o peso - João da Mata | media scholar and professional

Transcrição

o peso - João da Mata | media scholar and professional
IMAGENS p 24 a 29
HQ e fotos revisitam
os tempos da Fafich
na Carangola
Memória p 10 e 14
Por que a primeira turma do
curso não formou e o Silencio
nos anos de chumbo
A profissão de
jornalista em
dois tempos
CONEXÕES p 36, 42 e 45
Comunicação Social - #15 abr ‘12
ufmg:
oe peso
a leveza
dos
50
anos
COLABORADORES
1.
Anna Luiza Costa
2.
Christiana Ribeiro dos Santos Lima
3.
Ennio Rodrigues
4.
Fabíola Souza
5.
Gabriel Braga
6.
Gabriella Hauber
7.
Glauber Guimarães
8.
Juliana Ferreira
9.
Lígia Souto
10.
Luize Valu
11.
Mariana Cepeda
12.
Matheus Coutinho
13.
Michell “Lott” Costa
14.
Mônica Duarte
15.
Patrícia Penna
16.
Ramon Guerra
17.
Samuel Andrade
18.
Sara Grenbaum
19.
Vanrochris Vieira
20.
Vanessa Soares
21.
Victor Vieira
22.
Eduardo Moura
Universidade Federal de Minas Gerais
Reitor: Professor Clélio Campolina Diniz
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Diretor: Professor Jorge Alexandre Barbosa Neves
Comunicação Social
Chefe do Departamento: Professor Delfim Afonso Jr.
Coordenadora do Curso: Professora Valéria de Fátima
Raimundo
23.
Jessica Laurie
24.
Luíza Tomagnini
25.
Maria Cláudia Bonutti
26.
Nara Gabrielly
27.
Louise Vieira
Comissão Organizadora dos 50 anos do Curso de
Comunicação Social da UFMG
28.
Mariana Garcia
29.
Terêncio de Oliveira
30.
Victor Guimarães
31.
Anna Paula Silveira
32.
Catarina Flister
33.
Giselle Ferreira Nunes
34.
Ricardo Miranda
35.
Bruno Fonseca
36.
Paula Fonseca Ferreira
37.
Lucas Pavanelli
38.
Tarcísio José Baptista Neto
39.
Ray J. Braz
expediente #15 // ano 8 // MARço ‘12
COORDENAÇÃO:
Nísio Teixeira
[email protected]
Editores Executivos:
Jornalistas Cláudia Graça da Fonseca e
Enderson d’Assumpção Cunha
diagramação:
João da Mata
[email protected]
Projeto Gráfico:
João da Mata
[email protected]
Eduardo Felippe
[email protected]
Editoração:
Officium - Laboratório de Práticas Jornalísticas
tIRAGEM:
500 Exemplares
Impressão:
Reali Editora Gráfica-LTDA-ME – Maringá - PR
Endereço para correspondência
Officium – Laboratório de Práticas Jornalísticas
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG
Av. Antônio Carlos , 6627 Campus Pampulha
31270-901 – Belo Horizonte – MG
Telefone: (31) 3499 5047
[email protected]
arte da capa
Ray J. Braz
www.rayjbraz.com.br
Ilustrador autodidata que nasceu em
Atalaia - AL e vive em Ouro Preto - MG.
E
eis que, após algumas edições de jejum tangível, a Outro Sentido retorna remodelada em
uma versão impressa. E esse retoque não poderia chegar em momento mais especial: a celebração
dos 50 anos do curso de Comunicação Social da
UFMG. A revista se integra às iniciativas da efeméride, como o projeto Memória e o Acervo 50, relatadas
na contracapa pelos co-editores Cláudia Fonseca e
Enderson Cunha com a colaboração das alunas Luíza
Tomagnini e Maria Cláudia Bonutti.
Mas, como prevê um pouco da filosofia editorial
que perpassa a história e está presente no próprio
nome da publicação (e no texto de abertura de Gabriella Hauber, com colaboração de Jessica Laurie
e Nara Gabrielly), tentamos aqui outra perspectiva
jornalística de aproximação da temática cinquentenária, que procura se refletir nas pautas, textos, formatos e outras proposições dos alunos. Se, tradicionalmente, os assuntos abordados pela Outro Sentido
pediam outro lugar para o texto jornalístico, esse lugar muitas vezes coincidia com algum deslocamento
geográfico: bailões, festividades, bares, ruas... Assim,
é interessante notar que a retomada impressa da Outro Sentido coincida com esse desafio de ter como lugar, precisa e curiosamente, um outro tempo.
Começamos por algumas publicações do curso e
da Fafich que antecederam esta revista, como Alternativa e Silêncio, nos relatos, respectivamente, da
dupla Matheus Coutinho-Ennio Rodrigues e Fabíola Souza. Retrocedemos ainda à incrível história de
Samuel Andrade acerca dos bastidores em torno da
primeira formatura do curso de Jornalismo – que
não aconteceu em 1964 devido às ameaças oriundas
de grupos ligados à ditadura militar recém-instalada
no Brasil. Um flashback mais lúdico é propiciado pela
série de fotos selecionada por Michell Lott a partir do
acervo reunido pela ex-professora Rúbia Roberta no
Facebook e também com a quadrinização de Louise
Vieira a partir de vídeo produzido ao Projeto Memória por Mariana Garcia, Victor Guimarães e Terêncio
de Oliveira com as (ex?)faficheiras Élida Murta e Iara
Franco, que passeiam pela antiga sede da Fafich na
Rua Carangola, 288 e relembram histórias.
Assim é que, gradativamente impulsionados por
uma óbvia mudança geográfica e de comportamento,
os faficheiros de ontem na Carangola dão lugar aos
alunos de Comunicação Social do campus Pampulha
de hoje. Como que intercalados por um espelho distante, o aqui e o outrora seguem se misturando nos
textos e histórias que concatenam os diversos espíritos de tempo (como nos relatos de Mariana Cepeda e
Christiana Lima), estágio e mercado de trabalho (Ramon Guerra, o trio Victor Vieira, Matheus Coutinho e
Ennio Rodrigues e a dupla Lígia Souto e Vanrochris
Vieira), ações estudantis (Patrícia Penna, com colaboração de Eduardo Moura), trotes (Luize Valu), bandas
de rock, samba e MPB (Gabriel Braga, Anna Luiza
Costa, Juliana Ferreira e Glauber Guimarães), perfis
de Clara Arreguy (Mônica Duarte) e Mariana Tavares
(Vanessa Soares) e, por fim, em uma crônica ucrônica de Sara Grenbaum. Ah! Na edição em PDF deste
número, leia também a seção extra “2060”, produzida
por GiseleNunes, Ricardo Miranda e Anna Paula Silveira. Bruno Fonseca, Paula Fonseca, Lucas Pavanelli
e Tarcísio José B. Neto ajudaram na formatação final
de parte dos textos desta edição.
Nessa tessitura intertemporal, vale dizer que essa
própria edição da revista abriga trabalho de alunos
dos últimos três semestres da disciplina Laboratório
Outro Sentido – e até mesmo daqueles que não foram
ou não fizeram a matéria. Característica que evidencia a ideia de que o espírito de laborar, experimentar
ao longo da disciplina é sempre maior do que a publicação, que apenas reflete, em parte, os desafios e
méritos desta travessia.
É nesse mesmo espírito que entregamos ao público essa edição da Outro Sentido. Não só para entender
como era o curso de Comunicação Social da UFMG de
antes, mas, sobretudo, nesse percurso, entendermos
como somos e estamos no curso de Comunicação Social de hoje. Avante!
Prof. Nísio Teixeira
Coordenador
20
”
Era uma vez...
21
“
“
24
26
Ilustração: Ray J. Braz
6
8
”
Cérebro, o que faremos amanhã à noite?
“
”
Alternativa, uma história de identidades
“
10
14
17
”
Contra o Silêncio, Silêncio
“
”
A formatura que não aconteceu
“
A multiface da imprensa em dois mo(vi)mentos
”
estudantis
“
”
Uma tarde nos domínios da (ex)Faficheira
30
32
36
38
40
45
50
”
Rua Carangola, 288
“
”
Imagens que falam entre mais de mil memórias
“
”
A Era das bandas
“
”
A menina da Fafich
“
”
Melhor de três?
“
”
Formação em quatro estágios
“
”
Histórias do jornalismo, jornalismo em histórias
“
”
Quase 50 anos depois
“
”
Prazer anos 1970
“
6
7
“Cérebro, o que faremos
amanhã à noite?”
Nada de conquistar o mundo.
A experiência da vez é preencher as páginas da Outro Sentido.
por Gabriella Hauber, colaboração de Jéssica Laurie e Nara Gabrielly
C
ientistas malucos, vários tubos de formas e tamanhos
diferentes, líquidos de cores estranhas, fumaça e vários
outros instrumentos peculiares. É mais ou menos assim que funciona um laboratório. Daqueles estereotipados,
que vêm primeiro a nossa cabeça. Mas sou da área de humanas e o laboratório que participo só tem em comum com
esse outro os experimentos e as experiências. No caso, o que
experimentamos é o fazer jornalístico, tentando dar um outro
olhar à prática de fazer matérias e pensar pautas. Um “Outro
Sentido”, laboratório cujo produto final é uma revista, como
esta, produzida inteiramente pelos alunos da Comunicação. O
tema que escolhi é metalinguístico, falar da revista na própria
revista. Dar um outro olhar a isso que é complicado.
O professor Bruno Leal foi um dos principais envolvidos na
criação da revista. Ele conta que na época da criação, o curso
não tinha grandes produtos. “A Outro Sentido foi gestada em
várias conversas entre quatro pessoas: eu, o professor Carlos
Mendonça e os jornalistas Cláudia Fonseca e Enderson Cunha.
Ao final, decidimos por um veículo em formato de revista, com
diversidade de gêneros textuais e padrões de linguagem jornalística. Optamos por explorar sentidos novos e múltiplos do
jornalismo especializado, exercitando narrativas e técnicas de
apuração, investigação e demais procedimentos de reportagem”, conta.
A proposta da publicação se tornou possível a partir do
currículo implantado em 2000, que tinha como característica
forte a flexibilização e a inovação de práticas laboratoriais. “O
objetivo inicial do laboratório foi permitir a aprendizagem do
trabalho cooperativo, de forma que o aluno pudesse reconhecer suas potencialidades e seus limites”, completa Bruno Leal.
Alguns Cérebros, Dexters...
Resolvi conversar com alguns alunos que fizeram a primeira edição da revista para saber como foi a experiência. Desde
o primeiro exemplar até este que estamos fazendo agora, as
turmas, os alunos já têm/tinham uma ideia do que são as matérias produzidas pela Outro Sentido, qual a intenção delas,
como funciona o laboratório de um modo geral... Não é à toa
que é um laboratório bem disputado. Eu mesma já acompanhava as edições da revista e já sabia mais ou menos o que me
esperava. Ter sido a primeira turma a participar do laboratório,
a trabalhar a ideia de um outro olhar, de um fazer jornalismo
diferente, talvez, seja um desafio a mais.
Um desafio prazeroso, daqueles que a gente tem total liberdade para enfrentar, experimentar. Liberdade na escolha da
pauta, na redação das matérias, em tudo. Uma liberdade que
acaba sendo importante para o crescimento dos alunos também. O tema da primeira revista foi “Jornalismo Cultural”, com
o enfoque na cultura como prática cotidiana.
“Fazer a revista foi um momento de encantamento com
uma possibilidade da prática jornalística que continuo exercitando até hoje. Nós participamos amplamente da construção
das pautas, tivemos possibilidade de nos lançar às experiências onde encontraríamos lugares culturais que estavam próximos de nossa vida, mas ainda não desvelado”, conta Milene
Migliano, que pensou e fez a matéria “Cenas de cinema”, com
“depoimentos-legenda” espalhados por toda e revista.
“Distribuir” as fotos-legenda foi uma ideia que funcionou
bem. Deixar transparecer o que as fontes dizem e um pouco
nossa relação com elas pode ser uma forma de dar um “outro
sentido”, de fazer diferente. “Minha escolha de trazer o que as
pessoas falavam comigo quando eu me aproximava delas foi
uma tática para mostrar a diversidade que animava o cinema
do shopping”, conta Milene. Renata Ornelas fez a matéria “A
grande roda... Anarriê”, que conta sobre as festas juninas tradicionais na periferia de Belo Horizonte, para a primeira edição da revista. “Era uma proposta jornalística mais livre e os
alunos tiveram bastante autonomia na escolha das pautas,
dentro dos temas gerais propostos para as duas edições do período: cultura e esporte/lazer”.
Parece que a tal liberdade é o que mais atrai os
alunos. A possibilidade de colocar no texto o que quer e o que
sente instiga qualquer um. Até porque não há espaço mais
adequado para fazer isso do que na universidade e em um
laboratório. O próprio nome já remete a um lugar de experimentações. “Sempre gostei do ramo da comunicação, mas foi
no laboratório da revista Outro Sentido que descobri que meu
texto pode ter mais vida e mais emoção”,
diz Reginaldo Soares, responsável pela
matéria “Expresso Bailão”, que narra a
trajetória de um ônibus que durantes as
noites do fim de semana leva várias pessoas para a diversão.
Isso de ter liberdade é ótimo porque nos faz pensar, estimula a criação
de novas idéias, mas é bem desafiador
também. Somos acostumados a seguir
regras e alguns padrões de orientação.
De repente, poder fazer o que bem entendermos – claro que com algum bom
senso – me deu uma paralisada, do tipo
“e agora, faço o quê?”. Mas isso também
faz parte do meu crescimento enquanto
aluna e futura profissional, é um complemento a todas as outras disciplinas
e experiências com estágios. Quebrar a
cabeça (e eventualmente a cara!) é muito
importante também.
“pra quê serve esse botão?”
Se no laboratório nós partimos do
princípio liberdade total, no mercado
talvez a coisa funcione diferente. As regras são mais claras e rígidas e o jornalista raramente tem liberdade para fazer
o que quiser com sua pauta. Se for no
jornalismo diário, então, nem o tempo
colabora. “Sendo realista, não acredito
que haja apelo comercial para publicações sobre essa ótica”, acredita Reginaldo. Pode até ser complicado e difícil dar
“outro sentido” às publicações quando já
se está no mercado, mas não é impossível encaixar certos detalhes que podem
tornar o texto mais interessante.
Claro que eu não posso afirmar isso
com tanta propriedade porque ainda
não “caí” do lado de fora da universidade,
mas já li textos de jornalistas que tentam
experimentar e fazer diferente. “Acabei
trilhando um caminho bem diferente,
hoje atuo na Assessoria de Imprensa da
ALMG. Não tenho a mesma liberdade
de estilo que tive ao participar de Outro Sentido. Acredito que a experiência
tenha me ajudado a lidar melhor com o
entrevistado, a respeitá-lo e incentivá-lo
a contar a sua história. Esse foi, sem dúvida, meu maior aprendizado”, garante
Renata.
De um jeito ou de outro, a experiência com o laboratório acaba deixando
marcas em quem um dia já teve a oportunidade e a liberdade de tentar fazer algo
diferente, de experimentar. Mesmo tendo editores que talvez não aceitem tanta
experimentação, nós, alunos, sabemos
que somos capazes de fazer diferente se,
um dia, tivermos uma oportunidade.
Ao todo, 15 turmas já passaram pelo
laboratório. Incluindo aí as que publicaram a revista e as que tiveram problemas com isso – sem contar essa edição
que você está lendo agora! Nesse meio
tempo, sete professores já foram os responsáveis pelas turmas e, consequentemente, os editores da revista. Isso, mais
o fato de os alunos em cada semestre
serem diferentes, faz com que cada edição também seja diferente, faz com que
a revista se renove. Nas primeiras edições parece que a proposta era dar um
outro olhar às diferentes “vertentes” do
jornalismo. A primeira, por exemplo, é
Jornalismo Cultural, a segunda Jornalismo Esportivo. Já teve também o policial,
turístico, ambiental... Depois os temas
foram sendo mais aleatórios e, às vezes,
mais subjetivos. Eu mesma tenho, em
casa, quatro edições que foram publicadas com os temas mais diversos, que vão
“erótico” à “brega e chique”, passando por
“comida” e “tão longe, tão perto”.
“Pink”
Confesso que quando o Nísio Teixeira, professor da minha turma do laboratório Outro Sentido, falou que o tema da
revista que faríamos seria os 50 anos do
curso de Comunicação da UFMG, fiquei
um pouco com o pé atrás. Como achar
uma pauta interessante e fazer uma matéria legal sobre esse assunto? Quebrei
muito a cabeça e percebi que a primeira
coisa que pensamos sempre é o óbvio. No
dia de apresentar as pautas, quase todo
mundo tinha pensado em temas muito
parecidos. Até que pensei nesta pauta
aqui, que até agora não sei se é boa!
Pauta feita, o complicado era achar
as fontes, alunos que passaram pelo laboratório, com o foco maior nos que fizeram a primeira edição. A maioria dos
que encontrei foi pelas redes sociais e
por indicações. Alguns responderam, outros, não. Na verdade, grande parte não
respondeu, mas é assim mesmo...
Entrevistas transcritas, hora de escrever. Mas não é só sentar e começar a
digitar. Era preciso dar um “outro sentido” à matéria. Que coisa difícil isso de
tentar fazer diferente, ainda mais com
esse tema que arrumei! O tempo todo fiquei pensando que seria mais fácil se eu
tivesse conseguido pensar nessas pautas
que a gente tem que sair na rua, sentir
o tema – adoro quando isso acontece,
acho até que a matéria flui mais naturalmente. Acabou que comecei a simpatizar
com minha pauta e ralei para pensar um
caminho a seguir.
Essa é a parte difícil de ter total liberdade. Funcionando bem, podia escolher
o caminho que quisesse, mas sem algo
para me guiar. Até o número de caracteres é livre – isso foi a primeira vez que
aconteceu comigo. Já que meu tema é
metalingüístico, resolvi fazer a matéria
também de forma metalinguística. Espero que, pelo menos, não esteja cansativo
e chato de ler.
8
9
Alternativa, uma
história de identidades
Da ditadura até aulas de lambada, não faltou assunto
no jornal-laboratório do curso.
por Mateus Coutinho e Ennio Rodrigues
E
m 1968, Richard Nixon foi eleito presidente da maior
potência capitalista do mundo. Advogado que serviu de
capitão da marinha norte-americana durante a II Guerra Mundial, havia sido derrotado por John F. Kennedy em 1960.
Com todos estes feitos, o ano que não acabou para Richard Milhous Nixon foi 1974, quando renunciou à presidência dos EUA
em função do escândalo Watergate.
Em agosto daquele ano - enquanto comunismo e capitalismo se digladiavam, fãs lamentavam a separação dos Beatles e
Emílio Garrastazu Médici se preparava para terminar mais um
ano de chumbo da ditadura brasileira - no alto da rua Carangola, em Belo Horizonte, um jornal de nome ousado estampava o
rosto de Nixon com seu nome na manchete principal.
“Acreditamos que o objetivo primordial de um jornal-laboratório não é servir a interesses ou ideologias, e sim propiciar,
aos estudantes de jornalismo, a oportunidade de fazer jornalismo”. Já dizia o editorial da edição número 0 do Alternativa,
um jornal que em 23 anos de inconstâncias, dificuldades econômicas, indefinições gráficas e editoriais, marcou o curso de
Comunicação Social da UFMG.
Em 1969 os estudantes de jornalismo ficaram proibidos de
fazer estágios em empresas da área, com isso a universidade
procurou propiciar a prática jornalística aos alunos. A primeira iniciativa foi o “Jornal da Universidade” em 1970, veículo que
fazia parte do extinto “Serviço de Relações Universitárias” e
era ligado à reitoria da UFMG. No mesmo ano começava a surgir a ideia do Alternativa, um jornal laboratório do curso de
Comunicação cuja primeira edição, assim como Nixon, só saiu
em 1974.
O ano que não começou...
Saiu, mas por quase um ano, nenhuma outra edição foi
publicada. Apesar de um regime político pouco afeito a jornalistas na época, o motivo do Alternativa ter ficado 9 meses
sem ser produzido não foi a censura. Falta de dinheiro, de infraestrutura, dificuldade de “convencer” o MEC da obrigação
de bancar um veículo de experimentação no curso. “Em todo o
período de existência do jornal laboratório, nunca houve facilidade para sua publicação”, lembrava José Mendonça, um dos
fundadores do curso de Comunicação Social da UFMG e que
foi responsável pelo Alternativa por 12 anos, em entrevista realizada em 1997.
