Narrativa audiovisual dos videogames: Especificidades do cinema
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Narrativa audiovisual dos videogames: Especificidades do cinema
Narrativa audiovisual dos videogames: Especificidades do cinema ao game Narrativa audiovisual de los video juegos: Aspectos comunes con el cine Vicente Gosciola, Universidad Anhembi Morumbi, São Paulo, Brasil ([email protected]) Palavras-chave: Cinema, Narrativa Audiovisual, Videogame, Estilo Fílmico. Suponiendo que la película y los videojuegos pertenecen al universo audiovisual, este estudio tiene como objetivo relacionar las características específicas de la película, explícitamente el estilo fílmico, en los videojuegos. El objetivo es crear un instrumento de análisis de videojuegos estructurado en los procesos y en la materialidad de lo que se presenta al espectador de la película y al jugador del videojuego: la narrativa audiovisual. Palabras Claves: Cine, Narrativa Audiovisual, Videojuego, Estilo Fílmico. C U A D E R N O S D E I N F O R M A C I Ó N / N º 2 5 / 2 0 0 9 - I I ( J U L . - D I C . ) / I S S N 0 7 16 -16 2 x / pá ginas 51- 6 0 51 E n s ay o Partindo do pressuposto que o filme e o videogame pertencem ao universo do audiovisual, este estudo busca relacionar o estilo fílmico do cinema ao do videogame. O objetivo é criar um instrumental de análise de videogames estruturado nos processos e na materialidade daquilo que se apresenta ao espectador do cinema e ao jogador do videogame: a narrativa audiovisual. Resumen — Resumo — Re c i b i d o: 3 0 / 12 / 2 0 0 8 . A p r o b a d o: 15 / 10 / 2 0 0 9 Introdução Para iniciar uma discussão sobre narrativa e roteiro de videogame -que doravante será chamado de game-, é importante que se considere tal objeto de estudo pertencente ao universo do audiovisual, compreendido como um meio e uma linguagem que faz uso do som e da imagem para comunicar. Partilha-se da concepção de audiovisual estabelecida por Gianfranco Bettetini, que o vê como um produto que tem por finalidade a troca comunicacional através da visão e da audição (Bettetini, 1996, p.7) e que se faz presente em meios como a televisão, o cinema sonoro, o vídeo, a multimídia, a computação gráfica, a hipermídia, o game, o hipertexto, a realidade virtual e os dispositivos móveis como o smart phone. Sendo assim, a atenção desse estudo é voltada para a relação entre cinema e game no âmbito da expressividade audiovisual do primeiro, absorvida cada vez mais pelo segundo que, por sua vez, oferece novos recursos de narrativa audiovisual a cada nova produção cinematográfica baseada em um determinado game. Cabe observar, todavia, se o game apresenta alternâncias nos elementos de sua linguagem, como a proposta de Michel Chion (1998, pp.156-172): o conceito audiologovisual. O conceito audiovisual, tradicionalmente ligado ao cinema e afins, foi ampliado por Chion para o conceito audiologovisual ao lidar, não apenas com som e imagens em movimento, mas também com gráficos e textos animados. Tal conceito surgiu da análise que fez dos videoclipes transmitidos na programação musical das emissoras de TVs, onde vocábulos em forma escrita na tela se faziam presentes, relacionados intensamente ao som e à imagem em movimento. Esse tipo de videoclipe baseia-se no equilíbrio entre o texto (letra da música), a imagem e o som. Todavia, o game não se enquadra no campo do audiologovisual porque seu texto, não acrescenta informação pelo seu aspecto visual, nem mesmo em games de simulação social e de aventura. Portanto, a grande premissa para todo este estudo é a de que todo game é um meio de comunicação audiovisual, assim como o é o cinema, a TV e o vídeo. E é por isso que se percebe uma acelerada inserção social de produtos em game, algo imediatamente compreensível se recordarmos as idéias do historiador holandês Johan Huizinga que defendia, “desde 1903” (Huizinga, 1996, Prefácio), a idéia de que o ser humano contemporâneo pode ser caracterizado como Homo ludens, sendo o jogo um fator distinto e fundamental, presente em tudo o que acontece no nosso universo cultural. Atualmente o game de computador e console de game estão plenamente disseminados e reconhecidos como os maiores 52 produtos do mercado de entretenimento em todo o mundo. A partir dos pressupostos descritos, este texto buscará mostrar a relação entre cinema e game pela abordagem da narrativa audiovisual. Tanto na Ciência como na Comunicação