simbolismo

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simbolismo
SIMBOLISMO
As experiências literárias de Poe, Whitman, Baudelaire, Lautrèamont,
Rimbaud e Mallarmé assinalam na poesia ocidental os pontos de ruptura
estética
e
temática
que,
somados
ou
desenvolvidos,
motivaram
o
aparecimento de vários grupos de vanguarda na poesia europeia do início
deste século. Com a enorme repercussão de seu simbolismo, Paris se tornou
o centro cultural de maior evidência na Europa, refletindo por um lado a
euforia de sua “belle époque” [*] e, por outro, o pessimismo decadentista do
“fin de siècle”. No meio, como um sistema de equilíbrio, a tendência
renascentista, revalorizadora das tradições culturais do latinidade. As ideias
filosóficas e sociológicas, bem como o desenvolvimento científico e técnico da
época, contribuíram para a inquietação espiritual e intelectual dos escritores,
divididos entre as forças negativas do passado e as tendências ordenadoras
do futuro, que afinal predominaram, motivando uma pluralidade de
investigações em todos os campos da arte e transformando os primeiros anos
deste século no laboratório das mais avançadas concepções da arte e da
literatura.
(Gilberto Mendonça TELES. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro.)
Gustave MOREAU (1826-1898). Phaeton.
(1877)
1
Odilon REDON (1840-1916). Olhos fechados.
(1890)
Belle époque
Grosso modo, a chamada belle époque, refere-se basicamente ao período europeu
compreendido entre 1870 a aproximadamente 1914, enfeixando, sob o ponto de vista
literário, à pluralidade de tendências científicas, filosóficas, sociais, comportamentais e de
oposição, em literatura, à camisa de força representada pelo Realismo/Naturalismo. Nesse
curto período, à exceção da Revolução Russa e contendas de fronteira na Alemanha não
houve guerras no continente Europeu. Época de criação de novas arquiteturas estéticas e
teorias
culturais,
publicação
de
uma
série
de
revistas,
panfletos,
manifestos
fundamentalmente, pelas ideias de Baudelaire, Rimbaud, Verlaine, Mallarmé (esses três
últimos chamados de Três Reis Magos da Poética Moderna), Whitman, Poe etc.
- Eric Hobsbawm apresenta uma reflexão extremamente rica e importante acerca do
período, antes e depois do fim do século XIX: Era dos extremos: o breve século XX: 19141991; A era dos impérios. 1875-1914; Sobre história; A escrita da história: novas
perspectivas.
Movimento simbolista: características gerais
(...) não é menos certo que a nossos olhos humanos, ou seja, aos olhos
dessas orgulhosas sombras de seres puros a viver na inconsciência de sua
condição ilusória e no animado engodo do espetáculo falacioso das
tangibilidades, não é menos certo, dizíamos que a nossos olhos míopes os
objetos aparecem quase sempre apenas como objetos, independentemente
da sua significação simbólica – a ponto de, por vezes, não podermos imaginálos enquanto signos, apesar de sinceros esforços.
(H. B. CHIPP. Teorias da arte moderna.)
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Se alguma vez eu reencontrar a tensa força e a energia
que já possuí algumas vezes, então darei vazão à minha
cólera em livros que hão de despertar indignação. Quero
que toda a raça humana fique contra mim. Isso me daria
um prazer tão grande que me compensaria por tudo.
Charles BAUDELAIRE. Lettres à sa mère.
Para ter sapatos, ela vendeu a sua alma;
Mas o bom Deus riria se, ante infâmia tal,
Eu desse de tartufo e macaqueasse o Senhor,
Eu que vendo o pensamento e quero ser autor.
BAUDELAIRE. Soneto dirigido à musa que pode ser
comprada: La muse vénale.#
“O típico da poesia de Baudelaire é que as imagens da
mulher e da morte se interpenetram numa terceira, a de
Paris. A Paris de seus poemas é uma cidade submersa,
mais submarina do que subterrânea. Aí estão bem
marcados os elementos primevos da cidade – a sua
formação topográfica, o antigo leito abandonado do rio
Sena. O decisivo em Baudelaire é, no entanto, um
substrato social, no ‘idílio fúnebre’ da cidade: o moderno.
