Títulos do trabalho o princípio da eficiência e sua efetiva
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Títulos do trabalho o princípio da eficiência e sua efetiva
Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Universidade de Lisboa Faculdade de Direito Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas NÍCIA REGINA SAMPAIO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA E SEU CONTRIBUTO PARA A EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SAÚDE Lisboa 2005 1 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa NÍCIA REGINA SAMPAIO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA E SEU CONTRIBUTO PARA A EFETIVIDADE DO DIREITO FUNDAMENTAL SOCIAL À SAÚDE Dissertação de mestrado apresentada à Coordenadora do Curso de Mestrado em Ciências realizado pela Universidade de Lisboa, Faculdade de Direito, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciências Jurídico-Políticas na cadeira de Direito Constitucional. Professor: Lisboa 2005 2 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O BICHO Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Rio, 27 de dezembro de 1947.1 1 Bandeira, Manuel. Estrela da Vida Inteira. 5ª edição. Volume nº 85. Livraria José Olympio Editora. Rio de Janeiro. 1974. p. 196. 3 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa “Na prática se retira dos excluídos a dignidade humana, retira-se-lhes mesmo a qualidade de seres humanos, conforme se evidencia na atuação do aparelho de repressão: nãoaplicação sistemática dos direitos fundamentais e de outras garantias jurídicas, perseguição física “execução” sem acusação nem processo, impunidade dos agentes estatais da violação,da opressão ou do assassínio. Por isso a luta contra a exclusão, que é obrigatória para o jurista, também não tem como objeto um babouvismo próprio de um ‘comunismo da Idade Pedra’ nem uma sociedade burquesa de classe média; ambos os objetivos estão fora do alcance da atuação especializada dos juristas. O objetivo da luta é impor a igualdade de todos no tocante à sua qualidade de seres humanos, à dignidade humana, aos direitos fundamentais e às restantes garantias legalmente vigentes de proteção – sem que se permitisse aqui as mais ligeiras diferenças, tampouco aquelas com vistas à nacionalidade, aos direitos eleitorais passivos e ativos ou à faixa etária (meninos de rua)”.2 2 Muller, Friedrich. Quem é povo?. 3ª edição.Editora Max Limonad. São Paulo. 2003.p. 94. 4 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ÍNDICE INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8 METODOLOGIA........................................................................................................ 11 CAPITULO I .............................................................................................................. 12 ORIGEM E FUNDAMENTO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA .................................................................................................... 12 I. Composição do princípio da eficiência e a idéia de montesquieu .................. 12 1. Conceito de eficiência ............................................................. 14 II. O princípio da eficiência como “mandamento de otimização (optimierungsgebot)” .............................................................................................. 18 III. Evolução do princípio da eficiência no ordenamento jurídico nacional ....... 22 IV. O princípio da eficiência como uma vontade legítima do povo para a concretização do bem comum. .............................................................................. 24 CAPÍTULO II ............................................................................................................. 27 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO UM NOVO PARADIGMA .............................. 27 I. O princípio da eficiência como um novo paradigma a ser perseguido e praticado por todos os que atuam na área pública. ............................................... 27 II. O princípio da eficiência e o controle jurisdicional do mérito do ato administrativo ......................................................................................................... 34 III. Princípio da eficiência e sua hermenêutica ................................................. 38 IV. Um olhar da ciência da administração sobre o princípio da eficiência ........ 46 CAPITULO III ............................................................................................................ 52 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NO DIREITO COMPARADO .... 52 I. O princípio da eficiência no direito americano ................................................ 54 II. O princípio da eficiência no direito português ................................................. 61 III. Sistema brasileiro de administração e seus matizes em relação aos sistemas administrativos americano e português .................................................. 65 CAPITULO IV ............................................................................................................ 73 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO PRINCÍPIO ESTRUTURANTE NO ESTADO SOCIAL DE DIREITO. ............................................................................................... 73 I. Origem, conceito e finalidade do Estado ........................................................ 73 II. Do Estado neutral de raiz liberal para o Estado prestacional de serviços e ações de saúde com eficiência. ............................................................................. 77 III. Estado neoliberal ........................................................................................ 80 IV. Administração pública e a incorporação do princípio da eficiência ............. 89 CAPITULO V ............................................................................................................. 94 5 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SUA INTERAÇÃO COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO INSTRUMENTOS PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE ....................................................................................... 94 I. Princípio da dignidade da pessoa humana ................................................. 94 II. Princípio da igualdade................................................................................. 98 III. Princípio da legalidade .......................................................................... 102 IV. Princípio impessoalidade ....................................................................... 106 V. Princípio da motivação .............................................................................. 108 VI. Princípio da publicidade ........................................................................ 110 VII. Princípio da moralidade ......................................................................... 112 CAPITULO VI .......................................................................................................... 115 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO UM INSTRUMENTO EFETIVO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, EM ESPECIAL O DIREITO À SAÚDE................................................................................................................. 115 I. História dos direitos fundamentais......................................................... 115 II. O direito à saúde na Constituição Federal de 1988............................... 118 III. A saúde como direito fundamental..................................................... 127 CAPITULO VII ......................................................................................................... 129 NORMAS LEGAIS PARA A EFETIVA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA ............................................................................ 129 I. O sistema único de saúde no brasil ................................................... 129 II. Competência do sistema único de saúde .......................................... 133 III. O controle social............................................................................. 133 IV. Vinculação de recursos e metas para a área da sáude ................. 137 V. Ações e serviços de saúde como de relevância pública .................... 139 VI. A descentralização ......................................................................... 140 CAPÍTULO VIII ........................................................................................................ 142 INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO ................................................................ 142 I. Planejamento ................................................................................. 142 II. Estudo de lotação ideal .................................................................. 144 III. Elaboração do plano de carreira, cargos e salários - pccs ......... 145 IV. Concurso público ........................................................................ 147 V. Plano de saúde .............................................................................. 148 VI. Relatório de gestão ..................................................................... 151 VII. Plano plurianual – PPA ............................................................... 152 VIII. LDO – lei de diretrizes orçamentária .......................................... 153 IX. Lei orçamentária anual – LOA .................................................... 154 X. Implantação do programa de saúde da família .............................. 155 6 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa CAPITULO IX .......................................................................................................... 156 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SEU CONTRIBUTO PARA A EVOLUÇÃO DO ESTADO SOCIAL ................................................................................................... 156 I. Proposições do trabalho ............................................................. 157 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 160 ANEXO .................................................................................................................... 168 7 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa INTRODUÇÃO Da observação dos fatos, acredita-se numa possível reversão do quadro de caos presente na Administração Pública Brasileira, em especial no tocante a prestação continuada dos serviços e ações de saúde, através da perfeita compreensão do princípio da eficiência e correta aplicabilidade dos instrumentos de planejamento já construídos e disponibilizados para a área da saúde pública. A definição do conteúdo e limite do princípio da eficiência e sua real aplicabilidade pela Administração Pública no Estado Social, contribui para a efetividade do direito à saúde para todos. Desta forma, os eixos propulsores desta pesquisa foram focalizados em primeiro lugar em demonstrar que a ineficiência dos agentes públicos é uma das principais causas do caos presente na administração pública brasileira, e em segundo momento, delinear os traços marcantes do princípio da eficiência, na perspectiva da hermenêutica jurídica, ressaltando o seu valor e importância para a evolução do Estado Social. Do estudo restou constatado que existe uma discussão doutrinária sobre a necessidade ou não de se elevar o princípio da eficiência à categoria de princípio constitucional administrativo. Enquanto pairam dúvidas sobre a sua real importância e efetividade, no campo doutrinário, possibilitando uma concreta aplicabilidade deste, os parcos recursos públicos existentes no país, usados indevidamente, contribuem para que milhares de pessoas continuem a viver em condições sub-humanas, via de conseqüência influi, também, para o atraso na implementação dos direitos sociais. Não se está a contestar a importância e necessidade de um debate doutrinário, crítico e construtivo, que contribua para uma melhor sedimentação dos direitos fundamentais, postos na Carta Constitucional, até porque seria a negativa do próprio trabalho. Entretanto, há que se buscar em qualquer teoria que se pretenda defender, seu limite e conteúdo material,confrontando com as demais teorias com vinculação direta com a mesma, antes de rechaçá-la ou confirmar a sua validade. Este é um dos 8 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa grandes desafios deste trabalho3. Somente após um estudo nestes dois campos, conteúdo e limite, pode-se contribuir para a efetividade ou não do princípio da eficiência, estabelecendo o contributo deste para a transformação social do estado de ação ou omissão dos poderes constituídos4, frente a díspare realidade social da população brasileira no tocante ao direito fundamental à saúde 5. Para tanto, é necessária uma incursão pela teoria filosófica, história e pela dogmática jurídica, extraindo daí, conceitos sólidos, para aferir o grau normativo deste princípio. Verifica-se, na medida em que avança o estudo do limite e conteúdo do princípio da eficiência, o seu valor normativo e via de conseqüência a sua importância para a efetividade do direito fundamental à saúde para todos. Este bem individual e coletivo, simultaneamente, só é possível para todos na medida em que agentes públicos se apropriem do conteúdo material do princípio da eficiência na sua práxis. No decorrer da investigação, ao tempo em que vai se identificando o valor e irradiação do princípio, fundamentado, principalmente, nos instrumentos legais de controle e direcionamento para as ações e serviços de saúde, caminha-se, também, pelo vale árido de sua efetividade, em face de sua não aplicabilidade, seja pelo desconhecimento por parte dos agentes públicos: políticos e administrativos de seu 3 Como pontua, Marcello Caetano, in Estudos de Direito Administrativo, Lisboa, 1974,p.91 Apud Paulo Otero, Direito Administrativo, Relatório de uma disciplina apresentado no concurso para professor associado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1998, ensina “todos os problemas, por mais discutidos, qualquer que seja o ramo do direito a que pertençam, ganham em ser revistos, de vez em quando, sem preocupações de escola e sem preconceitos de nenhuma outra ordem” 4 Como bem expressa Onofre Alves Batista Junior (Princípio Constitucional Administrativo da Eficiência. Mandamentos Editora. 2004. Brasil.p.55) A ineficiência da máquina pública, nesse contexto de crise, serve de anteparo limitador às exigências tributárias. Incentiva a elisão e a evasão fiscal, funciona como fator de insatisfação popular para com a AP, propicia uma firme desconfiança dos contribuintes no retorno do que pagam em forma de benefícios para a coletividade e abre oportunistas brechas às propostas neoliberais plantadas pelo poder econômico, que devem ser afastadas . Por isso, o Estado Social precisa de eficiência para romper com esse círculo vicioso; necessita do uso otimizado dos recursos escassos disponíveis para legitimar sua atuação em prol do bem comum. 5 Na mesma linha, Egon Bockmann Moreira (Processo Administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/1999. 2ª edição.Malheiros Editores. Brasil.2003.p.163) conclui que : Ainda que sustentemos eventuais vícios no texto positivado, a interpretação há de enriquecê-lo e suprimir os eventuais desvios, pressupondo a existência de um legislador ideal. Afinal, como bem frisou Paulo Modesto, “ não se pode, em qualquer caso, recusar a positividade, a operatividade e a validade jurídica do princípio da eficiência sob o argumento de que seu conceito tradicionalmente desenvolvido pela Sociologia e pelas ciências econômicas. Todos sabemos que os princípios jurídicos são normas, prescrições, dirigem-se a incidir sobre a realidade, referindo sempre algum conteúdo impositivo”. E, acrescenta, assim, a compreensão constitucional do princípio não advirá da técnica apurada desenvolvida pela Economia ou ciência da Administração, mas sim de uma compreensão democrática da terminologia do Texto Maior. Uma vez positivada, a norma desprende-se do seu criador e assume um significado todo próprio, oriundo da interpretação sistemática do ordenamento jurídico. 9 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa alto grau normativo6, seja pelos operadores jurídicos que ainda não buscaram definir seu conteúdo e limite. Com o presente estudo não se pretende esgotar a matéria, mas contribuir para a evolução do Estado prestacional de ações e serviços de saúde com qualidade para todos, através da aplicação correta dos princípios constitucionais administrativos, norte de toda a atuação dos agentes públicos. 6 Neste sentido, vale conferir a Apresentação feita por Fernando Henrique Cardoso, na Apresentação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (Câmara da Reforma do Estado, www.planalto.gov.br/publi_04 /COLECAO/PLANDIA.HTM) extraido em 16/05/2005, Este plano procura criar condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas e racionais. No passado, constituiu grande avanço a implementação de uma administração pública formal, baseada em princípios racional-burocráticos, os quais se contrapunham ao patrimonialismo, ao clientelismo, ao nepotismo, vícios estes que ainda persistem e que precisam ser extirpados. Mas o sistema introduzido, ao limitar-se a padrões hierárquicos rígidos e ao concentrar-se no controle dos processos e não dos resultados, revelou-se lento e ineficiente para a magnitude e a complexidade dos desafios que o País passou a enfrentar diante da globalização econômica. Asituação agravou-se a partir do início desta década, como resultado de reformas administrativas apressadas, as quais desorganizaram centros decisórios importantes, afetaram a “memória administrativa”, a par de desmantelarem sistemas de produção de informações vitais para o processo decisório governamental. É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial”, baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem da legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado. 10 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa METODOLOGIA A atividade de investigação se deu no campo doutrinário e jurisprudencial, sem desprezar a contribuição do mundo empírico que nos cerca. O que determinou a escolha do tema foi à vivência na defesa do direito fundamental à saúde para todos, bem como, o desperdiço e descaso dos administradores da coisa pública. A consciência da magnitude do direito fundamental à saúde, como elemento essencial para uma existência humana com dignidade e as possibilidades de sua concretude através de uma administração pública eficiente foi a principal motivação do trabalho. A existência de instrumentos eficazes de gestão na área da saúde pública,desprezado pelos que gerenciam a coisa pública, tem contribuído para a falência do Estado Social. Sabemos que os recursos atualmente aplicados na área da saúde não atendem aos anseios sociais, entretanto, uma boa gestão dos recursos já disponíveis permite salvar muitas vidas. O desenvolvimento de toda a atividade de pesquisa foi prioritariamente realizado com vistas ao Sistema de Único de Saúde no Brasil. O objetivo é contribuir para a divulgação dos instrumentos de gestão na área da saúde, contribuindo para a construção de uma administração pública eficiência que promova o tudo para todos. Associado, a estes elementos motivadores já expostos, não podemos deixar de registrar o incentivo que tivemos da Professora Doutora Maria João Estorninho que mostrou com sua simplicidade e sabedoria o valor do direito administrativo para a consolidação do Estado Social. 11 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa CAPITULO I ORIGEM E FUNDAMENTO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA I. Composição do princípio da eficiência e a idéia de montesquieu O princípio da eficiência integra o art, 37, caput da Constituição Federal, por força da Emenda Constitucional nº 19/98. Está inserido no Titulo III – Da Organização do Estado, Capítulo VII – Da Administração Pública, Seção I – Disposições Gerais. O texto legal diz :” A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte....”7:Pela leitura atenta do dispositivo legal vemos que se trata de norma de cunho abstrato. Para se estabelecer os limites e conteúdo material da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, tem-se que entender o que é legal, impessoal, moral, eficiente e público. Os princípios da legalidade, publicidade, impessoalidade e moralidade que já integravam a Carta Política desde a sua gênese, já foram objeto de estudo dos doutrinadores nacionais e internacionais, existindo já um certo consenso quanto à sua aplicabilidade. Estes têm o seu conteúdo e limite já, amplamente estudado no campo doutrinário. Entretanto, quanto ao princípio da eficiência, por ser ainda, considerado novo, como princípio constitucional, merece uma atenção especial daqueles que querem contribuir para um maior fortalecimento do Estado Social, através do aprimoramento de sua organização. Desta forma, se justifica a opção pelo princípio da eficiência e não pelos demais como matéria prioritária deste estudo. Este como os demais princípios do art. 37 da CF/88 tem um conceito vago, não se fixando da simples leitura do texto constitucional seu conteúdo e limite.Neste estudo, faz-se necessário 7 Brasil. Constituição(1988).Ed.atualizada em 1999- Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas. 12 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa apresentar a justificativa ou necessidade de se estabelecer um conceito para eficiência e seu real significado. O que se pretende é tentar estabelecer o limite e conteúdo, para o fim de se contribuir para a melhor aplicabilidade do mesmo, seja por quem tem o dever de aplicar a lei, seja por aquele que tem o dever de executar a lei. Em sua obra “ Do Espírito das Leis” Montesquieu nos adverte: “Aqueles que possuem uma inteligência bastante esclarecida para poder proporcionar leis a sua nação ou a uma outra, devem conceder certa atenção quanto à maneira de as criar”8. Montesquieu descreve as caracteríticas que uma lei deve ter para a sua real aplicabilidade. Assim, aplicando os traços identificados pelo autor como essenciais para que uma lei possa ser cumprida, foi desenhado um quadro comparativo entre o que Montesquieu entendeu como conteúdo essencial de uma lei e o princípio da eficiência, neste termos: Coisas que devem ser observadas na composição das Composição do Princípio da Eficiência leis – Idéia de Montesquieu 1 - seu estilo deve ser conciso9 1- estilo conciso,mas não claro 2- estilo das leis deve ser simples : a expressão direta 2- estilo simples é sempre melhor compreendida do que a expressão reflexa10 3-é essencial que as palavras das leis despertem em 3- da simples leitura não desperta em todos os todos os homens as mesmas idéias11 homens as mesmas idéias 4- que nas leis é preciso que se raciocine da realidade 4- o raciocínio não nos remete da realidade a à realidade; e não da realidade à imagem, ou da realidade, mas da imagem a realidade imagem a realidade12 5- as leis não devem ser sutis13 5- não é sutil 6-não devem ser feitas mudanças numa lei sem que 6- a inserção do princípio teve por base razões para isso exista uma razão suficiente14 suficientes 8 MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Coleção Universidade de Bolso. Tradução de Gabriela de Andrade Dias Barbosa. Ediouro. Editora Tecnoprint S.A.p.398. 9 MONTESQUIEU. Op.cit.p.398. 10 MONTESQUIEU. op.cit.p.398. 11 MONTESQUIEU. Op. cit.p.399. 12 MONTESQUIEU.Op. cit. P.399. 13 MONTESQUIEU.Op. Cit. p.399. 14 MONTESQUIEU. Op.cit.p.399. 13 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 7- Quando alguém se empenha em apresentar o 7- é preciso o uso da hermenêutica para lhe definir o motivo de uma lei, é preciso que esse raciocínio seja conteúdo e limite digno da mesma15 8- assim como as leis inúteis enfraquecem as leis 8- é uma lei útil, na medida em que busca a igualdade necessárias, as que podem ser burladas enfraquecem a material legislação16 9- as leis não devem ferir a natureza das coisas 17 9- contribui para que as coisas sejam devolvidas ao seu estado natural 10- é preciso que exista nas leis uma certa candura. 10- encerra a inocência necessária Feitas para punir a maldade dos homens, elas devem encerrar em si próprias a maior inocência 18 Da evidência do quadro comparativo, conclui-se que o princípio da eficiência, objeto de estudo, pode ser aperfeiçoado, quanto ao seu modo de elaboração, uma vez que os traços dificultam a sua aplicabilidade. Este, apresenta características essenciais, conforme já delineado no quadro comparativo, merecendo uma interpretação pela doutrina, principalmente à luz do direito comparado, para a sua concretude, seja pela função jurisdicional ou pela função administrativa. 1. Conceito de eficiência O sentido etimológico da expressão eficiência na gramática nacional segundo o Dicionário Aurélio Buarque de Holanda é “qualidade daquilo que é eficiente; eficácia”. (do latim efficiente). Eficiência e eficácia aparecem no dicionário como palavras sinônimas. Eficaz – ETIM lat. Efficax,acis que executa, opera, obra; que leva a cabo; eficaz, poderoso. Eficiência – ETIM lat. Efficientia,ae faculdade de 15 MONTESQUIEU.Op.ci. p.399. MONTESQUIEU.Op. cit.p.400. 17 MONTESQUIEU.Op.cit.p.400. 18 MONTESQUIEU.Op.cit.p.400. 16 14 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa produzir um efeito; virtude , propriedade, ação.Eficiente – ETIM lat. Efficiens,entis que efetua, que produz.19 Pela leitura do significado das duas expressões eficiência e eficácia, no português falado no Brasil, pode-se pensar, a princípio, que traduzem o mesmo conteúdo, entretanto, através de um estudo sincrônico das duas expressões podemos sintetizar que estas não são sinônimas, posto que eficiência se dirige a quem faz a ação e eficácia se dirige ao resultado. Eficiente é uma qualidade, um atributo, uma virtude da pessoa. Enquanto que eficácia é um atributo do meio. Se um elemento for eficiente e tiver instrumentos eficazes de ação obterá um resultado a que denominamos eficaz. De eficiência temos o adjetivo eficiente e de eficácia temos o adjetivo eficaz. Eficiente, conforme a tradução do latim, se refere a quem efetua, quem produz a ação. Eficaz se refere ao meio pelo qual se leva a cabo a ação. Como exemplos podemos citar duas frases costumeiramente usadas no vernáculo pátrio: O médico foi eficiente no diagnóstico e O médico foi eficaz no diagnóstico e na na escolha do medicamento combater a enfermidade para escolha do medicamento para combater a enfermidade o remédio foi eficaz no tratamento da O remédio foi eficiente no tratamento da doença. doença Pela leitura das duas frases é possível se aferir a diferença existente entre as duas expressões eficiência e eficácia. Quando alguém age com eficiência pode ou não produzir um resultado eficaz. Para que se possa rotular uma ação de eficiente ou ineficiente é necessário muito mais que uma simples avaliação da ação de quem determinou a ordem primeira. A eficácia da ação depende de fatores externos, que deverão ser somados a qualidade daquele que é eficiente. A eficiência enquanto atributo da pessoa, pode ser individualizada em cada caso concreto. Um exemplo clássico que pode ser usado para demonstrar o que está sendo afirmado é a construção de uma casa. Um elabora a planta baixa, a execução, entretanto depende de diversos atores. Uma 19 Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Instituto Antônio Houaiss, Editora objetiva, 2001, Rio de Janeiro - RJ 15 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ação pode ter início e fim em uma mesma pessoa. Mas, quase sempre irá depender do desempenho de diversos atores. Assim, como no caso exemplificado, vários atores concorrem para o sucesso da construção. Em caso de defeito na obra, é possível, fazendo o caminho inverso da construção, identificar quem foi o ator ou os atores ineficientes. Uma leitura desatenta pode conduzir a afirmação de que ambas contém o mesmo significado. Eficiência é a qualidade daquilo que é eficiente. Como atribuir a Eficácia à qualidade daquilo que é eficiente. Na mesma linha, usando como parâmetro o conceito semântico da ciência da administração, temos que “a eficiência não se preocupa com os fins, mas simplesmente com os meios. O alcance dos objetivos visados não entra na esfera de competência da eficiência; é um assunto ligado à eficácia.” 20 Observa-se, portanto, que eficácia e eficiência são dois conceitos distintos. É possível ser muito eficiente sem ser eficaz. Um caso paradigmático da aplicação dessas expressões na esfera da administração pública, mais precisamente na área da saúde é o do município de Anchieta, situado no Estado do Espírito Santo, Brasil. O gestor da saúde foi eficiente na implantação do Programa Estratégia de Saúde da Família que visa trabalhar a área da prevenção. Esse programa dispõe de uma equipe formada por médico generalista, enfermeira, dentista, agentes comunitários para atender a um número de 4500 pessoas. Dados levantados por especialistas da área identificaram uma cobertura de 100% (cem por cento ) do programa no município mencionado. Contudo, em contrapartida, levantamento das causas de internação no município, bem como, o número de pacientes internados revelou que o programa não estava sendo eficaz. O trabalho desenvolvido pelos agentes do programa não foi eficiente ao ponto de reduzir as causas de internação. Conclui-se, portanto, que o fazer com eficiência na área pública necessita de uma constante aferição dos resultados produzidos, em outras palavras, a eficácia. Esta se relaciona diretamente ao fim da ação desenvolvida pelos agentes públicos, enquanto que a eficiência se dirige à pessoa 20 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração.4ª ed. São Paulo. McGraw Hill,1993,p.238 Apud Antonio Carlos Cintra do Amaral. Texto publicado na internet com o tírulo “O princípio da Eficiência no Direito Administrativo”., www.direitopublico.com.br. Revista Diálogo Jurídico, Número 13, junho/agosto de 2002, Salvador, Bahia, Brasil. 16 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como um meio para se obter a eficácia. Percebe-se, claramente, pelos exemplos apresentados, que as duas expressões, apesar de aparecerem no dicionário como sinônimas, não comportam o mesmo significado. Há que se ter atenção a isto, a banalização das palavras e via de conseqüência o desconhecimento de seu real conteúdo, contribui diretamente para a prática de ações violadoras dos direitos fundamentais. Corre-se o risco, ao se interpretar, creditar e aplicar a uma ação o selo da eficiência, sem perquirir o resultado produzido por esta, de desconstituir o seu real significado e valor, principalmente, quando falamos de ações e serviços de saúde produzidos com recursos públicos. O caso emblemático do município de Anchieta, já mencionado no presente estudo , e rotineiramente constatado na práxis do fazer saúde no Brasil, tem gerado a inércia dos órgãos de controle, quanto à responsabilização dos agentes públicos. Ações, nomeadamente, rotuladas como eficientes são na verdade ineficientes, quando investigado o resultado produzido por esta, ausência de eficácia. Acrescenta-se, ainda, a tudo quanto foi dito, que o fazer com eficiência impõe, muitas das vezes, não só a ação de um individuo, mas também de todos os demais atores que participam do desenvolvimento da ação. Assim, retornando uma vez mais, aos exemplos já citados, a ação do gestor público municipal que determinou a cobertura de 100% de PSF não se completa e finda em si mesma. O responsável pelo processo seletivo dos agentes que irão integrar o programa, a capacitação destes profissionais, associado aos instrumentos que serão utilizados para se aferir o resultado, são fatores determinantes para se rotular a ação como eficiente. O responsável direto, primeiro pela eficácia de todo o processo deve ser eficiente não só ao dar início a ação, como também, em atrair para o desencadeamento desta, pessoas com competência para a obtenção do resultado. Este depende para a certificação de sua ação como eficiente, da parceria direta dos demais envolvidos no processar da ação. A ineficiência de qualquer dos atores nominados comprometerá a eficácia. Resta claro, que a eficiência se dirige a quem pratica a ação e a eficácia ao resultado pretendido com a mesma. Neste sentido, a centralização e a burocratização são fatores impeditivos para uma atuação eficiente. A eficiência enquanto um atributo da pessoa humana, implica 17 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa também, na atração de pessoas eficientes para o desempenho e eficácia da ação determinada. De outro ponto, tem-se a ética e a moral como pré-requisito da eficiência. As ações pautadas por princípios éticos e morais, revestidos, também, da prática desburocratizada e descentralizada, proporcionaram resultados positivos, uma evolução constante. II. O princípio da eficiência como “mandamento de otimização (optimierungsgebot)” O primeiro passo para compreender a magnitude e importância do princípio da eficiência, princípio de direito público contido no sistema constitucional brasileiro, passa, necessariamente, pela identificação e compreensão do que é um princípio. O questionamento que fazemos, quando nos deparamos com a formulação legislativa posta para o ordenamento jurídico está sedimentada em dois pontos, ou seja, qual a origem da criação de determinadas normas e sua finalidade. Nessa linha podemos sintetizar que o legislador constituinte derivado, no caso específico do princípio ora em relevo, quando da sua formulação, usou a expressão princípio da eficiência e não regra da eficiência, exatamente por compreender a dimensão axiológica deste. Juristas de diversas partes do mundo se dedicaram a compreender e definir o que é um princípio, seu peso e valor. Várias teorias foram suscitadas na tentativa de melhor explicar o conteúdo e limite de um princípio. Entretanto, foi o jurista Alemão Robert Alexy, em sua Teoria dos Direitos Fundamentais, quem ampliou o conceito de princípio, bem como, elucidou e dissipou os questionamentos existentes entre norma, regra e princípio. Para este renomado jurista, os princípios podem referir-se tanto a direitos individuais como a bens coletivos.21 21 Alexy, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Centro de Estudios Políticos y Constitucionales. Madrid, 2002,pág. 18 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Acrescenta, ainda, o renomado jurista pós-positivista, a norma é o gênero, e princípio e regra são as espécies. “ Los principios ordenam que algo debe ser realizado en la mayor medida posible, tiniendo en cuenta las possibilidades jurídicas e fáticas”22. As regras, ao contrário dos princípios, “ son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos”23. Os princípios são, por conseguinte, enquanto valores, a pedra de toque ou o critério com que se aferem os conteúdos constitucionais em sua dimensão normativa mais elevada.24 Assim, o princípio da eficiência como norma-valor alcança seu mais alto grau normativo quando é inserido na Carta Fundamental. As normas princípios ocupam o ápice da pirâmide no ordenamento jurídico, são mandamentos de otimização, ou seja, determinam o limite e o conteúdo de toda formulação legislativa, atuação dos agentes públicos administrativos e exercício da cidadania. Na linha do pensamento fundado, o princípio da eficiência, associado aos demais princípios de direito público, exercem a função de mandamento diretivo de todas as leis e atos administrativos.A partir do momento em que este é entendido e definido como norma princípio, podemos aferir algumas conclusões. Todo princípio, compreendido como aquilo que dá origem, fundamento, base de outras coisas ou ser, é o primeiro ponto de partida para a realização das ações executadas na vida em sociedade (polis) e aplicação e construção do edifício jurídico. Toda construção jurídica, bem como, todas as ações executadas seja na área pública ou privada devem ter como base a obediência aos princípios constitucionais. Assim, quando da elaboração legislativa de qualquer norma regra, que irá compor o ordenamento jurídico, deverá ser observado pelos integrantes do parlamento sobre quais princípios aquela lei será fundamentada. Se houver a violação a um dos princípios elencados na Constituição Federal, está norma padece de vício de origem, que a torna inválida, causa impeditiva de sua efetiva aplicação. 22 Robert Alexy.ob.cit.p.86 Robert Alexy.ob.cit.p.87 24 Bonavides, Paulo. Curso de direito Constitucional. 13ª ed. Malheiros Editores. 2003..p.283. 23 19 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Da mesma forma, e com igual sorte, toda ação executada na área pública , que desconsiderar em seus fundamentos a observância de qualquer princípio constitucional, no processo que se desencadeia do início da ação até o seu exaurimento, deve ser declarada como ação corrompida, ensejando imediata ação inversa para sanar ou minimizar seus efeitos maléficos. Merece atenção especial, neste particular, a prática de ações na área pública, envolvendo recursos públicos. Uma ação executada na área da saúde, por exemplo, seja pelo agente político ou pelos agentes públicos, que não tenha por fundamento princípios como a dignidade da pessoa humana, igualdade, impessoalidade, moralidade, eficiência, padecerá de vício de origem. Esta ação pode envolver não são aquele que deu o “start”, mas também todos os outros atores com responsabilidade solidária pela consecução do objetivo final da ação. Estes agentes públicos respondem solidariamente pelos danos causados à coletividade, obrigando diretamente aqueles que tem o dever legal de fiscalizar a execução, um agir imediato no sentido contrário, aplicando medidas jurídicas repressivas e reparadoras, inclusive, a declaração de invalidade do ato, devolvendo à sociedade a justiça e a paz social. Esta máxima foi assim construída e organizada na pirâmide do ordenamento jurídico, posto que na área pública as ações cominadas de vício não atingem apenas um indivíduo, mas também poderá prejudicar a toda uma coletividade. Nesse sentido, a importância de que todos, indistintamente, conheçam bem o conteúdo material dos princípios constitucionais identificados e gravados na Constituição Federal, para um exercício correto da cidadania. Cidadania esta, entendida não só como aquele indivíduo que exercita seus direitos na polis , mas também como aquele que integra a cidade através do contrato social de que nos fala Rosseau, aderindo, junto com os demais cidadãos, aos direitos e deveres que vigem e correm entre governo e cidadão. O princípio da eficiência , como os demais princípios constitucionais, ganha seu mais alto grau normativo quando é inserido na Carta Maior, passando a ocupar o ápice da pirâmide jurídica. De outro ponto, como norma ordenadora, fundamento e base da construção jurídica e social, ocupa a base da pirâmide,ou seja: 20 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Princípios - Norma Valor Constituição Federal –princípios constitucionais Leis Decretos Portarias Executivo Judiciário Legislativo Princípios – Norma Fundamento da Construção Jurídica e Social Os princípios vão irradiar sobre todas as ações do governo,da sociedade como um todo, e construções jurídicas o seu valor, regendo o modus operandi da vida em sociedade e o desencadeamento e aplicação do aparato legal, de um Estado Democrático de Direito. Estes princípios, diga-se uma vez mais, ocupam a base da pirâmide inversa, porque apesar de serem poucos, devem ser o fundamento, o ponto de partida, mandamento de otimização, “onde a medida imposta de execução não depende apenas das possibilidades fáticas, senão também jurídicas”. Nesta perspectiva é possível 21 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa submeter ao controle jurisdicional não só a legalidade das decisões administrativas, mas também, o mérito dessas decisões, declarando, inclusive, a sua invalidade. Sintetizando tudo o que foi dito, após colher os ensinamentos acerca do valor de um princípio na estrutura de todo o ordenamento jurídico, têm-se que o princípio da eficiência tem a sua origem e fundamento no Estado Social de Direito. No Estado Social que foram ampliadas as funções do Estado, passando a assumir a obrigação de assegurar a todo o individuo que integra a polis o direito à educação, à saúde,ao trabalho em igualdade de condições. O Estado Social idealizado pelo mandamento constitucional é o que mais se aproxima do Estado de Natureza, do qual o homem abriu mão para viver em sociedade. Isto porque, na medida em que se realiza a igualdade material, em vias transversas tem-se também assegurada a liberdade. Vê-se no princípio da eficiência a mola propulsora para a concretização do princípio da igualdade. a implementação deste, através da apropriação de seu conteúdo material contribuirá para a efetividade dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, em especial, ajudando a construir uma sociedade livre, justa e igualitária. III. Evolução do princípio da eficiência no ordenamento jurídico nacional O princípio da eficiência foi elevado a categoria de Princípio Constitucional pela Emenda Constitucional nº 19/98. Analisando o movimento da sociedade brasileira no período que antecede a elaboração e promulgação da EC nº19/98, identificamos fatores externos e internos que contribuíram e conduziram a constitucionalização do princípio. O desperdício, a falta de ética no exercício da função pública, burocratização, omissão, desvio e má gestão dos recursos públicos, pagamento da dívida externa, associado à necessidade de se estabelecer definitivamente os contornos do Estado Social no Brasil , são alguns dos fatores para a introdução do princípio da eficiência no rol dos demais princípios constitucionais administrativos. A exigência de uma atuação eficiente na área pública já estava presente no ordenamento jurídico brasileiro, desde a Reforma dos anos 1930 com o Estado 22 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa novo, a Reforma Administrativa Federal do Dec.-lei 200/67. Este nos artigos 13, 25,inc.V e VIII, art. 26, III e art.100 exige de forma explícita a eficiência administrativa com a comprovação de resultados, possibilitando a demissão e dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso25. Na seqüência das reformas administrativas, vem a Reforma Administrativa de 1995, teve início com a Mensagem Presidencial nº 886/95, convertida na PEC nº 173/95 na Câmara e PEC nº 41/97 Senado, atual Emenda Constitucional nº 19/98. “A Reforma Administrativa implantada a partir de 1995 deu-se especialmente através da pretensão à descentralização estatal, parcerias com a iniciativa privada e valorização da competência e eficiência da Administração Pública. Visava-se a instalar a denominada “Administração Gerencial”26 . De igual modo, a Carta Magna de 1988, em diversos artigos, também faz referência ao dever de boa administração, somente a título de exemplo, podemos citar o art.74,inc. II que exige dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (...)IIcomprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado”27. A obrigação de uma gestão pública eficiente pode ser comprovado, ainda no texto constitucional, quando determina no art. 198 que “as ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (...) I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;”. A descentralização do Sistema Único de Saúde tem por objetivo otimizar a prestação material dos serviços e ações de saúde para todos. O Dec.-lei 200/67 e os artigos da Constituição Federal de 1988 mencionados vem reforçar a importância que representou para a sociedade brasileira a elevação do princípio da eficiência a categoria de preceito constitucional. É da natureza do Estado Social de Direito 25 Sobre o tema consultar a obra Direito Administrativo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, p. 83, 15º edição, Editora Atlas S.A, São Paulo, 2003. 26 MOREIRA,Egon Bockmann. Processo Administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/99. 2ª edição.Malheiros Editores. Brasil.2003.p.157. 27 Sobre o tema consultar o texto Notas para um Debate sobre o Princípio Constitucional da Eficiência, extraído da internet www.direutopublico.com.br , Revista Diálogo Jurídico, Ano I, vol.I,nº02,maio 2001, Salvador, Bahia, Brasil. 23 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa administrar a coisa pública com eficiência produzindo resultados otimizados para a sociedade. O Princípio da eficiência nasce no momento em que se busca a concretização dos direitos fundamentais sociais. Pode-se dizer, por outras palavras, que este é imanente ao Estado Social que visa assegurar o direito igual de todos os cidadãos aos direitos sociais. Somente uma atuação eficiente, pautada em princípios éticos e no conhecimento, poderá assegurar uma aproximação entre o legislado e o contexto social. IV. O princípio da eficiência como uma vontade legítima do povo para a concretização do bem comum. Ao traçarmos as linhas deste trabalho, precisamos nos valer do texto constitucional consagrado como a vontade do povo para a nação brasileira. Partimos assim, do art. 1º , parágrafo único da Carta Maior, quando diz: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição. Tomando como ponto de partida o texto evidenciado, passamos a analisar o princípio da eficiência acrescido ao corpo da Constituição Federal , através da Emenda Constitucional nº 19/98, como uma manifestação inequívoca da vontade popular. Apesar de não ter passado por um plebiscito, pode-se aferir pelas conseqüências práticas de sua implementação, que este passo seguro, dado pelo legislador, traduz a vontade daquele que são os destinatários das prestações civilizatórias do Estado.A busca incessante da eficiência na gerência da coisa pública, move-se em direção da concretização do verdadeiro Estado democrático.Não obstante as inúmeras constatações efetivadas por filósofos quanto a existência de uma democracia ainda incipiente no Brasil, que não transmudou do plano retórico da argumentação ideológica para uma democracia real, temos que ressaltar que o povo atuou como protagonista,28 exercendo o seu verdadeiro papel 28 Segundo propõe Friedrich Muller, na obra Quem é o povo?, 3ª edição. Editora Max Limonad,São Paulo, 2003, p.37, “o povo é invocado no documento constitucional, ao passo que o seu papel verdadeiro no processo político não é tematizado”. 24 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa na revolução do processo político imposto, quando, através de seus mandatários,de forma mediata, fez inserir na Carta política os princípios constitucionais que devem compor toda a atuação no exercício da função pública, em especial o princípio da eficiência. Neste sentindo é importante registrar o pensamento de Jean-Jacques Rosseau, sobre a soberania e o papel do poder legislativo e executivo.Rosseau qualifica a soberania de inalienável e indivisível, 29 e como conseqüência somente a vontade geral pode por si só dirigir as forças do Estado, segundo o fim de sua instituição, que é o bem comum30. O poder pode ser transmitido, mas não a vontade.31 Rosseau atribui ao povo a responsabilidade pela elaboração das leis32, sintetizando que o poder legislativo é o coração do Estado, a força executiva o seu cérebro, que dá movimento a todas as partes do corpo33. Na linha do pensamento posto, verifica-se uma supremacia do poder legislativo sobre o poder executivo, cabendo a este apenas a responsabilidade de executar as leis, uma vez que a soberania do Estado repousa com exclusividade no poder legislativo. Não obstante vislumbrar, no estado contemporâneo, uma supremacia do poder executivo(função de defesa,proteção e prestação) sobre os demais poderes, realidade oposta a idéia do filósofo, credita-se, a inserção do princípio da eficiência no corpo constitucional, a uma pressão do povo no sentido da implementação de um verdadeiro Estado Social de Direito. Este tem por fundamento a igualdade material. Foi a vontade geral expressa pelo princípio democrático que fez elevar à categoria de princípio constitucional o princípio da eficiência. Somente uma administração pública pautada nos valores éticos e princípio da eficiência poderá produzir mais justiça social e seus frutos, igualdade e liberdade entre os homens. Em outras palavras o tudo para todos. Não há liberdade sem a correspondente igualdade entre os homens. O princípio da eficiência visa aproximar o homem do estado de natureza livre, na medida em que cria condições iguais para todos os homens de usufruir os bens essenciais. 29 Cfr. Jean-Jacques Rousseau, O Contrato Social, Livro II, Cap.I,p.35, Cap.II,p.36. Edições e Publicações Brasil Editora S.A. São Paulo. 5ª edição. 30 Cfr. Jean Jacques Rousseau, O Contrato Social, Livro II, Cap.I,p.35. 31 Cfr. Jean Jacques Rousseau, O Contrato Social,Livro II, Cap. I,p.35. 32 Cfr. Jean Jacques Rousseau, O Contrato Social, Livro II,Cap.VI,p.49. 33 Cfr. Jean Jacques Rousseau, O Contrato Social, Livro III,Cap.XI,p.104. 