acontecem encontros entre técnicas e tecnologias -como lembra Eduardo Villanueva Mansilla, ao afirmar que a “era digital” se dá pela multiplicidadedade de interações (Mansilla, 2006, pp.1213)-, nas quais a composição de diferentes linguagens resulta em uma nova forma de expressão. Tais encontros são os verdadeiros responsáveis pelo que as novas mídias são hoje, e constituem também o meio e a linguagem que comumente recebem o nome de hipermídia (Gosciola, pp.3435). A hipermídia, ou as novas mídias, especialmente as que hoje chamamos de digitais e/ou interativas, onde se inclui o game, já davam os seus primeiros passos antes mesmo de o texto se tornar digital e ganhar conexões em forma de hipertexto. Eram sistemas que dispunham conteúdos diversos por acesso não-linear a critério do jogador através de mais de um meio de comunicação, um proto-hipertexto, como define David Kolb ao lembrar de Finnegan’s Wake, de James Joyce (Kolb, 1997, p.366). Dessa mesma origem, como acontece com o computador, o game é fruto da associação de desenvolvimentos tecnológicos e estéticos. Os conceitos relacionados ao game designam, também, o segmento do cenário cultural onde se estabelecem os trabalhos que utilizam as novas mídias, que hoje são os meios digitais com mais de uma mídia, com alto investimento na interatividade e de acesso não-linear aos seus conteúdos. Mesmo com tamanhas novidades, o game tem ligações fortes com as mais ancestrais características narrativas, como veremos a seguir. Uma discussão inicial sobre o gênero narrativo cinematográfico em games É senso comum que a narrativa é um exercício presente em todo e qualquer processo civilizatório e que, no mundo ocidental, ela se desenvolveu desde as experiências teatrais da Grécia Antiga. De modo amplo, entre os mais diversos meios de comunicação, o exercício narrativo depende, basicamente, de dois elementos fundamentais: os personagens e as ações. Dependendo do tipo de personagem e do tipo de ação, a narrativa ganha um tom familiar que muitas vezes pode atrair ouvintes mais facilmente. Por exemplo, o cinema percebeu, logo no seu início de vida, que tornar personagens e cenas familiares traria mais público. Além disso, C U A D E R N O S D E I N F O R M A C I Ó N / N º 2 5 / 2 0 0 9 - I I ( J U L . - D I C . ) / I S S N 0 7 16 -16 2 x • Narrativa audiovisual de los video juegos: Aspectos comunes con el cine pos distintos: simulação (esporte, veículo de laser, estratégia militar), reflexos (esporte, ação, tiro, luta, plataforma) e reflexão (RPG, ventura, tabuleiro, estratégia) (Le Diberder, 1998). Atualmente os games são organizados de modo mais uniforme, como se pode constatar em sites de dados sobre games, como o Mobygames, que certamente não esgota o número de subgêneros: gêneros básicos como ação, aventura, educacional, corrida, RPG, simulação, esportes, estratégia; também recebem a classificação por perspectiva e ponto de vista como primeira pessoa, terceira pessoa, isométrico, plataforma, side-scrolling, top-down; ou por esportes como basquete, boxe, futebol, tênis, etc.; ou por temas não esportivos como adulto, anime, arcada, artes marciais, battlemech (guerra protagonizada por veículos de caminhada bípedes ou quadrúpedes controlados por um piloto no interior do mesmo), cartas, cassino, cyberpunk, detetive, ficção científica, ficção interativa, filme interativo, horror, luta, pinball, quadrinhos, tabuleiro, tiro, xadrez, etc.; ou os temas educativos como arte, ecologia, geografia, história, matemática, sociologia, etc. (MobyGames, 2008). Há ainda estudos que levam a questão de gênero a outras áreas do game como o trabalho de John E. Laird e Michael van Lent sobre a relação entre o gênero e a inteligência artificial (IA) presente em um game. Laird e van Lent concluem que a IA desempenha diferentes papéis para diferentes gêneros de games (Laird; van Lent, 2005, pp.205-215), fator que realmente torna mais complexa a narrativa e o trabalho do roteirista de game. Vale também observar os conceitos de Bertolt Brecht, entre eles, o da representação épica no palco em oposição à representação dramática (Brecht, 1973, pp.125-164). Para Brecht, a forma dramática seria constituída por ação, envolvimento do espectador, catarse, despertar emoções, condição humana imutável, progressão linear, sentimento. A forma épica seria estabelecida por narração, espectador crítico, estímulo mental, propor tomada de decisão, condição humana mutável, montagem de cenas, razão. Isso pode colaborar para resolver alguns dos dilemas que o roteirista enfrenta durante o seu trabalho, porque enquanto a primeira categoria narrativa é uma ilusão de realidade imutável, a segunda conduz o espectador a um estímulo mental. Sendo assim, para o roteirista de game cabe decidir entre desenvolver uma narrativa em um ambiente limitado, imutável, como na forma dramática, ou promover o deslocamento do personagem pelas mais diversas locações e cenários, conduzindo à evolução do protagonista, como no épico. 