Fritz Morstein. Op.cit.p.168.
124
Sobre esta noção João Caupers ressalta que “ a característica primordial da impossibilidade de se aplicar na
integralidade na administração das organizações públicas, princípios que regem a administração privada, assenta
no fato de que a administração pública ser um instrumento do poder político. Isto significa que todas as
organizações públicas se encontram, de uma ou outra forma, em maior ou menor medida, dependentes da
vontade política dos representantes da colectividade, tanto para a sua criação, como para a sua sobrevivência...A
sua sobrevivência depende apenas, como se disse, da vontade do poder político que as cria, mantém, modifica e
extingue por sua livre iniciativa. Note-se, apesar de tudo, que é importante avaliar a eficiência das organizações
públicas, sob pena de dar cobertura à irracionalidade económica e ao desperdício de meios que, infelizmente
caracterizam muitas daquelas organizações.( João Caupers,op.cit. pags.32 e33)
68
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corpo militar em estado de guerra, quando comparado com a atuação dos agentes
políticos é o fato de colocarem a defesa dos interesses coletivos, da nação em
primeiro lugar. Isto porque, neste caso, não lhe adianta agir preservando a sua vida
e seus interesses individuais, pois havendo uma derrota, todos indistintamente serão
atingidos. O interesse individual passa a ocupar o segundo lugar, no momento em
que se prepara o plano de ação. Na área pública, ou melhor quando se pensa em
defender e garantir direitos fundamentais sociais, o raciocínio deveria ser o mesmo,
na medida em que menos políticas públicas, mais violência, mais sobrecarga de
impostos e mais possibilidades de doenças. As conseqüências de um planejamento
ineficiente, associado a ações de execução ineficazes atinge diretamente a maioria
esmagadora da população, mas, também, mesmo que indiretamente, num primeiro
momento, àqueles que foram responsáveis pelo planejamento e execução.
Na práxis, o que se constata na parede do tempo presente é uma cadeia de
desmandos, desorganização e morte, que tem como causa planejamentos
elaborados com o fito de atender a interesses individuais e mesquinhos. Aplicando
esses conhecimentos a área da saúde, conclui-se que o corpo funcional que
obedece a ordens superiores, em face do dever hierárquico, deve ser eficiente, mas
a eficácia de suas ações está condicionada, antes de mais nada, a um plano maior,
em que os responsáveis primeiros, sequer tem noção das conseqüências para a sua
própria vida e de sua família, de um plano de ação mal traçado. Quiçá pudéssemos
nós hoje, voltarmos a aplicar para a democracia hodierna, princípios da democracia
grega, em especial no que tange a não consentir com a dissociação entre o homem
e a coletividade.125
A idéia de Montesquieu de independência e equilíbrio entre os poderes, sendo a lei
a conjugação da vontade do legislador e do monarca, não mais subsiste no sistema
político Brasileiro e Estadounidense. O Poder Executivo vem ocupando o posto mais
125
“ A democracia grega e a vida na pólis grega não consentiam, historicamente, semelhante dissociações do
homem e da coletividade. De maneira que, recebendo tudo do Estado, devendo tudo ao Estado, o homem grego,
ainda quando entra, historicamente, historicamente, a tomar consciência de que a pólis lhe é realidade exterior,
ainda quando intenta afirmar conscientemente sua personalidade, esse homem vacilasse e essa vacilação se
escreve, por exemplo, no sacrifício de Sócrates. Antes de beber a cicuta, quando resiste à sugestão da fuga
preparada pelos discipulos, fiéis até o último momento, Sócrates foi posto na ponta de um dilema...Quando
Sócrates recursou aquele caminho, foi ele coerente com a sociedade grega, com os idéias políticos do mundo
helênico, com a alma da pólis.
69
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importante do edifício político-constitucional, exercendo um domínio direto sobre o
demais poderes.
Neste sentido vale registrar as ponderações de J.J. Gomes Canotilho sobre a atual
posição do Presidente dos Estados Unidos:
“Além do monopolismo do Executivo - o poder executivo é conferido ao Presidente
dos Estados Unidos – verifica-se a ausência de um governo colegial, pertencendo a
definição de programas e a preparação das políticas públicas a esquemas
organizativos da presidência ou até a assistentes pessoais da mesma (Executive
Office )”126.
O poder executivo saiu da função secundária e subordinada a função legislativa e
passa a ser o protagonista da história. O equilíbrio e interdependência entre os
poderes não existe, contribuindo para uma degeneração do Estado127.
Para que o novo aconteça, tomando por base o paradigma que surge com o modelo
de administração de organizações públicas eficientes, é preciso incorporar,alguns
conceitos dos modelos heurísticos (atualizantes) de administração que são descritos
por Guerreiro Ramos, com os seguintes elementos:
MODELOS HEURISTICOS DE ADMINISTRAÇÃO SEGUNDO AS ETAPAS DE EVOLUÇÃO
TECNOLÓGICA
Elementos
1)
Modelo Arcaico
Modelo de Transição
Modelo Atualizante
Aptidões Predomínio do trabalho Predomínio do trabalho Predomínio
profissionais ligados à qualificado e braçal, especializado
não se distinguindo operações
produção
tarefas de execução
fabricação,
nas trabalhos
de
altamente
de especializados
neste operações
nas
de
126
CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª Edição. Editora
Almedina.Coimbra. 2002. p. 582.
127
Neste sentido, Paulo Bonavides ( Teoria do Estado, 4ª edição. Editora Malheiros, Brasil 2003,p. 229) leciona :
Uma estatística de 40 milhões de analfabetos, 30 milhões de menores carentes ou abandonados, dois milhões de
desempregados na convulsão de uma crise que fecha escolas, hospitais e fábricas, empobrece a sociedade, avilta
o salário, desnacionaliza a empresa, elimina e sufoca a iniciativa privada e transfere para praças estrangeiras e
organismos internacionais o poder decisório sobre as finanças do País e a conduta da economia nacional,
constitui indubitavelmente a certidão de óbito do presidencialismo e sua gestão tecnocrática, que menospreza os
valores encarnados na presença e fiscalização dos órgãos parlamentares.
70
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estágio
distintas
das fabricação
operações
e
de trabalho
preparação
altamente
e qualificados
nas
manutenção, as quais operações
passam
a
de
ser preparação
confiadas
de
e
a manutenção
trabalhadores
qualificados
2) ................
3)................
4)...............
5)
Elaboração
de As
decisões
tomadas
decisões
no
baseando-se
são Diretrizes e decisões As decisões tendem a
topo, gerais são formuladas ser
em no topo, levando-se em baseando-se
informações
conta
escassamente
medianamente
corretas,
sua
coletivas,
informações acuradas informações
carecendo corretas,
observância
em
graças
do colaboração
emprego de medidas dos
emitidas
livremente,
a quando necessário, por
positiva qualquer
agente
da
subordinados, organização.
Elevada
coercitivas destinadas principalmente quando sensibilidade
às
a obviar a motivação se trata de aspectos exigências do ambiente
adversa
dos específicos
subordinados
do externo
trabalho.
Mediana
sensibilidade
às
exigências do ambiente
exterior
6)
Tipo
consetimento
de Coercitivo-alienativo.
As
finalidades
organização
Remunerativoda calculativo.
As finalidades
são finalidades
aparentemente aceitas, organização
embora,
Normativo-moral.
de
subordinados
da
da organização tendem a
são ser plenamente aceitas
fato, aceitas sem resistência pelos subordinados
suscitem a resistência sistemática
disfarçada
As
dos
dos subordinados, embora
algumas
vezes,
disfarçadamente possa
surgir
no
tocante
a
aspectos específicos
7) Produtividade
8)
Feedback
Baixa
ou Predominam
Mediana
Elevada
Predominante atenção Atenção sistemática às
71
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mecanismo
retificação
de
auto- informações
passado.
do às informações sobre informações
Extrema as partes internas da passado,
demora da organização organização. Mediana partes
do
sobre
as
internas
da
na correção de seus demora da organização organização
e
sobre
emergentes
na correção de seus suas relações com o
desajustamentos
emergentes
ambiente
desajustamentos
Elevada
da
exterior.
sensibilidade
organização
e
rapidez na correção de
seus
emergentes
desajustamentos
128
Percebe-se pelo estudo comparativo construído entre os sistema de administração
judiciária e executiva que, em função de sua eficácia no que tange aproximação da
igualdade formal para a igualdade material, que o sistema de administração
judiciária tem contribuído mais para a promoção da justiça e paz social. Para que um
sistema administrativo possa ser conceituado como eficiente,
este deve conter e
manter presentes algumas características que denominamos de essenciais para a
persecução do interesse público: 1-Deve respeitar a independência
entre os
poderes no que tange a execução de suas atividades fins, sem esquecer que existe
uma interdependência para a prossecução do interesse público. Neste sentido, o
parlamentarismo e o regime misto parlamentar presidencial são sistemas que mais
se aproximam do ideal de administração pretendido por Montesquieu.2- As decisões
que serão tomadas pelo poder executivo, deve atender em primeiro lugar ao
comando constitucional, uma vez que este,num estado democrático, reproduz a
vontade geral, depois deve considerar o conhecimento teórico e empírico daqueles
que integram a organização administrativa, tomando decisões de caráter coletivo e
que atendam a coletividade. Na mesma linha, o parlamentarismo, por sua
característica central de descentralização do poder supremo do executivo, contribuiu
para um sistema administrativo mais eficiente.3-De acordo com a necessidade de
melhor garantir ao administrado o acesso às prestações materiais, deve o sistema
administrativo optar pela descentralização administrativa e financeira. Desta forma,
128
Ramos, Guerreiro. Administração e estratégia do desenvolvimento. Fundação Getúlio Vargas. Rio de
Janeiro.1966.p.128.
72
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tanto em si tratando de Estado Federado ou Unitário, o que vai determinar a
qualidade dos serviços prestados por ambos, vai ser a capacidade de autonomia
administrativa e financeira dada aos órgãos que funcionam na ponta da linha.4Objetivando um constante controle dos atos da administração é necessário a
existência de justiça especializada, com juizes preparados para lidar com questões
macro como interesse coletivo versus interesse privado. O modelo de administração
judiciária traz maior controle dos atos da administração.5-Associado a exigência de
uma Justiça especializada, um direito material e processual constituídos de forma a
assegurar um equilíbrio entre Administração e Administrado. . No mesmo viés, o
sistema romano-germânico traz mais garantias e segurança para o administrado,
traduzindo-se num equilíbrio entre administração e administrado. 6.A adoção do
modelo atualizante de administração, caracterizado por: a)-Elaboração da decisões .
As decisões tendem a ser coletivas, baseando-se em acuradas informações emitidas
livremente, quando necessário, por qualquer agente da organização. Elevada
sensibilidade às exigências do ambiente externo; b)- Tipo de Consentimento Normativo-moral. As finalidades da organização tendem a ser plenamente aceitas
pelos subordinados c)- Produtividade . Elevada; d)- Feedback ou mecanismo de
autoretificação. Atenção sistemática às informações do passado, sobre as partes
internas da organização e sobre suas relações com o ambiente exterior. Elevada
sensibilidade da organização e rapidez na correção de seus emergentes
desajustamentos.
CAPITULO IV
O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO PRINCÍPIO ESTRUTURANTE NO ESTADO
SOCIAL DE DIREITO.
I.
Origem, conceito e finalidade do Estado
73
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O conceito de Estado, a sua origem e finalidade têm aplicação direta no presente
estudo, uma vez que, o princípio da eficiência se dirige ao Estado-colectividade tanto
no que tange a sua função primária (função política e legislativa) quanto a função
secundária (função administrativa e judicial). Neste particular, conforme poderá ser
comprovado no decorrer do texto, o princípio da eficiência deve ser aplicado, para
fins de se aferir a eficácia do Estado prestacional de ações e serviços de saúde,
muito mais aqueles que exercem a função primária. Estes são os responsáveis
primeiros por planejar e estabelecer as diretrizes (trabalho prévio e de execução)
que deverão ser observadas e executadas por aqueles que exercem a função
administrativa.
Ademais, não se pode deixar de considerar que o tipo e forma de
Estado, bem como, o sistema de governo, sistemas eleitorais e de partidos
condicionam a função administrativa e a Administração Pública, e via de
conseqüência exercem influência sobre o fazer com eficiência e resultado.
No caminho selecionado para desenvolver o estudo acerca da real importância de
elevar
o
princípio
da
eficiência
a
categoria
de
Princípio
Constitucional,
necessariamente tem que se perquirir da origem do Estado perpassando pelas
diversos estágios de sua evolução até a fase contemporânea.
O conceito de Estado, bem como, a sua origem, tem sido objeto de estudo e
interesse de diversas áreas do saber humano.
Quanto a sua origem podemos
remontá-la a origem do próprio homem129, conforme a teoria naturalista. Para
filósofos como Locke e Rousseau o Estado é uma deliberação do homem.
Para a Ciência Política e o Direito Constitucional, segundo o catedrático da
Universidade de Lisboa, Professor Marcello Rebelo de Souza, “Estado colectividade
pode ser definido como o povo fixo num determinado território e no qual institui, por
autoridade própria, um poder político relativamente autônomo”130. Para o
consagrado constitucionalista português JJ. Gomes Canotilho, “o Estado é, assim,
uma forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que a
129
cfr. Alejandro Santibañez Handschuh (La ética de la función pública administrativa, Anales 4, I Congresso
Interamericano del CLAD Sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública,junio 1997, p. 11) El
fenómeno del Estado no es algo nuevo en el mundo, por el contrario, es el resultado de complejas relaciones que
ha ido entretejiendo junto con la evolución del hombre. El Estado es una realidad tan antigua como el hombre
mismo, por lo que si quiere encotrar una explicación a su origen, necesariamente hay que remontarse al origen
del hombre.
130
SOUSA, Marcelo Rebelo de. Lições de Direito Administrativo. Pedro Ferreira Editor.Lisboa. 1994/5,p. 7.
74
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distinguem de outros “poderes” e “organizações de poder”131. Na definição do
constitucionalista brasileiro Paulo Bonavides, adotando o conceito de Jellinek , o
Estado “é a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada
de um poder originário de mando”. Como se vê o conceito de Estado pode ser visto
numa acepção filosófica, jurídica e sociológica. Reverenciando todos aqueles que se
debruçaram sobre o tema, contribuindo para o atual estágio do conceito de Estado
no território nacional, aderimos ao conceito de Jellinek, adotado, também, pelo
constitucionalista Paulo Bonavides, ou seja, o Estado “é a corporação de um povo,
assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”.
O Estado na Antiguidade “ é a Cidade, condensação de todos os poderes132. A
coletividade era a cidade e o grego, o filho da polis ,133 não existia separação entre
Estado e individuo. Atendida as necessidades da polis, estavam atendidas as
necessidades do indivíduo.
Na Idade Média o Estado ganha contornos distintos, não existindo mais aquela
identificação entre o homem e a Cidade. O individuo começa a ser dissociado da
sociedade. Esta fase é marcada também pela supremacia da Igreja, esta “não era
um Estado, era o Estado; o Estado ou, melhor, a autoridade civil”.134
O Estado Liberal emerge na Idade Média como fruto da revolta da classe burguesa
contra os poderes da coroa e para por fim aos privilégios do feudalismo.
A Revolução acontece em França, tendo como temas da bandeira o ideário de
liberdade, igualdade e fraternidade. Pregava-se a liberdade como um direito natural
do homem, liberdade esta de ir e vir, de gozar de sua propriedade sem que o Estado
invadisse essa esfera do indivíduo.
No que tange ao direito de igualdade e fraternidade, sabe-se que estes não saíram
do plano formal. Na verdade, a burguesia quando vence o absolutismo e o
131
CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Editora Almedina.
2002.p. 89.
132
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4ª edição. Editora Malheiros. Brasil. 2003.p. 19.
133
BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Princípio Constitucional de Eficiência Administrativa. Editora
Mandamentos. Belo Horizonte. 2004. p. 37.
134
Cfr.John Neville Figgis, Studies in Political Trought from Gerson to Grotius, 1414-1625, Cambridge. 1907.
Cito da edição Harper Torchbooks, Nova Iorque,1960,pp.25-26 Apud Louis Dumont. O Individualismo – Uma
perspectiva Antropológica da Ideologia Moderna. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro. Rocco.2000.p.80.
75
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feudalismo, “já não se interessa em manter na prática a universalidade daqueles
princípios, como apanágio de todos os homens”135.” Há o triunfo do liberalismo e não
da democracia”136. Está impregnado na ideologia da burguesia a separação entre o
individual e o social. Trata-se de um Estado que se firma como “demissionário de
qualquer responsabilidade na promoção do bem comum”137 , conhecido pela idéia
do “laissez faire, laissez passer”.
Não obstante este traço marcante do Estado Liberal da separação entre indivíduocoletividade, Paulo Bonavides lembra que “ A burguesia acordava o povo, que então
despertou para a consciência de suas liberdades políticas”138. Está não esperava,
como qualquer outra classe que detém o poder político, que suas idéias
encontrassem eco no seio do povo, levando a um despertar sobre o seu papel no
Estado, ou seja, enquanto sujeito de direito e deveres. “O curso das idéias pede um
novo leito”139. Esta foi sem dúvida, uma das grandes contribuições do Estado Liberal
para a construção do futuro do Estado Social.
Ainda nesta fase, nasce a teoria da separação de poderes, idealizada por
Montesquieu, como um ideal para se assegurar a manutenção do direito de
liberdade. Pela teoria da separação de poderes140, o executivo, judiciário e
legislativo são ao mesmo tempo independentes entre si, mas contidos no mesmo
corpo do Estado. Desta forma, haveria uma chance para a liberdade na medida em
que “ para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das
coisas, o poder refreie o poder”. Acrescenta ainda, o autor :“ Temos, porém, a
experiência eterna, de que todo homem que tem em mãos o poder é sempre levado
135
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 4ª edição. 1980. Forense. Rio de Janeiro. p.5.
BONAVIDES, Paulo. Op.cit. p. 7.
137
BONAVIDES, Paulo.op.cit.p.3.
138
BONAVIDES, Paulo.op.cit.p.6.
139
BONAVIDES, Paulo. Op.cit.p.6.
140
Cfr. Montesquieu (Do Espírito das Leis, Tradução de Gabriela de Andrade Dias Barbosa. Ediouro. Editora
Tecnoprint S.A.p. 133) quando numa só pessoa, ou num mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo se
acha reunido ao poder executivo, não poderá existir a liberdade, porque se poderá temer que o mesmo monarca
ou o mesmo senado criem leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não existirá também liberdade quando o
poder de julgar não se achar separado do poder legislativo e do executivo. Se o poder executivo estiver unido ao
poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, porque o juiz seria o legislador.
E, se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor”
136
76
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a abusar do mesmo;é assim irá seguindo, até que encontre algum limite. E quem o
diria, até a própria virtude precisa de limites”141.
Na linha do pensamento de Montesquieu, sempre atual, o Estado Liberal decreta o
seu declínio e fim, com a transição para o Estado Social, quando a burguesia
alcança o poder e começa dele abusar.
Os ideais revolucionários, na verdade, se traduziram na manutenção de privilégios,
agora para a burguesia. Essa sai de classe dominada para classe dominante.
Pregava a liberdade e igualdade, mas somente no plano formal, no mundo da
utopia. Nesta fase “O indivíduo era uma abstração. Estabelecia-se a igualdade
abstrata entre os homens, visto que deles se despojavam as circunstâncias que
marcam suas diferenças no plano social e vital”. 142 A classe dos excluídos que era
dominada antes da revolução continuava a ser dominada, somente mudando a
figura do dominador. É sabido que a revolução não ofereceu meios materiais para
que a classe dos excluídos pudesse “ transpor as restrições do sufrágio e assim
concorrer ostensivamente, por via democrática, à formação da vontade estatal”.143
II.
Do Estado neutral de raiz liberal para o Estado prestacional de serviços e
ações de saúde com eficiência.
Conforme apontado o Estado Liberal tem sua gênese na reação da burguesia
capitalista , o centro das idéias se fixa na preservação da liberdade do indivíduo
frente ao Estado. No Estado Social a revolução nasce de um extrato social
explorado pela burguesia dominante. Conforme adverte Paulo Bonavides “ a favor
do capitalismo ou contra o capitalismo, sempre um classe na vanguarda da
revolução”144. A exploração da classe operária leva a uma reação desta, em defesa
do direito de liberdade de fato, associado aos direitos oriundos do princípio da
141
MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Tradução de Gabriela de Andrade Dias Barbosa. Ediouro. Editora
Tecnoprint S.A.p. 132/133.
142
José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 22ª edição, Malheiros Editores, Brasil,
2003, p. 159.
143
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 4ª edição Editora Forense. Rio de Janeiro. 1980.
144
BONAVIDES, Paulo. Op.cit.p.182.
77
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igualdade. Neste cenário, é preciso antes de apresentar os traços característicos do
Estado Social que se faça uma distinção, salutar, entre o este e Estado socialista. O
Estado Social tem um traço marcante que o distancia da identidade com o Estado
Socialista, ou seja, a adesão deste primeiro à ordem capitalista. 145 “ Não se
confunde com o Estado socialista, mas com este coexiste”. 146O Estado Social
sinaliza com a possibilidade de uma real constituição dos ideais da revolução
gloriosa. Na medida em que este busca reduzir as desigualdades sociais,
promovendo um estado de liberdade e solidariedade entre os homens. Percebe-se
com a evolução da história, que o desenvolvimento da sociedade contemporânea
colhe do passado distante, como a vida na cidade grega, e do passado próximo, o
Estado Liberal a implantação de uma nova forma de Estado.
Não se concebe mais, conforme manifesta Rousseau, que o homem, tendo nascido
livre, permaneça escravizado. Grita o autor, nas primeiras linhas de sua obra prima :
“o homem nasceu livre e por toda a parte se acha escravizado”. Se o este vivesse no
Brasil de hoje, por certo daria um novo grito, dizendo: “o homem nasceu para ser
livre e por toda parte se acha escravizado, já não persistem as condições de
igualdade presentes no estado da natureza”. O Estado Social é, ainda, um ideal a se
construir. Quando os primeiros traços deste começam a aparecer já sinaliza uma
nova mudança em sua estrutura, com a construção de um Estado neoliberal. Esta
nova forma de Estado será trabalhada em capitulo em separado.
Não obstante falar-se da existência de um Estado Social, partindo-se de uma
concepção ampla do que seja um Estado Social, pensamos que este se instalou em
estados democráticos, entretanto a sua permanência e solidificação estão longe de
se efetivar. Esta observação é válida, principalmente, na perspectiva do Estado
Social que se vê no Brasil atual.
O Estado Social em sua concepção clássica pode ser definido como sendo um
Estado garantidor dos direitos fundamentais, em especial os direitos fundamentais
sociais. Esses traços são devidos, sem dúvida a Constituição de Bonn, na
145
Cfr. acentua Paulo Bonavides (op.cit.p.205) O Estado Social representa efetivamente uma transformação
superestrutural por que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no
Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado prolatário, que o socialismo marxista intenta implantar: é que
ele conserva sua adesão à ordem capitalista, princípio cardial a que não renuncia.
146
BONAVIDES, Paulo. Op.cit.p.232.
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Alemanha, fonte inspiradora dos constituintes que elaboraram a Constituição
Brasileira de 1988.
Na linha do texto, uma vez mais, vê-se que o Estado Liberal tinha por objetivo
precípuo assegurar ao cidadão o direito de liberdade147, portanto a eficiência do
Estado estava diretamente relacionada a sua capacidade de melhor garantir a cada
indivíduo o respeito a sua liberdade, ou por outras palavras o direito de ir e vir.
Assim, o princípio da eficiência aplicado aquela época, por certo não teria os
contornos atuais.
Com o alargamento das funções do Estado, deixando de ter a função apenas de
defesa, e passando, a assumir, também, as funções de proteção e prestação, traço
marcante do Estado Social, o princípio da eficiência, ganha uma nova perspectiva.
Significa isto dizer que, ao tempo em que se amplia a esfera de atuação do Estado e
via de conseqüência o conceito de interesse público, o mérito
administrativa passa a ser passível de um controle jurisdicional.
148
da decisão
Antes de ser
elevado à categoria de princípio fundamental, o princípio da eficiência, era analisado
tão somente na perspectiva do mérito da ação administrativa. Isto significava que a
decisão administrativa que não se encontra eco no bloco legal, não estava sujeita
ao controle jurisdicional. Com a elevação do princípio a categoria de princípio
fundamental, este passa a integrar o bloco da legalidade, em especial constitui o
fundamento do edifício jurídico, estando, portanto, sujeito, ao controle jurisdicional
toda ação administrativa.
Na visão de João Caupers, “ o resultado desta extensão apontaria no sentido de
apenas ser legal a melhor decisão administrativa. Conseqüentemente, o juiz
147
Cfr. leciona Paulo Bonavides (Do Estado Liberal ao Estado Social,p.231) vimos um Estado Liberal que
fundou a concepção moderna da liberdade e assentou o primado da personalidade humana, em bases
individualistas. Vimos o seu esquema de contenção do Estado que inspirou a idéia dos direitos fundamentais e da
divisão de poderes.Vimos, do mesmo passo, as doutrinas que reinterpretaram a liberdade, abrindo caminho para
o Estado Social.
148
Cfr. João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo. Editora Âncora, Lisboa, 2001,p. 63, o interesse
público pode ser definido como “ o interesse de uma comunidade, ligado a satisfação das necessidades colectivas
desta («o bem comum»)”.Assim, no Estado Social, o interesse público a ser perseguido, traz subjacente a
satisfação das necessidades coletivas como saúde, educação, meio ambiente, trabalho, etc...
79
Nícia Regina Sampaio
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administrativo poderia invalidar toda e qualquer decisão administrativa que não fosse
– na sua maneira de ver, evidentemente – a melhor”.149
A princípio, pode-se dizer que o princípio da eficiência é imanente ao Estado Social
de Direito, posto que, quando se ampliam as funções do Estado, exige-se, via de
conseqüência, equidade no acesso as prestações materiais. Vemos no Estado
Social da democracia, que age com eficiência em suas ações, os raios da esperança
a sinalizar para a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil, ou seja, a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária.
“É no atual Estado Social de Direito, que as Constituições passam a contemplar,
não só a relação entre Estado e os direitos individuais, como também, os direitos
sociais, em especial o direito à saúde, impondo ao Estado a responsabilidade pela
prestação material objetiva”150.
III.