O moderno é um acento primordial de sua poesia. Com o
spleen ele deixa o ideal em pedaços (‘Spleen et idéal’ ).
Mas é exatamente o moderno que sempre cita a história
primeva. Isso ocorre aí através da ambigüidade inerente
às relações e aos eventos sociais da época. Ambigüidade
é a imagem visível e aparente da dialética, a lei da
dialética em estado de paralisação. Essa paralisia é
utópica e, por isso, a imagem dialética é uma quimera, a
imagem de um sonho. Tal imagem é presentificada pela
mercadoria enquanto fetiche puro e simples. Tal imagem é
presentificada pela prostituta, que, em hipostática união, é
vendedora e mercadoria”. Walter BENJAMIN. Baudelaire
ou as ruas de Paris. Paris, capital do século XX. In:
Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985, p.39-40.#
Para que falar, se já não podemos mais enganar um ao outro?
(August STRINDBERG. Sonho.)
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(...) ser um outro
Espírito
para o arrojar
na
tempestade
repregar-lhe a divisão e
passar altivo
apartado do segredo que
guarda
invade a cabeça
escoa barba submissa
direito do homem
sem nau
não importa
onde
vã.
(Stéphane
Retrato de Stéphane Mallarmé. Édouard
MANET.
MALLARMÉ.
Um jogo de dados jamais
abolirá o acaso.)
(...) só o misticismo poderá salvar nossa sociedade do embrutecimento, do
sensualismo e do utilitário. (...) Dentro de cem anos seremos uns brutos cujo
único ideal consistirá na cômoda satisfação das funções orgânicas; graças à
ciência positiva, voltaremos à animalidade pura e simples. É preciso reagir. É
preciso voltar a cultivar em nós as superiores qualidades da alma.
(G.-Albert AURIER. Ensaio sobre um novo método de crítica.)
Paul GAUGUIN (pintor pós-impressionista 1848-1903).
Cristo Amarelo (1889).
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Ao iniciar uma reflexão acerca do chamado movimento simbolista em arte, é
pertinente apresentar algumas considerações preliminares afirmando, de saída,
que a partir de 1880 nada mais, em arte, seria tão absoluto e único quanto
aparentemente o fora até então. Fosse pelas novas formulações teóricoconceituais em filosofia, em política, em psicologia, nas ciências e sobretudo em
artes... fosse pelos movimentos de independência e/ou de criação de novas
Repúblicas. Grosso modo (e desconsiderando as produções populares, na maior
parte das vezes), até o desenvolvimento do movimento realista pode-se dizer que
os movimentos, escolas, tendências artísticas de elite eram praticados de modo
relativamente harmônicos, “exarados” que eram pelos países hegemônicos. Isto
é, havia uma determinada tendência hegemônica em arte que, com algumas
variações, era desenvolvida internacionalmente, buscando, através dos artistas
locais, uma repetição obediente, atenta e absolutamente calcada na original.
No sentido de esclarecer, desde já, determinadas questões acerca da
ideologia, Marilena Chaui referindo-se à ideologia, estabelece alguns parâmetros,
fundamentados em teses gramscianas. Evidentemente, no concernente ao
conceito, a perspectiva marxista se diferencia da Romântica e da Ilustrada porque
sua base central não se alicerça na abstração povo-popular – ainda que seu
ponto de vista seja o do povo como plebe explorada, dominada e excluída –, mas
no de luta de classes. Entre a exploração econômica e a dominação política, para
Marilena Chaui, de acordo com os postulados aqui apresentados:
(...) instala-se uma mediação fundamental que permite legitimar e naturalizar
as duas primeiras. Essa mediação, Marx designou com o nome de ideologia,
produção da universalidade imaginária e da unidade ilusória numa sociedade
que pressupõe, põe e repõe as divisões internas das classes. A novidade
gramsciana inclui o de cultura como processo social global que constitui a
“visão de mundo” de uma sociedade e de uma época, e o conceito de
ideologia como sistema de representações, normas e valores da classe
dominante que ocultam sua particularidade numa universalidade abstrata.