53 E n s ay o levaram-se em conta outros fatos como fotografia, cenografia, figurino, etc. Diferentes caracterizações receberam o nome de gênero narrativo cinematográfico, o que nada mais é do que padronizar certos tipos de personagens e ações de modo a oferecer aos espectadores uma maior segurança quanto ao quê iriam ver em um filme de história desconhecida, e também oferecer aos produtores certa previsibilidade de margem do lucro. No teatro, desde o séc. IX a.C. na Grécia Antiga, os gêneros se organizaram a partir da tragédia, da epopéia ou épico, da lírica e, posteriormente, da comédia. Diante destes gêneros primordiais, é possível identificar três grandes grupos de gêneros nas narrativas dos games. Os games que se desenvolvem em uma situação espacial restrita a um plano determinado e intransponível, em que os personagens se enfrentam como nos jogos de luta, têm como origem a tragédia grega em que os personagens são humanos e mortais.. Já os games que se desenvolvem em uma situação geográfica irrestrita, em diversos planos e transponíveis, desde que vencidos certos desafios, onde o jogador passa por um tipo de evolução, corresponderia ao épico, em que o protagonista é humano, mas é um herói. Outro grande gênero ancestral narrativo é o lírico, mas sua correspondência com o game é mais rara, com exemplos mais reduzidos, entre eles os jogos do tipo Tetris. O cinema organizou suas produções, a partir do início do séc. XX, entre gêneros como ação, aventura, biografia, comédia, crime, documentário, drama, fantasia, guerra, horror, musical, mistério, romance, thriller e outros. Assim, também, os personagens assumem características próprias segundo suas motivações, tais como: épico, trágico, cômico, dramático, melodramático, suspense, super-heróico, anti-heróico (Rincón, 2006, p.106). Para cada gênero, tanto no teatro quanto no cinema, há características de personagens e ações muito particulares. Em se tratando de games, há formas narrativas que vão desde a delimitação dos personagens e ações, pré-definidos pelo autor, até a liberdade relativa de controle pelo jogador dos personagens e ações como, por exemplo, em um game do tipo RPG, ou role playing game -um jogo de estratégia, organizado por um livro ou por cartas promovendo a interpretação de papéis. Os gêneros para os games já receberam diversas classificações, desde os irmãos Alain e Frédéric Le Diberder que, já em 1993, organizaram de maneira muito apropriada os gêneros dos games, como eram conhecidos à época, em três cam- Um outro aspecto a ser observado na relação entre cinema e game é a interpretação menos teatral, mais contida e menos narrada dos filmes, que foi a marca do cineasta norte-americano David Wark Griffith, que também foi ator de teatro antes de ser diretor de filmes. Parece ser mais adequado ao game uma atuação, por atores reais ou sintetizados, que não utilize a imposição dramática do teatro tradicional. Em geral, os games de luta são de trágicos a dramáticos enquanto que os jogos de simulação são menos dramáticos e em jogos de estratégia praticamente inexiste a imposição dramática teatral. O game The Sims, lançado em janeiro de 2000 pelo designer de jogos Will Wright, tem mais componentes do gênero de simulação. O game possibilita que se crie e dirija vidas e cenários virtuais. Do mesmo autor é o game Spore, lançado em setembro de 2008, com semelhante princípio de conduzir o relacionamento entre personagens, mas ampliado para o domínio da criação e intersecção de universos, um épico de proporções infinitas. Tão poderoso quanto os dois games citados, há o Façade, criado por Michael Mateas e Andrew Stern, pesquisadores da University of California. Façade é o drama interativo de um casal, onde o jogador toma um personagem e interage com o outro municiado de frases acionadas por inteligência artificial. Aqui, sim, vemos um game de gênero dramático não de luta