A primeira edição não foi, nem de longe, a que mais demorou. Este “feito” ficou com a edição número nove que só deu
as caras 25 meses depois da oitava edição. Depois dela, quem
chegou mais perto do “recorde” foi a edição 56, que demorou 20
meses. Estes lapsos eram apenas uma indicação do que era a
confusa produção do Alternativa que, como lembra o ex-aluno
e hoje professor do curso, Elton Antunes, era um “de-vez-em-quandário”, em sua época de estudante. Com a proposta de
ser um jornal que incite a reflexão dos alunos sobre a prática
jornalística para os estudantes, a partir do quarto período, o
que se viu durante os anos do Alternativa foi uma constante dificuldade de produção e definição da própria identidade
do veículo. Isso tornava o jornal, muitas vezes, um reflexo de
quem coordenava a disciplina.
Jornal de fases
Mesmo com todas estas confusões, o Alternativa teve, entre um e outro lapso de produção, algumas fases marcantes
que renderam até estudo produzido pela ex-aluna Mônica Miranda Ramos. Ela foi bolsista do PAD - Programa de aprimoramento discente - e, por um ano e meio, esteve envolvida com o
jornal (no começo como aluna e depois como monitora). Toda
essa experiência ela reuniu em seu trabalho de conclusão de
curso que resgata a história do jornal e discute a importância
dos jornais-laboratório para o curso.
Entre 1974 e 1986, sob a coordenação do professor José Mendonça, o veículo viveu sua fase “Inicial” marcada pelos questionamentos políticos aliados a temas culturais. Mas, se na época
a Fafich era o local dos questionamentos políticos e o movimento estudantil, o Alternativa se preocupava em ser, antes de
tudo, um veículo laboratório. “O jornal pendia para a esquerda,
mas sem críticas diretas, ninguém estava a fim de ser preso, o
pessoal estava a fim de fazer faculdade” ,
conta Mônica Ramos.
Passada a ditadura e o medo de serem presos, os alunos, sob a coordenação
dos professores Charles Magno, Itamar
de Oliveira e outros que foram dando
suas contribuições a cada edição, puderam vivenciar a fase “Política” que durou
até, aproximadamente, 1993. Eleições
diretas, Constituição de 1988, mudanças
na lei eram alguns dos assuntos que foram, cada vez mais, ganhando espaço
no Alternativa. Houve até um exemplar
especial “Balanço das Eleições” sobre as
eleições para reitor da Universidade. É
nesta fase ainda que, pela primeira vez,
surge um monitor para a disciplina.
Rumo à Pampulha
Em 1990, a Fafich e o Alternativa passam por uma mudança radical: deixam a
tradicional região centro-sul da cidade
e rumam para o modernismo da Pampulha. Mas nem os contornos de Oscar
Niemayer ajudaram a dar um rumo definitivo para o jornal-laboratório. Veiculado no Campus, ele passou a se dirigir (ou
quase isso) para os alunos, com matérias
mais ligadas ao cotidiano da Fafich e até
mesmo pequenos anúncios dos, até hoje,
variados “serviços” oferecidos extra-oficialmente pela Universidade. Desde aulas de lambada a ofertas de sanduíches
naturais, os alunos, não só da Fafich, iam
ampliando seus mercados consumidores.
Elton conta que o foco nos estudantes do Campus veio muito da própria
proximidade que sempre foi importante
de definição de um público-alvo do Alternativa. Ele lembra que, em sua época de
estudante, quando estava no bairro Santo Antônio, o jornal procurava se focar
em assuntos pertinentes para o entorno
do bairro. Já no Campus a estratégia era
mais clara, focar nos alunos: porta da reitoria, bandejão, entrada da universidade
- locais em que o jornal era distruído.
“O jornal pendia para a esquerda, mas sem
críticas diretas, ninguém estava a fim de ser
preso, o pessoal estava a fim de fazer faculdade”
Os últimos passos
Com a entrada em cena do jornalista
Manoel Guimarães como editor do jornal em 1993, o Alternativa começa sua
fase “Profissional”. Acompanhamento
mais efetivo dos textos conferindo um
padrão uniforme e um tom mais sério,
próximo a um texto típico da grande imprensa, foi a marca deste período. Não é
por menos que José Mendonça considera esta fase a que o “jornal teve mais cara
de jornal”.
Até mesmo o Ombudsman surgiu
nesta época que, inclusive, teve todas
suas edições impressas sem lapsos de
produção. Período também que contou
com duas edições especiais de cobertura
do Festival de Inverno da UFMG, e outra
recorrente visita a um assentamento de
sem-terras em Tarumirim, próximo a Governador Valadares, em Minas Gerais.
No primeiro semestre de 1997, novamente, o Alternativa muda de cara, dessa
vez sob a responsabilidade do professor,
na época recem-contratado, Elton Antunes. “Fomos no chamado feeling jornalístico, fazíamos o que imaginávamos
que os estudantes queriam ler e qual a
linguagem apropriada para isso”, explica
Elton. Com esse feeling teve início a última fase do Alternativa, a de “Comportamento”.
Mônica Ramos participou do Alternativa nessa época e lembra como que
o professor tentou organizar o veículo
e conseguiu trazer algumas discussões
aos alunos: “ele conversava com a turma
toda para obter não só sugestões isoladas, mas um viés de pauta e sugestão
de pautas globais. Isso de maneira que o
jornal tivesse alguma organização”. Para
tentar organizar a produção, Elton partiu de um princípio básico do jornalismo
para “estimular” os alunos: fazer jornal
é cumprir prazos. Então vai no tapa, vai
sair do jeito que tiver que sair, era o que
o professor falava na época.
O que ficou
Dificuldades das mais variadas, identidades e temáticas inconstantes, indefinição de projeto pedagógico, são alguns
dos fatores que levaram o Alternativa
ao seu fim na edição 95 em dezembro de
1997. A partir de então, só com a reforma
curricular de 2000 outros projetos semelhantes de jornal-laboratório seriam discutidos e redefinidos para o curso.
Para os ex-alunos ficaram as marcas
de distintas experiências que cada fase
do Alternativa possibilitou: “não tinhamos muito interesse, achávamos uma
coisa muito largada; o professor pedia
uma pauta e a gente fazia qualquer coisa
da nossa cabeça. Não era muito atrativo
para gente”, recorda Elton falando de
sua época de aluno. Mônica hoje trabalha na assessoria da prefeitura de Belo
Horizonte e percebe que mesmo com
todas as dificuldades que ela observou
na sua vivência com o jornal, a experiência do Alternativa trouxe um certo enriquecimento na sua formação: “eu fiquei
achando agora, nem na época eu achava
não, que essa coisa de bolar pauta veio
dessa experiência. Trabalhar a criatividade, fazer uma coisa diferente, ter uma
ideia inusitada e desenvolvê-la”, conta
Mônica.
10
11
Contra o silêncio:
Silêncio
Silêncio procura se libertar de mordaças e de grilhões. Procura
alcançar o leitor comum. Sabemos que não será fácil, mas estaremos
sempre atentos e sempre prontos para prosseguir. Estamos apenas
começando. E não vamos parar. Nós chegaremos aonde queremos – e
precisamos – chegar. (trecho do editorial da revista n°4)
Papel, cola e tesoura
Escrever, apagar, recortar, colar: diagramar. Processos hoje executados rapidamente com a ajuda do computador demandavam daqueles jovens muito tempo e trabalho. No lugar dos comandos Ctrl+C (copiar) e Ctrl+V
(colar), havia a tradicional cola e tesoura nas mãos e muita disposição na montagem de cada página. A produção
dos primeiros números era completamente artesanal,
mas nem por isso menos criativa ou complexa. Em várias páginas da Silêncio encontram-se desenhos fortes
e bem marcados, montagens com imagens e textos, sem
falar das capas, irreverentes e contestadoras. Maria Beatriz - “Bia” - Bretas, então estudante de Comunicação e
desenhista da revista, conta de onde vinha tanta inspiração: “em meus desenhos, eu tentava revelar aquilo que
o texto expressava para mim, onde ele mexia com meus
sentimentos”. Além de Bia, a revista contava com outros
ilustradores como Luiz Maia, Gilberto Abreu e Cacau.
Por meio dos contos, poemas e ilustrações, a revista
dava aos jovens a liberdade para experimentar. Os próprios desenhos que, a princípio, tinham basicamente o
papel de ilustrar, passaram, mais tarde, a ser assunto
por Fabíola Souza
1974.
Ditadura
Militar. Ato Institucional Número 5
em pleno vigor. O silêncio pairava nas
ruas, na imprensa, nas casas, nas escolas. O Brasil conhecia a censura. Em Belo
Horizonte, mais especificamente na Rua
Carangola, 288, no antigo prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
da Universidade Federal de Minas Gerais
(FAFICH/UFMG), um grupo de jovens estudantes, principalmente da Psicologia,
Letras e Comunicação Social, se reunia
em prol de uma ideia – criar uma Revista
de Cultura.
Com os versos da capa ao lado surgia então o primeiro número da revista
Silêncio. “Assisti a Lucinha (Lúcia Afonso) criando o poema que veio na capa da
revista Número 1. Ela escreveu na sala
da casa dos pais. Lembro que ela queria trocar opinião comigo e eu estava
encantada com aquela poesia, achando
um trabalho fortíssimo, impressionante e muito maduro. Me senti incapaz de
dar palpite”, conta a escritora da revista,
Elizabeth Fleury, na época estudante de
Comunicação Social. Segundo Elizabeth,
o nome da revista também foi escolhido
pela estudante de Psicologia e idealizadora da Silêncio, Lúcia Afonso. “É um
nome que tinha a ver, porque a gente
era obrigado a fazer silêncio sobre coisas
que eram importantes para o Brasil. A
censura impunha várias restrições. Nas
redações dos jornais, por exemplo, havia
uma lista de tudo o que era proibido fa-
porque naquela época o clima era pesado e a série de
atos institucionais do governo militar impedia a gente,
inclusive, de se reunir, de fazer reunião política, de se
manifestar”, conta Elizabeth.
lar: guerrilha, luta armada, da existência
de grupos de esquerda e até da meningite”, lembra.
Unidos não pelo acaso
O funcionamento da Faculdade de
Letras e FAFICH no mesmo prédio proporcionou uma convivência muito ampla entre os universitários. Nos corredores do prédio de oito andares, conversas
iam desde um simples relato do final de
semana até discussões mais complexas
sobre o momento político do país. O Diretório Acadêmico da FAFICH também
era um espaço importante de discussão.
“O D.A. era muito agitado e trouxe grandes artistas e filósofos, inclusive do exterior, para palestras. Estávamos em uma
época de luta antimanicomial, luta contra a ditadura, e em tudo isso o D.A. era
ativo”, revela Sônia Queiroz, escritora da
revista e estudante da Letras no período.
Segundo ela, este ambiente contribuiu
para a formação do grupo de amigos que
mais tarde produziria a revista. “Tínhamos amigos em vários cursos e, um grupo nosso, que escrevia poesia e contos,
resolveu participar da revista”, explica.
Além do amor pelas palavras, o que
unia o grupo eram as ideias. “Podemos
dizer que foi um encontro de princípios.
Tínhamos o espírito de liberdade da juventude e tínhamos muita coragem de
nos atirar nas coisas, porque queríamos
que o nosso país mudasse, queríamos
liberdade, democracia, eleições. Queríamos respirar um ar que fosse respirável,
para os textos. “Fizemos experiências no sentido inverso: pegar uma imagem de um dos jovens
artistas plásticos para então criar um texto. Inquietava-nos o fato do desenhista ficar à sombra
do poeta. Afinal, se ele pode criar um desenho
a partir do meu texto, por que eu não poderia
criar um texto a partir do desenho dele?” reflete
Sônia. Um exemplo é o poema abaixo, cujo desenho Bia fez durante uma visita ao local. Só depois que, sentado na escadaria do lugar, o poeta
Telesmar Afonso produziu os versos.
A escolha da pauta
As reuniões para a escolha dos textos e edição aconteciam no D.A. da FAFICH ou nas casas
de alguns integrantes do grupo. “Lembro da gente se reunindo na casa da Lucinha, da Cacau (na
rua Rio Verde) e na FAFICH. A gente ficava o dia
inteiro envolvido com a revista”, conta Bia. Para
alguns jovens estudantes, como Hugo Almeida,
à época estudante do curso de Comunicação, a
revista era uma oportunidade para se desenvolver na literatura: “líamos textos um do outro,
trocávamos livros. Além de publicar contos, eu
ajudava na edição, na escolha dos textos, na revisão. Cheguei a fazer uma entrevista com o escritor Sérgio Sant’Anna, com participação da Lúcia
Afonso. O Sérgio gostou muito”, conta.
A partir do quarto número, a Silêncio começa a mudar seu formato. Com a entrada do
estudante de Comunicação Luiz Fernando Eme-
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diato como editor e escritor, a revista fica mais
profissionalizada, já que Emediato trouxe para
o grupo um pouco de sua experiência como
jornalista. Esta entrada também modifica a dinâmica das reuniões, já que a revista ganha um
endereço fixo na rua Adriano Modesto, 85, Cachoeirinha, casa do editor.
Sem grandes recursos financeiros, cada número era produzido com o dinheiro arrecadado
principalmente pela venda da edição anterior.
“A revista era impressa em uma máquina do D.A.
da FAFICH e acho que uma vez foi impressa no
DCE. Imprimíamos em torno de 2 mil exemplares e vendíamos nas bancas de Belo Horizonte
do centro da cidade e de mão em mão. Era uma
verdadeira guerrilha”, conta Emediato.
A pouca tiragem e a falta de patrocínio não
impediram, porém, que a revista ultrapassasse
as fronteiras da capital. Emediato conta que a
revista chegou a circular em outras cidades brasileiras como São Paulo, Fortaleza, Porto Alegre
e Rio de Janeiro. E foi justamente em território
carioca e pelas mãos de um célebre mineiro que
a Silêncio ganhou repercussão nas páginas de
uma tradicional revista brasileira. “Um dia saiu
na Veja uma matéria sobre o Sabadoyle, um encontro de poetas, escritores que acontecia no
Rio de janeiro e era promovido na casa de Plínio
Doyle. A Veja estava registrando esses encontros, falando deste lugar e justamente neste dia,
Carlos Drummond de Andrade, estava lá, entusiasmado, apresentando uma revista de Minas,
que era a Silêncio”, revela Bia.
Contra a ditadura: caneta e
máquina de escrever
Silêncio estava fora do padrão e do circuito
de produção tradicional. Hugo Almeida ressalta
que, por trás desta situação, “não havia nenhum
sentimento pejorativo, não pensávamos em ‘revista marginal’. Era uma revista pequena, fora
do esquema tradicional, independente”, afirma.
Tal independência permitia que assuntos
censurados em jornais e revistas ganhassem
as páginas da Silêncio. Por meio de contos, poemas, entrevistas, desenhos, artigos, charges,
os jovens escritores e ilustradores expressavam
suas idéias, seus sentimentos e sonhos. “Vivíamos, com nossos ideais, permanentemente em
guerra contra a ditadura e a censura. Alguns
de nossos amigos e parentes estavam na luta
armada, mas nós achávamos que nossas armas
eram a caneta e a máquina de escrever”, conta
Emediato. Para Elizabeth Fleury, “a revista ti-
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nha uma cara contemporânea, a cara da nossa
época e isso eu acho que é uma marca. Era uma
revista democrática, que juntava pessoas com
várias visões de mundo. Não expressávamos ali
uma visão política partidária, mas fazíamos política em sua melhor tradução, porque estávamos fazendo valer o nosso direito de expressão,
de organização. Para fazermos a revista, mal ou
bem, havia a organização de um grupo de artistas, intelectuais e escritores que estavam começando a vida, e começando muito bem, porque
estávamos nos posicionando em um momento
que posição era tudo”.
Com uma linha editorial aberta, a revista
reunia, além de jovens estudantes, escritores e
outros colaboradores. Elizabeth considera que
a “revista congregava pessoas que estavam pensando, produzindo ou discutindo cultura naquele momento. Como Lucinha era uma pessoa
muito enfronhada no meio literário, os que já
tinham publicado, às vezes topavam colaborar
conosco. Eu me lembro que a primeira entrevista que Lucinha fez foi com Celso Adolfo, sobre
questões culturais”.
Preocupados com a chegada, a todo vapor,
dos enlatados americanos, os jovens buscavam
valorizar por meio de seus textos e desenhos a
cultura nacional. Havia naquele momento um
forte sentimento nacionalista, de olhar para a
produção cultural brasileira e valorizá-la. “Existia um sentimento muito grande de buscar espaço para a cultura nacional. A gente tinha muita consciência de nação, de país, consciência de
que muita coisa estava nos sendo roubada: não
só a liberdade, mas as riquezas nacionais”, explica Elizabeth.
Entre as referências do grupo destacavam-se outras publicações marginais e textos de
contistas mineiros. “Nós líamos tudo o que era
Marginal. Líamos os jornais tradicionais, porque tínhamos o hábito de leitura e os jornais independentes, porque tinham mais liberdade. Eu
gostava muito de Drummond, Júlio Cortázar,
Luiz Vilela. Havia um consumo de coisas nossas”, explica Bia.
Silenciados
Por produzirem uma revista de cultura, os
integrantes da Silêncio pensavam não ter motivos para temer a censura. “A ditadura não
era impedimento para se fazer a revista. Fazíamos, sem medo nenhum”, revela Hugo Almeida. Como aponta Maria Beatriz, “a gente
era muito leve. Não entrava na nossa cabeça
que um gesto de expressão como um desenho ou um poema
poderia ser uma coisa ruim”, explica. Nem mesmo as visitas
da Polícia Federal à casa de Emediato fizeram o grupo recuar.
“Não tínhamos a noção do perigo. Várias vezes um policial federal ia até minha casa, pois o endereço da revista era lá, e me
‘convidava’ para ir à Delegacia da Policia Federal em Belo Horizonte para prestar esclarecimentos. Em um dos depoimentos,
me pediram endereços dos colaboradores. Um era Murilo Rubião, que trabalhava no governo do Estado, na Imprensa Oficial, e eu dei o endereço de lá. O outro era Franz Kafka, e dei
como endereço dele o cemitério de Praga. Os demais, eu disse
que não sabia”, conta Emediato.
Após dois anos de produção e com o sexto número chegando às bancas, o grupo recebeu um comunicado da Polícia
Federal exigindo o recolhimento da revista. “Não recolhemos.
Aí a revista foi fechada pela polícia, com o argumento de que
não tinha autorização do Departamento de Censura da Polícia
Federal (DCPF) e do Ministério da Justiça para existir”, explica
Emediato. A Silêncio chegava ao fim.
“Quando a revista foi apreendida eu lembro que foi um
sentimento de tristeza. Houve uma dissolvida do grupo”, lembra Maria Beatriz. No entanto, segundo Elizabeth, o fim da revista era mesmo inevitável. “Quando a revista acabou já tínhamos chegado a um processo de esgotamento pessoal e político.
A gente tinha que escrever, editar, montar, imprimir, e ainda
distribuir e vender na rua. Tudo isso foi minando a resistência.
Além disso, o grupo já começava a entrar no mercado de trabalho”, aponta.
Alguns meses após o final da revista, a Polícia Federal fez
um convite inusitado à turma de Comunicação Social, da qual
Bia e Hugo faziam parte. “O professor disse que tínhamos sido
convidados para uma aula na Polícia Federal. Lembro que homens e mulheres foram em dias diferentes. Chegando lá, eles
mostraram tudo o que apreendiam: uísque falsificado, etc. Depois pegaram um livro que se chamava Abajur lilás, de Cassandra Rios, e falaram: ‘Olha isso aqui! É pornografia!’ Aí de repente pegam a revista número seis da Silêncio e abrem em uma
página que tinha um miniconto do escritor Ednodio Quintero
e duas ilustrações. Daí saíram perguntando para cada uma de
nós se a gente tinha mãe. Eles diziam: ‘Quem tem mãe não lê
uma coisa dessas’. Era um desenho forte, mas era apenas uma
ilustração, uma expressão. Eles ainda viraram e falaram, com
o exemplar na mão: ‘Vocês estão vendo esta revista aqui (Silêncio), ela é feita com dinheiro de Cuba. É Cuba que manda
dinheiro para estudante que não sabe o que está fazendo, fazer essa revista’. Naquele dia eu senti o peso do que significava
a revista”, conta Bia.