Estado neoliberal
A pretexto de se alcançar eficiência na prestação dos serviços públicos,o princípio
da eficiência tem sido usado, de forma errônea, como a mola propulsora para uma
mudança no quadro atual do Estado Social. Tomando por fundamento os conceitos
de eficiência aplicados à esfera privada, surge a idéia de se transferir para esta,
responsabilidades que são exclusivas do Estado, por considerar que a iniciativa
privada é mais eficiente que a pública. Conforme se poderá verificar no decorrer do
texto, trata-se de uma construção equivocada do pensamento humano.
149
Caupers, João. Introdução ao Direito Administrativo. Editora Âncora. Lisboa. 2001.p.66.
SAMPAIO, Nícia Regina. Relatório Apresentado no Mestrado de Ciências Jurídico-Políticas, cadeira de
Direito Constitucional. “O Ministério Público como Defensor do Direito à Saúde –Dimensão Coletiva e
Individual”.p.75.
150
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Aliás, no mesmo sentido aqui esposado, José A. Monteiro, citado por Cláudia
Fernanda de Oliveira Pereira, analisando o argumento de que a iniciativa privada é
mais eficiente que a pública sintetiza :”é uma balela. Há organizações públicas
eficientes como existem empresas privadas que primam pela desorganização e o
desperdício... O Estado deve ter o tamanho que precisa para servir e desenvolver
seus cidadãos e isso depende do grau de consciência da população e do nível de
desenvolvimento que se conseguiu”151
O Estado ao ampliar suas funções, ficando incumbido, também, de atender as
necessidades básicas do ser humano, como saúde, educação, trabalho, lazer,
segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, começa a tropeçar em seus próprios objetivos. A ausência de
um parâmetro e limite do campo de atuação do Estado Social, associado às
necessidades múltiplas de um país subdesenvolvido, levou o Brasil a ampliar as
funções do Estado, de tal forma que este não consegue garantir a seus cidadãos o
mínimo assegurado na Carta Política.
Está consagrado na Constituição Federal de 1988 que o salário mínimo, fixado em
lei, nacionalmente unificado, atenderá as necessidades vitais básicas e ás de sua
família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene,
transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (art. 7º, inc. IV). O salário
mínimo no Brasil, para 2005, corresponde atualmente a R$300,00 (trezentos reais),
sendo que em Portugal o salário mínimo é de Euros, enquanto que nos Estados
Unidos corresponde a dólares.
O paradoxo entre o legislado e o contexto social, levou a idéia de repensar o modelo
de Estado Social no qual vivemos e qual o modelo e limite do Estado Social que
queremos?
Conforme assinala Maria João Estorninho,
" o alargamento desmensurado da
actividade administrativa de prestação conduziu à sobrecarga e ineficiência da
151
MONTEIRO, José de A. Qualidade Total no Serviço Público: Uma forma de eliminar as prisões mentais
existentes em todos os escalões da Administração Pública, para enfrentar os desafios de um novo tempo.3.ed.
Brasília. QA&T,1991,157p. Apud Claudia Fernanda de Oliveira Pereira. Reforma Administrativa, O Estado, O
Serviço Público e o Servidor. Brasília Jurídica.Brasília.1998.p.311.
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Administração Pública e, assim, tal como o náufrago procura, a todo custo, agarrarse "tábua de salvação", a Administração Pública procura hoje desesperadamente
reencontrar a eficiência, nomeadamente através de fenómeno de privatização e de
revalorização da sociedade civil"152.
Este não consegue estar presente e atender a todas as necessidades vitais básicas
de seus cidadãos, bem como, não consegue oferecer um salário digno que permita
a cada indivíduo buscar a satisfação dessas necessidades básicas de outras formas,
como é o caso dos Estados Unidos na área da saúde. Lá o Estado age apenas
como regulador, devendo o cidadão que possui condições para arcar com um plano
de saúde buscar atender a sua necessidade de serviços de saúde no mercado de
consumo. A saúde para eles deixa de ter o caráter de direito fundamental como no
Brasil, passando a ser vista mais no plano de bem de consumo.
O Estado Social não pode assumir mais a posição de demissionário das prestações
materiais, mas também não pode permanecer no estado em que se encontra de
incompletude para com os direitos fundamentais.
Por certo, as transformações sociais são continuas e sempre buscando o melhor.
Algumas vezes, há um retrocesso em algumas áreas e em outros avanços, mas a
idéia é sempre de evolução. Neste sentido, não há como deixar de reconhecer que a
implantação do Estado Social trouxe avanços enormes, principalmente no que tange
a busca da concretização do princípio da igualdade. É necessário rever os seus
limites sim, mas não os seus ideais, que é a promoção do primado da igualdade.
O Estado Social permanece em posição incomoda, não atende aos fins para os
quais foi criado, via de conseqüência os fins
que devem ser atendidos pela
Administração Pública, também, não são cumpridos. Conclui-se que é preciso
buscar a eficiência dos serviços públicos sim, mas sem desprezar os valores
fundamentais do Estado Social, a dignidade da pessoa humana e o primado da
igualdade.
Neste sentido, definido o campo de atuação do Estado Social, pode ser otimizado
recursos, através de uma maior eficiência do aparelho estatal, atendendo
152
ESTORNINHO, Maria João.op.cit.p.47.
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indistintamente a todos. Isto não significa que as funções essenciais do Estado
devam ser transferidas para a iniciativa privada, partindo-se da idéia de que esta
trabalha com eficiência e o público não. Trata-se de um entendimento equivocado,
pode e deve ser buscado na iniciativa privada, conceito relacionado ao agir com
eficiência, mas sem esquecer que os objetivos de um e de outro são separados por
um abismo. De um lado se busca prioritariamente o lucro, a pessoa humana não é
vista como prioridade, mas sim como meio. Já na esfera pública, pelo menos deveria
ser assim, o ser humano é o fim primeiro, o que se busca é o interesse público, a
promoção do bem estar coletivo. "Os fins do Estado colocados a cargo da
Administração Pública estão essencialmente relacionados com as necessidades
colectivas de segurança, de bem-estar económico e social e de cultura"153.
As necessidades do ser humano são infinitas, a cada dia, na dança da evolução do
mundo contemporâneo novas conquistas e necessidades vão surgir. Entretanto, a
que se assegurar um mínimo para que o ser humano possa gozar de dignidade,
sendo que este pode ser contabilizado, sem sobra de dúvidas, a educação e saúde.
Neste mesmo sentido, Egon Bockmann Moreira
lembra que a “Administração
Pública não pode ser orientada para a questão do lucro sobre capital – olvidando ou
deixando como questão secundária as implicações sociais primárias da atividade
administrativa”154.
Acompanhando o pensamento, Claudia Fernanda de Oliveira Pereira conclui que. “
seja qual for a roupagem do Estado, liberal ou neoliberal, o Brasil não pode olvidar
dos seus serviços públicos primordiais: educação, saúde e segurança, tampouco
deixar de subsidiar a agricultura e cuidar urgentemente da Reforma Agrária” 155.
O indivíduo que goza de saúde, bem como, tem acesso a uma educação de
qualidade terá meio eficaz para assegurar a sua própria cidadania. O investimento
em educação, garantindo o acesso de todos, com o objetivo definido de contribuir
para o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania
e sua qualificação para o trabalho, deve ser uma das atividades primeiras do Estado
153
ESTORNINHO, Maria João.op.cit.p.37.
MOREIRA, Egon Bockmann.op.ci.p.161.
155
PEREIRA, Claudia Fernanda de Oliveira. Reforma Administrativa: O Estado, O Serviço Público e o
Servidor.Brasília Jurídica. Brasilia. 1998.p.314.
154
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Social. A função de assegurar o direito à educação para todos deve ser exclusiva do
Estado Social, somente em casos excepcionais deverá ser delegada ao particular,
posto que, conforme já foi dito, na esfera privada essencialmente temos a busca
pela obtenção de lucros, enquanto que o individuo é apenas um meio para tal fim.
Na mesma linha, o direito à saúde deve ser tido como função exclusiva do Estado,
não se transferindo a iniciativa privada à prestação das ações e serviços de saúde. A
lógica do sistema privado, conforme já assinalado, diverge e muito dos fins para os
quais o Estado Social foi implantado.
Cumpre ressaltar, por oportuno, que se na área da educação pode haver prejuízos
para o educando e para a sociedade como um todo, visto que o homem é apenas
um meio, para a área da saúde este prejuízo pode ser irreparável. Na área da
educação o meio natural ajuda a fazer uma seleção dos melhores centros de ensino,
para a sua permanência, sendo sempre possível reverter prejuízos daí decorrentes.
Entretanto, o mesmo não pode se dizer quanto à saúde. O ser humano
condicionado, pela esfera privada, como meio para a obtenção de lucro
desenfreado, pode levar ao prolongamento do sofrimento humano, bem como, a
abreviação da própria vida.
Caminhamos, na área da saúde no Brasil, (especificamente por ser o tema
estudado), no sentido de se buscar a terceirização dos serviços , fundamentada na
idéia de que, assim, se estará alcançando eficiência na prestação dos serviços, a
uma tendência do Estado a, novamente, lavar as mãos, este passaria apenas a
exercer a função de Estado Regulador. É o caso do Sistema de Saúde Pública que
vem sendo implementado no Estado de São Paulo, bem como, a idéia traçada pela
Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo. Chama-se a atenção para esse
grave equívoco em que se pode incorrer. Existirá uma grave violação aos direitos
fundamentais, um verdadeiro retrocesso na história dos direitos sociais no Brasil, em
especial para o direito à saúde, já marcada por tantos sofrimentos. Esta idéia não
encontra balizamento na vontade geral, expressa no texto constitucional de 1988.
Da leitura atenta do texto constitucional vê-se que essa não é vontade geral,
primeiro porque, no artigo 196 está consagrado o princípio da universalidade e
igualdade, uma vez que, assegura a todos indistintamente que saúde é um direito de
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todos e dever do Estado; num segundo momento, porque sentencia que é permitida
a iniciativa privada, participar complementarmente do sistema (art.199, §1º).
Nesta linha, a vontade geral vem revestida da idéia de cabe ao Estado, em caráter
precípuo, à prestação das ações e serviços de saúde, sendo permitido apenas, que
a iniciativa privada atue de forma complementar do sistema, e mesmo assim,
segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio (art.199,
§1º). Do texto pode-se aferir que existe um conflito inato entre terceirização dos
serviços de saúde e a vontade geral, representada na Carta Política, na medida em
que, as instituições privadas, não têm o dever primeiro, de perquirir o interesse
público, as regras válidas para estas encontram-se imersas no direito privado.
Acrescenta-se, ainda, para o fim de dissipar quaisquer dúvidas ainda remanescentes
que, o sentido etimológico da expressão gramatical complementar, segundo o
dicionário Novo Dicionário Aurélio é o “ que serve de complemento.2. Pertencente
ou relativo a complemento.3. Que sucede ao elementar”.156 Em outras palavras o
Estado Social deve assegurar o elementar, o principal, podendo a iniciativa privada
complementar. Valendo ainda, do prestimoso auxílio do vernáculo temos a
expressão elementar constituída como referente ao que está “na base, essência,
origem, essencial, fundamental, básico”157. De outro ponto, terceirização se refere a
atividade
Conforme registrado, se a saúde é um dever do Estado, este deve prestá-lo
diretamente, sob pena de violação do direito fundamental assegurado pela própria
Carta e consagrado como cláusula pétrea.
Com a terceirização dos serviços de saúde, uma vez que, as ações, na área da
saúde, têm um alcance que transcende ao indivíduo, a uma quebra do contrato
social.
Pensando, tanto no modelo de sistema de administração executiva ou judiciária,
verifica-se que há um descompasso quando se pretende a terceirização de serviços
essenciais a manutenção do status de dignidade da pessoa humana. Com a
terceirização, todos os princípios que devem nortear a atuação da Administração
156
157
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e J.E.M.M., Editores Ltda. Editora Nova Fronteira S.A.1ª edição.
Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e J.E.M.M., Editores Ltda. Editora Nova Fronteira S.A.1ª edição.
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Pública no Estado Social de Direito são cerceados. O princípio da impessoalidade,
identificado com a idéia de se priorizar o tudo para todos, deixa de existir. O princípio
da motivação, da mesma forma, não se identifica mais com o interesse público, o
primado da igualdade. O princípio da eficiência tem a mesma sorte, ganha nova
feição, passa a ter uma conotação estritamente privativista, o ser humano já não é
mais o fim, mas apenas o meio. O princípio da legalidade é violado em sua essência,
pois enquanto que para a Administração Pública vige o princípio de que somente é
permitido fazer aquilo que a lei permite, para o particular vigora o princípio de que
pode fazer tudo o que a lei não proíbe. São focados pontos completamente
diferentes. A uma quebra direta do contrato social. Este novo modelo de Estado que
se propõe é muito pior que o Estado Liberal, pois neste não existia a expectativa da
prestação material dos serviços e ações de saúde e de outros direitos sociais. A
sociedade já estava organizada para viver privada destes direitos, hoje se
implementarmos a nova idéia, existirá um retrocesso para todos, principalmente em
face da existência de um pseudo Estado Prestacional.
As regras do direito público passam a ser aplicadas entre a Administração e as
empresas contratadas, e como fica o direito do particular e sua relação com a
mesma Administração. Passa a existir um corpo intermediário entre Administração e
administrado, dificultando a preservação, fiscalização e manutenção das garantias
fundamentais.
Por mais que o Estado atue como órgão regulador, não conseguirá atender na
integralidade as necessidades essenciais do indivíduo, posto que, o que se estará
buscando em primeiro lugar não será o interesse público, o bem comum, mas lucro.
Nesta seara, o princípio da eficiência , como os demais princípios do direito público
serão violados e, via de conseqüência, também, restará violado o primado da
igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Reconhecer que é preciso rever o atual papel do Estado Social, qual o verdadeiro
modelo que se quer, não deve ser desprezado, mas colocar em vala comum a
terceirização de serviços meios, como construção de pontes, escolas, estradas e, de
igual modo, os serviços de saúde, representa uma grave violação do direito
fundamental à saúde, um retrocesso social. Viola os fundamentos da República e
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seus objetivos, joga por terra as cláusulas pétreas, mexendo com toda a estrutura da
República.
Deve ser acrescentado, ainda, que a pulverização dos serviços, através da
contratação de inúmeros serviços por parte do Estado, não só cria um corpo
intermediário entre Administração e administrado, como também, dificulta o trabalho
dos órgãos de controle, como Tribunal de Contas, Sistemas de Auditoria, Ministério
Público, sem falar é claro no cidadão que fica completamente perdido nessa selva
de pedras que se apresenta com mil faces. Este já não sabe a quem recorrer, o que
realmente lhe é devido.
A denominação correta para o Estado que se quer construir sem a legitimidade da
sociedade, deveria ser Estado de “ Mal Estar Social”, não é cópia do liberal, uma vez
que os tempos são outros, não é um verdadeiro modelo de Estado Social, mas outra
forma de Estado, com o qual não existe identidade com o interesse público.
No Estado Neoliberal quebra-se a subordinação ao Direito Administrativo, volta-se a
aplicar as leis civis, o que é extremamente danoso para o indivíduo. Na linha do
pensamento posto, PORTALIS ensina: “ As formas jurídicas, os tribunais e as leis
civis são instituições admiráveis para que um cidadão possa defender os seus bens
e a sua vida contra um outro cidadão. Elas são admiráveis ainda para proteger o
cidadão contra um o público no caso e em relação às coisas onde o público está
face a esse cidadão no mesmo plano de um particular que lida com um particular.
Mas não pode regular pelas mesmas regras em relação aos assuntos de polícia ou
administração geral ou seja, quando o público age para o interesse de todos,
quando actua para o bem da universalidade. Então a lei civil tem de dar lugar à lei
política e o bem comum torna-se a lei única e suprema”.158
A título de se buscar maior eficiência para a prestação dos serviços de saúde,
começa uma desenfreada onda de privatizações e terceirizações das atividades fins
do Estado, inclusive, atividades que devem ser exercidas exclusivamente por este,
deixando encoberto pelo manto de uma pseudo eficiência, os reais motivos
158
Citado por .JEAN-LOUIS MESTRE, “Introduction Historique au Droit Administratif Français, Ed.
P.U.F.,Paris,1985,p.175 Apud Maria João Estorninho. Fuga para o Direito Privado. Coleção Teses. Livraria
Almedina. Coimbra.1999.p.28
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ensejadores da idéia de delegar para a iniciativa privada atividades fins da
Administração Pública.
" Na verdade, é fácil imaginar que, por detrás deste tipo de fenómeno, existam por
vezes objectivos velados e subreptícios, como sejam os de tentar ultrapassar as
vinculações jurídico-públicas a que a Administração de outro modo estaria sujeita,
em relação às competências, às formas de organização e de actuação, aos
controlos ou à responsabilidade"159.
Com fundamento na idéia de que através da terceirização se terá maior eficiência na
prestação dos serviços na área da saúde, quer se optar pela privatização de tarefas
fins do Estado. A implementação dessas idéias fere de morte o direito fundamental à
saúde, vez que, como conseqüência desta "fuga"160 acontecerá:
a) a flexibilização dos contratos de trabalho, com a fuga do ativo do conhecimento
(humanware);
b) redução de custos ao preço de muitas vidas;
c) uma pseudo-economia, com a retração de investimento na área da prevenção;
d) para alcançar a eficiênciaxcusto, a vida humana será sacrificada, sendo colocada
em segundo plano;
e) não submissão aos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade,
legalidade, eficiência e igualdade;
f) não submissão às regras do Direito Administrativo, trazendo uma instabilidade
para o cidadão;
g) ausência de controle das atividades fins dos entes contratados, o que implica
num maior aporte de recursos financeiros sem o respectivo controle;
h) inexistência
de um responsável direto pela prática do ato, dificultando a
responsabilização pela violação aos direitos fundamentais;
159
ESTORNINHO, Maria João. op.cit.p.67.
sobre o tema consultar a obra "A Fuga para o Direito Privado". Maria João Estorninho. Livraria
Almedina,Coimbra.1999.
160
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i) benefícios fiscais por parte das entidades contratadas, como entidades
filantrópicas em detrimento do próprio Estado (exemplo de Universidades privadas e
Hospitais no Brasil);
A esse respeito, Maria João Estorninho leciona que : " Na minha opinião, pode dizerse que, ao longo dos tempos, a Administração Pública acabou muitas vezes por
passar de uma fuga que se poderia dizer quase "inocente" a uma fuga "consciente"
e perversa para o Direito Privado"161.
O Estado Neoliberal para o qual estamos caminhando , no modelo hoje proposto,
representará um retrocesso para a história dos direitos fundamentais, em especial
para o direito fundamental à saúde. A transição do Estado Social para o Neoliberal já
deixou em evidência que os reais objetivos, escondidos sob o manto da eficiência,
não são por certo a construção de uma Administração Pública mais eficiente,
fundamentada no princípio expresso no art. 37 da Constituição Federal,
muito
menos de um Estado cujo objetivo é a persecução do bem estar geral, mas sim,
mais uma vez, o benefício de uma ou várias classes sociais que já detém o poder
econômico no Brasil162.
IV.
Administração pública e a incorporação do princípio da eficiência
161
ESTORNINHO, Maria João. op.cit.p.68.
sobre o tema Maria João Estorninho (op.cit.p.160) leciona que : "Na verdade, pode considerar-se uma grande
"vitória" o facto da doutrina passar a estar alerta para o risco de, através de um movimento de afastamento para o
Direito Privado, a Administração Pública poder libertar-se da vinculação aos direitos fundamentais e conseguir ,
" de forma elegante" (OSSENBUHL), "dar volta" (OSSENBUHL) à Lei e à Constituição, obtendo um "espaço
de livre arbítrio administrativo" (OSSENBUHL).Tal situação seria, sem dúvida, "fatal", e obrigaria a um esforço
no sentido de impedir que o poder executivo continuasse impunemente nesse seu "caminho" para a
clandestinidade" (OSSENBUHL). Teoricamente, podem conceber-se duas soluções para evitar o perigo de "fuga
para o direito privado". Uma primeira, "radical" (EHLERS), traduzir-se-ia numa pura e simples proibição geral
de recurso às formas de actuação jurídico-privada pela Administração Pública. No entanto, na prática, nunca se
poderia pretender uma recondução total da actividade administrativa ao Direito Público, mas apenas procurar
"fazer recuar a actividade jurídico-privada da Administração (EHLERS). Tal recuo conseguir-se-ia "remetendo
as actvidades da Administração, desenvolvidas para a prossecução imediata dos fins públicos, para as formas de
actuação do Direito Público, não reconhecendo uma possibilidade de escolha da Administração entre o Direito
Público e o Direito Privado.Pelo contrário, uma segunda solução será a de permitir a "mudança de "círculo
jurídico" ("Rechtskreiswechsel") ou seja, permitir a actuação segundo o Direito Privado, mas obrigar a
Administração a, a par das normas jurídico-privadas, ter em consideração certas normas princípios gerais do
Direito Público.
162
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Ao apresentar o estudo sobre conceito e finalidade e fins da Administração Pública
no cenário Brasileiro, é preciso registrar, logo no início, que os fins da Administração
Pública estão condicionados aos fins do Estado163.
Como bem acentua Hely Lopes Meirelles, "em sentido lato, administrar é gerir
interesses, segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e
conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza-se a
administração particular; se são da coletividade, realiza-se administração pública"164.
É possível administrar bens próprios ou de terceiros. Em se tratando de
administração pública têm-se a administração de valores pertencentes a toda a uma
coletividade. Assim, se para a administração de bens particulares, é necessário
administrar com eficiência, muito mais, o será quando se tratar de administrar a
coisa pública. Lembra-se, uma vez mais, que a não aplicação do princípio da
eficiência na esfera pública será muito mais gravosa que na administração particular,
vez que, em conseqüência da ineficiência inúmeras pessoas serão atingidas.
“Para analisar e compreender as formas actuais da actividade jurídico-privada da
Administração Pública é fundamental ter presente a relação que sempre existiu
entre, por um lado, os fins do Estado e, por outro, as funções, as formas de
organização e as formas de actuação da Administração Pública.165
Assim, no Estado Absoluto166 a Administração Pública não existe enquanto um ente
individualizável. Está enfeixado na mão do poder soberano o direito de legislar,
julgar e executar. Tem como característica a identidade entre a vontade do rei e a
lei. A liberdade individual é constantemente ameaçada, não existe um limite para o
163
neste sentido Maria João Estorninho, (op.cit. 17), nos lembra que : Existe uma relação inevitável entre os
“modelos de Estado” e as teorias das formas de actuação da Administração Pública. Na verdade, o “modelo de
Estado” adoptado em certo momento e em certo local determina, desde logo, as funções que incumbem à
respectiva Administração Pública.
164
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros Editores. 28ª edição.
Brasil.2003.p.83.
165
ESTORNINHO, Maria João. Op.cit.p.17.
166
Cfr.assinala Diogo Freitas do Amaral ( Curso de Direito Administrativo. 2ª edição. Vol.I .Ed.
Almedina.Coimbra. 1994) O Estado absoluto é o subtipo do Estado moderno característico da fase da Monarquia
absoluta – particularmente, de meados do século XVIII. Os seus principais aspectos políticos são : centralização
do poder real; enfraquecimento da nobreza, ascensão da burguesia; não convocação das Cortes; a vontade do Rei
como lei suprema (L’Etat c’est moi); culto da razão de Estado; incerteza do direito e extensão máxima do poder
discricionário (“Estado de polícia”); o Estado como reformador da sociedade e distribuidor das luzes – o
depotismo esclarecido”, recuo nítido em matéria de garantias individuais face ao Estado.
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poder. Não existem garantias para os particulares, há uma centralização do poder
político e administrativo. A res pública não é administrada com fins a persecução do
interesse geral, mas sim, com fins claros de beneficiar uma minoria. Daí a
inexistência de um poder vinculado, a vontade do soberano é a máxima vontade da
lei, só existe o poder despótico.
Neste período, conforme registra Diogo Freitas do Amaral “novos e importantes
avanços têm lugar no crescimento e aperfeiçoamento da máquina administrativa” 167.
A título de exemplo o autor cita a expansão dos grandes serviços públicos nacionais
em França. Entretanto, não obstante ao crescimento, registra o mesmo autor que “o
ponto mais fraco deste imponente sistema administrativo é o modo de recrutamento
e promoção do funcionalismo público – por favoritismo, que não pelo mérito”168 , ou
seja, a coisa pública era tida como propriedade particular daqueles que detinham o
poder169.
No Estado Liberal em face da adoção do princípio da separação de poderes, a
Administração Pública assume um novo traço, estando subordinada a lei. Não
obstante, reconhecer que “em larga medida, a máquina (política e administrativa) do
Estado constitucional é a mesma do Estado de polícia” 170, no Estado Liberal “há
duas idéias fundamentais a considerar: a idéia de liberdade e a idéia de separação
de poderes”171. Não existe a figura do Estado prestador, mas apenas garantidor da
liberdade. A Administração Pública se organiza para cumprir a função de defesa e
proteção.
Da necessidade de limitação do poder, nasce a teoria da separação de poderes, e
como fruto desta evolução, vão se criar os tribunais administrativos e o direito
167
AMARAL,Diogo Freitas.op.cit.67.
AMARAL, Diogo Freitas.op.cit.p.67.
169
sobre o tema Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional,Tomo I,7ª edição Coimbra
Editores.2003.p.80) registra que usualmente é comum distinguir dois subperíodos na evolução do absolutismo.
Num primeiro, que se estende até princípios do século XVIII, a monarquia afirma-se de “direito divino”. O rei
pretende-se escolhido por deus, governa pela graça de Deus, exerce uma autoridade que se reveste de
fundamento ou de sentido religioso. Numa fase subseqüente, embora essa referência básica se mantenha a nível
de consciência jurídica da comunidade, vai procurar-se atribuir ao poder fundamentação racionalista dentro do
ambiente de iluminismo dominante. É o “despotismo esclarecido” ou, noutra perspectiva, em alguns países, o
“Estado de polícia” (tomando-se então o Estado como uma associação para a consecução do interesse público e
devendo o príncipe, seu órgão ou seu primeiro funcionário, ter plena liberdade nos meios para o alcançar).
170
MIRANDA,Jorde. Manual de Direito Constitucional. Tomo I. 7ª edição. Coimbra Editora.2005.p.84.
171
ESTORNINHO.Maria João.op.cit.p.30.
168
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administrativo172. “Administrar converte-se em sinônimo de executar as leis”173.Os
administrados passam a ver de forma nítida seus direitos perante a Administração.
Nasce para o cidadão o direito de recorrer aos Tribunais Administrativos em caso de
violação ao direito subjetivo174.