Todavia, o conceito de hegemonia ultrapassa aqueles dois conceitos:
ultrapassa o de cultura porque indaga sobre as relações de poder e alcança a
origem do fenômeno da obediência e da subordinação: ultrapassa o conceito
de ideologia porque envolve todo o processo social vivo percebendo-o como
práxis, isto é, as representações, as normas e os valores são práticas sociais
e se organizam como e através de práticas sociais dominantes e
determinadas. Pode-se dizer que, para Gramsci, a hegemonia é a cultura
numa sociedade de classes. Hegemonia não é um “sistema”: é um complexo
de experiências, relações e atividades cujos limites estão fixados e
interiorizados, mas que, por ser mais do que ideologia, tem capacidade para
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controlar e produzir mudanças sociais. Numa palavra, é uma práxis e um
processo, pois se altera todas as vezes que as condições históricas se
transformam, alteração indispensável para que a dominação seja mantida.
Como cultura numa sociedade de classes, a hegemonia não é apenas
conjunto de representações, nem doutrinação é manipulação. É um corpo de
práticas e de expectativas sobre o todo social existente e sobre o todo da
existência social: constitui e é constituída pela sociedade sob a forma da
subordinação interiorizada e imperceptível. (CHAUI, 1989: 21-22.)
De modo mais ou menos consensual, em diferentes períodos da história, os
países hegemônicos, por meio do incentivo de seus ideólogos ou por seus artistas
apropriavam-se das produções artísticas para recriá-las de acordo com certos
interesses, e não apenas estéticos. Mario Pedrosa, em inúmeras oportunidades,
referiu-se a este fato. Em um de seus ensaios Arte culta e arte popular (1980:
p.22), Pedrosa, um dos maiores críticos de artes plásticas do Brasil, afirma:
O mercado de arte é um dos que mais claramente expressam o que significa,
na sociedade individualista, o fenômeno da acumulação de capital e o sistema
de símbolos de prestígio em que se afirma a luta pelo status nesta sociedade.
(...) com o passar do tempo, a arte erudita reivindica para si toda a criatividade
humana, convertendo toda obra em arte burguesa – até mesmo as
provenientes de sociedades pré-capitalistas (inclusive as que nasceram como
“artesanais”) – na medida em que transforma esses objetos em valores de
troca.
Desenvolvidas por segmentos ou estratos da população ligados à elite, a
apropriação de certas manifestações e modos populares de produzir arte, como a
commedia dell’arte, por exemplo, a partir de um mesmo modelo esquadrinha e
fixa as antigas formas, mais ou menos, de acordo com uma série de interesses:
classistas, estéticos, políticos, ideológicos, técnicos irradiando-as para o resto do
mundo. Nesse processo de retomada, sobretudo ideológico, com conservação
aparente da forma, o objetivo centra-se na cópia do modelo pelos artistas locais
nos quais a forma conseguiu chegar. Ainda que com pequenas modificações,
medra, nos artistas locais, o modelo-padrão. Não são poucos os historiadores das
artes a referirem-se a esse tipo de conduta como manifestação arquetípica de
uma tendência do “império do simulacro”.
Dessa forma, ao longo de todo o chamado processo civilizador – conceito
aqui utilizado de acordo com a definição apresentada por Norbert Elias (1994) –,
“sempre houve uma série de artistas, que a despeito de falarem várias línguas e
com os mais diferentes costumes, crenças, modos de vida que realizavam, em
arte, uma “mesma e única ‘desengonçada (porque fora do lugar)’ coisa”. De
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excelentes análises sobre esta questão, e aqui priorizando a cultura brasileira,
Roberto Schwarz – que cunhou a célebre expressão: “ideias fora do lugar” –
apresenta em
Nacional por subtração (Que horas são?: ensaios. 1987)
excelentes pistas. Outras fontes bastante interessantes podem ser encontradas,
também, nas reflexões desenvolvidas por Néstor García Canclini. A socialização
da arte; teoria e prática na América Latina. (1980) e em Las culturas populares en
el capitalismo. (1982).