O fim da revista não representou, porém, o fim para a carreira desses jovens escritores e desenhistas. Emediato continuou
colaborando com outras revistas marginais como a Circus e a
Inéditos, onde Sônia também atuou. Elizabeth participou da
criação do jornal independente De Fato. Hugo publicou seu
primeiro livro de contos, “Globo da morte”, e Bia continuou desenhando, mas na Revista Literária da UFMG.
Álbum de recordações
O passar dos anos contribuiu para que aquele grupo de jovens fosse se afastando e tomando caminhos distintos. Mesmo assim, ainda hoje, o período da Silêncio é lembrado com carinho por seus idealizadores. Indagados sobre as marcas que
a revista deixou em suas vidas, todos destacam a importância
do grupo e da amizade que ficou. “A Silêncio representou uma
forma de pertencimento a um grupo, a uma comunidade, uma
forma de inserção na Universidade. A revista foi uma sala de
aula, um aprendizado”, afirma Bia. Para Elizabeth, a revista foi
um momento de transformação. “Acho que esta convivência me
informou e formou muito. Pessoalmente a revista representou
tudo. Porque eu não era uma pessoa que tinha um ambiente
aqui em Belo Horizonte, eu não fui criada aqui. Então, o grupo da revista foi meu primeiro grupo original de amigos aqui,
tanto é que muitos desses são meus amigos até hoje. Quando
eu me lembro da minha juventude, eu me lembro destas pessoas”, conta. Já Sônia destaca a importância das relações estabelecidas. “Com a revista conheci muitos artistas, pessoas de
valor, que estão hoje no mercado profissional. É um grupo de
afeto”. Hugo também guarda boas lembranças dos colegas da
revista. “Foi uma experiência marcante, inesquecível. Conheci
pessoas especiais, e somos amigos até hoje. Alguns não vejo há
anos. Mas tenho boas lembranças de todos”, afirma. Emediato
ressalta as lutas pelas quais passaram. “Eu me lembro com saudade e com ternura daqueles tempos heróicos. Eram tempos
difíceis, mas tínhamos algo por que lutar. A juventude de hoje
não tem esse privilégio”, conclui.
Trinta anos passados e todos continuam ligados de algum
modo à produção cultural. Sônia Queiroz, hoje professora da
Faculdade de Letras da UFMG, é também editora e poeta; Elizabeth Fleury, jornalista, pesquisadora e escritora; Luiz Fernando Emediato, editor; Maria Beatriz Bretas, professora da
Comunicação Social da UFMG e também escultora; Hugo Almeida, jornalista e escritor.
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15
A formatura que
não aconteceu
Os ex-alunos ainda contam com um certo ar de perplexidade sobre o
comunicado do então diretor da Faculdade de Filosofia, prof. Arthur
Versiani Velloso: a primeira formatura do curso de Jornalismo da
UFMG, programada para o dia 17 de dezembro de 1964, não aconteceria.
por Samuel Andrade
receber ameaças de ataques com bombas e um aviso dos militares para que suspendessem as solenidades. Não havia como
negociar e os professores temiam a repressão dos militares. Na
época, o Golpe de 64 ainda era chamado de Revolução, e as ordens deveriam ser acatadas.
A ameaça era um levante de grupos anticomunistas contra
a escolha do jornalista Carlos Heitor Cony para paraninfo da
turma. Cony, jornalista do Correio da Manhã, um dos primeiros a levantar voz contra os militares, era identificado como
“autor de vários livros considerados de ideologia esquerdista”
e “cidadão nitidamente marcado pelos democratas”. A reação à
solenidade prometia ser tão forte que, em relatório secreto da
Faculdade de Filosofia, estava anunciado: o grupo da reação,
o mesmo que impediu a realização do Congresso das Uniões
dos Trabalhadores da América Latina (Cutal), estaria armazenando bombas e outros objetos para um ataque. Ao que tudo
indica, o grupo era formado pelas integrantes da Liga das Mulheres Democráticas (cuja sigla, Lide, ressoa ironicamente um
termo importante do jornalismo), organização de mulheres
conservadoras de Belo Horizonte, que já tinham agido antes,
impedindo que um avião que trazia dois representantes russos para o Cutal pousasse.
Dadas as ordens, a formatura foi cancelada.
O requinte jornalístico
Um presente amargo
N
inguém sabe ao certo quantos alunos deram entrada
na primeira turma do curso de Jornalismo da UFMG,
em 1962. É mais um problema de arquivo que de
memória – os dados não foram registrados ou no máximo estão perdidos em alguma caixa empoeirada. Muitos estudantes
largaram o curso logo que entraram e os 27 dos quais se tem
notícia são aqueles que de alguma forma conseguiram manter
os laços com a turma.
Dessa primeira ninhada de jornalistas, temos uns poucos
documentos e algumas lembranças fragmentadas. Mas um assunto sempre vem à tona, peculiar que é. A formatura que não
aconteceu, tolhida quase no momento de sua realização.
Elvira Pereira, uma das formandas, lembra de quando
Velloso chegou para dar a notícia. “No dia que ele nos avisou
que a formatura não poderia acontecer, ele estava muito constrangido, estava desolado, mas não tinha como rever isso. Ele
era uma figura ma-ra-vi-lho-sa! Era professor da Filosofia e era
bonachão, um senhor mais velho, com a cabeça branca, gorduchão, risonho, tudo para ele era ho-ho-ho-ho... parecia um
Papai Noel. Ele nos avisou do cancelamento na véspera da formatura.”
A notícia era um presente amargo que Velloso repassava
aos alunos do curso que ele mesmo criou. A Congregação da
Faculdade de Filosofia decidira por cancelar a formatura após
Na década de 1960, a profissão do jornalista ainda era dotada de uma aura, havia um fascínio por aqueles intelectuais.
Tal imagem não se misturava tão facilmente à do fofoqueiro
ou sensacionalista que atualmente são atribuídas a estes profissionais. Washington Mello, um dos alunos da turma de 1964,
lembra: “os jornalistas na época eram preferencialmente pessoas oriundas da classe média e alta, e eram sempre originários de famílias abastadas ou de jornalistas. Era tudo refinado”.
Na época, Minas contava com uma imprensa bastante diversificada. Vários jornais impressos, como a Folha de Minas, o Diário da Tarde e o Diário de Minas. A famosa revista Alterosa. As
rádios Itacolomi e Itatiaia.
O que se via na turma de 1964, entretanto, fugia à fôrma
do jornalista tradicional. Mais que um retrato da classe dos
jornalistas, aquela era uma turma que refletia as mais diferentes nuances da juventude da época. Era uma miscelânea: estudantes de formações escolares, idades, situações financeiras
e orientações ideológicas muito diferentes. E todos se davam
muito bem.
Prática X formação teórica
O curso de jornalismo da UFMG fora criado para atender
ao decreto de Jânio Quadros de agosto de 1961, que exigia o di-
ploma para o registro de jornalista. O decreto foi revogado por
João Goulart em janeiro de 1962, mas o curso já estava encaminhado. Quem apoiou a ideia e tocou o projeto para a frente foi
Velloso, que dera com os burros n’água ao tentar criar o curso
em 1957. Mais do que para atender ao decreto de Jânio, o curso
de Jornalismo na UFMG era uma aposta nas virtudes que a
formação universitária poderia oferecer. Mas uma disputa instaurou-se: de um lado, as empresas jornalísticas, que insistiam
na ideia de que ferreiro se faz na forja e jornalista no dia-a-dia
da redação, e do outro, Velloso e o Sindicato dos Jornalistas,
preocupados em conciliar uma formação humanista com o então viés tecnicista das redações.
Era um curso precário, sem dinheiro, sem equipamentos
e sem laboratórios. Três integrantes do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais foram contratados para
dar aula para o curso de jornalismo – José Mendonça e Anis
Leão, ambos formados em Direito, e Adival Coelho de Araújo,
conhecido repórter. Era uma primeira experiência, com as dificuldades e possibilidades pulsando juntas. Washington Mello
lembra: “nós fomos muito cobaias, porque os professores que
começaram o curso de jornalismo eram presidentes do Sindicato dos Jornalistas, que não tinham nenhuma experiência
pedagógica, mas sim experiência profissional acumulada, majoritariamente formados em outras carreiras”.
Muitos dos alunos entraram para o curso como quem não
sabe o que quer. Recém-formados no colégio, viram o anúncio
do novo curso que estava sendo criado e resolveram mudar os
planos: das Letras ou da História para o Jornalismo. Foi o caso
de Suzana Gomide, Norma Muller e Elvira. Outros entraram
no curso para legalizarem sua situação como jornalistas, como
José Maria Mayrink e Washington Mello. Alguns não eram sequer formados no colégio, mas já tinham alguns anos de profissão. Jarbas Juarez já começava a se destacar como artista
plástico e Morgan Motta como crítico de arte. Washington
Mello diz que essa foi uma turma que entrou e se habilitou
para se formar em jornalismo, mas não para serem jornalistas.
Tanto que, depois de formados, poucos seguiram a profissão.
Todos se davam muito bem. Apesar de algumas diferenças
ideológicas, uns mais de direita, outros de esquerda, o convívio
era muito bom. Os estudantes mais novos gostavam de se recolher ao colo dos mais velhos, como lembra Suzana Gomide.
E também era assim com os professores. Dois são lembrados
com carinho especial: Anis Leão, cultíssimo, de humildade à
toda prova, e José Mendonça, sempre muito prudente.
Um balde d’água fria
A turma já havia se mobilizado para a formatura. Estava
tudo pronto. Elegeram uma comissão, arrecadaram o dinheiro
necessário, contrataram a decoração. O nome de Carlos Heitor
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17
Ilustração: Ray J. Braz
A multiface da
imprensa em dois
mo(vi)mentos do dce-ufmg
No ano em que o curso Comunicação Social na UFMG completa 50
anos, representantes do Diretório Central dos Estudantes de épocas
diferentes comentam as repercussões de acontecimentos nacionais em
suas gestões e na comunidade acadêmica.
Cony foi escolhido por votação entre mais três nomes.
O Cine Palladium, um dos principais pontos de encontro
dos colegas, já estava reservado para o evento. Apenas alguns alunos não iriam participar da formatura. “Uns já
estavam casados, outros tinham dificuldades financeiras,
a turma era bem variada de situações sociais. Íamos ter
um baile, uma pequena festa dançante, alguma coisa assim”, lembra Elvira.
O anúncio foi um balde de água fria. A primeira reação de Velloso foi convocar os alunos para uma conversa,
tentando evitar que houvesse qualquer tipo de levante
ou mobilização para que a formatura fosse realizada. Mas
a colação de grau tinha que ser efetivada para que os alunos pudessem obter seus diplomas. Os alunos cogitaram
uma solenidade na Reitoria, mas os professores vetaram.
Velloso resolveu colar o grau dos alunos em seu próprio
gabinete. Formou-se uma longa fila, todos os alunos, para
que o diretor pudesse atendê-los em pequenos grupos, de
duas ou três pessoas, evitando que aquilo parecesse uma
solenidade em substituição à outra.
Washigton Mello narrou a operação que foi montada
para que os alunos colassem grau: “Entrávamos no gabinete e o Velloso, que era um paizão, tentava nos acalmar,
dizendo que era uma questão de momento. Depois que
ele e mais dois ou três professores que o acompanhavam
sentiam que nós estávamos convencidos a não esboçar
nenhum tipo de reação, eles nos liberavam. Saía todo
mundo cabisbaixo, mas não dava pra fazer uma ação organizada porque os professores nos desestimularam”. O
medo era de que os militares oprimissem qualquer tipo
de reação, já que a presença do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS) era constante na universidade, e
alguns alunos já haviam sido presos.
Falar da formatura que não aconteceu traz para os
alunos da turma de 1964 mais boas memórias do que um
sentimento de frustração. Todo o caso parece meio irreal,
um pouco risível no fim das contas, como foi a censura
durante da Ditadura Militar.
Washington Mello lembra do evento da colação e resgata uma fala do professor José Mendonça para acalmar
os alunos. “No jornalismo a gente faz o que é possível.
Quando o dono do jornal veta uma matéria, o melhor é
aceitar para não perder o emprego. Daqui uns dias essa
revolução passa e vocês vão poder comemorar”. A formatura não aconteceu, mas no fim a ditadura acabou.
Quando a FAFICH já começava a ocupar novos espaços na Pampulha, em 1989, a Congregação da Faculdade promoveu uma Sessão Solene em homenagem aos
25 anos de formatura da primeira turma de jornalismo.
Anis Leão, que ministrou a Disciplina de Ética para os estudantes, foi quem falou em nome dos professores. Ele
lembrou dos alunos, de como era a turma, colocou em
exercício sua memória prodigiosa: “O caso é que, fundado, o curso de Jornalismo provocou ciumeiras nos outros
Cursos da Faculdade. Por uma só razão, creio eu: a natureza espiroqueta dele mesmo. Sim, ele era um antro de
bisbilhoteiros, bisbilhotices, espículas, perguntadores,
atiradiços, fofoqueiros, mexeriqueiros, enredadores, desordeiros, urdidores, maquinadores, chicanistas, chocalheiros, indiscretos”.
Criou-se mesmo um burburinho em torno desse curso. Já na largada, um primeiro lugar geral no vestibular
da FAFICH, de Suzana Gomide. “Era o primeiro ano do
curso, até a redação foi em homenagem ao curso de jornalismo, e o tema foi ‘A imprensa como quarto poder’. Foi
a maior festa!”.
E foram algumas outras festas. Marly Spitali talvez
fosse o grande motor daquela turma. Lembrada com
saudade por todos os entrevistados, era ela quem tocava
violão nas festas, organizadas por ela mesma, que corria
atrás dos contatos e endereços dos colegas mais distantes. Foram umas quatro ou cinco ao longo dos anos. A última aconteceu em 2004, a festa de 40 anos dos primeiros
formandos do curso de Jornalismo da UFMG.
por Patrícia Penna, colaboração de Eduardo Moura
A
professora Samira Zaidan, formada em matemática, com
mestrado e doutorado em Educação na UFMG, é a atual diretora da
Faculdade de Educação e, por um ano,
a partir de junho de 1975, foi a primeira mulher presidente do DCE. Zaidan
destaca os momentos de drible da censura imposta pelo Regime Militar como
alguns dos mais marcantes daquele
período. Felipe Canêdo, estudante de
Antropologia na UFMG e de Jornalismo
na PUC-MG, foi diretor da chapa que geriu o Diretório Central em 2010, ano de
eleições presidenciais democráticas, mas
com presença de grandes polêmicas.
O DCE após o Golpe Militar
Samira Zaidan, que nos anos 1970
era estudante de matemática, teve sua
chapa eleita de forma indireta, assim
obedecendo a exigências legais e financeiras da Reitoria para que esta não se
extinguisse, como previa o Ato Institucional nº 5. Um Conselho de Representantes, formado por dois membros de
cada um dos 19 DAs da UFMG, se reunia
frequentemente, levantava discussões,
programava ações conjuntas e elegia
anualmente uma gestão para o DCE sem
possibilidade de reeleição.
Embora prestasse contas de verba
para a Reitoria, a partir de 1971, o DCE
passou a ser assumido por grupos de
estudantes muito politizados que procuraram ampliar seu espaço de atuação e
tornar a entidade mais autônoma intelectualmente. Zaidan assumiu em 1975
e era presidenta da chapa voltada para
a luta pelas liberdades democráticas, comandada pelos estudantes do Instituto
de Ciências Exatas, Faculdade de Ciências Econômicas e Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Conforme determinado no estatuto, as propostas da
gestão eram apresentadas aos demais
estudantes da Universidade, mas estes
não tinham votos.
Contra essa restrição de direitos, em
1976, final da gestão de Zaidan, sua chapa resolveu realizar uma eleição direta,
mesmo sendo proibido. Foi decidido
com os demais representantes dos DAs
que, qualquer fosse o resultado, ele seria
acatado. Então houve um período de inscrições e propagandas até a eleição propriamente dita. O resultado foi acatado
e apresentado a Reitoria dentro das exigências legais. A professora conta: “Nossa diretoria, com 10 membros, foi eleita
indiretamente, mas foi a primeira diretoria a realizar as eleições diretas para o
DCE no período da ditadura militar.”
Além desse episódio, outras subversões à Ditadura existiram. Juntamente
às eleições diretas do DCE, foram votados quais estudantes seriam os repre-
sentantes da chapa de situação para o
corpo do Conselho de Representantes.
Samira Zaidan e mais dois estudantes
foram eleitos, porém, não cumpriam
os pré-requisitos para o posto: média
acadêmica acima de 7 em todas as disciplinas e nenhuma reprovação. Mesmo
assim, os três se dirigiram à reunião do
Conselho, de onde acabaram expulsos.
“Nós já esperávamos por isso, mas quisemos criar um fato político e mostrar que
era possível fazer a eleição direta e que
aquelas exigências eram uma forma de
impedimento da participação”, diz Zaidan.
O DCE hoje
Felipe Canêdo foi eleito com a chapa
Outras Palavras em novembro de 2009.
Nessa época, apesar da democracia política no Brasil já estar em vigor há anos,
a campanha de eleitoral propôs o aumento do caráter democrático do DCE,
estabelecendo um maior diálogo entre
a entidade e os estudantes. Procurando
atualizar a função do Diretório Central,
Canêdo conta que a Outras Palavras sugeriu “renovar as práticas e a cultura do
movimento estudantil para que ele respondesse as questões que vivemos hoje
sem que ficasse preso ao que já foi nos
anos da Ditadura Militar, claro, sem esquecer da importância do que já foi.”
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Na campanha eleitoral foram confeccionados cartazes,
criados sítios na internet e perfis em redes sociais para que o
contato com os demais estudantes fosse mais próximo e acessível. Porém, como nas campanhas mais antigas, a principal
forma de diálogo com os estudantes ainda é a comunicação
face a face, através das visitas às salas durante as aulas, a panfletagem e a distribuição de cartas-proposta para a apresentação de idéias.
Ao contrário dos anos 1970, hoje a reeleição é possível, mas
a chapa Outras Palavras não obteve sucesso, mesmo com uma
campanha semelhante à do ano anterior. Canêdo aponta fatores que influenciam diretamente no resultado das eleições:
“Ser situação no movimento estudantil não é necessariamente
bom, aliás, geralmente é tido como ruim. O senso comum, até
pelo refluxo que ainda vive o movimento social hoje, e também
por essa crise específica que vive o movimento estudantil, leva
a crer normalmente que é bom mudar, e como os estudantes
costumam ter pouca identificação com os CAs, DAs e DCE, ser
oposição ajuda.” O estudante aborda um assunto polêmico que
pode ter sido definitivo para a não re-eleição da chapa, “nossa
gestão foi bacana, e conseguimos fazer muita coisa que nos
propusemos a fazer, então tinha um pessoal que nos apoiava,
mas o contexto, em que se debateu muito a prova do ENEM,
num momento em que a prova foi altamente questionada, e
nessa conjuntura de eleição, das 6 chapas a nossa era a única
que defendia o ENEM. Condenando, obviamente os problemas
técnicos, mas enfim, atribuo nossa derrota principalmente a
isso. Faço mea culpa aqui, acho que foi uma falha da nossa gestão não ter debatido mais a questão do ENEM.”
Em suas palavras, Felipe Canêdo retrata um momento de
inércia política dos estudantes em geral. Há falta de interesse
em debater, apesar de haver muito a se conquistar. O curso de
Comunicação Social, área que já forçou a discussão de tantas
questões polêmicas, mas importantes, completa 50 anos na
UFMG com um rosto diferente.
Jornalismo, política e cultura
Samira Zaidan indica uma produção jornalística e cultural importante da sua época, o jornal “Gol a gol se pegar com
o pé é dibra”, que reunia as ações estudantis dos 19 DAs, todos
visitados quinzenalmente pela professora enquanto presidenta do DCE. Os temas não eram apenas políticos, mas também
culturais. Todos os membros do DCE podiam escrever no “Gol
a gol” e os artigos principais eram discutidos nas reuniões da
diretoria que ocorriam surpreendentemente aos domingos de
manhã.