física, mas de embate psicológico e emocional. É possível que não aplicar a estrutura dramática do teatro tradicional, conforme a alternativa proposta por Griffith, seja a chave para levar os games épicos, como os de aventura ou estratégia, a resultados narrativos mais positivos. Por isso mesmo o efeito atingido, por Brecht em suas peças e por Griffith em seus filmes, foi o de ampliar a identificação do público com o personagem, independentemente do potencial de realismo, levando-o a uma imersão sem precedentes. Assim, na maioria dos casos, encontra-se no game uma distinção clara entre as duas estruturas narrativas: o dramático, de confronto direto entre dois personagens; o épico que oferece ao jogador o caminho que percorrerá para obter a ampliação de suas habilidades. Nos games de luta ou de drama interativo de um casal há somente o enfrentamento dramático entre os personagens, e tudo se passa em um palco de luta corporal ou em um cômodo doméstico. Em outros gêneros de games, como os de aventura, esporte, ação, simulação e estratégia, o desenvolvimento épico é o grande diferencial; mesmo que haja um combate na maior parte do jogo, o que importa é o deslocamento e a habilidade estratégica de superar barreiras. O game ainda tem mais um potencial que é similar a uma especificidade muito cara ao cinema: o fim do “teatro filmado”, 54 da câmera fixa diante de um palco. A diversidade de pontos de vista de uma mesma cena registrados pela câmera e os movimentos de câmera podem ser a garantia de que o jogador reconhecerá o deslocamento do personagem do game. É o caso do plano-seqüência: o registro realizado por uma câmera que se move ininterruptamente pelo cenário ou locação, o que confere uma forte atração ao jogador pelo dinamismo e sensação de imersão juntamente com o protagonista da cena, como discutiremos a seguir. Da narrativa clássica cinematográfica ao planoseqüência em game Entre 1895 e 1915, o cinema progrediu em expressividade e formatos para o que se chama de narrativa clássica. Consolidada pelos grandes pioneiros cinematográficos norte-americanos Edwin Stratton Porter e D. W. Griffith, a narrativa do cinema chegava em 1915 ao seu classicismo, com características muito comuns entre os filmes daquela época, como: movimentos de câmera, rigor do equilíbrio no enquadramento, grandes planos gerais, interpretação teatral mais contida valorizando mais os enquadramentos, entre outras. O game tem em suas narrativas todos esses componentes. Ocorre, porém, que a narrativa audiovisual do cinema evoluiu para outras possibilidades que o game inevitavelmente acompanha, como uma especificidade da narrativa audiovisual que foi aplicada desde o início do cinema e dos games: o plano-seqüência. O plano-seqüência é o registro sem interrupções por uma câmera em movimento. Desde as primeiras filmagens, no final do século XIX, a câmera era colocada sobre veículos -terrestres, marítimos, e posteriormente os aéreos-, fazendo com que o cinema apresentasse uma descrição detalhada de locações geográficas ou de atividades humanas em ambientes fechados. Esse recurso também evoluiu ao receber um apoio tecnológico de ponta (Monaco, 1981, p.454): o steadicam. Trata-se de um colete utilizado pelo operador com suporte para câmera ao qual fica presa e controlada por um sistema de compensação de choque por um contrapeso hidráulico, muito útil para movimentar a câmera por espaços estreitos que não permitiriam a passagem do tripé e para simular o ponto de vista de um personagem em movimento. Esse tipo de posicionamento de câmera também é chamado de câmera subjetiva, ou point-of-view, ou, ainda, para o game é chamada de câmera em primeira pessoa. De acordo com David Bordwell, a câmera subjetiva é utilizada desde 1902 (Bordwell, 1985, p.199) Há um filme que é referencial porque utilizou a câ- C U A D E R N O S D E I N F O R M A C I Ó N / N º 2 5 / 2 0 0 9 - I I ( J U L . - D I C . ) / I S S N 0 7 16 -16 2 x O game para computador se uniria ao RPG, em 1990. Roleplaying game-RPG é um jogo de interpretação de papéis, cada jogador tem o desafio de uma guerra na qual interpretará um personagem cujas características são previamente definidas, assim como certas ações, no livro que define o RPG. O primeiro RPG é o Dungeons & Dragons, criado em 1973 por Gary Gygax e Dave Arneson. A idéia de união do game de computador com o RPG foi de Pavel Curtis que, em 1990, criou o ambiente de role-playing game online, via