Apesar de não haver mística nenhuma, a não ser no sentido do
barateamento do entendimento – e de modo oposto como defendem ardorosa,
vazia e abstratamente os crédulos e fanáticos, por qualquer ordem/força/”coisa”
dita transcendental, inexplicável de todos os tempos – em
finais de século
parecem agudizar-se os vaticínios apocalípticos acerca da vida. Nomeou-se de
belle époque ao período que vai da unificação da Alemanha, em 1870, ao início
da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Essa designação otimista deveu-se ao fato
de não ter havido, pelo menos nesse momento, nenhuma guerra na Europa.
Apesar de o estado ser de aparente calmaria, Paris foi o epicentro do movimento
simbolista. Apresentando contundentes esbarrões aos movimentos realista e
naturalista e aos seus cânones, e “de certo modo” à classe que os criara, os
simbolistas eivados por certo tédio e descrença com relação ao mundo e suas
relações fraturam e condenam a cópia para fazer incondicional apologia ao
sonho. Talvez daí, mas naturalmente a partir de Paris, tenha tomado corpo a ideia
segundo a qual, nas manifestações eruditas, a arte não tem bandeira. O locus do
simbolismo passa a ser o onírico.
Há uma intensa, diferenciada e antagônica produção artística em
nascimento e/ou em desenvolvimento em fins do século XIX e início do século
XX. Nesse contexto, medra uma efervescente e provocativa produção cultural,
posteriormente chamada de vanguardista. Os movimentos ligados às chamadas
vanguardas históricas, assim como o Simbolismo, tinham como alvo criticar, como
já mencionado, o Naturalismo. Desse modo, ao retomar vários dos expedientes
do Romantismo na literatura (poesia, sobretudo), nas artes plásticas, em teatro o
Simbolismo, lastreado na proposição de l’art pour l’art, prepara um espaço para o
caráter enigmático e polissêmico nas artes.
Como ocorre em qualquer manifestação artística, mesmo naquelas ligadas à
estética
hegemônica,
realismo/naturalismo
encontravam-se
em
crise,
principalmente pelo fato de a crise corresponder àquela do próprio positivismo,
que amparava filosoficamente os pressupostos estratégicos, sociais, tecnicistas e
racionalistas dos dois movimentos. Concernente a isso, afirma Hauser (s/d: 1059):
Os inimigos da República são também, e no mais alto grau, inimigos do
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racionalismo, do materialismo e do naturalismo; atacam o progresso científico
e esperam que um renascimento religioso origine também um renascimento
intelectual. Falam da “‘bancarrota da ciência”, do “fim do naturalismo”, da
“mecanização da cultura, que sufoca a alma”, mas é à Revolução, à República
e ao liberalismo que querem referir-se quando se arrojam contra a pobreza
intelectual da época.
Ainda a esse respeito, no sentido de aprofundar algumas dessas
questões, afirma Eduardo Subirats (1991: 20):
O vazio simbólico e vital, a angústia e o niilismo gerados pela civilização
técnico-científica lá onde sua ordem racional e instrumental se impôs com
maior consistência, colocam – tanto para a arte e arquitetura, como para a
reflexão estética e filosófica – exigências novas que sob os paradigmas
políticos, estéticos e morais das vanguardas históricas não são solúveis.
Certamente, tal perspectiva assume como realidade radical a crise da
modernidade, embora no seu sentido mais profundo: o de uma cultura que
constantemente gera sua autodissolução e sua reformulação, o de uma
negatividade e uma crise que impulsionam sempre à criação de novos valores
e à renovação das formas culturais. O conflito do desenvolvimento econômicotecnológico, o sentimento geral de uma ausência de valores vitais na cultura,
suscita precisamente aquele impulso de ruptura e inovação que define de
maneira essencial a modernidade. Pois a modernidade é a figura de uma
cultura crítica que tem que constantemente questionar-se a si mesma: a
modernidade só existe como projeto emancipador por aqueles que hoje a
negam em sua opressora positividade.