25 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Para Locke, na mesma linha de Rosseau, a vontade geral deverá prevalecer em qualquer forma de Estado. “Quando qualquer número de homens, pelo consentimento de cada indivíduo, constituiu uma comunidade, tornou, por isso mesmo, essa comunidade um corpo, com o poder de agir como um corpo, o que se dá tão-só pela vontade e resolução da maioria”.34 Acrescenta , ainda, o autor que “seja qual for a forma de governo sob o qual se acha a comunidade, o poder que tem mando deve governar mediante leis declaradas e recebidas e não por prescrições extemporâneas e resoluções indeterminadas”35. Estes filósofos, apesar de expressarem seus pensamentos de formas diferentes entendem que o homem é por natureza livre. Rosseau afirma que “ O homem nasceu livre “ 36 e Locke “ os homens são por natureza livres”37. A razão acompanha a afirmação descrita, na medida em que se sabe que no estado de natureza, também, vige a igualdade entre os homens. Locke partindo da premissa de que todos os homens são por natureza livres, questiona, o motivo pelo qual ele abriria mão de sua liberdade, “ se o homem no estado de natureza é tão livre, conforme dissemos, se é senhor absoluto de sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder?”. Sem entrar no mérito do questionamento formulado por Locke e suas conclusões sobre os possíveis fatores que levam o homem livre a submeter-se ao domínio e sujeição de outro poder, cumpre assinalar que, no estado de natureza o homem usufrui a liberdade, na medida em que é igual ao maior e a ninguém sujeito, ou seja, goza da igualdade material (exemplo típico dos índios no Brasil antes do descobrimento). No momento em que o homem tem que abandonar o estado de natureza, para viver em um sociedade política ou civil deve estabelecer regras que serão traduzidas pela vontade geral. Desta forma, mais uma vez, vale afirmar que o princípio da eficiência encontra eco na vontade geral 38, na medida em que se traduz em meio eficaz para produzir a justiça social. 34 Cfr. John Locke. Os Pensadores. XVIII. Segundo Tratado sobre o Governo. Editor Victor Civita.p.77. Cfr.John Locke. Os Pensadores XVIII. Segundo Tratado sobre o Governo.p.94. 36 Cfr. Jean Jacques Rousseau. O Contrato Social. Livro I.Cap. I.p.13. 37 Cfr. John Locke. Os Pensadores. XVIII. Segundo Tratado sobre o Governo. p.80. 38 No mesmo sentido Immanuel Kant.( La Metafísica....§46,p.143) diz “ só a vontade coletiva do povo pode ser legisladora” , e ainda, “só a vontade concordante e unida de todos, na medida em que decidem o mesmo cada um sobre todos e todos sobre cada um”. 35 26 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa CAPÍTULO II PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO UM NOVO PARADIGMA I. O princípio da eficiência como um novo paradigma a ser perseguido e praticado por todos os que atuam na área pública. Com a nova proposta constitucional de um princípio administrativo que exige muito mais que ser um administrador , mas um facere comprometido com resultados positivos para o cidadão, é delineado um novo paradigma. Quebra-se a lógica anterior tão enraizada no imaginário comum do serviço público no Brasil, de não compromisso com o resultado, ou por outras palavras, uma atuação na área pública irresponsável e descomprometida39. “A constitucionalização do princípio da eficiência surgiu em reação contra os desmandos e inconseqüências do modelo burocrático e tecnocrático do Estado, cujos desacertos restaram encobertos pelo manto da irresponsabilidade”.40 Para Thomas Kuhn, “ A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, está longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma . É antes uma reconstrução na área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações”41. 39 Como pondera Onofre Alves Batista Júnior ( O Princípio da Eficiência Administrativa. Editora Mandamentos, Belo Horizonte, 2004, p. 202) A eficiência administrativa pública não é uma eficiência econômica, que considere apenas a vertente economicidade da eficiência. Trata-se de uma eficiência jurídica multifacetada, com inúmeros aspectos, que deve considerar uma série de referenciais axiológicos, como os ingredientes éticos e políticos, bem como se curvar a aspectos garantísticos, sendo que, antes de tudo, deve reverência ao próprio traçado das normas do ordenamento jurídico. 40 MORAES, Germana de Oliveira. Considerações Gerais sobre a Reforma Administrativa Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, Lusíada Revista de Ciência e Cultura. Coimbra Editora. 1998,p.335. 41 Kuhn, Thomas. A Estrutura das Revoluções Cientificas. Editora Perspectiva. 6ª edição.2001.p.116 27 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa No exercício da atividade privada, a mola propulsora de toda a atuação, daqueles que se dispõem a administrar, vem revestida do princípio da eficiência. Uma atividade , seja ela de qual natureza for que não produza ganhos para os empreendedores é ceifada de imediato, bem como, deve ser eliminada a pessoa, de sua estrutura organizacional, que não desempenhe a contento o seu papel. Segundo o Vicente Falconi Campos, in TQC Controle da Qualidade Total (no estilo Japonês) 42 , a única forma de sabermos se a atividade desenvolvida está produzindo resultados que merecem ser mantidos , levando a mais investimento, é uma avaliação constante das causas e seus efeitos. Assim, uma empresa deve analisar o mercado de consumo a que se destina seu produto antes de fazer qualquer investimento. Somente a partir destes dados, pode definir o tipo, quantidade, e destinatário do produto. Através de uma constante aferição dos resultados pode identificar se existe necessidade de alterar a essência desse produto ou até mesmo de mudar de ramo. De igual forma, a partir do novo paradigma que se propõe, a atividade pública não pode mais ser exercida de maneira irresponsável e descomprometida com o resultado. É preciso aplicar para a administração pública conceitos que de há muito vem conduzindo a atividade na esfera privada, sem contudo, esquecer que a administração das organizações privadas visa primeiramente o lucro, enquanto a administração das organizações públicas tem por objetivo primeiro a prossecução do interesse público. Este traz subjacente no Estado Social, a satisfação das necessidades coletivas. Desta forma, o peso e o valor da eficiência aplicado na atividade privada, não será o mesmo da área pública. No entendimento do mesmo autor, o ser humano se organiza, constituindo empresas, escolas, hospitais, governos, etc..., para tornar sua vida mais amena e confortável, em outras palavras para garantir a sobrevivência na terra. Para tanto, toda organização humana, necessariamente, será constituída de três elementos : Equipamentos e materiais (“Hardware”), Procedimentos, também entendidos como “maneira de fazer as coisas”, métodos (“Software”) e ser Humano (“Humanware”). A existência e melhoria continua de Equipamentos e materiais (“Hardware”) está condicionada a “Aporte de Capital”. A criação e melhoria dos procedimentos ou métodos de trabalho têm como premissa, o desenvolvimento do “Humanware”, é por 42 Campos, Vicente Falconi, in TQC – Controle da Qualidade Total (no estilo japonês). Nova Lima –MG: INDG Tecnologia e Serviços Ltda, 2004. 28 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa meio das pessoas que estes se desenvolvem . E, finalmente, para que uma organização humana tenha pessoas capazes de criar “Software” e definir bem o aporte de capital que deve ser aplicado para o “Hardware” é preciso melhorar o ser humano, através do “Aporte de conhecimento”. Como diz o Professor Falconi: O conhecimento pode ser levado às organizações de várias maneiras: pelo recrutamento de pessoas bem-educadas (aqui entra o valor da educação básica fornecida ao indivíduo pela sociedade), pela contínua educação dos empregados em cursos formais, pelo auto-aprendizado pelo treinamento no trabalho, pela assistência técnica adquirida de outras empresas (contato com pessoas de outras organizações), pelo contato com consultores, etc. Todos os itens identificados pelo autor como forma de se levar o conhecimento para as organizações humanas, é aplicável ao Estado Prestacional de serviços e ações de saúde. A forma encontrada pelo Legislador Constituinte Originário para o recrutamento de pessoas qualificadas para a prestação do serviço essencial à saúde foi o concurso público (artigo 37,inciso II). Este , desde que , aplicado em obediência ao princípio da moralidade e legalidade selecionará para a organização humana valores capazes de desenvolver e absorver “software”.A produção de “software” para a área da saúde significa salvar vidas. De igual modo, o legislador ordinário objetivando levar o aporte de conhecimento para a área pública da saúde, inseriu no art. 4º da Lei 8.080/92, a exigência, para o Aporte de Capital nos Entes Federados , de um Plano de Carreira, Cargos e Salários, próprio para a saúde. O ingresso de pessoas no serviço público por meio do concurso público de provas e provas e títulos, bem como, a existência de um Plano de Carreira, Cargos e Salários tem o condão de contribuir para a efetividade do direito fundamental de todo ser humano à saúde. Para fazer o aporte de conhecimento, necessário para toda organização humana, deve ser assegurada contínua capacitação das pessoas que integram a função pública, através de cursos formais, treinamento no trabalho e transmissão do conhecimento de outras pessoas, que já integram os quadros, sendo detentores de rico conteúdo da área fim. Diz o mesmo Falconi, ocupando-se ainda do Aporte de Conhecimento da empresa, “reconhecendo a limitação humana na velocidade do seu aprendizado, este aporte de conhecimento deve ser contínuo, isto é, por toda a vida do empregado; E mais “reconhecendo a existência do “ATIVO DO 29 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa CONHECIMENTO” na cabeça das pessoas, é necessário criar condições que evitem a saída das pessoas da empresa. Esta saída traria como conseqüência um “vazamento” deste ativo. A decantada “estabilidade no emprego” não deveria ser meta dos sindicatos mas sim dos empresários.43 No Brasil, não obstante a obrigatoriedade de concurso público para o ingresso na função pública, bem como, a existência de Plano de Carreira, Cargos e Salários, o que se vê na área da saúde pública é a famigerada contratação temporária. Na mesma Carta Constitucional , no art. 37, inciso IX está previsto que “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”. Sabemos que toda prestação de serviços ofertada pelo governo através de seus órgãos é financiada direta ou indiretamente pela sociedade. O Estado brasileiro oferta ações e serviços de saúde através dos impostos pagos pelo cidadão ao ente municipal, estadual e federal44. Na atualidade, a Emenda Constitucional nº 29/2000, define o percentual que cada ente federado deverá aplicar na área da saúde, bem como, quais os impostos que deverão financiar o Sistema Único de Saúde. De igual modo, o Governo Federal ao instituir a CPMF tinha como objetivo implementar as ações e serviços de saúde. Importante este registro para que toda a sociedade 43 Para Falconi o Aporte de Conhecimento e o Aporte de Capital têm características distintas, vejamos: a) O Aporte de capital tem retorno baixo, inseguro e variável (10-20% ao ano em condições estáveis); o aporte de conhecimento tem retorno elevadíssimo mas de difícil avaliação. Fizemos,junto com companheiros de duas empresas brasileiras, uma avaliação do retorno sobre o Aporte de conhecimento em um programa de Qualidade Total e encontramos algo em torno de 30.000% ao ano! Mesmo que tenhamos errado numa ordem de 10 ou 100, ainda assim a taxa de retorno sobre investimento em educação é muito maior. b) o Aporte de capital pode ser feito em curto espaço de tempo. Havendo dinheiro compra-se o que se desejar. No entanto, o aporte de conhecimento só pode ser feito de forma lenta e gradual pois o ser humano é limitado na sua velocidade de aprendizado . Se aasim não fosse, não seriam necessários cinco anos para lecionar o curso primário, sete anos para o secundário e cinco anos para o superior!. 44 Nos termos da Constituição Federal de 1988, art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinados assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. No mesmo diploma legal define, no art. 195 que : A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: Ido empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre : a) folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados , a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) receita ou faturamento; c) o lucro; II- do trabalhador e dos demais segurados da previdência social não incidindo contribuição sobre a aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral da previdência social de que trata o art. 201; III- sobre a receita de concursos de prognósticos... §2º A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos...§ 10. A lei definirá os critérios de transferência de recursos para o sistema único de saúde e ações de assistência social da União para os Estados, o Distrito Federal e os Munícipios, e dos Estados para os Muncípios, observada a respecttva contrapartida de recursos. 30 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa brasileira tenha a exata dimensão de que o direito à saúde assegurado na Carta Magna para todos, é financiado por todos. Percebe-se que o investimento de cada cidadão no financiamento do Sistema Único de Saúde, visando atender a uma necessidade primária de toda criatura humana, ou seja, a vida, precisa ser bem aplicada (“Hardware”), trazendo resposta positiva para todo a sociedade. Assim, a aplicação dos conceitos de controle da qualidade total, identificados a nosso ver com o conteúdo e fim do princípio da eficiência, para o universo da administração pública, possibilita a concretização do direito fundamental social à saúde. Transportando para o princípio da eficiência, ao estilo japonês, ensinado pelo autor, para a área da saúde pública, podemos aplicar as seguintes conclusões: o legislador constituinte originário inseriu na Carta Magna, instrumentos efetivos de controle da qualidade total para a área da saúde pública, através dos arts. 5º,6º,37, 196 a 200, Emenda Constitucional n.19/98, 29/2000 (Aporte de Conhecimento( “Software” e Humanware”) e Aporte de Capital (“Hardware”) e o legislador ordinário, de igual forma, aplicou conceitos da qualidade total quando da elaboração das leis 8.080/92 e 8.142/92, introduzindo instrumento efetivos para assegurar que o Aporte de Capital e Aporte de Conhecimento para a Administração Pública venha a trazer resultados positivos para o cidadão, ou em outras palavras, assegurando a efetividade do direito fundamental à saúde. Pela Lei nº 8.080/92 estabeleceu-se que a cada quatro anos deve ser elaborado um plano de ação fundamentado no perfil epidemiológico da população de cada localidade. De igual modo a cada ano deve ser elaborado e dada a devida publicidade ao quadro de metas, com a devida apresentação ao final de cada exercício do relatório de gestão. Pela Lei nº 8.080/92, art. 4º , para que os Estados e municípios possam se habilitar na Gestão Plena do Sistema Municipal, precisam obrigatoriamente contar com o Plano de Carreira, Cargos e Salários. É a Valorização do recurso humano, elemento chave de toda organização humana. A Constituição Federal de 1988, define no art. 37, inc. II que a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, com o objetivo de assegurar o ingresso de candidatos qualificados para o exercício da função pública. Estes instrumentos de controle e outros formalmente 31 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa constituídos no ordenamento jurídico para a área da saúde, serão trabalhados no capítulo próprio. Neste tópico, interessa colocar em relevo a importância do novo paradigma, representado pelo princípio da eficiência. Este quando é elevado a categoria de princípio constitucional da administração pública atinge o seu mais alto grau normativo, passando a exigir de todos aqueles que atuam na área pública a eficiência com resultados. Conforme ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro o princípio da eficiência “impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar”.45 No sentido assinalado pela administrativista, o princípio da eficiência se impõe a pessoa (agente público), tendo assim, sérias implicações a forma de recrutamento de recursos humanos para a área da saúde. Não temos como falar em eficiência, quando temos um quadro de pessoal desorganizado, desmotivado e incapacitado para a produção das ações e serviços de saúde. Analisando o atual quadro de recursos humanos da área da saúde no Brasil, temos que concluir que a continuidade no modus de ingresso na área da saúde, ou seja , a tão propagada e defendida Contratação Temporária, transformada na práxis dos gestores como regra, quando a norma constitucional a condiciona a fatores excepcionais, não permitirá a mudança de paradigma proposta pelo novo modelo de fazer saúde no mundo. Hodiernamente, o conceito de saúde definido pela Organização Mundial de Saúde implica na execução de medidas eficazes que atentem para o bem estar, físico, mental e social. A consecução de medidas preventivas que evitem que a população adoeça. Somente um ser humano qualificado e que receba uma permanente capacitação poderá produzir instrumentos eficazes de controle da qualidade de vida de um povo, bem como, capaz de aplicá-lo em favor deste com eficiência. Vê-se, de regra, que atualmente os que executam as ações na área da saúde foram nomeados sem critérios previamente estabelecidos, ou melhor, por indicação política. A ocupação dos cargos públicos na área da saúde, no Brasil, tem sido utilizada como moeda de troca dos políticos eleitos, através da contratação de 45 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 10ª edição. São Paulo. Atlas. 1998,p.7374.(confirmar no livro a página). 32 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa pessoal por tempo determinado. Os funcionários nomeados por contratação temporária funcionam como elementos garantidores para a próxima eleição. O usuário não é levado em conta, suas necessidades, bem como, os atuais objetivos do sistema único de saúde. Esta forma ilegal de contratação de pessoal não interessa ao Sistema Único de Saúde, nem ao servidor, visto que, a qualquer momento este poderá ser exonerado de suas funções, não contando com as garantias funcionais asseguradas constitucionalmente. Do que se conclui, que a manutenção da contratação temporária, que deveria ser apenas usada como medida excepcional, interessa a políticos corruptos que integram o sistema político nacional. Neste cenário, permissa venia, não adianta aporte de recursos, pode-se aumentar a aplicação de recursos na área da saúde, e continuaremos a ter uma população fadada a adoecer. Exemplificando as afirmações colocadas, vale lembrar o trabalho da Prof. Maria Emi Shimazaki, no texto Curso de Gestão de Sistemas de Serviços de Saúde, FAESA, 2005. Esta conclui em seu trabalho que “o desafio é instituir uma gestão que possibilite aos profissionais sintam-se responsáveis pelos serviços, que partilhem do planejamento das ações e comprometam-se com os resultados”. Parte de dados estatísticos do sistema de serviços de saúde do Reino Unido, onde para cada 1 milhão de usuários atendidos, o Serviço Nacional de Saúde produz 50 milhões de decisões clínicas e milhares de decisões gerenciais a cada ano. Em outras palavras, o estudo demonstra que cada profissional da rede de atenção ao produzir uma consulta e deliberar pelos procedimentos que serão melhor aplicáveis ao caso concreto, atuam diretamente como ordenadores de despesa, invertendo a estrutura contábil e financeira dos órgãos de saúde. Com este estudo comprova-se, uma vez mais, a importância da forma de recrutamento e qualificação na área da saúde, para a atuação eficiente e com resultados eficazes. O atual estágio do Estado providência no Brasil não alcançará resultados eficazes se não contar com uma Administração especializada. A especialização da função pública poderá contribuir para a real efetividade de um direito fundamental à saúde para todos, evitando os desmandos e loteamentos feitos hoje pela classe política 46 46 Sobre o tema Paulo Otero leciona que: “a satisfação das necessidades colectivas a cargo do “Estadoprovidência (ou “Estado de bem-estar”) e do “Estado-segurança” (ou “Estado-preventivo”) não se compadece com um aparelho administrativo dotado de um elemento humano sem qaulificação técnicas ou científicas : as 33 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Insta ressaltar que a opção política feita por uma forma de recrutamento diverso do determinado na Carta Constitucional deve ser revista pelo poder judiciário, invalidando tais atos administrativos e responsabilizando seus agentes. Neste caso, não se trata de avaliar o mérito da decisão administrativa, mas a sua legalidade, ou conformação com o bloco legal. II. O princípio da eficiência e o controle jurisdicional do mérito do ato administrativo Locke em sua consagrada obra Segundo Tratado sobre o Governo, Capítulo XIV, já previa a existência de atos pelo executivo que não estavam previamente estabelecidos pelo ordenamento jurídico, por ele denominado de prerrogativa. “A prerrogativa nada mais é senão o poder de fazer o bem público sem se subordinar a regras”.47 Para o autor, “Muitos assuntos há a que a lei não pode prover por meio algum; e estes devem necessariamente ser entregues à discrição daquele que tem nas mãos o poder executivo, para que as regule conforme o exigirem o bem público e vantagem geral”.48 Conforme assinala Paulo Bonavides, mergulhado no pensamento de Locke “ o interesse público representa assim a medida da prerrogativa”. 49 A diretriz, que irá nortear as ações do executivo, será sempre o interesse público. Quando o ato a ser praticado pelo executivo já encontra expressa previsão legal do seu modus operandi , este deve segui-lo a risca. Vige para a Administração o princípio da legalidade, ou seja, esta somente pode fazer aquilo que a lei permite. A ineficiência da ação, neste caso, deve ser imputada, em primeiro, àquele que foi o responsável pela elaboração legislativa. Nos casos não previstos em lei, em que o tarefas a cargo do moderno Estado exigem uma Administração especializada.(Paulo Otero, Legalidade e Administração Pública, Livraria Almedina, Coimbra, 2003.) 47 LOCKE, John. Os Pensadores XVIII: Segundo Tratado sobre o Governo. Capitulo XIV. 1ª edição. 1973. Editor Victor Civita . São Paulo. Tradução de Anoar Alex. p. 104. 48 Locke, John. Op.cit. p.104. 49 Bonavides, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 4ª edição. Editora Forense. Rio de Janeiro. 1980. p.13 34 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Executivo deve agir, ainda assim, deve ser perquirido sobre a eficiência ou não da ação, partindo-se do agente que tomou a decisão primeira. O mérito do ato administrativo ganha nova forma de controle. Antes as decisões tomadas pelo executivo, que não encontravam eco no ordenamento jurídico, não eram passíveis de análise pelo poder jurisdicional. Na medida em que o princípio da eficiência é elevado à categoria de princípio fundamental, este estabelece um novo modo de ver a administração, permitindo ao poder jurisdicional analisar, também, o mérito do ato administrativo. Esse é o grande contributo do princípio da eficiência para a concretização do Estado Social de Direito. Na medida em que se exige mais eficiência na gestão da coisa pública, por outra via, está a se exigir que se otimizem recursos humanos e materiais para alcançar a igualdade material. Temos uma moeda, em que de um lado exige-se a eficiência e de outro a produção da igualdade material. Nesta esteira, toda decisão (vinculada ou discricionária) que não for eficiente na busca do interesse público, deve ser submetida ao crivo do poder judiciário. E, em sendo o caso, deve ser declarada inválida e responsabilizado o seu responsável. Na linha do pensamento de Locke, pode-se dizer que o interesse público representa assim, também, a medida do princípio da eficiência. Se a ação executada for mais onerosa para os cofres públicos, mas atender com maior eficiência o interesse público perseguido, a mesma deve ser reconhecida como uma ação eficiente. É preciso traçar um marco delimitador entre eficiência e gasto público. Existe uma associação mental imediata, quando se fala em eficiência, entre a mesma e aplicação de recursos. Entende-se na área privada, que quanto menor o investimento e , via de conseqüência maior lucro, mais eficiência. Entretanto, esta mesma associação quando transportada para a área pública pode redundar em conseqüências desastrosas , principalmente para os direitos fundamentais. A eficiência que se pretende, no meio empresarial, esta diretamente relacionado ao lucro , que esta mesma empresa irá produzir. Enquanto que, na área pública, o princípio da eficiência está diretamente relacionado a atender ao interesse público. 35 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O custo com a execução da ação deve ser sopesado, mas nunca ocupar o ápice da pirâmide. Ademais, o que se entende por gasto na área privada, muitas das vezes se traduz, na área publica em investimento. Um “gasto” em educação, não representa “gasto”, quando se obtém retorno com a mesma. Este ganha os contornos de investimento, o que não ocorre na área privada. Ademais, deve ser registrado, que o interesse público é cambiante de civilização para civilização, de Estado para Estado, mesmo quando analisado no mesmo movimento histórico. No Brasil, atualmente, o interesse público se traduz na consecução dos objetivos da República. São eles, segundo o art. 3º da Carta Maior: I- construir uma sociedade justa e igualitária; II- garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, reça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Por esta leitura, vê-se que não haverá uma sociedade justa e igualitária , enquanto não forem assegurados os direitos fundamentais a todos em condição de igualdade. Nessa esteira, alargando o campo de exame dos objetivos da República, pode-se afirmar que o interesse público aqui traduzido como sendo os objetivos da república, também se identificam com os direitos fundamentais. Assim, na prática comum dos agentes políticos e públicos, todas as ações emanadas do executivo devem ter como parâmetro de decisão um fazer com eficiência, objetivando a consecução dos direitos fundamentais, em especial , no atual estágio dos direitos humanos, os direitos fundamentais sociais. Se o resultado da ação foi eficaz, ou por outras palavras, se o Estado prestacional atendeu aos objetivos da República, pode-se afirmar que houve eficiência na ação administrativa. Caso contrário, este ato é passível de ser invalidado de imediato, responsabilizando-se o agente que deu causa. Desta forma, com a elevação do dever de eficiência a categoria de princípio fundamental , este deixa de ser um dever imperfeito e passa a ser considerado como um dever perfeito. A previsão constitucional assegura ao poder jurisdicional o controle sobre o ato administrativo, podendo portanto analisar a legalidade e mérito 36 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa da decisão administrativa, atos vinculados e discricionários e, em não sendo a melhor declarar a sua anulação, com a responsabilização direta daquele ou daqueles que deram causa ao resultado. Percebe-se que existe uma relação direta entre a avaliação da eficiência de uma ação e o mérito da mesma ação. Aquelas ações que já foram contempladas pela norma legal, estabelecendo-se os meios para a prossecução do interesse geral , também podem ser avaliadas como eficientes ou ineficientes.Essa avaliação se faz tomando como parâmetro a determinação legal, trata-se de um ato vinculado. Um exemplo clássico deste modelo é a aplicação obrigatória por parte da União, de um percentual mínimo para a implementação das políticas de saúde. A não observância da determinação legal, gera de imediato o dever de intervenção do poder judiciário, declarando a ilegalidade da decisão administrativa e responsabilização do agente. Contudo, a dificuldade que se coloca a frente para a aplicação do princípio da eficiência está em se avaliar o peso e valor do mérito do ato administrativo. Quando o administrador tem em suas mãos uma margem de discricionariedade para adotar uma decisão ou outra, para se alcançar o interesse geral, torna-se mais difícil de se aferir qual dentre as decisões foi a mais correta. Partindo-se para um exemplo prático, o Prefeito de uma cidade x, precisa construir uma ponte para atender a uma determinada população. Este pode contratar diretamente a execução da mão de obra, e com uma coordenação direta executar a construção. Pode, também, contratar terceiros que executarão a obra a um custo “x”. Estes podem apresentar ao administrador duas ou mais formas de execução da obra, incluindo só o fornecimento de mão de obra ou a mão de obra e o material. Como fica a avaliação pelo controle jurisdicional do ato? Esse somente poderá aferir a melhor decisão na medida em que tiver em mãos custosxqualidade. Com esses elementos é possível ao administrador tomar a melhor decisão e, também, permitir o controle jurisdicional sobre o ato. Entretanto, quando se tem que tomar decisões genéricas e complexas que irão beneficiar a toda a uma coletividade, essa aferição é mais difícil, mas não é impossível. Pensando, por exemplo, numa decisão que tem por objetivo a redução da mortalidade infantil. Para atender a essa meta mobilizadora deverão ser desencadeadas uma série de ações para a obtenção do resultado pretendido. Ações que vão desde a seleção de pessoal até a definição dos meios e métodos a serem utilizados. A melhor decisão será aquela que num menor espaço de tempo atingir a meta mobilizadora. 37 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Entretanto, deve ser registrado, ainda, que fatores externos podem surgir, pósdecisão inicial, influenciando no resultado. Este complexo de decisões e fatores que condicionam o resultado, tendem a dificultar a avaliação da eficiência. No entanto, se fizermos o caminho inverso, partindo do resultado (eficácia) e seguindo os passos que foram desencadeados até a emissão da primeira decisão, temos como submeter ao controle jurisdicional o mérito da ação. Neste caso, considerando a primeira decisão, como a principal para influenciar o resultado, a sua análise, a priori, é suficiente para se constatar se o que se buscou com o ato administrativo foi o bem comum, reflexo do interesse geral, ou o que se buscava era tão somente a construção de um estado paralelo, para atender a interesses menores e individualistas.Se o resultado obtido com a ação encontra eco no interesse público, ou na efetivação dos direitos fundamentais, está ação deve ser declarada eficiente do ponto de vista da administração, mesmo que para alcançar esse objetivo tenha que se investir , num primeiro momento mais recursos. Este “gasto” que não é “gasto”, mas investimento, representará para o futuro uma economia inigualável para os cofres públicos. Por tudo o que foi dito, percebe-se que é necessário um cuidado todo especial, quando fazemos a aplicação de conceitos aplicados na esfera privada para a área pública, pois os objetivos de um e de outro são diversos e até antagônicos. No privado temos o benefício, primeiro, do indivíduo, enquanto que, no público temos como beneficiário, primeiro, toda uma comunidade, depois o indivíduo. III. Princípio da eficiência e sua hermenêutica Desde a sua elevação à categoria de princípio constitucional administrativo, o princípio da eficiência tem sido objeto de estudo por parte dos doutrinadores, a fim de se estabelecer seu limite e conteúdo. 38 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Para Hely Lopes Meirelles, o princípio da eficiência corresponde ao dever de boa administração da doutrina Italiana50, exigindo que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional51. Na linha do pensamento do autor, não se concebe mais o exercício funcional descomprometido com o resultado, ou seja, para que o trabalho seja referendado como eficiente é preciso que exista uma perfeita adequação técnica aos fins visados pelo Estado52. De outro ponto, José Afonso da Silva chama a atenção para o conceito de eficiência, dizendo que não se trata de “um conceito jurídico, mas econômico, não qualifica normas, qualifica atividades”53. Com a influência das ciências econômicas, acrescenta o autor que o princípio da eficiência administrativa “consiste na organização racional dos meios e recursos humanos, materiais e institucionais para a prestação de serviços públicos de qualidade em condições econômicas de igualdade dos consumidores”54. Partindo de um ponto de vista divergente, Celso Antonio Bandeira de Mello entende que não há nada para ser dito sobre o princípio da eficiência 55. Acentua o autor que “trata-se de algo mais do que desejável. Contudo, é juridicamente tão fluído e de tão difícil controle ao lume do Direito, que mais parece um simples adorno agregado ao artigo 37 ou o extravasamento de uma aspiração dos que buliram no texto” 56. E, mais, “o princípio da eficiência é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito Italiano: o princípio da “boa administração”57. Maria Sylvia Zanella Di Pietro lembra que o princípio da eficiência apresenta dois aspectos : “ pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, 50 MEIRELLES, Hely Lopes.op.cit.p.102. MEIRELLES, Hely Lopes. Op.cit.p.94. 52 neste sentido consultar Hely Lopes Meirelles.op.cit.p.103. 53 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.22ª edição. Malheiros Editores. Brasil.2003.p.651. 54 SILVA, José Afonso da.op.cit.p.652. 55 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª edição. Malheiros Editores. Brasil.2003.p.101. 56 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª edição. Malheiros Editores. Brasil.2003.p.102. 57 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Op.cit.p.112. 51 39 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público”58. José dos Santos Carvalho Filho, valida a idéia de que a Administração deve recorrer “à moderna tecnologia e aos métodos hoje adotados para obter qualidade total da execução das atividades a seu cargo, criando, inclusive, novo organograma em que se destaquem as funções gerenciais e a competência dos agentes que devem exercê-las”59. Para o autor existe uma diferença de conceitos entre eficiência, eficácia e efetivamente que não se deve desprezar. Para este “ a eficiência transmite sentido relacionado ao modo pelo qual se processa o desempenho da atividade administrativa; a idéia diz respeito, portanto, à conduta dos agentes. Por outro lado, eficácia tem relação com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercício de seus misteres na administração; o sentido aqui é tipicamente instrumental. Finalmente, a efetividade é voltada para os resultados obtidos com as ações administrativas, sobreleva neste aspecto a positividade dos objetivos”60. Para Lúcia Valle Figueiredo, na mesma linha de Celso Antonio Bandeira de Mello, “ e de se perquirir o que muda com a inclusão do princípio da eficiência, pois, ao que se infere, com segurança, à Administração Pública sempre coube agir com eficiência em seus cometimentos”61. Antonio Carlos Cintra Amaral, ao definir o que se pretende com o princípio da eficiência, renova o questionamento de Celso Antonio Bandeira de Mello, quando: ”ao dizer-se que o agente administrativo deve ser eficiente, está se dizendo que ele deve agir, como diz Trabucchi, com a “diligência do bom pai de família”. E aí não há como evitar uma indagação: se esse é o significado objetivo do princípio da eficiência, será que foi de alguma utilidade sua explicitação no texto constitucional, 58 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª edição. Editora Atlas S.A.São Paulo.2003.p.83. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ª edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2005.p.18. 60 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op.cit.p.18 e 19. 61 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo.5ª edição. São Paulo. Malheiros Editores.2001.p.63.(confirmar referência) 59 40 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ou ele é, como diz Celso Antonio Bandeira de Mello, “ um adorno agregado ao art. 37?”62 Ubirajara Custódio Filho descortina a importância do princípio em estudo para o fortalecimento do Estado Social, quando confirma que a “Administração Pública deve atender o cidadão na exata medida da necessidade deste com agilidade, mediante adequada organização interna e ótimo aproveitamento dos recursos disponíveis”63. Na mesma linha, Gustavo Vettorato, conclui que “assim, resta esclarecido que o princípio da eficiência administrativa, existente a muito antes da Emenda Constitucional 19/98, deve ser interpretado de forma a abalizar a melhor utilização dos inputs administrativos (recursos, meios e esforços), bem como, os seus outputs (resultados). Ou seja, quanto ao princípio da eficiência da Administração Pública, não deve haver separação da avaliação dos meios e da eficácia dos atos administrativos, ou sua mesclagem a outros princípios de forma a fazê-lo desaparecer”64. Em trabalho publicado na Revista Diálogo Jurídico, Paulo Modesto traz um debate sobre o princípio da eficiência e apresenta suas conclusões valiosas, nos termos seguintes :” mas o princípio da eficiência além disso, pode ser percebido também como uma exigência inerente a toda atividade pública. Se entendermos a atividade de gestão pública como atividade necessariamente racional e instrumental, voltada ao servir público, na justa proporção das necessidades coletivas, temos de admitir como inadmissível juridicamente o comportamento administrativo negligente, contraprodutivo, ineficiente. Não se trata de uma extravagância retórica. Raciocínio semelhante vem sendo adotado há anos pela doutrina alemã, que chega a afirmar ser o princípio da eficiência “um princípio constitucional estrutural pré-dado” ou, 62 AMARAL, Antonio Carlos do. Princípio da Eficiência no Direito Administrativo. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 14, junho-agosto.2002- http://www.direitopublico.com.br. 63 CUSTODIO FILHO, Ubirajara. A Emenda Constitucional nº 19/98 e o Princípio da Eficiência. In Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo. Revista dos Tribunais,nº27,p.210-217,abr/julh.1999,p.214 Apud Antonio Carlos do Amaral. Princípio da Eficiência no Direito Administrativo. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, nº 14,junho-agosto.2002-http://www.direitopublico.com.br. 64 VETTORATO, Gustavo. O Conceito Jurídico do Princípio da Eficiência da Administração Pública. Diferenças com os princípios do bom administrador, razoabilidade e moralidade. Jus Navigandi. Teresina,a.8,n.176,29 dez 2003. Disponível em «http://www.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4369»acesso20jun2005. 41 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa como parece melhor, uma “decorrência necessária da cláusula do Estado Social” 65. E, acrescenta, ainda, o mesmo autor, citando o professor João Carlos Gonçalves Loureiro, “o princípio da eficiência é percebido inclusive como uma decorrência da idéia de justiça. No seu dizer:”um mínimo de eficiência é uma exigência que integra a idéia de justiça”66. Em direção idêntica, Onofre Alves Batista Júnior, identifica o valor da eficiência. Para este “ a eficiência é um valor em si, no sentido de necessidade permanente da AP de buscar, de forma mais ampla possível, o bem comum. É o valor que traduz a necessidade de buscar o melhor interesse público possível, portanto, a face instrumental da igualdade (material), da justiça social”67. Para Egon Bockmann Moreira o princípio constitucional da eficiência “ pode ser compreendido como a necessidade de o ato administrativo atingir e produzir o efeito útil e adequado, tal como previsto em lei, de forma transparente, moral e impessoal”68. E mais, “ é um instrumento posto à disposição dos particulares e da Administração na busca do exercício dos direitos sociais celebrados pela Constituição Federal. O princípio da eficiência há de ser compreendido como outorgante de maiores garantias aos administrados (ento e extraprocessuais)”69. No direito português o princípio da eficiência está presente nos princípios constitucionais sobre a organização administrativa, ou seja, no princípio da desburocratização, princípio da aproximação dos serviços às populações, princípio da participação dos interessados na gestão efetiva dos serviços públicos, princípio da descentralização e da desconcentração. João Caupers analisa especificamente cada um dos princípios fundamentais da organização administrativa pública, contida nos n.ºs 1 e 2 do artigo 267º da CRP, sintetizando em linhas gerais que : o princípio da desburocratização exige que os 65 MODESTO.Paulo. Notas para um debate sobre o princípio constitucional da eficiência. Revista Diálogo Jurídico. Ano I. Vol.I.nº2. maio de 2001. Salvador. Bahia.Brasil. Disponível em http://www.direitopublico.com.br/pdf_2/DIALOGO-JURIDICO-02-MAIO-2001-PAULO MODESTO.pdf 66 LOUREIRO, João Carlos Gonçalves. Procedimento Administrativo entre a Eficiência e a Garantia dos Particulares : Algumas Considerações. Coimbra.Coimbra Editora,1995.p.147 Apud Paulo Modesto. Op.cit. 67 BATISTA JUNIOR. Onofre Alves. Princípio Constitucional da Eficiência Administrativa. Belo Horizonte. Mandamentos Editora. 2004.p.408. 68 MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo.: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/99.2ª edição. Malheiros Editores. 2003. Brasil. p. 180. 69 MOREIRA, Egon Bockmann. Op.cit.p.195. 42 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa métodos de trabalho da Administração Pública evitem diligências e formalidades inúteis e facilitem a vida dos cidadãos; o princípio da aproximação dos serviços às populações recomenda, não só a instalação física dos serviços públicos em locais próximos daqueles em que se encontram os destinatários da sua actividade, mas também que tais serviços sejam integrados por pessoas colectivas públicas de menor âmbito territorial compatível com a sua eficiência (princípio da subsidiariedade); princípio da participação dos interessados na gestão efectiva dos serviços públicos aconselha a adopção por estes de modelos de administração participativa, designadamente por via da instituição de órgãos representativos de interesses; princípio da descentralização administrativa determina que os interesses públicos que a actividade administrativa pública visa satisfazer num determinado país não estejam somente a cargo do Estado, mas também de outras pessoas colectivas públicas; o princípio da desconcetração recomenda que em cada pessoa colectiva pública as competências necessárias à prossecução das respectivas atribuições não sejam todas confiadas aos órgãos do topo da hierarquia, mas distribuídas pelos diversos níveis subordinados70. Da leitura do princípio da desburocratizição e dos demais, vê-se claramente que estes traduzem, às várias faces exigidas de uma Administração eficiente, suas qualidades. Para se alcançar uma atuação nomeada de eficiente é preciso que exista uma atuação desburocratizada, mas planejada; que os serviços estejam próximos daquele que é o destinatário final; que a população acompanhe e participe da gestão efetiva dos serviços; que se fundamenta no melhor aproveitamento das potencialidades humanas, dividindo tarefas e responsabilidades a fim de atender melhor ao cidadão. Diogo Freitas do Amaral, associa o dever de boa administração ao princípio da eficiência, para este “a idéia é, pois, a de que a actividade administrativa deve traduzir-se em actos cujo conteúdo seja também inspirado pela necessidade de satisfazer da forma mais expedita e racional possível o interesse público constitucional e legalmente fixado”71 70 CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo. 6ª edição. Editora Âncora. Lisboa. 2001.p.133/135. AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. V.II. 2º Reimpressão. Editora Almedina. Coimbra.2003.p.38. 71 43 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Por tudo o que foi dito, pode-se concluir que eficiência é uma qualidade inerente a pessoa humana, que realiza suas atividades da melhor maneira possível, fundamentada em um bom planejamento. Na área pública, eficiente é aquele que executa bem a tarefa de prossecução do interesse público e obtém a satisfação do bem comum. Com uma ação eficiente produz um resultado eficaz. Nesta seara, conforme já assinalado neste trabalho, o princípio da eficiência ao ser elevado à categoria de princípio constitucional atinge o seu mais alto grau normativo, passando a exigir de todos os que atuam na Administração Pública, não só, uma atuação que se coadune com o bloco legal, a moralidade, a publicidade, a impessoalidade, mas que gerencie a coisa pública com o maior zelo possível, usando todos recursos disponíveis de forma a alcançar o interesse público pelos meios mais eficazes. Desta forma, divergindo daqueles que consideram o princípio da eficiência uma redundância no texto constitucional, e acompanhando o entendimento do Professor Paulo Modesto, o qual cita a doutrina alemã, vê-se que este, ao contrário, é “um princípio constitucional estrutural pré-dado”, “uma decorrência necessária da cláusula do Estado Social”. Ou, ainda, no dizer de João Carlos Gonçalves Loureiro “ um mínimo de eficiência é uma exigência que integra a idéia de justiça”. Na linha do tema objeto de estudo, pode-se aferir que não há Estado Social, onde não se produza uma prestação de serviços e ações de saúde com qualidade para todos. A eficiência da Administração Pública é condição essencial para que se obtenha a paz e justiça social. A eficácia, na área da saúde, se traduz na realização do interesse público. Entretanto, esta não acontece, se o interesse que move cada agente público não vier revestido da plena consciência do fazer com eficiência. Se cada um tiver pleno conhecimento de suas responsabilidades, ou seja, souber a resposta certa para o : Quando fazer?, Quem deve fazer?Como fazer?Qual a melhor forma de fazer?, por certo a eficácia ocorrerá. Neste particular, chama-se a atenção, uma vez mais, para a responsabilidade maior daquele que decide e elabora o planejamento que será executado por todos. A eficiência deste agente é fator determinante para se obter a eficácia, resultado positivo. 44 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Todos, indistintamente, são importantes no processo da construção da saúde pública para todos, entretanto, não se pode olvidar que aqueles que elaboram o planejamento macro, exercem o papel de escritor da história. Todo o grupo pode ser eficiente no seu exercício público, mas podem estar guiados por planejamentos falhos. Desta forma, a eficiência ou ineficiência daquele que estabelece os rumos da história pode comprometer a eficiência de todo um grupo. Daí a importância de se escolher líderes, que tenham uma formação moral e profissional a melhor possível. Isto vale para todos aqueles que assumem posições de comando. Na linha do pensamento fundado, Onofre Alves Batista Junior lembra, também, que “freqüentemente, boas alternativas de prossecução do bem comum, boas idéias, bons planos são inviabilizados pela falta de pessoal qualificado nos quadros do serviço público, apto a dar realização à boa sistematização dos interesses coordenados. Da mesma forma, a própria atuação dos agentes pode ser insuficientes para que os objetivos firmados possam conduzir à melhor persecução do bem comum”72. Do mesmo, modo, Paulo Otero sentencia que “verifica-se, num outro sentido, que a satisfação das necessidades colectivas a cargo do “Estado-providência” (ou “Estado de bem-estar”) não se compadece com um aparelho administrativo dotado de um elemento humano sem qualificações técnicas ou científicas: as tarefas a cargo do moderno Estado exigem uma Administração especializada”. O que nos leva a considerar que para se alcançar uma Administração conceituada de eficiente, é preciso o investimento em recursos humanos qualificados, ou seja, 1através de um processo de seleção, que garanta o acesso aos quadros da função pública dos melhores profissionais do mercado, não por apadrinhamento; 2- a adoção de um plano de carreira , cargos e salários que valorize a potencialidade humana de cada um;3- um programa de capacitação permanente, aumento do ativo do conhecimento; 4- a oferta de condições ideais de trabalho, evitando-se o vazamento do ativo do conhecimento. Somente assim, teremos um recursos humanos (Humanware) eficiente, produzindo Software e Hardware eficazes. 72 BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Op.cit. 219. 45 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Em outras palavras, para que o Estado Providência alcance os fins para o qual foi instalado, depende da colaboração de agentes públicos eficientes. Para se atingir a eficiência desejada, estes agentes devem saber responder aos questionamentos que formulamos e colocar em prática às suas respostas, ou seja : 1- O que é ser eficiente? Ser eficiente é escolher dentre as opções presentes a que melhor atende ao interesse público, traduzido em economicidade de recursos, tempo e satisfação do cidadão-cliente; 2- Como ser eficiente? Conhecendo bem a sua área de competência e estabelecendo um planejamento para melhor atingir o resultado; 3Quando ser eficiente? Sempre, a fim de atingir a justiça e a paz social;4- Por que ser eficiente? Porque a eficiência na atuação do agente administrativo se traduzirá em valores positivos para a sociedade, agregando qualidades ao bem comum, que se reverterá em benefícios de todos, inclusive daquele que executou a ação. A quem compete ser eficiente? A todos os agentes públicos, indistintamente. IV. Um olhar da ciência da administração sobre o princípio da eficiência Na ciência da administração várias teorias foram construídas tentando melhorar a capacidade de administrar do ser humano, ser mais eficiente. Em 1903 surgiu a Teoria da Administração Científica que teve em Taylor o seu precursor, começou com ênfase nas tarefas73. Em seguida, em 1909 e 1916 surgem as Teorias da Burocracia e Clássica, respectivamente capitaneada por Weber e Fayol, com ênfase para a estrutura74.Com ênfase nas pessoas, nascem as teorias Estruturalista, Comportamental e do Desenvolvimento Organizacional75. Na mesma linha, já em 1951 emerge a teoria dos sistemas, complementada pela teoria da contingência, que colocava em relevo o ambiente76. Todas as teorias, não obstante colocarem em destaque algum aspecto essencial da arte de administrar, que refletia uma necessidade de seu tempo, teve e tem 73 Cfr. CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração.6ª edição. Editora Campos. Rio de Jeneiro.Campus.2000.p.8. 