telnet ou MUD, o LambdaMOO, baseado no Dungeons & Dragons. Ao agregar o potencial narrativo do RPG ao alcance comunicacional da comunidade online, o game adquiriu uma perspectiva de complexidade narrativa sem precedentes. Tal fato é visto até hoje como o início de uma nova forma de literatura, performance ao vivo, cinema e narrativa interativa. O mercado do game foi largamente ampliado de modo que os investimentos em tecnologia permitiram também um investimento maior em roteiro. Em 1998 foi lançado o The X-Files game que contou com oito roteiristas envolvidos na realização do game. Suas imagens são quase que integralmente produzidas em vídeo e o game com um todo foi desenvolvido por diversos profissionais que já haviam participado da realização dos episódios da série de TV. Exibida desde 1993, a série foi criada por Chris Carter, roteirista e co-produtor do longa-metragem de mesmo nome, de 1998. Greg Roach foi o líder das equipes de design, direção e roteiro do game. O game, distribuído em uma caixa com sete CD-ROMs, tem o orçamento estimado entre US$ 5 milhões • Narrativa audiovisual de los video juegos: Aspectos comunes con el cine O aperfeiçoamento narrativo do game e US$ 7 milhões e tomou mais de quatro anos para o desenvolvimento. A experiência do cinema e da televisão foi a base do desenvolvimento do The X-Files game. O argumento veio da idéia de Carter. Frank Spotnitz, que escreveu e co-produziu alguns episódios da série e co-argumentou e co-produziu o filme, foi o editor do roteiro do game. Jon Joffin, que dirigiu a fotografia de alguns episódios da série, dirigiu a fotografia do game. Mark Snow, que foi co-autor da música original da série, foi co-autor da música do game juntamente com Paul Hiaumet. O design do game coube a seis profissionais e a edição das imagens do game coube a quatro outros profissionais. A programação que foi conduzida por Pete Isensee e Melanie McClaire, desenvolvedores de games da HyperBole Studios. Há uma clara tendência em enfatizar o trabalho de alguns profissionais nos créditos do game, especialmente os roteiristas. Tradicionalmente, o roteirista de cinema é reconhecido como um dos responsáveis pela qualidade de um filme e, para o game, tal mérito tem sido dirigido ao programador. Todavia, como se trata de uma estrutura narrativa de grande complexidade, a equipe de roteiristas do game The X-Files recebe destaque entre os seus profissionais. É preciso muita atenção a esta demanda: quem joga game já espera que os produtos recebam uma elaboração maior em suas narrativas. Para tanto é possível observar alguns exemplos em games que demonstram o aprimoramento narrativo para games. O roteiro do game pode ser analisado pelos condicionantes que o reorientam conforme o conceito de “interatividade contínua”, proposto por Brenda Laurel. O conceito é definido pelas variáveis de freqüência (freqüência de interações), alcance (o limite das possibilidades de escolhas) e significância (a interferência das afeta os conteúdos e vice-versa) (Laurel, 1998, pp.20-21). Laurel alia o conceito de interatividade contínua ao conceito da primazia da ação desenvolvida a partir das idéias de transparência, de Sussane Bødker, e de envolvimento direto, de Donald Norman (Laurel, 1998, p.134). O relacionamento com a interface do game seria uma atividade cognitiva e prioritária em atividades humano–computador, o que configura o computador como um meio e não como uma ferramenta (Laurel, 1998, pp.126127), que não interromperia a imersão do jogador. Significa, em condições ideais, envolver o jogador de tal forma que ele não perceba que existe uma interface, então invisível, entre ele e a história da qual está participando. Donald Norman (1999, pp.vii-xii) concebe que a interface da tela e a interface física do computador deveriam ser completamente invisíveis. É como o que acontece quando se assiste a uma peça no 55 E n s ay o mera subjetiva em 100% de suas imagens. Robert Montgomery dirigiu o filme Lady in the Lake (A dama do lago), em que todos os seus planos são do ponto de vista do narrador da história que é, ao mesmo tempo, o protagonista, assim somente por reflexos em espelhos é que o espectador conhece o protagonista. Para o cinema, o primeira uso do steadicam foi em 1975, pelo diretor de fotografia Haskell Wexler, para o filme Bound of Glory (Essa terra é minha terra), dirigido por Hal Ashby. Em 1980 o equipamento seria explorado em todo o seu potencial