Leia na íntegra, em PDF.

Transcrição

Leia na íntegra, em PDF.
Produto: JT - SP - 11 - 20/03/03
2%
5%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
11A-TR.A-RED. 90%
95%
98%
100%
PB
2%
5%
10%
15%
Produto: JT - SP - 11 - 20/03/03
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
Composite
85%
90%
95%
98%
100%
COR
11A-TR.A-RED. -
Composite
%HermesFileInfo:11-A:20030320:
jornal da tarde
quinta-feira, 20 de março de 2003
GUERRA
DO GOLFO
caderno A
II
11
Reprodução
No deserto do
Kuwait, brasileiro
espera pela guerra
Dylan Rios Matz, filho de americano e brasileira, decidiu morar nos EUA há
seis anos. Alistou-se no Exército, virou pára-quedista e hoje espera pelo
confronto com Saddam Hussein. E tranqüiliza parentes e amigos via e-mail
MARC TAWIL
Jornal da Tarde
Quando criança, Dylan Rios
Matz gostava de brincar de soldado – herança do pai americano, veterano da Guerra do Vietnã. A mãe,
a florista paulistana Nélia Rios, nunca imaginou que a paixão por tanques, canhões e helicópteros levaria Dylan a tornar-se, anos depois,
um pára-quedista do Exército dos
Estados Unidos.
“Ele cresceu ouvindo histórias
do pai e tinha a fantasia de ser militar”, diz Nélia. Dylan, hoje com 28
anos, foi para os EUA há seis, para
cursar Relações Exteriores. Seis meses depois, alistou-se no Exército e
participou de missões humanitárias, como a assistência a refugiados da ex-Iugoslávia. Uma guerra,
porém, não estava em seus planos.
Na Carolina do Norte (Costa Leste), onde vive com a mulher – Sarah, uma fluminense de Niterói –,
segue uma rotina tranqüila. De dia
freqüenta a base militar e dedica
as noites aos estudos.
Nos e-mails que manda para a
mãe diariamente do Kuwait, onde
está há sete semanas, relata a dura
vida de rigger (empacotador das
cargas jogadas dos aviões). Divertese ao contar como a areia “invade
os poros de seu corpo” e como ca-
mundongos fazem a festa com
seus biscoitos. Reclama do calor infernal do deserto e confidencia que
a guerra pode se estender, ao lembrar que, “em agosto, o calor chega
a 52 graus”. E cita ainda as avassaladoras tempestades de areia, que
destroçam tudo pela frente.
Telefonemas já eram raros, e a
partir de agora as notícias devem ficar mais escassas, pois o acesso à
internet foi suspenso ontem, por
determinação do comando militar.
A paulistana Nélia soube pela
nora que o filho fora convocado para a guerra. “Minhas pernas ficaram bambas. Gelei”, confessa. “Minha primeira pergunta foi: ‘E o
Dylan?’. A resposta me entristeceu: ele não queria ir”, recorda-se.
“A vida inteira ele sonhou com isso, mas agora está confuso.”
‘Bush queria
a guerra desde o começo’
Ao saber da convocação do filho
para a guerra, Nélia embarcou para
a Carolina do Norte para dar-lhe
apoio, e lá ficou por 40 dias. “Não
pude vê-lo na tarde do embarque,
porque eu estava com o meu outro
filho em Nova York.” Este, de 25
anos, diferentemente de Dylan,
não seguiu carreira militar e trabalha como desenhista publicitário.
Na visão de Nélia, o presidente
dos Estados Unidos, George Bush,
elegeu-se tendo em mente confrontar o Iraque de Saddam. “Isto
aconteceria de qualquer forma, e
só não ocorreu antes por causa dos
atentados de 11 de setembro em
Washington e Nova York.”
Preocupada, ela não desliga a tevê e acompanha diariamente as notícias vindas do Golfo Pérsico.
“Nunca li tanto noticiário internacional”, admite. Um possível uso
de armas químicas por parte das
tropas iraquianas a deixa temerosa, mas o fato de o batalhão de
Dylan não precisar entrar no Iraque a alivia. “Ele não comentou sobre armas químicas e prefiro não
saber, para sofrer menos. Também
não me deu detalhes sobre o ritmo
das operações, mesmo porque existe um sigilo obrigatório”, explica.
Após cinco anos lutando ao lado
dos americanos, Dylan Matz revelou à mãe estar cansado. “Ele pretende voltar para o Brasil assim
que puder”, diz Nélia. Nas mensagens que envia para a família e amigos, mostra-se esperançoso de que
o conflito acabe logo – e com o mínimo possível de mortes. “Meu filho fala sempre que está com saudades e, quando me escreve, pede
para eu telefonar para a mulher dele dizer-lhe que está tudo bem.”