74 sobre o tema consultar Idalberto Chiavenato.op.cit.p.8. 75 cfr. Idalberto Chiavenato.op.cit.p. 8. 76 Cfr. Idalberto Chiavenato.op.cit.p.8 46 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa importância para aqueles que assumem cargos de administrador, seja na esfera pública ou privada. Idalberto Chiavenato conclui que “todas as teorias administrativas são aplicáveis às situações atuais, e o administrador precisa conhecê-las bem para ter à sua disposição um naipe de alternativas adequadas para a situação”77 Conforme conceitua o autor já mencionado, o administrador é um agente “ não só de condução, mas também de mudança e de transformação das empresas, levando-as a novos rumos, novos processos, novos objetivos, novas estratégias, novas tecnologias e novos patamares...”78 Para Henri Fayol “Administrar é prever, organizar, comandar, coordenar e controlar. Prever é perscrutar o futuro e traçar o programa de ação. Organizar é constituir o duplo organismo, material e social, da empresa. Comandar é dirigir o pessoal. Coordenar é ligar, unir e harmonizar todos os atos e todos os esforços. Controlar é velar para que tudo corra de acordo com as regras estabelecidas e as ordens dadas”79 Idalberto Chiavenato complementa acentuando que “a Administração não é um fim em si mesma, mas um meio de fazer com que as coisas sejam realizadas da melhor forma, com o menor custo e com a maior eficiência e eficácia”80. E, acrescenta que “eficiência significa fazer as coisas bem-feitas e corretamente de acordo com o método pré-estabelecido. A eficiência corresponde a 100% do tempo padrão estabelecido pelo estudo do tempo e movimento”81. Todos tem um papel preponderante na construção da eficiência em qualquer área, entretanto, àqueles a quem foi incumbida a tarefa de administrar cabe um papel de protagonista. Se o princípio da eficiência vale para todos, muito mais, vale para aqueles que devem administrar. Na área pública, este é o maior obstáculo. A mudança constante dos cargos de comando, associado a falta de conhecimento dos 77 CHIAVENATO.Idalberto. op.cit.9. CHIAVENATO.Idalberto.op.cit.p.11. 79 FAYOL.Henri. Administração Industrial e Geral: previsão, organização, comando, coordenação, controle. Henri Fayol (tradução para o português de Irene Bojano e Mário de Souza).10ª edição. São Paulo. Atlas.1989.p26. 80 CHIAVENATO. Idalberto. Op.cit.p.11. 81 CHIAVENATO.Idalberto.op.cit.p.80. 78 47 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa agentes que ocupam estes cargos contribui para a ineficiência na prestação dos serviços e ações de saúde dentre outros serviços públicos. Fayol registra que “ a instabilidade ministerial é uma praga para o país. No dia em que a opinião pública capacitar-se disso, os partidos, sabendo que esse jogo se tornou perigoso, a ele não se entregarão tão afoitamente como agora”82 O mesmo autor, ao escrever sobre a função do Estado na formação administrativa dos cidadãos e quanto aos exemplos que tem dado, conclui que “ o sistema de recrutamento atual conduz freqüentemente ao poder homens estranhos aos negócios e não preparados ou apenas insuficientemente preparados para as difíceis funções em que foram de repente investidos”83 Verifica-se que na Administração Pública procuramos homens eficientes, mas não nos preocupamos em formar homens eficientes. O Primeiro passo para se alcançar uma administração eficiente passa pela formação acadêmica e depois pela forma de seleção de pessoal. Se fizermos a opção pelo nepotismo, apadrinhamento já estaremos traçando os passos de uma administração ineficiente. Se o funcionário selecionado para o cargo não possui um mínimo de conhecimento, não adiantará o investimento em capacitação. É jogar dinheiro fora. O pré-requisito para seleção de pessoal na área pública deve ser um concurso público sério, que encerre em seu conteúdo um máximo de conhecimento necessário para o bom exercício da profissão. Selecionado o corpo funcional deve ser oferecido, como condição para progressão na carreira, capacitação permanente do quadro. Da mesma forma, para se alcançar eficiência no trabalho é preciso contar com instrumentos eficazes de trabalho. Isto em se tratando de execução do trabalho. Um elemento dotado de conhecimento alcançará eficiência quando: 1- for estimulado pela promoção na carreira, através da capacitação;2 - medição de seu desempenho e pela busca constante de receber instrumentos eficazes de execução, associado a uma coordenação dos serviços planejada e preparada para se alcançar os melhores resultados. Daí a importância do planejamento. Aquele que detém o poder de direção, que planeja os passos em que serão desenvolvidas as tarefas, executa um papel essencial para a obtenção da eficiência. 82 83 FAYOL, Henri.op.cit.p.77. FAYOL,Henri.op.cit.p.120. 48 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa No mesmo sentido, Frederick W. Taylor, ao apresentar os fundamentos para a Administração Científica lembra que “... que a administração deve planejar e executar muitos dos trabalhos de que até agora têm sido encarregados os operários; quase todos os atos dos trabalhadores devem ser precedidos de atividades preparatórias da direção, que habilitam os operários a fazerem seu trabalho mais rápido mais rápido e melhor do que em qualquer outro caso. E cada homem será instruído diariamente e receberá auxílio cordial de seus superiores, em lugar de ser, de um lado, coagido por seu capataz, ou em situação oposta, entregue à sua própria inspiração”84. Ainda, Idalberto Chiavenato sentencia “seja nas indústrias, comércio, organizações de serviços públicos, hospitais, universidades, instituições militares ou em qualquer outra forma de empreendimento humano, a eficiência e eficácia com que as pessoas trabalham em conjunto para conseguir objetivos comuns depende diretamente da capacidade daqueles que exercem função administrativa” 85 Na prestação dos serviços e ações de saúde, o Estado Administração não pode agir no amadorismo, vamos fazer para depois ver se vai dar certo. Os recursos públicos são escassos, as necessidades sociais múltiplas. Somente administradores eficientes serão capazes de produzir ações eficazes. No mesmo sentido, Idalberto Chiavenato leciona que “ como o administrador não é executor, mas o responsável pelo trabalho dos outros, ele não pode cometer erros ou arriscar apelando para estratagemas de ensaio-e-erro, já que isso implicaria conduzir seus subordinados pelo caminho menos indicado”86. Os instrumentos de planejamento na área da saúde já foram construídos, fundamentados na prática do fazer saúde, não há mais motivos para a desassistência daqueles que recorrem ao serviço público em busca da manutenção da vida. Se quisermos implementar uma Administração Pública fundada nos valores do princípio da eficiência, deve ser do conhecimento daqueles que administram a coisa 84 TAYLOR. Frederick W. Princípios de Administração Científica. Editora Atlas S.A.São Paulo. 1995.p.34. CHIAVENATO.Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração.6ª edição. Editora Campos.Rio de Janeiro: Campus,2000,p.5. 86 CHIAVENATO, Idalberto. Introdução à Teoria Geral da Administração. 6ª edição. Editora Campos. Rio de Janeiro: Campus, 2000,p. 11. 85 49 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa pública a teoria geral da administração , como, por exemplo, o modelo de administração científica construído por Taylor, assim sintetizado: 1- Ciência, em lugar de empirismo; 2- Harmonia, em vez de discórdia; 3- Cooperação, não individualismo; 4- Rendimento máximo, em lugar de produção reduzida; 5- Desenvolvimento de cada homem, no sentido de alcançar maior eficiência e prosperidade87. E, acrescenta o autor “é chegada à época de tudo o que é grande ser feito pelo sistema de cooperação, na qual cada homem realiza o trabalho para que está mais bem aparelhado, conserva sua personalidade própria, é excelente nas suas funções, não perde sua capacidade criadora ou iniciativa pessoal; contudo é orientado e trabalha em harmonia com muitos outros homens”88. Na área pública no Brasil, infelizmente, conforme já registrado, a cada nova eleição, há uma quebra no planejamento e metas da Administração Pública. Cada partido eleito quer implementar as suas próprias metas e colocar nos cargos de direção os companheiros de partido. Estes na maioria das vezes, se mantém alheios a toda a construção do interesse público, assumindo os cargos, para de alguma forma tirar proveitos pessoais. Há um loteamento dos altos cargos públicos, exatamente daqueles que exercem o papel principal para se alcançar a eficiência. Não planejam, desconhecem os instrumentos de planejamento,promovem uma desordem e ineficiente, o recurso público vai para o ralo. Associado a isto, temos a contratação temporária, que deveria ser uma exceção e passou a ser a regra. Ou seja, forma-se uma cadeia de desmando, primeiro o político eleito, seja no executivo ou legislativo, indicam os apadrinhados que ocuparão os cargos de chefia, depois, estes apaniguados indicam os cabos eleitorais e seus comparsas para figurarem como 87 88 TAYLOR. Frederick W. Princípios de Administração Cientifica. Editora Atlas S.A.São Paulo.1995.p.101. TAYLOR. Frederick W. Princípios de Administração Científica. Editora Atlas S.A. São Paulo. 1995.p.101 50 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa servidores públicos. No fim da cadeia de desmandos o cidadão que paga impostos e perece por desassistência do Estado Administração. No mesmo caminho Jairnilson Silva Paim lança o questionamento: “ como pensar em Sistema Único de Saúde predominantemente público, garantindo a qualidade e a continuidade da atenção, se a cada mudança de gabinete ou de auxiliares de governadores e de prefeitos substituem-se chefes e chefetes e até mesmo o funcionário que serve o cafezinho?”89 O caminho para eficiência passa obrigatoriamente por estancar essa ferida aberta nos quadros da função pública .Para os cargos de direção devem ser indicados técnicos dotados de alto conhecimento científico para coordenarem os trabalhos da forma mais eficiente possível. Não se pode permitir que um cargo como o de Secretário de Saúde seja ocupado por pessoas que nunca militaram na área da saúde, que desconhecem os conteúdos essenciais desta área, como tem acontecido no Brasil. “A legislação deve especificar, com os detalhes pertinentes, o perfil dos ocupantes de cargo dirigente do SUS em todos os níveis de governo e vinculá-lo à carreiras específicas”90. De outro ponto, deve-se obedecer ao princípio da legalidade e realizar concurso público para cargos efetivos da Administração Pública. É preciso, na linha do pensamento de Taylor, a fim de se alcançar, na área da saúde, o tudo para todos, que exista um trabalho orientado e movido em sistema de cooperação. Afinal como sintetiza Fayol, não adianta a existência dos princípios, ou como o do estudo, o princípio da eficiência pois “sua luz, como a dos faróis, não guia senão aqueles que conhecem o caminho do porto. Um princípio, sem o meio de pô-lo em execução, carece de eficácia”91. 89 PAIM, Jairnilson Silva. Saúde, Política e Reforma Sanitária. Jairnilson Silva Paim. Salvador. BA.2002.p.211. PAIM,Jairnilson Silva.op.cit.p. 211. 91 FAYOL, Henri. Op.cit.p.38. 90 51 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa CAPITULO III O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA NO DIREITO COMPARADO O objetivo do estudo do princípio da eficiência no direito comparado é contribuir para uma melhor hermenêutica dos operadores do direito no que tange a aplicação da lei aos casos concretos, bem como, contribuir com aqueles a quem a lei incumbiu o dever de planejar, direcionar e executar tarefas em favor da coletividade. Cumpre, entretanto, antes de adentrar no tema especifico do trabalho, trazer a colação os sistemas administrativos adotados e dados estatísticos gerais, comparativos dos países selecionados, antes de fazer o cotejo entre o princípio da eficiência exercido por estes e o pelo Brasil. Neste mister, insta ressaltar, que optamos por estudar o princípio ora em relevo, num país que adotou o sistema anglo-saxônico, os Estados Unidos da América, tal qual o fez o Brasil, traçando o atual quadro da função pública naquele país, bem como, a prestação dos serviços e ações de saúde (estado prestacional) e um país que incorporou o sistema romano-germânico, ou seja, Portugal. Conforme já salientado, deve preceder ao estudo comparado, um delineamento da posição do país selecionado, em termos territorial, populacional, econômico e político, uma vez que, estes dados serão determinantes das opções políticas a serem feitas, da elaboração legislativa levada a cargo da função legislativa e, via de conseqüência do fazer com eficiência. Na área da saúde, cabe registrar que “ os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país”, conforme registrado no art.3º da Lei nº 8.080/90. Neste sentido, usando dados 52 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa do IBGE, datados de 2003, traçamos um estudo entre o Brasil, Portugal e Estados Unidos da América, identificando gasto público per capita/ano(dados do Bird e da OMS para o ano de 2000), população, renda per capita, escolaridade, mortalidade, IDH e Expectativa de vida ao nascer, a fim de visualizar os níveis de saúde da população, através da organização social e econômica de cada país. Cumpre registrar que no Brasil, apesar da Constituição Federal de 1988 definir para a saúde o mínimo de 30% do orçamento da Seguridade Social, excluído o segurodesemprego, o que implicaria num montante de recursos para o ano de 2005 em torno de R$ 70 bilhões, foi realmente destinado no orçamento do Ministério da Saúde em 2005 R$ 39,2 bilhões92. “Nos países desenvolvidos, dos gastos totais com saúde, 70% são recursos públicos. No Brasil 15 anos após a criação do SUS, o total de gastos públicos chega a 45% dos recursos totais para a saúde”93. População Renda per Escolaridade Mortalidade IDH capita Expect. vida ao nascer Brasil EUA Portugal 176,3 7770 0,88 36 0,775 68 291 35750 0,97 08 0,939 77 10 18280 0,97 0,897 76,1 per One of the three Under-five (PPP indices on which mortality rate the (per 1,000 development live births) (gross index is built. It is The domestic based probability of product) and adult literacy rate dying PPP and between birth GDP capita US$) / (HDI) See GDP (purchasing human on the the combined gross enrolment ratio and exactly five years of 92 dados coletados do texto Autogestão em Saúde no Brasil : 1980-2005: história da organização e consolidação do setor: São Paulo: Unidas - União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde, 2005.p.21 93 Autogestão em Saúde no Brasil: 1980-2005: história da organização e consolidação do setor : São Paulo : Unidas – União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde.2005.p.21. 53 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa power for parity). secondary primary, tertiary For and schools. details on age, expressed per 1,000 live births. how the index is calculated, see Technical note 1. http://hdr.undp.org/statistics/data/index_countries.cfm#U Após desenhar o quadro comparativo dos países, no que tange aos dados identificados pela pesquisa empírica, como responsáveis diretos ou indiretos pela transmudação, para a função legislativa do Estado-coletividade dos valores a serem defendidos, respeitados e prestados pela função administrativa, bem como, a sua importância na opção a ser levada a efeito pela função política e a sua real influência na eficácia daqueles que atuam com eficiência, passamos a examinar o princípio da eficiência no direito administrativo e constitucional destes países,lembrando sempre que estes integram a denominada família capitalista. I. O princípio da eficiência no direito americano Antes de adentrar especificamente no conceito e aplicação do princípio da eficiência pela Administração Pública nos Estados Unidos da América, deve ser registrado que este, tal qual o Brasil, adotou o sistema anglo-saxônico de administração, com as seguintes características fundamentais, conforme lição do Professor Doutor Marcelo Rebelo de Sousa: 1)- submissão da Administração Pública ao Direito Comum, como qualquer cidadão; 54 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 2)- em conformidade, necessidade de, tal como qualquer particular, a Administração Pública não poder definir e sobretudo executar as suas decisões que atinjam particulares senão mediante permissão dos tribunais; 3)- decorrente sujeição aos tribunais comuns; 4)- natureza de plena jurisdição da intervenção destes na garantia dos direitos e interesses legalmente protegidos dos particulares perante a Administração Pública; assim, os particulares dispõem de meios jurisdicionais contra a Administração Pública de eficácia jurídica similar a todos quantos lhes são reconhecidos nas relações com os seus concidadãos. Os Estados Unidos da América aderiu ao princípio da separação de poderes, idealizado por Montesquieu, deliberou por formar um Estado Federado e traçou como sistema político o presidencialismo. O Estado Federado tem como fundamento o direito constitucional e apresenta como característica “um Estado soberano, formado por uma pluralidade de Estados, no qual o poder do Estado emana dos Estados-membros, ligados numa unidade estatal”.94 Associado ao Estado Federado, tem um sistema presidencialista, no qual o Presidente da República é o “chefe supremo do Exército e da Marinha dos Estados Unidos, e também da milícia dos diversos Estados, quando convocadas ao serviço ativo dos Estados Unidos”95. O sistema político adotado pelos Estados Unidos da América, segundo Wilfried Rohrich, caracteriza-se pelos seguintes traços: 1Liderazgo del ejecutivo unido a la persona del presidente (secretários);2- Los secretarios (directores de los Departmentos) y las agencias ejecutivas están supeditadas al presidente. En la práctica el presidente puede tomar todas las decisíones en contra de sus ministros;3- Incompatibilidade entre cargos gubernamentales y parlamentarios;4- Responsabilidad constitucional del presidente. A ello se añada la possibilidad de procesamiento (impeachment) por la traición, corrupción,etc;5- Las iniciativas legislativas del presidente sólo pueden presentarse al Congreso de forma indirecta,através de diputados que le sean próximos; 6- El 94 G. Jellinek. Allgemeine Staatslehre, 3ª ed.,p.769 Apud Paulo Bonavides. Ciência Política. 10ª edição. Malheiros Editores. 2003.p.179. 95 Constituição dos Estados Unidos da América, Seção 2º. 55 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa partido representa un aparato unitário de acción en la medida en que existan puestos políticos vacantes. Vê-se que o sistema político Estadunidense,caracterizado pela centralização do exercício do poder executivo na pessoa do presidente, traça um diferencial no que tange a eficiência da administração, uma vez que, este enquanto chefe maior da administração não compartilha suas opções políticas com o parlamento, e ainda, fica a seu cargo a nomeação e exoneração de milhares de empregos federais, dentre eles, em especial daqueles que irão responder pelos mais altos cargos da função pública. “Essa massa de empregos, a serem distribuídos politicamente em cada renovação do poder, fortalece de maneira considerável, pelo lado interno, a autoridade do presidente, o prestígio material de sua função”. 96 Beneficia diretamente ao eleito, aos integrantes do partido vencedor, aos amigos do “rei”, sendo questionável a qualidade e eficiência de suas ações em defesa do interesse público, na medida em que o critério de escolha não é feito tomando por base o princípio da igualdade entre os que estão em condição de livremente concorrerem ao cargo (especialização administrativa), bem como, sua qualificação profissional, associado à transitoriedade no exercício da função (vazamento do ativo de conhecimento). Chama a atenção,também, que ao tempo em que o sistema anglosaxônico de administração, adotado pelos Estados Unidos da América, evidencia como traço essencial o controle da sociedade civil sobre o poder político do Estado, e pela submissão deste ao Direito Comum e Tribunais Comuns97, de outro ponto, denota uma supremacia da Administração Pública sobre os cidadãos98. Existe 96 Bonavides, Paulo, op.cit. p. 299. Cfr. Marcelo Rebelo de Sousa, in Lições de Direito Administrativo. Lisboa. 1994/5.p.32. 98 Neste sentido, John Clarke Adams (El Derecho Administrativo norteamericano). Buenos Aires: Editora Universitária de Buenos Aires, 1964,p.36. Apud Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo. 15ª edição. Editora Atlas S.A. São Paulo. 2003. p.38/39) traça uma comparação entre o conteúdo do Direito Administrativo norte-americano e o dos direitos francês e italiano, ressaltando as seguintes diferenças quanto ao primeiro: a) a doutrina norte-americana da separação de poderes está fundada em critérios funcionais, em decorrência dos quais a Administração Pública deve limitar-se a exercer funções administrativas, não podendo assumir funções jurisdicionais, como a que exerce o Conselho de Estado francês;b) falta, no direito norteamericano , o conceito de interesse legítimo que delimita, na Itália, as competências do Conselho de Estado e da magistratura ordinária;c) a doutrina norte-americana da judicial supremacy dá aos tribunais ordinários um poder genérico de controle sobre qualquer ato administrativo, por questões de legalidade, sempre que um particular tenha um direito de ação garantido pelo common law ou pelas leis;d) a doutrina da irresponsabilidade do Estado no commom law opõe-se à da responsabilidade no direito francês e italiano; e) é limitado o uso da execução forçada no direito norte-americano, onde, a não ser em casos excepcionais, em que o interesse coletivo esteja em perigo, a execução dos atos da Administração depende de autorização dos tribunais; f) falta um regime jurídico de emprego público nos Estados Unidos; g) inexiste um corpus de jurisprudência administrativa; h) é escasso o desenvolvimento e importância da doutrina no direito anglo-americano;i) a predominante posição da 97 56 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa contradição estruturante entre o sistema político adotado por este e o sistema de administração incorporado. A escolha por um Estado Federado, partindo-se da idéia de descentralização do poder, permitindo uma maior autonomia dos Estadosmembros, também leva a questionamentos frente a atual posição do presidente do Estados Unidos , que como bem asseverou o Constitucionalista Brasileiro Paulo Bonavides, “é virtualmente um “ditador constitucional” que o presidencialismo do nosso século instituiu”. Acrescenta, ainda, o autor que este “é o responsável direto pela nomeação de milhões de funcionários públicos e pela execução orçamentária que se aproximam de meio trilhão de dólares”.Um outro fator que evidencia uma contradição entre a coexistência do sistema anglo-saxônico, num Estado Federado, com uma opção pelo regime presidencialista é a concentração de recursos financeiros na administração federal. A idéia de Estado Federado é aproximar o cidadão dos serviços públicos prestados no Estado prestacional, através da descentralização e desconcentração. Para que Estados-membros como nos Estados Unidos da América, e Estados-membros e municípios no caso do Brasil, possam prestar com mais eficiência ações e serviços, como o caso da saúde, precisa de um maior aporte de recursos financeiros. Entretanto, o que se vê é uma concentração de poderes e recursos pela Administração Central, com a descentralização dos serviços99. Assim,a arrecadação feita também pelos Estados-membros, em sua grande maioria vai para o cofre federal, que depois devolve aos cofres dos estados e municípios de acordo com as regras estabelecidas pelo próprio Estado Federal. Este fica com a responsabilidade de regular e financiar, como no Brasil, não executando diretamente serviços, mas concentra a maior fatia da renda. jusrisprudência no Direito Administrativo norte-americano leva a um método de ensino universitário diverso, baseado quase só em textos de decisões judiciais. 99 Acrescenta-se, ainda, o entendimento de Jean Jacques Rousseau, in Contrato Social, Livro II, Cap.IX,p.58, quando diz que um Estado pequeno é proporcionalmente mais forte que um maior. E mais, a administração é mais penosa nas grandes distâncias, como um fardo se torna mais pesado na extremidade de uma alavanca. Torna-se mais onerosa à medida que os graus se multiplicam, porque então, cada cidade tem, naturalmente, a sua, que o povo paga. A sua, cada distrito, pago também pelo povo. Depois cada provincia, após grande s governos, as satrapias, vice-reinados,etc., que se pagam mais caros à medida que ascendem em importância, sendo necessário sustentar a expensas do desgraçado povo. Tantas cargas agravam os súditos que, longe de serem governados por essas instituições, estão em piores condições que se fosse uma só. Apemas restam recursos para casos excepcionais, e quando recorrem a eles, o Estado já está em véspera de ruína.Isso não é tudo. Não somente o governo tem menos vigor e rapidez para fazer cumprir as leis, impedir verames, corrigir os abusos e prever as sedições que possam manifestar-se em lugares afastados, mas também o povo tem menos estima aos seus chefes, nunca vê a pátria, que é aos seus olhos como o mundo, nem aos seus concidadãos, dos quais o maior número lhe são estranhos. As próprias leis não podem servir às diversas províncias que têm costumes diferentes, que vivem sob climas diversos e que não podem ter idêntica forma de governo. 57 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa “Nos Estados Unidos, segundo refere Durand, ocorre o mesmo desequilibro entre os recursos federais e os recursos estaduais, estimando-se que dos 55 bilhões de dólares de despesas públicas, em 1948, 48 bilhões foram empregados pelo Estado federal”.100 A contradição entre o sistema administrativo adotado e o atual modelo de administração americana revela um novo sistema de administração bem diferente do inicial, o qual não conferimos nenhum nome em especial101. Tem-se hoje um Estado típico regulador, que deixou de ser um Estado providência, basta, para tanto, analisar o atual funcionamento do sistema de saúde americano. Este garante acesso aos serviços de atenção à saúde para grupos sociais classificados como hipossuficiente, devendo “a população economicamente ativa com condições de autofinanciamento adquire os serviços junto ao poder privado. A participação do Estado na regulamentação se reduz a garantir aos consumidores a sustentabilidade financeira dos planos de seguro”102. Os planos de saúde trabalham com cada indivíduo, atendendo quando se inverte o estado de saúde para o estado de doença, atuando o Estado apenas como órgão-regulador103. As medidas de cunho preventivo, afetas a área da saúde, entretanto, que atingem a toda a comunidade devem ser adotadas pelo Estado. Tem-se como medidas de cunho preventivo, todas aquelas que incidem sobre o modo de vida da pessoa e que refletem diretamente em sua qualidade de vida, indo desde o equilíbrio do meio ambiente até o desenvolvimento de atividades físicas regulares. Para uma avaliação da eficiência dos serviços e ações de saúde no sistema americano, tem que se estabelecer, obrigatoriamente uma distinção entre a prestação curativa, através da prestação de serviços médicos e hospitalares, uma vez que estes não são prestados diretamente pelo Estado, mas terceirizados, e as ações de cunho preventivo que visam a atender a toda a coletividade. Quanto a prestação dos serviços de saúde, na área curativo, 100 Durand, Charles,” L’État Féderal”, in Le Fédéralisme,p.213. Apud Paulo Bonavides,op.cit.p.190. crf. Ensina Juan Alfonso Santamaria Pastor existe um “direito administrativo subterrâneo” que, vivendo ao lado do designado “ direito administrativo oficial, é composto por regras e principios opostos aos que caracterizam tradicionalmente o Direito Administrativo. (Juan Alfonso Santamaria Pastor, Fundamentos de Derechos Administrativos, I, 1º, Reimp.Madrid. 1991,p.172. Apud Paulo Otero,op.cit.p.109. 102 dissertação de mestrado, O Sistema de Saúde Americano. 103 Neste sentido, Luiz Fernando Nicz, em artigo publicado na Revista : Médico, HC-Fmusp, ano 1 nº 2maio/junho/98,p.96-105, também, assim se pronunciou : Os Estados Unidos, no entanto, o país capitalista por definição, organizou o seu Sistema de Saúde com mínima participação estatal direta: conceituados como bens de consumo, serviços de saúde passaram a ser adquiridos livremente dos prestadores (a maioria privados), por meio de seguradoras existentes no mercado. Apenas aqueles que não conseguem adquirir serviços de saúde no mercado, recebe-os através do Governo. Assim, nos Estados Unidos, há uma função genérica de regulamentação desempenhada pelo Governo, mas há regulamentações específicas por parte de empresas privadas operadoras de seguros e planos de saúde e do próprio Governo, e as funções clássicas de financiamento, administração e prestação dos serviços são predominantemente privadas. 101 58 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa deve ser registrado o que pensam os Líderes e Economistas Americanos que participaram do Simpósio de Curitiba, em que foi avaliado o gerenciamento dos custos na assistência à saúde nos EUA. Para estes, “ o sistema de saúde NorteAmericano é perigosamente disfuncional e está deteriorando”. “Nós temos que reformar o sistema de assistência à saúde nos EUA. Nós temos que construir um sistema de assistência à saúde moderno, inovador, que dê aos pacientes mais opções de menos regras, e que fortaleça o relacionamento médico-paciente”104. O sistema privado de assistência à saúde adotado nos EUA, tal qual, em outros países, visa , em primeiro lugar, o lucro em sua atividade comercial. O que se evidencia a prima facie, quando se coloca um plano de saúde no mercado de consumo é rentabilidade que este pode trazer para os seus proprietários e, em segundo lugar, quiçá numa escala até inferior, o direito fundamental à vida ou à saúde. Nessa regra de mercado em que cada um quer uma fatia maior do mercado, como fica a vida humana ? A eficiência praticada por aqueles que gerenciam o sistema privado de assistência a saúde, será sempre direcionada para a produção de resultados que primeiramente atendam a missão da empresa. O ser humano que adere ao plano de saúde privado é tido, prioritariamente, como um número, que somado a outros se traduzem em cifras interessantes para o mercado. A eficiência do Estado Americano no que tange a garantia do direito à saúde fica comprometida105. A adesão, primeira, feita pelo homem com o Estado, através do 104 Este material está disponibilizado no site www.simposiocuritiba.combr(palestra)gerenciamentontodos.pdf#search=sistema 105 sobre o tema , Luiz Fernanco Nicz. Managedcare. Artigo Publicado na Revista Médico, HC-FMUSP, ano 1, nº 2- maio/junho/98,p.96-105, leciona .O tema managed care é um dos mais polêmicos hoje nos EUA, a mídia comenta muito a respeito, quase sempre realçando seus defeitos, o próprio Presidente Clinton está estudando uma lei que estabelece direitos dos pacientes, e 40 Estados americanos já aprovaram algum tipo de regulamentação do funcionamento das empresas de atendimento gerenciado. Estas empresas são bastante impopulares nos EUA, apesar de seus resultados positivos em conter a inflação da saúde sem comprometimento objetivo da qualidade da assistência, e de sua contribuição para o equilíbrio da economia como um todo. Há dificuldades para se avaliar as consequências do atendimento gerenciado nos EUA, mas aparentemente elas podem ser assim agrupadas, quanto a6): a. b. pessoas – houve aumento da cobertura e do acesso a serviços de saúde, diminuiu o custo, mas há muitas críticas quanto à qualidade do atendimento (autorização de um dia para internação em caso de parto normal etc.); empregadores – seus custos diminuíram, agora têm maior controle sobre o tipo de serviços prestados e sobre as despesas decorrentes; 59 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa contrato social , defendida por Rosseau, foi terceirizada, com conseqüências desastrosas para o próprio homem106. No que tange a prestação material das ações de saúde no âmbito coletivo, temos que esta, também tem a sua eficiência comprometida, pelos fatores de ordem política já denunciados neste trabalho, vez que, a mão de obra que planeja e executa estas ações, é selecionado sem levar em conta primordialmente a qualificação profissional, mas sim, o grau de sintonia do escolhido com quem o indica. Associado ao fator da transitoriedade destes recursos humanos nos cargos indicados, há sempre um vazamento do ativo do conhecimento, quando se muda o grupo político eleito e, via de conseqüência a descontinuidade nos programas e planejamento de âmbito coletivo, ou seja, “ à subutilização de medidas de promoção de saúde e de prevenção de doenças”.107 De outro ponto, constata-se que na verdade a igualdade entre administrados e Administração pretendida pelo sistema anglo-saxônico também não vingou, uma vez que, o direito comum ao qual a Administração Pública deveria ficar subordinada, “ não oferece aos particulares um grau de garantias igualável ao que o Direito Administrativo entretanto desenvolveu”.108 Os particulares, nesta dança que a Administração Pública estabelece para evitar o controle de seus atos, ora invocando o direito comum em seu favor, ora as regras de um pseudo-direito administrativo (realidade do EUA e Brasil), ficam privados de meios legítimos de defesa de seus direitos públicos subjetivos, contra as arbitrariedades impostas pelo poder. a. b. c. d. e. médicos – diminuiu o seu controle sobre a prestação de serviços, a renda anual dos generalistas aumentou, mas a renda anual de alguns especialistas diminuiu; houve piora da qualidade de seu trabalho, de acordo com a sua percepção; hospitais – aumentou o controle sobre suas atividades, seus custos diminuíram, mas suas receitas também diminuíram e, às vezes, mais do que os custos; empresas de atendimento gerenciado – seus custos diminuíram, aumentou a demanda por seus serviços, assim como seus lucros e seu controle sobre os prestadores e os beneficiários; Governo – diminuiu o seu controle sobre o Sub-Sistema Privado de Saúde, embora haja hoje muita pressão para aumentar este controle, a "inflação da saúde" foi contida com reflexos positivos para a economia como um todo, discute-se se houve aumento da equidade no acesso a serviços de saúde; sociedade – diminuiu o seu controle sobre o Sistema de Saúde, mas há movimentos para a formação de associações de consumidores nos 50 Estados americanos, visando obter informações sobre resultados e custos dos atendimentos; diminuíram os custos da economia como um todo. 106 sobre o questionamento vale conferir o artigo “Managedcare”, de Luiz Fernando Nick, publicado na Revista: Médicos, HC-FMUSP, ano 1 nº2- maio/junho/98,p.96-105, bem como, a obra de J. Needleman, O dinheiro e o significado da vida. São Paulo. Best Seller, 1991. 107 Cfr. Luiz Fernando Nicz. Managedcare. Artigo publicado na Revista Médics/HC-FMUSP, ano 1 nº 2maio/junho/98,p.96-105. 108 Otero, Paulo. Op.cit.p.284. 60 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Apresentados pontos fulcrais do atual modelo estágio do Estado Americano deve ser registrado que este não contemplou na Carta Constitucional o princípio da eficiência, tal qual o fez a Constituição Brasileira de 1988. Entretanto, verifica-se pelo que foi registrado sobre o sistema de saúde Estadunidense que a exigência de se implementar uma administração eficiente, também aflige ao povo americano, podendo, também, ser visto no National Performance Review. II. O princípio da eficiência no direito português Portugal, diversamente ao Brasil e Estados Unidos da América, adotou um sistema de administração judiciária, da família romano-germânica, marcada pelas principais características, segundo Marcelo Rebelo de Sousa: 1)- atribuição à Administração Pública de poderes “exorbitantes”, de um estatuto de supremacia sobre os cidadãos e suas organizações, que envolve não só o poder de definir unilateralmente o Direito nas relações com os particulares, como o poder de executar coercitivamente essa definição, não restando àqueles senão a hipótese de impugnação executar coercitivamente a posteriori da decisão já executada; a Administração Pública goza, assim, do poder de decidir unilateralmente com força executória e proceder à correspondente execução sem intervenção jurisdicional (principe du préalable e privilège de l’execution d’office). 2)- para este efeito existe um Direito especial, que consagra um estatuto de poder para a Administração Pública, favorecendo-a em relação aos particulares – o Direito Administrativo; 3)- a Administração Pública encontra-se sujeita ao controlo de legalidade, não dos tribunais comuns, mas de órgãos específicos, os chamados tribunais administrativos, que começaram por não ser verdadeiros tribunais (mas órgãos de administração reflexiva) para, depois, se jurisdicionalizarem; ou seja, de início existiu uma interdição de controlo jurisdicional da Administração Pública, que evoluiria para a especialização dos tribunais encarregados dessa fiscalização; 61 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 4)- os administrados dispõem de meios de defesa perante os tribunais administrativos, mas estes não gozam de plena jurisdição perante a Administração Pública; em homemagem a separação de poderes, não proporcionam todas as garantias efectivadas através dos tribunais comuns, nomeadamente no tocante à possibilidade de ordenar comportamentos à Administração Pública e de forçar a executar todas as sentenças contrárias a actos ilegais que tenha praticado. 5)- o peso dominador do Estado dentro da Administração Pública, contrastando com o escasso relevo da Administração local, dentro de uma lógica centralizadora, que atingiu expressão eloqüente com o império napoleônico. Portugal, também, incorporou o princípio da separação de poderes, adotou um Estado Unitário e um regime misto parlamentar presidencial, “onde são visíveis elementos caracterizadores do regime parlamentar e dimensões próprias da forma de governo presidencialista”109. Como caracteristicas do sistema parlamentarista, o Estado Português apresenta traços como: “separación de funciones (jefe de gobierno y del Estado); Las competencias de gobierno se reparten entre el jefe de gobierno (que determina las líneas maestras de la política), los distintos ministros (responsables de su cartera) y el gabinete;El jefe de gobierno y los ministros son por lo general mienbros del parlamento; La persona y la política del jefe de gobierno reciben el apoyo de una mayoria del parlamento. En caso de diferencias puede expressarse al jefe de gobierno una noción parlamentaria (o coalición) mayoritaria; Entrecha cohesión en seno de cada partido. Disciplinar de la fracción parlamentaria”110. De acordo com as reflexões de J.J. Gomes Canotilho, o regime misto parlamentarpresidencial consagrado na Constituição Portuguesa de 1976 como forma de governo, apresenta traços do regime parlamentar e do regime presidencial como: Traços do Regime Parlamentar Traços do Regime Presidencial 109 CANOTILHO.J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Editora Almedina. Coimbra. 2002. p. 594. 110 ROHRICH. Wilfried. Los Sistemas políticos del mundo. Ciencia política. Alianza Editorial.2001.p.32. 62 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa a) Autonomia do Governo – “...a CRP a) A instituição de um Presidente da República estabelece a existência de um Governo dirigido eleito através do sufrágio directo – “Tal como por um Primeiro-Ministro como órgão de acontece nos sistemas presidenciais, o PR é soberania institucional autónomo (cfr.arts.110 º, eleito através de sufrágio universal, directo e 182 º)” b) Responsabilidade secreto dos cidadãos Portugueses (art.121 º)” Ministerial – “o b) O direito de veto político e legislativo – desenvolvimento da responsabilidade política do Governo perante o Parlamento não se afasta, no “ Embora o PR não disponha de iniciativa nosso sistema, do clássico modelo parlamentar legislativa, pode opor-se através do veto político, (i) ou se trata de uma iniciativa da AR através de como acontece nos regimes presidenciais, às uma moção de censura (art.195 º/f);(ii) ou se leis votadas pela AR (cfr. art.136 º)” verifica uma iniciativa do próprio Governo através de uma moção de confiança (arts.193 º e 195 º)” c)Referenda Ministerial – “Não obstante a c) A existência de poderes de direção política – evolução verificada quanto à natureza do instituto da referenda, ela significa que o “um regime – um regime presidencial Presidente da República e o Governo partilham caracteriza-se pela existência de poderes de certas tarefas, cabendo a este último, através direcção política por parte do presidente da dela, comprometer-se politicamente quando a república, diferentemente do que acontece com certos actos(cfr.art.140 º)” im presidente parlamentar”. da república em regime 111 Estabelecendo um estudo comparativo,à luz do princípio da eficiência, entre o sistema de administração judiciária e o sistema parlamentarista, pode-se aferir de pronto algumas idéias. Um primeiro marco que distingue o princípio da eficiência ao estilo americano do português está assentado no sistema de governo. Conforme já foi dito, no sistema presidencialista as decisões e ou opções políticas do chefe maior da administração não são compartilhadas, enquanto que no sistema misto parlamentar presidencial estas decisões são tomadas entre chefe de governo e parlamento. Verifica-se, não obstante, a consagração do regime misto parlamentar presidencial por parte da Constituição Portuguesa, este apresenta essencialmente traços preponderantes do regime parlamentar. 111 CANOTILHO.J.J. Gomes. Op.cit. p. 595/596. 63 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O princípio da unidade de Estado, já vem inscrito no art.6º da Constituição da República Portuguesa, quando declara que o “ Estado é Unitário...”.Na lição de JJ.Gomes Canotilho “ a unidade do Estado significa República una, com uma única Constituição e órgãos de soberania únicos para todo o território nacional”112. O que se pretende com o Estado Unitário é uma aproximação entre o poder central e os cidadãos. Num país de dimensão territorial como Portugal é racional a adoção do princípio da unidade de Estado. Este consegue se fazer presente em todo o território sem maiores entraves, desde que mantenha uma administração eficiente. Outro ponto que deve ser registrado,é que o sistema de administração judiciária inicialmente incorporado por Portugal e paises como Itália e França, passa por mudanças em sua estrutura, com um “aumento progressivo das garantias dos particulares, limitando as prerrogativas de autoridade da Administração Pública”113. Esse movimento que acontece na evolução do sistema administrativo Português, ora em análise, concretiza a idéia de que o sistema de administração judiciária se aproxima mais dos princípios da igualdade, liberdade e solidariedade114. Em Portugal, diversamente do Brasil, o princípio da eficiência não foi elevado a categoria de princípio fundamental, entretanto, o ordenamento jurídico português consagrou o princípio da desburocratização e da eficiência, no art. 10º do CPA. Analisando a incidência do princípio sobre o mérito da ação administrativa, João Caupers suscita o seguinte questionamento: “ na verdade, ao referir que a administração pública deve assegurar a celeridade, a economia e a eficiência das suas decisões o CPA não estará a «puxar» para o campo da legalidade a quase totalidade dos juízos ditos de méritos sobre a ação administrativa? Uma decisão errada do ponto de vista económico não será já uma decisão ilegal? 115 Na opinião de Diogo Freitas do Amaral o dever de eficiência ou da boa administração é um 112 CANOTILHO. JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Editora Almeida. Coimbra.2002.p. 359. 113 OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública: O sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade. Livraria Almeida. Coimbra. Maio 2003. p. 335. 114 Neste sentido, Paulo Otero.op.cit.p.335 acentua que o desenvolvimento do Direito Administrativo tem revelado um aumento significativo da vertente garantística a nível material e processual : a história da evolução do Direito Administrativo pode bem ser resumida na crescente importância dos direitos subjectivos e dos interesses legítimos dos particulares na limitação da actividade administrativa e ao controlo contencioso das decisões administrativas. 115 Caupers. João. Introdução ao Direito Administrativo. Editora Âncora. 6ªedição. Lisboa. 2001.p.66. 64 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa dever jurídico imperfeito, porque não comporta uma sanção jurisdicional. Para este não é possível ir a um tribunal obter a declaração de que determinada solução não era a mais eficiente ou racional do ponto de vista técnico, administrativo ou financeiro, e portanto deve ser anulada: os tribunais só podem pronunciar-se sobre a legalidade das decisões administrativas, e não sobre o mérito dessas decisões116. Na esteira do entendimento do autor, não é possível se aferir o mérito da decisão administrativa que define, com fundamento no poder discricionário, qual a melhor decisão a ser adotada ao caso concreto, posto que no ordenamento jurídico Português não existe essa prévia determinação. Nesse sentido, analisando o princípio da eficiência, tal qual se encontra no ordenamento jurídico Português, em cotejo ao princípio da eficiência inserido na Carta Constitucional Brasileira, percebese que nesta, o princípio atinge o mais alto grau normativo, comportando desta forma um dever jurídico perfeito. Passível, portanto, de imediata aplicabilidade. III. Sistema brasileiro de administração e seus matizes em relação aos sistemas administrativos americano e português A essência do Estado Federado, suas características e principais objetivos sofreu mutações diversas no decorrer da história dos paises que fizeram a opção por esta forma de Estado. No Brasil, não foi diferente, sendo que atualmente temos uma nova forma de Estado, a que “alguns autores acham mais prudente e verídico falar de Estado unitário de máxima descentralização do que propriamente de Estado federal”117. A transferência de recursos federais para estados e municípios vem ocorrendo em ostensivo descumprimento dos critérios legais de rateio. Conforme pontua o Sanitarista Gilson Carvalho “ o MS, desde 1991, época da vigência da LOS, vem 116 117 Amaral. Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. Editora Almeida. V.II. Coimbra,2002. p.39. Bonavides, Paulo. Ciência Política.10ª edição. Editora Malheiros. p.190. 65 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa fazendo o rateio dos recursos entre União, Estados e Municípios, em desobediência à Lei 8.080, art. 35(27) e à Lei 8142(28).118 Não obstante a presença nominal de um Estado Federal, verifica-se que na verdade estamos diante de uma incompletude da idéia de Estado Federal119, na medida em que se tem apenas uma descentralização administrativa associada a uma superioridade econômica e financeira deste.120 A idéia originária de um estatuto igualitário da Administração Pública em relação aos particulares, a valorização e autonomia do poder local, características da típica família anglo-saxônica não estão presentes atualmente na Administração Pública do Brasil tal qual, como acontece nos Estados Unidos da América. Por outro lado, caminhando num sentido oposto, no sistema romano-germânico, adotado por Portugal, existe controle dos atos da administração pública através dos tribunais administrativos, o que permite um maior controle pelos administrados e via de conseqüência um maior controle da eficiência da atuação da função pública. Associado a uma formação acadêmica que privilegia o estudo e formação na área do direito púbico. No sistema anglo-saxônico, que adota o sistema presidencialista como Estados Unidos da América e Brasil, o controle deveria ser exercido pela justiça comum, com as incidência das regras de direito comum. No entanto, vê-se que na verdade não existe um estatuto igualitário da Administração Pública121, tendo esta benefícios que vão deste a concessão de prazos processuais em dobro para contestar e em quádruplo para recorrer (art.188 CPC) até os denominados precatórios . 118 Carvalho, Gilson de Cássia Marques. Financiamento Federal para a Saúde 1988-2001.São Paulo. 