O jornal foi tão marcante para a história do DCE na UFMG
que a chapa Outras Palavras criou uma edição revisitada do
jornal com contribuição dos estudantes de Comunicação So-
19
cial da Universidade. Felipe Canêdo comenta a participação
destes estudantes nos movimentos estudantis. “O curso de
Jornalismo é um curso muito político. Grandes personalidades da política brasileira são jornalistas, formados ou não. No
movimento estudantil não é diferente. A última presidente da
UNE, por exemplo, era jornalista, a Lúcia Stumpf. Apesar de
hoje em dia ter um pessoal meio pós-moderno, que quer virar
Fátima Bernardes e William Bonner, e que arrepia quando a
gente passa em sala falando de política, ainda é um curso que
na média tem mais gente que se interessa pelo assunto.”
Gustavo Gazzinelli, jornalista, participou do movimento
estudantil durante o período militar, já na sua fase final. Entre 1979 a 1985, época em que cursou Comunicação Social na
UFMG, Gazzinelli atuou ativamente no movimento estudantil.
Apesar de nunca ter participado do Centro de Estudos da Comunicação (CEC), antigo C.A. do curso, ele conta ter participado de reivindicações por melhorias no curso, que, na sua opinião, era muito teórico e possuía poucos equipamentos para
aulas práticas.
Mais adiante, o então estudante de Comunicação participou de um grupo que ganhou as eleições para o Diretório Aca-
dêmico da Fafich e, no ano seguinte, para o DCE, com a chapa
“Onda” - curiosamente, ano passado, uma chapa homônima
venceu as eleições para o mesmo DCE.
Gazzinelli diz que, no geral, militou tendo em vista ações
culturais, entre elas, a reforma do DCE Cultural, o atual cinema
Belas Artes e algumas causas em relação ao patrimônio cultural. Porém, a conquista que ele considera como sendo a mais
importante não só para o movimento estudantil, mas também
para a cultura de Belo Horizonte, foi uma tentativa de diminuição da dominação cultural que o Rio de Janeiro exercia sobre a
capital mineira. “Esse movimento ajudou vários artistas daqui
a encontrar uma identidade própria”.
Ontem e Hoje
A articulação entre as discussões políticas do país e os debates de interesses estudantis também se modificou muito
com o passar dos anos. Apesar de haver hoje plenitude democrática para se falar de política, são poucos aqueles que possuem interesse suficiente para se organizarem em prol das
mudanças. Ainda que 2010 fosse propício às transformações,
por ser ano de eleições presidenciais, pouco foi reivindicado
pelos/para os estudantes em âmbito nacional.
Durante o Regime Militar, quando vários obstáculos se
formatavam à frente da liberdade de expressão, os universitários reagiam através de sua produção própria de imprensa,
segundo Zaidan. Já que até os grandes jornais nacionais conservadores sofriam censura clara, restavam aos estudantes
suas publicações como o único espaço da sociedade para se
falar abertamente. A professora diz: “tínhamos a pretensão de
publicar para os estudantes artigos de análise da conjuntura
política, acompanhando as informações sobre os presos políticos, sobre os processos de cassação ou de perseguição política
que ocorriam no Brasil e também acompanhávamos questões
universitárias, como a matrícula, as reformas curriculares, por
exemplo. Promovíamos debates e atividades culturais e, para
isso, publicávamos artigos e diversos folders.”
Felipe Canêdo acredita que hoje a liberdade de imprensa
apenas na teoria não funciona. O estudante fala como é necessário colocar em prática o que consta na Constituição a
esse respeito, e aponta falhas de regulamentação nas leis da
Comunicação. “O Brasil precisa urgentemente de uma Lei de
Médios, que regulamente a atividade da imprensa no país. O
Conselho de Comunicação Social, previsto no artigo 224, nunca funcionou direito, para se ter ideia. Acredito que a Conferência Nacional de Comunicação foi um passo interessante
para que fossem discutidas algumas questões, mas acho que
o governo Lula foi tímido nesse quesito. Tenho esperanças de
que nos próximos anos possamos avançar na democratização
das comunicações, na criação de uma nova Lei de Imprensa, e
na restituição da obrigatoriedade do diploma de jornalismo. A
Comunicação no país não pode ser comandada por meia dúzia de famílias. O século XXI tem que chegar na comunicação
também. A internet tem ajudado, mas não vai resolver a concentração da comunicação na mão de poucos e nem o discurso
único da grande mídia, que tem que ser polemizado.”
Ainda que em um momento de apatia política da maioria
dos estudantes, Canêdo faz parte do grupo dos que acreditam
na liberdade de imprensa, que hoje ainda configura um problema, embora velado. Se nos anos 1970 a liberdade de imprensa
não existia, hoje ela existe na teoria, mas com um oligopólio
de imprensa que permite que alguns grupos políticos exerçam
censuras acobertadas. Assim, ainda há pelo que lutar.
O discurso de Zaidan foi proferido a respeito dos jovens
dos anos ditatoriais, mas acabou por se revelar anacrônico. “Ao
jovem é permitido sonhar. Aliado à irreverência e à luta por
liberdades, nos uníamos e nós vivemos muitas situações para
enfrentar policiamento e a repressão legal e ilegal, que agiam
escondidos, portanto, mais difícil de ser denunciados. Os estudantes esperavam a verdade, o fim da censura e a liberdade de
imprensa, bandeira que para o DCE era central.”
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Era uma vez...
Estudantes que pichavam a faculdade, corriam da polícia e
acreditavam em um mundo melhor. Com exceção – talvez - da
última parte, tudo isso parece bem distante da realidade da
FAFICH de hoje.
Uma tarde nos domínios
da (ex)faficheira
Clara Arreguy lança livro de crônicas.
por Monica Duarte
por Mariana Cepeda
P
elos corredores, pés sujos metidos em sandálias e
unhas com restos de tinta percorriam aquele prédio antigo, onde as paredes continham palavras
de ordem: as famosas “Abaixo a ditadura” e outras intervenções políticas de uma geração que contribuiu para
a redemocratização do país. Ali, estudantes barbudos,
roupas largas e coloridas, debates políticos, reuniões,
projetos clandestinos e utopias – estas últimas muitas
vezes brigando entre si, “badalavam” a Rua Carangola,
número 288.
Essa Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, a da
jornalista e ex-faficheira Clara Arreguy, está a cerca de
dez quilômetros e há mais de duas décadas da nossa. O
prédio, no bairro Santo Antônio, conserva praticamente
a mesma aparência dos anos de faculdade e guarda muitas das lembranças dos estudantes que passaram por lá,
antes de a Fafich ser transferida para o Campus Pampulha, em 1990.
“Ser faficheiro pra mim era sinônimo de liberdade,
rebeldia, novas ideias, num tempo em que era ousado ser
diferente. Faficheiro arriscava a própria pele para falar
durante a censura, se manifestar diante das arbitrariedades, agir com criatividade quando a ditadura cerceava
as formas tradicionais de fazer política”, afirma Clara.
Autora do livro “Fafich”, parte da coleção BH - A cidade
de cada um, da Conceito Editorial, ela narra, ao longo das
setenta e cinco páginas, a sua passagem pela Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas, narrativa que reflete a
experiência de toda uma geração.
“A experiência de ser faficheiro – termo que já foi pejorativo, hoje assumido até com orgulho por um bando
de quarentões e cinquentões – consistia em muito mais
do que estudar na Fafich”, começa o livro, lançado em
2005.
Para a jornalista Maria Cristina Souza, que, como
Clara, também entrou para a categoria dos faficheiros
em 1978, a primeira impressão foi de uma “explosão de
liberdade”. “A Fafich respirava conhecimento. O acesso
aos grandes pensadores era na Fafich algo impensado
nas demais áreas da UFMG e muito menos na educação
secundária”.
Para as duas, esse foi um dos principais motivos porque a faculdade era o foco dos movimentos contra a ditadura. E, claro, também por causa do caráter crítico do
curso de Comunicação Social e da profissão jornalística.
“Estudar jornalismo nos treinava para uma leitura crítica da mídia e da produção de informação, sem falar no
exercício da escrita e da expressão”, diz Clara.
Clara participou ativamente dos movimentos estudantis, da diretoria do DA, o Diretório Acadêmico da
Fafich, das eleições para o DCE-UFMG e para a UNE, de
manifestações, encontro de estudantes e até de uma organização clandestina, onde chegou a “mudar” seu nome
para Inês. Além disso, fazia parte do Tref, o Teatro de Resistência dos Estudantes da Federal, que criticava os problemas do país de forma inteligente e engraçada. “Foi um
aprendizado inesquecível. Éramos idealistas e ingênuos
em muitos aspectos, mas corajosos e belos, em outros.
Posso até rir de muito do que fizemos, mas nunca com
vergonha. Sempre com orgulho por ter, de alguma maneira, feito uma partezinha no processo de reconstrução
da democracia no país”.
Para Maria Cristina, que também atuou no DA e DCE,
participando de concentrações, debates, manifestações
e até correndo da polícia, o aprendizado que teve na Fafich naquele momento a fez a pessoa que é hoje, “engajada politicamente, militante do movimento sindical e
definida politicamente. Naquele tempo escolhi um lado
e estou desse lado até hoje”.
Clara Arreguy termina seu livro se perguntando:
“Será que faficheiro não existe mais? Ou viraram todos
quarentões e cinquentões nostálgicos, fantasmas à procura de um passado que só existe na memória?”.
Provavelmente é melhor retirar o “ex” de “ex-faficheira”, colocado no início da matéria. Difícil dizer quanto
aos estudantes atuais de Comunicação Social e do resto
da faculdade, mas aqueles da geração de Clara e Maria
Cristina talvez nunca deixem de ser faficheiros.
C
lara Arreguy, que foi aluna de
Comunicação Social na Fafich
da rua Carangola, nos anos 1970,
publicou novo livro de crônicas
- Você é quem veio entrevistar a Clara sobre o livro dela?
- Oi! Sim, sou eu!
- Ah então pode entrar! Vamo’ chegando…
- Opa!
“Aqui ó, a Dona Clara disse que vai
atrasar. Ela foi almoçar em Nova Lima,
mas já tá chegando. Entra, senta e espera um pouquinho, tem mais gente na
sala.”
Joelma, a empregada dos Arreguy,
logo me recebe pontualmente mesmo
antes de eu tocar o interfone. Cinco da
tarde e termino de devorar, diante do
prédio onde a mãe de Clara mora, uma
barra de chocolate para acalmar os nervos. Não é todo final de domingo que a
gente vai parar em uma casa de família
desconhecida. Ela pergunta se já li o livro da Clara e digo que sim, nessa noite.
Ela ganhou uma edição, mas ainda não
leu. “Pelo menos um livro eles têm que
dar, né?”
Na toca dos leões
Sobre a mesa da sala de visitas, três
miniaturas: um tigre, uma zebra e uma
onça. Em oposição à televisão, um oratório também sobre um móvel especial
na sala. Sobre o sofá, eu, pessoa-enfeite
por quase duas horas vendo o jogo do
Galo, que nesse dia ganhou de 7×1 do
América de Teófilo Otoni – ah, sim, de
quebra, estava esperando a entrevistada.
Seis cinzeiros, um porta-retrato, um
vasinho de cristal com uma planta. É
tudo isso, além das miniaturas de animais, que está sobre a mesa da sala de
visita.
Nas poltronas, mais pessoas. A irmã
de Clara, Glória. A sobrinha de Clara,
Cecília. E um garoto, sobrinho de Clara.
Poltronas que parecem ser muito confortáveis. O conforto nos engole e já estamos todos amaciados falando sobre
a família, o livro, a cidade de Belo Horizonte e tudo mais o que couber numa
conversa.
De lenço no cabelo e esmalte cor-de-rosa-choque-não-provoque, aparece Dona Maria da Conceição, a mãe de
Clara. Ela pede desculpas por ter demorado, porque estava arrumando o cabelo. Abaixam o volume da televisão que
pipocava um futebol e giram as poltronas na direção da matriarca. Dona Nini,
mãe de Clara e de seus oito irmãos, me
mostra uma foto quando criança que
está sobre a mesa: lá estava ela, Nini,
aquela menininha de chapéu muito metidinha, com o seu irmão, João Etienne
Filho. Nini queria aprender a usar chapéu logo quando era criança porque
quando se tornasse moça já saberia.
Gostava de fazer o que queria, sempre
falava o que pensava e foi criada com
amor, a família toda com muito amor.
E todo mundo gostava de ler e escrever.
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Jornada livro adentro
Contato no lançamento
Há uma mulher sentada à mesa de cabelos pintados de vermelho. Sorrindo, ela conversa com os que
estão ao seu redor. Revoada: velhos amigos, bebidas,
máquinas fotográficas, livros. Tudo isso parece ser
intransponível – como pedir uma entrevista para
Clara Arreguy? Com um volume do seu livro, pergunto se tem como fazer uma entrevista, coisa rápida, se
você puder, sou aluna lá da Comunicação na UFMG.
“É sobre a Fafich que você quer saber?” Não, não. É
sobre o Catraca Inoperante, criar um perfil, é coisa
rápida. “Pode ser por telefone?”. “Olha, seria melhor
o face-a-face”. “Você pode ir lá na casa de minha mãe
amanhã? Amanhã vou estar lá daí você pode fazer a
entrevista.” Resposta: um límpido sim.
No Café com Letras, no dia do lançamento do
livro Catraca Inoperante, há um veterano que também quer entrevistar Clara Arreguy. Mas a pauta
dele é sobre outro livro da jornalista: Fafich. Publicado em 2005 na coleção BH- A cidade de cada um
(Conceito Editorial), a autora, que foi aluna do curso
de Comunicação Social entre 1978 e 1985, retrata o
auge do movimento estudantil e a revolução comportamental dos jovens da época em que a Fafich era
na rua Carangola. Um livro de memória afetiva e política, dentre outros que ela escreveu, como Segunda
divisão (Editora Lamparina, 2005) e Tempo seco (Geração Editorial, 2009).
Clara deixa o telefone da casa de sua mãe, onde
ficaria até segunda. Depois disso, voltaria para Brasília, onde trabalha na Assessoria de Comunicação
Social do Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome. Melhor assim: teria tempo para ler
o Catraca de sábado para domingo.
Ilustração: Ray J. Braz
Pessoas mais velhas têm mais disposição para
contar histórias da vida e por isso Dona Nini, insatisfeita com apenas uma narrativa, resolveu cantar.
Cantarola porque isso a faz feliz. Ainda com a fotografia em mãos, ela fala do João Etienne Filho, tio
do qual Clara herdou uma vasta biblioteca. Ele era
amigo daquele pessoal lá: o Fernando Sabino, o Otto
Lara Resende. Oh minha filha, quem mais? O Hélio…
O Hélio Pellegrino e o Paulo Mendes Campos, isso!
Os quatro cavaleiros do Apocalipse. O João, mas o
João já faleceu já há uns doze, treze anos. O João era
homem do teatro, foi professor, foi escritor, foi um
grande agitador cultural aqui em Belo Horizonte. E
essa capa do livro aí é a do Ziraldo, né? Deixa eu ver
o livro. O Ziraldo a família já conhece de faz tempo.
Ele foi aluno de minha mãe lá em Caratinga, aqui em
Minas.
Além dessa versão da capa feita pelo Ziraldo,
existem mais outras cinco. Cartunistas, ilustradores
e artistas gráficos. Ex-colegas de trabalho de Clara
Arreguy no Estado de Minas e no Correio Braziliense, além de um primo, de um irmão e de um ex-aluno
de sua avó lá de Caratinga…. O projeto gráfico, editoração e capa ficou por conta de Clarice Scotti, a sobrinha de Clara, que também estudou Comunicação
Social – Publicidade, na UFMG.
Algumas horas depois aparecem mais pessoas:
uma tia, uma irmã e o marido da irmã trazendo financier. Todos parecem conhecidos de muito tempo.
Talvez isso seja aquela insistência do modo de ser interiorano na capital mineira. Alguns minutos depois
da eternidade e Clara Arreguy e marido e amigos e
fotógrafos de Brasília e de repente, a casa ganha a
leve agitação das pessoas que estão sempre de passagem, em movimento. Clara convida a um lugar
mais tranqüilo para a entrevista. Um quarto – todos
na sala contam ao mesmo tempo – de onde ninguém
saiu vivo.
Em Catraca Inoperante (Outubro
Edições), a autora reúne 41 crônicas
publicadas nos jornais onde trabalhou:
Estado de Minas, em Belo Horizonte,
entre 1987 e 2004, Correio Braziliense,
em Brasília, entre 2004 e 2009.
Com um tom de oralidade na escrita, a autora mergulha suas histórias do
cotidiano em uma atmosfera de diálogo que faz soar tudo muito familiar. Do
desabafo de uma sem carro em Brasília,
da infância em Belo Horizonte, do que
é ser jovem, do que é envelhecer, do que
é ser mulher, do Michael Jackson aos
Beatles, da ética ao fazer do jornalismo cultural, de Saramago a Guimarães
Rosa, dos conflitos étnicos ao que é ser
brasileiro – aquele que convive em harmonia entre diferentes.
Para a autora, a crônica é um alívio na aridez do noticiário e ainda traz
uma liberdade que o texto jornalístico
stricto sensu não permite. É um gênero
do jornalismo, mas que não obedece a
critérios como o da objetividade e o da
relevância.
O processo de reunir o material em
um livro foi para fechar um ciclo de
vida. Depois de ter trabalhado 23 anos
em redação de jornal, predominantemente no caderno cultural, Clara Arreguy diz não saber se quer voltar tão
cedo assim. Lança um olhar de silêncio
que deve ter um motivo insondável.
Então ela reuniu as crônicas como uma
tentativa de perenizar o trabalho perdido no jornal. Porque depois de lido, o
texto forra chão, embala fruta. Trata-se de uma reunião para não perder os
bons textos que ao logo do tempo ela
notou terem uma unidade estilística,
que era o seu jeito de escrever que perpassava o material.
O prefácio quem escreveu foi o romancista Moacyr Scliar, falecido em
fevereiro de 2011 e destaca como o livro
“retrata a realidade do nosso país em
textos bem-humorados e comoventes
que, em sua aparente simplicidade,
mergulham fundo na condição brasileira”. A autora conta que conheceu o
Scliar quando trabalhavam no Correio
Braziliense. “Eu era repórter na época e
depois de um ano que eu já havia saído
de lá, pedi pra que ele fizesse o prefácio
do livro. Ele topou, ele me chamava de ‘a
minha editora predileta’. O Moacyr era
muito sério, produtivo, sem afetação,
ele não era vaidoso, sabia despir-se de
si. E isso no jornalismo é fundamental
porque você escreve para o outro, tem
que ser compreensível, tem que pensar
em um ‘vocês’, um outro muito plural.”
Clara, em seu livro, você frisa a cordialidade do brasileiro. Mas a nossa cordialidade não é um mito quando vemos
casos de homofobia? “Bem, penso que
enquanto brasileiros não somos nem
perfeitos, nem totalmente errados. É
claro que temos sérios problemas de
educação, mas na questão do aprendizado do convívio racial temos uma pluralidade interior muito grande. A gente
tem esse aprendizado, não somos como
árabes e judeus. Tem que ter um constante respeito às diferenças. Quando
escrevi o livro, o assunto da homofobia
não estava tanto em pauta. Hoje talvez
já apontaria isso nas crônicas.Mas o
que não pode é deixar se seduzir pela
intolerância. Temos que ensinarmos a
nós mesmos isso porque temos problemas de educação.”
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O Elevador
Direção de Arte: Louise Vieira
Diagramação: Louise Vieira
Participação Especial: Élida Murta e Iara Melo Franco
Reportagem: Mariana Garcia e Victor Guimaraes
Entrevistas: Mariana Garcia
Câmera: Terencio de Oliveira e Victor Guimaraes
Curso de Comunicação Social da UFMG
Veja a íntegra do passeio no vídeo “Memória: Carangola, 288”;
Pasta Folhas Amarelas, no portal Tubo de Ensaio
FIM
www.fafich.ufmg.br/tubo
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Imagens
que falam
entre mais
de mil
memorias
1.Das turmas 89-94, 89-92, 90-93 e 91-94:
João Basílio (90-93), Elias Santos (89-94), José Geraldo
Nogueira (91-94), Marcelo Henrique (89-92) e Rafaela Lima (90-93)
Divulgação do programa “Acordados na Noite”, da rádio Inconfidência AM
[Foto: Adriana Moura, cedida pelo João]
por Michell Lott
2. Encontro da UCBC / Recife - Olinda / Nov.83:
I
magens que valem mais que mil palavras. Desde que
entrou nas redes sociais, Rubia Roberta, amante da fotografia, começou a elaborar álbuns com variados temas.