O pára-quedista Dylan (esq.), a mãe, Nélia, e o irmão: sonho de ser soldado, como o pai americano
O dia-a-dia do conflito por e-mail
O correio eletrônico tem sido a grande arma de Dylan Matz para
tranqüilizar amigos e parentes. Por e-mail, ele relata a rotina no deserto,
diz como está comendo, dormindo e até o que faz para se divertir. Abaixo,
leia trechos de e-mails enviados por ele à mãe, Nélia, direto do Kuwait:
ATÉ A CHUVA AQUI É SECA
“Muitas areias e nenhuma água...até a chuva aqui é seca! Quando chove, chove muito
pouco e logo em seguida vem uma tempestade de areia que chega a destruir coisas, como
a de hoje, que destruiu uma de nossas tendas... Chega a ser engraçado no começo, mas
depois que a areia entra em cada poro do seu
corpo comeca a ‘encher o saco’.”
...E O VENTO LEVOU
“A tempestade de areia
hoje destruiu o QG da minha companhia. Eu estava
de guarda esta noite. Foi demais ver todos aqueles papéis
voarem com o vento. Nunca tinha visto nada igual em toda minha vida...”
gumas fotos – de vocês e dos cães. Acho
que é isso. Te amo e curta bem aí.”
MUITA AREIA PARA O MEU TECLADO
“Os teclados aqui têm tanta areia que mal
dá pra escrever. A tecla é dura pacas e por isso, às vezes, a escrita fica ruim... Por aqui não
há novidades. A única coisa boa são os
e-mails e os meus amigos que eu tenho na
tenda. A gente tenta se divertir ao máximo
com toda essa bullshit (bobagem) que a gente
tem vivido, believe or not (acredite ou não) a
gente tem dado muita risada por aqui.”
PORNOGRAFIA, NÃO!
“Nãomandem fotoscom pornografia,poispodem me tirar o e-mail por um mês,de castigo.”
VERÃO DE 52 GRAUS
BOLACHAS PARA OS RATOS DO DESERTO
“Agora são quatro horas da tarde e faz
um calor infernal. Ainda bem que não temos de trabalhar agora... Mãe, você não precisa mandar quase nada, porque aqui tem
praticamente tudo. As bolachas seriam
uma boa, mas há camundongos aqui e eles
comeram as minhas. Tive de jogá-las fora.
O livro é boa idéia e você pode mandar al-
“Hoje fez calor, muito calor
e nem chegou perto do que
vai ser lá por agosto... Espero
que a gente volte antes disso.
Estava lendo uns documentos sobre o Kuwait que diziam que em julho e agosto a temperatura bate os 45 graus e pode chegar a 52 graus!!! Vai ficar muito quente, teremos de levar algumas garrafas na mochila...”
Chip East/Reuters
Em Israel, ordem é preparar os abrigos
Pavel Wolberg/AP
Na contagem regressiva
para o ataque dos EUA,
israelenses finalizaram
ontem suas medidas de
defesa: antimísseis nas
cidades e abrigos
selados em cada casa
Na contagem regressiva para o
ataque americano ao Iraque, Israel
tinha ontem prontas duas linhas
de defesa contra uma eventual represália de Saddam Hussein. A
principal, a cargo das Forças Armadas, é um projeto de bilhões de dólares: um sofisticado sistema de interceptação e destruição de mísseis. A outra, a cargo dos cidadãos,
custou cerca de US$ 15 para cada
um: rolos de plástico e fitas adesivas para vedar portas e janelas.
Tendo na lembrança os 39 mísseis Scud que o Iraque disparou sobre Israel na Guerra do Golfo, em
1991, o governo ainda ontem insistia em que cada família transforme
um cômodo da casa em abrigo lacrado, diante da possibilidade (considerada mínima) de ataque com
agentes químicos e biológicos. Os
retardatários saíram ontem às com-
Telas de plástico com fita adesiva vedam janela: receita de US$ 15
pras, ou mesmo procuraram os
postos do Exército que distribuem
máscaras antigás – procedimento
regular no país desde 1991.
“Baixa probabilidade, prontidão
elevada”, foi o tom da campanha
oficial. E, apesar da adesão maciça,
os israelenses não demonstravam
pânico. “Não acho que Saddam
Hussein lançará mísseis sobre Jerusalém”, dizia Julie. “Se ele acertasse
Mohammed Saber/AFP
PRIMEIRA BAIXA
AMERICANA DA GUERRA
FOI UM PACIFISTA
Um rapaz que protestava
contra o ataque americano
ao Iraque caiu ontem da ponte
Golden Gate, em San Francisco,
EUA, e morreu. O rapaz, que
não teve o nome divulgado
pelas autoridades, sobreviveu
à queda, mas morreu logo
depois, ao ser medicado.
Houve protestos também
em frente à Casa Branca (dir.)
e na Faixa de Gaza, território
palestino ocupado por Israel.
o Monte do Templo, teria que se
explicar com muita gente”, concluiu. Ela se referia à área da Cidade Velha que abriga os santuários
mais venerados por muçulmanos,
cristãos e judeus.