2002.p.294 Cfr. lembra Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, Reforma Administrativa, Brasilia Jurídica, 1998,p.15.Na Federeção brasileira, os Estados-membros devem organizar-se à imagem e semelhança da União, de modo que a autonomia dos Estados acaba por esvaziar-se, caminhando-se para, de fato, uma centralização da União Federal . 120 neste sentido a lição de Paulo Bonavides, op.cit.p.190, in verbis: Quando se traça pois esse inarredável quadro da esmagadora superioridade econômica e financeira do Estado federal sobre as unidades federadas e se observa a dependência efetiva a que estes ficam sujeitas, a primeira impressão que se tem é de negar a existência contemporânea do sistema federal, o qual teria já transitado para uma fórmula de mera descentralização administrativa. Assim é que alguns autores acham mais prudente e verídico falar de Estado unitário de máxima descentralização do que propriamente de Estado federal. 121 No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo. 15ª edição. São Paulo. Atlas. 2003. p. 36, lembra que “ o mesmo ocorreu nos Estados Unidos, onde inúmeros órgãos administrativos foram investidos de funções judiciais ou quase judiciais, para a solução das reclamações dos particulares contra o Estado, dos empregados contra os trabalhadores, sem as características essenciais dos tribunais judiciários e sem a possibilidade de revisão por estes últimos,a não ser sobre questões de direito. 119 66 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Os tribunais comuns, em especial no Brasil não estão preparados para receber a demanda coletiva ou individual em face da ação ou omissão da administração pública. Os cursos superiores no Brasil estão em regra privilegiando a formação acadêmica para o direito privado, deixando para segundo plano o direito público. Essa formação eminentemente privativista tem contribuído para uma dificuldade nos julgamentos das ações que tratam de temas como políticas públicas.Estes julgadores não dão tratamento igualitário a Administração Pública, mas preferencial, contando com garantias como já manifestado de prazos em dobro para contestar e quádruplo para recorrer, dentre outros. Outro fator que tem influência direta na dificuldade do Poder Judiciário exercer um controle sobre os atos da administração é o número de varas disponíveis para atender a demanda. Temos, a título de exemplo, no Estado do Espírito Santo, em especial na capital, duas varas da fazenda pública estadual, enquanto temos 11(onze) varas cíveis. Há um descompasso na atual estrutura organizacional do poder judiciário, o que leva a um abarrotamento das varas da fazenda pública, com dificuldade extrema para os julgadores no tange ao controle dos atos dos poder executivo. Na verdade, o que deveria representar uma vantagem do sistema anglo-saxônico quanto ao sistema romano-germânico é um desastre. Não existe efetivo controle pela justiça comum dos atos da administração pública, pelos motivos já enumerados. Por outro lado, a participação da comunidade nas opções políticas da cúpula é frágil e incipiente. A idéia de controle social, tal qual previsto na Constituição Federal de 1988 para a saúde pública é um passo importante para a implementação da Democracia participativa. Entretanto, de acordo com dados do IBGE dando conta de que --------da população brasileira está abaixo da linha da pobreza e com um grau de escolaridade que não ultrapassa a 4 anos de estudo, controle social é ainda um ideal, mas não é real. Assim, não existe um efetivo controle judicial dos atos do poder por falta de uma estrutura física e recursos humanos especializada para exercer bem esse controle, e não existe controle social por ausência de preparo daqueles que se dispõem a fazer o controle, isso sem falar na ausência de controle por parte do legislativo. Esse, está tão preocupado em garantir uma fatia do orçamentos e da negociação dos cargos comissionados e temporários da administração para se perpetuar no poder que não 67 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa lhes sobra tempo, bem como, lhes faltam conhecimento e interesse para implementar um efetivo controle. Estamos acompanhando uma ditadura constitucional, conforme assinala o Constitucionalista e cientista político Paulo Bonavides. Em outras palavras,quem não controla, não gerência. Se não existe controle efetivo dos atos do poder e este não tem juízo político, toda a atuação na área administrativa, por mais eficiência que seja está fadada ao insucesso. Se o chefe do executivo “ não conceber a sua missão, acima de tudo, em termos de oportunidade para prestar um serviço duradouro à causa pública122 “ não será capaz de obter êxito em suas ações. Para Fritz Morstein Marx a marca de um grande chefe do Executivo em um governo democrático é : “Encara seu cargo como um mandato para a missão mais nobre dentro da vontade popular – privilégio da liderança em ação, destinada a promover o bem-estar geral”123. Valendo, ainda, de um estudo comparativo, pode-se cotejar a figura do presidente, governador, ministros, altos chefes de agências públicas aos representantes das forças armadas. Nas forças armadas temos um comando composto por General, Almirante, Capitão ... Estes, estudam e se preparam durante muitos anos para a defesa da pátria quando necessário. Quando aparece a necessidade de combate, a cúpula se reúne e planeja a melhor forma de ataque. Usam estratégias variadas para alcançar seu objetivo que é a vitória sobre o inimigo. Neste caso, todos devem ser eficientes, entretanto, aquele que estabelece a forma e os meios de ataque tem uma importância vital124. Os soldados podem ser muito eficientes, estarem dotados de equipamentos bélicos altamente sofisticados, mas, se o planejamento for equivocado, de nada adiantará todo o armamento e recursos humanos. A qualificação, vocação e ética dos que são responsáveis por deflagrar o processo de defesa ou de ataque é crucial. Exemplos não faltam de vitória e derrotas nas guerras travadas no curso da história da humanidade. O que chama a atenção, na ação do 122 Marx, Fritz Morstein. Elementos de Administração Pública. Editora Atlas S.A.1ªedição em português.1968.p.168. 123 Marx, Fritz Morstein. Op.cit.p.168. 124 Sobre esta noção João Caupers ressalta que “ a característica primordial da impossibilidade de se aplicar na integralidade na administração das organizações públicas, princípios que regem a administração privada, assenta no fato de que a administração pública ser um instrumento do poder político. Isto significa que todas as organizações públicas se encontram, de uma ou outra forma, em maior ou menor medida, dependentes da vontade política dos representantes da colectividade, tanto para a sua criação, como para a sua sobrevivência...A sua sobrevivência depende apenas, como se disse, da vontade do poder político que as cria, mantém, modifica e extingue por sua livre iniciativa. Note-se, apesar de tudo, que é importante avaliar a eficiência das organizações públicas, sob pena de dar cobertura à irracionalidade económica e ao desperdício de meios que, infelizmente caracterizam muitas daquelas organizações.( João Caupers,op.cit. pags.32 e33) 68 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa corpo militar em estado de guerra, quando comparado com a atuação dos agentes políticos é o fato de colocarem a defesa dos interesses coletivos, da nação em primeiro lugar. Isto porque, neste caso, não lhe adianta agir preservando a sua vida e seus interesses individuais, pois havendo uma derrota, todos indistintamente serão atingidos. O interesse individual passa a ocupar o segundo lugar, no momento em que se prepara o plano de ação. Na área pública, ou melhor quando se pensa em defender e garantir direitos fundamentais sociais, o raciocínio deveria ser o mesmo, na medida em que menos políticas públicas, mais violência, mais sobrecarga de impostos e mais possibilidades de doenças. As conseqüências de um planejamento ineficiente, associado a ações de execução ineficazes atinge diretamente a maioria esmagadora da população, mas, também, mesmo que indiretamente, num primeiro momento, àqueles que foram responsáveis pelo planejamento e execução. Na práxis, o que se constata na parede do tempo presente é uma cadeia de desmandos, desorganização e morte, que tem como causa planejamentos elaborados com o fito de atender a interesses individuais e mesquinhos. Aplicando esses conhecimentos a área da saúde, conclui-se que o corpo funcional que obedece a ordens superiores, em face do dever hierárquico, deve ser eficiente, mas a eficácia de suas ações está condicionada, antes de mais nada, a um plano maior, em que os responsáveis primeiros, sequer tem noção das conseqüências para a sua própria vida e de sua família, de um plano de ação mal traçado. Quiçá pudéssemos nós hoje, voltarmos a aplicar para a democracia hodierna, princípios da democracia grega, em especial no que tange a não consentir com a dissociação entre o homem e a coletividade.125 A idéia de Montesquieu de independência e equilíbrio entre os poderes, sendo a lei a conjugação da vontade do legislador e do monarca, não mais subsiste no sistema político Brasileiro e Estadounidense. O Poder Executivo vem ocupando o posto mais 125 “ A democracia grega e a vida na pólis grega não consentiam, historicamente, semelhante dissociações do homem e da coletividade. De maneira que, recebendo tudo do Estado, devendo tudo ao Estado, o homem grego, ainda quando entra, historicamente, historicamente, a tomar consciência de que a pólis lhe é realidade exterior, ainda quando intenta afirmar conscientemente sua personalidade, esse homem vacilasse e essa vacilação se escreve, por exemplo, no sacrifício de Sócrates. Antes de beber a cicuta, quando resiste à sugestão da fuga preparada pelos discipulos, fiéis até o último momento, Sócrates foi posto na ponta de um dilema...Quando Sócrates recursou aquele caminho, foi ele coerente com a sociedade grega, com os idéias políticos do mundo helênico, com a alma da pólis. 69 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa importante do edifício político-constitucional, exercendo um domínio direto sobre o demais poderes. Neste sentido vale registrar as ponderações de J.J. Gomes Canotilho sobre a atual posição do Presidente dos Estados Unidos: “Além do monopolismo do Executivo - o poder executivo é conferido ao Presidente dos Estados Unidos – verifica-se a ausência de um governo colegial, pertencendo a definição de programas e a preparação das políticas públicas a esquemas organizativos da presidência ou até a assistentes pessoais da mesma (Executive Office )”126. O poder executivo saiu da função secundária e subordinada a função legislativa e passa a ser o protagonista da história. O equilíbrio e interdependência entre os poderes não existe, contribuindo para uma degeneração do Estado127. Para que o novo aconteça, tomando por base o paradigma que surge com o modelo de administração de organizações públicas eficientes, é preciso incorporar,alguns conceitos dos modelos heurísticos (atualizantes) de administração que são descritos por Guerreiro Ramos, com os seguintes elementos: MODELOS HEURISTICOS DE ADMINISTRAÇÃO SEGUNDO AS ETAPAS DE EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA Elementos 1) Modelo Arcaico Modelo de Transição Modelo Atualizante Aptidões Predomínio do trabalho Predomínio do trabalho Predomínio profissionais ligados à qualificado e braçal, especializado não se distinguindo operações produção tarefas de execução fabricação, nas trabalhos de altamente de especializados neste operações nas de 126 CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª Edição. Editora Almedina.Coimbra. 2002. p. 582. 127 Neste sentido, Paulo Bonavides ( Teoria do Estado, 4ª edição. Editora Malheiros, Brasil 2003,p. 229) leciona : Uma estatística de 40 milhões de analfabetos, 30 milhões de menores carentes ou abandonados, dois milhões de desempregados na convulsão de uma crise que fecha escolas, hospitais e fábricas, empobrece a sociedade, avilta o salário, desnacionaliza a empresa, elimina e sufoca a iniciativa privada e transfere para praças estrangeiras e organismos internacionais o poder decisório sobre as finanças do País e a conduta da economia nacional, constitui indubitavelmente a certidão de óbito do presidencialismo e sua gestão tecnocrática, que menospreza os valores encarnados na presença e fiscalização dos órgãos parlamentares. 70 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa estágio distintas das fabricação operações e de trabalho preparação altamente e qualificados nas manutenção, as quais operações passam a de ser preparação confiadas de e a manutenção trabalhadores qualificados 2) ................ 3)................ 4)............... 5) Elaboração de As decisões tomadas decisões no baseando-se são Diretrizes e decisões As decisões tendem a topo, gerais são formuladas ser em no topo, levando-se em baseando-se informações conta escassamente medianamente corretas, sua coletivas, informações acuradas informações carecendo corretas, observância em graças do colaboração emprego de medidas dos emitidas livremente, a quando necessário, por positiva qualquer agente da subordinados, organização. Elevada coercitivas destinadas principalmente quando sensibilidade às a obviar a motivação se trata de aspectos exigências do ambiente adversa dos específicos subordinados do externo trabalho. Mediana sensibilidade às exigências do ambiente exterior 6) Tipo consetimento de Coercitivo-alienativo. As finalidades organização Remunerativoda calculativo. As finalidades são finalidades aparentemente aceitas, organização embora, Normativo-moral. de subordinados da da organização tendem a são ser plenamente aceitas fato, aceitas sem resistência pelos subordinados suscitem a resistência sistemática disfarçada As dos dos subordinados, embora algumas vezes, disfarçadamente possa surgir no tocante a aspectos específicos 7) Produtividade 8) Feedback Baixa ou Predominam Mediana Elevada Predominante atenção Atenção sistemática às 71 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa mecanismo retificação de auto- informações passado. do às informações sobre informações Extrema as partes internas da passado, demora da organização organização. Mediana partes do sobre as internas da na correção de seus demora da organização organização e sobre emergentes na correção de seus suas relações com o desajustamentos emergentes ambiente desajustamentos Elevada da exterior. sensibilidade organização e rapidez na correção de seus emergentes desajustamentos 128 Percebe-se pelo estudo comparativo construído entre os sistema de administração judiciária e executiva que, em função de sua eficácia no que tange aproximação da igualdade formal para a igualdade material, que o sistema de administração judiciária tem contribuído mais para a promoção da justiça e paz social. Para que um sistema administrativo possa ser conceituado como eficiente, este deve conter e manter presentes algumas características que denominamos de essenciais para a persecução do interesse público: 1-Deve respeitar a independência entre os poderes no que tange a execução de suas atividades fins, sem esquecer que existe uma interdependência para a prossecução do interesse público. Neste sentido, o parlamentarismo e o regime misto parlamentar presidencial são sistemas que mais se aproximam do ideal de administração pretendido por Montesquieu.2- As decisões que serão tomadas pelo poder executivo, deve atender em primeiro lugar ao comando constitucional, uma vez que este,num estado democrático, reproduz a vontade geral, depois deve considerar o conhecimento teórico e empírico daqueles que integram a organização administrativa, tomando decisões de caráter coletivo e que atendam a coletividade. Na mesma linha, o parlamentarismo, por sua característica central de descentralização do poder supremo do executivo, contribuiu para um sistema administrativo mais eficiente.3-De acordo com a necessidade de melhor garantir ao administrado o acesso às prestações materiais, deve o sistema administrativo optar pela descentralização administrativa e financeira. Desta forma, 128 Ramos, Guerreiro. Administração e estratégia do desenvolvimento. Fundação Getúlio Vargas. Rio de Janeiro.1966.p.128. 72 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa tanto em si tratando de Estado Federado ou Unitário, o que vai determinar a qualidade dos serviços prestados por ambos, vai ser a capacidade de autonomia administrativa e financeira dada aos órgãos que funcionam na ponta da linha.4Objetivando um constante controle dos atos da administração é necessário a existência de justiça especializada, com juizes preparados para lidar com questões macro como interesse coletivo versus interesse privado. O modelo de administração judiciária traz maior controle dos atos da administração.5-Associado a exigência de uma Justiça especializada, um direito material e processual constituídos de forma a assegurar um equilíbrio entre Administração e Administrado. . No mesmo viés, o sistema romano-germânico traz mais garantias e segurança para o administrado, traduzindo-se num equilíbrio entre administração e administrado. 6.A adoção do modelo atualizante de administração, caracterizado por: a)-Elaboração da decisões . As decisões tendem a ser coletivas, baseando-se em acuradas informações emitidas livremente, quando necessário, por qualquer agente da organização. Elevada sensibilidade às exigências do ambiente externo; b)- Tipo de Consentimento Normativo-moral. As finalidades da organização tendem a ser plenamente aceitas pelos subordinados c)- Produtividade . Elevada; d)- Feedback ou mecanismo de autoretificação. Atenção sistemática às informações do passado, sobre as partes internas da organização e sobre suas relações com o ambiente exterior. Elevada sensibilidade da organização e rapidez na correção de seus emergentes desajustamentos. CAPITULO IV O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO PRINCÍPIO ESTRUTURANTE NO ESTADO SOCIAL DE DIREITO. I. Origem, conceito e finalidade do Estado 73 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O conceito de Estado, a sua origem e finalidade têm aplicação direta no presente estudo, uma vez que, o princípio da eficiência se dirige ao Estado-colectividade tanto no que tange a sua função primária (função política e legislativa) quanto a função secundária (função administrativa e judicial). Neste particular, conforme poderá ser comprovado no decorrer do texto, o princípio da eficiência deve ser aplicado, para fins de se aferir a eficácia do Estado prestacional de ações e serviços de saúde, muito mais aqueles que exercem a função primária. Estes são os responsáveis primeiros por planejar e estabelecer as diretrizes (trabalho prévio e de execução) que deverão ser observadas e executadas por aqueles que exercem a função administrativa. Ademais, não se pode deixar de considerar que o tipo e forma de Estado, bem como, o sistema de governo, sistemas eleitorais e de partidos condicionam a função administrativa e a Administração Pública, e via de conseqüência exercem influência sobre o fazer com eficiência e resultado. No caminho selecionado para desenvolver o estudo acerca da real importância de elevar o princípio da eficiência a categoria de Princípio Constitucional, necessariamente tem que se perquirir da origem do Estado perpassando pelas diversos estágios de sua evolução até a fase contemporânea. O conceito de Estado, bem como, a sua origem, tem sido objeto de estudo e interesse de diversas áreas do saber humano. Quanto a sua origem podemos remontá-la a origem do próprio homem129, conforme a teoria naturalista. Para filósofos como Locke e Rousseau o Estado é uma deliberação do homem. Para a Ciência Política e o Direito Constitucional, segundo o catedrático da Universidade de Lisboa, Professor Marcello Rebelo de Souza, “Estado colectividade pode ser definido como o povo fixo num determinado território e no qual institui, por autoridade própria, um poder político relativamente autônomo”130. Para o consagrado constitucionalista português JJ. Gomes Canotilho, “o Estado é, assim, uma forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que a 129 cfr. Alejandro Santibañez Handschuh (La ética de la función pública administrativa, Anales 4, I Congresso Interamericano del CLAD Sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública,junio 1997, p. 11) El fenómeno del Estado no es algo nuevo en el mundo, por el contrario, es el resultado de complejas relaciones que ha ido entretejiendo junto con la evolución del hombre. El Estado es una realidad tan antigua como el hombre mismo, por lo que si quiere encotrar una explicación a su origen, necesariamente hay que remontarse al origen del hombre. 130 SOUSA, Marcelo Rebelo de. Lições de Direito Administrativo. Pedro Ferreira Editor.Lisboa. 1994/5,p. 7. 74 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa distinguem de outros “poderes” e “organizações de poder”131. Na definição do constitucionalista brasileiro Paulo Bonavides, adotando o conceito de Jellinek , o Estado “é a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”. Como se vê o conceito de Estado pode ser visto numa acepção filosófica, jurídica e sociológica. Reverenciando todos aqueles que se debruçaram sobre o tema, contribuindo para o atual estágio do conceito de Estado no território nacional, aderimos ao conceito de Jellinek, adotado, também, pelo constitucionalista Paulo Bonavides, ou seja, o Estado “é a corporação de um povo, assentada num determinado território e dotada de um poder originário de mando”. O Estado na Antiguidade “ é a Cidade, condensação de todos os poderes132. A coletividade era a cidade e o grego, o filho da polis ,133 não existia separação entre Estado e individuo. Atendida as necessidades da polis, estavam atendidas as necessidades do indivíduo. Na Idade Média o Estado ganha contornos distintos, não existindo mais aquela identificação entre o homem e a Cidade. O individuo começa a ser dissociado da sociedade. Esta fase é marcada também pela supremacia da Igreja, esta “não era um Estado, era o Estado; o Estado ou, melhor, a autoridade civil”.134 O Estado Liberal emerge na Idade Média como fruto da revolta da classe burguesa contra os poderes da coroa e para por fim aos privilégios do feudalismo. A Revolução acontece em França, tendo como temas da bandeira o ideário de liberdade, igualdade e fraternidade. Pregava-se a liberdade como um direito natural do homem, liberdade esta de ir e vir, de gozar de sua propriedade sem que o Estado invadisse essa esfera do indivíduo. No que tange ao direito de igualdade e fraternidade, sabe-se que estes não saíram do plano formal. Na verdade, a burguesia quando vence o absolutismo e o 131 CANOTILHO, JJ. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Editora Almedina. 2002.p. 89. 132 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 4ª edição. Editora Malheiros. Brasil. 2003.p. 19. 133 BATISTA JUNIOR, Onofre Alves. Princípio Constitucional de Eficiência Administrativa. Editora Mandamentos. Belo Horizonte. 2004. p. 37. 134 Cfr.John Neville Figgis, Studies in Political Trought from Gerson to Grotius, 1414-1625, Cambridge. 1907. Cito da edição Harper Torchbooks, Nova Iorque,1960,pp.25-26 Apud Louis Dumont. O Individualismo – Uma perspectiva Antropológica da Ideologia Moderna. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro. Rocco.2000.p.80. 75 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa feudalismo, “já não se interessa em manter na prática a universalidade daqueles princípios, como apanágio de todos os homens”135.” Há o triunfo do liberalismo e não da democracia”136. Está impregnado na ideologia da burguesia a separação entre o individual e o social. Trata-se de um Estado que se firma como “demissionário de qualquer responsabilidade na promoção do bem comum”137 , conhecido pela idéia do “laissez faire, laissez passer”. Não obstante este traço marcante do Estado Liberal da separação entre indivíduocoletividade, Paulo Bonavides lembra que “ A burguesia acordava o povo, que então despertou para a consciência de suas liberdades políticas”138. Está não esperava, como qualquer outra classe que detém o poder político, que suas idéias encontrassem eco no seio do povo, levando a um despertar sobre o seu papel no Estado, ou seja, enquanto sujeito de direito e deveres. “O curso das idéias pede um novo leito”139. Esta foi sem dúvida, uma das grandes contribuições do Estado Liberal para a construção do futuro do Estado Social. Ainda nesta fase, nasce a teoria da separação de poderes, idealizada por Montesquieu, como um ideal para se assegurar a manutenção do direito de liberdade. Pela teoria da separação de poderes140, o executivo, judiciário e legislativo são ao mesmo tempo independentes entre si, mas contidos no mesmo corpo do Estado. Desta forma, haveria uma chance para a liberdade na medida em que “ para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder refreie o poder”. Acrescenta ainda, o autor :“ Temos, porém, a experiência eterna, de que todo homem que tem em mãos o poder é sempre levado 135 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 4ª edição. 1980. Forense. Rio de Janeiro. p.5. BONAVIDES, Paulo. Op.cit. p. 7. 137 BONAVIDES, Paulo.op.cit.p.3. 138 BONAVIDES, Paulo.op.cit.p.6. 139 BONAVIDES, Paulo. Op.cit.p.6. 140 Cfr. Montesquieu (Do Espírito das Leis, Tradução de Gabriela de Andrade Dias Barbosa. Ediouro. Editora Tecnoprint S.A.p. 133) quando numa só pessoa, ou num mesmo corpo de magistratura, o poder legislativo se acha reunido ao poder executivo, não poderá existir a liberdade, porque se poderá temer que o mesmo monarca ou o mesmo senado criem leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Não existirá também liberdade quando o poder de julgar não se achar separado do poder legislativo e do executivo. Se o poder executivo estiver unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, porque o juiz seria o legislador. E, se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de um opressor” 136 76 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa a abusar do mesmo;é assim irá seguindo, até que encontre algum limite. E quem o diria, até a própria virtude precisa de limites”141. Na linha do pensamento de Montesquieu, sempre atual, o Estado Liberal decreta o seu declínio e fim, com a transição para o Estado Social, quando a burguesia alcança o poder e começa dele abusar. Os ideais revolucionários, na verdade, se traduziram na manutenção de privilégios, agora para a burguesia. Essa sai de classe dominada para classe dominante. Pregava a liberdade e igualdade, mas somente no plano formal, no mundo da utopia. Nesta fase “O indivíduo era uma abstração. Estabelecia-se a igualdade abstrata entre os homens, visto que deles se despojavam as circunstâncias que marcam suas diferenças no plano social e vital”. 142 A classe dos excluídos que era dominada antes da revolução continuava a ser dominada, somente mudando a figura do dominador. É sabido que a revolução não ofereceu meios materiais para que a classe dos excluídos pudesse “ transpor as restrições do sufrágio e assim concorrer ostensivamente, por via democrática, à formação da vontade estatal”.143 II. Do Estado neutral de raiz liberal para o Estado prestacional de serviços e ações de saúde com eficiência. Conforme apontado o Estado Liberal tem sua gênese na reação da burguesia capitalista , o centro das idéias se fixa na preservação da liberdade do indivíduo frente ao Estado. No Estado Social a revolução nasce de um extrato social explorado pela burguesia dominante. Conforme adverte Paulo Bonavides “ a favor do capitalismo ou contra o capitalismo, sempre um classe na vanguarda da revolução”144. A exploração da classe operária leva a uma reação desta, em defesa do direito de liberdade de fato, associado aos direitos oriundos do princípio da 141 MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. Tradução de Gabriela de Andrade Dias Barbosa. Ediouro. Editora Tecnoprint S.A.p. 132/133. 142 José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 22ª edição, Malheiros Editores, Brasil, 2003, p. 159. 143 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 4ª edição Editora Forense. Rio de Janeiro. 1980. 144 BONAVIDES, Paulo. Op.cit.p.182. 77 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa igualdade. Neste cenário, é preciso antes de apresentar os traços característicos do Estado Social que se faça uma distinção, salutar, entre o este e Estado socialista. O Estado Social tem um traço marcante que o distancia da identidade com o Estado Socialista, ou seja, a adesão deste primeiro à ordem capitalista. 145 “ Não se confunde com o Estado socialista, mas com este coexiste”. 146O Estado Social sinaliza com a possibilidade de uma real constituição dos ideais da revolução gloriosa. Na medida em que este busca reduzir as desigualdades sociais, promovendo um estado de liberdade e solidariedade entre os homens. Percebe-se com a evolução da história, que o desenvolvimento da sociedade contemporânea colhe do passado distante, como a vida na cidade grega, e do passado próximo, o Estado Liberal a implantação de uma nova forma de Estado. Não se concebe mais, conforme manifesta Rousseau, que o homem, tendo nascido livre, permaneça escravizado. Grita o autor, nas primeiras linhas de sua obra prima : “o homem nasceu livre e por toda a parte se acha escravizado”. Se o este vivesse no Brasil de hoje, por certo daria um novo grito, dizendo: “o homem nasceu para ser livre e por toda parte se acha escravizado, já não persistem as condições de igualdade presentes no estado da natureza”. O Estado Social é, ainda, um ideal a se construir. Quando os primeiros traços deste começam a aparecer já sinaliza uma nova mudança em sua estrutura, com a construção de um Estado neoliberal. Esta nova forma de Estado será trabalhada em capitulo em separado. Não obstante falar-se da existência de um Estado Social, partindo-se de uma concepção ampla do que seja um Estado Social, pensamos que este se instalou em estados democráticos, entretanto a sua permanência e solidificação estão longe de se efetivar. Esta observação é válida, principalmente, na perspectiva do Estado Social que se vê no Brasil atual. O Estado Social em sua concepção clássica pode ser definido como sendo um Estado garantidor dos direitos fundamentais, em especial os direitos fundamentais sociais. Esses traços são devidos, sem dúvida a Constituição de Bonn, na 145 Cfr. acentua Paulo Bonavides (op.cit.p.205) O Estado Social representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no Ocidente, o distingue, desde as bases, do Estado prolatário, que o socialismo marxista intenta implantar: é que ele conserva sua adesão à ordem capitalista, princípio cardial a que não renuncia. 146 BONAVIDES, Paulo. Op.cit.p.232. 78 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Alemanha, fonte inspiradora dos constituintes que elaboraram a Constituição Brasileira de 1988. Na linha do texto, uma vez mais, vê-se que o Estado Liberal tinha por objetivo precípuo assegurar ao cidadão o direito de liberdade147, portanto a eficiência do Estado estava diretamente relacionada a sua capacidade de melhor garantir a cada indivíduo o respeito a sua liberdade, ou por outras palavras o direito de ir e vir. Assim, o princípio da eficiência aplicado aquela época, por certo não teria os contornos atuais. Com o alargamento das funções do Estado, deixando de ter a função apenas de defesa, e passando, a assumir, também, as funções de proteção e prestação, traço marcante do Estado Social, o princípio da eficiência, ganha uma nova perspectiva. Significa isto dizer que, ao tempo em que se amplia a esfera de atuação do Estado e via de conseqüência o conceito de interesse público, o mérito administrativa passa a ser passível de um controle jurisdicional. 148 da decisão Antes de ser elevado à categoria de princípio fundamental, o princípio da eficiência, era analisado tão somente na perspectiva do mérito da ação administrativa. Isto significava que a decisão administrativa que não se encontra eco no bloco legal, não estava sujeita ao controle jurisdicional. Com a elevação do princípio a categoria de princípio fundamental, este passa a integrar o bloco da legalidade, em especial constitui o fundamento do edifício jurídico, estando, portanto, sujeito, ao controle jurisdicional toda ação administrativa. Na visão de João Caupers, “ o resultado desta extensão apontaria no sentido de apenas ser legal a melhor decisão administrativa. Conseqüentemente, o juiz 147 Cfr. leciona Paulo Bonavides (Do Estado Liberal ao Estado Social,p.231) vimos um Estado Liberal que fundou a concepção moderna da liberdade e assentou o primado da personalidade humana, em bases individualistas. Vimos o seu esquema de contenção do Estado que inspirou a idéia dos direitos fundamentais e da divisão de poderes.Vimos, do mesmo passo, as doutrinas que reinterpretaram a liberdade, abrindo caminho para o Estado Social. 148 Cfr. João Caupers, Introdução ao Direito Administrativo. Editora Âncora, Lisboa, 2001,p. 63, o interesse público pode ser definido como “ o interesse de uma comunidade, ligado a satisfação das necessidades colectivas desta («o bem comum»)”.Assim, no Estado Social, o interesse público a ser perseguido, traz subjacente a satisfação das necessidades coletivas como saúde, educação, meio ambiente, trabalho, etc... 79 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa administrativo poderia invalidar toda e qualquer decisão administrativa que não fosse – na sua maneira de ver, evidentemente – a melhor”.149 A princípio, pode-se dizer que o princípio da eficiência é imanente ao Estado Social de Direito, posto que, quando se ampliam as funções do Estado, exige-se, via de conseqüência, equidade no acesso as prestações materiais. Vemos no Estado Social da democracia, que age com eficiência em suas ações, os raios da esperança a sinalizar para a concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, ou seja, a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária. “É no atual Estado Social de Direito, que as Constituições passam a contemplar, não só a relação entre Estado e os direitos individuais, como também, os direitos sociais, em especial o direito à saúde, impondo ao Estado a responsabilidade pela prestação material objetiva”150. III. Estado neoliberal A pretexto de se alcançar eficiência na prestação dos serviços públicos,o princípio da eficiência tem sido usado, de forma errônea, como a mola propulsora para uma mudança no quadro atual do Estado Social. Tomando por fundamento os conceitos de eficiência aplicados à esfera privada, surge a idéia de se transferir para esta, responsabilidades que são exclusivas do Estado, por considerar que a iniciativa privada é mais eficiente que a pública. Conforme se poderá verificar no decorrer do texto, trata-se de uma construção equivocada do pensamento humano. 149 Caupers, João. Introdução ao Direito Administrativo. Editora Âncora. Lisboa. 2001.p.66. SAMPAIO, Nícia Regina. Relatório Apresentado no Mestrado de Ciências Jurídico-Políticas, cadeira de Direito Constitucional. “O Ministério Público como Defensor do Direito à Saúde –Dimensão Coletiva e Individual”.p.75. 150 80 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Aliás, no mesmo sentido aqui esposado, José A. Monteiro, citado por Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira, analisando o argumento de que a iniciativa privada é mais eficiente que a pública sintetiza :”é uma balela. Há organizações públicas eficientes como existem empresas privadas que primam pela desorganização e o desperdício... O Estado deve ter o tamanho que precisa para servir e desenvolver seus cidadãos e isso depende do grau de consciência da população e do nível de desenvolvimento que se conseguiu”151 O Estado ao ampliar suas funções, ficando incumbido, também, de atender as necessidades básicas do ser humano, como saúde, educação, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, começa a tropeçar em seus próprios objetivos. A ausência de um parâmetro e limite do campo de atuação do Estado Social, associado às necessidades múltiplas de um país subdesenvolvido, levou o Brasil a ampliar as funções do Estado, de tal forma que este não consegue garantir a seus cidadãos o mínimo assegurado na Carta Política. Está consagrado na Constituição Federal de 1988 que o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, atenderá as necessidades vitais básicas e ás de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (art. 7º, inc. IV). O salário mínimo no Brasil, para 2005, corresponde atualmente a R$300,00 (trezentos reais), sendo que em Portugal o salário mínimo é de Euros, enquanto que nos Estados Unidos corresponde a dólares. O paradoxo entre o legislado e o contexto social, levou a idéia de repensar o modelo de Estado Social no qual vivemos e qual o modelo e limite do Estado Social que queremos? Conforme assinala Maria João Estorninho, " o alargamento desmensurado da actividade administrativa de prestação conduziu à sobrecarga e ineficiência da 151 MONTEIRO, José de A. Qualidade Total no Serviço Público: Uma forma de eliminar as prisões mentais existentes em todos os escalões da Administração Pública, para enfrentar os desafios de um novo tempo.3.ed. Brasília. QA&T,1991,157p. Apud Claudia Fernanda de Oliveira Pereira. Reforma Administrativa, O Estado, O Serviço Público e o Servidor. Brasília Jurídica.Brasília.1998.p.311. 81 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Administração Pública e, assim, tal como o náufrago procura, a todo custo, agarrarse "tábua de salvação", a Administração Pública procura hoje desesperadamente reencontrar a eficiência, nomeadamente através de fenómeno de privatização e de revalorização da sociedade civil"152. Este não consegue estar presente e atender a todas as necessidades vitais básicas de seus cidadãos, bem como, não consegue oferecer um salário digno que permita a cada indivíduo buscar a satisfação dessas necessidades básicas de outras formas, como é o caso dos Estados Unidos na área da saúde. Lá o Estado age apenas como regulador, devendo o cidadão que possui condições para arcar com um plano de saúde buscar atender a sua necessidade de serviços de saúde no mercado de consumo. A saúde para eles deixa de ter o caráter de direito fundamental como no Brasil, passando a ser vista mais no plano de bem de consumo. O Estado Social não pode assumir mais a posição de demissionário das prestações materiais, mas também não pode permanecer no estado em que se encontra de incompletude para com os direitos fundamentais. Por certo, as transformações sociais são continuas e sempre buscando o melhor. Algumas vezes, há um retrocesso em algumas áreas e em outros avanços, mas a idéia é sempre de evolução. Neste sentido, não há como deixar de reconhecer que a implantação do Estado Social trouxe avanços enormes, principalmente no que tange a busca da concretização do princípio da igualdade. É necessário rever os seus limites sim, mas não os seus ideais, que é a promoção do primado da igualdade. O Estado Social permanece em posição incomoda, não atende aos fins para os quais foi criado, via de conseqüência os fins que devem ser atendidos pela Administração Pública, também, não são cumpridos. Conclui-se que é preciso buscar a eficiência dos serviços públicos sim, mas sem desprezar os valores fundamentais do Estado Social, a dignidade da pessoa humana e o primado da igualdade. Neste sentido, definido o campo de atuação do Estado Social, pode ser otimizado recursos, através de uma maior eficiência do aparelho estatal, atendendo 152 ESTORNINHO, Maria João.op.cit.p.47. 82 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa indistintamente a todos. Isto não significa que as funções essenciais do Estado devam ser transferidas para a iniciativa privada, partindo-se da idéia de que esta trabalha com eficiência e o público não. Trata-se de um entendimento equivocado, pode e deve ser buscado na iniciativa privada, conceito relacionado ao agir com eficiência, mas sem esquecer que os objetivos de um e de outro são separados por um abismo. De um lado se busca prioritariamente o lucro, a pessoa humana não é vista como prioridade, mas sim como meio. Já na esfera pública, pelo menos deveria ser assim, o ser humano é o fim primeiro, o que se busca é o interesse público, a promoção do bem estar coletivo. "Os fins do Estado colocados a cargo da Administração Pública estão essencialmente relacionados com as necessidades colectivas de segurança, de bem-estar económico e social e de cultura"153. As necessidades do ser humano são infinitas, a cada dia, na dança da evolução do mundo contemporâneo novas conquistas e necessidades vão surgir. Entretanto, a que se assegurar um mínimo para que o ser humano possa gozar de dignidade, sendo que este pode ser contabilizado, sem sobra de dúvidas, a educação e saúde. Neste mesmo sentido, Egon Bockmann Moreira lembra que a “Administração Pública não pode ser orientada para a questão do lucro sobre capital – olvidando ou deixando como questão secundária as implicações sociais primárias da atividade administrativa”154. Acompanhando o pensamento, Claudia Fernanda de Oliveira Pereira conclui que. “ seja qual for a roupagem do Estado, liberal ou neoliberal, o Brasil não pode olvidar dos seus serviços públicos primordiais: educação, saúde e segurança, tampouco deixar de subsidiar a agricultura e cuidar urgentemente da Reforma Agrária” 155. O indivíduo que goza de saúde, bem como, tem acesso a uma educação de qualidade terá meio eficaz para assegurar a sua própria cidadania. O investimento em educação, garantindo o acesso de todos, com o objetivo definido de contribuir para o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, deve ser uma das atividades primeiras do Estado 153 ESTORNINHO, Maria João.op.cit.p.37. MOREIRA, Egon Bockmann.op.ci.p.161. 155 PEREIRA, Claudia Fernanda de Oliveira. Reforma Administrativa: O Estado, O Serviço Público e o Servidor.Brasília Jurídica. Brasilia. 1998.p.314. 154 83 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Social. A função de assegurar o direito à educação para todos deve ser exclusiva do Estado Social, somente em casos excepcionais deverá ser delegada ao particular, posto que, conforme já foi dito, na esfera privada essencialmente temos a busca pela obtenção de lucros, enquanto que o individuo é apenas um meio para tal fim. Na mesma linha, o direito à saúde deve ser tido como função exclusiva do Estado, não se transferindo a iniciativa privada à prestação das ações e serviços de saúde. A lógica do sistema privado, conforme já assinalado, diverge e muito dos fins para os quais o Estado Social foi implantado. Cumpre ressaltar, por oportuno, que se na área da educação pode haver prejuízos para o educando e para a sociedade como um todo, visto que o homem é apenas um meio, para a área da saúde este prejuízo pode ser irreparável. Na área da educação o meio natural ajuda a fazer uma seleção dos melhores centros de ensino, para a sua permanência, sendo sempre possível reverter prejuízos daí decorrentes. Entretanto, o mesmo não pode se dizer quanto à saúde. O ser humano condicionado, pela esfera privada, como meio para a obtenção de lucro desenfreado, pode levar ao prolongamento do sofrimento humano, bem como, a abreviação da própria vida. Caminhamos, na área da saúde no Brasil, (especificamente por ser o tema estudado), no sentido de se buscar a terceirização dos serviços , fundamentada na idéia de que, assim, se estará alcançando eficiência na prestação dos serviços, a uma tendência do Estado a, novamente, lavar as mãos, este passaria apenas a exercer a função de Estado Regulador. É o caso do Sistema de Saúde Pública que vem sendo implementado no Estado de São Paulo, bem como, a idéia traçada pela Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo. Chama-se a atenção para esse grave equívoco em que se pode incorrer. Existirá uma grave violação aos direitos fundamentais, um verdadeiro retrocesso na história dos direitos sociais no Brasil, em especial para o direito à saúde, já marcada por tantos sofrimentos. Esta idéia não encontra balizamento na vontade geral, expressa no texto constitucional de 1988. Da leitura atenta do texto constitucional vê-se que essa não é vontade geral, primeiro porque, no artigo 196 está consagrado o princípio da universalidade e igualdade, uma vez que, assegura a todos indistintamente que saúde é um direito de 84 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa todos e dever do Estado; num segundo momento, porque sentencia que é permitida a iniciativa privada, participar complementarmente do sistema (art.199, §1º). Nesta linha, a vontade geral vem revestida da idéia de cabe ao Estado, em caráter precípuo, à prestação das ações e serviços de saúde, sendo permitido apenas, que a iniciativa privada atue de forma complementar do sistema, e mesmo assim, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio (art.199, §1º). Do texto pode-se aferir que existe um conflito inato entre terceirização dos serviços de saúde e a vontade geral, representada na Carta Política, na medida em que, as instituições privadas, não têm o dever primeiro, de perquirir o interesse público, as regras válidas para estas encontram-se imersas no direito privado. Acrescenta-se, ainda, para o fim de dissipar quaisquer dúvidas ainda remanescentes que, o sentido etimológico da expressão gramatical complementar, segundo o dicionário Novo Dicionário Aurélio é o “ que serve de complemento.2. Pertencente ou relativo a complemento.3. Que sucede ao elementar”.156 Em outras palavras o Estado Social deve assegurar o elementar, o principal, podendo a iniciativa privada complementar. Valendo ainda, do prestimoso auxílio do vernáculo temos a expressão elementar constituída como referente ao que está “na base, essência, origem, essencial, fundamental, básico”157. De outro ponto, terceirização se refere a atividade Conforme registrado, se a saúde é um dever do Estado, este deve prestá-lo diretamente, sob pena de violação do direito fundamental assegurado pela própria Carta e consagrado como cláusula pétrea. Com a terceirização dos serviços de saúde, uma vez que, as ações, na área da saúde, têm um alcance que transcende ao indivíduo, a uma quebra do contrato social. Pensando, tanto no modelo de sistema de administração executiva ou judiciária, verifica-se que há um descompasso quando se pretende a terceirização de serviços essenciais a manutenção do status de dignidade da pessoa humana. Com a terceirização, todos os princípios que devem nortear a atuação da Administração 156 157 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e J.E.M.M., Editores Ltda. Editora Nova Fronteira S.A.1ª edição. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e J.E.M.M., Editores Ltda. Editora Nova Fronteira S.A.1ª edição. 