Um destes temas foi seu tempo como professora da Comunicação na UFMG e as pessoas com quem conviveu. O álbum
fez enorme sucesso e continua crescendo. Hoje, já são mais
de 500 fotos que mostram momentos especiais dos alunos e
professores do curso, a rotina, os hábitos e por onde andam
aqueles que fizeram parte do curso durante estes quase 30
anos. Um verdadeiro memorial.
São muitos cortes de cabelo inusitados e roupas diferentes, sempre acompanhados por muita personalidade e atitude, marcas registradas dos estudantes de Comunicação. Viagens, amigos na praia, eventos, vestidos para festas de gala,
Rock’in’Rio 85, bandas musicais. Encontramos rostos familiares sorridentes em todos os pontos. Bons tempos aqueles,
quando a Fafich ainda ficava na rua Carangola!
“Tudo começou de brincadeira”, diz a professora Rúbia
Roberta Rodrigues que lecionou na Fafich (nova e antiga)
entre os anos de 1977 e 2003. Começou com algumas fotos escaneadas que possuía e com o desenvolver da idéia, passou
a enviar um e-mail com uma “cartinha” para seus ex-alunos,
convidando-os a contribuir e participar do álbum com fotos
individuais, em grupo, antigas ou atuais. “A alegria, o carinho
e a receptividade dos ex-alunos e funcionários e professores
do curso em relação ao álbum, foi a melhor parte. É muito
bom ‘reencontrar’ esse pessoal todo, mesmo que pelo álbum
e pelo Facebook. Recebi notícias de colegas que se casaram
e hoje têm filhos, cachorros, gatos, passarinhos... Também fiquei feliz em saber que muitos alunos viraram ‘gente grande
messssmo’ em seus cargos profissionais!” Rúbia conta que
hoje percebe mais claramente que seus alunos foram a melhor coisa da vida profissional na UFMG. “E cheguei a fazer
bons amigos ali!” Aqui você pode ver (ou rever) alguns destes
bom momentos especiais da Comunicação UFMG.
- Agachadas: Telma (...) e Helena Barcelos
- Em pé: Ivan (...), Enderson Cunha*, Magda Sales, Consuelo
Chaves,
Iracema Amaral ( ou Terezinha? ), Renato Athayde e ( ... )
(*) Não-aluno e, hoje, funcionário do DCS
[Foto cedida pelo Enderson]
5.a turma 85-88 (2ºsem.)::
Elizabeth Rodrigues Pires (Beth) e Myriam Pessoa Nogueira
“Encontrarte” / Jun. 86
Show de encerramento de semestre
Corredor da Fafich (Santo Antônio)
[Foto cedida por Eduardo Santos Junqueira Rodrigues]
6.Da turma 82-85:
Helena Barcelos, Virgínia Castro, Virgínia Ferreira de Queiroz,
Rosamaria Luiza de Melo Rocha (Rose), Ivan ( ... ) e Magda Sales
Festa: ( ? )
Corredor do 7º andar, Fafich (Santo Antônio)
[Foto cedida pela Rose (?) / acervo Rúbia]
5.
3.Da turma 80-83:
1.
- 1ª fila: Janete Grynberg e Míriam ( ... )
- 2ª fila: Paulo Roberto Saturnino Figueiredo***, Cláudia Graça
Fonseca (Coca)*, Alice Prates e Taís Leão
- 3ª fila: Vanessa Paiva Padrão***, Élida Murta e Bernardo Carvalho**,
- Ao fundo: ( ... )
(*) Ex-aluna e funcionária
(**) Ex-aluna e professor
(***) Professores
Festa comemorativa da formatura
[Foto cedida por Janete Grynberg]
4. Das turmas 85-88 e 86-89/90:
Andreia Moreira Vizeu, Cláudio Hurgel, José Eduardo
Moreira ( Zedú ) e Fernando Limoeiro *
(*) Professor
Equipe da rádio do Festival de Inverno UFMG / Jul.88
Poços de Caldas, MG
[Foto cedida por Ronaldo Pereira Martins]
2.
3.
4.
6.
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29
12 - Da turma (...):
-`A frente: Flávia (...) e Rúbia Roberta*
- Ao fundo: Luciana Gontijo
(*) Professora
Aula de Diagramação Jornalistica
Atelier de Criação Gráfica, Fafich (Santo Antônio)
[Foto: acervo Rúbia]
7. Gláucia Vasconcellos
Turma: ( ... )
Entrada da Fafich (Santo Antônio)
[Foto cedida por Márcio Metzker]
7.
8. Renato de Pinho*, André de Proença
(Deco) e... Rúbia Roberta* ou Iara Franco*?
9. Reginaldo Consolatrix Maia e Fernando
Assunção (“Fernando Você”)
Turma: 78-83
(*) Professores
Quadra da Fafich (Santo Antônio) /1982
Nota: Dia de comemoração dos 20 anos do curso de
Comunicação Social da UFMG.
(Igual medalha`a usada pelo prof. Renato foi
presenteada, no evento, aos professores mais antigos
do curso)
[Foto (detalhe também): Paulinho Saturnino Figueiredo,
cedida pelo mesmo / colaboração do Enderson D’
Assumpção Cunha nos dados acima]
Turma: ( ... )
Calçadão do “murinho”, Fafich (Santo Antônio)
[Foto cedida por Márcio Metzker]
13. Da turma 98-2001:
Flávio Fonte-Boa, ( ... ), Lígia ( ... ) (turma 97-2000), Rennan Mafra e Luciana
Tanure
Primeira diretoria do CRIA
Centro Acadêmico, Fafich (Pampulha)
[Foto cedida por Carol Gomide]
10 - Da turma (...):
Maria Célia Néri, ( ... ), ( ... ), ( ... ), ( ... ). Rosamaria
Luiza de Melo Rocha (Rose) e Maria Luiza ( ... ) (?)
“Murinho” da Fafich (Santo Antônio)
[Foto: Eugênio Sávio / acervo Rúbia]
11. Maria Beatriz de Almeida S. Bretas (Bia)*, à
direita, e Rúbia Roberta Rodrigues**
Turma: 73-76
(*) Ex-aluna e professora
(**) Professora
Greve das universidades públicas federais do país / 84
Grande, organizada e belíssima passeata da UFMG (
professores, servidores e alunos ) na av. Afonso Pena, BH
[Foto: Ana Soares / arquivo Rúbia]
11.
12.
9.
10.
8.
13.
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31
Longa vida ao trote
O curso fazia parte da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, localizada no bairro Santo Antônio, na famosa rua Carangola. Lá, os alunos de Comunicação Social se misturavam aos
de outras carreiras, por isso, não havia trote nem sentimento
de calouro. “Absolutamente nada, era direto pro elevador”, segundo Marcelo Procópio, aluno da turma de 1975. “Achei ótimo,
porque eu não gosto de trote. Quem disse que eu quero que
cortem meu cabelo?”, brinca.
A ideia de Procópio reflete o pensamento de outros alunos,
como Evaldo Magalhães, da turma que ingressou em 1985. Ele
também não era a favor já que, na Fafich, “todos eram muito
‘cabeças’ pra fazer algo tão imaturo e primitivo como o trote”,
critica. As confraternizações existiam, sim, geralmente no Bar
do Gordo, dentro da própria Faculdade, que servia de ponto de
encontro para amigos. Também aconteciam festas, mas calouradas mesmo apenas as de outros cursos, sendo que as mais
visitadas eram as da Psicologia.
Inexistente, improvisado, tradicional e até mesmo contestado.
As diversas caras do trote na Comunicação desde os
primórdios do curso.
por Luíze Valu
E fez-se o trote
Ilustração: Ray J. Braz
T
inta no cabelo, água oxigenada e um bando de estudantes mais velhos pulando como babuínos ao redor de crianças assustadas recém-chegadas do
ensino médio. Ah, o trote. Alguns o criticam fervorosamente, outros, defendem com unhas, dentes e, claro, muita tinta. Apesar de comum nos dias de hoje,
durante os primeiros 28 anos da graduação em Jornalismo da UFMG a recepção de
calouros praticamente não existiu.
Foi em 1990, quando o campus Pampulha recebeu a primeira turma de Jornalismo, que a ideia de recepção de calouros
chegou ao curso. Tudo começou com os piqueniques no Centro
de Estudos da Comunicação (CEC), atual ComuniCA. Comida
era o de menos, o vinho, de péssima qualidade, a caipirinha, um
pouco melhor, e as músicas, boas. Assim foi recebida a turma
de 1991: uma forma de conhecer pessoas novas, trocar ideias e
de ser eleito o “calouro mala” - o mais chato entre eles.
Em dois anos, já havia algo mais elaborado para receber os
calouros. A turma que ingressou em 1992 encarou a primeira
pegadinha da história de recepção do curso. Carlos Cherém,
um estudante mais velho, se fingiu de professor em uma aula
falsa. “Ele entrou na sala e passou mil livros, vários trabalhos
e tarefas absurdas. Em um segundo momento, nós entramos
com câmera e começamos a fazer perguntas para os meninos,
expondo algumas situações constrangedoras, fazendo perguntinhas, mas nada muito pesado”, comenta Fred Vieira, da turma que elaborou a recepção.
Claro que, com as perguntas maliciosas dos colegas, os calouros começaram a desconfiar. Mas nem era necessário: em
pouco tempo o “calouro mala 1991” entrou na sala inesperadamente e disparou o extintor de incêndio em todos que estavam
lá. Pronto, fim da brincadeira. Depois disso, eles resolveram
manter apenas o piquenique, a eleição do “mala” e festas temáticas.
Bagunça organizada
Quem é da geração “trote, tinta e dinheiro no sinal” pode
estar achando toda essa história muito estranha. Afinal, atualmente, o curso possui muitas tradições e, quando um veterano
entra na sala dos calouros nos primeiros dias de aula, não é
para se passar por professor e sim para avisá-los que o trote
vai começar.
Começa com terrorismo, ameaças e gritarias. Logo, vem a
invasão da sala de aula, o aviso de que não é obrigatório participar (mas que todos deveriam para não se sentirem excluídos
depois) e o recolhimento dos sapatos. Depois, os alunos do primeiro período são encaminhados para uma área fora do prédio onde passam por várias fases de imundice. Homens têm
os cabelos descoloridos e todos ganham banhos de maionese,
óleo, tinta, essência de queijo e a famosa “água de peixe” (aquela água onde ficam os peixes no Mercado Central).
Mas o ponto alto do trote é o “Calouro Patrimônio”, que se
parece, até certo ponto, com o “Calouro Mala”. Nele, os calouros
passam por uma avaliação dos veteranos que sugerem prendas como dançar alguma música ou dar um beijo no colega.
Ninguém é obrigado a participar, mas não faltam voluntários
já que muitos cobiçam o título de patrimônio.
Cansados de brincar com os colegas - o que pode levar várias horas - os veteranos se dirigem ao Bar do Real, na avenida
Antônio Carlos. Os sapatos dos calouros são confiscados em
troca de resgate em dinheiro. A quantia varia de ano para ano
- já foi simbólico, mas também já alcançou os R$ 20. Quanto
mais se arrecada, mais cerveja se compra. No bar, todos conversam e se divertem, seja calouro, seja veterano.
Dias de tradição
Luis Cunha, do curso de Jornalismo noturno, não gostava
da ideia do trote a princípio. “Eu não queria ter participado
de trotes porque estava com medo, mas acabei vendo que era
tranquilo.” Para ele, o trote é importante por ser um dos primeiros contatos com outras pessoas do curso. “Ali você tem um
momento para criar proximidade, ou melhor, uma identificação do tipo ‘meus calouros’, ‘meus veteranos’”, diz.
Não é consenso, mas o veterano Victor Rodriguez, também
acredita que o trote fortalece a ideia do curso de Comunicação.
“Uma pessoa não tem, necessariamente, que passar pelo trote
pra se entrosar com a sala ou o curso, mas o trote é uma oportunidade pra isso, uma primeira chance de se conhecer alguém
com quem você nunca conversou antes”, afirma.
Para completar o ritual de iniciação, ainda existem as Festas de Recepção e Retorno. A primeira é oferecida aos calouros pelos alunos do 2º período e a segunda é oferecida pelos
calouros em retribuição. Na teoria, elas devem acontecer todo
semestre e a tradição diz que se o calouro não der a Festa de
Retorno perde o direito de dar o trote no semestre seguinte.
Claro que isso nem sempre acontece, assim como o Calouro Patrimônio nem sempre é escolhido. Atualmente a Comunicação passa por uma mudança de currículo e, com ela, uma
mudança nos modos de recepção. Ninguém sabe como vai ser
nos próximos anos, mas, por enquanto, os alunos do 2º período
ainda planejam e anseiam pelo dia do trote.
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A Era das
Bandas
Da época da ditadura militar até os dias de hoje, a Faculdade, composta
por alunos irreverentes e criativos, foi palco para o surgimento de
muitas bandas que mostraram seu talento e diferencial.
por Gabriel Braga, Anna Luíza Costa, Juliana Ferreira e Glauber Guimarães
O cenário político se estabilizou, a
C
onhecida pela militância política, ao longo dos anos, a
Fafich revelou um lado bastante liberal e artístico. Foi
neste ambiente universitário que despontou, por exemplo, a banda Amaranto. Flor de Cal, como era conhecida na
época, marcou a página da história musical do curso, mesmo
que tenha acabado em 1997, ano de formatura de Flávia Ferraz em Comunicação Social, habilitação Publicidade e Propaganda. Bastante conhecida nos corredores da Faculdade, ganhou notoriedade após uma apresentação em um programa
de auditório. Com o bom retorno dos estudantes, Flor de Cal
passou a tocar constantemente em calouradas da FAFICH, do
ICEX, do ICG, do ICB com um repertório que incluía Beatles,
Mutantes e muita MPB.
A banda também ganhou um reforço “extra-campus”. A Faculdade de Direito passou a ser um reduto de fãs e responsável
por abrir espaço para diversas expressões artísticas. Dividida
entre a música e o curso de graduação, Flávia Ferraz confessa
que percebeu que podia trabalhar em várias áreas da comunicação. “Gostei tanto do curso que nunca pensei em abandoná-lo para estudar música”, completa. Além disso, acredita que o
que aprendeu é muito bem utilizado na carreira que acabou
escolhendo: “Viver de arte é muito complicado e desafiador e
por isso há tanta gente frustrada nesse aspecto. Hoje, o artista
tem de ser ao mesmo tempo, produtor cultural. Precisa saber
escrever um release, divulgar seu trabalho pela internet, nas
redes sociais, tem de ter bons relacionamentos nos meios de
comunicação”.
Flávia faz um balanço positivo de toda experiência musical nos tempos de Fafich. “Foi um período muito importante
para a definição de meu caminho profissional. Foi quando eu
realmente experimentei o que seria trabalhar com música. Naquela época, a banda era uma diversão que foi ficando cada vez
mais séria e ganhando cada vez mais espaço na minha vida”.
Em 1998, a banda ressurgiu já com o nome Amaranto e como
uma banda de família: as irmãs Flávia e Lúcia Ferraz, da formação original, deram boas vindas à caçula da família: Marina.
Com o passar dos anos, os corredores da faculdade receberam novos alunos e novas bandas inundaram de criatividade
Fafich perdeu aquele fervor revolucionário,
as festas e calouradas. Era hora de iniciar mais um ciclo e um
dos palcos escolhidos foi o Milharal. Localizado nos fundos
da Fafich, o espaço que está em reformas para a construção
de novos prédios teria muita história pra contar se pudesse
falar. Afinal, abrigou muitos estudantes que se reuniam para
atazanar os calouros - apesar da campanha “vem amigo, sem
perigo” - curtir um som, dançar, conversar e rir. Os encontros
eram sempre regados a muitas cervejas de R$ 1,50, geralmente
Itaipava. Se a cerveja não era das melhores, o som era – garantiam as bandas.
O cenário político se estabilizou, a Fafich perdeu aquele
fervor revolucionário, mas não a vontade de fazer rock. Em
2000, surgiu a banda Prisioneiros. Embora pareça um nome
agressivo e que seus integrantes dariam medo até no Drácula, a origem é tão doce que parece brincadeira. Segundo Pedro
Furtado, baterista da banda, o vocalista tinha o “infeliz apelido” de Harry Potter por causa de óculos de armação grossa e
de uma franjinha parecida com o personagem. Nesta época,
por acaso, foi lançado o filme Harry Potter e os Prisioneiros de
Azkaban. “A gente ia tocar num churrasco da sala e ainda não
tinha nome. Colocamos esse porque no meio do show a galera
começou a gritar ‘prisioneiros, prisioneiros’ e pegou”, explica
Pedro.
Eles comandaram as festas do curso de comunicação a partir daí e o estudante não reclama de nada disso: “Era um ótimo
canal pra gente não pagar as festas, né?”. O grupo conseguiu
uma grande notoriedade, em 2007, quando tocou no extinto
PCA - Pavilhão Central de Aulas. Durante muito tempo, as festas organizadas lá foram as maiores do Campus, com autorização para vender bebidas alcoólicas. Dito e feito: os Prisioneiros
haviam ultrapassado os limites da Fafich e chegado ao grande
público da universidade. No segundo semestre de 2007, a banda foi convidada pelo DCE para abrir o show de um projeto
solo do Nasi, que ainda integrava a banda Ira!, mas também se
apresentava ao lado de Marcelo Nova. O show, com início às 16
horas e ingressos para não estudantes a R$ 10, como era de se
esperar, lotou. A festa foi o retorno da calourada unificada ao
Campus.
mas não a vontade de fazer rock
Mesmo fazendo sucesso no curso depois de formados,
o alvo agora era o cenário independente de Belo Horizonte.
“Tem banda pra tudo que é lado, sempre tem show bom e tem
muita galera interessada em fazer coisas novas”, define Pedro.
Pensando nisso, em 2010, a banda resolveu dar uma guinada
na carreira. O primeiro passo foi acabar com dois clichês que
a banda carregava com ela: de serem garotos da história de
Harry Potter e de só tocarem cover. Sendo assim, em setembro daquele ano, os Prisioneiros fizeram o show de despedida e
adotaram o nome Lola. Agora, passam por um momento de reestruturação da própria marca e, para isso, Pedro adianta: “Nós
vamos produzir um videoclipe de animação com uma música
nova, com uma estética nova. Nós mudamos. E pra melhor”.
Em meados dos anos 2000, outra banda surgiu no terceiro
andar da Fafich: a Saia de Roda. Ela trouxe um novo ritmo às
festas da comunicação – o samba de raiz. O grupo surgiu, como
conta a vocalista Ana Pascal, de uma forma bastante descontraída; característica, inclusive, que marcou e permaneceu no
grupo ao longo de sua existência. A idéia surgiu em um dia de
trote. “Como de costume, acabamos levando os calouros ao bar
do Real para gastar a grana recolhida por eles com cerveja. Em
certo momento nos vimos na mesa de dentro do bar, batucando e cantando sambas. Alguns dias depois dessa zoeira toda,
tocamos no assunto, imaginando que seria bacana tentarmos
montar uma bandinha de samba”, completa Ana.
Fizeram tanto sucesso que passaram a tocar em todas as
festas de comunicação. Por inúmeras vezes, o grupo era convidado a tocar ao vivo na Rádio Educativa UFMG. O excesso de
participações chegou até ser motivo de piadas entre os alunos,
mas o sucesso era inegável. A banda possuía uma identificação
tão grande com a própria turma, que muitos se identificavam
como alunos do período da Saia de Roda. Apesar de quase todos já terem se formado, ainda continuam na ativa, mesmo
tendo cada um seguido seu rumo. “A banda nunca atrapalhou
os estudos, até porque nunca foi intenção de ninguém do grupo viver disso. Por isso o clima era tão descontraído. Ela era
uma forma de tocarmos o que gostávamos, sem maiores preocupações”, afirma Ana.
A mobilidade do curso é grande, mas as festas ainda precisam de músicas e os comunicólogos ainda precisam exercitar
suas veias artísticas. No final das contas, o importante mesmo
é que exista um espaço pronto para receber “a melhor banda
dos últimos tempos da última semana”, como diriam os versos
dos Titãs.