As autoridades do setor de defesa anunciaram que as baterias de
mísseis antimísseis estavam prontas para entrar em ação, antes mesmo de vencer o prazo dado pelos
EUA para que Saddam deixasse o
Iraque. A nova vedete da defesa antiaérea israelense são os antimísseis Arrow, quase uma prata-da-casa: eles foram desenvolvidos, com
ajuda tecnológica e financeira dos
EUA, a partir do similar americano
Patriot, que estreou na guerra de
91. O projeto custou no total US$
2,2 bilhões.
O Arrow foi projetado para ser
capaz de interceptar um míssil balístico em menos de três minutos a
partir do disparo, em altitudes superiores a 50 km. Mas baterias de
Patriot também estão a postos para defender Israel: se os Arrows falharem, os “veteranos” americanos
entrarão em campo para tentar
destruir os Scud em altitudes mais
baixas. Em 91, os Patriot falharam
várias vezes, mas desde então eles
foram aperfeiçoados.
Desde o início da semana, a Força Aérea israelense está em alerta
máximo, com pilotos e aviões prontos para decolar caso o país seja
atacado: ao contrário do que fez na
Guerra do Golfo, desta vez Israel
não se absterá de revidar. Os preparativos finais para a defesa foram
examinados ontem em uma reunião extraordinária de gabinete
presidida pelo premiê Ariel Sharon.
Epitacio Pessoa/AE
Nicholas Roberts/AFP
NOIVAS PELA PAZ NA AVENIDA PAULISTA
De dentro de um balão, uma noiva “americana” e uma “iraquiana”
desceram na praça Alexandre Gusmão, atrás da Avenida
Paulista, soltando pétalas de rosas. Depois, na grama da praça,
um punhado de noivas se deitou, formando a palavra paz.
Armas pesadas no policiamento da estação central de Nova York
Alerta máximo em
Washington, Nova
York e Londres
Baterias antimísseis e
policiamento ostensivo
mudaram o cenário nas
principais cidades dos
EUA. Na capital
britânica, suspeitos de
terrorismo presos
A iminência de um ataque militar ao Iraque está fazendo com que
Nova York e Washington – os alvos dos atentados de 11 de setembro de 2001 – intensifiquem as medidas de segurança contra novos
atos de terrorismo. Em Londres, o
apoio britânico aos Estados Unidos
também levou o governo a orientar a população contra o risco do
terror. “A ameaça de terrorismo é
séria a real”, advertiu o ministro do
Interior David Blunkett.
Em Nova York, que a exemplo
de todo o território está em alerta
laranja – o segundo em nível de periculosidade, numa escala de cinco
dores –, o Departamento de Polícia
intensificou as medidas de segurança, principalmente na frente das sedes da emissoras de tevê, em Manhattan, para evitar que terroristas
tomem suas instalações e divulguem mensagens.
Dono do maior efetivo de segurança do país, com 36,5 mil homens, a polícia de Nova York começou a acionar o plano de segurança, Operação Atlas, na medida em
que o início da guerra se aproximou.
Com orçamento de US$ 5 milhões por semana, trata-se, de acordo com o prefeito Michael Bloomberg, o “mais amplo plano antiterror colocado em prática em nossa
cidade”. Ontem, Bloomberg foi a
Washington. Pediu ao presidente
George Bush e ao secretário de Segurança Interior, Tom Ridge, mais
dinheiro para cobrir as “necessidades especiais” antiterroristas. Embora nada tenha sido decidido,
Bloomberg e Ridge revelaram que
a reunião foi “muito positiva”.
Também na mira dos terroristas, Washington tomou suas medidas de proteção. Todos dos locais
mais visados estão como vigilância
redobrada, principalmente a Casa
Branca, tida como um dos alvos
preferidos pelo terror. “Não devemos entrar em pânico, mas estar vigilantes”, advertiu o prefeito Anthony Williams.
De acordo com ele, os tipos de
atentados mais cotados são uma
bomba no metrô, em algum ônibus, num shopping center, numa
rua de movimento, ou a explosão
de uma bomba química, biológica
ou radioativa. Para evitar atentados como estes, centenas de policiais forem espalhados pela cidade.
Duas ambulâncias estão estacionadas na avenida Pensilvânia, a
poucos metros da Casa Branca. No
Céu, dois helicópteros – um deles
de combate – patrulham noite e
dia. Nas escolas, planos de emergência estão preparados para ser
ativados em caso de atentados.
Em Londres, o Ministério do Interior também alertou a população
sobre a possibilidade de atentados,
embora o governo garanta que não
há informações sobre “riscos imediatos”. Num site da internet, o governo garantiu que não há necessidade de a população comprar máscaras antigás ou armazenas alimentos. “O melhor, em caso de atentado, é ficar em casa com o rádio ligado”, aconselhou o site.