A administração fica incumbida de tarefas
executivas, cabendo ao judiciário a função jurisdicional e ao legislativo o papel de
elaboração das leis. Neste período, conforme lembra Diogo Freitas do Amaral, “são
criadas as escolas de formação de funcionários”, há uma preocupação com a
eficiência e a eficácia dos serviços prestados pelo Estado. Acrescenta, ainda, o
mesmo autor, “o funcionalismo é recrutado com base na competência, segundo o
modelo prussiano175 e submetido a um regime de estrita obediência hierárquica ao
poder político”176.
Verifica-se a presença de uma Administração preocupada com o primado da
eficiência, mas com os contornos de um Estado que tem por fim assegurar tão
somente o direito de liberdade do cidadão. O Estado neste momento histórico tem a
função precípua de defesa, sendo demissionários da função de prestação material.
Na função de defesa o Estado não assegura aos administrado o primado da
igualdade, nesta fase a igualdade é apenas no plano formal.
No Estado Social, a um avanço na história dos direitos humanos, sendo
assegurados, também, direitos sociais, econômicos e culturais. A Administração
Pública avança, tendo que ampliar a sua estrutura organizacional para acompanhar
os novos fins delineados pelo Estado Social.
No Estado Social, além da função de defesa, tem-se a função de proteção e
prestação. Não mais um Estado do laissez faire, mas a um Estado de Bem Estar
Social. Tem-se o alargamento dos fins do Estado, estando associado, também, a
172
sobre o tema consultar Maria João Estorninho.op.cit.p.31.
AMARAL.Diogo Freitas.op.cit.p.71.
174
crf. Diogo Freitas do Amaral.op.cit.71.
175
cfr. Diogo Freitas do Amaral (op.cit.p.68) foi a “Prússia, onde logo no século XVII se reconheceu a
necessidade de se colocar ao serviço do Estado um corpo de funcionários competentes e profissionalizados,
altamente disciplinados e hierarquizados, e por isso recrutados apenas com base no mérito. O sistema foi
profundamente melhorado com Frederico Guilherme I (1713-1740), que criou as primeiras cadeiras de
cameralismo – ou ciência da administração – nas Universidades Alemãs; que exigiu o correspondente diploma
como requisito de acesso à função pública superior; que introduziu exames de admissão ao funcionalismo; que
proibiu as acumulações do emprego público com o privado; e que excluiu a transmissibilidade patrimonial dos
cargos público.
176
AMARAL.Diogo Freitas. Op.cit.p.72.
173
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ampliação dos fins da Administração. Esta tem por objetivo primordial a implantação
do princípio da igualdade, é preciso agir com eficiência para atender aos fins do
Estado.
No Brasil, quando o Estado Social começa a ser delineado, já caminha para uma
nova forma de Estado, denominado por alguns de Estado Neoliberal. Neste a
Administração Pública retrocede na sua estrutura organizacional, com a privatização
dos serviços públicos, há uma atrofia das funções do Estado, e via de conseqüência
da Administração. Volta a existir um distanciamento entre o cidadão e a
Administração, já não consegue vislumbrar com clareza quais são os seus reais
direitos subjetivos, fica turva a visão. Já não se sabe mais quais as regras que
deverão ser aplicadas em caso de conflito, principalmente no que tange as
necessidades coletivas. Há um contraste entre o Estado absoluto, o Estado Liberal,
Estado Social e o novo modelo que se propõe.
Entretanto, esta não é a vontade geral expressa no modelo constitucional adotado
pelo povo Brasileiro. É preciso implantar um modelo de Administração eficiente, mas
este não será alcançada se houver uma privatização em massa dos serviços
públicos, inclusive, dos essenciais.
O gerenciamento da res pública deve permanecer nas mãos do Estado. Um Estado
que somando os pontos positivos do Estado Liberal ao Estado Social se coloque
como um novo Estado, prestador e garantidor dos direitos fundamentais sociais,
em especial do direito à educação e à saúde.
Conforme adverte Maria João Estorninho “ de facto, parece haver um novo espírito
nas relações entre a Administração e os particulares: se no Estado Absoluto o
Administrado era encarado como “súbdito”, no Estado Liberal como “cidadão” e no
Estado Social como “utente” de uma Administração prestadora, neste Estado dos
anos noventa, na minha opinião, o administrado parece começar a ser encarado
essencialmente como “consumidor” ou “cliente” de uma Administração “gestora”177.
Acrescentamos a idéia da autora que, no Brasil, especificamente o novo modelo
que se propõe de Administração, com a atrofia das funções do Estado, essa figura
177
ESTORNINHO,Maria João.op.cit.p.14.
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do administrado de consumidor ou cliente, principalmente nas áreas essenciais
como saúde e educação deve ser entendida como cidadão-utente. Este deve não só
ser respeitado, mas ver atendidas as suas necessidades primeiras por saúde e
educação, condição de pleno exercício da cidadania.
Neste novo modelo de Administração que se propõe, ou seja, uma Administração
eficiente, o cidadão deve continuar a ser visto como titular de direitos públicos
subjetivos, inserido num corpo social em que todos indistintamente devem ter seus
direitos fundamentais assegurados. Não mais um indivíduo ou uma classe social
como sujeito de direitos, mas toda uma coletividade, o tudo para todos.
CAPITULO V
O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SUA INTERAÇÃO COM OS DEMAIS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO INSTRUMENTOS PARA A EFETIVAÇÃO DO
DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE
O Princípio da eficiência, por si só, não garante que se tenha uma administração
eficiente. É necessário, aplicar o mesmo, associado aos demais princípios
constitucionais e constitucionais administrativos. Este não pode ser analisado
dissociado da evolução do Estado e sua Finalidade, da criação da Administração
Pública e principalmente dos princípios administrativos que devem nortear toda ação
nesta seara.
Numa visão mais ampliada, será trabalhado individualmente cada
princípio delimitado pela pesquisa e sua interação e importância com o princípio da
eficiência.
I.
Princípio da dignidade da pessoa humana
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A força do princípio da dignidade da pessoa humana, dentro da construção de
edifício jurídico,aparece estampada no Título I – Dos Princípios Fundamentais, artigo
1º da Carta Política, constituindo-se como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil. De igual modo, o princípio da dignidade da pessoa humana foi
consagrado na Declaração Universal de 1948, em seu art.1º, quando dispõe que
“todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Trata-se
da condição primeira para se efetivar os objetivos da República, principalmente para
a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária.
Robert Alexy em seu estudo singular sobre os princípios conclui: “ Los princípios
ordenam que algo debe ser realizado en la mayor medida posible, tiniendo en
cuenta las possibilidades jurídicas e fáticas”178
José Afonso da Silva define os princípios fundamentais do Título I da Constituição
como “mandamento nuclear de um sistema”.179 Para Rizzato Nunes o princípio da
dignidade da pessoa humana “é um verdadeiro supraprincípio constitucional que
ilumina
todos
os
demais
princípios
e
normas
constitucionais
e
infraconstitucionais”.180 Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser
conceituado como o princípio dos princípios, “a pedra angular do Estado Social de
Direito, quer isto dizer que, o homem é o centro e o fim de todas as atividades
desenvolvidas no seio social”181.
Dalmo de Abreu Dallari assinala que “ apesar das lições da história e de afrontar o
óbvio – a pessoa humana é o primeiro dos valores-, muitas pessoas levadas pelo
egoísmo essencial referido por Kant, dominadas pela ambição de mais poder, mais
riqueza ou mais prestígio político e social, agem como se a pessoa humana fosse
apenas um “meio”, que se pode utilizar para a consecução de algum fim eleito como
prioritário”182
178
Robert Alexy.ob.cit.p.86
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição. Malheiros Editores. Brasil
2003.p.91
180
NUNES, Rizzato. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Editora Saraiva. Brasil. 2002. p. 50.
181
SAMPAIO, Nícia Regina. A Saúde como Direito Fundamental. Relatório Apresentado a Disciplina de
Direitos Fundamentais. Da Faculdade de Direito. Da Universidade de Lisboa. P.61
182
DALLARI, Dalmo de Abreu. Ética Sanitária. Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para
Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Organizado po Márcio Iorio Aranha e Sebastião
Botto de Barros Tojal. Reforsus. Ministério da Saúde. Governo do Brasil. 128
179
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Delimitar o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana é uma tarefa
árdua, sobre qual temos que debruçar um esforço continuo, em face da grandeza
deste183. Fazendo um estudo etimológico do vocábulo dignidade, encontramos a sua
origem no latim, representada pela expressão dignitãs, ou seja, “facto de ser digno,
merecedor, mérito, merecimento. Consideração, estima, prestígio, dignidade,
honorabilidade // esse in otio cum dignitate, Cir., gozar a tranqüilidade cercada de
184
consideração.”
Nesta seara, o princípio pode ser entendido como sendo aquele que coloca a
pessoa humana no Centro . “O homem, ser social, merece do Estado e dos demais
indivíduos da sociedade, todo o respeito e consideração, devendo ser tratado
sempre como o fim de todas as coisas e não como o meio”185. Além de princípio de
toda atividade humana, este também se reveste do caráter de direito fundamental,
na medida em que, mesmo quando o individuo é privado de sua liberdade de ir e vir,
não se lhe retira em hipótese alguma o direito a ser tratado com dignidade.
“Com isso o princípio básico da “dignidade da pessoa humana” interroga os “efeitos
horizontais”(Drittwirkung), decorrentes da vis expansiva dos direitos fundamentais,
não apenas juridicamente, mas também ético-socialmente”186. “Não mais e apenas a
limitação e coordenação das liberdades individuais como conteúdo – e a sua
limitação exclusiva à esfera do Estado - , antes a delimitação e realização de tarefas
de bem-estar social”.187
A dignidade da pessoa humana engloba necessariamente respeito e proteção da
integridade física e emocional (psíquica) em geral da pessoa...” Neste sentido, “ é
183
Neste mesmo sentido, Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional , 13ª edição, Malheiros Editores,
Brasil, 2003,p.293) leciona que : Os princípios baixaram primeiro das alturas montanhosas e metafísicas de suas
primeiras formulações filosóficas para a planície normativa do Direito Civil. Transitando daí para as
Constituições, noutro passo largo, subiram ao degrau mais alto da hierarquia normativa.
184
Dicionário de Latim Português , Dicionários Editora, Porto Editora, Por António Gomes Ferreira, Porto,
Portugal,1994.
185
SAMPAIO,Nícia Regina. A Saúde como Direito Fundamental. Relatório Apresentado a disciplina de Direitos
Fundamentais. Ciências Jurídico-Política. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal.p.61.
186
DENNINGER,E., Sicherheit/Vielfalt/Solidaritat:Ethisierung der Verfassung?,in ULRICH K. PREUSS (ed.),
“Zum Begriff der Verfassung. Die Ordnung des Politischen”,Francoforte sobre o Melo, 1994,pp.95 ss.Apud
Cristina M. M. Queiroz. In Direitos Fundamentais, Teoria Geral. Coimbra Editores. Faculdade de Direito da
Universidade do Porto.2002.p.57.
187
ibidem, e Jurgen Habermas, Faktizitat und Geltung,p.204 .Apud Cristina M.M. Queiroz. Op.cit.p.57
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qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, devendo ser reconhecida,
respeitada, promovida e protegida.”188
O princípio da dignidade da pessoa humana é a base sobre a qual será construída
toda motivação humana para se fazer com eficiência. Todas as vezes que o Estado
Social for chamado a intervir, seja na função de defesa, proteção ou prestação,
através de um de seus agentes públicos, deverá agir tomando por fundamento o
princípio dos princípios. A plena consciência, por parte dos agentes públicos, de que
o homem deve ser sempre o fim de toda atividade na área pública e não o meio para
se alcançar objetivos escusos, levará a produção de ações eficientes com resultados
eficazes para todos.
“Assim, portanto, objetivos econômicos, políticos, científicos, sociais ou de qualquer
espécie, que afetem os seres humanos, deverão ser considerados sempre “meios”
subordinados ao fim que é a pessoa humana com sua dignidade”.189
No mesmo sentido, Chaim Perelman pondera: “ Se é o respeito pela dignidade da
pessoa humana que fundamenta uma doutrina jurídica dos direitos humanos, esta
pode, da mesma maneira, ser considerada uma doutrina das obrigações humanas,
pois cada um deles tem a obrigação de respeitar o indivíduo humano, em sua
própria pessoa bem como na das outras. Assim também o Estado, incumbido de
proteger esses direitos e de fazer que se respeitem as obrigações correlativas, não
só é por sua vez obrigado a abster-se de ofender esses direitos, mas tem também a
obrigação de criar as condições favoráveis ao respeito à pessoa por parte de todos
os que dependem de sua soberania”190
Dessa forma, para que um ser humano possa gozar plenamente de sua dignidade, é
preciso que o Estado Social caminhe a passos largos para a efetivação dos direitos
fundamentais. Conforme se infere pelas reflexões de Rizzato Nunes, “ como é que
188
SARLET,Ingo Wolfgang . Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal
de 1988, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p.152.
189
DALLARI, Dalmo de Abreu. Op.cit.p.129.
190
PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão.Editora Martins Fontes. São
Paulo. 2002. p.401.
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se poderia imaginar a que qualquer pessoa teria sua dignidade garantida se não
fosse assegurada saúde e educação?”191
Neste sentido, quanto mais se aproxima o contexto social do mundo legal , tanto
mais dignidade para a pessoa humana. Na seqüência das idéias, pode-se dizer, por
outras palavras que, quanto mais agirmos com eficiência na prestação dos serviços
e ações de saúde, teremos mais saúde e via de conseqüência mais vida com
dignidade.
II.
Princípio da igualdade
O princípio da igualdade compõe a outra face da moeda, em que de um lado figura o
princípio da eficiência. A racionalidade na utilização dos recursos disponíveis,
associado a metas estabelecidas com fundamento em um planejamento estratégico
eficiente, contribuirá para a promoção de mais justiça social. No momento em que se
caminha para a promoção de mais justiça social, concomitante se estará produzindo
mais igualdade.
João Caupers lembra que o princípio da igualdade, inscrito nos artigos 13º e 266º,
nº 2, da CRP, obriga a Administração a Administração Pública a tratar igualmente os
cidadãos que se encontrarem em situação objectivamente idêntica e desigualmente
aqueles cuja situação for objectivamente diversa192.
Este princípio deve ser bem compreendido. Deve ficar clara que não se está dando
uma margem de discricionariedade ao administrador para que possa decidir, por
exemplo, entre aquele que deve viver ou morrer.
Neste sentido, acrescenta o autor, que o princípio envolve uma limitação ao
exercício de poderes discricionários, constrangendo a Administração Pública à sua
191
RIZZATO, Nunes. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Editora Saraiva. Brasil.
2002. p. 51.
192
CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo. 6ª edição.Editora Âncora.Lisboa. 2001.p.81.
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utilização uniforme em circunstâncias idênticas (a alínea d) do nº 1 do art. 124º do
CPA, tem o objectivo de possibilitar a verificação do respeito por esta obrigação.193
A fim de aclarar o que foi dito, a título de exemplo, deve ser registrado que, o
Ministério da Saúde no Brasil estava preparando norma técnica, que tratava da
possibilidade, de conceder àqueles que tem mais possibilidade de sobrevivência, o
direito de ocupar os leitos disponíveis, ou que estes fossem submetidos as cirurgias
necessárias, enquanto que os mais velhos e em estado de enfermidade grave,
fossem encaminhados para a casa , a fim de morrer no seio da família 194. A proposta
do Ministério da Saúde foi questionada pelos meios de comunicação, tendo o
governo federal recuado imediatamente na sua proposição.Por certo este não é o
sentido e objetivo do princípio da igualdade. Pelo contrário, em se tratando da vida
humana, todos os recursos colocados à disposição da Administração Pública devem
ser utilizados em busca da promoção do bem comum, o que implica, neste caso,
inclusive, a aquisição de leitos de UTI na rede privada, objetivando a preservação da
vida humana. Na verdade, com o encaminhamento da norma técnica, seus
idealizadores estavam tentando dar solução ao problema, sem dar, ou seja, estavam
trabalhando com as conseqüências.
Na medida em que o País vive um clima de estabilidade, não estando submetido a
nenhuma das calamidades provindas da natureza, como o caso da Tsuname, é
possível e desejável que a Administração Pública atue
fundamentada em um
planejamento estratégico, evitando-se que o caos aconteça. Conforme já salientado,
um planejamento estratégico, elaborado por pessoas eficientes e executado por
pessoas eficientes produz mais justiça social, evitando que situações dramáticas
como a apresentada pela proposta do Ministério da Saúde ocorra.
193
CAUPERS, João.op.cit.p.81.
194
Diz o correio Braziliense do dia 12 de abril de 2005 . SAÚDE
Restrição de acesso a UTIs é criticada
O governo quer impor normas para estabelecer, dentro do Sistema Único de Saúde, quais pacientes devem ser
internados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Médicos condenam a iniciativa. Dizem que essa atribuição
cabe exclusivamente a eles. E que o certo seria investir na melhoria dos hospitais e não limitar o atendimento.
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Um planejamento eficiente no setor saúde, significa um investimento pesado na área
da prevenção, evitando-se que a pessoa venha a adoecer. Diz o ditado antigo “é
melhor prevenir do que remediar”. O acompanhamento da população de cada
município, identificando previamente as principais causas pelas quais as pessoas
estão adoecendo, associado a uma ação eficiente de controle dos vetores que
levam a doença, permitirá um resultado bem diferente do que estamos vivenciando
hoje no Brasil, ou seja, o que deu causa a preparação da combatida norma técnica
que seria emitida pelo Ministério da Saúde. O que se deseja é a eficiência
produzindo igualdade e dignidade.
Na linha ora apresentada, JJ. Gomes Canotilho conclui que não há, pois, igualdade
no não direito. Reduzido a um sentido formal, o princípio da igualdade acabaria por
se traduzir num simples princípio de prevalência da lei em face da jurisdição e da
administração.195 E, acrescente o autor que o cerne do problema permanece
irresolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem são os desiguais196
O que o Ministério da Saúde estava propondo, através da elaboração da norma
técnica, era
um não direito, tirando a vida de uns para se salvar outros. Uma
antecipação da morte de uns para o prolongamento da vida de outros. O que por
certo não se traduz nem na igualdade formal pretendida pela lei e, muito menos na
igualdade material almejada pelo Estado Social.
Cabe lembrar, conforme preleciona Jorge Miranda que “o sentido primário do
princípio é negativo : consiste na vedação de privilégios e de discriminações”197.
Estes são as premissas sobre as quais devem assentar todas as ações realizadas
com o fim de se promover a igualdade.
Neste mesmo sentido, o mesmo autor elenca três pontos firmes, que traduzem o
sentido da igualdade, são eles:
a) que igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade natural
ou naturalística;
195
CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Editora Almedina. p.
427
196
CANOTILHO. J.J.Gomes.p. 427.
197
MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3ª edição.Coimbra Editora. 2000.p.238.
100
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b) que igualdade significa intenção de racionalidade e, em último termo, intenção
de justiça;
c) que igualdade não é uma “ilha”, encontra-se conexa com outros princípios,
tem de ser entendida – também ela - no plano global dos valores, critérios e
opções da Constituição material198.
Por tudo o que foi dito, temos que considerar que todas as vezes que o princípio da
eficiência for violado, por via indireta estará sendo violado, também, o princípio da
igualdade. Num raciocínio lógico, tem-se que quanto mais investimento em recursos
humanos qualificados, racionalização de custos, que tenham como alicerce um
planejamento bem elaborado estará se contribuindo para a promoção de mais
igualdade e justiça social, em ponto diametralmente oposto, a atuação ineficiente,
compromete a promoção da igualdade e justiça social.
Transformando palavras em números, temos , a titulo de exemplo no Brasil, segundo
dados do DATASUS que a cada R$1,00 investido na prevenção, têm-se uma
economia de R$4,00 na área curativa. Isto traduzido em vidas humanas
representará cifras assustadoras, conforme descreve a matéria jornalística seguinte:
“ Terror maior que o disseminado por Osama Bin Laden nos países desenvolvidos
ocorre nas nações do terceiro mundo que sofrem as mazelas da falta de
saneamento básico: 913 crianças por hora, 15 por minuto ou uma cada quatro
segundos morrem no mundo por doenças relacionadas à falta de saneamento.
Segundo o Datasus, 20 crianças de zero a quatro anos morrem por dia no Brasil em
decorrência da falta de saneamento básico, principalmente de esgoto sanitário. Em
compensação, para cada R$ 1,00 investido no setor de saneamento, economiza-se
R$4,00 na área da medicina curativa.”199
Segundo os dados apresentados, temos que a ineficiência do poder público
Brasileiro é responsável por 7.300 mortes de crianças de zero a quatro anos.
198
MIRANDA, Jorge.op.cit.p.238.
SENA, A., Falta de Saneamento Básico causa mais mortes que as guerras. Gazeta Mercantil. São Paulo.p.2,16
out. 2001.
199
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“Dados de saneamento básico também ganham importância porque representam
enorme impacto sobre a mortalidade infantil. Entre as famílias com renda per capita
mensal de até meio salário mínimo, a taxa de mortalidade infantil em famílias que
dispunham de infra-estrutura adequada em termos de rede geral de água e de
esgoto ou fossa séptica, era de 51,6 por mil nascidos vivos; no segundo caso, das
famílias sem acesso a essa infra-estrutura, a taxa se eleva para 107,9 por mil
nascidos vivos”200
Assim, quando a Constituição formal, no art. 5º diz que “todos são iguais perante à
lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade”, vê-se com clareza que se trata de um ideal
a perseguir pelo Estado Social, mas que ainda está longe de se concretizar.
Nesta seara, uma atuação eficiente, pautada em valores éticos pode contribuir para
a mudança do estado de coisas atualmente presentes.
III. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade foi inserido no texto constitucional brasileiro, no art. 37
quando diz o seguinte: A Administração pública dieta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...”
Este princípio impõe a Administração Pública direta e indireta o dever de obediência
à lei, ou por outras palavras, buscar a concecussão do interesse público sempre
balizada na lei. Apartir da entronização do princípio na carta constitucional fica
evidenciado que enquanto para o administrado vige o princípio da liberdade, ou seja,
de que pode fazer tudo o que a lei não proíbe, para a Administração pública direta e
indireta vigora o princípio da legalidade, ou seja, somente pode fazer aquilo que é
determinado pela lei.
200
PEREIRA,Cláudia Fernanda de Oliveira. Op.cit.p.313.
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O princípio da legalidade representa um divisor de águas entre a atuação
administrativa que gerenciava a coisa pública sem parâmetros ou regras
previamente definidas, como o que se via na monarquia absoluta, e a atuação
administrativa que tem o condão de perquerir o interesse público tendo como
fundamento os ditames da lei, como aconteceu no Estado Liberal. Por essa
característica pode-se dizer sem sombra de dúvidas que este é um dos princípios
mais importantes dentre os aplicáveis a Administração pública.
Ao pensarmos no princípio da legalidade, imediatamente o pensamento viaja até a
revolução francesa e seus ideais. O princípio da legalidade emerge no século XIX
estabelecendo que a Administração fica subordinada à lei. “ A lei aparece, portanto,
como um limite da acção administrativa: esta não pode praticar quaisquer actos que
contrariem as normas legais”201.
Com a evolução da sociedade, houve também uma evolução do conteúdo essencial
do princípio da legalidade. Hodiernamente, este princípio tem recebido de alguns
autores a denominação de princípio da juridicidade, ou seja, conforme lição de Diogo
Freitas do Amaral, in verbis:
“A Administração pública deve respeitar a lei ordinária, sem dúvida, mas deve
respeitar também : a Constituição, o Direito Internacional que tenha sido recebido na
ordem interna, os princípios gerais de Direito enquanto realidade distinta da própria
lei positiva e ordinária, os regulamentos em vigor, e ainda, os actos constitutivos de
direitos que a Administração pública tenha praticado e os contratos de
administrativos e de direito privado que ela tenha celebrado, pois uns e outros
constituem também uma forma de vinculação da Administração pública que é
equiparada à legalidade”.
No mesmo sentido, Garcia de Enterría lembra que :
“quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica também
claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed lex), não é
qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente aqueles que
201
AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. Vol.II. 2ª Reimpressão. Editora Almedina.
2003.p.44.
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produzem “dentro da constituição” e especialmente de acordo com sua “ordem de
valores” que, com toda explicitude, expressem e, principalmente, que não atentem,
mas que pelo contrário sirvam aos direitos fundamentais”202.
A questão que se apresenta quando se inícia o estudo do princípio da legalidade e
sua compatibilidade com o princípio da eficiência é se a despeito de assegurar uma
administração prestacional dos serviços e ações de saúde para todos, como
exemplo, estaria a Administração pública dispensada da obediência ao princípio da
legalidade. Ou ainda, se para se alcançar a eficiência na Administração Pública
poderia-se atropelar o ordenamento jurídico garantido a eficácia da ação,
independentemente da previsão legal que amparasse a ação administrativa.
Existe ou não incompatibilidade entre os dois princípios? Não existe uma
incompatibilidade, ao contrário, estes se somam e se completam.
Neste particular, chamamos a atenção para a Administração Pública
que deve
prestar bens e serviços à coletividade de forma planejada, ordenada, segura e
impessoal. O próprio ordenamento jurídico prevê de que forma e em que medida o
Estado prestacional deve atender as necessidades coletivas. Cria-se o regramento
para atingir o interesse público, contudo, o que se vê é uma administração pública
amadora, que aplica recursos públicos como se o recurso fosse do outro e não de
todos e em beneficio de todos.
Com a evolução das formas típicas de atuação administrativa, também, devem ser
revigorados
e
atualizados
os
conteúdos
dos
princípios
constitucionais
administrativos. No Estado Social a atuação administrativa consiste também em
obedecer ao planejamento previamente elaborado para a prestação dos bens e
serviços à coletividade.
Maria João Estorninho ao desenvolver o tema da classificação das diversas formas
de atuação administrativa registra que.
202
GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. Princípio da legalidade na constituição espanhola. Revista de Direito
Público, nº 86,p.6 Apud Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. Décima segunda edição. São Paulo. 2002.
Editora Atlas. P. 69.
104
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“ Finalmente, no Estado Pós-social, que parece querer assumir-se como «Estadogarante», a Administração Pública, sob o lema «faire-faire», torna-se essencialmente
uma entidade gestora e assume tarefas de planeamento, fomento e controlo
(«planende Verwaltung»)”203.
Quando a Administração executa a prestação dos serviços deve previamente
planejar a forma como será prestada e os recursos que serão gastos ou investidos.