pelo diretor de fotografia John Alcott para o longa-metragem The shining (O iluminado), dirigido por Stanley Kubrick. Assim, o steadicam é lembrado pelos games que utilizam o ponto de vista do jogador como os “games de tiro”, tendo entre seus exemplos mais reconhecidos o Doom, o Quake e o Medal of Honor. teatro ou a um filme no cinema com propostas de ambientação e encenação realistas, quando, em geral, não se percebe a presença de todos os aparatos que compõem o teatro e suas instalações ou o cinema, com a sua tela, as caixas de som, o projetor, etc. Se o roteirista de game tem um desafio dos maiores para roteirizar quando se fala de meio interativo, a sugestão dada por Bob Bates é que se criem áreas onde o jogador tenha liberdade, para depois unir as áreas em uma série linear (Bates, 2002, pp.84-85). É uma idéia a considerar, mas de modo relativo porque o jogador pode ter interesse por outros repertórios que nem sempre descrevem uma linearidade. A curiosidade do jogador pode chegar até mesmo aos modos de produção do game. A presença dos modos de produção narrativa no game Até aqui, a análise se dirigiu a obras que objetivam levar o espectador a prestar atenção somente na história. Mas, muitas vezes a apresentação transparece ao espectador os modos de sua feitura, promovendo a quebra do realismo, alterando a percepção do espectador de modo a fazê-lo refletir sobre a estrutura da realização da obra e, por conseqüência, a estrutura de sua própria vida, projetando-se para além dos artifícios de ilusionismo. Por várias experiências, desde Dziga Vertov, em Tcheloviek s kinoapparaton (Um homem com uma câmera), passando por Federico Fellini, em 8½ (Fellini 8½), e François Truffaut, em La nuit américaine (Noite Americana), o cinema tem falado de si. O cinema mostra seus processos ao espectador, oferece instrumentos críticos para além da discussão da narrativa, possibilitando questionamento sobre o procedimento ilusório, especialmente o do cinema. Se o filme pode ser tanto aquele que promove a imersão quanto aquele que estimula a reflexão do espectador, o game, todavia, raramente investe na apresentação de sua estrutura de produção de ilusão porque, como na origem do cinema, a busca maior é por processos realismo como que se o maior desafio fosse reproduzir a realidade para levar a arte do game ao status da pintura quando do Renascimento. Não há estimativa de quando o game será antiilusório ou anti-realista, mas é possível que ainda surjam as respostas e seus desdobramentos porque, possivelmente, a exposição da estrutura de produção tornar-se-á mais um elemento-chave da expressão em game, mesmo que isso seja contrário à sua especificidade de imersão pelo realismo das imagens e do som. E talvez esteja aí a diferença conceitual que ainda nos impede de conhecer trabalhos que buscam quebrar a ilusão em game. No game, e na hipermídia em geral, conforme Lau- 56 rel, Bødker e Norman, a invisibilidade (ou transparência) é a capacidade de a interface da tela e a interface física do computador não serem percebidas pelo jogador garantindo, assim, a sua imersão e fluxo contínuo pelas telas. Assim também o é no cinema, conforme Ismail Xavier (2005, pp.52-65), para quem a transparência, em oposição à opacidade, é a capacidade que o filme tem de ocultar o seu procedimento de realização ao espectador. Ao utilizar a comparação cinema e hipermídia, Steven Johnson (2001, p.160) esboça sua previsão para o futuro da hipermídia ao comparar a receptividade do público, em 1902, ao filme Le Voyage dans la lune (Viagem à lua), de Georges Méliès, e o quanto esse mesmo público se espantaria se visse, em 1999, um filme como The Matrix (Matrix) dos irmãos Andy e Larry Wachowski. Poderíamos estender essa comparação para o que acontece hoje com as pessoas que se encantam ao jogar um game em três dimensões, como o Prince of Persia 3D (Príncipe da Pérsia 3D) e o que aconteceria com esse mesmo público quando jogasse um game no final do século 21. O público atual de games não imagina como serão os futuros games e nem como será jogá-los, ainda mais quando começarem as aplicações avançadas de periféricos destinados a outros campos perceptivos como o tato, o paladar ou o olfato. Complexidade narrativa interna ao plano Para compreender a razão pela qual os filmes estadunidenses faziam sucesso mundial, Lev Kulechov, no final da década de 1910, assistindo a muitos filmes, identificou um dos princípios básicos da