85 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Pública no Estado Social de Direito são cerceados. O princípio da impessoalidade, identificado com a idéia de se priorizar o tudo para todos, deixa de existir. O princípio da motivação, da mesma forma, não se identifica mais com o interesse público, o primado da igualdade. O princípio da eficiência tem a mesma sorte, ganha nova feição, passa a ter uma conotação estritamente privativista, o ser humano já não é mais o fim, mas apenas o meio. O princípio da legalidade é violado em sua essência, pois enquanto que para a Administração Pública vige o princípio de que somente é permitido fazer aquilo que a lei permite, para o particular vigora o princípio de que pode fazer tudo o que a lei não proíbe. São focados pontos completamente diferentes. A uma quebra direta do contrato social. Este novo modelo de Estado que se propõe é muito pior que o Estado Liberal, pois neste não existia a expectativa da prestação material dos serviços e ações de saúde e de outros direitos sociais. A sociedade já estava organizada para viver privada destes direitos, hoje se implementarmos a nova idéia, existirá um retrocesso para todos, principalmente em face da existência de um pseudo Estado Prestacional. As regras do direito público passam a ser aplicadas entre a Administração e as empresas contratadas, e como fica o direito do particular e sua relação com a mesma Administração. Passa a existir um corpo intermediário entre Administração e administrado, dificultando a preservação, fiscalização e manutenção das garantias fundamentais. Por mais que o Estado atue como órgão regulador, não conseguirá atender na integralidade as necessidades essenciais do indivíduo, posto que, o que se estará buscando em primeiro lugar não será o interesse público, o bem comum, mas lucro. Nesta seara, o princípio da eficiência , como os demais princípios do direito público serão violados e, via de conseqüência, também, restará violado o primado da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Reconhecer que é preciso rever o atual papel do Estado Social, qual o verdadeiro modelo que se quer, não deve ser desprezado, mas colocar em vala comum a terceirização de serviços meios, como construção de pontes, escolas, estradas e, de igual modo, os serviços de saúde, representa uma grave violação do direito fundamental à saúde, um retrocesso social. Viola os fundamentos da República e 86 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa seus objetivos, joga por terra as cláusulas pétreas, mexendo com toda a estrutura da República. Deve ser acrescentado, ainda, que a pulverização dos serviços, através da contratação de inúmeros serviços por parte do Estado, não só cria um corpo intermediário entre Administração e administrado, como também, dificulta o trabalho dos órgãos de controle, como Tribunal de Contas, Sistemas de Auditoria, Ministério Público, sem falar é claro no cidadão que fica completamente perdido nessa selva de pedras que se apresenta com mil faces. Este já não sabe a quem recorrer, o que realmente lhe é devido. A denominação correta para o Estado que se quer construir sem a legitimidade da sociedade, deveria ser Estado de “ Mal Estar Social”, não é cópia do liberal, uma vez que os tempos são outros, não é um verdadeiro modelo de Estado Social, mas outra forma de Estado, com o qual não existe identidade com o interesse público. No Estado Neoliberal quebra-se a subordinação ao Direito Administrativo, volta-se a aplicar as leis civis, o que é extremamente danoso para o indivíduo. Na linha do pensamento posto, PORTALIS ensina: “ As formas jurídicas, os tribunais e as leis civis são instituições admiráveis para que um cidadão possa defender os seus bens e a sua vida contra um outro cidadão. Elas são admiráveis ainda para proteger o cidadão contra um o público no caso e em relação às coisas onde o público está face a esse cidadão no mesmo plano de um particular que lida com um particular. Mas não pode regular pelas mesmas regras em relação aos assuntos de polícia ou administração geral ou seja, quando o público age para o interesse de todos, quando actua para o bem da universalidade. Então a lei civil tem de dar lugar à lei política e o bem comum torna-se a lei única e suprema”.158 A título de se buscar maior eficiência para a prestação dos serviços de saúde, começa uma desenfreada onda de privatizações e terceirizações das atividades fins do Estado, inclusive, atividades que devem ser exercidas exclusivamente por este, deixando encoberto pelo manto de uma pseudo eficiência, os reais motivos 158 Citado por .JEAN-LOUIS MESTRE, “Introduction Historique au Droit Administratif Français, Ed. P.U.F.,Paris,1985,p.175 Apud Maria João Estorninho. Fuga para o Direito Privado. Coleção Teses. Livraria Almedina. Coimbra.1999.p.28 87 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ensejadores da idéia de delegar para a iniciativa privada atividades fins da Administração Pública. " Na verdade, é fácil imaginar que, por detrás deste tipo de fenómeno, existam por vezes objectivos velados e subreptícios, como sejam os de tentar ultrapassar as vinculações jurídico-públicas a que a Administração de outro modo estaria sujeita, em relação às competências, às formas de organização e de actuação, aos controlos ou à responsabilidade"159. Com fundamento na idéia de que através da terceirização se terá maior eficiência na prestação dos serviços na área da saúde, quer se optar pela privatização de tarefas fins do Estado. A implementação dessas idéias fere de morte o direito fundamental à saúde, vez que, como conseqüência desta "fuga"160 acontecerá: a) a flexibilização dos contratos de trabalho, com a fuga do ativo do conhecimento (humanware); b) redução de custos ao preço de muitas vidas; c) uma pseudo-economia, com a retração de investimento na área da prevenção; d) para alcançar a eficiênciaxcusto, a vida humana será sacrificada, sendo colocada em segundo plano; e) não submissão aos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade, legalidade, eficiência e igualdade; f) não submissão às regras do Direito Administrativo, trazendo uma instabilidade para o cidadão; g) ausência de controle das atividades fins dos entes contratados, o que implica num maior aporte de recursos financeiros sem o respectivo controle; h) inexistência de um responsável direto pela prática do ato, dificultando a responsabilização pela violação aos direitos fundamentais; 159 ESTORNINHO, Maria João. op.cit.p.67. sobre o tema consultar a obra "A Fuga para o Direito Privado". Maria João Estorninho. Livraria Almedina,Coimbra.1999. 160 88 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa i) benefícios fiscais por parte das entidades contratadas, como entidades filantrópicas em detrimento do próprio Estado (exemplo de Universidades privadas e Hospitais no Brasil); A esse respeito, Maria João Estorninho leciona que : " Na minha opinião, pode dizerse que, ao longo dos tempos, a Administração Pública acabou muitas vezes por passar de uma fuga que se poderia dizer quase "inocente" a uma fuga "consciente" e perversa para o Direito Privado"161. O Estado Neoliberal para o qual estamos caminhando , no modelo hoje proposto, representará um retrocesso para a história dos direitos fundamentais, em especial para o direito fundamental à saúde. A transição do Estado Social para o Neoliberal já deixou em evidência que os reais objetivos, escondidos sob o manto da eficiência, não são por certo a construção de uma Administração Pública mais eficiente, fundamentada no princípio expresso no art. 37 da Constituição Federal, muito menos de um Estado cujo objetivo é a persecução do bem estar geral, mas sim, mais uma vez, o benefício de uma ou várias classes sociais que já detém o poder econômico no Brasil162. IV. Administração pública e a incorporação do princípio da eficiência 161 ESTORNINHO, Maria João. op.cit.p.68. sobre o tema Maria João Estorninho (op.cit.p.160) leciona que : "Na verdade, pode considerar-se uma grande "vitória" o facto da doutrina passar a estar alerta para o risco de, através de um movimento de afastamento para o Direito Privado, a Administração Pública poder libertar-se da vinculação aos direitos fundamentais e conseguir , " de forma elegante" (OSSENBUHL), "dar volta" (OSSENBUHL) à Lei e à Constituição, obtendo um "espaço de livre arbítrio administrativo" (OSSENBUHL).Tal situação seria, sem dúvida, "fatal", e obrigaria a um esforço no sentido de impedir que o poder executivo continuasse impunemente nesse seu "caminho" para a clandestinidade" (OSSENBUHL). Teoricamente, podem conceber-se duas soluções para evitar o perigo de "fuga para o direito privado". Uma primeira, "radical" (EHLERS), traduzir-se-ia numa pura e simples proibição geral de recurso às formas de actuação jurídico-privada pela Administração Pública. No entanto, na prática, nunca se poderia pretender uma recondução total da actividade administrativa ao Direito Público, mas apenas procurar "fazer recuar a actividade jurídico-privada da Administração (EHLERS). Tal recuo conseguir-se-ia "remetendo as actvidades da Administração, desenvolvidas para a prossecução imediata dos fins públicos, para as formas de actuação do Direito Público, não reconhecendo uma possibilidade de escolha da Administração entre o Direito Público e o Direito Privado.Pelo contrário, uma segunda solução será a de permitir a "mudança de "círculo jurídico" ("Rechtskreiswechsel") ou seja, permitir a actuação segundo o Direito Privado, mas obrigar a Administração a, a par das normas jurídico-privadas, ter em consideração certas normas princípios gerais do Direito Público. 162 89 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Ao apresentar o estudo sobre conceito e finalidade e fins da Administração Pública no cenário Brasileiro, é preciso registrar, logo no início, que os fins da Administração Pública estão condicionados aos fins do Estado163. Como bem acentua Hely Lopes Meirelles, "em sentido lato, administrar é gerir interesses, segundo a lei, a moral e a finalidade dos bens entregues à guarda e conservação alheias. Se os bens e interesses geridos são individuais, realiza-se a administração particular; se são da coletividade, realiza-se administração pública"164. É possível administrar bens próprios ou de terceiros. Em se tratando de administração pública têm-se a administração de valores pertencentes a toda a uma coletividade. Assim, se para a administração de bens particulares, é necessário administrar com eficiência, muito mais, o será quando se tratar de administrar a coisa pública. Lembra-se, uma vez mais, que a não aplicação do princípio da eficiência na esfera pública será muito mais gravosa que na administração particular, vez que, em conseqüência da ineficiência inúmeras pessoas serão atingidas. “Para analisar e compreender as formas actuais da actividade jurídico-privada da Administração Pública é fundamental ter presente a relação que sempre existiu entre, por um lado, os fins do Estado e, por outro, as funções, as formas de organização e as formas de actuação da Administração Pública.165 Assim, no Estado Absoluto166 a Administração Pública não existe enquanto um ente individualizável. Está enfeixado na mão do poder soberano o direito de legislar, julgar e executar. Tem como característica a identidade entre a vontade do rei e a lei. A liberdade individual é constantemente ameaçada, não existe um limite para o 163 neste sentido Maria João Estorninho, (op.cit. 17), nos lembra que : Existe uma relação inevitável entre os “modelos de Estado” e as teorias das formas de actuação da Administração Pública. Na verdade, o “modelo de Estado” adoptado em certo momento e em certo local determina, desde logo, as funções que incumbem à respectiva Administração Pública. 164 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros Editores. 28ª edição. Brasil.2003.p.83. 165 ESTORNINHO, Maria João. Op.cit.p.17. 166 Cfr.assinala Diogo Freitas do Amaral ( Curso de Direito Administrativo. 2ª edição. Vol.I .Ed. Almedina.Coimbra. 1994) O Estado absoluto é o subtipo do Estado moderno característico da fase da Monarquia absoluta – particularmente, de meados do século XVIII. Os seus principais aspectos políticos são : centralização do poder real; enfraquecimento da nobreza, ascensão da burguesia; não convocação das Cortes; a vontade do Rei como lei suprema (L’Etat c’est moi); culto da razão de Estado; incerteza do direito e extensão máxima do poder discricionário (“Estado de polícia”); o Estado como reformador da sociedade e distribuidor das luzes – o depotismo esclarecido”, recuo nítido em matéria de garantias individuais face ao Estado. 90 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa poder. Não existem garantias para os particulares, há uma centralização do poder político e administrativo. A res pública não é administrada com fins a persecução do interesse geral, mas sim, com fins claros de beneficiar uma minoria. Daí a inexistência de um poder vinculado, a vontade do soberano é a máxima vontade da lei, só existe o poder despótico. Neste período, conforme registra Diogo Freitas do Amaral “novos e importantes avanços têm lugar no crescimento e aperfeiçoamento da máquina administrativa” 167. A título de exemplo o autor cita a expansão dos grandes serviços públicos nacionais em França. Entretanto, não obstante ao crescimento, registra o mesmo autor que “o ponto mais fraco deste imponente sistema administrativo é o modo de recrutamento e promoção do funcionalismo público – por favoritismo, que não pelo mérito”168 , ou seja, a coisa pública era tida como propriedade particular daqueles que detinham o poder169. No Estado Liberal em face da adoção do princípio da separação de poderes, a Administração Pública assume um novo traço, estando subordinada a lei. Não obstante, reconhecer que “em larga medida, a máquina (política e administrativa) do Estado constitucional é a mesma do Estado de polícia” 170, no Estado Liberal “há duas idéias fundamentais a considerar: a idéia de liberdade e a idéia de separação de poderes”171. Não existe a figura do Estado prestador, mas apenas garantidor da liberdade. A Administração Pública se organiza para cumprir a função de defesa e proteção. Da necessidade de limitação do poder, nasce a teoria da separação de poderes, e como fruto desta evolução, vão se criar os tribunais administrativos e o direito 167 AMARAL,Diogo Freitas.op.cit.67. AMARAL, Diogo Freitas.op.cit.p.67. 169 sobre o tema Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional,Tomo I,7ª edição Coimbra Editores.2003.p.80) registra que usualmente é comum distinguir dois subperíodos na evolução do absolutismo. Num primeiro, que se estende até princípios do século XVIII, a monarquia afirma-se de “direito divino”. O rei pretende-se escolhido por deus, governa pela graça de Deus, exerce uma autoridade que se reveste de fundamento ou de sentido religioso. Numa fase subseqüente, embora essa referência básica se mantenha a nível de consciência jurídica da comunidade, vai procurar-se atribuir ao poder fundamentação racionalista dentro do ambiente de iluminismo dominante. É o “despotismo esclarecido” ou, noutra perspectiva, em alguns países, o “Estado de polícia” (tomando-se então o Estado como uma associação para a consecução do interesse público e devendo o príncipe, seu órgão ou seu primeiro funcionário, ter plena liberdade nos meios para o alcançar). 170 MIRANDA,Jorde. Manual de Direito Constitucional. Tomo I. 7ª edição. Coimbra Editora.2005.p.84. 171 ESTORNINHO.Maria João.op.cit.p.30. 168 91 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa administrativo172. “Administrar converte-se em sinônimo de executar as leis”173.Os administrados passam a ver de forma nítida seus direitos perante a Administração. Nasce para o cidadão o direito de recorrer aos Tribunais Administrativos em caso de violação ao direito subjetivo174. A administração fica incumbida de tarefas executivas, cabendo ao judiciário a função jurisdicional e ao legislativo o papel de elaboração das leis. Neste período, conforme lembra Diogo Freitas do Amaral, “são criadas as escolas de formação de funcionários”, há uma preocupação com a eficiência e a eficácia dos serviços prestados pelo Estado. Acrescenta, ainda, o mesmo autor, “o funcionalismo é recrutado com base na competência, segundo o modelo prussiano175 e submetido a um regime de estrita obediência hierárquica ao poder político”176. Verifica-se a presença de uma Administração preocupada com o primado da eficiência, mas com os contornos de um Estado que tem por fim assegurar tão somente o direito de liberdade do cidadão. O Estado neste momento histórico tem a função precípua de defesa, sendo demissionários da função de prestação material. Na função de defesa o Estado não assegura aos administrado o primado da igualdade, nesta fase a igualdade é apenas no plano formal. No Estado Social, a um avanço na história dos direitos humanos, sendo assegurados, também, direitos sociais, econômicos e culturais. A Administração Pública avança, tendo que ampliar a sua estrutura organizacional para acompanhar os novos fins delineados pelo Estado Social. No Estado Social, além da função de defesa, tem-se a função de proteção e prestação. Não mais um Estado do laissez faire, mas a um Estado de Bem Estar Social. Tem-se o alargamento dos fins do Estado, estando associado, também, a 172 sobre o tema consultar Maria João Estorninho.op.cit.p.31. AMARAL.Diogo Freitas.op.cit.p.71. 174 crf. Diogo Freitas do Amaral.op.cit.71. 175 cfr. Diogo Freitas do Amaral (op.cit.p.68) foi a “Prússia, onde logo no século XVII se reconheceu a necessidade de se colocar ao serviço do Estado um corpo de funcionários competentes e profissionalizados, altamente disciplinados e hierarquizados, e por isso recrutados apenas com base no mérito. O sistema foi profundamente melhorado com Frederico Guilherme I (1713-1740), que criou as primeiras cadeiras de cameralismo – ou ciência da administração – nas Universidades Alemãs; que exigiu o correspondente diploma como requisito de acesso à função pública superior; que introduziu exames de admissão ao funcionalismo; que proibiu as acumulações do emprego público com o privado; e que excluiu a transmissibilidade patrimonial dos cargos público. 176 AMARAL.Diogo Freitas. Op.cit.p.72. 173 92 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ampliação dos fins da Administração. Esta tem por objetivo primordial a implantação do princípio da igualdade, é preciso agir com eficiência para atender aos fins do Estado. No Brasil, quando o Estado Social começa a ser delineado, já caminha para uma nova forma de Estado, denominado por alguns de Estado Neoliberal. Neste a Administração Pública retrocede na sua estrutura organizacional, com a privatização dos serviços públicos, há uma atrofia das funções do Estado, e via de conseqüência da Administração. Volta a existir um distanciamento entre o cidadão e a Administração, já não consegue vislumbrar com clareza quais são os seus reais direitos subjetivos, fica turva a visão. Já não se sabe mais quais as regras que deverão ser aplicadas em caso de conflito, principalmente no que tange as necessidades coletivas. Há um contraste entre o Estado absoluto, o Estado Liberal, Estado Social e o novo modelo que se propõe. Entretanto, esta não é a vontade geral expressa no modelo constitucional adotado pelo povo Brasileiro. É preciso implantar um modelo de Administração eficiente, mas este não será alcançada se houver uma privatização em massa dos serviços públicos, inclusive, dos essenciais. O gerenciamento da res pública deve permanecer nas mãos do Estado. Um Estado que somando os pontos positivos do Estado Liberal ao Estado Social se coloque como um novo Estado, prestador e garantidor dos direitos fundamentais sociais, em especial do direito à educação e à saúde. Conforme adverte Maria João Estorninho “ de facto, parece haver um novo espírito nas relações entre a Administração e os particulares: se no Estado Absoluto o Administrado era encarado como “súbdito”, no Estado Liberal como “cidadão” e no Estado Social como “utente” de uma Administração prestadora, neste Estado dos anos noventa, na minha opinião, o administrado parece começar a ser encarado essencialmente como “consumidor” ou “cliente” de uma Administração “gestora”177. Acrescentamos a idéia da autora que, no Brasil, especificamente o novo modelo que se propõe de Administração, com a atrofia das funções do Estado, essa figura 177 ESTORNINHO,Maria João.op.cit.p.14. 93 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa do administrado de consumidor ou cliente, principalmente nas áreas essenciais como saúde e educação deve ser entendida como cidadão-utente. Este deve não só ser respeitado, mas ver atendidas as suas necessidades primeiras por saúde e educação, condição de pleno exercício da cidadania. Neste novo modelo de Administração que se propõe, ou seja, uma Administração eficiente, o cidadão deve continuar a ser visto como titular de direitos públicos subjetivos, inserido num corpo social em que todos indistintamente devem ter seus direitos fundamentais assegurados. Não mais um indivíduo ou uma classe social como sujeito de direitos, mas toda uma coletividade, o tudo para todos. CAPITULO V O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SUA INTERAÇÃO COM OS DEMAIS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO INSTRUMENTOS PARA A EFETIVAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE O Princípio da eficiência, por si só, não garante que se tenha uma administração eficiente. É necessário, aplicar o mesmo, associado aos demais princípios constitucionais e constitucionais administrativos. Este não pode ser analisado dissociado da evolução do Estado e sua Finalidade, da criação da Administração Pública e principalmente dos princípios administrativos que devem nortear toda ação nesta seara. Numa visão mais ampliada, será trabalhado individualmente cada princípio delimitado pela pesquisa e sua interação e importância com o princípio da eficiência. I. Princípio da dignidade da pessoa humana 94 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa A força do princípio da dignidade da pessoa humana, dentro da construção de edifício jurídico,aparece estampada no Título I – Dos Princípios Fundamentais, artigo 1º da Carta Política, constituindo-se como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. De igual modo, o princípio da dignidade da pessoa humana foi consagrado na Declaração Universal de 1948, em seu art.1º, quando dispõe que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Trata-se da condição primeira para se efetivar os objetivos da República, principalmente para a construção de uma sociedade justa, livre e igualitária. Robert Alexy em seu estudo singular sobre os princípios conclui: “ Los princípios ordenam que algo debe ser realizado en la mayor medida posible, tiniendo en cuenta las possibilidades jurídicas e fáticas”178 José Afonso da Silva define os princípios fundamentais do Título I da Constituição como “mandamento nuclear de um sistema”.179 Para Rizzato Nunes o princípio da dignidade da pessoa humana “é um verdadeiro supraprincípio constitucional que ilumina todos os demais princípios e normas constitucionais e infraconstitucionais”.180 Assim, o princípio da dignidade da pessoa humana pode ser conceituado como o princípio dos princípios, “a pedra angular do Estado Social de Direito, quer isto dizer que, o homem é o centro e o fim de todas as atividades desenvolvidas no seio social”181. Dalmo de Abreu Dallari assinala que “ apesar das lições da história e de afrontar o óbvio – a pessoa humana é o primeiro dos valores-, muitas pessoas levadas pelo egoísmo essencial referido por Kant, dominadas pela ambição de mais poder, mais riqueza ou mais prestígio político e social, agem como se a pessoa humana fosse apenas um “meio”, que se pode utilizar para a consecução de algum fim eleito como prioritário”182 178 Robert Alexy.ob.cit.p.86 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição. Malheiros Editores. Brasil 2003.p.91 180 NUNES, Rizzato. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Editora Saraiva. Brasil. 2002. p. 50. 181 SAMPAIO, Nícia Regina. A Saúde como Direito Fundamental. Relatório Apresentado a Disciplina de Direitos Fundamentais. Da Faculdade de Direito. Da Universidade de Lisboa. P.61 182 DALLARI, Dalmo de Abreu. Ética Sanitária. Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Organizado po Márcio Iorio Aranha e Sebastião Botto de Barros Tojal. Reforsus. Ministério da Saúde. Governo do Brasil. 128 179 95 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Delimitar o conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana é uma tarefa árdua, sobre qual temos que debruçar um esforço continuo, em face da grandeza deste183. Fazendo um estudo etimológico do vocábulo dignidade, encontramos a sua origem no latim, representada pela expressão dignitãs, ou seja, “facto de ser digno, merecedor, mérito, merecimento. Consideração, estima, prestígio, dignidade, honorabilidade // esse in otio cum dignitate, Cir., gozar a tranqüilidade cercada de 184 consideração.” Nesta seara, o princípio pode ser entendido como sendo aquele que coloca a pessoa humana no Centro . “O homem, ser social, merece do Estado e dos demais indivíduos da sociedade, todo o respeito e consideração, devendo ser tratado sempre como o fim de todas as coisas e não como o meio”185. Além de princípio de toda atividade humana, este também se reveste do caráter de direito fundamental, na medida em que, mesmo quando o individuo é privado de sua liberdade de ir e vir, não se lhe retira em hipótese alguma o direito a ser tratado com dignidade. “Com isso o princípio básico da “dignidade da pessoa humana” interroga os “efeitos horizontais”(Drittwirkung), decorrentes da vis expansiva dos direitos fundamentais, não apenas juridicamente, mas também ético-socialmente”186. “Não mais e apenas a limitação e coordenação das liberdades individuais como conteúdo – e a sua limitação exclusiva à esfera do Estado - , antes a delimitação e realização de tarefas de bem-estar social”.187 A dignidade da pessoa humana engloba necessariamente respeito e proteção da integridade física e emocional (psíquica) em geral da pessoa...” Neste sentido, “ é 183 Neste mesmo sentido, Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional , 13ª edição, Malheiros Editores, Brasil, 2003,p.293) leciona que : Os princípios baixaram primeiro das alturas montanhosas e metafísicas de suas primeiras formulações filosóficas para a planície normativa do Direito Civil. Transitando daí para as Constituições, noutro passo largo, subiram ao degrau mais alto da hierarquia normativa. 184 Dicionário de Latim Português , Dicionários Editora, Porto Editora, Por António Gomes Ferreira, Porto, Portugal,1994. 185 SAMPAIO,Nícia Regina. A Saúde como Direito Fundamental. Relatório Apresentado a disciplina de Direitos Fundamentais. Ciências Jurídico-Política. Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Portugal.p.61. 186 DENNINGER,E., Sicherheit/Vielfalt/Solidaritat:Ethisierung der Verfassung?,in ULRICH K. PREUSS (ed.), “Zum Begriff der Verfassung. Die Ordnung des Politischen”,Francoforte sobre o Melo, 1994,pp.95 ss.Apud Cristina M. M. Queiroz. In Direitos Fundamentais, Teoria Geral. Coimbra Editores. Faculdade de Direito da Universidade do Porto.2002.p.57. 187 ibidem, e Jurgen Habermas, Faktizitat und Geltung,p.204 .Apud Cristina M.M. Queiroz. Op.cit.p.57 96 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa qualidade integrante e irrenunciável da condição humana, devendo ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida.”188 O princípio da dignidade da pessoa humana é a base sobre a qual será construída toda motivação humana para se fazer com eficiência. Todas as vezes que o Estado Social for chamado a intervir, seja na função de defesa, proteção ou prestação, através de um de seus agentes públicos, deverá agir tomando por fundamento o princípio dos princípios. A plena consciência, por parte dos agentes públicos, de que o homem deve ser sempre o fim de toda atividade na área pública e não o meio para se alcançar objetivos escusos, levará a produção de ações eficientes com resultados eficazes para todos. “Assim, portanto, objetivos econômicos, políticos, científicos, sociais ou de qualquer espécie, que afetem os seres humanos, deverão ser considerados sempre “meios” subordinados ao fim que é a pessoa humana com sua dignidade”.189 No mesmo sentido, Chaim Perelman pondera: “ Se é o respeito pela dignidade da pessoa humana que fundamenta uma doutrina jurídica dos direitos humanos, esta pode, da mesma maneira, ser considerada uma doutrina das obrigações humanas, pois cada um deles tem a obrigação de respeitar o indivíduo humano, em sua própria pessoa bem como na das outras. Assim também o Estado, incumbido de proteger esses direitos e de fazer que se respeitem as obrigações correlativas, não só é por sua vez obrigado a abster-se de ofender esses direitos, mas tem também a obrigação de criar as condições favoráveis ao respeito à pessoa por parte de todos os que dependem de sua soberania”190 Dessa forma, para que um ser humano possa gozar plenamente de sua dignidade, é preciso que o Estado Social caminhe a passos largos para a efetivação dos direitos fundamentais. Conforme se infere pelas reflexões de Rizzato Nunes, “ como é que 188 SARLET,Ingo Wolfgang . Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p.152. 189 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op.cit.p.129. 190 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito. Tradução de Maria Ermantina Galvão.Editora Martins Fontes. São Paulo. 2002. p.401. 97 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa se poderia imaginar a que qualquer pessoa teria sua dignidade garantida se não fosse assegurada saúde e educação?”191 Neste sentido, quanto mais se aproxima o contexto social do mundo legal , tanto mais dignidade para a pessoa humana. Na seqüência das idéias, pode-se dizer, por outras palavras que, quanto mais agirmos com eficiência na prestação dos serviços e ações de saúde, teremos mais saúde e via de conseqüência mais vida com dignidade. II. Princípio da igualdade O princípio da igualdade compõe a outra face da moeda, em que de um lado figura o princípio da eficiência. A racionalidade na utilização dos recursos disponíveis, associado a metas estabelecidas com fundamento em um planejamento estratégico eficiente, contribuirá para a promoção de mais justiça social. No momento em que se caminha para a promoção de mais justiça social, concomitante se estará produzindo mais igualdade. João Caupers lembra que o princípio da igualdade, inscrito nos artigos 13º e 266º, nº 2, da CRP, obriga a Administração a Administração Pública a tratar igualmente os cidadãos que se encontrarem em situação objectivamente idêntica e desigualmente aqueles cuja situação for objectivamente diversa192. Este princípio deve ser bem compreendido. Deve ficar clara que não se está dando uma margem de discricionariedade ao administrador para que possa decidir, por exemplo, entre aquele que deve viver ou morrer. Neste sentido, acrescenta o autor, que o princípio envolve uma limitação ao exercício de poderes discricionários, constrangendo a Administração Pública à sua 191 RIZZATO, Nunes. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Editora Saraiva. Brasil. 2002. p. 51. 192 CAUPERS, João. Introdução ao Direito Administrativo. 6ª edição.Editora Âncora.Lisboa. 2001.p.81. 98 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa utilização uniforme em circunstâncias idênticas (a alínea d) do nº 1 do art. 124º do CPA, tem o objectivo de possibilitar a verificação do respeito por esta obrigação.193 A fim de aclarar o que foi dito, a título de exemplo, deve ser registrado que, o Ministério da Saúde no Brasil estava preparando norma técnica, que tratava da possibilidade, de conceder àqueles que tem mais possibilidade de sobrevivência, o direito de ocupar os leitos disponíveis, ou que estes fossem submetidos as cirurgias necessárias, enquanto que os mais velhos e em estado de enfermidade grave, fossem encaminhados para a casa , a fim de morrer no seio da família 194. A proposta do Ministério da Saúde foi questionada pelos meios de comunicação, tendo o governo federal recuado imediatamente na sua proposição.Por certo este não é o sentido e objetivo do princípio da igualdade. Pelo contrário, em se tratando da vida humana, todos os recursos colocados à disposição da Administração Pública devem ser utilizados em busca da promoção do bem comum, o que implica, neste caso, inclusive, a aquisição de leitos de UTI na rede privada, objetivando a preservação da vida humana. Na verdade, com o encaminhamento da norma técnica, seus idealizadores estavam tentando dar solução ao problema, sem dar, ou seja, estavam trabalhando com as conseqüências. Na medida em que o País vive um clima de estabilidade, não estando submetido a nenhuma das calamidades provindas da natureza, como o caso da Tsuname, é possível e desejável que a Administração Pública atue fundamentada em um planejamento estratégico, evitando-se que o caos aconteça. Conforme já salientado, um planejamento estratégico, elaborado por pessoas eficientes e executado por pessoas eficientes produz mais justiça social, evitando que situações dramáticas como a apresentada pela proposta do Ministério da Saúde ocorra. 193 CAUPERS, João.op.cit.p.81. 194 Diz o correio Braziliense do dia 12 de abril de 2005 . SAÚDE Restrição de acesso a UTIs é criticada O governo quer impor normas para estabelecer, dentro do Sistema Único de Saúde, quais pacientes devem ser internados nas Unidades de Terapia Intensiva (UTIs). Médicos condenam a iniciativa. Dizem que essa atribuição cabe exclusivamente a eles. E que o certo seria investir na melhoria dos hospitais e não limitar o atendimento. 99 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Um planejamento eficiente no setor saúde, significa um investimento pesado na área da prevenção, evitando-se que a pessoa venha a adoecer. Diz o ditado antigo “é melhor prevenir do que remediar”. O acompanhamento da população de cada município, identificando previamente as principais causas pelas quais as pessoas estão adoecendo, associado a uma ação eficiente de controle dos vetores que levam a doença, permitirá um resultado bem diferente do que estamos vivenciando hoje no Brasil, ou seja, o que deu causa a preparação da combatida norma técnica que seria emitida pelo Ministério da Saúde. O que se deseja é a eficiência produzindo igualdade e dignidade. Na linha ora apresentada, JJ. Gomes Canotilho conclui que não há, pois, igualdade no não direito. Reduzido a um sentido formal, o princípio da igualdade acabaria por se traduzir num simples princípio de prevalência da lei em face da jurisdição e da administração.195 E, acrescente o autor que o cerne do problema permanece irresolvido, qual seja, saber quem são os iguais e quem são os desiguais196 O que o Ministério da Saúde estava propondo, através da elaboração da norma técnica, era um não direito, tirando a vida de uns para se salvar outros. Uma antecipação da morte de uns para o prolongamento da vida de outros. O que por certo não se traduz nem na igualdade formal pretendida pela lei e, muito menos na igualdade material almejada pelo Estado Social. Cabe lembrar, conforme preleciona Jorge Miranda que “o sentido primário do princípio é negativo : consiste na vedação de privilégios e de discriminações”197. Estes são as premissas sobre as quais devem assentar todas as ações realizadas com o fim de se promover a igualdade. Neste mesmo sentido, o mesmo autor elenca três pontos firmes, que traduzem o sentido da igualdade, são eles: a) que igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade natural ou naturalística; 195 CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Editora Almedina. p. 427 196 CANOTILHO. J.J.Gomes.p. 427. 197 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Tomo IV. 3ª edição.Coimbra Editora. 2000.p.238. 100 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa b) que igualdade significa intenção de racionalidade e, em último termo, intenção de justiça; c) que igualdade não é uma “ilha”, encontra-se conexa com outros princípios, tem de ser entendida – também ela - no plano global dos valores, critérios e opções da Constituição material198. Por tudo o que foi dito, temos que considerar que todas as vezes que o princípio da eficiência for violado, por via indireta estará sendo violado, também, o princípio da igualdade. Num raciocínio lógico, tem-se que quanto mais investimento em recursos humanos qualificados, racionalização de custos, que tenham como alicerce um planejamento bem elaborado estará se contribuindo para a promoção de mais igualdade e justiça social, em ponto diametralmente oposto, a atuação ineficiente, compromete a promoção da igualdade e justiça social. Transformando palavras em números, temos , a titulo de exemplo no Brasil, segundo dados do DATASUS que a cada R$1,00 investido na prevenção, têm-se uma economia de R$4,00 na área curativa. Isto traduzido em vidas humanas representará cifras assustadoras, conforme descreve a matéria jornalística seguinte: “ Terror maior que o disseminado por Osama Bin Laden nos países desenvolvidos ocorre nas nações do terceiro mundo que sofrem as mazelas da falta de saneamento básico: 913 crianças por hora, 15 por minuto ou uma cada quatro segundos morrem no mundo por doenças relacionadas à falta de saneamento. Segundo o Datasus, 20 crianças de zero a quatro anos morrem por dia no Brasil em decorrência da falta de saneamento básico, principalmente de esgoto sanitário. Em compensação, para cada R$ 1,00 investido no setor de saneamento, economiza-se R$4,00 na área da medicina curativa.”199 Segundo os dados apresentados, temos que a ineficiência do poder público Brasileiro é responsável por 7.300 mortes de crianças de zero a quatro anos. 198 MIRANDA, Jorge.op.cit.p.238. SENA, A., Falta de Saneamento Básico causa mais mortes que as guerras. Gazeta Mercantil. São Paulo.p.2,16 out. 2001. 199 101 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa “Dados de saneamento básico também ganham importância porque representam enorme impacto sobre a mortalidade infantil. Entre as famílias com renda per capita mensal de até meio salário mínimo, a taxa de mortalidade infantil em famílias que dispunham de infra-estrutura adequada em termos de rede geral de água e de esgoto ou fossa séptica, era de 51,6 por mil nascidos vivos; no segundo caso, das famílias sem acesso a essa infra-estrutura, a taxa se eleva para 107,9 por mil nascidos vivos”200 Assim, quando a Constituição formal, no art. 5º diz que “todos são iguais perante à lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, vê-se com clareza que se trata de um ideal a perseguir pelo Estado Social, mas que ainda está longe de se concretizar. Nesta seara, uma atuação eficiente, pautada em valores éticos pode contribuir para a mudança do estado de coisas atualmente presentes. III. Princípio da legalidade O princípio da legalidade foi inserido no texto constitucional brasileiro, no art. 37 quando diz o seguinte: A Administração pública dieta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência...” Este princípio impõe a Administração Pública direta e indireta o dever de obediência à lei, ou por outras palavras, buscar a concecussão do interesse público sempre balizada na lei. Apartir da entronização do princípio na carta constitucional fica evidenciado que enquanto para o administrado vige o princípio da liberdade, ou seja, de que pode fazer tudo o que a lei não proíbe, para a Administração pública direta e indireta vigora o princípio da legalidade, ou seja, somente pode fazer aquilo que é determinado pela lei. 200 PEREIRA,Cláudia Fernanda de Oliveira. Op.cit.p.313. 102 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O princípio da legalidade representa um divisor de águas entre a atuação administrativa que gerenciava a coisa pública sem parâmetros ou regras previamente definidas, como o que se via na monarquia absoluta, e a atuação administrativa que tem o condão de perquerir o interesse público tendo como fundamento os ditames da lei, como aconteceu no Estado Liberal. Por essa característica pode-se dizer sem sombra de dúvidas que este é um dos princípios mais importantes dentre os aplicáveis a Administração pública. Ao pensarmos no princípio da legalidade, imediatamente o pensamento viaja até a revolução francesa e seus ideais. O princípio da legalidade emerge no século XIX estabelecendo que a Administração fica subordinada à lei. “ A lei aparece, portanto, como um limite da acção administrativa: esta não pode praticar quaisquer actos que contrariem as normas legais”201. Com a evolução da sociedade, houve também uma evolução do conteúdo essencial do princípio da legalidade. Hodiernamente, este princípio tem recebido de alguns autores a denominação de princípio da juridicidade, ou seja, conforme lição de Diogo Freitas do Amaral, in verbis: “A Administração pública deve respeitar a lei ordinária, sem dúvida, mas deve respeitar também : a Constituição, o Direito Internacional que tenha sido recebido na ordem interna, os princípios gerais de Direito enquanto realidade distinta da própria lei positiva e ordinária, os regulamentos em vigor, e ainda, os actos constitutivos de direitos que a Administração pública tenha praticado e os contratos de administrativos e de direito privado que ela tenha celebrado, pois uns e outros constituem também uma forma de vinculação da Administração pública que é equiparada à legalidade”. No mesmo sentido, Garcia de Enterría lembra que : “quanto ao conteúdo das leis, a que o princípio da legalidade remete, fica também claro que não é tampouco válido qualquer conteúdo (dura lex, sed lex), não é qualquer comando ou preceito normativo que se legitima, mas somente aqueles que 201 AMARAL, Diogo Freitas. Curso de Direito Administrativo. Vol.II. 2ª Reimpressão. Editora Almedina. 2003.p.44. 103 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa produzem “dentro da constituição” e especialmente de acordo com sua “ordem de valores” que, com toda explicitude, expressem e, principalmente, que não atentem, mas que pelo contrário sirvam aos direitos fundamentais”202. A questão que se apresenta quando se inícia o estudo do princípio da legalidade e sua compatibilidade com o princípio da eficiência é se a despeito de assegurar uma administração prestacional dos serviços e ações de saúde para todos, como exemplo, estaria a Administração pública dispensada da obediência ao princípio da legalidade. Ou ainda, se para se alcançar a eficiência na Administração Pública poderia-se atropelar o ordenamento jurídico garantido a eficácia da ação, independentemente da previsão legal que amparasse a ação administrativa. Existe ou não incompatibilidade entre os dois princípios? Não existe uma incompatibilidade, ao contrário, estes se somam e se completam. Neste particular, chamamos a atenção para a Administração Pública que deve prestar bens e serviços à coletividade de forma planejada, ordenada, segura e impessoal. O próprio ordenamento jurídico prevê de que forma e em que medida o Estado prestacional deve atender as necessidades coletivas. Cria-se o regramento para atingir o interesse público, contudo, o que se vê é uma administração pública amadora, que aplica recursos públicos como se o recurso fosse do outro e não de todos e em beneficio de todos. Com a evolução das formas típicas de atuação administrativa, também, devem ser revigorados e atualizados os conteúdos dos princípios constitucionais administrativos. No Estado Social a atuação administrativa consiste também em obedecer ao planejamento previamente elaborado para a prestação dos bens e serviços à coletividade. Maria João Estorninho ao desenvolver o tema da classificação das diversas formas de atuação administrativa registra que. 202 GARCIA DE ENTERRÍA, Eduardo. Princípio da legalidade na constituição espanhola. Revista de Direito Público, nº 86,p.6 Apud Alexandre de Moraes. Direito Constitucional. Décima segunda edição. São Paulo. 2002. Editora Atlas. P. 69. 104 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa “ Finalmente, no Estado Pós-social, que parece querer assumir-se como «Estadogarante», a Administração Pública, sob o lema «faire-faire», torna-se essencialmente uma entidade gestora e assume tarefas de planeamento, fomento e controlo («planende Verwaltung»)”203. Quando a Administração executa a prestação dos serviços deve previamente planejar a forma como será prestada e os recursos que serão gastos ou investidos. A Administração para contrair despesas deve se respaldar numa lei administrativa que lhe permita a execução. Logo, o princípio da legalidade vige, tanto na administração agressiva como na administração constitutiva ou prestacional. O que importa ressaltar é que a nova forma de atuação da administração, do Estado Póssocial não pode ficar inerte como acontecia no Estado Liberal, demissionário das prestações essenciais, e nem tampouco assumir o papel de prestador incondicional de qualquer serviço que entenda essencial para a sociedade, como no Estado Social, é preciso mais, que as regras de planejamento sejam também observadas pela Administração Pública seja no exercício da atuação administrativa agressiva ou prestacional. Na área da saúde pública, por exemplo, no Brasil, existem vários instrumentos de planejamento alicerçados no princípio da legalidade e rotineiramente desrespeitados pela Administração na prestação dos serviços e ações de saúde. Os secretários de saúde e o corpo funcional que compõem a área, atuam, de uma forma geral, no amadorismo, ou seja, vamos fazer para ver se vai dar certo. O Plano de ação que deve ser executado no período de quatro anos, é feitos fora dos padrões legais, não se observa dados importantes como o perfil epidemiológico para se construir metas viáveis e com resolutividade para a sociedade e, ainda, o que é pior, estes planos sequer saem das gavetas. Por tudo o que foi dito, o princípio da legalidade, que nasce com o Estado Liberal permanece vivo e presente no Estado Social e Pós-Social, constituindo um dos balizamentos para se assegurar, também, a aplicabilidade do princípio da eficiência. 203 ESTORNINHO, Maria João. A Fuga para o Direito Privado. Coleção Teses. Livraria Almedina. Lisboa.1999.p.102. 105 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa IV. Princípio impessoalidade O princípio da impessoalidade está consagrado no artigo 37 na Constituição Federal de 1988, traduzindo a vontade geral de que a res pública seja conduzida por valores supremos como dignidade da pessoa humana e cidadania, ou seja, principalmente voltada para o primado da igualdade. Vendo o princípio da impessoalidade como uma das faces de uma moeda, pode-se aferir que na outra face, imanente a este, estará o princípio da igualdade. O exercício continuado do princípio da igualdade deve ter por origem uma atuação impessoal, de caráter geral, de promoção do bem de todos. Celso Antonio Bandeira de Mello identifica o princípio da impessoalidade ao princípio da igualdade, quando leciona que :“o princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia”.204 Buscando o sentido etimológico da palavra impessoal, temos segundo o dicionário Aurélio, o seguinte significado: “ que não se refere ou não se dirige a uma pessoa em particular, mas às pessoas em geral”205. Para José Afonso da Silva o princípio da impessoalidade da administração Pública significa que “ os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário”.206 Não obstante a hermenêutica jurídica referir que o princípio da impessoalidade se dirige num primeiro plano aos órgãos ou entidades administrativas, não se deve desconsiderar que a Administração em sentido orgânico somente pode concretizar seus objetivos através do corpo funcional. Os objetivos a serem perseguidos pela Administração Pública serão sempre definidos previamente por homens. Estes, podem estar imbuídos de motivações de caráter essencialmente impessoal, de prossecução do bem estar coletivo, mas podem também estar revestidos de motivações egoísticas, comprometendo a função precípua da Administração Pública. 204 MELLO, Celso Antonio de. Curso de Direito Administrativo. 15ª edição. Malheiros Editores. Brasil. 2003. p. Dicionário Mini Aurélio. Século XXI.Editora Nova Fronteira. 5ª edição. Rio de Janeiro. 2002. 206 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22ª edição. Malheiros Editores. Brasil. 2003. 647. 205 106 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Desta forma, o princípio se relaciona diretamente ao órgão ou entidade, mas, também, e principalmente ao corpo funcional. “Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento”. 207 Em outras palavras,todas as vezes que a vontade do governo não tiver identidade com o a vontade estatal, ou seja, a prossecução do interesse geral, a Administração Pública não estará agindo com fundamento no princípio da impessoalidade. De outra forma, todas as vezes que a ação do agente público não tiver por fim a concretização do interesse público, por detrás desta, haverá uma motivação de caráter impessoal, comprometida com valores que não foram constituídos para a construção de Estado Democrático de Direito. Na lição de Hely Lopes Meirelles, o princípio em estudo, nada mais é do que “o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal”208. E acrescenta, ainda, o mesmo autor, que “ a finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público”209 . Na linha do pensamento posto, temos que para alcançar os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, em especial, de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, é necessário que na busca do interesse geral, exista uma motivação precipuamente impessoal, moral e ética. Não se concebe, mesmo daqueles que ingressaram via concurso público para o exercício de um cargo público, que se aproprie da coisa pública, fazendo desta um patrimônio pessoal, ou um meio para auferir vantagens pessoais. Tem que se ter à perfeita compreensão de que a apropriação que se deve fazer é dos princípios e valores da República, jamais de seu patrimônio e prestigio. Uma atuação impessoal, ética e eficiência contribuirão para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, e , assim, concorre diretamente para a concretização do Estado Social. A redução das desigualdades 207 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª edição. São Paulo. Editora Atlas S.A. 2003.p.71. 208 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. Malheiros Editores. Brasil 2003. p. 90. 209 MEIRELLES, Hely Lopes. Op.cit.p.90. 107 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa social propiciará mais dignidade para todos e, via de conseqüência, também, mais saúde para todos. V. Princípio da motivação A análise do princípio da eficiência deve ser feita à luz dos demais princípios administrativos, dentre eles o princípio da motivação. O princípio da motivação é um pressuposto para a concretude do princípio da eficiência. A motivação pode ser fiel ao interesse público, ou conflitante, dependendo da finalidade que se pretende atingir210. Pode-se agir com eficiência para atender a interesses personalisticos, ou para se alcançar o interesse público. Nesse sentido terá que ser observado também e principalmente a finalidade do ato. Partimos da necessidade, que poderá gerar uma motivação, para depois percorrer um caminho de eficiência e atingir a finalidade. Motivação, eficiência e finalidade devem ser avaliadas em conjunto. Se a motivação que gerou a prática de um ato administrativo, mesmo que tenha uma face de eficiência, for estritamente individualista, a finalidade ou eficácia ficará comprometida, bem como a avaliação da eficiência do agente. De outra forma, se a motivação que deu impulso ao ato administrativo tiver por fundamento a busca do interesse público, com uma ação eficiente à finalidade será alcançada. “A finalidade terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público”.211 210 no mesmo sentido Hely Lopes Meirelles (op.cit.p.97) registra : “esses motivos afetam de tal maneira a eficácia do ato que sobre eles se edificou a denominada teoria dos motivos determinantes, delineada pelas decisões do Conselho de Estado da França e sistematizada por Jêse”. 