A Administração para contrair despesas deve se respaldar numa lei administrativa
que lhe permita a execução. Logo, o princípio da legalidade vige, tanto na
administração agressiva como na administração constitutiva ou prestacional. O que
importa ressaltar é que a nova forma de atuação da administração, do Estado Póssocial não pode ficar inerte como acontecia no Estado Liberal, demissionário das
prestações essenciais, e nem tampouco assumir o papel de prestador incondicional
de qualquer serviço que entenda
essencial para a sociedade, como no Estado
Social, é preciso mais, que as regras de planejamento sejam também observadas
pela Administração Pública seja no exercício da atuação administrativa agressiva
ou prestacional.
Na área da saúde pública, por exemplo, no Brasil, existem vários instrumentos de
planejamento alicerçados no princípio da legalidade e rotineiramente desrespeitados
pela Administração na prestação dos serviços e ações de saúde. Os secretários de
saúde e o corpo funcional que compõem a área, atuam, de uma forma geral, no
amadorismo, ou seja, vamos fazer para ver se vai dar certo. O Plano de ação que
deve ser executado no período de quatro anos, é feitos fora dos padrões legais, não
se observa dados importantes como o perfil epidemiológico para se construir metas
viáveis e com resolutividade para a sociedade e, ainda, o que é pior, estes planos
sequer saem das gavetas.
Por tudo o que foi dito, o princípio da legalidade, que nasce com o Estado Liberal
permanece vivo e presente no Estado Social e Pós-Social, constituindo um dos
balizamentos para se assegurar, também, a aplicabilidade do princípio da eficiência.
203
ESTORNINHO, Maria João. A Fuga para o Direito Privado. Coleção Teses. Livraria Almedina.
Lisboa.1999.p.102.
105
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IV.
Princípio impessoalidade
O princípio da impessoalidade está consagrado no artigo 37 na Constituição Federal
de 1988, traduzindo a vontade geral de que a res pública seja conduzida por valores
supremos como dignidade da pessoa humana e cidadania, ou seja, principalmente
voltada para o primado da igualdade. Vendo o princípio da impessoalidade como
uma das faces de uma moeda, pode-se aferir que na outra face, imanente a este,
estará o princípio da igualdade. O exercício continuado do princípio da igualdade
deve ter por origem uma atuação impessoal, de caráter geral, de promoção do bem
de todos. Celso Antonio Bandeira de Mello identifica o princípio da impessoalidade
ao princípio da igualdade, quando leciona que :“o princípio em causa não é senão o
próprio princípio da igualdade ou isonomia”.204
Buscando o sentido etimológico da palavra impessoal, temos segundo o dicionário
Aurélio, o seguinte significado: “ que não se refere ou não se dirige a uma pessoa
em particular, mas às pessoas em geral”205. Para José Afonso da Silva o princípio da
impessoalidade da administração Pública significa que “ os atos e provimentos
administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou
entidade administrativa em nome do qual age o funcionário”.206
Não obstante a hermenêutica jurídica referir que o princípio da impessoalidade se
dirige num primeiro plano aos órgãos ou entidades administrativas, não se deve
desconsiderar que a Administração em sentido orgânico somente pode concretizar
seus objetivos através do corpo funcional. Os objetivos a serem perseguidos pela
Administração Pública serão sempre definidos
previamente por homens. Estes,
podem estar imbuídos de motivações de caráter essencialmente impessoal, de
prossecução do bem estar coletivo, mas podem também estar revestidos de
motivações egoísticas, comprometendo a função precípua da Administração Pública.
204
MELLO, Celso Antonio de. Curso de Direito Administrativo. 15ª edição. Malheiros Editores. Brasil. 2003. p.
Dicionário Mini Aurélio. Século XXI.Editora Nova Fronteira. 5ª edição. Rio de Janeiro. 2002.
206
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição. Malheiros Editores. Brasil.
2003. 647.
205
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Desta forma, o princípio se relaciona diretamente ao órgão ou entidade, mas,
também, e principalmente ao corpo funcional. “Significa que a Administração não
pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez
que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento”. 207 Em
outras palavras,todas as vezes que a vontade do governo não tiver identidade com
o a vontade estatal, ou seja, a prossecução do interesse geral, a Administração
Pública não estará agindo com fundamento no princípio da impessoalidade. De outra
forma, todas as vezes que a
ação do agente público não
tiver por fim a
concretização do interesse público, por detrás desta, haverá uma motivação de
caráter impessoal, comprometida com valores que não foram constituídos para a
construção de Estado Democrático de Direito.
Na lição de Hely Lopes Meirelles, o princípio em estudo, nada mais é do que “o
clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só
pratique o ato para o seu fim legal”208. E acrescenta, ainda, o mesmo autor, que “ a
finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo:
o interesse público”209 .
Na linha do pensamento posto, temos que para alcançar os objetivos fundamentais
da República Federativa do Brasil, em
especial, de erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, é necessário que na
busca do interesse geral, exista uma motivação precipuamente impessoal, moral e
ética. Não se concebe, mesmo daqueles que ingressaram via concurso público para
o exercício de um cargo público, que se aproprie da coisa pública, fazendo desta um
patrimônio pessoal, ou um meio para auferir vantagens pessoais. Tem que se ter à
perfeita compreensão de que a apropriação que se deve fazer é dos princípios e
valores da República, jamais de seu patrimônio e prestigio.
Uma atuação impessoal, ética e eficiência contribuirão para erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e , assim, concorre
diretamente para a concretização do Estado Social. A redução das desigualdades
207
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª edição. São Paulo. Editora Atlas S.A.
2003.p.71.
208
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. Malheiros Editores. Brasil 2003. p.
90.
209
MEIRELLES, Hely Lopes. Op.cit.p.90.
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social propiciará mais dignidade para todos e, via de conseqüência, também, mais
saúde para todos.
V.
Princípio da motivação
A análise do princípio da eficiência deve ser feita à luz dos demais princípios
administrativos, dentre eles o princípio da motivação. O princípio da motivação é um
pressuposto para a concretude do princípio da eficiência. A motivação pode ser fiel
ao interesse público, ou conflitante, dependendo da finalidade que se pretende
atingir210. Pode-se agir com eficiência para atender a interesses personalisticos, ou
para se alcançar o interesse público. Nesse sentido terá que ser observado também
e principalmente a finalidade do ato. Partimos da necessidade, que poderá gerar
uma motivação, para depois percorrer um caminho de eficiência
e atingir a
finalidade. Motivação, eficiência e finalidade devem ser avaliadas em conjunto. Se a
motivação que gerou a prática de um ato administrativo, mesmo que tenha uma face
de eficiência, for estritamente individualista, a finalidade ou eficácia ficará
comprometida, bem como a avaliação da eficiência do agente. De outra forma, se a
motivação que deu impulso ao ato administrativo tiver por fundamento a busca do
interesse público, com uma ação eficiente à finalidade será alcançada. “A finalidade
terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o
interesse público”.211
210
no mesmo sentido Hely Lopes Meirelles (op.cit.p.97) registra : “esses motivos afetam de tal maneira a
eficácia do ato que sobre eles se edificou a denominada teoria dos motivos determinantes, delineada pelas
decisões do Conselho de Estado da França e sistematizada por Jêse”.
211
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. Malheiros Editores. Brasil.2003. p.
90.
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O princípio da motivação não está previsto explicitamente no art. 37 da Constituição
Federal de 1988, entretanto, já está consagrado pela doutrina e jurisprudência, bem
como, por norma infraconstitucional. Na Lei nº 9.784/99 o princípio da motivação
está previsto no art. 2º. Consta, também de outras leis, como a Lei nº 8.666/93 . Este
“exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de
suas decisões”.212 Através da motivação vai se descortinar os reais objetivos
perseguidos pelo agente que determinou a ordem. E esta que irá conduzir o fazer
com eficiência. “ A sua formalidade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se
trata de formalidade necessária para permitir o controle da legalidade
dos atos
administrativos”.213 Cria-se um balizamento para todo ato administrativo, seja ele
discricionário ou vinculado. Identificado o fundamento de fato e de direito das
decisões administrativa, abrem-se as portas para o controle da legalidade dos atos
administrativos214, bem como, para que a sociedade como um todo possa avaliar se
o interesse público foi ou não o interesse que impulsionou o agente público.
Neste sentido, pode-se dizer que o que motiva o indivíduo a agir com eficiência na
esfera privada, em primeiro plano é a possibilidade de obtenção do lucro, com vias a
manter, também, o próprio negócio. De outro ponto, o que impulsiona o indivíduo a
agir com eficiência na esfera pública é o perfeito conhecimento do interesse público,
a satisfação do bem comum.
No primeiro caso, a satisfação do interesse que move o indivíduo a fazer com
eficiência, recai em um benefício para a sua própria pessoa.
Na segunda proposição, a satisfação do interesse, que move o indivíduo a atuar
com eficiência, encontra eco no benefício de toda uma coletividade.
Vê-se que na primeira hipótese, o interesse primário é eminentemente individualista,
sendo que no segundo, o interesse primário deve vir revestido da promoção do bem
estar coletivo. Daí a dificuldade de se implementar o segundo. A dicotomia presente,
entre homem e sociedade, contribui para a inconcretude do princípio da eficiência.
212
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª edição. Editora Atlas S.A. São Paulo. 2003. p.
82.
213
DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Op.cit.p. 82.
214
Neste sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (op.cit.p.83) leciona que “ ...a motivação é fundamental para
fins de controle da legalidade dos atos administrativos.
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Para que cada servidor público possa se apropriar do conteúdo deste princípio, e
aplicá-lo a sua práxis é necessário que exista primeiro um movimento interior ético,
uma motivação de fato, que compreenda a magnitude da busca incessante do
interesse público.
É preciso que exista uma compreensão de que “ o homem não existe isolado; vive
ao lado dos seus semelhantes”215. Portanto, deve-se concluir que, as ações
praticadas pelo homem, terão reflexo direto sobre o mesmo homem, mesmo que de
forma indireta e, também, sobre as demais pessoas.
Somente existirá um avanço para todos, na medida em que a motivação de cada
ação, na área pública, tenha por fundamento a persecução do interesse público.
Partimos da idéia de que atendidas as necessidades materiais da coletividade, por
via indireta, também estará atendida a necessidade de cada individuo, inclusive
daquele que deu início ao primeiro ato.
Caso o ato administrativo praticado pelo agente, não esteja revestido de um ideal de
consecução do interesse público, este deve ser declarado pelo Poder Judiciário
como inválido.
Neste viés, Celso Antônio Bandeira de Mello disse que “atos administrativos
praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo
Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas
depois de impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os
motivos aduzidos efetivamente existiam ou foram aqueles que embasaram a
providência contestada”216.
VI. Princípio da publicidade
215
LESSA, Pedro. Estudos de Filosofia do Direito. Editora e Distribuidora Bookseller. 2ª edição. São
Paulo.2002. p. 265.
216
DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores Ltda. Brasil.
2003. p. 103.
110
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O princípio da publicidade tem previsão legal no art.37, caput da Constituição
Federal de 1988, sendo considerando pela doutrina, também, como princípio da
transparência. Este é imanente a arte de administrar a coisa pública. No momento
em que o Estado assume tarefas fins como administrar a coisa pública, deve prestar
contas de seus atos do início ao fim, dando ciente a quem de direito sobre: O que
faz? Com base em que faz? De que forma faz? E com quais recursos realiza o ato?
A publicidade é condição de validade dos atos e contratos administrativos, seus
efeitos são contados a partir de sua divulgação. Assim a "publicidade não é
elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade"217.
Como lembra Celso Antônio Bandeira de Mello, " não pode haver em um estado
democrático de direito , no qual o poder reside no povo (art.1°, parágrafo único da
Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam,
e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma
medida"218.
Nesta medida, o princípio da publicidade, quando rigorosamente cumprido, é um
forte instrumento de controle dos atos públicos, colocado à disposição do povo em
geral. O acompanhamento dos atos praticados pela Administração permite que atos
eivados de nulidade ou que tenha fins diversos do interesse público possam ser
questionados de imediato, evitando-se o desperdício e a corrupção com o dinheiro
público. Em especial, no caso da saúde pública, este controle da execução das
políticas de saúde, através dos atos devidamente publicados, pode ser efetivado
pelo povo diretamente, através do controle social, Tribunais de Contas da União e
Estados, Comissões de Saúde das Câmaras dos Deputados e de Vereadores,
Ministérios Públicos dos Estados e Federal.
Neste sentido, cabe aos órgãos de controle manter constante vigilância sobre as
publicações oficiais, inclusive, para fiscalizar possível uso da máquina pública para
benefícios individuais, como a campanha eleitoral.
217
218
MEIRELLES, Hely Lopes. op.cit.p.92.
DE MELLO, Celso Antonio Bandeira.op.cit.p.104.
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Além de representar um forte instrumento de controle dos atos administrativos, o
princípio da publicidade contribui diretamente para a concretização do princípio da
eficiência, o controle dos resultados. Uma aferição constante das ações realizadas
pelo poder público, através dos atos necessários à sua consecução, irá permitir uma
economia para os cofres públicos, bem como, exigir daqueles que são responsáveis
pelos atos uma agir com mais eficiência.
Cumpre registrar, que a aferição constante dos atos de execução das políticas
públicas na área da saúde, revertendo, quando necessário,
o curso de atos
manifestamente ilegais e imorais representa não só a economia para os cofres
públicos, como também, mais saúde e vida para a coletividade.
VII.
Princípio da moralidade
O princípio da moralidade administrativa está contemplado, também, no art. 37,
caput, da Constituição Federal de 1988. O princípio encerra um conceito vago,
sendo necessário o uso da hermenêutica para lhe definir o conteúdo e limite.
Se toda lei fosse formulada com fundamento em critérios éticos e morais, o princípio
em questão seria aplicado somente quando houvesse o
descumprinto da lei.
Entretanto, é conhecida a máxima de que nem tudo o que é legal é moral. No Brasil,
inúmeras leis inconstitucionais e imorais são sancionadas, em total desrepeito ao
mandamento constitucional, levando operadores jurídicos a um trabalho árduo para
ver declarada a inconstitucionalidade destas normas. Não obstante a estes fatos
narrados, a máxima deveria ser lida como: tudo o que é legal é, também, moral,
pois formulada com fundamento no interesse público pré-estabelecido.
De outro ponto, também, é sabido que por mais que o legislador fosse zeloso em
seus afazeres, não seria possível a lei contemplar e regular todas as possibilidades
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em que a Administração é chamada a intervir. Cabe, assim, a esta uma margem de
discricionariedade, devendo incidir, neste particular, principalmente o princípio da
moralidade, evitando-se a construção de um Estado paralelo.
Segundo a definição do dicionário Soares Amora, moral se refere aos deveres e
modo de proceder dos homens para com os seus semelhantes. Ética. 219 Neste
sentido, pode-se entender o princípio da moralidade administrativa, que se difere do
conceito de moral comum, como sendo o dever de agir segundo os critérios éticos e
morais estabelecidos no mandamento constitucional. Esta contempla o código ético
ditado pela sociedade de seu tempo sobre o modo de promover a justiça e igualdade
social.
Considerando, ainda, o princípio em estudo, temos que este nos remete ao dever
de agir com probidade, honestidade, bons costumes e justiça. Na linha do
pensamento de Marcello Caetano, o dever de probidade impõe assim ao funcionário
uma conduta de absoluta isenção, de modo a que não seja suspeito de prevaricar,
de deixar-se corromper ou de por outro modo ser infiel à entidade servida e aos
interesses gerais que lhe cumpre realizar e defender220.
O dever de probidade, honestidade e lealdade para com a coisa pública, não implica
somente o dever de não lesar ao erário221, de não auferir qualquer vantagem
patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função,
emprego,etc...222, mas, também no dever de obediência aos princípios da
administração pública.223 do entendimento posto, tem-se que o dever de probidade
implica no cumprimento do dever de eficiência, ou seja, otimizar recursos, agir com
responsabilidade e celeridade, trabalhar com profissionalismo e planejamento,
recrutar servidores via concurso público, evitando que o ativo do conhecimento se
219
Minidicionário Sooares Amora da lingua portuguesa / Antonio Soares Amora. 17ª edição. São Paulo. Saraiva.
2003.
220
CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Vol.II.10ª edição. Livraria Almedina. Coimbra.
1991.p.750.
221
Segundo o artigo 10 da Lei nº 8.429/92: constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário,
qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento
ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art.1º desta lei, e notadamente:...
222
Nos termos do artigo 9º : Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito
auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função,
emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei,...
223
Complementando, dispõe o art. 11 da Lei nº 8.429/92. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições e, ...
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perca a cada eleição, a busca constante do interesse coletivo, a promoção dos
direitos fundamentais. Enfim, a obediência ao princípio da moralidade implica na
sujeição primeira aos princípios constitucionais administrativos da legalidade,
impessoalidade, publicidade e eficiência. nos termos do art. 37, §4º da constituição
federal, a prática dos atos de improbidade administrativa importarão na suspensão
dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o
ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação
penal cabível.
Assim, a obediência ao princípio da moralidade estará presente, na medida em que
cada integrante da Administração Pública exercite a sua função com austeridade e
competência, contribuindo para a implementação dos direitos fundamentais, em
especial, pelo direito fundamental social à saúde.
Conforme leciona Gregório Robles, “hoy la ética se ha transformado en una
necessidad radical, pues sin ella el gênero humano sucumbirá a la destrucción. Es
preciso un nuevo pacto; el pacto que nos impulse a la contemplación de la
humanidad como un todo y nos permita salvarmos juntos. No un pacto a favor del
Estado, como los modernos, sino un pacto a favor de la humanidad”224.
224
ROBLES, Gregório. Los Derechos Fundamentales y la ética en la sociedad actual. Cuadernos Civitas.
Editorial Civitas. S.A. Madrid.Espanã.1992.p.185.
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CAPITULO VI
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO UM INSTRUMENTO EFETIVO PARA A
IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, EM ESPECIAL O DIREITO
À SAÚDE
Após definir o conteúdo e limite do princípio da eficiência, assim como, compreender
a evolução dos direitos fundamentais e a sua real importância para a sedimentação
do princípio da dignidade humana, poderá ser estabelecido o elo de ligação entre a
implementação do princípio da eficiência e a garantia do direito à saúde para todos.
I.
História dos direitos fundamentais
O Direito Fundamental
à saúde
é um direito humano de segunda dimensão,
segundo classificação doutrinária, aparecendo no cenário nacional com o Estado
Social de Direito.
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Este pode ser estudado tomando por base a teoria histórica, filosófica, sociológica e
pela dogmática jurídica. No caso em particular do presente estudo irá preponderar a
análise do direito à saúde pela dogmática jurídica , sem contudo, desprezar o auxílio
prestimoso e essencial das demais teorias mencionadas.
Para uma compreensão preliminar da elevação do direito à saúde à categoria de
direito fundamental, na Constituição Brasileira e em outros ordenamentos jurídicos,
temos que seguir obrigatoriamente alguns passos da história dos direitos humanos.
Estes, numa visão jusnaturalista225 são preexistentes a gênese do Estado, imanente
a condição humana, sendo assegurado a todo ser humano pelo simples fato de
existir.226
Não obstante a existência e valor desta corrente filosófica, a história da humanidade
comprova que o desenvolvimento da sociedade e o nascimento do Estado levou a
submissão de um ser humano por outro, a violação dos direitos inerentes a toda
pessoa humana, não só pelo cidadão comum, como também pelos cidadãos eleitos
para governar a coisa pública.
Neste cenário,
emerge a necessidade de limitação do poder, através de regras e
princípios que tornem harmônica a convivência em sociedade. O marco histórico
desta fase é a Magna Carta Libertatum, que surge na Inglaterra, na Idade Média.
Nesta já estava assegurado ao cidadão Inglês o direito a um julgamento por uma
corte judicial, respeitada as leis do pais. O art. 39º do referido documento assim
proclamava: “ nenhum homem livre pode ser preso ou encarcerado, nem privado de
sua propriedade, nem banido, nem perseguido por outra qualquer maneira. E não
procederemos, nem faremos proceder contra ele, a não ser por força de uma
sentença judicial, proferida pelos seus colegas de classe, ou conforme com as leis
do país”.
Os direitos reconhecidos pelo pacto tratado, apesar de direcionados apenas para
uma camada estratificada da sociedade medieval, barões e bispos, sem dúvida
225
conforme ensina Ingo Wolfgang Sarlet, o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano,
pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis, é o determinado perído préhistórico.
226
Os direitos humanos ,segundo leciona Hoffe, citado por Ingo wolfgang Sarlet, referem-se ao ser humano
como tal (pelo simples fato de ser pessoa humana), ao passo que os direitos fundamentais (positivados nas
Constituições) concernem às pessoas como membros de um ente público concreto.”p.35
116
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foram os balizadores para o futuro dos direitos fundamentais na concepção
hodierna.
Contribuição idêntica podem ser atribuídas a outros documentos históricos, como o
Habeas Corpus Act, de 1679, subscrito por Carlos II, e o Bill of Rights de 1689,
promulgado pelo Parlamento, Declaração de Direitos do povo da Virginia, de 1776,
Declaração Francesa de 1789, Constituição Americana de 1787.
Na seqüência da história, principalmente após a Declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão de 1948,documento que reconhece os direitos sociais como direitos
fundamentais para toda a humanidade, constituições que se seguirem a este
período, passaram a dar um tratamento diferenciado aos direitos sociais, em
especial ao direito à saúde, incluindo no rol dos direitos fundamentais.
Deve ser assinalado, entretanto, que a Constituição Mexicana de 1917 foi que, por
primeiro, sistematizou o conjunto de direitos sociais do homem, sendo seguida logo
após, pela Constituição de Weimar de 1919. Esta reconhece não só a existência dos
direitos individuais proclamados pelas revoluções americana e francesa, como,
também, a existência de direitos sociais (direito ao trabalho, a assistência pública, do
direito a instrução).
Sobre a importância do movimento socialista para a implantação dos direitos sociais,
Fábio Konder Comparato lembra que: “O reconhecimento dos direitos humanos de
caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do
movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses
direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre
conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela
miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam, desde
logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos
necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim
verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em
atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas”227.
227
COMPARATO. Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. III edição. Editora Saraiva.
São Paulo.2003.p.53.
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Paulo Bonavides, em estudo sobre o tema, sintetiza que “ os direitos sociais fizeram
nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo,
conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos de liberdade, era proteger a
instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à
valorização da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde
se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade de valores
existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda plenitude”228
II.
O direito à saúde na Constituição Federal de 1988
Os direitos sociais aparecem pela primeira vez na Constituição Brasileira de 1934.
Esta sob a influência da Constituição do México e de Weimar, começava a esboçar
os primeiros passos para a consagração do atual estágio dos direitos sociais.
Conforme disposto no art. da referida Carta, é assegurado......
Vê-se que no documento histórico estava presente a preocupação com a saúde
pública, pois "enfocavam a morbimortalidade infantil, a higiene mental e a
propagação das doenças transmissíveis229
O direito à saúde começa a ganhar os primeiros traços, que irão posteriormente
compor o capítulo dos direitos sociais na atual Constituição. Da mesma forma, na
década de 70 foram colocados os primeiros pilares do modelo de saúde que se
pretendia para o Brasil do futuro.
Assim é que "a década de 70 no Brasil é marcada pelo Movimento Sanitário de
âmbito nacional, que nasceu entre grupos de profissionais de saúde que se
228
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.13ª edição.Malheiros Editores. Brasil.2003.p.565.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. Departamento de
Gestão da Educação na Saúde.
Direito Sanitário e saúde pública/ Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na
Saúde . Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Márcio Iorio Aranha.(org) – Brasília: Ministério da
Saúde . 2003. 2 v. 13.
229
118
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
opunham ao governo militar, propunham uma ampla reforma no Sistema Nacional de
Saúde e buscavam alternativas para a política de saúde até então implantada e que
não atendia aos anseios nem às necessidades do povo brasileiro"230.
No período que antecede a Carta Política de 1988, somente tinham acesso as ações
e serviços de saúde uma pequena parcela da sociedade, ou seja, aqueles que
contribuíam para a previdência social, os demais membros da coletividade eram
excluídos da assistência à saúde. Para estes restava contar com a benevolência das
famosas Santas Casas de Misericórdia. Caso houvesse uma vaga, estes eram
atendidos por misericórdia, caso contrário, lhes estava reservado a sorte do destino.
Na Constituição de 1988, o direito à saúde se transmuda em direito fundamental
social, porque visa tutelar o bem da vida. Não mais um direito daqueles que tem
condição de contribuir para a previdência social, mas um direito de todos, em
condições de igualdade231.
“ Há uma revolução de perspectiva232 em matéria de saúde: a par de um Direito
da Saúde (constituído pelo “conjunto das normas aplicáveis às actividades cujo
objectivo é restaurar e proteger a saúde humana”233) – do qual o Direito da Saúde
Pública é um sub-ramo (formado pelas “normas que regulam a organização e a
actividade da Administração Pública, movida pelos fins de concretizar a garantia
constitucional da protecção da saúde e manter tão elevado quanto possível o nível
sanitário da população”234) – passa a agora a existir um direito à saúde235, uma
230
Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da
Magistratura Federal. (Org. Márcio Iorio Aranha e Sebastião Botto Barros Tojal). Universidade de Brasília –
UNB, ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ), REFORSUS, Ministério da Saúde, Governo do
Brasil. p.530.
231
Neste mesmo sentido Guido Ivan de Carvalho ( Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da
Saúde (Leis n° 8.080/90 e 8.142/90 ) Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos – 3ª ed. – Campinas . SP. Editora
da Unicamp. 2002. p.72) ensina que : " A saúde no texto constitucional não é mais um"seguro social" a ser
satisfeito mediante contribuição especial do cidadão. Nesse particular, a saúde difere da previdência social, que
continua a ser um direito assegurado mediante o pagamento de contribuição especial do beneficiário do sistema
(artigo 195,II, da Constituição, e Leis n° 8.212/91 e n° 8.213/91).
232
J.MOREAU/D. TRUCHET, Droit de la Santé Publique, Paris, 1981,p.14. Apud Carla Amado Gomes, Defesa
da Saúde Pública Vs. Liberdade Individual. Casos da vida de um médico de saúde pública. Lisboa, 1999.
Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa.p.9
233
J.-MICHEL DE FORGES, Le Droit de la Santé, 2ª edição, Paris, 1995, apud Carla Amado Gomes, op. cit.
p.9
234
J.M. SÉRVULO CORREIA, Introdução ao Direito da Saúde, in Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, 1991,
apud Carla Amado Gomes, op.cit.p. 9
235
J-MICHEL DE FORGES, op.cit. apud Carla Amado Gomes, op.cit.p.9.