decupagem clássica: para diminuir o tempo e resolver a complexidade de cada plano, a câmera é posicionada de modo a apresentar o plano para o espectador de modo rápido, simples e inteligível (Xavier, 2005, p.46). A narrativa cinematográfica estaria, assim, preparando o terreno para evoluções mais ousadas que possibilitariam as narrativas complexas que conhecemos hoje no cinema e no game. O princípio da decupagem clássica é um fator importante e recorrente em games. Simulação social, como o The Sims, depende fundamentalmente do posicionamento de câmera e de uma organização espacial no cenário de modo a mostrar na tela a situação dramática com clareza e completude. E assim como no The Sims, no cinema também ocorre o aumento de complexidade quando um único plano apresenta duas ou mais ações dramáticas simultâneas. Para apresentar duas ou mais narrativas em um mesmo plano é necessário garantir o foco nas lentes para todas as narrativas C U A D E R N O S D E I N F O R M A C I Ó N / N º 2 5 / 2 0 0 9 - I I ( J U L . - D I C . ) / I S S N 0 7 16 -16 2 x • Narrativa audiovisual de los video juegos: Aspectos comunes con el cine Hermann (Hedy Lamarr) se dirige para a casa de seu amante e a câmera nos mostra a casa do ponto de vista dela e a edição mostra sua aproximação por cortes de planos curtos e cada vez mais próximos da mesma. Outra possibilidade de síntese é a elipse, ou match-cut, recurso narrativo de deslocamento temporal para o futuro. Em cinema, comumente a ligação entre as duas cenas, a antiga e a futura, se dá pela repetição: de uma ação, de uma forma, de uma duplicação de situações de encenação. Um exemplo já clássico é a elipse em 2001: a Space Odyssey (2001, uma odisséia no espaço) de Stanley Kubrick, cuja ligação entre o passado distante dos hominídeos e o “ano 2001” é feita pela repetição da cor e do movimento de um osso girando no ar para o de uma estação espacial do século XXI rotacionando no espaço. Tal elipse é conhecida como “a mais ambiciosa elipse da história” (Monaco, 1981, p.185). Quanto ao game, o jump cut e a elipse são recursos facilmente disponibilizados ao jogador, especialmente o segundo porque, na grande maioria das passagens de uma tela para outra, há uma transição direta sem que se observe uma trajetória gradual e sem que se veja obrigatoriamente a continuidade de alguns elementos pertencentes ao conteúdo anterior para o novo conteúdo. A elipse é uma das opções narrativas mais oferecidas ao jogador do The X-Files Game, permitindo mudar sua localização espacial no game como se fosse um salto no tempo e no espaço. Alguns exemplos e notas finais Os elementos de orientação de desenvolvimento da narrativa audiovisual de um game, anteriormente descritos, não obrigatórios para a sua produção. Todavia, os games têm recebido um investimento cada vez maior em estudos de narrativa audiovisual e respectivos roteiros, como pode se pode constatar comparando as sucessivas versões de um mesmo game, como é o caso d’ O Poderoso Chefão: o game. Sempre houve reclamação sobre o desrespeito à narrativa e à estética dos games quando são adaptados para os filmes, e vice-versa, mas O Poderoso Chefão escapa da queixa e faz por merecer um estudo mais detalhado do ponto de vista da narrativa audiovisual porque recebe, desde seu lançamento em março de 2006, elogios em especial por sua relação com a saga cinematográfica. Desde Metal Gear Solid -um game que tem incorporado muitos recursos do cinema, como o controle de movimento de câmera, trilha sonora e roteiro muito elaborado- não havia um game tão influenciado pelo cinema. O Poderoso Chefão foi produzido durante dois anos e meio e custou alguns milhões de dólares -os custos não são mais divulgados pelos 57 E n s ay o importantes e no cinema isso nem sempre foi possível. Somente em 1940 a profundidade de campo foi aplicada com primor, graças ao desenvolvimento de uma objetiva cujas lentes permitiam foco em um alcance maior, como no filme Citizen Kane (Cidadão Kane), de Orson Welles. O diretor de fotografia, Gregg Toland, que posteriormente viria a fazer outra excelente exploração da profundidade de campo no filme The Best Years of our Lives (Os melhores anos de nossas vidas), desenvolveu a técnica pan-focus (Cowie, 1989, pp.40-48). Ele afirmou que com muita iluminação, para o filme, e com uma objetiva de 24 mm em abertura f:16 obteve foco de 2 pés ao infinito, e com uma objetiva de 28 mm em abertura de f:8 obteve