Elias Sunshine Show: o começo de tudo
A ansiedade está no ar. Alguns carregavam cabos de cá pra
lá, outros ajustam os microfones. Estão faltando apenas os últimos detalhes. A platéia já se aglomera na porta do auditório
enquanto, lá dentro, a banda de apoio passava o som. O nervosismo era latente no rosto dos menos experientes. Estas não
são as preliminares de um grande show de rock, mas sim uma
prévia do acontecimento da década - pelo menos para muitos
estudantes de comunicação.
O ano é 1993 e você está diante do primeiro Elias Sunshine Show, o programa de rádio que marcou uma geração de
estudantes, professores e músicos amadores e que, até hoje,
embora em espaçadas apresentações, tira suspiros de seus
primeiros fãs. Faltavam alguns instantes para os convidados
entrarem e Elias, o Sunshine, que, aliás, nem sabe de onde veio
este apelido, passa o texto. Na verdade, como em todo bom
show de calouros, o texto quase não existia, era tudo na base
do improviso, como confessaria o apresentador anos depois.
“O figurino foi de acordo com o guarda roupa de cada um, o
cenário era pintado à mão”, lembra Elias. Não houve nenhum
tipo de ensaio e os jurados foram escolhidos aleatoriamente:
um professor e dois alunos.
O show de calouros surgiu numa aula do professor Fábio
Martins, que, entre uma balinha e outra, propôs que os alunos
montassem um programa de auditório para celebrar a Era de
Ouro do Rádio. Como eles não queriam fazer uma mixagem
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Ilustração: Ray J. Braz
“A fórmula funciona porque todo
A mobilidade do curso é grande, mas
mundo quer mostrar o que sabe, ou o
as festas ainda precisam de músicas
que acha que sabe”
e os comunicólogos ainda precisam
exercitar suas veias artísticas.
com ruídos de platéia, simulando uma apresentação ao vivo, a
opção foi por a mão na massa. Em poucos dias a notícia já havia se espalhado. Comprovando uma velha teoria do próprio
Sunshine, o curso de comunicação é um catalisador de talentos desperdiçados e rapidamente as vagas para as apresentações estavam lotadas.
Ana Régis, atriz e professora do TU - Teatro Universitário,
foi a caloura vencedora da primeira edição. Sua personagem
era Valdécia, uma bibliotecária inspirada num aluno do curso
de biblioteconomia, que não era nada recatada e gostava muito de receber visitas masculinas em sua biblioteca. Ana iniciou
assim sua trajetória e nunca mais parou. Ela participou de todos os programas até hoje, como caloura, dançarina e jurada.
Para a atriz, o show significou uma possibilidade de expressão.
“Sempre existiram manifestações artísticas na Fafich, mas o
show de calouros foi a oportunidade dos alunos mostrarem o
que sabiam fazer”, completa Ana.
Aquela primeira apresentação também ficaria marcada
pela atuação de um dos professores mais sérios e discretos do
curso: Paulo B. Na ocasião, Paulo havia gostado tanto da ideia
que prometeu a Elias que apareceria com uma grande surpresa no evento. No entanto, ninguém imaginava que o professor de óculos e cabeça branca apareceria “montado” de drag
queen. As roupas e maquiagens estavam tão perfeitas que os
próprios alunos demoraram para perceber quem era o jurado
por trás dos acessórios. “O Paulo B. surpreendeu a todos. As
pessoas demoraram para saber que era ele e depois foi aquela
euforia. Por muito tempo o assunto era retomado em meio às
gargalhadas”, lembra Elias.
O retorno veio imediatamente após o primeiro programa.
Antes mesmo dos alunos desmontarem o cenário, dois grupos
procuraram os organizadores e se candidataram para serem
calouros das supostas próximas edições. Foi aí que perceberam que a iniciativa tinha dado certo. “A fórmula funciona porque todo mundo quer mostrar o que sabe, ou o que acha que
sabe. Todos querem os seus quinze minutos de fama. O Elias
Sunshine Show balançou o curso de comunicação”, afirma Fábio Martins.
Uma das bandas que tiveram origem dentro do show foi a
The Jingles. O nome veio para quebrar com o perfil militante
dos faficheiros pós-ditadura militar e desmitificar o aluno de
comunicação. Ao invés de se associarem a partidos políticos,
compunham jingles de mercadorias reais e fictícias. Segundo
Marcelo Henrique, integrante da banda, o grupo tinha o intuito de criticar a sociedade de consumo, a publicidade e eles mesmos, futuros publicitários.
A banda começou com um sexteto, pulou pra oito membros,
chegou a ter dez (pasmem!) e hoje conta com sete integrantes.
Dos fundadores, diz a lenda, apenas um sabia mais ou menos tocar algum instrumento. Geralmente, o calouro que iria
se apresentar contava com a ajuda da banda do programa, o
resto do grupo era só figuração. Segundo Elias, eles brincavam
demais: “mais atrapalhavam do que ajudavam porque éramos
todos iniciantes e eles não sabiam tocar direito. Era uma farra,
mais ou menos o tom do programa mesmo”.
A figuração da banda, inspirada no próprio programa, deu
um caráter mais teatral enquanto, ao longo dos anos, músicos
de verdade, que não eram da comunicação, foram incorporados. Apresentaram-se em várias casas de show de Belo Horizonte, participaram de festivais – até ganharam um, quando
deixaram o Tianástacia no chinelo. E, exatamente por causa
da parte figurativa, retomaram fôlego 12 anos após a conclusão
do curso de comunicação com a produção da peça “Meninas de
The Jingles”, a partir de recursos da Lei de Incentivo à Cultura
de 2006. É a prova de que o Elias Sunshine Show revelou talentos para o futuro, que resistem até hoje.
Do curso de comunicação para o mundo
Formais ou informais, as manifestações musicais sempre
estiveram presentes entre os alunos do curso de comunicação.
Entre festas, calouradas ou programas de auditório, diversos
estudantes puderam mostrar suas habilidades vocais ou com
os instrumentos. Grande parte deles tinha a música apenas
como hobby, mas pelo curso também passaram grandes artistas, que escolheram esta arte como profissão e alcançaram
projeção nacional. Entre eles estava Paula Santoro.
O contato e o interesse de Paula pela música se deram desde a infância, estimulados por familiares. Ela conta que seu
avô era médico e violinista amador, ele “organizava saraus de
música clássica na sala da casa em que morávamos, eu, meus
pais e meus avós. Como eu não podia participar, ficava atrás da
porta, curtindo o som”. Além disso, a avó, a mãe e as tias tocavam piano e o pai tocava gaita.
Depois de cursar dois anos de Medicina na UFMG, Paula
decidiu mudar seus rumos e entrou para o curso de comunicação, onde se formaria anos mais tarde em Radialismo. Com
uma carga menor de estudos, ela teve tempo para se dedicar
mais à formação musical. Foi exatamente no semestre em que
entrou para a Fafich que Paula começou a cantar profissionalmente. “Estudei canto, piano, violão e musicalização na Fundação de Educação Artística concomitantemente ao curso de Comunicação. E foi na Fundação que vi, colado em um mural, um
anúncio de teste para integrar o grupo vocal ‘Nós & Voz’. Passei
no teste e comecei a cantar profissionalmente, a partir desse
momento”, explica. Apesar de acreditar que não existia relação
direta entre sua carreira na música e o curso de comunicação,
a cantora afirma que a mudança de ares foi importante. “A Fafi-
ch era um ambiente mais conectado com a arte que o ICB. Não
é à toa que foi na Fafich que fiz parte, por um curto período de
tempo, de um grupo de teatro amador. Essa vivência me deu
mais certeza de que meu caminho profissional era mesmo nas
artes”. Além disso, a artista também se recorda das aulas de locução para rádio e afirma que elas também foram importantes
para que ela tivesse certeza de seu caminho. “(As aulas) eram
muito divertidas e, mais uma vez, isso foi clareando as minhas
dúvidas profissionais e fui percebendo que o meu caminho estava mesmo ligado à música”.
À medida que a carreira crescia e Paula se tornava mais
conhecida, mais difícil ficava a conciliação entre música e estudos. Depois do grupo “Nós & Voz”, ela passou a integrar o “Sagrado Coração da Terra”, que lhe rendeu mais reconhecimento.
“O Marcus Vianna, líder do “Sagrado”, tinha acabado de fazer
a trilha da novela ‘Pantanal’ e, logo depois a de ‘Ana Raio e Zé
Trovão’ (em que cantei o tema de abertura). O sucesso das duas
novelas ocasionou mais viagens e shows. Ou seja, meu tempo
para estudar Radialismo ficava cada vez menor”. Por estes motivos, Paula afirma não ter tido contato com outros projetos
musicais no decorrer do curso e mesmo com seus colegas de
faculdade. Neste momento ela já havia feito uma escolha. “A
música foi ganhando espaço definitivo em minha vida e acabei
me dedicando inteiramente à minha carreira solo”, completa.
Mesmo não tendo trabalhado como radialista, Paula Santoro acredita que estas duas esferas de sua vida apresentam
coisas em comum. Para ela, a música também lida com a comunicação. “As duas áreas contribuem com o que eu penso sobre
educação, abrindo as mentes e estimulando a criatividade e o
senso crítico das pessoas”. Paula ainda conclui, “pelo menos é
assim que deveria ser, pois obviamente me refiro à comunicação e à música de qualidade”.
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Formação em
quatro estágios
Quatro vozes – não necessariamente uníssonas, mas tampouco
discordantes – falam sobre a importância do estágio na
formação de um jornalista.
por Ramon Guerra
Ah,
o glamour. Esse desejo de conquistar um
lugar na frente das câmeras, em capas
de jornais, na direção de uma revista.
Ao entrar na universidade, com 17 ou 18 anos, milhares
de sonhos e projetos sedutores passam pela cabeça dos
estudantes. No curso de Jornalismo não é diferente.
Mas para muitos, todo esse brilho se apaga rapidamente. Com alguns, logo quando começa a faculdade.
Com outros, talvez um pouco mais à frente, já no estágio.
Pelo menos é o que diz Patrícia Ferraz, ex-aluna do Curso
de Comunicação Social da UFMG, e hoje repórter da TV
Record Minas. Segundo ela, a entrada no mercado de trabalho muda a mente de qualquer um. Quem acha que vai
começar “por cima da carne seca”, está enganado. Segundo ela, “para iniciar, você deve partir de baixo”.
O mercado de trabalho, que já foi muito mais ferino
com os estudantes de jornalismo, hoje dá uma trégua e,
principalmente, muitas opções. É bastante razoável lembrar que também não adianta querer começar logo no
cargo mais alto. As vagas existem para os estagiários, mas
grande parte delas, em cargos praticamente operacionais,
ou então com salários baixíssimos e muito serviço.
Para o ex-Presidente e atual diretor financeiro do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais e também ex-alu-
no da UFMG, formando da turma de 1973, Aloísio Morais,
esse fato serve de alerta, e inclusive, como um argumento
para o fim dos estágios nas redações. Ele reforça uma
posição defendida pelo sindicato, de que o estagiário nos
veículos de jornalismo está tomando o lugar de um profissional formado. Para ele, os estágios em Rádios, Jornais
e Televisões, deveriam acontecer somente dentro da própria academia.
Aloísio cita inclusive a Legislação de Regulamentação
de Jornalista para referendar sua opinião. Bastaria apenas dar uma olhada no artigo 19 do decreto nº 83.284, de 13
de março de 1979, que diz que “constitui fraude a prestação de serviços profissionais gratuitos, ou com pagamentos simbólicos, sob pretexto de estágio, bolsa de estudo,
bolsa de complementação, convênio ou qualquer outra
modalidade [...]”.
Atualmente na Universidade existem diversas opções, como assessoria de comunicação, produção em
rádio, produção em TV, jornalismo em revista, dentre
outras. Mas não é apenas no ambiente acadêmico que
surgem as vagas e a grande massa delas está no mercado,
que absorve cada vez mais a mão-de-obra do estudante.
Seja pelo custo-benefício, muito maior para as empresas,
seja pela abertura de espaço para o novo no mercado que
exige cada vez mais a dinâmica e a criatividade próprias da juventude.
Ricardo Miranda é aluno do curso de jornalismo da UFMG,
e acredita que o estágio é fundamental para o seu futuro como
profissional. “É um diferencial. Você pode praticar, aprender,
errar e corrigir aquilo que você vai fazer no mercado de trabalho, coisa que, infelizmente, você não tem tanta chance de
fazer nas salas de aula.”
Ontem, Hoje e Amanhã
O professor Anis Leão, um dos pioneiros do curso de jornalismo da UFMG e que também trabalhou por muitos anos
no Tribunal Eleitoral, conta que, em sua época, o trabalho funcionava na base de indicações. “Eu arranjava muita vaga. Um
deputado falava, você sabe de algum rapaz ou alguma moça
que possa fazer isso, isso e isso?”, diz.
Já para Aloísio, na década de 1970 era mais fácil entrar no
mercado de trabalho por não haver tantas escolas de Jornalismo (atualmente são mais de 30 só em Minas). Uma metáfora
usada por ele define bem o jornalista recém-formado: “o bom
jornalista recém-formado é igual jogador de futebol: se tiver
potencial, acaba fazendo um teste e é contratado.”.
Hoje em dia, a fórmula parece não ter mudado muito do
que afirmou o professor Anis. Para Patrícia Ferraz, o estágio
é uma parte importante para quem quer chegar ao mercado
de jornalismo. “Sem estágio, não estaria onde eu estou, principalmente por causa dos contatos.”. Segundo ela, “quem não se
preocupou com isso, ou não está trabalhando na área ou está
desempregado”.
Ricardo, ainda na metade do curso, também pensa de forma parecida. “O estágio é o local onde você consegue construir
sua rede de contatos. Você conhece profissionais experientes,
gente que trabalhou em muitos lugares e que certamente poderão te ajudar quando você precisar de uma vaga”.
Ele acredita que o estágio foi importante na sua vida porque vai além das possibilidades oferecidas pelo curso, segundo
sua ele, insuficiente para a formação profissional. “No estágio
eu estou praticando, aprendendo muito sobre a área. Na faculdade a gente tem um contato mínimo. As aulas, mesmo as que
são exclusivamente práticas, não ensinam, elas despertam interesse.”
Uma coisa é certa. Tanto para Aloísio, quanto para Patrícia
ou para Ricardo, o mercado de trabalho sempre vai estar receptivo para os bons profissionais. Como afirma o professor
Anis, “para quem haverá vaga no mercado de trabalho? Para
o profissional competente, ou para o profissional que mostra
que tem condição de vir a ficar competente”.
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A Menina
da Fafich
Ela queria fazer cinema. Antes de entrar no curso de
Comunicação Social da UFMG, pensou em estudar
na Escola de Comunicação e Artes da USP, em São Paulo,
mas a mãe não deixou.
lecionado para o 7° Rio Cine Festival, no Rio de Janeiro, também em 1989.
Alípio, cinegrafista da TV Globo há mais de trinta anos, ainda se recorda:
“Um dia ela chegou na faculdade toda animada, falando: ‘Alipio, nós ganhamos um prêmio’ lá não sei onde. Ela queria até me dar um dinheiro,
eu falei que ‘não, só te dei uma ajudinha, menina’”.
por Vanessa Soares
A
rem, desconheciam a forma de contágio e os problemas
decorrentes.
Mariana também entrevistou especialistas como o
médico Antônio Cândido, a psicanalista Sônia Penna, o
professor Anchieta Correa, e o filósofo e seu pai, Hugo
Tavares, que equilibraram a conversa, reafirmando a
presença do vírus e a necessidade de prevenção. E com
inspiração em uma frase que seu pai disse no vídeo, “o
que mete medo é a morte do desejo”, batizou o trabalho
de “Desejo e Morte”.
Algumas falas do documentário chamam atenção: “a
AIDS não vem das mulheres, vem através dos travestis”;
“hoje em dia, o homossexual não pode nem ter uma gripe
que já falam que é AIDS” ou ainda “eu terei medo depois
que pegar AIDS, por enquanto não”. Depoimentos surpreendentes, mesmo para a época. Em certo momento,
uma prostituta conta para Mariana: “quando entra um
indivíduo estranho dentro do meu quarto, a primeira coisa que eu faço é acender a luz branca, para poder
olhar se tem alguma coisa”.
Para divulgar este trabalho, a então estudante montou um espaço com televisão, vídeo-cassete e cadeiras na
entrada do antigo prédio da Fafich, na rua Carangola. O
vídeo concorreu e venceu, em primeiro lugar, o Concurso
“Moacyr” de Vídeo, prêmio promovido pelo Departamento de Comunicação Social da UFMG, em 1989.
Mas, sua mãe achou que era muito nova para sair de
Belo Horizonte e ir morar sozinha na capital paulista.
Depois, Mariana pensou em cursar Animação na Escola
de Belas Artes da UFMG, mas era necessário saber desenhar. Este não era o seu dom. Mariana, então, optou
pelo curso mais próximo de seus anseios, Rádio e TV. Seguindo este caminho, ela poderia dirigir, e isto muito a
estimulava.
“Desejo e Morte” foi além da Fafich. Também estimulada pela mãe, Mariana sempre buscou inscrever seus
trabalhos em festivais e concursos. Depois de ser premiado na faculdade, o documentário sobre a AIDS foi se-
Mariana graduou-se em Rádio e TV pela UFMG em 1989, e um ano
depois já estava concluindo também o curso de Jornalismo. Ouviu de
uma professora que não deveria fazer o curso pensando em trabalhar
só cultura, que ela deveria abrir o leque. Mas Mariana sempre teve este
objetivo e não queria fugir dele.
Como projeto final de Radio e TV, ela roteirizou e dirigiu um vídeo-arte, com a colega Paula Pessoa, chamado “Trilha”. Este trabalho mostra
a cidade de Porto Seguro e seus arredores e ganhou dois prêmios, o de
“Melhor trilha” do V Festival de Vídeo de Canela-RS, em 1990, e o de “Melhor fotografia” no 1° Fest Vídeo de Vitória-ES, em 1991.
Já para colar grau em Jornalismo, com a mesma colega, ela fez o documentário “Vivenda”, que mostra o cotidiano do Mercado Central de Belo
Horizonte através dos depoimentos de personagens. O trabalho foi selecionado para o 1° Festival de Vídeo de Vitória-ES, em 1991 e para a Mostra
FórumBHZVídeo, do Centro Cultural da UFMG também em 91.
Seguindo seus planos e ideais, ela fez mestrado em Artes e Cinema
na Escola de Belas Artes da UFMG em 2007, com a dissertação: Poesia e
Reflexibilidade na Produção de três documentaristas brasileiros: Helena
Solberg, Eduardo Coutinho e Walter Carvalho. Solberg permaneceu nos
interesses acadêmicos da jornalista e foi tema de tese defendida em 2010.
A Rede Minas
Ilustração: Ray J. Braz
impressão é que ela sempre soube o que fazer.
Mas, para sair às ruas de Belo Horizonte e gravar
seu primeiro vídeo, Mariana Tavares contou com
um empurrãozinho do cinegrafista Alípio Martins, que
trabalhava no apoio técnico do Departamento de Comunicação Social da Fafich. Isto foi entre os anos de 1988 e
1989.
Mariana sempre quis trabalhar com cinema. Desde
criança, a mãe, Myrian Andrade, a incentivou a pensar
em uma profissão que lhe desse prazer, que gostasse de
verdade: “porque vai ser para a vida toda”. E ela gostava
de cinema.
Combinei com Mariana que a entrevistaria na Rede
Minas, onde nós duas trabalhávamos. Certo dia, a energia elétrica acabou e não tínhamos o que fazer enquanto não voltasse. “Vanessa, quer conversar agora?”, convidou. Tivemos então um tempo para bater papo, e foi
assim que consegui conhecer um pouco da sua história.
Ela fica sempre quietinha na sua sala, no sexto andar da emissora, e quase não ouço sua voz. Pequena e
tranqüila, parece ficar alheia à confusão da TV. Pessoas
passam rápido, a impressora causa tumulto quando não
funciona, risos, fumaça de cigarro e muita agitação. Mariana não se abala.
Tem um amor pela UFMG e muito orgulho de ser
ex-aluna. “Quero que meus filhos estudem lá”. Quando
garota, passeava pela Fafich com os pais - na época professores da Faculdade - e dizia que ali iria estudar. Ela
traçou toda sua vida profissional com muita determinação.