119
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
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posição jurídica activa dirigida a obter cuidados de saúde, através de uma estrutura
organizada nesse sentido”236.
Há uma nova perspectiva e esperança de vida. Este direito é então consagrado em
diversos dispositivos constitucionais . Em primeiro lugar, aparece como um dos
fundamentos da República. Nos termos do art. 1º da Carta,
fazem parte,
obrigatoriamente dos fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana e a
cidadania. Para que se possa expressar em sua máxima potencialidade o princípio
da dignidade humana, é necessário que o indivíduo e toda a coletividade tenha
assegurado o acesso às ações e serviços de saúde. Sabemos que diversos fatores
podem contribuir para que um indivíduo perca a saúde, estes vão desde problemas
genéticos até questões relacionadas à degradação do meio ambiente. Entretanto, na
perspectiva atual do conceito de saúde, ditado pela Organização Mundial da Saúde
como um “Estado de completo bem estar físico, mental e social”, faz incluir a todos,
indistintamente, como portadores de direito público subjetivo à saúde, ou por outras
palavras, direito as ações e serviços de saúde. Ações que vão desde a adoção de
medidas preventivas e eficazes de equilíbrio do meio ambiente,a vacinação em
massa de pessoas idosas contra o vírus da gripe e adoção de medidas de cunho
eminentemente curativo, como a realização de um transplante de coração, dentre
outras. De igual modo, não há que se falar em cidadania, quando o direito à saúde
não está assegurado. O exercício da cidadania pressupõe que o indivíduo possua,
na convivência em sociedade, meios eficazes de sobrevivência. Não se pode falar
em cidadania ou saúde, quando a fome, ainda é causa de mortalidade infantil e
adulta. Não pode existir saúde e cidadania quando 900 crianças morrem por hora no
mundo por ausência de saneamento básico, no Brasil morrem 20 crianças por dia,
pela mesma causa.237
236
237
GOMES, Carla Amado. Op. cit. p. 9.
CFR. 1.1.4 MORTE DE 900 CRIANÇAS POR HORA
“Mais de 900 crianças morrem por hora no mundo em conseqüência de doenças causadas pela falta de
saneamento básico. Os dados são da Organização Mundial de Saúde (OMS).A causa das mortes é o surgimento
de doenças como cólera, disenteria, hepatite e gastroenterite. No Brasil, 20 crianças morrem diariamente por
falta de esgoto sanitário”.
237
120
Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
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Não há como se falar em dignidade da pessoa humana se o ser humano for
atendido em suas necessidades básicas, como o direito à saúde, muito menos lhe
será permitido o exercício pleno da cidadania. A saúde é condição primeira para
uma vida com dignidade e cidadania, neste momento se insere o importante papel
do princípio da eficiência, enquanto instrumento para se alargar o acesso aos
direitos fundamentais.
“Como direito fundamental, o direito à saúde está inserido no conceito da dignidade
da pessoa humana, princípio basilar da República, previsto no inciso III do art. 1º da
Constituição Federal, pois não há se falar em dignidade se não houver condições
mínimas de garantia da saúde do indivíduo. Da mesma forma, a proteção do direito
à saúde é manifestada no caput do art.5º da Constituição, que preconiza a
inviolabilidade do direito à vida, o mais fundamental dos direitos. Inconciliável,
igualmente, proteger a vida, sem agir da mesma forma com a saúde”238
Em segundo lugar, apresenta-se com a face de um dos objetivos da República,
conforme descrito no art. 3º,inc.IV, quando dispõe que
“Constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil : IV – promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação. A expressão “promover o bem de todos”, comporta um série de
interpretações, dentre elas,com certeza a idéia de que promovendo o bem de todos,
também, por via indireta, estará se promovendo a saúde, qualidade essencial para
se alcançar o bem individual e coletivo. É sabido que o bem mais importante que o
ser humano tem é a saúde física e mental.Todos os demais valores, como
educação, lazer, trabalho podem ficar comprometidos se não houver a saúde física e
mental.
No Brasil, a título de exemplo, em especial na região do nordeste, crianças tem o
seu desenvolvimento cognitivo afetado por lhes faltar ainda na primeira infância
acesso a alimentação adequada, condição para a saúde. Aquelas que sobrevivem,
perdem o direito ao pleno exercício da cidadania, por não ter condição de recolher
do ensino formal os conhecimentos necessários,uma vez que o desenvolvimento
238
Curso de Especialização à distância para Membros do Ministério Público e Magistratura Federal. Org. Márcio
Iorio Aranha e Sebastião Botto de Barros Tojal. UNB- Universidade de Brasília. Reforsus.ENSP- Escola
Nacional de Saúde Pública. Ministério da Saúde.p.291.
121
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mental fica, também afetado. “A começar pelas condições adequadas a uma boa
gestação e parto, uma série de variáveis compõem o cenário para que se possa ser
pleno o que chamamos desenvolvimento humano”239.
Tratando do tema Claudia Fernanda de Oliveira Pereira registra que “mais de 70
milhões de brasileiros não têm acesso a uma alimentação minimamente suficiente
para suprir suas necessidades nutricionais. Graus variados de desnutrição atingem
30,75% das crianças brasileiras com idade entre zero e cinco anos, ou mais de 5
milhões de crianças, em número absolutos; no Nordeste, a desnutrição alcança
56,6% das crianças nessa faixa etária, segundo dados da Situação Alimentar e
Nutricional do Brasil (1992, Rocival L. Araújo) e foi justamente ela a causa primária
da maioria das mortes infantis, tornando essas crianças mais vulneráveis a doenças,
sem falar no
nanismo,
caracterizado pela
estatura
inferior aos padrões
internacionais, que atinge 25% dos adultos brasileiros (dados do IBGE 1989).”Esses
dados evidenciam que grande parte dos brasileiros não tem conseguido atingir seu
potencial biológico, do qual a estatura física é apenas um aspecto, em razão da
deficiência alimentar...No Brasil está se formando uma nova e trágica sub-raça
humana. A etnia da miséria e da fome!”240
Promover o bem de todos implica em oferecer condições para o pleno
desenvolvimento humano, e a saúde é a condição primeira para se alcançar este
pleno de desenvolvimento humano.
Conforme já foi registrado, o desenvolvimento humano pode ficar comprometido
para sempre, na história do indivíduo, se não lhe for garantido o direito à saúde,
desde a gestação até os primeiros três anos de vida. Pesquisa realizada pela
ANDI/IAS intitulada “ A infância na mídia” denuncia que “ nos primeiros três anos, as
sinapses; espécies de pontas entre um neurônio e outro, fazem o cérebro chegar a
1,2 quilos, quase o tamanho que terá na fase adulta. Essa rede se desenvolve
quando a criança vê, ouve, sente. Ou seja, quando recebe estímulos. Acredita-se
que a estabilidade emocional, o vocabulário potencial e a capacidade de raciocínio
lógico são determinados até os quatro anos. Pesquisas do IPEA apontam que os
239
Pesquisa Infância na Mídia. Pesquisa ANDI/IAS. Ano 6.número 11. 2001. ANDI – Agência de Notícias dos
Direitos da Infância e Instituo Airton Senna.
240
PEREIRA,Claudia Fernanda de Oliveira.op.cit.p.313.
122
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brasileiros que freqüentam a pré-escola entre os 5 e 6 anos tendem a aumentar sua
renda futura em até 18% “241.
Pelos dados da pesquisa vê-se que a ausência de uma prestação de serviços e
ações de saúde de qualidade compromete o desenvolvimento humano, impedindo
que crianças tenham o desenvolvimento no seio da família, escola e sociedade que
lhe permitam no futuro o pleno exercício da cidadania.
Em terceiro lugar, a Constituição Federal de 1988 consagra o direito à saúde quando
assegura no art. 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida...”.
O vocábulo vida, vem do latim vita e quer dizer, “ conjunto de fenômenos comuns
aos animais e vegetais que contribuem para o seu desenvolvimento e conservação,
constituindo o seu modo de actividade desde o nascimento até
a morte.-
existência.”242
“ Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao
contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua
atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o
crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras;
existência”.243
“Dessa forma, para uma boa hermenêutica do sentido axiológico pretendido pelo
legislador constituinte ao introduzir a vida como um valor superior e
um direito
fundamental , devemos associar ao conceito de direito o sentido do vocábulo vida.
Direito á vida será, assim, direito à existência, ou seja, direito ao desenvolvimento,
permanência e sobrevivência da pessoa humana.
O direito à vida, analisado nesta perspectiva nos remete a idéia fundamental de que
este direito pressupõe o seu pleno exercício , através da existência de elementos
241
Pesquisa Infância na Mídia. Pesquisa ANDI/IAS. Ano 6.número 11. 2001. ANDI – Agência de Notícias dos
Direitos da Infância e Instituo Airton Senna.
242
Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências deLisboa, Verbo,II Volume, 2001,
Realização da Academia das Ciências de Lisboa e da Fundação Calouste Gulbenkian
243
Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª edição revista e ampliada, Editora Nova Fronteira, 1986.
123
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biológicos e sociológicos favoráveis, ou seja direito ao bem estar físico, mental e
social , necessários ao desenvolvimento, permanência e sobrevivência. Podemos
sintetizar, desta forma, o direito à vida, como um direito do homem à existência
digna e como um dever do Estado, plano positivo e negativo, uma vez que, cabe a
este, no plano constitucional o dever de
preservar, proteger e garantir
a sua
manutenção.
O dever do Estado para com a vida de cada pessoa, conceito integral de vida,
abarca o status negativo,do Estado Liberal, e o status positivo, do Estado Social, ou
seja, ao tempo em que ao Estado não é permitido invadir ou violar a esfera
individual, cabe a este criar os mecanismos jurídicos e materiais para a sua
preservação e sobrevivência.
Nesta linha, pode-se afirmar que a racio do direito à saúde é tutelar o direito à vida, à
integridade física e moral, bem como, o respeito ao princípio da dignidade da pessoa
humana”244.
Por tudo quanto foi dito , conclui-se que não existe vida plena quando falta ao
indivíduo à saúde. Esta concebida como um estado de completo bem estar físico e
mental.
Neste sentido, José Afonso da Silva leciona que “é espantoso como um bem
extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de
direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito
igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença,
cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da
ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não
ter muito valor sua consignação em normas constitucionais”245
Em quarto lugar, o direito à saúde está consagrado no artigo 6º da CRF quando
sentencia que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a
244
SAMPAIO, Nícia Regina. A Saúde como um Direito Fundamental no Estado Social. Universidade de Lisboa.
Faculdade de Direito. Mestrado em Direitos Fundamentais.p.59/60.
245
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 22ª edição.Malheiros Editores.
Brasil.2003.p.306.
124
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segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados”.
Conforme se verá, a saúde é um direito fundamental do ser humano frente ao
Estado e aos demais, de eficácia plena, ou seja aplicabilidade imediata, protegido
pela força das cláusulas pétreas. Qualquer lei tendente a abolir direitos
fundamentais é inconstitucional, está assegurado a cláusula do não retrocesso
social.
O direito à saúde está consagrado entre os direitos fundamentais de segunda
geração, nasce com o Estado Social. Nasce, também, junto com os demais direitos
sociais, econômicos e culturais,
estando “abraçado ao princípio da igualdade, do
qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de
ser que os ampara e estimula”246.
Há outros dispositivos constitucionais que tratam, também do direito à saúde, como
o artigo 23, inciso II, artigo 24, inciso XII, 196, 197,198 e 199. O artigo 196 dispõe
que “são direitos de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação”. Pelo dispositivo constitucional fica estabelecido como um dever do
Estado, assegurar a todo individuo, independentemente de classe social e
econômica, o direito a prestação material das ações e serviços de saúde, todas as
vezes em que o status saúde se inverter para doença, bem como, a implementação
de medidas de cunho preventivo, que beneficiem a todos, evitando-se que a
população venha a adoecer. De um modo ou de outro, incumbe ao Estado Social,
enquanto fim primeiro, o dever de garantir a todos, o acesso em condições de
igualdade, às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde.
Esta norma é considerada pela doutrina como norma programática, posto que
depende da intermediação do legislador infraconstitucional. Entretanto, há que se
lembrar que o referido dispositivo constitucional já foi regulamentado pelas leis nºs
8.080/90 e 8.142/90. Toda a regulamentação necessária já está em pleno vigor, não
podendo mais se permitir que administradores ímprobos usem do subterfúgio de que
246
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 13ª edição. Brasil. 2003. p. 564.
125
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o direito à saúde é norma programática para postergar um direito fundamental,
elementar para a vida humana.
Neste sentido, Paulo Bonavides leciona que “ as chamadas normas programáticas
foram
sempre
uma
espécie
de
salvo-conduto
para
as
omissões
do
constitucionalismo liberal no campo da positividade social do direito”.247
Há que se ressaltar, também, que mesmo que a norma do artigo 196 não tivesse a
devida regulamentação, o que não é o caso, deve ser considerado que o artigo 6º da
CRF que assegura a saúde como um direito fundamental é de aplicação imediata,
ou seja, é um direito público subjetivo que visa tutelar o bem da vida. Nesta seara,
as medidas de cunho preventivo ou de proteção que demandam um planejamento e
aporte de recursos podem ser realizadas a curto, médio e longo prazos. Entretanto,
quando se trata do direito individual a uma assistência material imediata, esta não
pode ser postergada em hipótese alguma, sob pena de se admitir que o
administrador pública possa conceder a pena de morte àqueles consideravelmente
enfermos e hipossuficientes. Quando o indivíduo necessita de uma cirurgia em
caráter emergencial, já não se trata mais apenas de lhe assegurar a saúde, mais o
direito à própria vida. Este, conforme já foi dito, é de aplicação imediata, eficácia
plena.Trata-se de posição jurídico-prestacional com a mesma densidade jurídicosubjetiva dos direitos de defesa.
A esse respeito J.J Gomes Canotilho em comentário ao Ac. Nº 39/84, do tribunal
Constitucional relativo à extinção legal do Serviço Nacional de saúde identifica os
traços constitutivos das normas consagradoras de direitos econômicos, sociais e
culturais, nestes termos : i- os direitos fundamentais sociais consagrados em normas
da Constituição
dispõem de vinculatividade
normativa-constitucional (não são
meros “programas” ou “linhas de direção política”);ii- as normas garantidoras de
direitos sociais devem servir de parâmetro de controlo judicial quando esteja em
causa a apreciação da constitucionalidade de medidas legais ou regulamentares
restritivas destes direitos;iii- as normas de legislar acopladas à consagração de
direitos sociais são autênticas imposições legiferantes, cujo não cumprimento poderá
justificar, como já se referiu, a inconstitucionalidade por omissão; iv- as tarefas
247
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª edição. Malheiros Editores.2003. Brasil.p.630
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constitucionalmente impostas ao Estado para a concretização destes direitos devem
traduzir-se na edição de medidas concretas e determinadas e não em promessas
vagas e abstractas; v- a produção de medidas concretizadoras dos direitos sociais
não é deixada à livre disponibilidade do legislador, embora este beneficie de uma
ampla liberdade de conformação quer quanto às soluções normativas concretas quer
quanto ao modo organizatório e ritmo de concretização 248.
De mais a mais, no art. 197, está dito que “são de relevância pública as ações e
serviços de saúde ...”, o que importa a dizer que estes tem prevalência sobre os
demais serviços e ações que serão executadas pela Administração Pública. A
prioridade de investimentos e ações do Estado deve estar voltada para assegurar a
vida com qualidade para todos.
Por fim, partindo-se o conceito jurídico de eficiência e compreendendo a magnitude
do direito à saúde, pode-se concluir que este é um princípio constitucional pré-dado,
como acentuado pelo direito alemão, na medida em que é condição sine qua non
para a materialização do direito à saúde assegurado pela Constituição Formal.
III.
A saúde como direito fundamental
São reconhecidos como direitos fundamentais, “ todos os direitos
ou garantias
nomeados e especificados no instrumento constitucional”249. No plano material,
segundo Schimitt, citado por Paulo Bonavides , “ variam conforme a ideologia , a
modalidade de Estado; a espécie de valores e princípios que a Constituição
consagra”250
Assim, o direito à saúde, foi consagrado no Brasil, como um direito fundamental na
Constituição Federal de 1988. A elevação do direito à saúde a categoria de preceito
fundamental é um divisor de águas entre o Estado Liberal e o Estado Social no
Brasil. Enquanto no Estado Liberal o direito à saúde era assegurado somente
aqueles que podiam pagar, representava um não direito à vida, no Estado Social ele
248
CANOTILHO.J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Livraria
Almdina.Coimbra.2002.p.480
249
BONAVIDES, Psulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª edição. Malheiros Editores. Brasil.2003.p.561.
250
SCHIMITT, Carl. Verfassungslehre,pp.163 a 165 Apud Paulo Bonavides,op.cit.p.561.
127
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se transmuda para um direito universal e igualitário. O Estado assume não só a
função de defesa e proteção, como também a função de prestação dos direitos
fundamentais.
O direito à saúde integra a segunda geração dos direitos fundamentais. Figurando
como direitos fundamentais de primeira geração temos os direitos de liberdade, ou
os direitos civis e políticos. É importante salientar que a classificação dos direitos
fundamentais em gerações, não implica em exclusão dos direitos de liberdade para
se assegurar os direitos econômicos, sociais e culturais, trata-se de um processo
cumulativo de direitos. O reconhecimento em cada país dos direitos de primeira
geração impulsionam para o surgimento de outros, numa cadeia sempre
ascendente, há um “espaço sempre aberto a novos avanços”251.
Com o nascimento dos direitos de liberdade, o Estado assume a função de defesa,
ou seja, conforme adverte José Carlos Vieira Andrade :
“um dever de abstenção:abstenção de agir e, por isso, dever de não-interferência
ou não intromissão, no que toca às liberdades propriamente ditas, em que se
resguarda um espaço de autodeterminação individual;abstenção de prejudicar e,
então, dever de respeito, relativamente aos bens designadamente pessoais (vida,
honra, bom nome, intimidade), que são atributos da dignidade humana individual”252
No mesmo sentido, Ingo Wolfgang Sarlet, adverte que:
“Acima de tudo, os direitos fundamentais – na condição de direitos de defesa –
objetivam a limitação do poder estatal, assegurando ao indivíduo uma esfera de
liberdade e outorgando-lhe um direito subjetivo que lhe permite evitar interferências
indevidas no âmbito da proteção do direito fundamental ou mesmo a eliminação de
agressões que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia pessoal”253
Para J.J.Gomes Canotilho, “os direitos fundamentais cumprem a função de direitos
de defesa dos cidadãos sob dupla perspectiva :(1) constituem, num plano jurídico251
BONAVIDES, Paulo.op.cit.p.563.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.2ª
edição.Editora Almedina. Coimbra.2001.p.174.
253
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3ª edição. Livraria do Advogado
Editora.Brasil.2003.p.175.
252
128
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objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo
fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual;(2) implicam,
num
plano
jurídico-subjectivo,
o
poder
de
exercer
positivamente
direitos
fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de
forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdades negativas)” 254
Função de Prestação
Aplicabilidade Imediata
CAPITULO VII
NORMAS LEGAIS PARA A EFETIVA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA
EFICIÊNCIA NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA
I.
O sistema único de saúde no brasil
O modelo de SUS que temos foi construído com fundamento no ideário do Estado
Social ou Estado Providência. Estado este, que se antecipa as necessidades de
seus cidadãos e oferece uma pronta resposta. Houve uma profunda mudança no
modo de fazer saúde no Brasil, depois da Constituição Federal de 1988. Exatamente
assentado no modelo de Estado Social. Estas mudanças não ocorreram todas de
uma vez, mas progressivamente, ou seja, ainda está acontecendo.
A idéia de
criação do SUS foi assegurar a todos independentemente de sua condição
econômica o acesso aos serviços e ações de saúde, em outras palavras, incluir
254
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Editora
Almedina.Coimbra.2002.p. 407.
129
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definitivamente os excluídos deste direito. Como se trata de um sistema que ainda
não se consolidou, mas está em franco processo de construção, alguns caminhos
podem não ser a opção mais eficiente, necessitando de ser constantemente
reavaliado. Entretanto, por tudo o que se tem visto, o modelo adotado, quando
cumprido a risca, atende aos interesse público, aos objetivos da República.
Conforme foi identificado por Antonio Alvim, tratando do funcionamento do Sistema
de Saúde em Portugal, este deve ter como objetivos:
1- prestar cuidados de saúde, de forma integrada e articulada: quer profilácticos,
quer preventivos, quer curativos, quer de reabilitação e reinserção;
2- prestar esses cuidados atempadamente;
3- prestar esses cuidados da melhor qualidade possível;
4- prestar esses cuidados da forma mais económica possível;
5- possibilitar o acesso real em todas as vertentes, incluindo a económica, de
toda a população a esses cuidados;
6- satisfazer as necessidades e desejos da população na área da saúde255.
E, complementa o autor, “o objectivo do Sistema de Saúde deverá ser o de
proporcionar o acesso de cada um, em tempo útil e com plena satisfação do
interessado, a todos os cuidados de saúde de qualidade de que necessite, quer
sejam profilácticos, preventivos, curativos, de reabilitação ou reinserção. A
acessibilidade
deverá
contemplar
todas
as
suas
vertentes,
incluindo
a
económica”256.
Não obstante estes objetivos, que também são comuns aos do Sistema Único de
Saúde nacional, o que ainda se vê é uma atuação que não atinge os resultados
almejados. Aliás, conforme já foi dito neste trabalho não basta a proclamação do
255
ALVIM, António. A Reforma da Saúde: O Sistema de Saúde no Estado de Mercado Social. 1ª
edição.2002.Lisboa.Impressão e Acabamento: Rolo&Filhos.p.21.
256
ALVIM, António. Op.cit.p.21.
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princípio da eficiência, pois “sua luz, como a dos faróis, não guia senão aqueles que
conhecem o caminho do porto”257.
Para Jairnilson Silva Paim a “ instabilidade do financiamento, descompromisso com
os serviços públicos, formas centralizadas e obsoletas de gestão e, especialmente,
clientelismo político, fisiologismo e favoritismo, representam graves problemas do
sistema de saúde que não foram consideradas devidamente pela legislação
ordinária nem privilegiados pela agenda políticas das forças progressistas”258.
Em face dos objetivos a que se propõe, o questionamento que se faz é como
alcançar esse grau de eficiência proposto, representado no tudo para todos, com a
atual estrutura?
Dois caminhamos se apresentam, ou seja: 1- neste primeiro caminho o Estado
assume definitivamente o ser papel de Estado Providência, de escritor da história, e
se apropria dos instrumentos já existentes para fazer saúde com eficiência ;2- no
segundo caminho, o Estado retraí, novamente lava às mãos, assume o “papel de
coadjuvante” ou seja de Estado Regulador, distante da sociedade e entrega a um ou
vários corpos intermediários o seu papel principal. No primeiro caminho, os objetivos
do SUS coincidem com o interesse público, que por sua vez se coaduna com os
objetivos do Estado Prestacional. No segundo caminho, o sistema privado de saúde
assume o papel principal, o que desloca os objetivos do interesse público do Estado
Social para segundo plano, passando a ser o objetivo primordial o lucro das
empresas e não o lucro social. Já não existe uma concordância entre o interesse
público pretendido pelo Estado Social, nasce um interesse diverso, em que o bem
comum já não é prioridade, mas o bem de alguns, diríamos um interesse privado.
Neste momento o Estado, que tem por objetivo precípuo perseguir o interesse
público, deixa de fazer sentido, perde seu objetivo. O ser humano já não é mais o
fim, mas sim o meio. Há um retrocesso no curso da história.
Assim, desde já, pelos motivos já expostos neste trabalho e renovados neste
momento, optamos e acreditamos que o caminho a ser seguido é o do Estado
protagonista da história. O segundo caminho já foi percorrido, antes da implantação
257
258
FAYOL, Henri.op.cit.p.38.
PAIM, Jairnilson Silva. Saúde, Política e Reforma Sanitária.Jairnilson Silva Paim. Salvador, BA,2002..p.209.
131
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do SUS. O que se tinha para a camada da população excluída era o pior possível,
era o não direito, estes contavam com a própria sorte, a misericórdia das Santas
Casas, não havia trabalhos na área preventiva, estavam entregues a sua própria
sorte.
Reescrever a história é dever do Estado Social, mas não a mesma história e, sim,
uma diferente, em que os valores máximos consagrados na Declaração Universal
dos Direitos do Homem sejam garantidos. Dispõe o artigo 1º da Declaração
Universal de 1948, “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos”. E, complementando este preceito Kahn sentencia : Aja de tal modo que tu
trates a humanidade, tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro,
sempre, ao mesmo tempo, como um fim e jamais como simples meio”259
O fazer saúde com eficiência é uma dos papéis mais importantes do Estado
Providência, para se construir uma sociedade mais justa, livre e igualitária. Não é
necessário se criar mais leis ou transmudar as competências para a iniciativa
privada, a esta compete o papel complementar (art.199,§1º da CF/88). O que se
deve fazer é uma apropriação dos instrumentos já colocados à disposição de todo
administrador público. É preciso conhecer bem esses instrumentos e seu papel na
construção de um SUS, que produza resultados positivos para todos.
Parafraseando o Professor José Afonso da Silva e aplicando especificamente ao
tema ora proposto, podemos dizer que a Constituição Federal Brasileira e as leis
infraconstitucionais já introduziram os instrumentos para a efetiva aplicação do
princípio da eficiência, tais como: Controle Social, a vinculação de recursos e metas
para a área da saúde (EC nº 29/2000 e art.200 da CF/88), a identificação dos
serviços e ações de saúde como de relevância pública, a regionalização e a
hierarquização, os mecanismos de Planejamento (PPA- Planejamento Plurianual,
LDO- Lei de Diretrizes Orçamentária, Plano de Saúde,Estudo de Lotação Ideal,
Plano de Carreira, Cargos e Salários, Concurso Público) Controle de Resultados
(Relatório de Gestão, ESF – Estratégia de Saúde da Família e Agente Comunitário
de Saúde).
259
KAHN,Axel.Et l’Homme dans tout ça?,Paris,NIL Éditions,2000,pág.65 Apud Dalmo de Abreu Dallari.Texto
Ética Sanitária. Curso de Especialização à Distância para Membros do Ministério Público e Magistratura
Federal. Org. Márcio Iorio Aranha e Sebastião Botto de Barros Tojal. UNB-Universidade de Brasilia. ENSP –
Escola Nacional de Saúde Pública. REFORSUS.Ministério da Saúde.p.123.
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Nesta ordem de idéias, enfrentaremos os temas apresentados, possibilitando uma
maior compreensão da importância destes instrumentos para a implementação do
principio da eficiência em todas as áreas de interesse público e, em especial para a
área da saúde.