foco de 4 pés a 50 pés (Salt, 1992, pp.232-236). Isso possibilitou a Welles preencher o espaço da tela com mais informação em foco e desenvolver narrativas simultâneas com melhor definição em um mesmo enquadramento. Com a multiplicidade de narrativas em um mesmo plano, cabe ao espectador a escolha de uma delas e tirar suas impressões de forma mais particular e mais acurada do que quando assistia a filmes cuja distância entre as imagens em foco na tela era menor. Equivale dizer que, antes de Citizen Kane, a maioria dos espectadores era mais motivada a ver quase que as mesmas imagens em uma tela de cinema e, principalmente, na mesma seqüência. Portanto, e também do ponto de vista de autores como Birk Weiberg, o filme é também um meio de expressão que promove uma experiência não-linear no cinema (Weiberg, 2008). O filme Play Time (Play Time), de Jacques Tati, também tem intensa exploração de narrativas simultâneas em uma mesma tela. Nos seus mais de 150 minutos, poucos planos são de apenas uma narrativa. Aqui as narrativas simultâneas audiovisuais levam o espectador a percorrer com os olhos toda a tela e todo o tempo, buscando outras ações e fontes de sonoridades além daquelas destacadas em primeiro plano contribuindo para a reafirmação do tema do filme, que trata do choque social das novas tecnologias. O inverso da complexidade no cinema são os recursos de edição: o corte no tempo de um plano para o outro significa no cinema a sua própria viabilidade como obra possível, como o faz a literatura, já que seria impossível dar conta do tempo real da rotina de um personagem. Há um recurso que sintetiza ainda mais a cena que é o jump cut que suprime boa parte do tempo de um plano, recortando-o em planos mais curtos, de modo a tornar a cena mais dinâmica. Um dos primeiros exemplos está no filme Ekstase (Êxtase) de Gustav Machatý, na seqüência em que a protagonista Eva desenvolvedores de games por um temor de que possa afastar os investidores. Seu roteiro foi baseado no livro original de Mario Puzo e no primeiro filme da saga. Puzo foi co-roteirista com o diretor Francis Ford Coppola, nos três filmes da cine-série. Para a construção da narrativa colaboraram os diretores de criação Philip Campbell, Mike Olsen, Michael Perry, os projetistas de gameplay John Calhoun, Chris Ferriera, Greg Rizzer, Steven Szakal Jr, os projetistas da missão James Agay, Mike Daugherty, Eric Grosser, David C. Hill, Mike Hurst, Stephen Riesenberger, Romulo Rodriguez e o escritor de diálogos adicionais Mark Winegardner. A proximidade com a produção cinematográfica é grande porque o game traz a transposição direta de algumas cenas originais do filme para ações em 3D. Foram chamados os atores do primeiro filme para o face-over, que consiste em marcar o rosto com sensores e capturar os movimentos faciais com 10 câmeras em diferentes ângulos. Outro game com forte presença da narra- tiva audiovisual já consolidada pelo cinema é Indigo Prophecy. Seu criador, o francês David Cage, o chama de filme interativo, ou drama interativo; ele também é o autor do roteiro do game, que tem mais de duas mil páginas. A trilha sonora incidental foi composta por Angelo Badalamenti, compositor freqüente nos filmes de David Lynch. Há muitas possibilidades de enquadramento definidas pelo jogador e um intenso uso de split-screens, divisões da tela em telas menores, cada uma com um ponto de vista de uma mesma ação ou de diversas ações simultâneas. Se, na opinião de Jesper Juul, tudo pode ser narrativa, tudo pode ser apresentado em forma narrativa (Juul, 2005, pp.219-226), e se game pode ser considerado audiovisual, então esses games merecem pesquisa continuada especialmente no que diz respeito aos seus elementos condicionantes da narrativa audiovisual. Referencias Bates, B. (2002). Game design: the art and business of creating games. London: Course Technology PTR. Bettetini, G. (1996). L’audiovisivo: dal cinema ai nuovi media. Milano: Bompiani. Bordwell, D.; Staiger, J.; Thompson, K. (1985). The classical Hollywood cinema: film style & mode of production to 1960. New York: Columbia University Press. Bordwell, David (1986). Narration in the fiction film. London: Routledge. Cowie, Peter (1989). The cinema of Orson Welles. Nova York: Da Capo Press. Gosciola, Vicente (2008). Roteiro para as novas mídias: do cinema às mídias interativas. São Paulo: Senac. Gumbrecht, H. U. (1998). 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