211 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. Malheiros Editores. Brasil.2003. p. 90. 108 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O princípio da motivação não está previsto explicitamente no art. 37 da Constituição Federal de 1988, entretanto, já está consagrado pela doutrina e jurisprudência, bem como, por norma infraconstitucional. Na Lei nº 9.784/99 o princípio da motivação está previsto no art. 2º. Consta, também de outras leis, como a Lei nº 8.666/93 . Este “exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões”.212 Através da motivação vai se descortinar os reais objetivos perseguidos pelo agente que determinou a ordem. E esta que irá conduzir o fazer com eficiência. “ A sua formalidade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle da legalidade dos atos administrativos”.213 Cria-se um balizamento para todo ato administrativo, seja ele discricionário ou vinculado. Identificado o fundamento de fato e de direito das decisões administrativa, abrem-se as portas para o controle da legalidade dos atos administrativos214, bem como, para que a sociedade como um todo possa avaliar se o interesse público foi ou não o interesse que impulsionou o agente público. Neste sentido, pode-se dizer que o que motiva o indivíduo a agir com eficiência na esfera privada, em primeiro plano é a possibilidade de obtenção do lucro, com vias a manter, também, o próprio negócio. De outro ponto, o que impulsiona o indivíduo a agir com eficiência na esfera pública é o perfeito conhecimento do interesse público, a satisfação do bem comum. No primeiro caso, a satisfação do interesse que move o indivíduo a fazer com eficiência, recai em um benefício para a sua própria pessoa. Na segunda proposição, a satisfação do interesse, que move o indivíduo a atuar com eficiência, encontra eco no benefício de toda uma coletividade. Vê-se que na primeira hipótese, o interesse primário é eminentemente individualista, sendo que no segundo, o interesse primário deve vir revestido da promoção do bem estar coletivo. Daí a dificuldade de se implementar o segundo. A dicotomia presente, entre homem e sociedade, contribui para a inconcretude do princípio da eficiência. 212 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15ª edição. Editora Atlas S.A. São Paulo. 2003. p. 82. 213 DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Op.cit.p. 82. 214 Neste sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (op.cit.p.83) leciona que “ ...a motivação é fundamental para fins de controle da legalidade dos atos administrativos. 109 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Para que cada servidor público possa se apropriar do conteúdo deste princípio, e aplicá-lo a sua práxis é necessário que exista primeiro um movimento interior ético, uma motivação de fato, que compreenda a magnitude da busca incessante do interesse público. É preciso que exista uma compreensão de que “ o homem não existe isolado; vive ao lado dos seus semelhantes”215. Portanto, deve-se concluir que, as ações praticadas pelo homem, terão reflexo direto sobre o mesmo homem, mesmo que de forma indireta e, também, sobre as demais pessoas. Somente existirá um avanço para todos, na medida em que a motivação de cada ação, na área pública, tenha por fundamento a persecução do interesse público. Partimos da idéia de que atendidas as necessidades materiais da coletividade, por via indireta, também estará atendida a necessidade de cada individuo, inclusive daquele que deu início ao primeiro ato. Caso o ato administrativo praticado pelo agente, não esteja revestido de um ideal de consecução do interesse público, este deve ser declarado pelo Poder Judiciário como inválido. Neste viés, Celso Antônio Bandeira de Mello disse que “atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário toda vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas depois de impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiam ou foram aqueles que embasaram a providência contestada”216. VI. Princípio da publicidade 215 LESSA, Pedro. Estudos de Filosofia do Direito. Editora e Distribuidora Bookseller. 2ª edição. São Paulo.2002. p. 265. 216 DE MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. Malheiros Editores Ltda. Brasil. 2003. p. 103. 110 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O princípio da publicidade tem previsão legal no art.37, caput da Constituição Federal de 1988, sendo considerando pela doutrina, também, como princípio da transparência. Este é imanente a arte de administrar a coisa pública. No momento em que o Estado assume tarefas fins como administrar a coisa pública, deve prestar contas de seus atos do início ao fim, dando ciente a quem de direito sobre: O que faz? Com base em que faz? De que forma faz? E com quais recursos realiza o ato? A publicidade é condição de validade dos atos e contratos administrativos, seus efeitos são contados a partir de sua divulgação. Assim a "publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade"217. Como lembra Celso Antônio Bandeira de Mello, " não pode haver em um estado democrático de direito , no qual o poder reside no povo (art.1°, parágrafo único da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida"218. Nesta medida, o princípio da publicidade, quando rigorosamente cumprido, é um forte instrumento de controle dos atos públicos, colocado à disposição do povo em geral. O acompanhamento dos atos praticados pela Administração permite que atos eivados de nulidade ou que tenha fins diversos do interesse público possam ser questionados de imediato, evitando-se o desperdício e a corrupção com o dinheiro público. Em especial, no caso da saúde pública, este controle da execução das políticas de saúde, através dos atos devidamente publicados, pode ser efetivado pelo povo diretamente, através do controle social, Tribunais de Contas da União e Estados, Comissões de Saúde das Câmaras dos Deputados e de Vereadores, Ministérios Públicos dos Estados e Federal. Neste sentido, cabe aos órgãos de controle manter constante vigilância sobre as publicações oficiais, inclusive, para fiscalizar possível uso da máquina pública para benefícios individuais, como a campanha eleitoral. 217 218 MEIRELLES, Hely Lopes. op.cit.p.92. DE MELLO, Celso Antonio Bandeira.op.cit.p.104. 111 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Além de representar um forte instrumento de controle dos atos administrativos, o princípio da publicidade contribui diretamente para a concretização do princípio da eficiência, o controle dos resultados. Uma aferição constante das ações realizadas pelo poder público, através dos atos necessários à sua consecução, irá permitir uma economia para os cofres públicos, bem como, exigir daqueles que são responsáveis pelos atos uma agir com mais eficiência. Cumpre registrar, que a aferição constante dos atos de execução das políticas públicas na área da saúde, revertendo, quando necessário, o curso de atos manifestamente ilegais e imorais representa não só a economia para os cofres públicos, como também, mais saúde e vida para a coletividade. VII. Princípio da moralidade O princípio da moralidade administrativa está contemplado, também, no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988. O princípio encerra um conceito vago, sendo necessário o uso da hermenêutica para lhe definir o conteúdo e limite. Se toda lei fosse formulada com fundamento em critérios éticos e morais, o princípio em questão seria aplicado somente quando houvesse o descumprinto da lei. Entretanto, é conhecida a máxima de que nem tudo o que é legal é moral. No Brasil, inúmeras leis inconstitucionais e imorais são sancionadas, em total desrepeito ao mandamento constitucional, levando operadores jurídicos a um trabalho árduo para ver declarada a inconstitucionalidade destas normas. Não obstante a estes fatos narrados, a máxima deveria ser lida como: tudo o que é legal é, também, moral, pois formulada com fundamento no interesse público pré-estabelecido. De outro ponto, também, é sabido que por mais que o legislador fosse zeloso em seus afazeres, não seria possível a lei contemplar e regular todas as possibilidades 112 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa em que a Administração é chamada a intervir. Cabe, assim, a esta uma margem de discricionariedade, devendo incidir, neste particular, principalmente o princípio da moralidade, evitando-se a construção de um Estado paralelo. Segundo a definição do dicionário Soares Amora, moral se refere aos deveres e modo de proceder dos homens para com os seus semelhantes. Ética. 219 Neste sentido, pode-se entender o princípio da moralidade administrativa, que se difere do conceito de moral comum, como sendo o dever de agir segundo os critérios éticos e morais estabelecidos no mandamento constitucional. Esta contempla o código ético ditado pela sociedade de seu tempo sobre o modo de promover a justiça e igualdade social. Considerando, ainda, o princípio em estudo, temos que este nos remete ao dever de agir com probidade, honestidade, bons costumes e justiça. Na linha do pensamento de Marcello Caetano, o dever de probidade impõe assim ao funcionário uma conduta de absoluta isenção, de modo a que não seja suspeito de prevaricar, de deixar-se corromper ou de por outro modo ser infiel à entidade servida e aos interesses gerais que lhe cumpre realizar e defender220. O dever de probidade, honestidade e lealdade para com a coisa pública, não implica somente o dever de não lesar ao erário221, de não auferir qualquer vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego,etc...222, mas, também no dever de obediência aos princípios da administração pública.223 do entendimento posto, tem-se que o dever de probidade implica no cumprimento do dever de eficiência, ou seja, otimizar recursos, agir com responsabilidade e celeridade, trabalhar com profissionalismo e planejamento, recrutar servidores via concurso público, evitando que o ativo do conhecimento se 219 Minidicionário Sooares Amora da lingua portuguesa / Antonio Soares Amora. 17ª edição. São Paulo. Saraiva. 2003. 220 CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Vol.II.10ª edição. Livraria Almedina. Coimbra. 1991.p.750. 221 Segundo o artigo 10 da Lei nº 8.429/92: constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art.1º desta lei, e notadamente:... 222 Nos termos do artigo 9º : Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta Lei,... 223 Complementando, dispõe o art. 11 da Lei nº 8.429/92. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições e, ... 113 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa perca a cada eleição, a busca constante do interesse coletivo, a promoção dos direitos fundamentais. Enfim, a obediência ao princípio da moralidade implica na sujeição primeira aos princípios constitucionais administrativos da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. nos termos do art. 37, §4º da constituição federal, a prática dos atos de improbidade administrativa importarão na suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. Assim, a obediência ao princípio da moralidade estará presente, na medida em que cada integrante da Administração Pública exercite a sua função com austeridade e competência, contribuindo para a implementação dos direitos fundamentais, em especial, pelo direito fundamental social à saúde. Conforme leciona Gregório Robles, “hoy la ética se ha transformado en una necessidad radical, pues sin ella el gênero humano sucumbirá a la destrucción. Es preciso un nuevo pacto; el pacto que nos impulse a la contemplación de la humanidad como un todo y nos permita salvarmos juntos. No un pacto a favor del Estado, como los modernos, sino un pacto a favor de la humanidad”224. 224 ROBLES, Gregório. Los Derechos Fundamentales y la ética en la sociedad actual. Cuadernos Civitas. Editorial Civitas. S.A. Madrid.Espanã.1992.p.185. 114 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa CAPITULO VI PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA COMO UM INSTRUMENTO EFETIVO PARA A IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS, EM ESPECIAL O DIREITO À SAÚDE Após definir o conteúdo e limite do princípio da eficiência, assim como, compreender a evolução dos direitos fundamentais e a sua real importância para a sedimentação do princípio da dignidade humana, poderá ser estabelecido o elo de ligação entre a implementação do princípio da eficiência e a garantia do direito à saúde para todos. I. História dos direitos fundamentais O Direito Fundamental à saúde é um direito humano de segunda dimensão, segundo classificação doutrinária, aparecendo no cenário nacional com o Estado Social de Direito. 115 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Este pode ser estudado tomando por base a teoria histórica, filosófica, sociológica e pela dogmática jurídica. No caso em particular do presente estudo irá preponderar a análise do direito à saúde pela dogmática jurídica , sem contudo, desprezar o auxílio prestimoso e essencial das demais teorias mencionadas. Para uma compreensão preliminar da elevação do direito à saúde à categoria de direito fundamental, na Constituição Brasileira e em outros ordenamentos jurídicos, temos que seguir obrigatoriamente alguns passos da história dos direitos humanos. Estes, numa visão jusnaturalista225 são preexistentes a gênese do Estado, imanente a condição humana, sendo assegurado a todo ser humano pelo simples fato de existir.226 Não obstante a existência e valor desta corrente filosófica, a história da humanidade comprova que o desenvolvimento da sociedade e o nascimento do Estado levou a submissão de um ser humano por outro, a violação dos direitos inerentes a toda pessoa humana, não só pelo cidadão comum, como também pelos cidadãos eleitos para governar a coisa pública. Neste cenário, emerge a necessidade de limitação do poder, através de regras e princípios que tornem harmônica a convivência em sociedade. O marco histórico desta fase é a Magna Carta Libertatum, que surge na Inglaterra, na Idade Média. Nesta já estava assegurado ao cidadão Inglês o direito a um julgamento por uma corte judicial, respeitada as leis do pais. O art. 39º do referido documento assim proclamava: “ nenhum homem livre pode ser preso ou encarcerado, nem privado de sua propriedade, nem banido, nem perseguido por outra qualquer maneira. E não procederemos, nem faremos proceder contra ele, a não ser por força de uma sentença judicial, proferida pelos seus colegas de classe, ou conforme com as leis do país”. Os direitos reconhecidos pelo pacto tratado, apesar de direcionados apenas para uma camada estratificada da sociedade medieval, barões e bispos, sem dúvida 225 conforme ensina Ingo Wolfgang Sarlet, o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis, é o determinado perído préhistórico. 226 Os direitos humanos ,segundo leciona Hoffe, citado por Ingo wolfgang Sarlet, referem-se ao ser humano como tal (pelo simples fato de ser pessoa humana), ao passo que os direitos fundamentais (positivados nas Constituições) concernem às pessoas como membros de um ente público concreto.”p.35 116 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa foram os balizadores para o futuro dos direitos fundamentais na concepção hodierna. Contribuição idêntica podem ser atribuídas a outros documentos históricos, como o Habeas Corpus Act, de 1679, subscrito por Carlos II, e o Bill of Rights de 1689, promulgado pelo Parlamento, Declaração de Direitos do povo da Virginia, de 1776, Declaração Francesa de 1789, Constituição Americana de 1787. Na seqüência da história, principalmente após a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948,documento que reconhece os direitos sociais como direitos fundamentais para toda a humanidade, constituições que se seguirem a este período, passaram a dar um tratamento diferenciado aos direitos sociais, em especial ao direito à saúde, incluindo no rol dos direitos fundamentais. Deve ser assinalado, entretanto, que a Constituição Mexicana de 1917 foi que, por primeiro, sistematizou o conjunto de direitos sociais do homem, sendo seguida logo após, pela Constituição de Weimar de 1919. Esta reconhece não só a existência dos direitos individuais proclamados pelas revoluções americana e francesa, como, também, a existência de direitos sociais (direito ao trabalho, a assistência pública, do direito a instrução). Sobre a importância do movimento socialista para a implantação dos direitos sociais, Fábio Konder Comparato lembra que: “O reconhecimento dos direitos humanos de caráter econômico e social foi o principal benefício que a humanidade recolheu do movimento socialista, iniciado na primeira metade do século XIX. O titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização. Os socialistas perceberam, desde logo, que esses flagelos sociais não eram cataclismos da natureza nem efeitos necessários da organização racional das atividades econômicas, mas sim verdadeiros dejetos do sistema capitalista de produção, cuja lógica consiste em atribuir aos bens de capital um valor muito superior ao das pessoas”227. 227 COMPARATO. Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. III edição. Editora Saraiva. São Paulo.2003.p.53. 117 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Paulo Bonavides, em estudo sobre o tema, sintetiza que “ os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos de liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muito mais rica e aberta à participação criativa e à valorização da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade de valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda plenitude”228 II. O direito à saúde na Constituição Federal de 1988 Os direitos sociais aparecem pela primeira vez na Constituição Brasileira de 1934. Esta sob a influência da Constituição do México e de Weimar, começava a esboçar os primeiros passos para a consagração do atual estágio dos direitos sociais. Conforme disposto no art. da referida Carta, é assegurado...... Vê-se que no documento histórico estava presente a preocupação com a saúde pública, pois "enfocavam a morbimortalidade infantil, a higiene mental e a propagação das doenças transmissíveis229 O direito à saúde começa a ganhar os primeiros traços, que irão posteriormente compor o capítulo dos direitos sociais na atual Constituição. Da mesma forma, na década de 70 foram colocados os primeiros pilares do modelo de saúde que se pretendia para o Brasil do futuro. Assim é que "a década de 70 no Brasil é marcada pelo Movimento Sanitário de âmbito nacional, que nasceu entre grupos de profissionais de saúde que se 228 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.13ª edição.Malheiros Editores. Brasil.2003.p.565. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Direito Sanitário e saúde pública/ Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde . Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Márcio Iorio Aranha.(org) – Brasília: Ministério da Saúde . 2003. 2 v. 13. 229 118 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa opunham ao governo militar, propunham uma ampla reforma no Sistema Nacional de Saúde e buscavam alternativas para a política de saúde até então implantada e que não atendia aos anseios nem às necessidades do povo brasileiro"230. No período que antecede a Carta Política de 1988, somente tinham acesso as ações e serviços de saúde uma pequena parcela da sociedade, ou seja, aqueles que contribuíam para a previdência social, os demais membros da coletividade eram excluídos da assistência à saúde. Para estes restava contar com a benevolência das famosas Santas Casas de Misericórdia. Caso houvesse uma vaga, estes eram atendidos por misericórdia, caso contrário, lhes estava reservado a sorte do destino. Na Constituição de 1988, o direito à saúde se transmuda em direito fundamental social, porque visa tutelar o bem da vida. Não mais um direito daqueles que tem condição de contribuir para a previdência social, mas um direito de todos, em condições de igualdade231. “ Há uma revolução de perspectiva232 em matéria de saúde: a par de um Direito da Saúde (constituído pelo “conjunto das normas aplicáveis às actividades cujo objectivo é restaurar e proteger a saúde humana”233) – do qual o Direito da Saúde Pública é um sub-ramo (formado pelas “normas que regulam a organização e a actividade da Administração Pública, movida pelos fins de concretizar a garantia constitucional da protecção da saúde e manter tão elevado quanto possível o nível sanitário da população”234) – passa a agora a existir um direito à saúde235, uma 230 Curso de Especialização à distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. (Org. Márcio Iorio Aranha e Sebastião Botto Barros Tojal). Universidade de Brasília – UNB, ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública (FIOCRUZ), REFORSUS, Ministério da Saúde, Governo do Brasil. p.530. 231 Neste mesmo sentido Guido Ivan de Carvalho ( Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis n° 8.080/90 e 8.142/90 ) Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos – 3ª ed. – Campinas . SP. Editora da Unicamp. 2002. p.72) ensina que : " A saúde no texto constitucional não é mais um"seguro social" a ser satisfeito mediante contribuição especial do cidadão. Nesse particular, a saúde difere da previdência social, que continua a ser um direito assegurado mediante o pagamento de contribuição especial do beneficiário do sistema (artigo 195,II, da Constituição, e Leis n° 8.212/91 e n° 8.213/91). 232 J.MOREAU/D. TRUCHET, Droit de la Santé Publique, Paris, 1981,p.14. Apud Carla Amado Gomes, Defesa da Saúde Pública Vs. Liberdade Individual. Casos da vida de um médico de saúde pública. Lisboa, 1999. Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa.p.9 233 J.-MICHEL DE FORGES, Le Droit de la Santé, 2ª edição, Paris, 1995, apud Carla Amado Gomes, op. cit. p.9 234 J.M. SÉRVULO CORREIA, Introdução ao Direito da Saúde, in Direito da Saúde e Bioética, Lisboa, 1991, apud Carla Amado Gomes, op.cit.p. 9 235 J-MICHEL DE FORGES, op.cit. apud Carla Amado Gomes, op.cit.p.9. 119 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa posição jurídica activa dirigida a obter cuidados de saúde, através de uma estrutura organizada nesse sentido”236. Há uma nova perspectiva e esperança de vida. Este direito é então consagrado em diversos dispositivos constitucionais . Em primeiro lugar, aparece como um dos fundamentos da República. Nos termos do art. 1º da Carta, fazem parte, obrigatoriamente dos fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana e a cidadania. Para que se possa expressar em sua máxima potencialidade o princípio da dignidade humana, é necessário que o indivíduo e toda a coletividade tenha assegurado o acesso às ações e serviços de saúde. Sabemos que diversos fatores podem contribuir para que um indivíduo perca a saúde, estes vão desde problemas genéticos até questões relacionadas à degradação do meio ambiente. Entretanto, na perspectiva atual do conceito de saúde, ditado pela Organização Mundial da Saúde como um “Estado de completo bem estar físico, mental e social”, faz incluir a todos, indistintamente, como portadores de direito público subjetivo à saúde, ou por outras palavras, direito as ações e serviços de saúde. Ações que vão desde a adoção de medidas preventivas e eficazes de equilíbrio do meio ambiente,a vacinação em massa de pessoas idosas contra o vírus da gripe e adoção de medidas de cunho eminentemente curativo, como a realização de um transplante de coração, dentre outras. De igual modo, não há que se falar em cidadania, quando o direito à saúde não está assegurado. O exercício da cidadania pressupõe que o indivíduo possua, na convivência em sociedade, meios eficazes de sobrevivência. Não se pode falar em cidadania ou saúde, quando a fome, ainda é causa de mortalidade infantil e adulta. Não pode existir saúde e cidadania quando 900 crianças morrem por hora no mundo por ausência de saneamento básico, no Brasil morrem 20 crianças por dia, pela mesma causa.237 236 237 GOMES, Carla Amado. Op. cit. p. 9. CFR. 1.1.4 MORTE DE 900 CRIANÇAS POR HORA “Mais de 900 crianças morrem por hora no mundo em conseqüência de doenças causadas pela falta de saneamento básico. Os dados são da Organização Mundial de Saúde (OMS).A causa das mortes é o surgimento de doenças como cólera, disenteria, hepatite e gastroenterite. No Brasil, 20 crianças morrem diariamente por falta de esgoto sanitário”. 237 120 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Não há como se falar em dignidade da pessoa humana se o ser humano for atendido em suas necessidades básicas, como o direito à saúde, muito menos lhe será permitido o exercício pleno da cidadania. A saúde é condição primeira para uma vida com dignidade e cidadania, neste momento se insere o importante papel do princípio da eficiência, enquanto instrumento para se alargar o acesso aos direitos fundamentais. “Como direito fundamental, o direito à saúde está inserido no conceito da dignidade da pessoa humana, princípio basilar da República, previsto no inciso III do art. 1º da Constituição Federal, pois não há se falar em dignidade se não houver condições mínimas de garantia da saúde do indivíduo. Da mesma forma, a proteção do direito à saúde é manifestada no caput do art.5º da Constituição, que preconiza a inviolabilidade do direito à vida, o mais fundamental dos direitos. Inconciliável, igualmente, proteger a vida, sem agir da mesma forma com a saúde”238 Em segundo lugar, apresenta-se com a face de um dos objetivos da República, conforme descrito no art. 3º,inc.IV, quando dispõe que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil : IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. A expressão “promover o bem de todos”, comporta um série de interpretações, dentre elas,com certeza a idéia de que promovendo o bem de todos, também, por via indireta, estará se promovendo a saúde, qualidade essencial para se alcançar o bem individual e coletivo. É sabido que o bem mais importante que o ser humano tem é a saúde física e mental.Todos os demais valores, como educação, lazer, trabalho podem ficar comprometidos se não houver a saúde física e mental. No Brasil, a título de exemplo, em especial na região do nordeste, crianças tem o seu desenvolvimento cognitivo afetado por lhes faltar ainda na primeira infância acesso a alimentação adequada, condição para a saúde. Aquelas que sobrevivem, perdem o direito ao pleno exercício da cidadania, por não ter condição de recolher do ensino formal os conhecimentos necessários,uma vez que o desenvolvimento 238 Curso de Especialização à distância para Membros do Ministério Público e Magistratura Federal. Org. Márcio Iorio Aranha e Sebastião Botto de Barros Tojal. UNB- Universidade de Brasília. Reforsus.ENSP- Escola Nacional de Saúde Pública. Ministério da Saúde.p.291. 121 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa mental fica, também afetado. “A começar pelas condições adequadas a uma boa gestação e parto, uma série de variáveis compõem o cenário para que se possa ser pleno o que chamamos desenvolvimento humano”239. Tratando do tema Claudia Fernanda de Oliveira Pereira registra que “mais de 70 milhões de brasileiros não têm acesso a uma alimentação minimamente suficiente para suprir suas necessidades nutricionais. Graus variados de desnutrição atingem 30,75% das crianças brasileiras com idade entre zero e cinco anos, ou mais de 5 milhões de crianças, em número absolutos; no Nordeste, a desnutrição alcança 56,6% das crianças nessa faixa etária, segundo dados da Situação Alimentar e Nutricional do Brasil (1992, Rocival L. Araújo) e foi justamente ela a causa primária da maioria das mortes infantis, tornando essas crianças mais vulneráveis a doenças, sem falar no nanismo, caracterizado pela estatura inferior aos padrões internacionais, que atinge 25% dos adultos brasileiros (dados do IBGE 1989).”Esses dados evidenciam que grande parte dos brasileiros não tem conseguido atingir seu potencial biológico, do qual a estatura física é apenas um aspecto, em razão da deficiência alimentar...No Brasil está se formando uma nova e trágica sub-raça humana. A etnia da miséria e da fome!”240 Promover o bem de todos implica em oferecer condições para o pleno desenvolvimento humano, e a saúde é a condição primeira para se alcançar este pleno de desenvolvimento humano. Conforme já foi registrado, o desenvolvimento humano pode ficar comprometido para sempre, na história do indivíduo, se não lhe for garantido o direito à saúde, desde a gestação até os primeiros três anos de vida. Pesquisa realizada pela ANDI/IAS intitulada “ A infância na mídia” denuncia que “ nos primeiros três anos, as sinapses; espécies de pontas entre um neurônio e outro, fazem o cérebro chegar a 1,2 quilos, quase o tamanho que terá na fase adulta. Essa rede se desenvolve quando a criança vê, ouve, sente. Ou seja, quando recebe estímulos. Acredita-se que a estabilidade emocional, o vocabulário potencial e a capacidade de raciocínio lógico são determinados até os quatro anos. Pesquisas do IPEA apontam que os 239 Pesquisa Infância na Mídia. Pesquisa ANDI/IAS. Ano 6.número 11. 2001. ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância e Instituo Airton Senna. 240 PEREIRA,Claudia Fernanda de Oliveira.op.cit.p.313. 122 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa brasileiros que freqüentam a pré-escola entre os 5 e 6 anos tendem a aumentar sua renda futura em até 18% “241. Pelos dados da pesquisa vê-se que a ausência de uma prestação de serviços e ações de saúde de qualidade compromete o desenvolvimento humano, impedindo que crianças tenham o desenvolvimento no seio da família, escola e sociedade que lhe permitam no futuro o pleno exercício da cidadania. Em terceiro lugar, a Constituição Federal de 1988 consagra o direito à saúde quando assegura no art. 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida...”. O vocábulo vida, vem do latim vita e quer dizer, “ conjunto de fenômenos comuns aos animais e vegetais que contribuem para o seu desenvolvimento e conservação, constituindo o seu modo de actividade desde o nascimento até a morte.- existência.”242 “ Conjunto de propriedades e qualidades graças às quais animais e plantas, ao contrário dos organismos mortos ou da matéria bruta, se mantêm em contínua atividade, manifestada em funções orgânicas tais como o metabolismo, o crescimento, a reação a estímulos, a adaptação ao meio, a reprodução, e outras; existência”.243 “Dessa forma, para uma boa hermenêutica do sentido axiológico pretendido pelo legislador constituinte ao introduzir a vida como um valor superior e um direito fundamental , devemos associar ao conceito de direito o sentido do vocábulo vida. Direito á vida será, assim, direito à existência, ou seja, direito ao desenvolvimento, permanência e sobrevivência da pessoa humana. O direito à vida, analisado nesta perspectiva nos remete a idéia fundamental de que este direito pressupõe o seu pleno exercício , através da existência de elementos 241 Pesquisa Infância na Mídia. Pesquisa ANDI/IAS. Ano 6.número 11. 2001. ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância e Instituo Airton Senna. 242 Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências deLisboa, Verbo,II Volume, 2001, Realização da Academia das Ciências de Lisboa e da Fundação Calouste Gulbenkian 243 Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, 2ª edição revista e ampliada, Editora Nova Fronteira, 1986. 123 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa biológicos e sociológicos favoráveis, ou seja direito ao bem estar físico, mental e social , necessários ao desenvolvimento, permanência e sobrevivência. Podemos sintetizar, desta forma, o direito à vida, como um direito do homem à existência digna e como um dever do Estado, plano positivo e negativo, uma vez que, cabe a este, no plano constitucional o dever de preservar, proteger e garantir a sua manutenção. O dever do Estado para com a vida de cada pessoa, conceito integral de vida, abarca o status negativo,do Estado Liberal, e o status positivo, do Estado Social, ou seja, ao tempo em que ao Estado não é permitido invadir ou violar a esfera individual, cabe a este criar os mecanismos jurídicos e materiais para a sua preservação e sobrevivência. Nesta linha, pode-se afirmar que a racio do direito à saúde é tutelar o direito à vida, à integridade física e moral, bem como, o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana”244. Por tudo quanto foi dito , conclui-se que não existe vida plena quando falta ao indivíduo à saúde. Esta concebida como um estado de completo bem estar físico e mental. Neste sentido, José Afonso da Silva leciona que “é espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só agora é elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais”245 Em quarto lugar, o direito à saúde está consagrado no artigo 6º da CRF quando sentencia que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a 244 SAMPAIO, Nícia Regina. A Saúde como um Direito Fundamental no Estado Social. Universidade de Lisboa. Faculdade de Direito. Mestrado em Direitos Fundamentais.p.59/60. 245 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 22ª edição.Malheiros Editores. Brasil.2003.p.306. 124 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Conforme se verá, a saúde é um direito fundamental do ser humano frente ao Estado e aos demais, de eficácia plena, ou seja aplicabilidade imediata, protegido pela força das cláusulas pétreas. Qualquer lei tendente a abolir direitos fundamentais é inconstitucional, está assegurado a cláusula do não retrocesso social. O direito à saúde está consagrado entre os direitos fundamentais de segunda geração, nasce com o Estado Social. Nasce, também, junto com os demais direitos sociais, econômicos e culturais, estando “abraçado ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo equivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula”246. Há outros dispositivos constitucionais que tratam, também do direito à saúde, como o artigo 23, inciso II, artigo 24, inciso XII, 196, 197,198 e 199. O artigo 196 dispõe que “são direitos de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Pelo dispositivo constitucional fica estabelecido como um dever do Estado, assegurar a todo individuo, independentemente de classe social e econômica, o direito a prestação material das ações e serviços de saúde, todas as vezes em que o status saúde se inverter para doença, bem como, a implementação de medidas de cunho preventivo, que beneficiem a todos, evitando-se que a população venha a adoecer. De um modo ou de outro, incumbe ao Estado Social, enquanto fim primeiro, o dever de garantir a todos, o acesso em condições de igualdade, às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde. Esta norma é considerada pela doutrina como norma programática, posto que depende da intermediação do legislador infraconstitucional. Entretanto, há que se lembrar que o referido dispositivo constitucional já foi regulamentado pelas leis nºs 8.080/90 e 8.142/90. Toda a regulamentação necessária já está em pleno vigor, não podendo mais se permitir que administradores ímprobos usem do subterfúgio de que 246 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Malheiros Editores. 13ª edição. Brasil. 2003. p. 564. 125 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa o direito à saúde é norma programática para postergar um direito fundamental, elementar para a vida humana. Neste sentido, Paulo Bonavides leciona que “ as chamadas normas programáticas foram sempre uma espécie de salvo-conduto para as omissões do constitucionalismo liberal no campo da positividade social do direito”.247 Há que se ressaltar, também, que mesmo que a norma do artigo 196 não tivesse a devida regulamentação, o que não é o caso, deve ser considerado que o artigo 6º da CRF que assegura a saúde como um direito fundamental é de aplicação imediata, ou seja, é um direito público subjetivo que visa tutelar o bem da vida. Nesta seara, as medidas de cunho preventivo ou de proteção que demandam um planejamento e aporte de recursos podem ser realizadas a curto, médio e longo prazos. Entretanto, quando se trata do direito individual a uma assistência material imediata, esta não pode ser postergada em hipótese alguma, sob pena de se admitir que o administrador pública possa conceder a pena de morte àqueles consideravelmente enfermos e hipossuficientes. Quando o indivíduo necessita de uma cirurgia em caráter emergencial, já não se trata mais apenas de lhe assegurar a saúde, mais o direito à própria vida. Este, conforme já foi dito, é de aplicação imediata, eficácia plena.Trata-se de posição jurídico-prestacional com a mesma densidade jurídicosubjetiva dos direitos de defesa. A esse respeito J.J Gomes Canotilho em comentário ao Ac. Nº 39/84, do tribunal Constitucional relativo à extinção legal do Serviço Nacional de saúde identifica os traços constitutivos das normas consagradoras de direitos econômicos, sociais e culturais, nestes termos : i- os direitos fundamentais sociais consagrados em normas da Constituição dispõem de vinculatividade normativa-constitucional (não são meros “programas” ou “linhas de direção política”);ii- as normas garantidoras de direitos sociais devem servir de parâmetro de controlo judicial quando esteja em causa a apreciação da constitucionalidade de medidas legais ou regulamentares restritivas destes direitos;iii- as normas de legislar acopladas à consagração de direitos sociais são autênticas imposições legiferantes, cujo não cumprimento poderá justificar, como já se referiu, a inconstitucionalidade por omissão; iv- as tarefas 247 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª edição. Malheiros Editores.2003. Brasil.p.630 126 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa constitucionalmente impostas ao Estado para a concretização destes direitos devem traduzir-se na edição de medidas concretas e determinadas e não em promessas vagas e abstractas; v- a produção de medidas concretizadoras dos direitos sociais não é deixada à livre disponibilidade do legislador, embora este beneficie de uma ampla liberdade de conformação quer quanto às soluções normativas concretas quer quanto ao modo organizatório e ritmo de concretização 248. De mais a mais, no art. 197, está dito que “são de relevância pública as ações e serviços de saúde ...”, o que importa a dizer que estes tem prevalência sobre os demais serviços e ações que serão executadas pela Administração Pública. A prioridade de investimentos e ações do Estado deve estar voltada para assegurar a vida com qualidade para todos. Por fim, partindo-se o conceito jurídico de eficiência e compreendendo a magnitude do direito à saúde, pode-se concluir que este é um princípio constitucional pré-dado, como acentuado pelo direito alemão, na medida em que é condição sine qua non para a materialização do direito à saúde assegurado pela Constituição Formal. III. A saúde como direito fundamental São reconhecidos como direitos fundamentais, “ todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional”249. No plano material, segundo Schimitt, citado por Paulo Bonavides , “ variam conforme a ideologia , a modalidade de Estado; a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra”250 Assim, o direito à saúde, foi consagrado no Brasil, como um direito fundamental na Constituição Federal de 1988. A elevação do direito à saúde a categoria de preceito fundamental é um divisor de águas entre o Estado Liberal e o Estado Social no Brasil. Enquanto no Estado Liberal o direito à saúde era assegurado somente aqueles que podiam pagar, representava um não direito à vida, no Estado Social ele 248 CANOTILHO.J.J.Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Livraria Almdina.Coimbra.2002.p.480 249 BONAVIDES, Psulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª edição. Malheiros Editores. Brasil.2003.p.561. 250 SCHIMITT, Carl. Verfassungslehre,pp.163 a 165 Apud Paulo Bonavides,op.cit.p.561. 127 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa se transmuda para um direito universal e igualitário. O Estado assume não só a função de defesa e proteção, como também a função de prestação dos direitos fundamentais. O direito à saúde integra a segunda geração dos direitos fundamentais. Figurando como direitos fundamentais de primeira geração temos os direitos de liberdade, ou os direitos civis e políticos. É importante salientar que a classificação dos direitos fundamentais em gerações, não implica em exclusão dos direitos de liberdade para se assegurar os direitos econômicos, sociais e culturais, trata-se de um processo cumulativo de direitos. O reconhecimento em cada país dos direitos de primeira geração impulsionam para o surgimento de outros, numa cadeia sempre ascendente, há um “espaço sempre aberto a novos avanços”251. Com o nascimento dos direitos de liberdade, o Estado assume a função de defesa, ou seja, conforme adverte José Carlos Vieira Andrade : “um dever de abstenção:abstenção de agir e, por isso, dever de não-interferência ou não intromissão, no que toca às liberdades propriamente ditas, em que se resguarda um espaço de autodeterminação individual;abstenção de prejudicar e, então, dever de respeito, relativamente aos bens designadamente pessoais (vida, honra, bom nome, intimidade), que são atributos da dignidade humana individual”252 No mesmo sentido, Ingo Wolfgang Sarlet, adverte que: “Acima de tudo, os direitos fundamentais – na condição de direitos de defesa – objetivam a limitação do poder estatal, assegurando ao indivíduo uma esfera de liberdade e outorgando-lhe um direito subjetivo que lhe permite evitar interferências indevidas no âmbito da proteção do direito fundamental ou mesmo a eliminação de agressões que esteja sofrendo em sua esfera de autonomia pessoal”253 Para J.J.Gomes Canotilho, “os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob dupla perspectiva :(1) constituem, num plano jurídico251 BONAVIDES, Paulo.op.cit.p.563. ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976.2ª edição.Editora Almedina. Coimbra.2001.p.174. 253 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 3ª edição. Livraria do Advogado Editora.Brasil.2003.p.175. 252 128 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual;(2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdades negativas)” 254 Função de Prestação Aplicabilidade Imediata CAPITULO VII NORMAS LEGAIS PARA A EFETIVA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA I. O sistema único de saúde no brasil O modelo de SUS que temos foi construído com fundamento no ideário do Estado Social ou Estado Providência. Estado este, que se antecipa as necessidades de seus cidadãos e oferece uma pronta resposta. Houve uma profunda mudança no modo de fazer saúde no Brasil, depois da Constituição Federal de 1988. Exatamente assentado no modelo de Estado Social. Estas mudanças não ocorreram todas de uma vez, mas progressivamente, ou seja, ainda está acontecendo. A idéia de criação do SUS foi assegurar a todos independentemente de sua condição econômica o acesso aos serviços e ações de saúde, em outras palavras, incluir 254 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª edição. Editora Almedina.Coimbra.2002.p. 407. 129 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa definitivamente os excluídos deste direito. Como se trata de um sistema que ainda não se consolidou, mas está em franco processo de construção, alguns caminhos podem não ser a opção mais eficiente, necessitando de ser constantemente reavaliado. Entretanto, por tudo o que se tem visto, o modelo adotado, quando cumprido a risca, atende aos interesse público, aos objetivos da República. Conforme foi identificado por Antonio Alvim, tratando do funcionamento do Sistema de Saúde em Portugal, este deve ter como objetivos: 1- prestar cuidados de saúde, de forma integrada e articulada: quer profilácticos, quer preventivos, quer curativos, quer de reabilitação e reinserção; 2- prestar esses cuidados atempadamente; 3- prestar esses cuidados da melhor qualidade possível; 4- prestar esses cuidados da forma mais económica possível; 5- possibilitar o acesso real em todas as vertentes, incluindo a económica, de toda a população a esses cuidados; 6- satisfazer as necessidades e desejos da população na área da saúde255. E, complementa o autor, “o objectivo do Sistema de Saúde deverá ser o de proporcionar o acesso de cada um, em tempo útil e com plena satisfação do interessado, a todos os cuidados de saúde de qualidade de que necessite, quer sejam profilácticos, preventivos, curativos, de reabilitação ou reinserção. A acessibilidade deverá contemplar todas as suas vertentes, incluindo a económica”256. Não obstante estes objetivos, que também são comuns aos do Sistema Único de Saúde nacional, o que ainda se vê é uma atuação que não atinge os resultados almejados. Aliás, conforme já foi dito neste trabalho não basta a proclamação do 255 ALVIM, António. A Reforma da Saúde: O Sistema de Saúde no Estado de Mercado Social. 1ª edição.2002.Lisboa.Impressão e Acabamento: Rolo&Filhos.p.21. 256 ALVIM, António. Op.cit.p.21. 130 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa princípio da eficiência, pois “sua luz, como a dos faróis, não guia senão aqueles que conhecem o caminho do porto”257. Para Jairnilson Silva Paim a “ instabilidade do financiamento, descompromisso com os serviços públicos, formas centralizadas e obsoletas de gestão e, especialmente, clientelismo político, fisiologismo e favoritismo, representam graves problemas do sistema de saúde que não foram consideradas devidamente pela legislação ordinária nem privilegiados pela agenda políticas das forças progressistas”258. Em face dos objetivos a que se propõe, o questionamento que se faz é como alcançar esse grau de eficiência proposto, representado no tudo para todos, com a atual estrutura? Dois caminhamos se apresentam, ou seja: 1- neste primeiro caminho o Estado assume definitivamente o ser papel de Estado Providência, de escritor da história, e se apropria dos instrumentos já existentes para fazer saúde com eficiência ;2- no segundo caminho, o Estado retraí, novamente lava às mãos, assume o “papel de coadjuvante” ou seja de Estado Regulador, distante da sociedade e entrega a um ou vários corpos intermediários o seu papel principal. No primeiro caminho, os objetivos do SUS coincidem com o interesse público, que por sua vez se coaduna com os objetivos do Estado Prestacional. No segundo caminho, o sistema privado de saúde assume o papel principal, o que desloca os objetivos do interesse público do Estado Social para segundo plano, passando a ser o objetivo primordial o lucro das empresas e não o lucro social. Já não existe uma concordância entre o interesse público pretendido pelo Estado Social, nasce um interesse diverso, em que o bem comum já não é prioridade, mas o bem de alguns, diríamos um interesse privado. Neste momento o Estado, que tem por objetivo precípuo perseguir o interesse público, deixa de fazer sentido, perde seu objetivo. O ser humano já não é mais o fim, mas sim o meio. Há um retrocesso no curso da história. Assim, desde já, pelos motivos já expostos neste trabalho e renovados neste momento, optamos e acreditamos que o caminho a ser seguido é o do Estado protagonista da história. O segundo caminho já foi percorrido, antes da implantação 257 258 FAYOL, Henri.op.cit.p.38. PAIM, Jairnilson Silva. Saúde, Política e Reforma Sanitária.Jairnilson Silva Paim. Salvador, BA,2002..p.209. 131 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa do SUS. O que se tinha para a camada da população excluída era o pior possível, era o não direito, estes contavam com a própria sorte, a misericórdia das Santas Casas, não havia trabalhos na área preventiva, estavam entregues a sua própria sorte. Reescrever a história é dever do Estado Social, mas não a mesma história e, sim, uma diferente, em que os valores máximos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem sejam garantidos. Dispõe o artigo 1º da Declaração Universal de 1948, “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. E, complementando este preceito Kahn sentencia : Aja de tal modo que tu trates a humanidade, tanto em tua pessoa quanto na pessoa de qualquer outro, sempre, ao mesmo tempo, como um fim e jamais como simples meio”259 O fazer saúde com eficiência é uma dos papéis mais importantes do Estado Providência, para se construir uma sociedade mais justa, livre e igualitária. Não é necessário se criar mais leis ou transmudar as competências para a iniciativa privada, a esta compete o papel complementar (art.199,§1º da CF/88). O que se deve fazer é uma apropriação dos instrumentos já colocados à disposição de todo administrador público. É preciso conhecer bem esses instrumentos e seu papel na construção de um SUS, que produza resultados positivos para todos. Parafraseando o Professor José Afonso da Silva e aplicando especificamente ao tema ora proposto, podemos dizer que a Constituição Federal Brasileira e as leis infraconstitucionais já introduziram os instrumentos para a efetiva aplicação do princípio da eficiência, tais como: Controle Social, a vinculação de recursos e metas para a área da saúde (EC nº 29/2000 e art.200 da CF/88), a identificação dos serviços e ações de saúde como de relevância pública, a regionalização e a hierarquização, os mecanismos de Planejamento (PPA- Planejamento Plurianual, LDO- Lei de Diretrizes Orçamentária, Plano de Saúde,Estudo de Lotação Ideal, Plano de Carreira, Cargos e Salários, Concurso Público) Controle de Resultados (Relatório de Gestão, ESF – Estratégia de Saúde da Família e Agente Comunitário de Saúde). 