Em seu primeiro curta, Mariana e o cinegrafista seguiram para o Parque Municipal e andaram pelo centro
da cidade para descobrir o que as pessoas estavam pensando sobre a AIDS, doença quase desconhecida naquela época. Homossexuais, prostitutas e frequentadores
de prostíbulos foram abordados. Nas ruas, encontraram
pessoas que não acreditavam na existência do vírus, supondo ser uma invenção. E outras, apesar de acredita-
Conclusão do curso
“A TV é como minha casa”. Assim ela descreve a Rede Minas, onde
trabalha desde 1991. O amor pela emissora cria o que ela chama de “preocupação com a casa”, que é o interesse em assistir, analisar e estar por
dentro de todos os programas produzidos.
Mariana apresenta o programa “Curta”, voltado para a exibição e a
reflexão sobre o curta-metragem nacional e internacional. O semanal,
além de exibir os filmes, mostra entrevistas com cineastas, produtores e
coordenadores de festivais. Ela está à frente do “Curta” desde 1999.
Como seria refazer “Desejo e Morte” mais de vinte anos depois? O vídeo dificilmente poderia ser reconstruído agora. Ele conta de uma época, e da falta de informação sobre uma doença recém descoberta, que
afetaria o modo das pessoas se relacionarem sexualmente. Mostra também a insegurança da população, a preocupação com a morte do desejo.
Hoje, seria quase impossível encontrar alguém que negue a existência
da AIDS. Não sei como a menina da Fafich reconstruiria o vídeo. Mas ela
ainda deixa a impressão de que sabe o que fazer.
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Melhor de três?
Expansão do terceiro setor na década de 1990 faz com que
alunos se envolvam com projetos estabelecendo redes e
possibilitando discussões sobre o papel da Comunicação.
por Victor Vieira, Mateus Coutinho e Ennio Rodrigues
Q
uando entrou no curso de Comunicação Social na UFMG, Rafaela Lima
nem de longe imaginava trabalhar em
uma organização não-governamental (ONG).
Muito menos fundar uma. Hoje a Associação
Imagem Comunitária (AIC) é seu principal ganha-pão. Quem passa pela simpática casa de dois
andares no bairro Floresta, pode não saber que
ali, Rafaela e mais de cinquenta pessoas atuam
– direta ou indiretamente – em projetos de comunicação comunitária.
Na AIC, Rafaela é fundadora e diretora institucional. A ONG é normalmente tranquila,
mas passa dias agitados de dar inveja a qualquer redação em fechamento de jornal, pois às
vésperas de entrar em um novo edital, tudo se
transforma. O telefone toca sem parar, papelada em cima da mesa, gente trombando pelos
corredores. Enquanto o prazo não se esgota,
tudo deve ser revisado novamente para ver se
está nos conformes. Um edital aprovado significa mais recursos entrando no caixa da instituição e mais dinheiro é o necessário para tocar
os projetos. É esse um novo espaço ocupado por
ex-alunos da Comunicação nos últimos anos: o
terceiro setor.
Horizontes estendidos
É só avisar à família que entrou no curso
de Comunicação Social e não dá outra. Logo
aparece uma tia coruja que imagina você
na bancada do Jornal Nacional. Mas o
mercado dá várias outras chances.
Se hoje todo mundo precisa de uma
assessoria de imprensa, movimentos sociais, associações e organizações não-governamentais (ONGs)
não estão fora disso. Para quem é de comunicação, o terceiro setor – um só nome para reunir
esse tanto de grupos que se organizam na sociedade – pode ser uma nova oportunidade de
trabalho.
Segundo o professor do curso de Comunicação Social, Márcio Simeone, um curso com uma
visão mais integrada dos processos de comunicação, aliada ao foco mais reflexivo, são características que aproximam o aluno formado pela
UFMG do terceiro setor.
Além disso, ele destaca a importância dos
projetos de extensão que, ao permitirem o contato dos alunos com a realidade do terceiro setor durante sua formação, pode sensibilizá-los e
aproximá-los dessas demandas sociais.
Segundo Simeone, estes projetos estimulam
a “entender um pouco da sociedade e o papel do
comunicador. Isso faz muita diferença. E cada
aluno pode aproveitar isso de acordo com suas
competências”.
Assim como Rafaela, Victor Guimarães é ex-aluno de graduação da UFMG que trabalha no
terceiro setor e iniciou sua trajetória em projeto
de extensão. “No primeiro período do curso, eu
entrei em contato com o Manuelzão. E lá eu vi
um movimento social funcionando, em parceria com a universidade. Isso foi um fator fundamental para poder trabalhar de forma semelhante depois”, lembra Victor.
Atualmente, Victor é membro fundador da
Associação Democracia Ativa, uma organização
da sociedade civil, fundada em 2006, que visa
promover maior transparência do poder público. “Eu sou o único jornalista formado do grupo
e formei há pouco tempo. Durante dois anos,
nós tocamos as atividades só com estudantes”,
explica.
Parceria que deu certo
Classificando o primeiro setor como
o próprio Estado e o segundo setor como
as empresas e indústrias, cabe às entidades civis sem fins lucrativos a denominação de terceiro setor. Com o crescimento
de políticas menos tradicionais pelos
órgãos governamentais em meados dos
anos 1990, carências sociais demandam
uma organização dos próprios civis.
Nesses movimentos, a comunicação é fundamental em muitos aspectos.
Seja para mobilizar mais pessoas a favor
da causa, ter voz nas decisões do poder
público ou ganhar espaço na mídia tradicional, o pensamento estratégico e a
experiência de um profissional podem
fazer a diferença. Às vezes, o maior desafio é fazer esse trabalho bem feito em
meio aos malabarismos de um orçamento apertado.
Foi em parceria com o curso de Comunicação Social da UFMG, sobretudo
com alguns professores de Relações Públicas, que muitos destes movimentos
puderam aprimorar sua comunicação.
Projetos como o Manuelzão e o Sala de
Espera - que mais tarde viria a se tornar
AIC - tiveram em figuras como a ex-professora Beatriz Bretas, a oportunidade
de desenvolver e consolidar estratégias
de comunicação mais eficientes.
Entre uma experiência e outra, o
curso também saiu ganhando. Márcio
destaca o projeto Pólo Jequitinhonha
da UFMG que começou a trabalhar
com a Comunicação, inclusive levando
seus alunos para o Vale, com o apoio da
professora Maria do Carmo. Hoje, é ele
quem coordena a comunicação do projeto e, todo ano, leva os alunos para o Vale:
“Todos os projetos de extensão foram
muito importantes para tudo isso, independente das trajetórias individuais de
cada um”, ressalta.
Mais do que profissionais com know-how, o terceiro setor, inicialmente pouco profissionalizado, sempre demandou
o engajamento político dos comunicadores. Se hoje Márcio está fortemente envolvido com o setor enquanto professor,
ele lembra que desde sua época de estudante já tinha interesse pela mobilização social. Até hoje é esse um dos perfis
marcantes dos recém-formados: “Além
do meu contato com o terceiro setor na
graduação, eu tenho interesse particular
por política e por trabalhar nessa interface entre ela e a comunicação”, confirma Victor.
Ganha pão
“O grande empregador dos comunicadores hoje é o setor empresarial”,
garante Simeone. Embora a profissionalização tenha crescido no terceiro setor, este ainda se caracteriza como um
mercado muito instável. “Pessoas mais
jovens, profissionais em início de carreira têm ocupado muito esse espaço. Mas
é difícil de segurá-los. Se, por um lado,
você tem uma possibilidade concreta de
carreira em uma empresa, normalmente
nas instituições civis isto não acontece.
Esse é o problema do terceiro setor”, sentencia o professor.
A razão de tamanha instabilidade é
basicamente uma: a dificuldade de conseguir recursos. Mesmo estando mais
consolidadas hoje do que há 20 anos, as
instituições do terceiro setor ainda dependem de editais para conseguir recursos. E nem sempre concorrer a um é garantia de dinheiro, principalmente para
as ONGs menos reconhecidas como a
Associação Democracia Ativa: “na Associação, não sabemos se vai ter sala ano
que vem, a única coisa que temos garantido é o nome”, pontua Victor.
O envolvimento dos estudantes com
organizações do terceiro setor pode se
dar por diversos motivos, seja pelo engajamento pessoal, pelas possibilidades
que o curso de Comunicação atualmente
traz para os alunos nas várias parcerias
com o terceiro setor ou mesmo pelo interesse em atuar na área acadêmica e
manter um pé na vivência profissional.
Mesmo com diferentes razões, os ex-alunos do curso garantem que, apesar das
dificuldades do terceiro setor, trabalhar
nele é muito gratificante: “tem um prazer
muito grande quando você consegue fazer as coisas, consegue influenciar para
uma sociedade mais democrática, mais
justa. Você sente que está plantando sementes para abrir mentalidades muito
fechadas”, ressalta Victor.
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Histórias do jornalismo
Jornalismo em histórias
É o que nos contam Manuel, Bruna, Henrique, Edson e Humberto.
por Christiana Ribeiro dos Santos Lima
MANUEL E A CALANDRA
Não é difícil imaginar. Um senhor sentado em seu escritório, com as mãos ainda sujas de terra do jardim, lembrando dos
tempos de faculdade. E que memória! Formado em 1971, Manuel lembra mesmo da turma de Jornalismo, uma das primeiras a se formar na UFMG.
O vestibular foi, para ele, a porta para o futuro. Em uma
época em que o estudo universitário era pouco acessível, sua
escolha pelo curso foi estimulada pelo pai, grande incentivador da leitura e, embora com apenas o segundo ano primário,
assíduo leitor do Correio da Manhã. E dava o que falar na cidadezinha de interior onde vivia. Universidade era coisa pra poucos, e esses poucos eram engenheiros, médicos ou advogados.
Manuel resolveu inovar. Escolheu o jornalismo e fez o último vestibular dirigido da UFMG, em que cada faculdade aplicava suas próprias avaliações. E sua memória impagável lembra não só das provas que fez, mas também do texto que teve
que interpretar na avaliação de português – Clarice Lispector.
A memória vem acompanhada por um senso crítico e analítico de dar inveja a qualquer recém-formado. Conhecedor de
números e estatísticas da universidade de hoje, comenta que o
vestibular de sua época era muito mais preciso ao selecionar
futuros profissionais dotados de vocação e com real interesse
na profissão.
O que falar de vocação no auge da juventude? Ser jornalista, aos 20 anos, pode parecer o melhor futuro pra qualquer
um. E nada como escrever sobre seus sonhos profissionais nos
primeiros dias de aula e ouvir o que o professor tem a dizer.
Motivante? Não. Decepcionante!
“Olha, 95% da turma não quer ser jornalista, quer ser escritor. Jornalismo não é ser romancista, não é nada disso.”
Se o sonho adolescente de alguns anos atrás era aparecer
na Globo e o de hoje é ter milhares de acessos no Twitter, o
balde de água fria serve pra todos. Descobrir que a rotina de
redação jornalística não é como parece, pode fazer muita gente
desistir.
Mesmo contra as expectativas, Manuel, com seus cabelos
claros e voz tranquila, teve sucesso na profissão. Trabalhou
como assessor, repórter e secretário de edição. E, antes disso,
foi foca.
Quem nunca ouviu falar em uma máquina de linotipo? OK,
algumas pessoas. Mas, e a... calandra. Conhece?
Recém-chegado à redação, o patrão pede ao foca que busque a temida calandra na oficina. Redação no andar de cima,
oficina no de baixo e lá vai o calouro. Desce as escadas, chama
o encarregado, pede o produto que o chefe solicitou. No canto,
lá estava a calandra: um equipamento de duas ou três toneladas, então usado para impressão de títulos.
Jornalismo bacana
Ao lado da cadeira de balanço do avô, Bruna ouve atenta
às sugestões: jornalismo talvez não seja a melhor opção. O fim
da obrigatoriedade do diploma fez muita gente pensar assim.
Mas seu sonho sempre foi ser jornalista e estudar pra isso não
foi problema.
Considerando a vocação e o desejo de se tornar uma profissional da área, só um porém: ela parece ser tímida. Mesmo
assim, fala com segurança, como uma boa comunicóloga, e já
usa jargões da área. Aos 18 anos, entrou para o curso assim que
saiu do ensino médio, completo na escola em que estudou a
vida toda. E não tem medo do mercado de trabalho, não. Lembra que toda profissão tem casos de sucesso e de fracasso, além
de seus bons e maus exemplos. Claro que pretende ser o bom.
Menos de seis meses depois de conhecer a Fafich, já identifica os lugares mais calmos e silenciosos.
Em compensação, o barulho dos corredores não parece incomodar. Sempre quis estudar na UFMG pra conhecer novas
pessoas e ampliar o alcance de seu conhecimento. Tinha toda
razão ao atribuir diversidade para o prédio da Fafich. Hoje, parece satisfeita com o clima de “cada um por si”.
Ciente do que vem pela frente, não gosta de nada de bandeja. A independência deixa seus olhos escuros mais claros de
tanto brilhar. E a primeira impressão do curso não prejudicou
seu entusiasmo.
Perdida, sem saber onde era a sala. “Que calouro nunca passou por isso?” Conhecia duas pessoas em uma turma de 50. É o
suficiente pra se sentir integrada. Portas vermelhas, amarelas
e verdes. Como deduzir a numeração dessas salas? O prédio é
enorme. A sala da primeira aula mudou de novo. Colegiado?
Departamento? Onde é isso? O jeito é apelar pras informações
informais. Neste caso, melhor não perguntar pra veterano...
No fim das contas, Bruna considera que “o curso
é bacana.” E tem definição melhor? Então terminando o primeiro semestre de curso, adaptada ao novo
ambiente, já tem 90% de certeza de que escolheu a
profissão certa. Os outros 10% ficam por conta do
avô.
VOCAÇÃO?
Segundo ano do Ensino Médio. O sinal da escola
toca e cada aluno vai para a sala destinada a sua área
de conhecimento específica. A turma de exatas é a
mais cheia e concentrada. Henrique já esteve lá.
Segundo ano do Ensino Médio.
O sinal da escola toca e cada aluno vai para a sua
sala de aula. A turma de humanas não é a mais cheia,
nem a mais vazia. É a mais agitada. Todos os professores reclamam da dificuldade em dar aula em uma
sala em que quase todos os alunos querem participar. Henrique, na verdade, é um dos mais quietos.
Sentado no fundo da sala, lê sua revista semanal.
Até 2009, o futuro do estudante de 16 anos estava nas Ciências Exatas. Tudo mudou ao visitar a
UFMG.
Conheceu a Fafich porque sua irmã estudava
lá. Pensou que era o prédio da Computação e gostou, apesar da pouca estrutura de informática que
a unidade aparentava ter. Gostava de descobrir programas de computadores cada vez mais inovadores,
mas sua verdadeira paixão sempre foram as redes
sociais. Passava horas inteiras na frente da tela plana do seu quarto.
Durante a Mostra das Profissões da UFMG, procurando pela Computação, pra variar, ficou perdido.
Foi parar – adivinha? – na Comunicação. Além de
técnicas de diagramação, percebeu que uma sala de
redação de um grande jornal talvez fosse onde ele
gostaria de se ver daqui a alguns anos. “Com cheiro
de papel e muito café, de preferência.”
Sua mãe, formada em jornalismo, adorou a ideia.
Até tirou a tela plana do quarto do filho pra que ele
se concentrasse no vestibular e esquecesse o blog na
internet. Curioso e insistente, Henrique vê na Comunicação um mercado amplo e em crescimento, principalmente nem relação às novas mídias.
A não obrigatoriedade do diploma não o incomoda. Escolheu a UFMG como primeira opção pelo
nome que carrega e pelas “facilidades financeiras.”
Na verdade, o que mais pesa na sua escolha agora
são as festas que o curso costuma promover.
O LIVRO DE EDSON
Edson não é jornalista por vocação. Na falta de
uma profissão melhor, foi com essa que mais se identificou. Apesar disso, essa é sua ocupação desde 1973,
quando se formou pela UFMG.
Nascido no Mato Grosso do Sul e crescido no interior de São Paulo, de repente viu-se em um estádio
de futebol, cercado por milhares de estudantes, todos em busca de um objetivo: ser aprovado no vestibular. Era 1970, ano do primeiro vestibular unificado
da UFMG. Todos os cursos, no mesmo dia e horário,
na arquibancada do Mineirão.
Alguns meses depois, a família de Edson ouvia
seu nome na voz de Jaime Gomide da TV Itacolomy.
Não só o seu como o de centenas de aprovados no
vestibular da UFMG daquele ano, narrados em um
programa de televisão.
Antes do início das aulas, foi à Fafich, ainda na
rua Carangola, conhecer o local onde iria estudar durante os próximos três anos. E a adaptação não foi
das mais fáceis. Um mês depois do início das aulas,
Edson ainda era o aluno isolado, sentado nos cantos,
sempre com seu livro embaixo do braço. Estava lendo Ulisses, o clássico grego de James Joyce. O livro
grosso foi seu companheiro durante as primeiras
semanas de aula.
Ulisses foi também um dos poucos a corresponder a suas expectativas. Os professores não eram o
que ele esperava, muitos deles sem nenhuma experiência acadêmica. Profissionais aproveitados do mercado de trabalho para formar as primeiras turmas
do curso. A bibliografia era extremamente limitada,
mas apesar de tudo, Edson não sentia falta de nada.
Aprendeu com o mercado e com a leitura. O que
Ulisses o ensinou ele leva para a profissão. A leitura
sempre esteve ao seu lado, durante toda a carreira.
Ex-professor universitário, seu maior conselho para
os novos estudantes do jornalismo é a leitura. “Ler,
ler e ler. Muito. Sem parar.”
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ENTRE O LEAD E AS REAÇÕES
A primeira opção de Humberto foi a Química. Já nos primeiros períodos do curso, foi reprovado em Cálculo, Física I,
Geometria Analítica e Álgebra Linear. Desistiu.
Depois da experiência, escolheu o curso de jornalismo da
UFMG. Afinal, depois de vários anos estudando na Pampulha,
sentia o Campus como sua segunda casa. Desistiu não só do
curso de Química, mas também do emprego de dois anos como
técnico, com o objetivo de se dedicar à sua nova profissão.
Para quem saiu de um curso de exatas, a primeira impressão da Fafich foi até boa. Pessoas mais calmas, algumas mais
estudiosas, outras mais polêmicas. Todas bem definidas em
seus grupos. Não sabia o que esperar.
A novidade era a expectativa. E até os problemas do curso
são reconhecidos por ele como uma forma de aprendizado.
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Humberto sempre foi muito ligado a atualidades. Além
disso, gostava de escrever. Mas teve certa dificuldade com a
teoria inicial do curso. As mãos levantadas durante aulas que
não faziam muito sentido para ele, o deixavam preocupado. E
foram os próprios professores que o tranquilizaram. Depois de
conversar com alguns deles, foi convencido de que aquilo não
o prejudicaria no mercado.
E, realmente, não prejudicou. Trabalhou por cinco anos no
Projeto Manuelzão da própria UFMG. Com talento visível e
sem nenhuma cara de químico, parecia estar à vontade no ambiente de redação. O que é comprovado com sua carreira, que
continuou em grandes jornais de Minas Gerais.
Entre o jornalismo e a química, o que tirou de tudo foi que
toda experiência é válida: “não tem sinal de positivo nem de
negativo”, completa com a tradicional piadinha matemática de
quem já foi da Exatas.
Ilustração: Ray J. Braz
Quase
50 anos
depois...
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Quase cinquenta
anos depois...
Relato parte de 1960
e conecta dois tempos profissionais.
por Lígia Souto e Vanrochris Vieira
Final da década de 1960. Talvez para nós, atuais estudantes de jornalismo, os acontecimentos políticos dessa época não passem de informações adicionadas aos livros de história. Sabemos de fato que foram
importantes, mas a dimensão de momentos específicos só pode ser
sentida por quem os viveu.
Em meio a esse ambiente tenso e hostil à liberdade de expressão,
um jornalista começava a trilhar sua longa carreira. Carlos Lindemberg fez dos problemas políticos de sua época um laboratório, unindo
militância e aprendizado.