II. Competência do sistema único de saúde
A competência do Sistema Único de Saúde vem contemplada no art. 200 da
Constituição Federal de 1988, e depois regulamentado por diversas leis
infraconstitucionais, como as Leis n°s 8.080/ 90 e 8.142/90. Temos o planejamento
macro para o Sistema Único de Saúde no Brasil. Todos os demais planejamentos e
estratégias devem se guiar pelo planejamento maior.
ler páginas 68,69 do livro sus de lenir dos santos
“ Ainda que o sistema que temos hoje ditancie-se daquele que foi consagrado na
“Constituição Cidadã, sua existência é essencial num País que apresenta enormes
disparidades regionais e sociais (...). Portanto, aos que tentam apresentar o SUS
como modelo falido de atenção à saúde, respondemos com experiências vitoriosas
apresentadas na X Conferência Nacional de Saúde que comprovam que ‘onde deu
SUS, deu certo’(...). Nesse sentido, impõe-se a manutenção do princípio do
conteúdo constitucional da seguridade social, incluindo-se solidariamente a saúde,
previdência e assistência social. A reforma da saúde já ocorreu e está na
Constituição Brasileira. Cabe cumpri-la”260
III.
260
O controle social
PAIM, Jairnilson Silva.op.cit.p. 279.
133
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O Controle Social foi consagrado na Constituição Federal de 1988, nos artigos
194,VII, art.77, §3° do ADCT e, no art. 198, inciso III, sendo que neste último
dispositivo, passa a ser uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde, nos
seguintes termos :
" As ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III- participação da comunidade.
Pela leitura do texto constitucional identifica-se a idéia de que é da vontade geral,
que a comunidade participe da organização na gestão do Sistema Único de Saúde.
Esta, sai da posição de mero expectador da implantação das políticas de saúde e,
passa a se constituir em agente ativo do processo, colaborando com o executivo na
formulação das políticas. É a face visível da democracia participativa. O povo, neste
momento, não participa mais através de seus representantes eleitos, mas contribui
diretamente para a implementação do Sistema Único de Saúde.
Trata-se do poder ascendente de que nos fala Norbio Bobbio. ou seja, significa, que
estamos diante da “passagem da democracia política para a democracia social,
extensão do poder ascendente.”261
"Por meio deste canal institucional (conselhos de saúde), a comunidade pode agir no
sentido das duas possibilidades de participação e cobrança : fornecendo subsídios
às autoridades gestoras do sistema, propondo ou reivindicando medidas específicas
de interesse da coletividade, atuando na tomada de decisão com a formulação de
261
NORBERTO Bobbio, O Futuro da Democracia, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1988. Com tradução de
Miguel Serras Pereira.
134
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políticas de saúde e controlando, a posteriori, os atos praticados pelos
administradores"262
A determinação constitucional de participação da comunidade na formulação das
políticas públicas na área da saúde vem regulamentada pela Lei nº 8.142/90, de 28
de dezembro de 1990. Nesta está previsto que o SUS contará em cada esfera de
governo com instâncias colegiadas, exercendo o papel do controle social, formada
através das Conferências de Saúde e Conselhos de Saúde(art. 1°,incisos I e II).
As Conferências de Saúde serão realizadas de quatro em quatro anos com a
representação dos diversos segmentos sociais, com o objetivo de avaliar a situação
de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde (art.1°, §1°).
Os Conselhos de Saúde são órgãos colegiados, de caráter permanente e
deliberativo, de formação paritária263, compostos por representantes do governo,
prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários (art. 1°, § 2º). Estes,
presentes em cada esfera de governo, tem como função precípua na elaboração de
estratégias e no controle da execução das políticas de saúde (art. 1°, § 2º).
A instituição do Controle Social representou um avanço para a implementação de
um Estado Democrático de Direito, sendo um forte instrumento para que se tenha
uma Administração eficiente na área da saúde. No entanto, para que este realmente
venha a exercer o seu papel , tal qual delineado pela norma constitucional e
infraconstitucional, torna-se necessário que paralelamente a sua implementação,
também, ocorra um investimento na área da educação.
Como bem acentua Paulo Bonavides, " O Brasil, porém, apresenta muitos
obstáculos que concorrem e têm concorrido para fazer do dogma democrático uma
ficção; às vezes, uma impostura. Aqui, a disposição constitucional de que todo o
262
CARVALHO, Guido Ivan de. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis n°
8.080/90 e 8.142/90 ) Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos – 3ª ed. – Campinas . SP. Editora da Unicamp.
2002. p.294.
263
cfr.lembra Adalgiza Balsemão.( Competências e Rotinas de Funcionamento dos Conselhos de Saúde no
Sistema Único de Saúde do Brasil. Direito Sanitário e Saúde Pública . V.I. Brasília –DF.2003.Ministério da
Saúde. p. 306) os conselhos de saúde são formados por quatro segmentos, sendo que 50% das vagas são
destinadas às entidades do segmento do usuário. Os outros três segmentos terão a seguinte divisão: 25% para as
entidades de profissionais de saúde e 25% para governos e prestadores de serviço. As formas de escolha das
entidades que compõem os segmentos variam, conforme o Estado, ou a região. a forma mais democrática,
parece-nos, é a eleição das entidades nas conferências de saúde correspondente.
135
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poder emana do povo e em seu nome é exercido, é inverídica na primeira parte, mas
efetiva na segunda, pois nunca nos faltaram governantes atuando como simples
representantes verbais desse ente soberano, inclusive para manter e justificar a
ditadura das oligarquias. Se vamos ao princípio de participação dos governantes,
deparam-se-nos 16 milhões de analfabetos excluídos do sufrágio, se procuramos o
eleitor qualificado encontramos milhões de semi-analfabetos sem noção dos valores
políticos; se descemos aos partidos , aí estão eles com líderes
que quase
diariamente mudam de agremiação como quem muda de camisa;
e se
consideramos enfim o poder, estamos diante de uma indústria transformadora, que
estabeleceu e aperfeiçoou soluções casuísticas de oportunismo sem grandeza para
manipular o voto popular, converter derrotas de opinião em triunfos eleitorais,
confiscar a autonomia do sufrágio, neutralizar o que ainda resta da minoria
participante, onde se aloja o princípio democrático ou tem expressão aquela
realidade que se chamou povo".264
O acompanhamento da
práxis destes Conselhos, nas instâncias municipais e
estaduais, tem revelado que, não obstante a boa vontade e profunda idéia de
exercício da cidadania por aqueles que participam dos Conselhos, lhes faltam o
conhecimento necessário para atuar nas duas esferas propostas pela Lei n°
8.142/90. Esta dispõe que os Conselheiros devem atuar não só na formulação de
estratégias, mas também, no controle e execução da política de saúde.
Para que possam exercer adequadamente essa função, tão importante para o
Estado Social, devem possuir conhecimento suficiente para bem elaborar as
estratégias e exercer o controle da execução. Sem estes elementos, na verdade
temos um ideário de controle social, abstrato e distante, não funcionando como um
verdadeiro instrumento para a implantação de uma Administração eficiente na área
da saúde. Deve ser registrado, que toda Administração que observa os princípios da
moralidade, eficiência, impessoalidade, publicidade e legalidade deseja a presença
de um controle social forte. Mesmo em municípios pequenos, em que o responsável
pela direção local do SUS seja próximo do cidadão, este não terá olhos suficientes
para enxergar todos os pontos, exigidos para que possa se certificar a eficiência ou
ineficiente de sua administração. Assim, através de um controle social forte, poderá
264
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. Malheiros Editores. 4ª edição. Brasil. 2003.p. 263.
136
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ver, através destes conselheiros, e aferir constantemente a execução da política de
saúde, acertando seus descaminhos ainda no nascedouro. Estes se transformam
em braços fortes da Administração eficiente.
Não obstante reconhecer que o controle social ainda é uma utopia no Brasil, deve
ser tributado o seu valor e sua força, reconhecendo-o como instrumento a favor de
uma Administração eficiente e, registrar que em algumas localidades desta terra de
dimensão continental, já existem Conselhos desempenhando o seu real papel.
Para aqueles que ainda, não implantaram o verdadeiro controle social constitucional
existe uma esperança, que está assentada na educação formal e na capacitação
permanente dos conselheiros.
Neste sentido, quanto maior e melhor a participação da comunidade na elaboração
de estratégias e controle da execução das políticas de saúde, tanto mais eficiência
na atuação da Administração e, via de conseqüência mais
dignidade e saúde.
Deve-se lembrar sempre que, "a promoção da saúde efetua-se pelo e com o povo e
não sobre e para o povo"265.
IV. Vinculação de recursos e metas para a área da sáude
“ Ao final de 2000, é introduzida uma importante alteração na forma de
financiamento global do sistema de saúde. O Congresso aprova a Emenda
Constitucional, nº 29, prevendo que o orçamento federal para a saúde terá reajustes
automáticos segundo a variação do valor nominal do PIB. Mais que isso, vincula
recursos estaduais e municipais para a saúde, estabelecendo um percentual mínimo
dos recursos próprios destes níveis de governo para aplicação imediata, um
265
Declaração de Jacarta sobre a Promoção da Saúde pelo Século XXI Adentro. Curso de Especialização à
Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e Magistratura Federal. Org. Márcio Iorio
Aranha e Sebastião Botto de Barros Tojal. UNB – Universidade de Brasilia. ENSP – Escola Nacional de Saúde
Pública, REFORSUS, Ministério da Saúde.p.574.
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percentual mínimo a ser atingido em 2004 e a regra para essa progressão. Estados
e municípios deverão aplicar imediatamente no mínimo 7% de seus recursos
próprios, devendo chegar a 12% e 15% respectivamente. A diferença existente
deverá ser diminuída em um quinto ao ano.Essa emenda pretende que sejam
alcançados três objetivos: estabilização dos recursos, sua ampliação e o
comprometimento de todos os níveis de governo com o financiamento.”266
A vinculação de recursos para áreas sociais como educação e saúde, para os
alienígenas poderá parecer a prima facie uma intromissão do poder legiferante na
atuação do executivo. Entretanto, em breves incursões pelos graves problemas
nacionais nestas áreas, oriundos não só, da espoliação do governo americano aos
cofres públicos brasileiros,mas também pela má gestão e corrupção que grassa pelo
setor público brasileiro, poderá ser constatado que a vinculação é necessária até
que os agentes políticos adquiram um juízo político. Enquanto isso não ocorre, a
vinculação de recursos visa assegurar a implementação do direito fundamental
social à saúde., não podendo desta forma ser considerado como uma intromissão no
poder discricionário do administrador público. Esse, como já tivemos a oportunidade
de escrever , trata-se numa visão sistêmica mais de um poder-dever
O conceito de poder, segundo Afonso Arinos, é a faculdade de tomar decisões em
nome da coletividade.267 O poder, segundo a lição de Paulo Bonavides, pode ser de
fato ou de direito. O poder de fato é aquele que se obtém pela força, coerção, e o
poder de direito é o que nasce pelo consentimento, legítimo outorgado pelo povo. 268
Neste liame, o poder discricionário é um poder de direito, que emana da lei e da
vontade popular. O exercício deste, traz subjacente o respeito e conformidade ao
ordenamento jurídico, aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana, igualdade, universalidade e, ainda, aos princípios constitucionais
administrativos da legalidade,impessoalidade, eficiência e proporcionalidade.
266
Curso de Especialização em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal.
Organizadores Márcio Iorio Aranha. Sebastião Botto de Barros Tojal. Universidade de Brasilia.ENSP- Escola
Nacional de Saúde Pública. Reforsus. Ministério da Saúde. Governo do Brasil.p.521.
267
ARINOS, Afonso Apud Paulo Bonavides. Ciência Política. 10ª edição. Malheiros Editores,2003, p.106.
268
BONAVIDES, Paulo. Ciência Politica.10ª edição. Malheiros Editores.2003.p.106.
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O agente político, que faz letra morta dos princípios mencionados, em outras
palavras, faz do poder discricionário um ato de poder que se coaduna com o poder
de fato, tirano, mas jamais como poder de direito.
Na linha ora apresentada, a vinculação de recursos para área da saúde , como um
compromisso do Estado Brasileiro para fazer vivo o direito à saúde, é
reconhecidamente um avanço para todo cidadão brasileiro e, não representa , nesta
perspectiva uma invasão na esfera de atuação do poder-dever discricionário
V.
Ações e serviços de saúde como de relevância pública
No artigo 197 da Constituição Federal de 1988 restou consagrado que as ações e
serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao poder público dispor, nos
termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua
execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física
ou jurídica de direito privado.
Exatamente para atender aos preceitos do artigo 197 da Carta Constitucional é que
foi promulgada a Emenda Constitucional nº 29, assegurando recursos para a área
da saúde, com prioridade para as três esferas de governo.Este tema será objeto de
análise em separado.
Da mesma forma, a fim de se assegurar que os recursos destinados a área da
saúde sejam bem aplicados, o legislador constituinte originário determinou ao
Ministério Público o dever de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos
serviços de relavãncia pública e aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art.129,inciso II da CF/88).
Segundo o Dicionário Brasileiro Globo Multimídia relevância é qualidade do que é
relevante; importância. No mesmo dicionário, relevante é aquilo que é necessário ou
indispensável.
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Isto significa em outras palavras que a saúde não pode ficar condicionada a “reserva
do possível”, ou seja, permitir que o administrador públicos possa dizer se houver
recurso haverá mais vida, menos recurso menos qualidade de vida. É neste sentido,
e para se evitar que pessoas continuem a morrer sem a devida assistência é que os
serviços e ações de saúde foram qualificados como de relevância pública.
Estas considerações levam a concluir que são de relevância pública, também, o
aporte de recursos financeiros para se garantir os serviços e ações de saúde.
VI.
A descentralização
A descentralização é um dos pilares sobre o qual assenta o Sistema Único de
Saúde,vindo a se coadunar com a Organização Política-Administrativa adotado pelo
Estado Brasileiro. Sua meta, tal qual a idéia central do Estado Federado, é
aproximar o cidadão das ações e serviços de saúde, possibilitando uma maior
eficiência da Administração.
"Anteriormente ao SUS, as ações e os serviços de saúde encontravam-se
centralizados na União – Leis n° 6;229, de 17/7/75, Sistema Nacional de Saúde
(SNS), e n° 6.439, de 1/9/77, Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
(SINPAS) -, à qual competia a regulamentação e execução"269.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 a saúde passa a ser um direito de
todos e dever do Estado, estando, portanto, incluídos a União, os Estados e os
Municípios. Cada esfera de governo passa a ter responsabilidade para com o
cidadão, no que tange a implementação do direito fundamental à saúde.
269
CARVALHO, Guido Ivan de. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis n°
8.080/90 e 8.142/90) Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos – 3ª edição – Campinas. SP: Editora da
Unicamp,2002.p.84.
140
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As Normas Operacionais Básicas-NOBs do SUS, que são parte do conjunto do
Sistema Único de Saúde, regulamentam os processos de descentralização da
gestão dos serviços e das ações de Saúde.270
De igual modo, a Lei n° 8.080/90 delimita, através dos artigos 16. 17 e 18, o campo
de atuação de cada ente federado, bem como, os pontos em que estes apresentam
interface.
Com vistas, a atender ao princípio da eficiência , está previsto na Lei n° 8.080/90
que a competência da direção municipal compete planejar, organizar, controlar e
avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de
saúde. Para que o município possa gerir e executar os serviços públicos de saúde é
preciso que a União e o Estado cumpram com o seu papel de descentralização,
também, no plano financeiro. O que se vê na práxis, hoje no Brasil, é uma
descentralização administrativa sem a respectiva descentralização financeira.
Para uma eficiência na prestação dos serviços e ações de saúde é condição
primeira, que
a União e os Estados devolvam aos cofres municipais os recursos
arrecadados e que são de sua competência, caso contrário estará comprometida à
implementação do princípio da eficiência, bem como, o resultado. Neste caso, a
dicotomia entre competência e recurso pode ocasionar a morte de milhares de
pessoas.
A descentralização, quando feita, observando o equilíbrio entre descentralização
administrativa e financeira, se torna em instrumento efetivo para se alcançar uma
maior eficiência dos serviços públicos na área da saúde. Isto, por vários motivos,
dentre eles, a presença do controle social, fiscalizando a execução da política de
saúde local, a presença do Ministério Público Estadual, com competência em cada
município para fiscalizar a devida prestação dos serviços e ações de saúde, o
controle do Tribunal de Contas do Estado, através da verificação constantes das
prestações de contas.
270
cfr. SUS e o Controle Social. Guia de Referência para Conselheiros Municipais. Ministério da Saúde.
Brasília.1998.
141
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CAPÍTULO VIII
INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO
I.
Planejamento
O papel importante do planejamento de saúde surge como um dos componentes do
planejamento social no Brasil, “desenvolve-se na América Latina na década de
60”271
Implantar o planejamento, nesta época, estava fundamentado na idéia de alcançar
uma maior eficiência na prestação dos serviços de saúde.
Kowarick citado por Jairnilson Silva Paim refere que o planejamento de saúde
constitui-se num “ conjunto de medidas de caráter normativo que visa aumentar a
eficiência das atividades, superando distorções e ociosidades e racionalizando as
tarefas executivas. Mas tais formulações, por não se traduzirem em tarefas precisas
e não se apoiarem em objetivos e recursos definidos só podem ser consideradas
como princípios de ação de ordem geral”272
Como um exemplo de planejamento de saúde da década de 60, temos o programa
de saúde bucal, desenvolvido em Baixo Guandu/ES, que diminuiu o índice de cárie
na população em x porcento, a partir da colocação do fluor na água utilizada pela
população local. Este planejamento refletido no programa de saúde bucal foi
coordenado pela FSESP (Fundação Serviço Especial de Saúde Pública).
Apesar de alguns avanços, alcançados com os primeiros planejamentos em saúde,
este ainda estava longe de refletir os ideais do futuro Estado Social. Este, no que
tange ao direito à saúde somente começa sua trajetória no Brasil, quando à saúde é
271
272
PAIM, Jairnilson Silva. Saúde, Política e Reforma Sanitária. Jairnilson Silva Paim. Salvador. BA. 2002.p.31
PAIM, Jairnilson Silva.op.cit.p. 33.
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elevada a categoria de preceito fundamental. E, mais,
quando é instituída a
Democracia participativa, em que os Conselhos de Saúde participam diretamente do
planejamento de saúde. Este não é somente no sentido vertical, mas , também, no
sentido horizontal, planejamento democrático.
Vê-se que o planejamento em saúde apesar de lançar seus primeiros fundamentos,
antes da Constituição de 1988, apresentava-se com a face do autoritarismo.
Jairnilson Silva Paim acentua que mesmo com o planejamento “registra-se, apenas,
que a mortalidade infantil continuou elevada, o Sistema Nacional de Saúde não foi
regulamentado, o Programa Nacional de Imunização (que autoritariamente impedia
de receber salário-família o trabalhador que não vacinasse os filhos) teve de ser
redefinido por falta de infra-estrutura para a vacinação, a Vigilância Epidemiológica
continuou precária, o PIASS retirou praticamente o S de saneamento, o PECE não
usou os milhões de cápsulas de oxamniquine que o Ministério da Saúde comprou da
multinacional, o PRONAN abandonou o pequeno produtor e distribuiu hidratos de
carbono para os pobres com desnutrição protéica e a “política nacional de saúde”
também
não
conseguiu
impor
as
redes
paralelas
médico-hospitar
que
estabelecera”273.
Para se chegar a eficácia desejada na área da saúde, é preciso reorganizar os
serviços, valendo do planejamento já instituido por lei. Cabe registar que não se trata
de um “planejamento-de-faz-de conta”274, mas de um planejamento real que
contemple todas as necessidades sociais.
O planejamento, é um instrumento efetivo para se alcançar a eficiência, ou por
outras palavras, será a luz que guiará aqueles que tem o dever de fazer com que os
serviços e ações sejam prestados com qualidade para todos.
“Importa defender a institucionalização do planejamento em saúde enquanto recusa
à
273
274
improvisação, conquista da liberdade de ação, mobilização de vontade e de
PAIM, Jairnilson Silva.op.cit.p.34.
PAIM, Jairnilson Silva.op.cit.p. 211.
143
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valores, ferramenta de gestão, redução da alienação, controle democrático e
exercício da cidadania crítica”275
O planejamento em saúde passa, em qualquer das instâncias, seja Federal,
Estadual e Municipal, pelo conhecimento do perfil epidemiológico da população,
pela elaboração e aplicação do PPA, LDO, Plano de Saúde, Quadro de Metas e
Resultado, associado a realização de concurso público segundo as diretrizes
constitucionais.
Desta forma, a fim de identificar a valiosa contribuição de cada uma das ferramentas
do planejamento em saúde já descritas, será trabalhado individualmente cada uma.
II. Estudo de lotação ideal
Este estudo deve preceder a elaboração do plano de carreira cargos e salários e
tem por objetivo identificar exatamente qual a estrutura necessária para desenvolver
as ações e serviços de saúde, observando para tanto dados como dimensão
geográfica , população, perfil epidemiológico, estrutura dos demais entes federados
e orçamento.
Trata de um estudo essencial sobre o qual irá se assentar o plano de carreira cargos
e salários e o concurso público.
É importante observar que a cada época e lugar irá corresponder um plano ideal de
pessoal para atender as demandas da área da saúde, seja no plano preventivo ou
curativo.
O que se tem visto, de um modo geral, nas administrações, tanto municipais,
estaduais e federais na área da saúde, são estrutura gigantescas, um número
excedente de pessoal que não traduz a realidade e necessidade local.
275
PAIM, Jairnilson Silva. Op,cit. p.212.
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Existe a necessidade de se otimizar recursos públicos e mão de obra, fala-se em
reforma administrativa, mas não se fala em reestrutura da composição do quadro da
função pública. As necessidades coletivas na área da saúde vão crescendo dia após
dia , sendo acompanhado pelo aumento do quadro da função pública. Essa lógica
pode ser até correta, desde que, se observe um planejamento mínimo de quatro
anos e que se faça uma reestruturação do quadro de pessoal.
José dos Santos Carvalho Filho leciona que: “ o quadro funcional é o verdadeiro
espelho do quantitativo de servidores públicos da Administração. Se houvesse
efetiva organização funcional, o quadro seria o elemento pelo qual o órgão ou a
pessoa poderiam nortear-se para inúmeros fins, como a eliminação de excessos, o
remanejamento
de
servidores,
o
recrutamento
de
outros,
a
adequação
remuneratória,etc... pois que nele se teria o real espectro das carências e demasias
observadas nos setores administrativos. Lamentavelmente, porém, reina o caos
nesse controle funcional e frequentemente se tem tido conhecimento do malogro das
Administrações em identificar os componentes de seu quadro”276.
O gerente da saúde no âmbito municipal, estadual ou federal poderá, fundamentado
em estudo real de necessidadexqualidade na prestação dos serviços, realizar o
concurso público para provimento dos cargos.
A elaboração do estudo de lotação ideal deve ser realizado por profissionais
competentes, com larga experiência na construção de estruturas administrativas
eficiente e eficazes, como os técnicos de Organização e Metódos, uma função típica
do administrador de empresas.
III. Elaboração do plano de carreira, cargos e salários - pccs
276
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ª edição. Editora Lumen Juris.
Rio de Janeiro. 2005. p.473
145
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O Plano de Carreira, Cargos e Salários é uma exigência contida no art. 4º, inc. VI ds
Lei nº 8.142 , quando determina:
“Art. 4º Para receberem os recurso, de que trata o art. 3º desta lei, os Municípios, os
Estados e o Distrito Federal deverão contar com:
VI – Comissão de elaboração de Plano de Carreira, Cargos e Salários(PCCS),
previsto o prazo de dois anos para a implantação”.
Pela leitura do dispositivo legal, pode-se verificar que desde 1992 passou a ser
obrigatório para Municípios, Estados e o Distrito Federal, a existência de um plano
de carreira, cargos e salários, sob pena de suspensão imediata do repasse de
recursos pela União.
Fundamentado no estudo de lotação ideal pode a administração elaborar com
precisão o plano de carreira, cargos e salários. Neste deverá estar previsto a forma
de promoção na carreira,
com a identificação de critérios objetivos para a
progressão.
A presença do plano de carreira bem elaborado funciona como uma alavanca para a
melhoria continua
da prestação dos serviços na área da saúde. O funcionário
qualificado, que executa bem as suas tarefas recebe em contrapartida o
reconhecimento institucional através da progressão na carreira e melhoria na
remuneração.
Este instrumento de planejamento, assim como, o estudo de lotação ideal são
ferramentas importantes para o administrador público que deve cumprir a
determinação constitucional de que a saúde é um direito de todos e dever do
Estado.
Conforme já foi dito neste estudo, a eficiência é um atributo da pessoa, da pessoa
que gerencia e daqueles que executam o planejamento. A sintonia entre estes
atores, através de um satisfação de ambas as partes, permitirá uma satisfação ao
cidadão.
146
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IV. Concurso público
O povo brasileiro, através do poder constituinte originário, optou pelo concurso
público, como regra, para o recrutamento de agentes administrativos. Esta forma de
recrutamento encontra eco no Estado Democrático de Direito, na medida em que
permite o acesso a função pública a todos em condições de igualdade.
Nos termos do art. 37,inc. II da Constituição Federal “a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou
de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego,
na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
Nesta linha, Marcello Caetano ensina que: “ O concurso consiste na faculdade de
apresentação de candidatura de quantos pretendam provar que possuem as
condições necessárias para o exercício de certo cargo ou de certa categoria de
cargos. O concurso caracteriza-se, pois, por facultar a competição entre todos os
pretendentes que legitimamente aspirem a ocupar o lugar a prover” 277.
Verifica-se que o concurso público como meio para selecionar o funcionalismo da
Administração Pública permite ao Gestores cumprir com rigor os principios
constitucionais administrativos, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a
publicidade e a eficiência.
O
Gestor da saúde, em qualquel das esferas, estará cumprindo o princípio da
legalidade por atender a vontade e o desejo de toda a coletividade, assegurando a
igualdade na competição pela vaga no serviço público. Da mesma forma, estará
respeitando o princípio da impessoalidade e publicidade, por tornar as regras claras
para todos, sem subterfúgios ou privilégios. Põe fim aos apadrinhamentos e a
negociação de votos por cargos públicos.
277
CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Vol. II. 10ª edição. Livraria Almedina. Coimbra.
1991. p.662.
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Nas palavras de Hely Lopes Meirelles “ pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e
os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante
de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantém no
poder leiloando cargos e empregos públicos”278.