259 KAHN,Axel.Et l’Homme dans tout ça?,Paris,NIL Éditions,2000,pág.65 Apud Dalmo de Abreu Dallari.Texto Ética Sanitária. Curso de Especialização à Distância para Membros do Ministério Público e Magistratura Federal. Org. Márcio Iorio Aranha e Sebastião Botto de Barros Tojal. UNB-Universidade de Brasilia. ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública. REFORSUS.Ministério da Saúde.p.123. 132 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Nesta ordem de idéias, enfrentaremos os temas apresentados, possibilitando uma maior compreensão da importância destes instrumentos para a implementação do principio da eficiência em todas as áreas de interesse público e, em especial para a área da saúde. II. Competência do sistema único de saúde A competência do Sistema Único de Saúde vem contemplada no art. 200 da Constituição Federal de 1988, e depois regulamentado por diversas leis infraconstitucionais, como as Leis n°s 8.080/ 90 e 8.142/90. Temos o planejamento macro para o Sistema Único de Saúde no Brasil. Todos os demais planejamentos e estratégias devem se guiar pelo planejamento maior. ler páginas 68,69 do livro sus de lenir dos santos “ Ainda que o sistema que temos hoje ditancie-se daquele que foi consagrado na “Constituição Cidadã, sua existência é essencial num País que apresenta enormes disparidades regionais e sociais (...). Portanto, aos que tentam apresentar o SUS como modelo falido de atenção à saúde, respondemos com experiências vitoriosas apresentadas na X Conferência Nacional de Saúde que comprovam que ‘onde deu SUS, deu certo’(...). Nesse sentido, impõe-se a manutenção do princípio do conteúdo constitucional da seguridade social, incluindo-se solidariamente a saúde, previdência e assistência social. A reforma da saúde já ocorreu e está na Constituição Brasileira. Cabe cumpri-la”260 III. 260 O controle social PAIM, Jairnilson Silva.op.cit.p. 279. 133 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O Controle Social foi consagrado na Constituição Federal de 1988, nos artigos 194,VII, art.77, §3° do ADCT e, no art. 198, inciso III, sendo que neste último dispositivo, passa a ser uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde, nos seguintes termos : " As ações e serviços de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III- participação da comunidade. Pela leitura do texto constitucional identifica-se a idéia de que é da vontade geral, que a comunidade participe da organização na gestão do Sistema Único de Saúde. Esta, sai da posição de mero expectador da implantação das políticas de saúde e, passa a se constituir em agente ativo do processo, colaborando com o executivo na formulação das políticas. É a face visível da democracia participativa. O povo, neste momento, não participa mais através de seus representantes eleitos, mas contribui diretamente para a implementação do Sistema Único de Saúde. Trata-se do poder ascendente de que nos fala Norbio Bobbio. ou seja, significa, que estamos diante da “passagem da democracia política para a democracia social, extensão do poder ascendente.”261 "Por meio deste canal institucional (conselhos de saúde), a comunidade pode agir no sentido das duas possibilidades de participação e cobrança : fornecendo subsídios às autoridades gestoras do sistema, propondo ou reivindicando medidas específicas de interesse da coletividade, atuando na tomada de decisão com a formulação de 261 NORBERTO Bobbio, O Futuro da Democracia, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1988. Com tradução de Miguel Serras Pereira. 134 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa políticas de saúde e controlando, a posteriori, os atos praticados pelos administradores"262 A determinação constitucional de participação da comunidade na formulação das políticas públicas na área da saúde vem regulamentada pela Lei nº 8.142/90, de 28 de dezembro de 1990. Nesta está previsto que o SUS contará em cada esfera de governo com instâncias colegiadas, exercendo o papel do controle social, formada através das Conferências de Saúde e Conselhos de Saúde(art. 1°,incisos I e II). As Conferências de Saúde serão realizadas de quatro em quatro anos com a representação dos diversos segmentos sociais, com o objetivo de avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde (art.1°, §1°). Os Conselhos de Saúde são órgãos colegiados, de caráter permanente e deliberativo, de formação paritária263, compostos por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários (art. 1°, § 2º). Estes, presentes em cada esfera de governo, tem como função precípua na elaboração de estratégias e no controle da execução das políticas de saúde (art. 1°, § 2º). A instituição do Controle Social representou um avanço para a implementação de um Estado Democrático de Direito, sendo um forte instrumento para que se tenha uma Administração eficiente na área da saúde. No entanto, para que este realmente venha a exercer o seu papel , tal qual delineado pela norma constitucional e infraconstitucional, torna-se necessário que paralelamente a sua implementação, também, ocorra um investimento na área da educação. Como bem acentua Paulo Bonavides, " O Brasil, porém, apresenta muitos obstáculos que concorrem e têm concorrido para fazer do dogma democrático uma ficção; às vezes, uma impostura. Aqui, a disposição constitucional de que todo o 262 CARVALHO, Guido Ivan de. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis n° 8.080/90 e 8.142/90 ) Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos – 3ª ed. – Campinas . SP. Editora da Unicamp. 2002. p.294. 263 cfr.lembra Adalgiza Balsemão.( Competências e Rotinas de Funcionamento dos Conselhos de Saúde no Sistema Único de Saúde do Brasil. Direito Sanitário e Saúde Pública . V.I. Brasília –DF.2003.Ministério da Saúde. p. 306) os conselhos de saúde são formados por quatro segmentos, sendo que 50% das vagas são destinadas às entidades do segmento do usuário. Os outros três segmentos terão a seguinte divisão: 25% para as entidades de profissionais de saúde e 25% para governos e prestadores de serviço. As formas de escolha das entidades que compõem os segmentos variam, conforme o Estado, ou a região. a forma mais democrática, parece-nos, é a eleição das entidades nas conferências de saúde correspondente. 135 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa poder emana do povo e em seu nome é exercido, é inverídica na primeira parte, mas efetiva na segunda, pois nunca nos faltaram governantes atuando como simples representantes verbais desse ente soberano, inclusive para manter e justificar a ditadura das oligarquias. Se vamos ao princípio de participação dos governantes, deparam-se-nos 16 milhões de analfabetos excluídos do sufrágio, se procuramos o eleitor qualificado encontramos milhões de semi-analfabetos sem noção dos valores políticos; se descemos aos partidos , aí estão eles com líderes que quase diariamente mudam de agremiação como quem muda de camisa; e se consideramos enfim o poder, estamos diante de uma indústria transformadora, que estabeleceu e aperfeiçoou soluções casuísticas de oportunismo sem grandeza para manipular o voto popular, converter derrotas de opinião em triunfos eleitorais, confiscar a autonomia do sufrágio, neutralizar o que ainda resta da minoria participante, onde se aloja o princípio democrático ou tem expressão aquela realidade que se chamou povo".264 O acompanhamento da práxis destes Conselhos, nas instâncias municipais e estaduais, tem revelado que, não obstante a boa vontade e profunda idéia de exercício da cidadania por aqueles que participam dos Conselhos, lhes faltam o conhecimento necessário para atuar nas duas esferas propostas pela Lei n° 8.142/90. Esta dispõe que os Conselheiros devem atuar não só na formulação de estratégias, mas também, no controle e execução da política de saúde. Para que possam exercer adequadamente essa função, tão importante para o Estado Social, devem possuir conhecimento suficiente para bem elaborar as estratégias e exercer o controle da execução. Sem estes elementos, na verdade temos um ideário de controle social, abstrato e distante, não funcionando como um verdadeiro instrumento para a implantação de uma Administração eficiente na área da saúde. Deve ser registrado, que toda Administração que observa os princípios da moralidade, eficiência, impessoalidade, publicidade e legalidade deseja a presença de um controle social forte. Mesmo em municípios pequenos, em que o responsável pela direção local do SUS seja próximo do cidadão, este não terá olhos suficientes para enxergar todos os pontos, exigidos para que possa se certificar a eficiência ou ineficiente de sua administração. Assim, através de um controle social forte, poderá 264 BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. Malheiros Editores. 4ª edição. Brasil. 2003.p. 263. 136 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ver, através destes conselheiros, e aferir constantemente a execução da política de saúde, acertando seus descaminhos ainda no nascedouro. Estes se transformam em braços fortes da Administração eficiente. Não obstante reconhecer que o controle social ainda é uma utopia no Brasil, deve ser tributado o seu valor e sua força, reconhecendo-o como instrumento a favor de uma Administração eficiente e, registrar que em algumas localidades desta terra de dimensão continental, já existem Conselhos desempenhando o seu real papel. Para aqueles que ainda, não implantaram o verdadeiro controle social constitucional existe uma esperança, que está assentada na educação formal e na capacitação permanente dos conselheiros. Neste sentido, quanto maior e melhor a participação da comunidade na elaboração de estratégias e controle da execução das políticas de saúde, tanto mais eficiência na atuação da Administração e, via de conseqüência mais dignidade e saúde. Deve-se lembrar sempre que, "a promoção da saúde efetua-se pelo e com o povo e não sobre e para o povo"265. IV. Vinculação de recursos e metas para a área da sáude “ Ao final de 2000, é introduzida uma importante alteração na forma de financiamento global do sistema de saúde. O Congresso aprova a Emenda Constitucional, nº 29, prevendo que o orçamento federal para a saúde terá reajustes automáticos segundo a variação do valor nominal do PIB. Mais que isso, vincula recursos estaduais e municipais para a saúde, estabelecendo um percentual mínimo dos recursos próprios destes níveis de governo para aplicação imediata, um 265 Declaração de Jacarta sobre a Promoção da Saúde pelo Século XXI Adentro. Curso de Especialização à Distância em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e Magistratura Federal. Org. Márcio Iorio Aranha e Sebastião Botto de Barros Tojal. UNB – Universidade de Brasilia. ENSP – Escola Nacional de Saúde Pública, REFORSUS, Ministério da Saúde.p.574. 137 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa percentual mínimo a ser atingido em 2004 e a regra para essa progressão. Estados e municípios deverão aplicar imediatamente no mínimo 7% de seus recursos próprios, devendo chegar a 12% e 15% respectivamente. A diferença existente deverá ser diminuída em um quinto ao ano.Essa emenda pretende que sejam alcançados três objetivos: estabilização dos recursos, sua ampliação e o comprometimento de todos os níveis de governo com o financiamento.”266 A vinculação de recursos para áreas sociais como educação e saúde, para os alienígenas poderá parecer a prima facie uma intromissão do poder legiferante na atuação do executivo. Entretanto, em breves incursões pelos graves problemas nacionais nestas áreas, oriundos não só, da espoliação do governo americano aos cofres públicos brasileiros,mas também pela má gestão e corrupção que grassa pelo setor público brasileiro, poderá ser constatado que a vinculação é necessária até que os agentes políticos adquiram um juízo político. Enquanto isso não ocorre, a vinculação de recursos visa assegurar a implementação do direito fundamental social à saúde., não podendo desta forma ser considerado como uma intromissão no poder discricionário do administrador público. Esse, como já tivemos a oportunidade de escrever , trata-se numa visão sistêmica mais de um poder-dever O conceito de poder, segundo Afonso Arinos, é a faculdade de tomar decisões em nome da coletividade.267 O poder, segundo a lição de Paulo Bonavides, pode ser de fato ou de direito. O poder de fato é aquele que se obtém pela força, coerção, e o poder de direito é o que nasce pelo consentimento, legítimo outorgado pelo povo. 268 Neste liame, o poder discricionário é um poder de direito, que emana da lei e da vontade popular. O exercício deste, traz subjacente o respeito e conformidade ao ordenamento jurídico, aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade, universalidade e, ainda, aos princípios constitucionais administrativos da legalidade,impessoalidade, eficiência e proporcionalidade. 266 Curso de Especialização em Direito Sanitário para Membros do Ministério Público e da Magistratura Federal. Organizadores Márcio Iorio Aranha. Sebastião Botto de Barros Tojal. Universidade de Brasilia.ENSP- Escola Nacional de Saúde Pública. Reforsus. Ministério da Saúde. Governo do Brasil.p.521. 267 ARINOS, Afonso Apud Paulo Bonavides. Ciência Política. 10ª edição. Malheiros Editores,2003, p.106. 268 BONAVIDES, Paulo. Ciência Politica.10ª edição. Malheiros Editores.2003.p.106. 138 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O agente político, que faz letra morta dos princípios mencionados, em outras palavras, faz do poder discricionário um ato de poder que se coaduna com o poder de fato, tirano, mas jamais como poder de direito. Na linha ora apresentada, a vinculação de recursos para área da saúde , como um compromisso do Estado Brasileiro para fazer vivo o direito à saúde, é reconhecidamente um avanço para todo cidadão brasileiro e, não representa , nesta perspectiva uma invasão na esfera de atuação do poder-dever discricionário V. Ações e serviços de saúde como de relevância pública No artigo 197 da Constituição Federal de 1988 restou consagrado que as ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Exatamente para atender aos preceitos do artigo 197 da Carta Constitucional é que foi promulgada a Emenda Constitucional nº 29, assegurando recursos para a área da saúde, com prioridade para as três esferas de governo.Este tema será objeto de análise em separado. Da mesma forma, a fim de se assegurar que os recursos destinados a área da saúde sejam bem aplicados, o legislador constituinte originário determinou ao Ministério Público o dever de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relavãncia pública e aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art.129,inciso II da CF/88). Segundo o Dicionário Brasileiro Globo Multimídia relevância é qualidade do que é relevante; importância. No mesmo dicionário, relevante é aquilo que é necessário ou indispensável. 139 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Isto significa em outras palavras que a saúde não pode ficar condicionada a “reserva do possível”, ou seja, permitir que o administrador públicos possa dizer se houver recurso haverá mais vida, menos recurso menos qualidade de vida. É neste sentido, e para se evitar que pessoas continuem a morrer sem a devida assistência é que os serviços e ações de saúde foram qualificados como de relevância pública. Estas considerações levam a concluir que são de relevância pública, também, o aporte de recursos financeiros para se garantir os serviços e ações de saúde. VI. A descentralização A descentralização é um dos pilares sobre o qual assenta o Sistema Único de Saúde,vindo a se coadunar com a Organização Política-Administrativa adotado pelo Estado Brasileiro. Sua meta, tal qual a idéia central do Estado Federado, é aproximar o cidadão das ações e serviços de saúde, possibilitando uma maior eficiência da Administração. "Anteriormente ao SUS, as ações e os serviços de saúde encontravam-se centralizados na União – Leis n° 6;229, de 17/7/75, Sistema Nacional de Saúde (SNS), e n° 6.439, de 1/9/77, Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) -, à qual competia a regulamentação e execução"269. Com o advento da Constituição Federal de 1988 a saúde passa a ser um direito de todos e dever do Estado, estando, portanto, incluídos a União, os Estados e os Municípios. Cada esfera de governo passa a ter responsabilidade para com o cidadão, no que tange a implementação do direito fundamental à saúde. 269 CARVALHO, Guido Ivan de. Sistema Único de Saúde: Comentários à Lei Orgânica da Saúde (Leis n° 8.080/90 e 8.142/90) Guido Ivan de Carvalho e Lenir Santos – 3ª edição – Campinas. SP: Editora da Unicamp,2002.p.84. 140 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa As Normas Operacionais Básicas-NOBs do SUS, que são parte do conjunto do Sistema Único de Saúde, regulamentam os processos de descentralização da gestão dos serviços e das ações de Saúde.270 De igual modo, a Lei n° 8.080/90 delimita, através dos artigos 16. 17 e 18, o campo de atuação de cada ente federado, bem como, os pontos em que estes apresentam interface. Com vistas, a atender ao princípio da eficiência , está previsto na Lei n° 8.080/90 que a competência da direção municipal compete planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde. Para que o município possa gerir e executar os serviços públicos de saúde é preciso que a União e o Estado cumpram com o seu papel de descentralização, também, no plano financeiro. O que se vê na práxis, hoje no Brasil, é uma descentralização administrativa sem a respectiva descentralização financeira. Para uma eficiência na prestação dos serviços e ações de saúde é condição primeira, que a União e os Estados devolvam aos cofres municipais os recursos arrecadados e que são de sua competência, caso contrário estará comprometida à implementação do princípio da eficiência, bem como, o resultado. Neste caso, a dicotomia entre competência e recurso pode ocasionar a morte de milhares de pessoas. A descentralização, quando feita, observando o equilíbrio entre descentralização administrativa e financeira, se torna em instrumento efetivo para se alcançar uma maior eficiência dos serviços públicos na área da saúde. Isto, por vários motivos, dentre eles, a presença do controle social, fiscalizando a execução da política de saúde local, a presença do Ministério Público Estadual, com competência em cada município para fiscalizar a devida prestação dos serviços e ações de saúde, o controle do Tribunal de Contas do Estado, através da verificação constantes das prestações de contas. 270 cfr. SUS e o Controle Social. Guia de Referência para Conselheiros Municipais. Ministério da Saúde. Brasília.1998. 141 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa CAPÍTULO VIII INSTRUMENTOS DE PLANEJAMENTO I. Planejamento O papel importante do planejamento de saúde surge como um dos componentes do planejamento social no Brasil, “desenvolve-se na América Latina na década de 60”271 Implantar o planejamento, nesta época, estava fundamentado na idéia de alcançar uma maior eficiência na prestação dos serviços de saúde. Kowarick citado por Jairnilson Silva Paim refere que o planejamento de saúde constitui-se num “ conjunto de medidas de caráter normativo que visa aumentar a eficiência das atividades, superando distorções e ociosidades e racionalizando as tarefas executivas. Mas tais formulações, por não se traduzirem em tarefas precisas e não se apoiarem em objetivos e recursos definidos só podem ser consideradas como princípios de ação de ordem geral”272 Como um exemplo de planejamento de saúde da década de 60, temos o programa de saúde bucal, desenvolvido em Baixo Guandu/ES, que diminuiu o índice de cárie na população em x porcento, a partir da colocação do fluor na água utilizada pela população local. Este planejamento refletido no programa de saúde bucal foi coordenado pela FSESP (Fundação Serviço Especial de Saúde Pública). Apesar de alguns avanços, alcançados com os primeiros planejamentos em saúde, este ainda estava longe de refletir os ideais do futuro Estado Social. Este, no que tange ao direito à saúde somente começa sua trajetória no Brasil, quando à saúde é 271 272 PAIM, Jairnilson Silva. Saúde, Política e Reforma Sanitária. Jairnilson Silva Paim. Salvador. BA. 2002.p.31 PAIM, Jairnilson Silva.op.cit.p. 33. 142 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa elevada a categoria de preceito fundamental. E, mais, quando é instituída a Democracia participativa, em que os Conselhos de Saúde participam diretamente do planejamento de saúde. Este não é somente no sentido vertical, mas , também, no sentido horizontal, planejamento democrático. Vê-se que o planejamento em saúde apesar de lançar seus primeiros fundamentos, antes da Constituição de 1988, apresentava-se com a face do autoritarismo. Jairnilson Silva Paim acentua que mesmo com o planejamento “registra-se, apenas, que a mortalidade infantil continuou elevada, o Sistema Nacional de Saúde não foi regulamentado, o Programa Nacional de Imunização (que autoritariamente impedia de receber salário-família o trabalhador que não vacinasse os filhos) teve de ser redefinido por falta de infra-estrutura para a vacinação, a Vigilância Epidemiológica continuou precária, o PIASS retirou praticamente o S de saneamento, o PECE não usou os milhões de cápsulas de oxamniquine que o Ministério da Saúde comprou da multinacional, o PRONAN abandonou o pequeno produtor e distribuiu hidratos de carbono para os pobres com desnutrição protéica e a “política nacional de saúde” também não conseguiu impor as redes paralelas médico-hospitar que estabelecera”273. Para se chegar a eficácia desejada na área da saúde, é preciso reorganizar os serviços, valendo do planejamento já instituido por lei. Cabe registar que não se trata de um “planejamento-de-faz-de conta”274, mas de um planejamento real que contemple todas as necessidades sociais. O planejamento, é um instrumento efetivo para se alcançar a eficiência, ou por outras palavras, será a luz que guiará aqueles que tem o dever de fazer com que os serviços e ações sejam prestados com qualidade para todos. “Importa defender a institucionalização do planejamento em saúde enquanto recusa à 273 274 improvisação, conquista da liberdade de ação, mobilização de vontade e de PAIM, Jairnilson Silva.op.cit.p.34. PAIM, Jairnilson Silva.op.cit.p. 211. 143 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa valores, ferramenta de gestão, redução da alienação, controle democrático e exercício da cidadania crítica”275 O planejamento em saúde passa, em qualquer das instâncias, seja Federal, Estadual e Municipal, pelo conhecimento do perfil epidemiológico da população, pela elaboração e aplicação do PPA, LDO, Plano de Saúde, Quadro de Metas e Resultado, associado a realização de concurso público segundo as diretrizes constitucionais. Desta forma, a fim de identificar a valiosa contribuição de cada uma das ferramentas do planejamento em saúde já descritas, será trabalhado individualmente cada uma. II. Estudo de lotação ideal Este estudo deve preceder a elaboração do plano de carreira cargos e salários e tem por objetivo identificar exatamente qual a estrutura necessária para desenvolver as ações e serviços de saúde, observando para tanto dados como dimensão geográfica , população, perfil epidemiológico, estrutura dos demais entes federados e orçamento. Trata de um estudo essencial sobre o qual irá se assentar o plano de carreira cargos e salários e o concurso público. É importante observar que a cada época e lugar irá corresponder um plano ideal de pessoal para atender as demandas da área da saúde, seja no plano preventivo ou curativo. O que se tem visto, de um modo geral, nas administrações, tanto municipais, estaduais e federais na área da saúde, são estrutura gigantescas, um número excedente de pessoal que não traduz a realidade e necessidade local. 275 PAIM, Jairnilson Silva. Op,cit. p.212. 144 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Existe a necessidade de se otimizar recursos públicos e mão de obra, fala-se em reforma administrativa, mas não se fala em reestrutura da composição do quadro da função pública. As necessidades coletivas na área da saúde vão crescendo dia após dia , sendo acompanhado pelo aumento do quadro da função pública. Essa lógica pode ser até correta, desde que, se observe um planejamento mínimo de quatro anos e que se faça uma reestruturação do quadro de pessoal. José dos Santos Carvalho Filho leciona que: “ o quadro funcional é o verdadeiro espelho do quantitativo de servidores públicos da Administração. Se houvesse efetiva organização funcional, o quadro seria o elemento pelo qual o órgão ou a pessoa poderiam nortear-se para inúmeros fins, como a eliminação de excessos, o remanejamento de servidores, o recrutamento de outros, a adequação remuneratória,etc... pois que nele se teria o real espectro das carências e demasias observadas nos setores administrativos. Lamentavelmente, porém, reina o caos nesse controle funcional e frequentemente se tem tido conhecimento do malogro das Administrações em identificar os componentes de seu quadro”276. O gerente da saúde no âmbito municipal, estadual ou federal poderá, fundamentado em estudo real de necessidadexqualidade na prestação dos serviços, realizar o concurso público para provimento dos cargos. A elaboração do estudo de lotação ideal deve ser realizado por profissionais competentes, com larga experiência na construção de estruturas administrativas eficiente e eficazes, como os técnicos de Organização e Metódos, uma função típica do administrador de empresas. III. Elaboração do plano de carreira, cargos e salários - pccs 276 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 13ª edição. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro. 2005. p.473 145 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O Plano de Carreira, Cargos e Salários é uma exigência contida no art. 4º, inc. VI ds Lei nº 8.142 , quando determina: “Art. 4º Para receberem os recurso, de que trata o art. 3º desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com: VI – Comissão de elaboração de Plano de Carreira, Cargos e Salários(PCCS), previsto o prazo de dois anos para a implantação”. Pela leitura do dispositivo legal, pode-se verificar que desde 1992 passou a ser obrigatório para Municípios, Estados e o Distrito Federal, a existência de um plano de carreira, cargos e salários, sob pena de suspensão imediata do repasse de recursos pela União. Fundamentado no estudo de lotação ideal pode a administração elaborar com precisão o plano de carreira, cargos e salários. Neste deverá estar previsto a forma de promoção na carreira, com a identificação de critérios objetivos para a progressão. A presença do plano de carreira bem elaborado funciona como uma alavanca para a melhoria continua da prestação dos serviços na área da saúde. O funcionário qualificado, que executa bem as suas tarefas recebe em contrapartida o reconhecimento institucional através da progressão na carreira e melhoria na remuneração. Este instrumento de planejamento, assim como, o estudo de lotação ideal são ferramentas importantes para o administrador público que deve cumprir a determinação constitucional de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Conforme já foi dito neste estudo, a eficiência é um atributo da pessoa, da pessoa que gerencia e daqueles que executam o planejamento. A sintonia entre estes atores, através de um satisfação de ambas as partes, permitirá uma satisfação ao cidadão. 146 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa IV. Concurso público O povo brasileiro, através do poder constituinte originário, optou pelo concurso público, como regra, para o recrutamento de agentes administrativos. Esta forma de recrutamento encontra eco no Estado Democrático de Direito, na medida em que permite o acesso a função pública a todos em condições de igualdade. Nos termos do art. 37,inc. II da Constituição Federal “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Nesta linha, Marcello Caetano ensina que: “ O concurso consiste na faculdade de apresentação de candidatura de quantos pretendam provar que possuem as condições necessárias para o exercício de certo cargo ou de certa categoria de cargos. O concurso caracteriza-se, pois, por facultar a competição entre todos os pretendentes que legitimamente aspirem a ocupar o lugar a prover” 277. Verifica-se que o concurso público como meio para selecionar o funcionalismo da Administração Pública permite ao Gestores cumprir com rigor os principios constitucionais administrativos, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. O Gestor da saúde, em qualquel das esferas, estará cumprindo o princípio da legalidade por atender a vontade e o desejo de toda a coletividade, assegurando a igualdade na competição pela vaga no serviço público. Da mesma forma, estará respeitando o princípio da impessoalidade e publicidade, por tornar as regras claras para todos, sem subterfúgios ou privilégios. Põe fim aos apadrinhamentos e a negociação de votos por cargos públicos. 277 CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. Vol. II. 10ª edição. Livraria Almedina. Coimbra. 1991. p.662. 147 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Nas palavras de Hely Lopes Meirelles “ pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantém no poder leiloando cargos e empregos públicos”278. Cumpre o princípio da moralidade por agir com honestidade, probidade, decência e ética na seleção dos melhores profissionais do mercado. E, finalmente, revela eficiência, na medida em que atrai para a execução das ações funcionários bem preparados para levarem a efeito tão importante função que é a busca do interesse público. Conforme já registrado , não basta que o responsável primeiro pelo planejamento seja eficiente, é preciso que forme quadros de pessoal eficientes, para cumprir as ordens e obter a eficácia. Associado ao concurso público, deve a Administração pública, também, contar com as escolas de formação, oferecendo uma capacitação permanente aos membros que ingressam para o serviço público. V. Plano de saúde O plano de saúde é um instrumento eficiente de planejamento colocado à disposição dos gestores municipal, estadual e federal para traçar a melhor forma de prestar as ações e serviços de saúde para o cidadão-usuário. Este, conforme dito, " é um instrumento pelo qual o governo apresenta o seu plano de ação (anual e plurianual – qüinqüenal), com definição das ações e serviços (oferta, demanda e análise da cobertura de necessidades), com demarcação das prioridades, com a proposta de hierarquização do sistema, com definição de metas a serem atingidas, prazos e responsáveis pela sua execução, entre outros"279. 278 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28ª edição. Malheiros Editores. 2003. p. 412. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. 279 148 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Sendo assim, a primeira medida que deve ser adotada pelo administrador que pretende obter a eficácia com seu planejamento é construir o mesmo, tomando por base, o perfil epidemiológico da população. Com fundamento nestes dados, será possível traçar as metas, as prioridades, os prazos, bem como, os respectivos responsáveis. “ O Plano de Saúde deve conter e compatibilizar em cada esfera, de forma clara, o quadro de metas, a programação pactuada integrada, os resultados físicos e financeiros”280. Sendo que, para cada exercício anual deverá ser indicado no quadro de metas as ações a serem desenvolvidas no período. É um instrumento de gestão e planejamento colocado à disposição dos gestores, sendo construído com fundamento no planejamento estratégico nacional281, elaborado com a cooperação dos Estados, Municípios e do Distrito Federal. Está previsto na Lei Orgânica da Saúde, art. 36,§ 1º, que dispõe: “ Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de direção do Sistema Único de Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária”.Os princípios organizatórios do SUS deverão orientar a formulação do referido plano de saúde. A União será responsável por elaborar o Plano Nacional de Saúde, para ser executado no período de 04 anos, devendo ser aprovado pelo Conselho Nacional de Saúde e inserido no Plano Plurianual. Os Estados, de igual modo, deverão elaborar os respectivos planos estaduais de saúde, tomando por referência as diretrizes emanadas do plano nacional de saúde, bem como, o perfil demográfico, epidemiológico, rede de saúde na área, recursos disponíveis, dentre outros fatores. Direito Sanitário e saúde pública/ Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde . Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Márcio Iorio Aranha.(org) – Brasilia: Ministério da Saúde . 2003. 2 v.p.92. 280 Brasil. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde: manual basico/Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde – 3º ed. Rev.ampl.,1ª reimp.- Brasilia: Ministério da Saúde, 2003.p. 50. 281 Consultar arts. 16,inc.XVII, 149 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Os municípios, por sua vez, responsáveis diretos pela prestação dos serviços de saúde referenciados como de atenção básica, deverão elaborar seus planos de saúde, observando os planos nacional e estadual, além dos fatores determinantes e condicionantes da saúde da população local. “O plano de saúde traduz o planejamento do projeto técnico-político de um governo, com vistas à operacionalização das ações e serviços de saúde, com os objetivos de promover saúde e solucionar os problemas de saúde da população de uma determinada esfera de governo (área de abrangência) e das áreas de influência do sistema de saúde (outras localidades das quais a população busca os serviços)” 282. Toda a atuação na área da saúde, seja de cunho preventivo ou curativo deverá encontrar eco no plano de saúde, sob pena de incidir , o administrador público, em grave violação aos princípios constitucionais administrativos. A dinâmica na área da saúde, como qualquer atividade desenvolvida no corpo social, pode ensejar a mudanças nas metas traçadas previamente no plano de saúde para um período de 04 anos. Entretanto, qualquer modificação nas metas préestabelecidas, ou a possível inserção de novas metas deverão ser aprovadas, pelo respectivo conselho de saúde, devidamente pactuadas na CIB ou CIT, e publicadas através do canal de imprensa utilizado. No caso de ausência de publicidade do ato de alteração do plano de saúde, o ato administrativo é nulo, não produzindo efeitos para o mundo jurídico. A publicidade do ato é pressuposta de validade do mesmo. Da mesma forma, as alterações promovidas no corpo do plano de saúde, que não tenham sido devidamente aprovadas pelo conselho de saúde padece de vício de origem, ensejando a propositura de medida judicial para sanar a irregularidade cometida. No plano de saúde, obrigatoriamente o gestor do SUS, seja Federal, Estadual ou Municipal, deverá identificar para cada ano de atividade desenvolvida, quais as ações e serviços de saúde que serão executados, com a respectiva 282 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Direito Sanitário e Saúde Pública /Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação na Saúde; Márcio Iorio Aranha (Org) – Brasilia: Ministério da Saúde, 2003. 2v.:il,-(Série E. Legislação de Saúde).p. 92 150 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa VI. Relatório de gestão O Relatório de Gestão é uma exigência da Lei nº 8.142/90, art. 4º,inciso III quando diz: “ Para receberem os recursos, de que trata o art. 3º desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com: IV- relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o §4º do art.33 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990”. No mesmo sentido, vale registrar o disposto no art. 33, §4º da Lei nº 8.080/90, quando dispõe: “ O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não-aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei”. Assim, o Relatório de Gestão nada mais é do que a prestação de contas anual que deverá ser feita pelo gestor ao Conselho de Saúde, a comunidade e aos órgãos de controle, como Tribunal de Contas e Ministério Público. O Relatório de Gestão que deve ser apresentado anualmente deve corresponder as metas estabelecidas dentro do plano de saúde. A título de exemplo podemos citar que: se a administração municipal estabeleceu como meta a redução da mortalidade infantil dentro do plano municipal de saúde, deverá ao elaborar o seu relatório de gestão indicar quais as providências adotadas visando atingir ao índice pretendido e quais os resultados colhidos com o trabalho. Em sendo o bservado fielmente o relatório de gestão, este instrumento se transforma num valoroso meio para que a própria administração possa traçar as próximas metas, verifique se o pessoal destacado para o desempenho da atividade foi 151 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa eficiente, se os meios utilizados são adequados para se alcançar a eficicácia. Forma-se um movimento constante de ação e controle de resultados, uma evolução constante na prestação dos serviços e ações de saúde. Vale lembrar que a apresentação do relatório de gestão, assim como, os demais instrumentos de gestão não é uma faculdade conferida ao administrador público, mas a obediência aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência. VII. Plano plurianual – PPA Nos termos do art. 165,inc, I da Constituição Federal, Lei de iniciativa do Poder Executivo estabelecerá o Plano Plurianual, que deverá ser executado no prazo de quatro anos. Ainda, conforme previsão constitucional, art. 165,§1º “ a lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada. “O PPA é elaborado no primeiro ano de mandato do governante (Chefe do Poder Executivo) e encaminhado para a aprovação do Poder Legislativo até 31 de agosto, para viger nos 2º,3º e 4º anos do seu mandato. O sucessor governará no primeiro ano do seu mandato com o PPA elaborado pelo governo anterior” 283. Essa foi a forma encontrada para se evitar a descontinuidade na execução do planejamento a cada mudança ocorrida em decorrência das eleições. As metas e prioridades estabelecidas no planejamento macro, que é o plano de saúde, serão tomadas como fundamento para a elaboração do Plano Plurianual (PPA). Da mesma forma, quando da elaboração Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e via de consequência da Lei Orçamentária Anual (LOA) deverão ser contempladas as diretrizes, objetivos e metas traçados no Plano Plurianual . 283 Brasil. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde: manual basico/Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde – 3º ed. Rev.ampl.,1ª reimp.- Brasilia: Ministério da Saúde, 2003.p.48. 152 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O Tribunal de Contas, através do Plano Plurianual e da Lei de Diretrizes Orçamentária, poderá de forma permanente aferir a regularidade na aplicação dos recursos e o cumprimento das metas estabelecidas. Na área da saúde, o executivo ao elaborar o Plano de Saúde, também deverá observar as diretrizes traçadas no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentária. Os instrumentos de planejamento estabelecidos pela Carta Constitucional e leis infraconstitucionais não são excludentes, mas se complementam, ditando para o administrador público qual ou quais os caminhos que deverão ser perseguidos durante a gestão para atingir o interesse público. VIII. LDO – lei de diretrizes orçamentária A elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentária é de iniciativa do poder executivo, e deverá compreender, nos termos do art. 165 da Constituição Federal de 1988: “ as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento. Quando da sua elaboração deverá ser observado o que dispõe a Constituição Federal como objetivos fundamentais da República, previstos no art. 3º, bem como, em especial quanto ao direito à saúde, o caráter de relevância pública que foi conferido as ações e serviços de saúde no art. 197. Identificados os problemas e objetivos a serem atingidos deverão ser consignados créditos orçamentários na Lei Orçamentária Anual. A Lei de Diretrizes Orçamentária deverá contemplar as diretrizes, objetivos e metas traçados pela Administração no Plano Plurianual, que por sua vez recepcionou os programas definidos no Plano de Saúde.. Conforme delineado no art. 165, §5º,incs. I 153 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e II, os orçamentos previstos devem ser compatíveis com o plano plurianual, tendo como objetivo entre suas funções a de reduzir desigualdades inter-regionais, segundo critério populacional. IX. Lei orçamentária anual – LOA A LOA, instrumento orçamentário, define o quanto será destinado dos recursos públicos para a promoção das ações e serviços de saúde. “A LOA define recursos, para o próximo exercício financeiro, estimando receitas e fixando despesas, relativas aos três poderes (Legislativo, Judiciário e Executivo), inclui todos os órgãos da administração direta e indireta, os fundos especiais (inclusive os fundos de saúde), fundações e demais instituições mantidas pelo poder público”284. Nos termos do art. 165, §5º da Constituição Federal de 1988, a lei orçamentária anual compreenderá: I – o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo poder público; II – o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a votar. III – o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo poder público. Concluída a proposta orçamentária, a mesma deverá ser encaminhada pelo poder executivo ao legislativo até o dia 30 de agosto de cada ano. Ficando o poder legislativo encarregado de aprovar a LOA até 15 de dezembro. 284 Brasil. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde: manual basico/Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde – 3º ed. Rev.ampl.,1ª reimp.- Brasilia: Ministério da Saúde, 2003.p.52. 154 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Do exposto, conclui-se que existem a disposição da Administração Federal, Estadual e Municipal instrumentos valiosos de planejamento e controle de resultados que devem ser implementados e observados em todas as fases de execução das ações e serviços de saúde. X. Implantação do programa de saúde da família O Programa de Saúde da Família é uma estratégia de gestão na área pública ligada a prevenção. Sua criação e implantação está centrada no artigo 196 da Constituição Federal, quando diz que “ a saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. (grifo nosso) Para se alcançar a redução do risco de doença e de outros agravos, promovendo e protegendo a saúde do cidadão, várias estratégias podem ser implementadas, mas sem dúvida a mais eficiente é o regular funcionamento das Equipes de Saúde da Família. Estas equipes são formadas por um médico generalista, um enfermeiro, Neste programa o eixo central do fazer saúde está assentado na prevenção, tratasse do paciente de pé, antes de adoecer. “É aqui que o médico de família, tem, para além de suas competências próprias um papel fundamental. Caberá a ele não só prevenir e resolver a maioria das situações, como ter conhecimentos e a experiência que lhe permitam orientar, referenciar e acompanhar o cidadão, sempre que este necessite de cuidados de outro especialista ou a prestar em ambiente hospitalar. Caberá a ele fazer a integração de toda a informação colhida a montante e jusante”285. Sabemos que junto com a modernidade vem medicamentos mais eficazes, equipamentos com resolução mais precisa, associado a custos altíssimos, inacessíveis até para a classe média. Neste cenário, renova-se a importância da prevenção e do papel da equipe de saúde da família. Como exemplo, o médico 285 ALVIM, António. A Reforma da Saúde: O Sistema de Saúde no Estado de Mercado Social. 1ª edição. Lisboa. Impressão e acabamento: Rolo&Filhos. 2002.p.23. 155 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa pode se valer da clínica básica ou optar por ser um burocráta padrão, expedindo inúmeros procedimentos para se alcançar um diagnóstico, que irão onerar os cofres públicos. Daí a importância da atuação preventiva, associado a qualificação profissional. Fala-se no PSF que realmente atende aos fins para o qual foi criado, não do faz de conta da saúde. Quando este funciona adequadamente, é possível medir através de dados estatísticos a redução da mortalidade infantil e materna, a taxa de internação, dentre outros. Para tanto, é necessário que o recrutamento para a função pública seja por concurso público, garantindo o acesso aos quadros da função pública de pessoal qualificado. Que associado ao ingresso de pessoas qualificadas se tenha uma cultura de permanente capacitação e que os resultados estejam sendo sempre medidos. Essa constante aferição dos resultados contribui para uma atuação eficiente na área da saúde. CAPITULO IX PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E SEU CONTRIBUTO PARA A EVOLUÇÃO DO ESTADO SOCIAL A prestação dos serviços e ações de saúde é uma função essencial da Administração Pública no Estado Social de Direito. A ruptura com o modelo liberal e a instalação de um Estado social implica dizer que a lógica do Sistema Único de Saúde é, prioritariamente, assegurar a prestação de serviços de saúde com qualidade para todos, com acesso universal e igualitário, enquanto que o sistema privado de saúde visa preferencialmente o lucro e em plano secundário a satisfação do bem comum. Tanto assim, que o governo tem que estabelecer regras rígidas no que tange aos contratos firmados entre administradoras de planos de saúde e os particulares. Nos EUA a flexibilização dos contratos e a defesa do consumidor estão sempre como ponto principal da pauta do Estado Regulador. 156 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O princípio da eficiência emerge no sentido de se criar o novo, de valorizar as potencialidades humanas, de mostrar que com a força do homem capacitado e ético, é possível implementar um novo modelo de Administração. Criar o novo, sem contudo, menosprezar o legado cultural e jurídico deixado por nossos antepassados. Neste sentido, Maria João Estorninho enfatiza “ herança preciosa que deve ser estimada e preservada a todo custo:o reconhecimento dos direitos dos cidadãos, a consagração do princípio da separação de poderes, a afirmação da subordinação do Estado à Lei”.286 Condições necessárias para a efetivação do estado democrático : “direitos humanos eficazes; uma política social empenhada na compensação das desigualdades, para que a democracia enquanto forma estatal da inclusão possa assentar em uma sociedade inclusiva; e formas do Estado de Direito, nas quais a resistência e a atividade possam expressar-se legalmente”.287 I. Proposições do trabalho Proposições Gerais do Trabalho para se implementar uma administração pública eficiente, fundamentada no equilíbrio e independência entre os poderes, garantia dos direitos fundamentais (em especial saúde e educação) e subordinação do Estado à Lei : 1 – Instituir Varas Especializadas na área do Patrimônio Público 2- Instituir Código Direito Administrativo e Código de Processo Administrativo 288 286 ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o Direito Privado. P.15. MULLER, Friedrich. Ob.cit. p.127 288 sobre o tema Pablo Better Grunbaum leciona que ( Rescate de los valores éticos para la gobernabilidad democrática, Anales 4, I Congresso Interamericano del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública) La gobernabilidad democrática requiere de um ordenamiento jurídico claro y bien establecido, basado em la definición , entendimiento, aceptación y aplicación igualitaria de las normas por parte 287 157 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 3- Exigir dos cursos de graduação em direito uma ênfase para o Direito Público 4- A privatização de serviços não essenciais, associado a prioridade e relevo para os direitos fundamentais a cargo do serviço público 5- Mudança do sistema político atual, presidencialismo289 para o parlamentarismo290 6- critérios rígidos para o ingresso na função pública, selecionando no mercado pessoas especializadas 7- Processo de capacitação permanente de todos os integrantes da função pública através das escolas de serviço público 8- plano de carreira cargos e salários 9- critérios objetivos de promoção que permitam avaliar desempenho profissional coletivo mais busca de aprimoramento individual Proposições Especificas para a garantia do direito à saúde 1- uma descentralização administrativa com recursos proporcionais 2- Construção do PPA fundamentado nas diretrizes constitucionais, em especial com atenção ao disposto no art. 197 de gobernantes y gobernados, de um respeto irrestricto de um orden institucional em el sentido más amplio y completo. 289 Cfr. JJ. Gomes Canotilho ( Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6ª edição. Editora Almeida, Coimbra.2002,p. 584) Embora com especificidades nos vários estados latinos-americanos, o sistema presidencialista destes estados acentua disfunções político-organizatórias.(1) os amplos poderes do Presidente, ordinários e extraordinários, derivados do facto de o Presidente ser, ao mesmo tempo, Chefe de Estado e Chefe de Governo, alicerçam uma confusão e concentração de poderes executivos e legislativos (ex.: medidas provisórias no sistema presidencialista brasileiro); (2) esta confusão e concetração perturba o sistema de cheks and balances, o que conduz à insuficiência notoria de controles institucionais (por parte, por ex., do parlamento ou do poder judiciário sobre os actos presidenciais). 