Eu sou de uma época em que estudar era um plano secundário. A
prioridade era resistir à ditadura, e eu era um estudante engajado. Então, a minha carreira acadêmica foi dividida: um pouco dedicada aos
estudos, mas muito mais à atividade política. Frequentava as aulas
porque era o ambiente em que eu trabalhava politicamente, mas nunca fui, confesso, um aluno brilhante. Até demorei a sair da faculdade, a
me formar, porque faltava muito às aulas.
Mas acredito que o ambiente universitário é tão importante quanto o estudo na universidade. Conviver com pessoas que pensam como
você e com pessoas que pensam diferentemente de você é essencial
para a sua formação. Também é fundamental a participação no movimento estudantil. Se o estudante perde isso, ele perde o pé da realidade.
O início da carreira
Lindemberg começou a trabalhar com apenas 15 anos, em Montes
Claros, no jornal que leva o nome da cidade. Passou pela Gazeta do
Norte e Rádio Sociedade antes mesmo de entrar para a faculdade, e
aos dezesseis anos já tinha uma coluna sobre movimento estudantil.
Ao entrar no curso de Jornalismo da UFMG, ele teve a oportunidade de estagiar logo no início. Foi convidado, por um professor, para
uma vaga no O Globo. Naquela época os estágios não eram regulamentados, e o estudante não recebia nada, além de experiência. Um pouco
mais tarde, ele também estagiou no Estado de Minas.
Matheus Jasper é jornalista recém-formado pela UFMG. Durante sua
trajetória acadêmica, ele não participou de movimentos estudantis.
Não participei porque achava os
movimentos sempre muito radicais. Só agora, no final do curso,
entrou no ComuniCA um grupo
com maior diálogo. No DCE as posições sempre foram muito fortes.
Não me identificava com os grupos
nesse caso.
Fernanda Brescia é aluna do curso
de Comunicação Social, habilitação
jornalismo, na UFMG. Ela participou durante muito tempo do
movimento estudantil e acredita
que essa informação é importante
inclusive para disputar empregos, por isso chega a colocá-la no
currículo.
Fiquei muito preocupada com
a formação profissional desde o
inicio do curso... participei da CRIA,
do Mídia em Pauta... E ainda teve o
ComuniCA... que não é “formação
profissional”, mas não deixa de ter
contribuído para minha formação
como pessoa, enfim, mil movimentos contra o aumento do preço da
cantina... umas coisas deste naipe...
hahahhahha!
Fazia-se estágio a convite de alguém. Não tinha um critério de seleção. E a gente ficava quatro, cinco meses, até um ano sem receber
salário algum. A explicação era: “Você vai treinando e quando o jornal
tiver uma vaga, ele te contrata”.
Mas Lindemberg teve sorte. Apesar de a sorte do jornalista ser muitas vezes o azar dos outros... E no caso de Lindemberg foi um grande
incêndio no Colégio Caraça, cerca de uma semana após sua entrada no
Estado de Minas.
Mandaram que eu cobrisse esse incêndio por telefone. Eu liguei
pra telefonista de Santa Bárbara, onde fica a Serra do Caraça, e pedi:
“Chama alguém pra mim, aí! Um delegado, um soldado, um sargento,
alguém pra me dar informação, pra me falar o que aconteceu!”. Vinha
um, vinha outro, ela me ajudando, e eu tentando compor o incêndio.
O que o jovem jornalista não imaginava é que enquanto estivesse
redigindo a matéria, entrariam na redação os padres do Caraça, testemunhas oculares do incêndio, inclusive um que havia fotografado
tudo.
Evidentemente Lindemberg jogou fora tudo o que havia feito e começou outra vez. Com isso o estagiário conseguiu produzir a manchete do dia seguinte, sendo contratado logo em seguida.
O engraçado é que até hoje eu nunca fui ao Caraça! Ele foi a minha
porta de entrada para a profissão de jornalista, e eu nunca fui lá. Tá aí
uma boa idéia! Num fim de semana desses vou à Santa Bárbara ver o
Caraça!
Enquanto esteve no Estado de Minas, Lindemberg chegou também
a assumir a produção da Revista Encontro, vinda de Montes Claros, foi
correspondente do carioca O Jornal e trabalhou em agências de propaganda, na área de assessoria de imprensa.
Ainda devendo algumas disciplinas para concluir o curso na Federal, Lindemberg foi enviado pelo Estado de Minas a Buenos Aires.
Durante 40 dias ele cobriu a chegada de Perón, que voltava do exílio
na Espanha.
Uma coisa que a gente escuta falar
direto e que já vi acontecendo é o
tal do QI (quem indica)...
Pessoas que convidam amigos, colegas de faculdade. No nosso meio,
é muito comum. É pq geralmente a
pessoa confia, né? Confia na qualidade do trabalho da pessoa que ela
tá indicando...
Um dos locais que Matheus fez
estágio foi na CP2 Pesquisas, que é
uma empresa que realiza pesquisas eleitorais e de mercado.
Na CP2 o processo seletivo durou
mais de um mês. Primeiro participei de um teste, depois de uma
entrevista, depois fi z dinâmica
de grupo, e por ultimo uma outra
entrevista.
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A experiência de Matheus mostra
que hoje em dia a própria universidade oferece muitos espaços
para o desenvolvimento da prática
profissional.
O que acho mais interessante no
curso da UFMG são as oportunidades que ele nos dá. Quando entrei
na Universidade de cara já comecei
a participar do Projeto Manuelzão. No final do segundo período
entrei na CRIA. Por meio dela, fui
Coordenador de Relações Públicas da Confederação Brasileira de
Empresas Juniores (Brasil Junior)
e Articulador Geral do Encontro
Nacional de Empresários Juniores
(ENEJ).
Quando estava no sétimo período achei que era importante ter
alguma experiência também em
televisão. Foi quando entrei na TV
UFMG.
Coluna de opinião
O reconhecimento profissional
Dias depois de regressar dessa viagem, Lindemberg foi convidado
para ser repórter da revista Veja. Menos de dois anos depois, o chefe
da filial mineira desligou-se do veículo, e o recém-formado assumiu a
chefia. Ele ficou na Veja por oito anos. Nessa época também foi diretor
do sindicato por duas vezes.
Mas chegou um momento em que eu pensei: “Não quero ficar na
Veja a vida toda, porque aqui eu vou ficar fazendo sempre a mesma
coisa, e a rotina daqui é muito estressante. Mas também não quero ir
pro Rio ou pra São Paulo, quero ficar aqui em Minas”.
Então ele desligou-se da Veja, e pouco depois foi convidado pela TV
Globo para ser repórter do Jornal Nacional. Quando ainda treinava
para assumir o cargo, já fazendo entradas no Jornal da Globo, foi convidado a ser chefe de reportagem, ao invés de repórter. Ele ficou na Globo
por cerca de quatro anos, até que o jornal O Globo, onde tudo começou,
o convidou para ser chefe de redação da filial mineira.
Depois de um tempo nesse jornal, o governador eleito Newton Cardoso me chamou pra ser assessor de comunicação do governo do estado. Era uma experiência nova pra mim, eu não conhecia direito essa
área, aí eu falei: “Vou ver como é que essa coisa funciona”.
Lindemberg permaneceu nessa função por dois anos. Em seguida,
ele foi para o Hoje em Dia, cuidar da expansão do jornal no interior.
Tornou-se editor-chefe, e ficou no cargo por 20 anos.
Eu sempre tive foco. Sempre soube: “Eu quero ser jornalista, não
quero ser outra coisa”. E me preparei pra isso. Sem deixar de namorar,
de jogar futebol... Fiz tudo o que todo mundo faz: noitadas, farras. Morei no Maletta, que naquela época era a sucursal do inferno, numa república com mais doze colegas, dormindo em beliches. Mas nada disso
me desviou do meu objetivo de ser jornalista.
O jornalista faz basicamente duas coisas: apurar e redigir. Por isso
ele deve ter todas as ferramentas necessárias para, quando for o caso,
saber fazer uma boa apuração e redigir bem uma matéria. Se a pessoa
não é uma boa aluna, as coisas são mais difíceis pra ela. Mas bom aluno
não é o que almoça, dorme e acorda com um livro (o CDF), é aquele que
tem senso de realidade, que se prepara tecnicamente e humanisticamente para ser um bom jornalista.
Outra coisa: eu acho incrível um aluno que faz jornalismo e não lê
jornal. Eu duvido que um dia um deles possa ser um bom jornalista,
pelo menos no impresso. Eu acho que todo estudante de jornalismo
deve ler dois ou três jornais por dia. Não adianta ler só na Internet ou
só ver na televisão, porque esses veículos não dão profundidade.
Para Lindemberg o mercado convencional, de televisão, jornal, rádio piorou ao longos anos.
Houve uma redução de publicações, de emissoras. Mas abriu-se um
outro mercado, o das assessorias, que também são legítimas. É um outro tipo de experiência, talvez um perfil profissional diferente, mas ta
aí, ex- iste, e é um mercado estabelecido. Então num sentido de mercado mais amplo, melhorou.
Fernanda faz estágio no portal
de notícias G1 há um ano, apesar
de não ser essa a área de maior
interesse dela.
Sempre quis trabalhar com Jornalismo Cultural e ainda pre- tendo,
se for po$$ível... rs. Mas sabe como
é: se surgir uma oportunidade, vou
ter que pensar bem... Se o estágio
virar um emprego, não posso me
dar ao luxo de dizer NÃO, sabe?
Lembro que uma vez meu professor Victor Braga disse que “é preciso dançar a música que o dono da
vitrola escolhe... só depois a gente
consegue chegar perto dela para
virar o disco...”.
No G1, Fernanda mostra que hoje
há outras boas oportunidades,
além do impresso, para quem quer
trabalhar com jornalismo.
Lá no G1 eu faço de tudo (como
todo mundo que trabalha lá: 1001
utilidades... rsrs). Faço apuração, redação e publicação de reportagens
no portal, edito conteúdo na home
do site, sugiro reportagens especiais, cubro alguma coisa na rua
quando é necessário...já participei
de muitos eventos legais.
Fernanda afirma que sempre
esteve antenada aos mais diversos meios de comunicação, lendo
jornais freqüentemente e acompanhando telejornais na TV.
Tem gente que sai da Universidade
hoje com um diploma, mas sem
informação nenhuma. Quer trabalhar em um jornal sem saber nada
sobre o jornal e sem ler jornal. Isso
é muito grave. Acho que hoje estar
informado é muito importante.
A gente acha que isso é premissa
básica, mas muita gente não se
importa com isso, por incrível que
pareça.
* Fernanda e Matheus foram entrevistados via MSN.
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Prazer, anos 1970
Viagem astral ou intoxicação alimentar?
Em um churrasco descontraído com um ex-aluno de
Comunicação, acabei indo parar na Fafich de 40 anos atrás.
por Sara Grenbaum
Ilustração: Ray J. Braz
O
dia não estava dos melhores para se fazer um churrasco: céu nublado com possibilidade de chuva a qualquer
instante. Mas o convite continuou de pé e eu comecei a
me vestir. Não comi nada antes de sair de casa nem pensei em
fazer um roteiro de perguntas. Queria que a conversa rolasse
naturalmente, que ele falasse sobre qualquer coisa, sobre o que
quisesse. O Henrique, filho dele, buscou-me mais ou menos às
11h e pegamos a estrada para Macacos.
O caminho era todo lindo, todo verde. A casa, igualmente
linda, com um grande portão de madeira na frente. A única
segurança era um cadeado de senha que o Henrique saiu do
carro para decifrar. Eu fiquei ali dentro pensando sobre o que
me esperava depois daquele portão. Que eles seriam simpáticos eu tinha certeza, mas será que eu iria conseguir me soltar e
conversar sobre aquilo que me fez ir ali?
Desci do carro e dei de cara com uma família enorme, bem
diferente da minha. Pai, madrasta, dois irmãos pequenos, avós,
tias até não poder mais e infinitos primos. Todo mundo achou
que eu era a nova namorada do Quiqui (jeito fofo da família
se referir ao Henrique) até que eu expliquei que era apenas a
colega de sala interessada no que o pai dele tinha pra contar.
Alívio para uns, desapontamento para outros.
Conheci tantas pessoas que não me sinto mal educada por
lembrar apenas o nome de algumas. O que eu gravei na hora,
obviamente, foi o de Luiz Fernando da Silva Santos: o pai fotógrafo faficheiro simpático, de chinelo de dedo e habilidade com
os espetos de churrasco, que fez questão de me tratar super
bem e comemorar a presença de uma aspirante a jornalista.
Depois de ter comido muitas, mas muitas coxinhas de frango especialmente temperadinhas, ofereceram-me strogonoff
e não pude recusar. Tudo uma delícia, alternado com papos
casuais e piadinhas entre família. Eu estava super à vontade
e pensando que a minha conversa com o Luiz iria ter que esperar. Depois dos salgados, mousse de limão. Com as barrigas
incalculavelmente cheias, ficamos numa grande mesa conversando. Eu, Luiz e Henrique, como quem não quer nada.
COLOCAram algo na minha coxinha
Outros tempos
Não sei se colocaram alguma substância desconhecida no
meu refrigerante ou se foi a força do relato, mas, de repente,
eu não estava mais em Macacos. O clima era dos anos 1970 e o
ambiente era a antiga sede da Fafich na Rua Carangola.
Luiz estava uns trinta e poucos anos mais novo, mas não
era nada daquilo que eu imaginava ser um faficheiro típico:
barbudo, sandália de couro, roupas de tecidos esvoaçantes,
cabelos esteticamente duvidosos e colares em atacado no pescoço. Como começou a trabalhar muito cedo, contribuindo
como fotógrafo em vários jornais de Belo Horizonte e do Rio
de Janeiro, Luiz tinha sempre que andar arrumadinho e com
roupas que o fizessem parecer mais maduro.
Ele era quase um OVNI perto dos outros estudantes, inclusive de seus amigos Zé e Neander, dois hippies que andavam
a pé. Luiz tinha carro e garotas a seus pés, o que gerava inveja
generalizada entre os usuários de brinco e bata.
O prédio tinha oito andares, os seis primeiros interligados
por rampas enormes. Ali funcionavam, entre outros, os cursos
de Comunicação Social, Sociologia, Filosofia, Psicologia e ainda
o Colégio de Aplicação, escola pública veiculada à UFMG. Os
corredores eram uma loucura: professor descendo e subindo
para dar aulas nos diferentes cursos, um esbarrando com o outro na rampa do quarto para o quinto andar; o carinha de barba da Sociologia paquerando a loirinha da Filosofia; uns dois
ali no canto entoando uma canção de Geraldo Vandré; e a cantina tendo de dar conta de todos aqueles alunos esfomeados.
Escutamos uma gritaria no final do corredor - haviam fechado as saídas daquele andar. Queriam obrigar que todos ali
participassem de um evento que não consegui entender sobre
o que era. Na hora, o Luiz disse que tinha um compromisso de
trabalho e que não poderia ficar. Eu e o Henrique também não
queríamos, estávamos assustados com a agitação de jovens
que já não é mais tão comum em nossa época. Luiz era mais
forte que todos os caras que estavam bloqueando a rampa, então foi preciso só uma ou duas pernadas e estávamos fora dali.
Acho que isso não vai sair impune para ele. A vontade dos estudantes por mudanças e democracia é muito forte. É preciso
aderir ao movimento para mudar a história do futuro. A sensação era de que quem estava ali dentro estava na verdade dentro de um embrião de revoluções. Os ares são de escola de vida.
O campus Pampulha naquela época era quase um vale perdido no meio do nada. Longe de tudo, difícil de chegar e mais
ainda de sair. Eram lá as aulas de Fotografia do curso e o pessoal todo saía com um sanduichinho debaixo do braço, já que por
lá não tinha o que comer. Nem o que fazer. Na Carangola era
tudo perto. Ninguém queria sair dali não. Nem eu.
Andando pelos corredores da antiga Fafich, eu e Henrique
não pudemos deixar de notar que o curso de Comunicação
Social não contava com os laboratórios equipados que temos
agora. Correm boatos de que a Diretoria está negociando com
o Governo a instalação de um laboratório para a produção de
rádio, mas, por enquanto, são apenas boatos.
Em compensação, dobramos a esquina para outro corredor
e esbarramos com Plínio Carneiro que, no futuro, seria o diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.
Ele era o chefe do departamento e que muitas vezes fez vista
grossa para o grande número de faltas de Luiz. Os professores
eram todos figurões, desses que a gente ouve dizer até hoje. As
aulas eram definitivamente incríveis, com a base teórica muito
forte. Quase um hall da fama jornalística.
Descemos as escadas até o primeiro andar. Chegamos a um
lugar completamente inusitado: um botequim. Estava completamente lotado, com gente de todos os cursos, de todos os
jeitos. As pessoas bebiam cerveja, cachaça e fumavam maconha livremente. Era uma onda paz e amor super atraente para
todos os tipos de surfista.
Por um momento, quase me esqueci de onde estava. Aquilo ali era praticamente um oásis dentro de um ambiente tão
denso de conhecimento e ideologia. Falo oásis sendo bem boazinha e sutil sobre as coisas que vi no botequim. O amor realmente era livre na Fafich. Livre e desgovernado. Era naquelas
mesas que o pessoal combinava as viagens do final de semana,
para sítios, para a praia, qualquer lugar que tivesse diversão,
sexo, drogas e rock’n roll. Mesmo.
No final do dia, as centenas de alunos iam todas para o mesmo ponto de ônibus. Caos. Uma fila enorme de pessoas cansadas, talvez bêbadas, doidas para chegarem até o seu destino.
Entramos no ônibus e, sei lá como, me vi novamente naquela
mesa grande da casa em Macacos. Não sei dizer quantas horas
se passaram, se nós só conversamos ou se realmente estivemos
lá.
A verdade é que conhecendo um pouco da vida estudantil de Luiz, pude entender um pouco mais a minha e todo esse
universo Fafich. Definitivamente, eles, e agora eu, Henrique e
nossos colegas, somos pessoas privilegiadas por fazermos parte de um ambiente tão rico em ideias, pensamentos e com tantos pontos de vista e pessoas diferentes. Seja lá na Carangola,
seja no Campus, em 1978 ou em 2012.
A conversa me deu fome de novo. Leram os meus pensamentos e lá veio uma fornada de pizza de calabresa simplesmente crocante. Pegamos a estrada de volta com a barriga
cheia e a cabeça também.
Ilustração: Ray J. Braz
Memória e
participação
O curso de Comunicação Social da UFMG, fundado em 1962, vivencia
seu cinquentenário e abre algumas discussões fundamentais acerca da
preservação de sua memória. A ausência, até o momento, de uma cultura de preservação e organização dos registros oficiais e da cultura institucional do curso se mostra ainda mais problemática em uma época de
mudanças cada vez mais aceleradas, quando o que passou é esquecido
rapidamente.
A área da Comunicação, tensionada o tempo todo pela velocidade dos
seus processos, pelas mudanças vertiginosas; e a própria trajetória do
curso, marcada por inúmeras mudanças curriculares, revelam a grande
importância da preservação da memória institucional. Mais do que mero
saudosismo, o resgate do passado poderia se tornar um caminho fundamental para articular as questões atuais da área e assim contribuir para
a compreensão e intervenção no presente.
Com essa preocupação, e tendo em vista que a comemoração do cinqüentenário poderia se tornar um marco de mudança na relação do curso
com sua memória, um grupo formado por docentes e técnicos decidiu iniciar um trabalho de preservação da memória institucional. À frente dos
trabalhos estão o professor Delfim Afonso Júnior, os jornalistas Cláudia
Fonseca e Enderson Cunha e o bibliotecário Lúcio Melo.
O Projeto Memória, como foi entitulado, através da recuperação de alguns documentos oficiais e de uma série de entrevistas com os fundadores
e alguns ex-alunos do curso de graduação, conseguiu apresentar resultados importantes para o início desse resgate. Paralelamente, outro projeto,
o Acervo 50, desenvolveu uma nova metodologia e iniciou o processo de
recuperação, tratamento e indexação do material audiovisual produzido
e utilizado por alunos, técnicos e docentes ao longo da trajetória da instituição.
Para isso, os organizadores pretendem reunir dispositivos, tanto da
memória institucional oficial, quanto daquela memória coletiva e individual, que sejam capazes de iniciar nas pessoas processos de resgate de
lembranças, narrativas e sentimentos relacionados ao curso. Por esse caminho vem se integrar esta edição especial da Outro Sentido dedicada aos
50 anos do curso. Boa leitura!