Cumpre o princípio da moralidade por agir com honestidade, probidade, decência e
ética na seleção dos melhores profissionais do mercado. E, finalmente, revela
eficiência, na medida em que atrai para a execução das ações funcionários bem
preparados para levarem a efeito tão importante função que é a busca do interesse
público.
Conforme já registrado , não basta que o responsável primeiro pelo planejamento
seja eficiente, é preciso que forme quadros de pessoal eficientes, para cumprir as
ordens e obter a eficácia.
Associado ao concurso público, deve a Administração pública, também, contar com
as escolas de formação, oferecendo uma capacitação permanente aos membros
que ingressam para o serviço público.
V.
Plano de saúde
O plano de saúde é um instrumento eficiente
de planejamento colocado à
disposição dos gestores municipal, estadual e federal para traçar a melhor forma de
prestar as ações e serviços de saúde para o cidadão-usuário. Este, conforme dito, "
é um instrumento pelo qual o governo apresenta o seu plano de ação (anual e
plurianual – qüinqüenal), com definição das ações e serviços (oferta, demanda e
análise da cobertura de necessidades), com demarcação das prioridades, com a
proposta de hierarquização do sistema, com definição de metas a serem atingidas,
prazos e responsáveis pela sua execução, entre outros"279.
278
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. Malheiros Editores. 2003. p. 412.
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. Departamento de
Gestão da Educação na Saúde.
279
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Sendo assim, a primeira medida que deve ser adotada pelo administrador que
pretende obter a eficácia com seu planejamento é construir o mesmo, tomando por
base, o perfil epidemiológico da população.
Com fundamento nestes dados, será possível traçar as metas, as prioridades, os
prazos, bem como, os respectivos responsáveis. “ O Plano de Saúde deve conter e
compatibilizar em cada esfera, de forma clara, o quadro de metas, a programação
pactuada integrada, os resultados físicos e financeiros”280. Sendo que, para cada
exercício anual
deverá ser indicado no quadro de metas as ações a serem
desenvolvidas no período.
É um instrumento de gestão e planejamento colocado à disposição dos gestores,
sendo construído com fundamento no planejamento estratégico nacional281,
elaborado com a cooperação dos Estados, Municípios e do Distrito Federal.
Está previsto na Lei Orgânica da Saúde, art. 36,§ 1º, que dispõe:
“ Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de
direção do Sistema Único de Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na
respectiva proposta orçamentária”.Os princípios organizatórios do SUS deverão
orientar a formulação do referido plano de saúde.
A União será responsável por elaborar o Plano Nacional de Saúde, para ser
executado no período de 04 anos, devendo ser aprovado pelo Conselho Nacional de
Saúde e inserido no Plano Plurianual.
Os Estados, de igual modo, deverão elaborar os respectivos planos estaduais de
saúde, tomando por referência as diretrizes emanadas do plano nacional de saúde,
bem como, o perfil demográfico, epidemiológico, rede de saúde na área, recursos
disponíveis, dentre outros fatores.
Direito Sanitário e saúde pública/ Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na
Saúde . Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Márcio Iorio Aranha.(org) – Brasilia: Ministério da
Saúde . 2003. 2 v.p.92.
280
Brasil. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde:
manual basico/Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde – 3º ed. Rev.ampl.,1ª reimp.- Brasilia: Ministério
da Saúde, 2003.p. 50.
281
Consultar arts. 16,inc.XVII,
149
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Os municípios, por sua vez, responsáveis diretos pela prestação dos serviços de
saúde referenciados como de atenção básica, deverão elaborar seus planos de
saúde, observando os planos nacional e estadual, além dos fatores determinantes e
condicionantes da saúde da população local.
“O plano de saúde traduz o planejamento do projeto técnico-político de um governo,
com vistas à operacionalização das ações e serviços de saúde, com os objetivos de
promover saúde e solucionar os problemas de saúde da população de uma
determinada esfera de governo (área de abrangência) e das áreas de influência do
sistema de saúde (outras localidades das quais a população busca os serviços)” 282.
Toda a atuação na área da saúde, seja de cunho preventivo ou curativo deverá
encontrar eco no plano de saúde, sob pena de incidir , o administrador público, em
grave violação aos princípios constitucionais administrativos.
A dinâmica na área da saúde, como qualquer atividade desenvolvida no corpo
social, pode ensejar a mudanças nas metas traçadas previamente no plano de
saúde para um período de 04 anos. Entretanto, qualquer modificação nas metas préestabelecidas, ou a possível inserção de novas metas deverão ser aprovadas, pelo
respectivo conselho de saúde, devidamente pactuadas na CIB ou CIT, e publicadas
através do canal de imprensa utilizado.
No caso de ausência de publicidade do ato de alteração do plano de saúde, o ato
administrativo é nulo, não produzindo efeitos para o mundo jurídico. A publicidade do
ato é pressuposta de validade do mesmo. Da mesma forma, as alterações
promovidas no corpo do plano de saúde, que não tenham sido devidamente
aprovadas pelo conselho de saúde padece de vício de origem, ensejando a
propositura de medida judicial para sanar a irregularidade cometida.
No plano de saúde, obrigatoriamente o gestor do SUS, seja Federal, Estadual ou
Municipal, deverá identificar para cada ano de atividade desenvolvida, quais as
ações e serviços de saúde que serão executados, com a respectiva
282
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de
Gestão da Educação na Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública /Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do
Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação na Saúde; Márcio Iorio Aranha (Org) –
Brasilia: Ministério da Saúde, 2003. 2v.:il,-(Série E. Legislação de Saúde).p. 92
150
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VI. Relatório de gestão
O Relatório de Gestão é uma exigência da Lei nº 8.142/90, art. 4º,inciso III quando
diz:
“ Para receberem os recursos, de que trata o art. 3º desta lei, os Municípios, os
Estados e o Distrito Federal deverão contar com:
IV- relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o §4º do art.33 da Lei
nº 8.080, de 19 de setembro de 1990”.
No mesmo sentido, vale registrar o disposto no art. 33, §4º da Lei nº 8.080/90,
quando dispõe:
“ O Ministério da Saúde acompanhará,
através de seu sistema de auditoria, a
conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados
Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não-aplicação dos
recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei”.
Assim, o Relatório de Gestão nada mais é do que a prestação de contas anual que
deverá ser feita pelo gestor ao Conselho de Saúde, a comunidade e aos órgãos de
controle, como Tribunal de Contas e Ministério Público.
O Relatório de Gestão que deve ser apresentado anualmente deve corresponder as
metas estabelecidas dentro do plano de saúde. A título de exemplo podemos citar
que: se a administração municipal estabeleceu como meta a redução da mortalidade
infantil dentro do plano municipal de saúde, deverá ao elaborar o seu relatório de
gestão indicar quais as providências adotadas visando atingir ao índice pretendido e
quais os resultados colhidos com o trabalho.
Em sendo o bservado fielmente o relatório de gestão, este instrumento se transforma
num valoroso meio para que a própria administração possa traçar as próximas
metas, verifique se o pessoal destacado para o desempenho da atividade foi
151
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eficiente, se os meios utilizados são adequados para se alcançar a eficicácia.
Forma-se um movimento constante de ação e controle de resultados, uma evolução
constante na prestação dos serviços e ações de saúde.
Vale lembrar que a apresentação do relatório de gestão, assim como, os demais
instrumentos de gestão não é uma faculdade conferida ao administrador público,
mas a obediência aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência.
VII. Plano plurianual – PPA
Nos termos do art. 165,inc, I da Constituição Federal, Lei de iniciativa do Poder
Executivo estabelecerá o Plano Plurianual, que deverá ser executado no prazo de
quatro anos. Ainda, conforme previsão constitucional, art. 165,§1º “ a lei que instituir
o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e
metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas
decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.
“O PPA é elaborado no primeiro ano de mandato do governante (Chefe do Poder
Executivo) e encaminhado para a aprovação do Poder Legislativo até 31 de agosto,
para viger nos 2º,3º e 4º anos do seu mandato. O sucessor governará no primeiro
ano do seu mandato com o PPA elaborado pelo governo anterior” 283. Essa foi a
forma encontrada para se evitar a descontinuidade na execução do planejamento a
cada mudança ocorrida em decorrência das eleições.
As metas e prioridades estabelecidas no planejamento macro, que é o plano de
saúde, serão tomadas como fundamento para a elaboração do Plano Plurianual
(PPA). Da mesma forma, quando da elaboração Lei de Diretrizes Orçamentárias
(LDO) e via de consequência da Lei Orçamentária Anual (LOA) deverão ser
contempladas as diretrizes, objetivos e metas traçados no Plano Plurianual .
283
Brasil. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde:
manual basico/Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde – 3º ed. Rev.ampl.,1ª reimp.- Brasilia: Ministério
da Saúde, 2003.p.48.
152
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O Tribunal de Contas, através do Plano Plurianual e da Lei de Diretrizes
Orçamentária, poderá de forma permanente aferir a regularidade na aplicação dos
recursos e o cumprimento das metas estabelecidas.
Na área da saúde, o executivo ao elaborar o Plano de Saúde, também deverá
observar as diretrizes traçadas no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes
Orçamentária.
Os instrumentos de planejamento estabelecidos pela Carta Constitucional e leis
infraconstitucionais não são excludentes, mas se complementam, ditando para o
administrador público qual ou quais os caminhos que deverão ser perseguidos
durante a gestão para atingir o interesse público.
VIII. LDO – lei de diretrizes orçamentária
A elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentária é de iniciativa do poder executivo, e
deverá compreender, nos termos do art. 165 da Constituição Federal de 1988: “ as
metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de
capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei
orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e
estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.
Quando da sua elaboração deverá ser observado o que dispõe a Constituição
Federal como objetivos fundamentais da República, previstos no art. 3º, bem como,
em especial quanto ao direito
à saúde, o caráter de relevância pública que foi
conferido as ações e serviços de saúde no art. 197. Identificados os problemas e
objetivos a serem atingidos deverão ser consignados créditos orçamentários na Lei
Orçamentária Anual.
A Lei de Diretrizes Orçamentária deverá contemplar as diretrizes, objetivos e metas
traçados pela Administração no Plano Plurianual, que por sua vez recepcionou os
programas definidos no Plano de Saúde.. Conforme delineado no art. 165, §5º,incs. I
153
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e II, os orçamentos previstos devem ser compatíveis com o plano plurianual, tendo
como objetivo entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais,
segundo critério populacional.
IX. Lei orçamentária anual – LOA
A LOA, instrumento orçamentário, define o quanto será destinado dos recursos
públicos para a promoção das ações e serviços de saúde. “A LOA define recursos,
para o próximo exercício financeiro, estimando receitas e fixando despesas, relativas
aos três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo), inclui todos os órgãos da
administração direta e indireta, os fundos especiais (inclusive os fundos de saúde),
fundações e demais instituições mantidas pelo poder público”284.
Nos termos do art. 165, §5º da Constituição Federal de 1988, a lei orçamentária
anual compreenderá:
I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e
entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e
mantidas pelo poder público;
II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a votar.
III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a
ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e
fundações instituídos e mantidos pelo poder público.
Concluída a proposta orçamentária, a mesma deverá ser encaminhada pelo poder
executivo ao legislativo até o dia 30 de agosto de cada ano. Ficando o poder
legislativo encarregado de aprovar a LOA até 15 de dezembro.
284
Brasil. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde:
manual basico/Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde – 3º ed. Rev.ampl.,1ª reimp.- Brasilia: Ministério
da Saúde, 2003.p.52.
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Do exposto, conclui-se que existem a disposição da Administração Federal, Estadual
e Municipal instrumentos valiosos de planejamento e controle de resultados que
devem ser implementados e observados em todas as fases de execução das ações
e serviços de saúde.
X.
Implantação do programa de saúde da família
O Programa de Saúde da Família é uma estratégia de gestão na área pública ligada
a prevenção. Sua criação e implantação está centrada no artigo 196 da Constituição
Federal, quando diz que “ a saúde é um direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços
para sua promoção, proteção e recuperação”. (grifo nosso)
Para se alcançar a redução do risco de doença e de outros agravos, promovendo e
protegendo a saúde do cidadão, várias estratégias podem ser implementadas, mas
sem dúvida a mais eficiente é o regular funcionamento das Equipes de Saúde da
Família. Estas equipes são formadas por um médico generalista, um enfermeiro,
Neste programa o eixo central do fazer saúde está assentado na prevenção,
tratasse do paciente de pé, antes de adoecer. “É aqui que o médico de família, tem,
para além de suas competências próprias um papel fundamental. Caberá a ele não
só prevenir e resolver a maioria das situações, como ter conhecimentos e a
experiência que lhe permitam orientar, referenciar e acompanhar o cidadão, sempre
que este necessite de cuidados de outro especialista ou a prestar em ambiente
hospitalar. Caberá a ele fazer a integração de toda a informação colhida a montante
e jusante”285.
Sabemos que junto com a modernidade vem medicamentos mais eficazes,
equipamentos
com resolução mais precisa, associado a custos altíssimos,
inacessíveis até para a classe média. Neste cenário, renova-se a importância da
prevenção e do papel da equipe de saúde da família. Como exemplo, o médico
285
ALVIM, António. A Reforma da Saúde: O Sistema de Saúde no Estado de Mercado Social. 1ª edição. Lisboa.
Impressão e acabamento: Rolo&Filhos. 2002.p.23.
155
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pode se valer da clínica básica ou optar por ser um burocráta padrão, expedindo
inúmeros procedimentos para se alcançar um diagnóstico, que irão onerar os cofres
públicos. Daí a importância da atuação preventiva, associado a qualificação
profissional. Fala-se no PSF que realmente atende aos fins para o qual foi criado,
não do faz de conta da saúde. Quando este funciona adequadamente, é possível
medir através de dados estatísticos a redução da mortalidade infantil e materna, a
taxa de internação, dentre outros. Para tanto, é necessário que o recrutamento para
a função pública seja por concurso público, garantindo o acesso aos quadros da
função pública de pessoal qualificado. Que associado ao ingresso de pessoas
qualificadas se tenha uma cultura de permanente capacitação e que os resultados
estejam sendo sempre medidos. Essa constante aferição dos resultados contribui
para uma atuação eficiente na área da saúde.
CAPITULO IX
PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SEU CONTRIBUTO PARA A EVOLUÇÃO DO
ESTADO SOCIAL
A prestação dos serviços e ações de saúde é uma função essencial da
Administração Pública no Estado Social de Direito. A ruptura com o modelo liberal e
a instalação de um Estado social implica dizer que a lógica do Sistema Único de
Saúde é, prioritariamente, assegurar a prestação de serviços de saúde
com
qualidade para todos, com acesso universal e igualitário, enquanto que o sistema
privado de saúde visa preferencialmente o lucro e em plano secundário a satisfação
do bem comum. Tanto assim, que o governo tem que estabelecer regras rígidas no
que tange aos contratos firmados entre administradoras de planos de saúde e os
particulares. Nos EUA a flexibilização dos contratos e a defesa do consumidor estão
sempre como ponto principal da pauta do Estado Regulador.
156
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O princípio da eficiência emerge no sentido de se criar o novo, de valorizar as
potencialidades humanas, de mostrar que com a força do homem capacitado e ético,
é possível implementar um novo modelo de Administração. Criar o novo, sem
contudo,
menosprezar o legado cultural e jurídico deixado por nossos
antepassados. Neste sentido, Maria João Estorninho enfatiza “ herança preciosa que
deve ser estimada e preservada a todo custo:o reconhecimento dos direitos dos
cidadãos, a consagração do princípio da separação de poderes, a afirmação da
subordinação do Estado à Lei”.286
Condições necessárias para a efetivação do estado democrático : “direitos humanos
eficazes; uma política social empenhada na compensação das desigualdades, para
que a democracia enquanto forma estatal da inclusão possa assentar em uma
sociedade inclusiva; e formas do Estado de Direito, nas quais a resistência e a
atividade possam expressar-se legalmente”.287
I.
Proposições do trabalho
Proposições Gerais do Trabalho para se implementar uma administração pública
eficiente, fundamentada no equilíbrio e independência entre os poderes, garantia
dos direitos fundamentais (em especial saúde e educação) e subordinação do
Estado à Lei :
1 – Instituir Varas Especializadas na área do Patrimônio Público
2- Instituir Código Direito Administrativo e Código de Processo Administrativo 288
286
ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o Direito Privado. P.15.
MULLER, Friedrich. Ob.cit. p.127
288
sobre o tema Pablo Better Grunbaum leciona que ( Rescate de los valores éticos para la gobernabilidad
democrática, Anales 4, I Congresso Interamericano del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la
Administración Pública) La gobernabilidad democrática requiere de um ordenamiento jurídico claro y bien
establecido, basado em la definición , entendimiento, aceptación y aplicación igualitaria de las normas por parte
287
157
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3- Exigir dos cursos de graduação em direito uma ênfase para o Direito Público
4- A privatização de serviços não essenciais, associado a prioridade e relevo para os
direitos fundamentais a cargo do serviço público
5- Mudança do sistema político atual, presidencialismo289 para o parlamentarismo290
6- critérios rígidos para o ingresso na função pública, selecionando no mercado
pessoas especializadas
7- Processo de capacitação permanente de todos os integrantes da função pública
através das escolas de serviço público
8- plano de carreira cargos e salários
9- critérios objetivos de promoção que permitam avaliar desempenho profissional
coletivo mais busca de aprimoramento individual
Proposições Especificas para a garantia do direito à saúde
1- uma descentralização administrativa com recursos proporcionais
2- Construção do PPA fundamentado nas diretrizes constitucionais, em especial
com atenção ao disposto no art. 197
de gobernantes y gobernados, de um respeto irrestricto de um orden institucional em el sentido más amplio y
completo.
289
Cfr. JJ. Gomes Canotilho ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª edição. Editora Almeida,
Coimbra.2002,p. 584) Embora com especificidades nos vários estados latinos-americanos, o sistema
presidencialista destes estados acentua disfunções político-organizatórias.(1) os amplos poderes do Presidente,
ordinários e extraordinários, derivados do facto de o Presidente ser, ao mesmo tempo, Chefe de Estado e Chefe
de Governo, alicerçam uma confusão e concentração de poderes executivos e legislativos (ex.: medidas
provisórias no sistema presidencialista brasileiro); (2) esta confusão e concetração perturba o sistema de cheks
and balances, o que conduz à insuficiência notoria de controles institucionais (por parte, por ex., do parlamento
ou do poder judiciário sobre os actos presidenciais).
290
cfr. Lembra Paulo Bonavides (Teoria do Estado, 4ª edição. Editora Malheiros, Brasil, 2003) a superioridade
do parlamentarismo sobre o presidencialismo é manifesta. Concepção mais democrática e mais atualizada de
organização da função governativa, a seu favor militam inumeráveis razões. Põem termo ao governo de um
homem só, que acumula poderes e funções, como as de principal executivo, principal legislador (que assim o é
de fato), chefe de Estado, chefe de governo e chefe de partido, enfeixando três chefias nas quais se condensa um
poder político quase impossível de conter-se nos limites de uma Constituição, esse governo já é de si mesmo o
prefácio virtual da ditadura ou o convite ao exercício absoluto do poder.
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3- Implementação dos planos municipal, estadual e federal, respeitadas as
realidades regionais e constituidos com fundamento no perfil epidemiológico
4- Investimento na área da educação, permitindo um controle social real
5- Prestação dos serviços e ações de saúde diretas pelo poder público
159
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BIBLIOGRAFIA
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2. ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de
Estudios Políticos y Constitucionales, 2002.
3. ALVIM, António. A Reforma da Saúde: O Sistema de Saúde no Estado de
Mercado Social. 1 ed. Lisboa: Impressão e Acabamento: Rolo&Filhos, 2002.
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Nícia Regina Sampaio
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Nícia Regina Sampaio
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Constitucionais e a Lei 9.784/99.2ª edição. Malheiros Editores. 2003. Brasil.
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Nícia Regina Sampaio
Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
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Estado
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Apresentado
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Fundamentais.Universidade de Lisboa. Faculdade de Direito. Mestrado em
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Mestrado de Ciências Jurídico-Políticas, cadeira de Direito Constitucional.
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Nícia Regina Sampaio
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167
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ANEXO
LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990.
Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção
e
Mensagem de veto
recuperação
da
saúde,
a
organização
e
o
funcionamento dos serviços correspondentes e dá
outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono
a seguinte lei:
DISPOSIÇÃO PRELIMINAR
Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados
isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de
direito Público ou privado.
TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício.
§ 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas
econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no
estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços
para a sua promoção, proteção e recuperação.
§ 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o
lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a
organização social e econômica do País.
Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo
anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e
social.
TÍTULO II
DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
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DISPOSIÇÃO PRELIMINAR
Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas
federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo
Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).
§ 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e
municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de
sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.
§ 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter
complementar.
CAPÍTULO I
Dos Objetivos e Atribuições
Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:
I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;
II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a
observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;
III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da
saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.
Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;
II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar;
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V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos
de interesse para a saúde e a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano;
IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de
substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.
§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou
prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da
produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo:
I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde,
compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e
II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.
§ 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o
conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e
condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas
de prevenção e controle das doenças ou agravos.
§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se
destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção
da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:
I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional
e do trabalho;
II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos,
pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de
trabalho;
170
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III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da
normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento,
transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos
que apresentam riscos à saúde do trabalhador;
IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;
V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os
riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de
fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão,
respeitados os preceitos da ética profissional;
VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador
nas instituições e empresas públicas e privadas;
VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo
na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e
VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de
máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco
iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores.
CAPÍTULO II
Dos Princípios e Diretrizes
Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou
conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as
diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios:
I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência;
II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e
serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis
de complexidade do sistema;
III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral;
IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie;
V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde;
VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização
pelo usuário;
171
Nícia Regina Sampaio
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VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e
a orientação programática;
VIII - participação da comunidade;
IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo:
a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios;
b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde;
X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico;
XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da
população;
XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e
XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins
idênticos.
CAPÍTULO III
Da Organização, da Direção e da Gestão
Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja
diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de
forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente.
Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198
da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos:
I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde;
II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão
equivalente; e
III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente.
Art. 10. Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e
os serviços de saúde que lhes correspondam.
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§ 1º Aplica-se aos consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção única, e os
respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância.
§ 2º No nível municipal, o Sistema Único de Saúde (SUS), poderá organizar-se em distritos de
forma a integrar e articular recursos, técnicas e práticas voltadas para a cobertura total das ações de
saúde.
Art. 11. (Vetado).
Art. 12. Serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional, subordinadas ao Conselho
Nacional de Saúde, integradas pelos Ministérios e órgãos competentes e por entidades
representativas da sociedade civil.
Parágrafo único. As comissões intersetoriais terão a finalidade de articular políticas e programas
de interesse para a saúde, cuja execução envolva áreas não compreendidas no âmbito do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Art. 13. A articulação das políticas e programas, a cargo das comissões intersetoriais, abrangerá,
em especial, as seguintes atividades:
I - alimentação e nutrição;
II - saneamento e meio ambiente;
III - vigilância sanitária e farmacoepidemiologia;
IV - recursos humanos;
V - ciência e tecnologia; e
VI - saúde do trabalhador.
Art. 14. Deverão ser criadas Comissões Permanentes de integração entre os serviços de saúde
e as instituições de ensino profissional e superior.
Parágrafo único. Cada uma dessas comissões terá por finalidade propor prioridades, métodos e
estratégias para a formação e educação continuada dos recursos humanos do Sistema Único de
Saúde (SUS), na esfera correspondente, assim como em relação à pesquisa e à cooperação técnica
entre essas instituições.
CAPÍTULO IV
Da Competência e das Atribuições
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Seção I
Das Atribuições Comuns
Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito
administrativo, as seguintes atribuições:
I - definição das instâncias e mecanismos de controle, avaliação e de fiscalização das ações e
serviços de saúde;
II - administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados, em cada ano, à saúde;
III - acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da população e das condições
ambientais;
IV - organização e coordenação do sistema de informação de saúde;
V - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade e parâmetros de
custos que caracterizam a assistência à saúde;
VI - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade para promoção
da saúde do trabalhador;
VII - participação de formulação da política e da execução das ações de saneamento básico e
colaboração na proteção e recuperação do meio ambiente;
VIII - elaboração e atualização periódica do plano de saúde;
IX - participação na formulação e na execução da política de formação e desenvolvimento de
recursos humanos para a saúde;
X - elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), de conformidade
com o plano de saúde;
XI - elaboração de normas para regular as atividades de serviços privados de saúde, tendo em
vista a sua relevância pública;
XII - realização de operações externas de natureza financeira de interesse da saúde,
autorizadas pelo Senado Federal;
XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de
situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade
competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de
pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização;
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XIV - implementar o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados;
XV - propor a celebração de convênios, acordos e protocolos internacionais relativos à saúde,
saneamento e meio ambiente;
XVI - elaborar normas técnico-científicas de promoção, proteção e recuperação da saúde;
XVII - promover articulação com os órgãos de fiscalização do exercício profissional e outras
entidades representativas da sociedade civil para a definição e controle dos padrões éticos para
pesquisa, ações e serviços de saúde;
XVIII - promover a articulação da política e dos planos de saúde;
XIX - realizar pesquisas e estudos na área de saúde;
XX - definir as instâncias e mecanismos de controle e fiscalização inerentes ao poder de polícia
sanitária;
XXI - fomentar, coordenar e executar programas e projetos estratégicos e de atendimento
emergencial.
Seção II
Da Competência
Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete:
I - formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição;
II - participar na formulação e na implementação das políticas:
a) de controle das agressões ao meio ambiente;
b) de saneamento básico; e
c) relativas às condições e aos ambientes de trabalho;
III - definir e coordenar os sistemas:
a) de redes integradas de assistência de alta complexidade;
b) de rede de laboratórios de saúde pública;
c) de vigilância epidemiológica; e
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d) vigilância sanitária;
IV - participar da definição de normas e mecanismos de controle, com órgão afins, de agravo
sobre o meio ambiente ou dele decorrentes, que tenham repercussão na saúde humana;
V - participar da definição de normas, critérios e padrões para o controle das condições e dos
ambientes de trabalho e coordenar a política de saúde do trabalhador;
VI - coordenar e participar na execução das ações de vigilância epidemiológica;
VII - estabelecer normas e executar a vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras,
podendo a execução ser complementada pelos Estados, Distrito Federal e Municípios;
VIII - estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade sanitária de
produtos, substâncias e serviços de consumo e uso humano;
IX - promover articulação com os órgãos educacionais e de fiscalização do exercício profissional,
bem como com entidades representativas de formação de recursos humanos na área de saúde;
X - formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da política nacional e produção
de insumos e equipamentos para a saúde, em articulação com os demais órgãos governamentais;
XI - identificar os serviços estaduais e municipais de referência nacional para o estabelecimento
de padrões técnicos de assistência à saúde;
XII - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde;
XIII - prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional;
XIV - elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e os
serviços privados contratados de assistência à saúde;
XV - promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos
serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal;
XVI - normatizar e coordenar nacionalmente o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e
Derivados;
XVII - acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as
competências estaduais e municipais;
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XVIII - elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em cooperação técnica
com os Estados, Municípios e Distrito Federal;
XIX - estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica e financeira
do SUS em todo o Território Nacional em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito
Federal. (Vide Decreto nº 1.651, de 1995)
Parágrafo único. A União poderá executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária em
circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do
controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representem risco de
disseminação nacional.