290 cfr. Lembra Paulo Bonavides (Teoria do Estado, 4ª edição. Editora Malheiros, Brasil, 2003) a superioridade do parlamentarismo sobre o presidencialismo é manifesta. Concepção mais democrática e mais atualizada de organização da função governativa, a seu favor militam inumeráveis razões. Põem termo ao governo de um homem só, que acumula poderes e funções, como as de principal executivo, principal legislador (que assim o é de fato), chefe de Estado, chefe de governo e chefe de partido, enfeixando três chefias nas quais se condensa um poder político quase impossível de conter-se nos limites de uma Constituição, esse governo já é de si mesmo o prefácio virtual da ditadura ou o convite ao exercício absoluto do poder. 158 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 3- Implementação dos planos municipal, estadual e federal, respeitadas as realidades regionais e constituidos com fundamento no perfil epidemiológico 4- Investimento na área da educação, permitindo um controle social real 5- Prestação dos serviços e ações de saúde diretas pelo poder público 159 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa BIBLIOGRAFIA 1. 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Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e Mensagem de veto recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: DISPOSIÇÃO PRELIMINAR Art. 1º Esta lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado. TÍTULO I DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade. Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. TÍTULO II DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE 168 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa DISPOSIÇÃO PRELIMINAR Art. 4º O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde (SUS). § 1º Estão incluídas no disposto neste artigo as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. § 2º A iniciativa privada poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS), em caráter complementar. CAPÍTULO I Dos Objetivos e Atribuições Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS: I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei; III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas. Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS): I - a execução de ações: a) de vigilância sanitária; b) de vigilância epidemiológica; c) de saúde do trabalhador; e d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica; II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico; III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde; IV - a vigilância nutricional e a orientação alimentar; 169 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho; VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção; VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas para consumo humano; IX - a participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico; XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados. § 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I - o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e II - o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde. § 2º Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos. § 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo: I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho; II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho; 170 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador; IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde; V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional; VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas; VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores. CAPÍTULO II Dos Princípios e Diretrizes Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da Constituição Federal, obedecendo ainda aos seguintes princípios: I - universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência; II - integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema; III - preservação da autonomia das pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas assistidas, sobre sua saúde; VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de saúde e a sua utilização pelo usuário; 171 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa VII - utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades, a alocação de recursos e a orientação programática; VIII - participação da comunidade; IX - descentralização político-administrativa, com direção única em cada esfera de governo: a) ênfase na descentralização dos serviços para os municípios; b) regionalização e hierarquização da rede de serviços de saúde; X - integração em nível executivo das ações de saúde, meio ambiente e saneamento básico; XI - conjugação dos recursos financeiros, tecnológicos, materiais e humanos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios na prestação de serviços de assistência à saúde da população; XII - capacidade de resolução dos serviços em todos os níveis de assistência; e XIII - organização dos serviços públicos de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos. CAPÍTULO III Da Organização, da Direção e da Gestão Art. 8º As ações e serviços de saúde, executados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), seja diretamente ou mediante participação complementar da iniciativa privada, serão organizados de forma regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente. Art. 9º A direção do Sistema Único de Saúde (SUS) é única, de acordo com o inciso I do art. 198 da Constituição Federal, sendo exercida em cada esfera de governo pelos seguintes órgãos: I - no âmbito da União, pelo Ministério da Saúde; II - no âmbito dos Estados e do Distrito Federal, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente; e III - no âmbito dos Municípios, pela respectiva Secretaria de Saúde ou órgão equivalente. Art. 10. Os municípios poderão constituir consórcios para desenvolver em conjunto as ações e os serviços de saúde que lhes correspondam. 172 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 1º Aplica-se aos consórcios administrativos intermunicipais o princípio da direção única, e os respectivos atos constitutivos disporão sobre sua observância. § 2º No nível municipal, o Sistema Único de Saúde (SUS), poderá organizar-se em distritos de forma a integrar e articular recursos, técnicas e práticas voltadas para a cobertura total das ações de saúde. Art. 11. (Vetado). Art. 12. Serão criadas comissões intersetoriais de âmbito nacional, subordinadas ao Conselho Nacional de Saúde, integradas pelos Ministérios e órgãos competentes e por entidades representativas da sociedade civil. Parágrafo único. As comissões intersetoriais terão a finalidade de articular políticas e programas de interesse para a saúde, cuja execução envolva áreas não compreendidas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Art. 13. A articulação das políticas e programas, a cargo das comissões intersetoriais, abrangerá, em especial, as seguintes atividades: I - alimentação e nutrição; II - saneamento e meio ambiente; III - vigilância sanitária e farmacoepidemiologia; IV - recursos humanos; V - ciência e tecnologia; e VI - saúde do trabalhador. Art. 14. Deverão ser criadas Comissões Permanentes de integração entre os serviços de saúde e as instituições de ensino profissional e superior. Parágrafo único. Cada uma dessas comissões terá por finalidade propor prioridades, métodos e estratégias para a formação e educação continuada dos recursos humanos do Sistema Único de Saúde (SUS), na esfera correspondente, assim como em relação à pesquisa e à cooperação técnica entre essas instituições. CAPÍTULO IV Da Competência e das Atribuições 173 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Seção I Das Atribuições Comuns Art. 15. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão, em seu âmbito administrativo, as seguintes atribuições: I - definição das instâncias e mecanismos de controle, avaliação e de fiscalização das ações e serviços de saúde; II - administração dos recursos orçamentários e financeiros destinados, em cada ano, à saúde; III - acompanhamento, avaliação e divulgação do nível de saúde da população e das condições ambientais; IV - organização e coordenação do sistema de informação de saúde; V - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade e parâmetros de custos que caracterizam a assistência à saúde; VI - elaboração de normas técnicas e estabelecimento de padrões de qualidade para promoção da saúde do trabalhador; VII - participação de formulação da política e da execução das ações de saneamento básico e colaboração na proteção e recuperação do meio ambiente; VIII - elaboração e atualização periódica do plano de saúde; IX - participação na formulação e na execução da política de formação e desenvolvimento de recursos humanos para a saúde; X - elaboração da proposta orçamentária do Sistema Único de Saúde (SUS), de conformidade com o plano de saúde; XI - elaboração de normas para regular as atividades de serviços privados de saúde, tendo em vista a sua relevância pública; XII - realização de operações externas de natureza financeira de interesse da saúde, autorizadas pelo Senado Federal; XIII - para atendimento de necessidades coletivas, urgentes e transitórias, decorrentes de situações de perigo iminente, de calamidade pública ou de irrupção de epidemias, a autoridade competente da esfera administrativa correspondente poderá requisitar bens e serviços, tanto de pessoas naturais como de jurídicas, sendo-lhes assegurada justa indenização; 174 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa XIV - implementar o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados; XV - propor a celebração de convênios, acordos e protocolos internacionais relativos à saúde, saneamento e meio ambiente; XVI - elaborar normas técnico-científicas de promoção, proteção e recuperação da saúde; XVII - promover articulação com os órgãos de fiscalização do exercício profissional e outras entidades representativas da sociedade civil para a definição e controle dos padrões éticos para pesquisa, ações e serviços de saúde; XVIII - promover a articulação da política e dos planos de saúde; XIX - realizar pesquisas e estudos na área de saúde; XX - definir as instâncias e mecanismos de controle e fiscalização inerentes ao poder de polícia sanitária; XXI - fomentar, coordenar e executar programas e projetos estratégicos e de atendimento emergencial. Seção II Da Competência Art. 16. A direção nacional do Sistema Único da Saúde (SUS) compete: I - formular, avaliar e apoiar políticas de alimentação e nutrição; II - participar na formulação e na implementação das políticas: a) de controle das agressões ao meio ambiente; b) de saneamento básico; e c) relativas às condições e aos ambientes de trabalho; III - definir e coordenar os sistemas: a) de redes integradas de assistência de alta complexidade; b) de rede de laboratórios de saúde pública; c) de vigilância epidemiológica; e 175 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa d) vigilância sanitária; IV - participar da definição de normas e mecanismos de controle, com órgão afins, de agravo sobre o meio ambiente ou dele decorrentes, que tenham repercussão na saúde humana; V - participar da definição de normas, critérios e padrões para o controle das condições e dos ambientes de trabalho e coordenar a política de saúde do trabalhador; VI - coordenar e participar na execução das ações de vigilância epidemiológica; VII - estabelecer normas e executar a vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras, podendo a execução ser complementada pelos Estados, Distrito Federal e Municípios; VIII - estabelecer critérios, parâmetros e métodos para o controle da qualidade sanitária de produtos, substâncias e serviços de consumo e uso humano; IX - promover articulação com os órgãos educacionais e de fiscalização do exercício profissional, bem como com entidades representativas de formação de recursos humanos na área de saúde; X - formular, avaliar, elaborar normas e participar na execução da política nacional e produção de insumos e equipamentos para a saúde, em articulação com os demais órgãos governamentais; XI - identificar os serviços estaduais e municipais de referência nacional para o estabelecimento de padrões técnicos de assistência à saúde; XII - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde; XIII - prestar cooperação técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o aperfeiçoamento da sua atuação institucional; XIV - elaborar normas para regular as relações entre o Sistema Único de Saúde (SUS) e os serviços privados contratados de assistência à saúde; XV - promover a descentralização para as Unidades Federadas e para os Municípios, dos serviços e ações de saúde, respectivamente, de abrangência estadual e municipal; XVI - normatizar e coordenar nacionalmente o Sistema Nacional de Sangue, Componentes e Derivados; XVII - acompanhar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde, respeitadas as competências estaduais e municipais; 176 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa XVIII - elaborar o Planejamento Estratégico Nacional no âmbito do SUS, em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal; XIX - estabelecer o Sistema Nacional de Auditoria e coordenar a avaliação técnica e financeira do SUS em todo o Território Nacional em cooperação técnica com os Estados, Municípios e Distrito Federal. (Vide Decreto nº 1.651, de 1995) Parágrafo único. A União poderá executar ações de vigilância epidemiológica e sanitária em circunstâncias especiais, como na ocorrência de agravos inusitados à saúde, que possam escapar do controle da direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) ou que representem risco de disseminação nacional. Art. 17. À direção estadual do Sistema Único de Saúde (SUS) compete: I - promover a descentralização para os Municípios dos serviços e das ações de saúde; II - acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde (SUS); III - prestar apoio técnico e financeiro aos Municípios e executar supletivamente ações e serviços de saúde; IV - coordenar e, em caráter complementar, executar ações e serviços: a) de vigilância epidemiológica; b) de vigilância sanitária; c) de alimentação e nutrição; e d) de saúde do trabalhador; V - participar, junto com os órgãos afins, do controle dos agravos do meio ambiente que tenham repercussão na saúde humana; VI - participar da formulação da política e da execução de ações de saneamento básico; VII - participar das ações de controle e avaliação das condições e dos ambientes de trabalho; VIII - em caráter suplementar, formular, executar, acompanhar e avaliar a política de insumos e equipamentos para a saúde; IX - identificar estabelecimentos hospitalares de referência e gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional; 177 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa X - coordenar a rede estadual de laboratórios de saúde pública e hemocentros, e gerir as unidades que permaneçam em sua organização administrativa; XI - estabelecer normas, em caráter suplementar, para o controle e avaliação das ações e serviços de saúde; XII - formular normas e estabelecer padrões, em caráter suplementar, de procedimentos de controle de qualidade para produtos e substâncias de consumo humano; XIII - colaborar com a União na execução da vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras; XIV - o acompanhamento, a avaliação e divulgação dos indicadores de morbidade e mortalidade no âmbito da unidade federada. Art. 18. À direção municipal do Sistema de Saúde (SUS) compete: I - planejar, organizar, controlar e avaliar as ações e os serviços de saúde e gerir e executar os serviços públicos de saúde; II - participar do planejamento, programação e organização da rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde (SUS), em articulação com sua direção estadual; III - participar da execução, controle e avaliação das ações referentes às condições e aos ambientes de trabalho; IV - executar serviços: a) de vigilância epidemiológica; b) vigilância sanitária; c) de alimentação e nutrição; d) de saneamento básico; e e) de saúde do trabalhador; V - dar execução, no âmbito municipal, à política de insumos e equipamentos para a saúde; VI - colaborar na fiscalização das agressões ao meio ambiente que tenham repercussão sobre a saúde humana e atuar, junto aos órgãos municipais, estaduais e federais competentes, para controlálas; 178 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa VII - formar consórcios administrativos intermunicipais; VIII - gerir laboratórios públicos de saúde e hemocentros; IX - colaborar com a União e os Estados na execução da vigilância sanitária de portos, aeroportos e fronteiras; X - observado o disposto no art. 26 desta Lei, celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, bem como controlar e avaliar sua execução; XI - controlar e fiscalizar os procedimentos dos serviços privados de saúde; XII - normatizar complementarmente as ações e serviços públicos de saúde no seu âmbito de atuação. Art. 19. Ao Distrito Federal competem as atribuições reservadas aos Estados e aos Municípios. CAPÍTULO V Do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) Art. 19-A. As ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas, em todo o território nacional, coletiva ou individualmente, obedecerão ao disposto nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) Art. 19-B. É instituído um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, componente do Sistema o Único de Saúde – SUS, criado e definido por esta Lei, e pela Lei n 8.142, de 28 de dezembro de 1990, com o qual funcionará em perfeita integração. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) Art. 19-C. Caberá à União, com seus recursos próprios, financiar o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) Art. 19-D. O SUS promoverá a articulação do Subsistema instituído por esta Lei com os órgãos responsáveis pela Política Indígena do País. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) Art. 19-E. Os Estados, Municípios, outras instituições governamentais e não-governamentais poderão atuar complementarmente no custeio e execução das ações. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) Art. 19-F. Dever-se-á obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos 179 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) Art. 19-G. O Subsistema de Atenção à Saúde Indígena deverá ser, como o SUS, descentralizado, hierarquizado e regionalizado.(Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) o § 1 O Subsistema de que trata o caput deste artigo terá como base os Distritos Sanitários Especiais Indígenas. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) o § 2 O SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, devendo, para isso, ocorrer adaptações na estrutura e organização do SUS nas regiões onde residem as populações indígenas, para propiciar essa integração e o atendimento necessário em todos os níveis, sem discriminações. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) o § 3 As populações indígenas devem ter acesso garantido ao SUS, em âmbito local, regional e de centros especializados, de acordo com suas necessidades, compreendendo a atenção primária, secundária e terciária à saúde. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) Art. 19-H. As populações indígenas terão direito a participar dos organismos colegiados de formulação, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, tais como o Conselho Nacional de Saúde e os Conselhos Estaduais e Municipais de Saúde, quando for o caso. (Incluído pela Lei nº 9.836, de 1999) CAPÍTULO VI DO SUBSISTEMA DE ATENDIMENTO E INTERNAÇÃO DOMICILIAR (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002) Art. 19-I. São estabelecidos, no âmbito do Sistema Único de Saúde, o atendimento domiciliar e a internação domiciliar. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002) o § 1 Na modalidade de assistência de atendimento e internação domiciliares incluem-se, principalmente, os procedimentos médicos, de enfermagem, fisioterapêuticos, psicológicos e de assistência social, entre outros necessários ao cuidado integral dos pacientes em seu domicílio. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002) o § 2 O atendimento e a internação domiciliares serão realizados por equipes multidisciplinares que atuarão nos níveis da medicina preventiva, terapêutica e reabilitadora. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002) o § 3 O atendimento e a internação domiciliares só poderão ser realizados por indicação médica, com expressa concordância do paciente e de sua família. (Incluído pela Lei nº 10.424, de 2002) 180 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa CAPÍTULO VII DO SUBSISTEMA DE ACOMPANHAMENTO DURANTE O TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓSPARTO IMEDIATO (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005) Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005) o § 1 O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005) o § 2 As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005) Art. 19-L. (VETADO) (Incluído pela Lei nº 11.108, de 2005) TÍTULO III DOS SERVIÇOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÙDE CAPÍTULO I Do Funcionamento Art. 20. Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde. Art. 21. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Art. 22. Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto às condições para seu funcionamento. Art. 23. É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiros na assistência à saúde, salvo através de doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos. 181 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 1° Em qualquer caso é obrigatória a autorização do órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), submetendo-se a seu controle as atividades que forem desenvolvidas e os instrumentos que forem firmados. § 2° Excetuam-se do disposto neste artigo os serviços de saúde mantidos, em finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social. CAPÍTULO II Da Participação Complementar Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público. Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do Sistema Único de Saúde (SUS). Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional de Saúde. § 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços contratados. § 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato. § 3° (Vetado). § 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS). TÍTULO IV DOS RECURSOS HUMANOS 182 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Art. 27. A política de recursos humanos na área da saúde será formalizada e executada, articuladamente, pelas diferentes esferas de governo, em cumprimento dos seguintes objetivos: I - organização de um sistema de formação de recursos humanos em todos os níveis de ensino, inclusive de pós-graduação, além da elaboração de programas de permanente aperfeiçoamento de pessoal; II - (Vetado) III - (Vetado) IV - valorização da dedicação exclusiva aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS). Parágrafo único. Os serviços públicos que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) constituem campo de prática para ensino e pesquisa, mediante normas específicas, elaboradas conjuntamente com o sistema educacional. Art. 28. Os cargos e funções de chefia, direção e assessoramento, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), só poderão ser exercidas em regime de tempo integral. § 1° Os servidores que legalmente acumulam dois cargos ou empregos poderão exercer suas atividades em mais de um estabelecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). § 2° O disposto no parágrafo anterior aplica-se também aos servidores em regime de tempo integral, com exceção dos ocupantes de cargos ou função de chefia, direção ou assessoramento. Art. 29. (Vetado). Art. 30. As especializações na forma de treinamento em serviço sob supervisão serão regulamentadas por Comissão Nacional, instituída de acordo com o art. 12 desta Lei, garantida a participação das entidades profissionais correspondentes. TÍTULO V DO FINANCIAMENTO CAPÍTULO I Dos Recursos Art. 31. O orçamento da seguridade social destinará ao Sistema Único de Saúde (SUS) de acordo com a receita estimada, os recursos necessários à realização de suas finalidades, previstos em proposta elaborada pela sua direção nacional, com a participação dos órgãos da Previdência Social e da Assistência Social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias. 183 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Art. 32. São considerados de outras fontes os recursos provenientes de: I - (Vetado) II - Serviços que possam ser prestados sem prejuízo da assistência à saúde; III - ajuda, contribuições, doações e donativos; IV - alienações patrimoniais e rendimentos de capital; V - taxas, multas, emolumentos e preços públicos arrecadados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS); e VI - rendas eventuais, inclusive comerciais e industriais. § 1° Ao Sistema Único de Saúde (SUS) caberá metade da receita de que trata o inciso I deste artigo, apurada mensalmente, a qual será destinada à recuperação de viciados. § 2° As receitas geradas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) serão creditadas diretamente em contas especiais, movimentadas pela sua direção, na esfera de poder onde forem arrecadadas. § 3º As ações de saneamento que venham a ser executadas supletivamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), serão financiadas por recursos tarifários específicos e outros da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e, em particular, do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). § 4º (Vetado). § 5º As atividades de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico em saúde serão cofinanciadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelas universidades e pelo orçamento fiscal, além de recursos de instituições de fomento e financiamento ou de origem externa e receita própria das instituições executoras. § 6º (Vetado). CAPÍTULO II Da Gestão Financeira Art. 33. Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) serão depositados em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde. 184 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 1º Na esfera federal, os recursos financeiros, originários do Orçamento da Seguridade Social, de outros Orçamentos da União, além de outras fontes, serão administrados pelo Ministério da Saúde, através do Fundo Nacional de Saúde. § 2º (Vetado). § 3º (Vetado). § 4º O Ministério da Saúde acompanhará, através de seu sistema de auditoria, a conformidade à programação aprovada da aplicação dos recursos repassados a Estados e Municípios. Constatada a malversação, desvio ou não aplicação dos recursos, caberá ao Ministério da Saúde aplicar as medidas previstas em lei. Art. 34. As autoridades responsáveis pela distribuição da receita efetivamente arrecadada transferirão automaticamente ao Fundo Nacional de Saúde (FNS), observado o critério do parágrafo único deste artigo, os recursos financeiros correspondentes às dotações consignadas no Orçamento da Seguridade Social, a projetos e atividades a serem executados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Parágrafo único. Na distribuição dos recursos financeiros da Seguridade Social será observada a mesma proporção da despesa prevista de cada área, no Orçamento da Seguridade Social. Art. 35. Para o estabelecimento de valores a serem transferidos a Estados, Distrito Federal e Municípios, será utilizada a combinação dos seguintes critérios, segundo análise técnica de programas e projetos: I - perfil demográfico da região; II - perfil epidemiológico da população a ser coberta; III - características quantitativas e qualitativas da rede de saúde na área; IV - desempenho técnico, econômico e financeiro no período anterior; V - níveis de participação do setor saúde nos orçamentos estaduais e municipais; VI - previsão do plano qüinqüenal de investimentos da rede; VII - ressarcimento do atendimento a serviços prestados para outras esferas de governo. § 1º Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios será distribuída segundo o quociente de sua divisão pelo número de habitantes, independentemente de qualquer procedimento prévio. 185 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 2º Nos casos de Estados e Municípios sujeitos a notório processo de migração, os critérios demográficos mencionados nesta lei serão ponderados por outros indicadores de crescimento populacional, em especial o número de eleitores registrados. § 3º (Vetado). § 4º (Vetado). § 5º (Vetado). § 6º O disposto no parágrafo anterior não prejudica a atuação dos órgãos de controle interno e externo e nem a aplicação de penalidades previstas em lei, em caso de irregularidades verificadas na gestão dos recursos transferidos. CAPÍTULO III Do Planejamento e do Orçamento Art. 36. O processo de planejamento e orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS) será ascendente, do nível local até o federal, ouvidos seus órgãos deliberativos, compatibilizando-se as necessidades da política de saúde com a disponibilidade de recursos em planos de saúde dos Municípios, dos Estados, do Distrito Federal e da União. § 1º Os planos de saúde serão a base das atividades e programações de cada nível de direção do Sistema Único de Saúde (SUS), e seu financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária. § 2º É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área de saúde. Art. 37. O Conselho Nacional de Saúde estabelecerá as diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, em função das características epidemiológicas e da organização dos serviços em cada jurisdição administrativa. Art. 38. Não será permitida a destinação de subvenções e auxílios a instituições prestadoras de serviços de saúde com finalidade lucrativa. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS Art. 39. (Vetado). § 1º (Vetado). § 2º (Vetado). 186 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 3º (Vetado). § 4º (Vetado). § 5º A cessão de uso dos imóveis de propriedade do Inamps para órgãos integrantes do Sistema Único de Saúde (SUS) será feita de modo a preservá-los como patrimônio da Seguridade Social. § 6º Os imóveis de que trata o parágrafo anterior serão inventariados com todos os seus acessórios, equipamentos e outros § 7º (Vetado). § 8º O acesso aos serviços de informática e bases de dados, mantidos pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, será assegurado às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde ou órgãos congêneres, como suporte ao processo de gestão, de forma a permitir a gerencia informatizada das contas e a disseminação de estatísticas sanitárias e epidemiológicas médico-hospitalares. Art. 40. (Vetado) Art. 41. As ações desenvolvidas pela Fundação das Pioneiras Sociais e pelo Instituto Nacional do Câncer, supervisionadas pela direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), permanecerão como referencial de prestação de serviços, formação de recursos humanos e para transferência de tecnologia. Art. 42. (Vetado). Art. 43. A gratuidade das ações e serviços de saúde fica preservada nos serviços públicos contratados, ressalvando-se as cláusulas dos contratos ou convênios estabelecidos com as entidades privadas. Art. 44. (Vetado). Art. 45. Os serviços de saúde dos hospitais universitários e de ensino integram-se ao Sistema Único de Saúde (SUS), mediante convênio, preservada a sua autonomia administrativa, em relação ao patrimônio, aos recursos humanos e financeiros, ensino, pesquisa e extensão nos limites conferidos pelas instituições a que estejam vinculados. § 1º Os serviços de saúde de sistemas estaduais e municipais de previdência social deverão integrar-se à direção correspondente do Sistema Único de Saúde (SUS), conforme seu âmbito de atuação, bem como quaisquer outros órgãos e serviços de saúde. 187 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 2º Em tempo de paz e havendo interesse recíproco, os serviços de saúde das Forças Armadas poderão integrar-se ao Sistema Único de Saúde (SUS), conforme se dispuser em convênio que, para esse fim, for firmado. Art. 46. o Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecerá mecanismos de incentivos à participação do setor privado no investimento em ciência e tecnologia e estimulará a transferência de tecnologia das universidades e institutos de pesquisa aos serviços de saúde nos Estados, Distrito Federal e Municípios, e às empresas nacionais. Art. 47. O Ministério da Saúde, em articulação com os níveis estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS), organizará, no prazo de dois anos, um sistema nacional de informações em saúde, integrado em todo o território nacional, abrangendo questões epidemiológicas e de prestação de serviços. Art. 48. (Vetado). Art. 49. (Vetado). Art. 50. Os convênios entre a União, os Estados e os Municípios, celebrados para implantação dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde, ficarão rescindidos à proporção que seu objeto for sendo absorvido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Art. 51. (Vetado). Art. 52. Sem prejuízo de outras sanções cabíveis, constitui crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas (Código Penal, art. 315) a utilização de recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS) em finalidades diversas das previstas nesta lei. Art. 53. (Vetado). Art. 54. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 55. São revogadas a Lei nº. 2.312, de 3 de setembro de 1954, a Lei nº. 6.229, de 17 de julho de 1975, e demais disposições em contrário. Brasília, 19 de setembro de 1990; 169º da Independência e 102º da República. FERNANDO COLLOR Alceni Guerra Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 20.9.1990 188 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa LEI Nº 8.142, DE 28 DE DEZEMBRO DE 1990 Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS} e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. 189 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: Art. 1° O Sistema Único de Saúde (SUS), de que trata a Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, contará, em cada esfera de governo, sem prejuízo das funções do Poder Legislativo, com as seguintes instâncias colegiadas: I - a Conferência de Saúde; e II - o Conselho de Saúde. § 1° A Conferência de Saúde reunir-se-á a cada quatro anos com a representação dos vários segmentos sociais, para avaliar a situação de saúde e propor as diretrizes para a formulação da política de saúde nos níveis correspondentes, convocada pelo Poder Executivo ou, extraordinariamente, por esta ou pelo Conselho de Saúde. § 2° O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de serviço, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera do governo. § 3° O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) terão representação no Conselho Nacional de Saúde. § 4° A representação dos usuários nos Conselhos de Saúde e Conferências será paritária em relação ao conjunto dos demais segmentos. 190 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 5° As Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde terão sua organização e normas de funcionamento definidas em regimento próprio, aprovadas pelo respectivo conselho. Art. 2° Os recursos do Fundo Nacional de Saúde (FNS) serão alocados como: I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde, seus órgãos e entidades, da administração direta e indireta; II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do Poder Legislativo e aprovados pelo Congresso Nacional; III - investimentos previstos no Plano Qüinqüenal do Ministério da Saúde; IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal. Parágrafo único. Os recursos referidos no inciso IV deste artigo destinar-se-ão a investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e às demais ações de saúde. Art. 3° Os recursos referidos no inciso IV do art. 2° desta lei serão repassados de forma regular e automática para os Municípios, Estados e Distrito Federal, de acordo com os critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990. 191 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 1° Enquanto não for regulamentada a aplicação dos critérios previstos no art. 35 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990, será utilizado, para o repasse de recursos, exclusivamente o critério estabelecido no § 1° do mesmo artigo. § 2° Os recursos referidos neste artigo serão destinados, pelo menos setenta por cento, aos Municípios, afetando-se o restante aos Estados. § 3° Os Municípios poderão estabelecer consórcio para execução de ações e serviços de saúde, remanejando, entre si, parcelas de recursos previstos no inciso IV do art. 2° desta lei. Art. 4° Para receberem os recursos, de que trata o art. 3° desta lei, os Municípios, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com: I - Fundo de Saúde; II - Conselho de Saúde, com composição paritária de acordo com o Decreto n° 99.438, de 7 de agosto de 1990; III - plano de saúde; IV - relatórios de gestão que permitam o controle de que trata o § 4° do art. 33 da Lei n° 8.080, de 19 de setembro de 1990; V - contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento; 192 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa VI - Comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS), previsto o prazo de dois anos para sua implantação. Parágrafo único. O não atendimento pelos Municípios, ou pelos Estados, ou pelo Distrito Federal, dos requisitos estabelecidos neste artigo, implicará em que os recursos concernentes sejam administrados, respectivamente, pelos Estados ou pela União. Art. 5° É o Ministério da Saúde, mediante portaria do Ministro de Estado, autorizado a estabelecer condições para aplicação desta lei. Art. 6° Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 7° Revogam-se as disposições em contrário. Brasília, 28 de dezembro de 1990; 169° da Independência e 102° da República. FERNANDO COLLOR Alceni Guerra 193 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 194 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa SAÚDE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Obs. Pelo art. 5º, § 1º da CF/88, como direito fundamental social, a saúde constitui um direito de aplicação imediata. Precisou, o cidadão precisa ser atendido imediatamente. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; 195 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados. § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades. § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário. 196 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Art. 30. Compete aos Municípios: VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. 197 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa I - no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: II - no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III - no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I - os percentuais de que trata o § 2º; II - os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; III - as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; IV - as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União. Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. 198 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. § 3º É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. § 4º A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho 199 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Art. 208.. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: VII - atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. Art. 212.. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 4º Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 3º Compete à lei federal: 200 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa I - regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos: I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. 201 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título. § 1º É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta. § 2º É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta. Art. 55. Até que seja aprovada a lei de diretrizes orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, serão destinados ao setor de saúde. Art. 74.. A União poderá instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira. 202 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 1º A alíquota da contribuição de que trata este artigo não excederá a vinte e cinco centésimos por cento, facultado ao Poder Executivo reduzi-la ou restabelecê-la, total ou parcialmente, nas condições e limites fixados em lei. § 2º À contribuição de que trata este artigo não se aplica o disposto nos arts. 153, § 5º, e 154, I, da Constituição. § 3º O produto da arrecadação da contribuição de que trata este artigo será destinado integralmente ao Fundo Nacional de Saúde, para financiamento das ações e serviços de saúde. § 4º A contribuição de que trata este artigo terá sua exigibilidade subordinada ao disposto no art. 195, § 6º, da Constituição, e não poderá ser cobrada por prazo superior a dois anos". Art. 77.. Até o exercício financeiro de 2004, os recursos mínimos aplicados nas ações e serviços públicos de saúde serão equivalentes: (AC) I – no caso da União: (AC) a) no ano 2000, o montante empenhado em ações e serviços públicos de saúde no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; (AC) 203 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa b) do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto – PIB; (AC) II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, doze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; e (AC) III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, quinze por cento do produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. (AC) § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que apliquem percentuais inferiores aos fixados nos incisos II e III deverão elevá-los gradualmente, até o exercício financeiro de 2004, reduzida a diferença à razão de, pelo menos, um quinto por ano, sendo que, a partir de 2000, a aplicação será de pelo menos sete por cento. (AC) § 2º Dos recursos da União apurados nos termos deste artigo, quinze por cento, no mínimo, serão aplicados nos Municípios, segundo o critério populacional, em ações e serviços básicos de saúde, na forma da lei. (AC) § 3º Os recursos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinados às ações e serviços públicos de saúde e os transferidos pela União para a mesma finalidade serão aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde, sem prejuízo do disposto no art. 74 da Constituição Federal. (AC) 204 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 4º Na ausência da lei complementar a que se refere o art. 198, § 3º, a partir do exercício financeiro de 2005, aplicar-se-á à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o disposto neste artigo. (AC) Art. 79.. É instituído, para vigorar até o ano de 2010, no âmbito do Poder Executivo Federal, o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, a ser regulado por lei complementar com o objetivo de viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida. (AC) Parágrafo único. O Fundo previsto neste artigo terá Conselho Consultivo e de Acompanhamento que conte com a participação de representantes da sociedade civil, nos termos da lei. (AC) EMENDAS CONSTITUCIONAIS DE INTERESSE DA SAÚDE EC-12 EC-20 EC-26 EC-29 EC-31 EC-34 205 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Seção II Da Saúde Art. 159. A saúde é dever do Estado e direito de todos, assegurado mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, prevenção, proteção e recuperação. Art. 160. O direito à saúde pressupõe: I - condições dignas de trabalho e de renda, saneamento, moradia, alimentação, educação, transporte e lazer; II - respeito ao meio ambiente sadio e ao controle da poluição ambiental; III - opção quanto ao tamanho da prole. 206 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Art. l61. As ações e serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público, nos termos da lei, dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de serviços de terceiros, e também por pessoa física ou jurídica de direito privado, devidamente qualificados para participar do sistema único de saúde. Art. 162. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização político-administrativa com direção única em cada esfera de governo; II - integração das ações e serviços de saúde adequados às diversas realidades epidemiológicas; III - universalização de assistência de igual qualidade, com acesso a todos os níveis dos serviços de saúde, respeitadas as peculiaridades e necessidades básicas da população urbana e rural, atendendo, de forma integrada, às atividades preventivas e assistenciais; IV - participação, em nível de decisão de entidades representativas de usuários, prestadores de serviço e profissionais da área de saúde. Art. 163. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. 207 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa § 1° As instituições privadas de saúde poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílio ou subvenção à instituição privada com fins lucrativos e a concessão de qualquer incentivo, respeitado o disposto no art. 208. § 3° É vedada a designação ou nomeação de proprietário de serviço de saúde, contratado pelo Poder Público, para exercer qualquer função ou cargo de chefia nos órgãos e unidades estaduais do sistema único de saúde. Art. 164. No sistema único de saúde compete ao Estado, além das atribuições estabelecidas na Constituição Federal e na legislação complementar: I - prestar serviços de saúde, de vigilância sanitária e epidemiológica e outros, em integração com os sistemas municipais; II - responsabilizar-se pelos serviços de abrangência estadual ou regional, ou por programas, projetos ou atividades que não possam, por seu custo, especialização ou grau de complexidade, ser executados pelos Municípios; 208 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa III - assegurar número de hospitais e postos de saúde suficientemente equipados com recursos humanos e materiais, para garantir o acesso de todos à assistência médica, farmacêutica, odontológica e psicológica, em todos os níveis; IV - assegurar a todos o direito de optar, em caso de necessidade de assistência médica, odontológica e psicológica, por quaisquer das unidades hospitalares e por profissionais habilitados do sistema único de saúde; V - dar assistência à saúde comunitária para garantir o acompanhamento do doente dentro de sua realidade familiar, comunitária e social; VI - assegurar à criança, durante a hospitalização, o acompanhamento pela mãe ou responsável, na forma da lei; VII - promover e incentivar a pesquisa e o desenvolvimento de novas tecnologias e a produção de medicamento, matérias-primas, insumos imunológicos, preferencialmente por laboratórios oficiais do Estado, abrangendo, também, práticas alternativas de diagnóstico e terapêutica; VIII - desenvolver o sistema estadual público regionalizado de coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados; IX - controlar e fiscalizar a composição, produção, guarda e uso de bens de consumo relacionados com a saúde, compreendendo alimentos, bebidas, medicamentos, saneantes, produtos químicos, cosméticos, produtos de higiene 209 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa pessoal, agrotóxicos, seus componentes e afins, produtos agrícolas, drogas veterinárias, água, sangue, hemoderivados, equipamentos médico-hospitalares, farmacêuticos, de laboratório, odontológicos e fisioterápicos, insumos, correlatos e outros que a lei indicar; X - desenvolver e apoiar programas de incentivo à doação de órgãos humanos para transplante; XI - desenvolver programa estadual de saúde objetivando garantir a saúde e a vida dos trabalhadores, através da adoção de medidas que visem à eliminação de riscos de acidentes, doenças profissionais e do trabalho e que ordenem o processo produtivo; XII - oferecer serviço de prevenção para a saúde e para a cárie dentária, à clientela escolar do ensino fundamental da rede estadual de ensino; XIII - dar assistência, proteção e tratamento adequados ao doente mental em nível ambulatorial e hospitalar, garantindo recursos materiais e humanos. Art. 165. A assistência farmacêutica, privativa de profissional habilitado de nível superior, integra o sistema único de saúde ao qual cabe garantir o acesso de toda a população aos medicamentos básicos, bem como controlar e fiscalizar o funcionamento de postos de manipulação, doação e venda de medicamentos, drogas e insumos farmacêuticos destinados ao uso humano. 210 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Parágrafo único. O Sistema Único de Saúde deverá implantar procedimentos de farmacovigilância que permitam o uso racional de medicamento e a verificação dos efeitos causados à população. Art. 166. É da competência do Estado providenciar, dentro de rigorosos padrões técnicos, a inspeção e a fiscalização dos serviços de saúde públicos e privados, principalmente aqueles possuidores de instalações que utilizem substâncias ionizantes, visando assegurar a proteção ao trabalhador no exercício de suas atividades e aos usuários desses serviços. 211 Nícia Regina Sampaio Curso de Mestrado em Ciências Jurídico-Políticas Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa 212