Art. 17. À direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) compete:
I - promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde;
II - acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde (SUS);
III - prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços
de saúde;
IV - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços:
a) de vigilância epidemiológica;
b) de vigilância sanitária;
c) de alimentação e nutrição; e
d) de saúde do trabalhador;
V - participar, junto com os órgãos afins, do controle dos agravos do meio ambiente que tenham
repercussão na saúde humana;
VI - participar da formulação da política e da execução de ações de saneamento básico;
VII - participar das ações de controle e avaliação das condições e dos ambientes de trabalho;
VIII - em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de insumos e
equipamentos para a saúde;
IX - identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta
complexidade, de referência estadual e regional;
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X - coordenar a rede estadual de laboratórios de saúde pública e hemocentros, e gerir as
unidades que permaneçam em sua organização administrativa;
XI - estabelecer normas, em caráter suplementar, para o controle e avaliação das ações e
serviços de saúde;
XII - formular normas e estabelecer padrões, em caráter suplementar, de procedimentos de
controle de qualidade para produtos e substâncias de consumo humano;
XIII - colaborar com a União na execução da vigilância sanitária de portos, aeroportos e
fronteiras;
XIV - o acompanhamento, a avaliação e divulgação dos indicadores de morbidade e mortalidade
no âmbito da unidade federada.
Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete:
I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os
serviços públicos de saúde;
II - participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e
hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS), em articulação com sua direção estadual;
III - participar da execução, controle e avaliação das ações referentes às condições e aos
ambientes de trabalho;
IV - executar serviços:
a) de vigilância epidemiológica;
b) vigilância sanitária;
c) de alimentação e nutrição;
d) de saneamento básico; e
e) de saúde do trabalhador;
V - dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde;
VI - colaborar na fiscalização das agressões ao meio ambiente que tenham repercussão sobre a
saúde humana e atuar, junto aos órgãos municipais, estaduais e federais competentes, para controlálas;
178
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VII - formar consórcios administrativos intermunicipais;
VIII - gerir laboratórios públicos de saúde e hemocentros;
IX - colaborar com a União e os Estados na execução da vigilância sanitária de portos,
aeroportos e fronteiras;
X - observado o disposto no art. 26 desta Lei, celebrar contratos e convênios com entidades
prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução;
XI - controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde;
XII - normatizar complementarmente as ações e serviços públicos de saúde no seu âmbito de
atuação.
Art. 19. Ao Distrito Federal competem as atribuições reservadas aos Estados e aos Municípios.
CAPÍTULO V
Do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena
(Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-A. As ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas,
em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, obedecerão ao disposto nesta Lei. (Incluído
pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema
o
Único de Saúde – SUS, criado e definido por esta Lei, e pela Lei n 8.142, de 28 de dezembro de
1990, com o qual funcionará em perfeita integração. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-C. Caberá à União, com seus recursos próprios, financiar o Subsistema de Atenção à
Saúde Indígena. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-D. O SUS promoverá a articulação do Subsistema instituído por esta Lei com os órgãos
responsáveis pela Política Indígena do País. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-E. Os Estados, Municípios, outras instituições governamentais e não-governamentais
poderão atuar complementarmente no custeio e execução das ações. (Incluído pela Lei nº 9.836, de
1999)
Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as
especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde
indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos
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de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de
terras, educação sanitária e integração institucional. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-G. O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deverá ser, como o SUS,
descentralizado, hierarquizado e regionalizado.(Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
o
§ 1 O Subsistema de que trata o caput deste artigo terá como base os Distritos Sanitários
Especiais Indígenas. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
o
§ 2 O SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena,
devendo, para isso, ocorrer adaptações na estrutura e organização do SUS nas regiões onde residem
as populações indígenas, para propiciar essa integração e o atendimento necessário em todos os
níveis, sem discriminações. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
o
§ 3 As populações indígenas devem ter acesso garantido ao SUS, em âmbito local, regional e
de centros especializados, de acordo com suas necessidades, compreendendo a atenção primária,
secundária e terciária à saúde. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999)
Art. 19-H. As populações indígenas terão direito a participar dos organismos colegiados de
formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, tais como o Conselho Nacional de
Saúde e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, quando for o caso. (Incluído pela Lei nº
9.836, de 1999)
CAPÍTULO VI
DO SUBSISTEMA DE ATENDIMENTO E INTERNAÇÃO DOMICILIAR
(Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002)
Art. 19-I. São estabelecidos, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o atendimento domiciliar e a
internação domiciliar. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002)
o
§ 1 Na modalidade de assistência de atendimento e internação domiciliares incluem-se,
principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de
assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio.
(Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002)
o
§ 2 O atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes multidisciplinares
que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora. (Incluído pela Lei nº
10.424, de 2002)
o
§ 3 O atendimento e a internação domiciliares só poderão ser realizados por indicação médica,
com expressa concordância do paciente e de sua família. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002)
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CAPÍTULO VII
DO SUBSISTEMA DE ACOMPANHAMENTO DURANTE O TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓSPARTO IMEDIATO
(Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)
Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou
conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante
durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. (Incluído pela Lei nº 11.108,
de 2005)
o
§ 1 O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. (Incluído
pela Lei nº 11.108, de 2005)
o
§ 2 As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo
constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.
(Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)
Art. 19-L. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005)
TÍTULO III
DOS SERVIÇOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÙDE
CAPÍTULO I
Do Funcionamento
Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa
própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na
promoção, proteção e recuperação da saúde.
Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados os
princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS)
quanto às condições para seu funcionamento.
Art. 23. É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiros na
assistência à saúde, salvo através de doações de organismos internacionais vinculados à
Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e
empréstimos.
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§ 1° Em qualquer caso é obrigatória a autorização do órgão de direção nacional do Sistema
Único de Saúde (SUS), submetendo-se a seu controle as atividades que forem desenvolvidas e os
instrumentos que forem firmados.
§ 2° Excetuam-se do disposto neste artigo os serviços de saúde mantidos, em finalidade
lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus
para a seguridade social.
CAPÍTULO II
Da Participação Complementar
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura
assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer
aos serviços ofertados pela iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante
contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.
Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão
preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura
assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados
no Conselho Nacional de Saúde.
§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração
aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu
ato em demonstrativo econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos
serviços contratados.
§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos
princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro
do contrato.
§ 3° (Vetado).
§ 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é
vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS).
TÍTULO IV
DOS RECURSOS HUMANOS
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Art. 27. A política de recursos humanos na área da saúde será formalizada e executada,
articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, em cumprimento dos seguintes objetivos:
I - organização de um sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino,
inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de
pessoal;
II - (Vetado)
III - (Vetado)
IV - valorização da dedicação exclusiva aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS).
Parágrafo único. Os serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) constituem
campo de prática para ensino e pesquisa, mediante normas específicas, elaboradas conjuntamente
com o sistema educacional.
Art. 28. Os cargos e funções de chefia, direção e assessoramento, no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS), só poderão ser exercidas em regime de tempo integral.
§ 1° Os servidores que legalmente acumulam dois cargos ou empregos poderão exercer suas
atividades em mais de um estabelecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).
§ 2° O disposto no parágrafo anterior aplica-se também aos servidores em regime de tempo
integral, com exceção dos ocupantes de cargos ou função de chefia, direção ou assessoramento.
Art. 29. (Vetado).
Art. 30. As especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão serão
regulamentadas por Comissão Nacional, instituída de acordo com o art. 12 desta Lei, garantida a
participação das entidades profissionais correspondentes.
TÍTULO V
DO FINANCIAMENTO
CAPÍTULO I
Dos Recursos
Art. 31. O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde (SUS) de
acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas finalidades, previstos
em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a participação dos órgãos da Previdência
Social e da Assistência Social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de
Diretrizes Orçamentárias.
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Art. 32. São considerados de outras fontes os recursos provenientes de:
I - (Vetado)
II - Serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde;
III - ajuda, contribuições, doações e donativos;
IV - alienações patrimoniais e rendimentos de capital;
V - taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS); e
VI - rendas eventuais, inclusive comerciais e industriais.
§ 1° Ao Sistema Único de Saúde (SUS) caberá metade da receita de que trata o inciso I deste
artigo, apurada mensalmente, a qual será destinada à recuperação de viciados.
§ 2° As receitas geradas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) serão creditadas
diretamente em contas especiais, movimentadas pela sua direção, na esfera de poder onde forem
arrecadadas.
§ 3º As ações de saneamento que venham a ser executadas supletivamente pelo Sistema Único
de Saúde (SUS), serão financiadas por recursos tarifários específicos e outros da União, Estados,
Distrito Federal, Municípios e, em particular, do Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
§ 4º (Vetado).
§ 5º As atividades de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico em saúde serão cofinanciadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelas universidades e pelo orçamento fiscal, além
de recursos de instituições de fomento e financiamento ou de origem externa e receita própria das
instituições executoras.
§ 6º (Vetado).
CAPÍTULO II
Da Gestão Financeira
Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta
especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos
Conselhos de Saúde.
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§ 1º Na esfera federal, os recursos financeiros, originários do Orçamento da Seguridade Social,
de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, serão administrados pelo Ministério da
Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde.
§ 2º (Vetado).
§ 3º (Vetado).
§ 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a conformidade à
programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a Estados e Municípios. Constatada a
malversação, desvio ou não aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as
medidas previstas em lei.
Art. 34. As autoridades responsáveis pela distribuição da receita efetivamente arrecadada
transferirão automaticamente ao Fundo Nacional de Saúde (FNS), observado o critério do parágrafo
único deste artigo, os recursos financeiros correspondentes às dotações consignadas no Orçamento
da Seguridade Social, a projetos e atividades a serem executados no âmbito do Sistema Único de
Saúde (SUS).
Parágrafo único. Na distribuição dos recursos financeiros da Seguridade Social será observada a
mesma proporção da despesa prevista de cada área, no Orçamento da Seguridade Social.
Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e
Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de
programas e projetos:
I - perfil demográfico da região;
II - perfil epidemiológico da população a ser coberta;
III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área;
IV - desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior;
V - níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e municipais;
VI - previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede;
VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo.
§ 1º Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios será distribuída segundo o
quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independentemente de qualquer procedimento
prévio.
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§ 2º Nos casos de Estados e Municípios sujeitos a notório processo de migração, os critérios
demográficos mencionados nesta lei serão ponderados por outros indicadores de crescimento
populacional, em especial o número de eleitores registrados.
§ 3º (Vetado).
§ 4º (Vetado).
§ 5º (Vetado).
§ 6º O disposto no parágrafo anterior não prejudica a atuação dos órgãos de controle interno e
externo e nem a aplicação de penalidades previstas em lei, em caso de irregularidades verificadas na
gestão dos recursos transferidos.
CAPÍTULO III
Do Planejamento e do Orçamento
Art. 36. O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) será
ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as
necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos
Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União.
§ 1º Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de direção
do Sistema Único de Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na respectiva proposta
orçamentária.
§ 2º É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos
planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área de saúde.
Art. 37. O Conselho Nacional de Saúde estabelecerá as diretrizes a serem observadas na
elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológicas e da organização
dos serviços em cada jurisdição administrativa.
Art. 38. Não será permitida a destinação de subvenções e auxílios a instituições prestadoras de
serviços de saúde com finalidade lucrativa.
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 39. (Vetado).
§ 1º (Vetado).
§ 2º (Vetado).
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§ 3º (Vetado).
§ 4º (Vetado).
§ 5º A cessão de uso dos imóveis de propriedade do Inamps para órgãos integrantes do Sistema
Único de Saúde (SUS) será feita de modo a preservá-los como patrimônio da Seguridade Social.
§ 6º Os imóveis de que trata o parágrafo anterior serão inventariados com todos os seus
acessórios, equipamentos e outros
§ 7º (Vetado).
§ 8º O acesso aos serviços de informática e bases de dados, mantidos pelo Ministério da Saúde
e pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, será assegurado às Secretarias Estaduais e
Municipais de Saúde ou órgãos congêneres, como suporte ao processo de gestão, de forma a
permitir a gerencia informatizada das contas e a disseminação de estatísticas sanitárias e
epidemiológicas médico-hospitalares.
Art. 40. (Vetado)
Art. 41. As ações desenvolvidas pela Fundação das Pioneiras Sociais e pelo Instituto Nacional
do Câncer, supervisionadas pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), permanecerão
como referencial de prestação de serviços, formação de recursos humanos e para transferência de
tecnologia.
Art. 42. (Vetado).
Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos serviços públicos
contratados, ressalvando-se as cláusulas dos contratos ou convênios estabelecidos com as entidades
privadas.
Art. 44. (Vetado).
Art. 45. Os serviços de saúde dos hospitais universitários e de ensino integram-se ao Sistema
Único de Saúde (SUS), mediante convênio, preservada a sua autonomia administrativa, em relação
ao patrimônio, aos recursos humanos e financeiros, ensino, pesquisa e extensão nos limites
conferidos pelas instituições a que estejam vinculados.
§ 1º Os serviços de saúde de sistemas estaduais e municipais de previdência social deverão
integrar-se à direção correspondente do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme seu âmbito de
atuação, bem como quaisquer outros órgãos e serviços de saúde.
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§ 2º Em tempo de paz e havendo interesse recíproco, os serviços de saúde das Forças Armadas
poderão integrar-se ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme se dispuser em convênio que, para
esse fim, for firmado.
Art. 46. o Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecerá mecanismos de incentivos à participação
do setor privado no investimento em ciência e tecnologia e estimulará a transferência de tecnologia
das universidades e institutos de pesquisa aos serviços de saúde nos Estados, Distrito Federal e
Municípios, e às empresas nacionais.
Art. 47. O Ministério da Saúde, em articulação com os níveis estaduais e municipais do Sistema
Único de Saúde (SUS), organizará, no prazo de dois anos, um sistema nacional de informações em
saúde, integrado em todo o território nacional, abrangendo questões epidemiológicas e de prestação
de serviços.
Art. 48. (Vetado).
Art. 49. (Vetado).
Art. 50. Os convênios entre a União, os Estados e os Municípios, celebrados para implantação
dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde, ficarão rescindidos à proporção que seu
objeto for sendo absorvido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 51. (Vetado).
Art. 52. Sem prejuízo de outras sanções cabíveis, constitui crime de emprego irregular de verbas
ou rendas públicas (Código Penal, art. 315) a utilização de recursos financeiros do Sistema Único de
Saúde (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta lei.
Art. 53. (Vetado).
Art. 54. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 55. São revogadas a Lei nº. 2.312, de 3 de setembro de 1954, a Lei nº. 6.229, de 17 de julho
de 1975, e demais disposições em contrário.
Brasília, 19 de setembro de 1990; 169º da Independência e 102º da República.
FERNANDO COLLOR
Alceni Guerra
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 20.9.1990
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LEI Nº 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990
Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS} e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras
providências.
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O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a
seguinte lei:
Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990,
contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as
seguintes instâncias colegiadas:
I - a Conferência de Saúde; e
II - o Conselho de Saúde.
§ 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários
segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da
política
de
saúde
nos
níveis
correspondentes,
convocada
pelo
Poder
Executivo
ou,
extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde.
§ 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por
representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na
formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância
correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão
homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo.
§ 3° O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários
Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho Nacional de Saúde.
§ 4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em
relação ao conjunto dos demais segmentos.
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§ 5° As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua organização e normas de
funcionamento definidas em regimento próprio, aprovadas pelo respectivo conselho.
Art. 2° Os recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) serão alocados como:
I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e entidades, da
administração direta e indireta;
II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do Poder Legislativo e aprovados pelo
Congresso Nacional;
III - investimentos previstos no Plano Qüinqüenal do Ministério da Saúde;
IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios, Estados e
Distrito Federal.
Parágrafo único. Os recursos referidos no inciso IV deste artigo destinar-se-ão a investimentos na
rede de serviços, à cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e às demais ações de saúde.
Art. 3° Os recursos referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão repassados de forma regular e
automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios previstos no
art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990.
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§ 1° Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080,
de 19 de setembro de 1990, será utilizado, para o repasse de recursos, exclusivamente o critério
estabelecido no § 1° do mesmo artigo.
§ 2° Os recursos referidos neste artigo serão destinados, pelo menos setenta por cento, aos
Municípios, afetando-se o restante aos Estados.
§ 3° Os Municípios poderão estabelecer consórcio para execução de ações e serviços de saúde,
remanejando, entre si, parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2° desta lei.
Art. 4° Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os Estados e o
Distrito Federal deverão contar com:
I - Fundo de Saúde;
II - Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com o Decreto n° 99.438, de 7 de
agosto de 1990;
III - plano de saúde;
IV - relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080, de 19
de setembro de 1990;
V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento;
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VI - Comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), previsto o prazo de
dois anos para sua implantação.
Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal,
dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam
administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela União.
Art. 5° É o Ministério da Saúde, mediante portaria do Ministro de Estado, autorizado a estabelecer
condições para aplicação desta lei.
Art. 6° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 7° Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 28 de dezembro de 1990; 169° da Independência e 102° da República.
FERNANDO COLLOR
Alceni Guerra
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SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição.
Obs. Pelo art. 5º, § 1º da CF/88, como direito fundamental social, a saúde constitui
um direito de aplicação imediata. Precisou, o cidadão precisa ser atendido
imediatamente.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social:
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às
suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim;
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Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios:
II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas
portadoras de deficiência;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre:
XII - previdência social, proteção e defesa da saúde;
§ 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a
estabelecer normas gerais.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
§ 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei
estadual, no que lhe for contrário.
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Art. 30. Compete aos Municípios:
VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços
de atendimento à saúde da população;
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder
público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos
do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, além de outras fontes.
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I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista
no § 3º;
§ 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente,
em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de
percentuais calculados sobre:
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159,
inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos
respectivos Municípios;
III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos
impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159,
inciso I, alínea b e § 3º.
§ 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos,
estabelecerá:
I - os percentuais de que trata o § 2º;
II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus
respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades
regionais;
III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde
nas esferas federal, estadual, distrital e municipal;
IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União.
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§ 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema
único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou
convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.
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§ 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às
instituições privadas com fins lucrativos.
§ 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros
na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.
§ 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de
órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e
tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus
derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos
termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a
saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos,
hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de
saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento
básico;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e
utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor
nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho
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Art. 208.. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de:
VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas
suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à
saúde.
Art. 212.. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita
resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na
manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 4º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos
no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições
sociais e outros recursos orçamentários.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação,
sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado
o disposto nesta Constituição.
§ 3º Compete à lei federal:
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I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar
sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e
horários em que sua apresentação se mostre inadequada;
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de
se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem
o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços
que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do
adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e
obedecendo aos seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência
materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os
portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social
do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a
convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a
eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos.
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ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS
Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como
os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a
Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se
admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a
qualquer título.
§ 1º É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de
médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública
direta ou indireta.
§ 2º É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta
ou indireta.
Art. 55. Até que seja aprovada a lei de diretrizes orçamentárias, trinta por cento, no
mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, serão
destinados ao setor de saúde.
Art. 74.. A União poderá instituir contribuição provisória sobre movimentação ou
transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira.
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§ 1º A alíquota da contribuição de que trata este artigo não excederá a vinte e cinco
centésimos por cento, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total
ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei.
§ 2º À contribuição de que trata este artigo não se aplica o disposto nos arts. 153, §
5º, e 154, I, da Constituição.
§ 3º O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será
destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das
ações e serviços de saúde.
§ 4º A contribuição de que trata este artigo terá sua exigibilidade subordinada ao
disposto no art. 195, § 6º, da Constituição, e não poderá ser cobrada por prazo
superior a dois anos".
Art. 77.. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas
ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: (AC)
I – no caso da União: (AC)
a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no
exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; (AC)
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b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação
nominal do Produto Interno Bruto – PIB; (AC)
II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam
os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem
transferidas aos respectivos Municípios; e (AC)
III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da
arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam
os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. (AC)
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais
inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o
exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um
quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por
cento. (AC)
§ 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no
mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações
e serviços básicos de saúde, na forma da lei. (AC)
§ 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às
ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma
finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e
fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da
Constituição Federal. (AC)
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§ 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do
exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios o disposto neste artigo. (AC)
Art. 79.. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo
Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei
complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis
dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de
nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas
de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida. (AC)
Parágrafo único. O Fundo previsto neste artigo terá Conselho Consultivo e de
Acompanhamento que conte com a participação de representantes da sociedade
civil, nos termos da lei. (AC)
EMENDAS CONSTITUCIONAIS DE INTERESSE DA SAÚDE
EC-12
EC-20
EC-26
EC-29
EC-31
EC-34
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Seção II
Da Saúde
Art. 159.
A saúde é dever do Estado e direito de todos, assegurado mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua
promoção, prevenção, proteção e recuperação.
Art. 160. O direito à saúde pressupõe:
I - condições dignas de trabalho e de renda, saneamento, moradia, alimentação,
educação, transporte e lazer;
II - respeito ao meio ambiente sadio e ao controle da poluição ambiental;
III - opção quanto ao tamanho da prole.
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Art. l61. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao
Poder Público, nos termos da lei, dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e
controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de serviços de
terceiros, e também por pessoa física ou jurídica de direito privado, devidamente
qualificados para participar do sistema único de saúde.
Art. 162. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e
hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de
governo;
II - integração das ações e serviços de saúde adequados às diversas realidades
epidemiológicas;
III - universalização de assistência de igual qualidade, com acesso a todos os níveis
dos serviços de saúde, respeitadas as peculiaridades e necessidades básicas da
população urbana e rural, atendendo, de forma integrada, às atividades preventivas
e assistenciais;
IV - participação, em nível de decisão de entidades representativas de usuários,
prestadores de serviço e profissionais da área de saúde.
Art. 163. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
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§ 1° As instituições privadas de saúde poderão participar de forma complementar do
sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito
público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins
lucrativos.
§ 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílio ou subvenção à
instituição privada com fins lucrativos e a concessão de qualquer incentivo,
respeitado o disposto no art. 208.
§ 3° É vedada a designação ou nomeação de proprietário de serviço de saúde,
contratado pelo Poder Público, para exercer qualquer função ou cargo de chefia nos
órgãos e unidades estaduais do sistema único de saúde.
Art. 164. No sistema único de saúde compete ao Estado, além das atribuições
estabelecidas na Constituição Federal e na legislação complementar:
I - prestar serviços de saúde, de vigilância sanitária e epidemiológica e outros, em
integração com os sistemas municipais;
II - responsabilizar-se pelos serviços de abrangência estadual ou regional, ou por
programas, projetos ou atividades que não possam, por seu custo, especialização
ou grau de complexidade, ser executados pelos Municípios;
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III - assegurar número de hospitais e postos de saúde suficientemente equipados
com recursos humanos e materiais, para garantir o acesso de todos à assistência
médica, farmacêutica, odontológica e psicológica, em todos os níveis;
IV - assegurar a todos o direito de optar, em caso de necessidade de assistência
médica, odontológica e psicológica, por quaisquer das unidades hospitalares e por
profissionais habilitados do sistema único de saúde;
V - dar assistência à saúde comunitária para garantir o acompanhamento do doente
dentro de sua realidade familiar, comunitária e social;
VI - assegurar à criança, durante a hospitalização, o acompanhamento pela mãe ou
responsável, na forma da lei;
VII - promover e incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias e a
produção
de
medicamento,
matérias-primas,
insumos
imunológicos,
preferencialmente por laboratórios oficiais do Estado, abrangendo, também, práticas
alternativas de diagnóstico e terapêutica;
VIII - desenvolver o sistema estadual público regionalizado de coleta, processamento
e transfusão de sangue e seus derivados;
IX - controlar e fiscalizar a composição, produção, guarda e uso de bens de
consumo
relacionados
com
a
saúde,
compreendendo
alimentos,
bebidas,
medicamentos, saneantes, produtos químicos, cosméticos, produtos de higiene
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pessoal, agrotóxicos, seus componentes e afins, produtos agrícolas, drogas
veterinárias, água, sangue, hemoderivados, equipamentos médico-hospitalares,
farmacêuticos, de laboratório, odontológicos e fisioterápicos, insumos, correlatos e
outros que a lei indicar;
X - desenvolver e apoiar programas de incentivo à doação de órgãos humanos para
transplante;
XI - desenvolver programa estadual de saúde objetivando garantir a saúde e a vida
dos trabalhadores, através da adoção de medidas que visem à eliminação de riscos
de acidentes, doenças profissionais e do trabalho e que ordenem o processo
produtivo;
XII - oferecer serviço de prevenção para a saúde e para a cárie dentária, à clientela
escolar do ensino fundamental da rede estadual de ensino;
XIII - dar assistência, proteção e tratamento adequados ao doente mental em nível
ambulatorial e hospitalar, garantindo recursos materiais e humanos.
Art. 165. A assistência farmacêutica, privativa de profissional habilitado de nível
superior, integra o sistema único de saúde ao qual cabe garantir o acesso de toda a
população aos medicamentos básicos, bem como controlar e fiscalizar o
funcionamento de postos de manipulação, doação e venda de medicamentos,
drogas e insumos farmacêuticos destinados ao uso humano.
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Parágrafo único. O Sistema Único de Saúde deverá implantar procedimentos de
farmacovigilância que permitam o uso racional de medicamento e a verificação dos
efeitos causados à população.
Art. 166. É da competência do Estado providenciar, dentro de rigorosos padrões
técnicos, a inspeção e a fiscalização dos serviços de saúde públicos e privados,
principalmente aqueles possuidores de instalações que utilizem substâncias
ionizantes, visando assegurar a proteção ao trabalhador no exercício de suas
atividades e aos usuários desses serviços.
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