Por mais paradoxal que possa parecer, era muito mais interessante ao
Estado francês aturar e mesmo controlar um pequeno e “inocente” grupo de
artistas de elite, que declarava – com produções difíceis de serem apreendidas
mais imediatamente – ser a sociedade decadente. Em tese, outras questões
serão ainda apresentadas posteriormente, o conceito decadentismo ligou-se
inicialmente àquele referido por Mallarmé que pressentia todas as coisas ligadas
a uma abstrata apreensão de queda. O conceito de decadente, entretanto, decola
a partir de Longueur (Extensão, Demora) de Paul Verlaine (1844-1896) que
afirmava: “Eu sou o Império no fim da decadência.” Após algum tempo, com o
estudo de Paul Bourde, Paul Verlaine, Jean Moréas (1856-1910) e Stéphane
Mallarmé foram apresentados como poetas decadentes ou decadentistas. [*]
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DECADENTISMO
O termo decadência, normalmente acompanhado e associado ao conceito de “mal de fim
de século” perde sua sugestão característica, por meio da conotação que Jean Moreás
(Johannes Papadiamantopoulos) lhe dará pela publicação de um manifesto – e,
naturalmente influenciado por Nietzsche, que já havia usado pejorativamente o termo: contra
a burguesia, o cristianismo e o racionalismo – em 18/09/1866, no Le Figaro, denunciando a
tentativa de substituir em poesia a realidade pela ideia. Posteriormente, pela influência de
Paul Verlaine, Anatole Baju (de fato Bajut, 1861-1903) fundou um jornal chamado Le
Décadent Littéraire et Artistique, publicando na primeira página seu manifesto, fazendo
apologia
ao
conceito
aos
leitores.
Acompanhada
à
ideia
da
autodenominação
“decadentismo” é preciso que se diga que os artistas pertencentes à esta tendência,
acreditavam na arte como um fazer diletantista, a partir de uma atitude essencialmente
contemplativa e de gozo hedonista. Dessa forma, e de acordo com as teses defendidas por
alguns de seus apologistas, a arte caracterizar-se-ia na única possibilidade de compensação
e preenchimento dos desapontamentos da vida (daí a recorrente atitude de esgar e de
deformidade). Assim, à luz das “explicações” apresentadas no manifesto, o próprio Moréas
proporá a substituição do termo por Simbolismo.
A respeito dos cultuadores do sentimento de tédio, mal estar, incomunicabilidade etc, o
ensaio de Walter Benjamin. A Paris do Segundo Império, notadamente o flâneur. In: Walter
Benjamin. São Paulo: Ática, 1985, pp.65-92, é extremamente revelador e estimulante.
Ao contestar e ao condenar a sociedade burguesa, as estratégias dos
simbolistas são diferenciadas daquelas dos artistas naturalistas. Em tese, os
simbolistas negam seu tempo e história e, fora dos discursos, criam obras tantas
vezes inacessíveis. Ao contrário disso, não foram poucos os naturalistas a aderir
aos ideais socialistas e à luta proletária. Desse modo, o Estado francês
preocupava-se muito mais com os naturalistas do que com os simbolistas. Assim,
sabendo ou não, os simbolistas, com sua “contestatória estética” acabaram – de
modo perverso e indireto, cooptados que foram pela profissão de fé na arte
simbólica ou “florestas de símbolos” a atender os interesses do Estado.
A expressão floresta de símbolos, criada por Charles Baudelaire, pode ser
apreendida pelas imagens mais recorrentes apresentadas em sua obra
Correspondências. Dentre essas imagens podem ser destacadas:
A natureza é um templo em que vivas pilastras
deixam sair às vezes obscuras palavras;
o homem a percorre através de florestas de símbolos
que o observam com olhares familiares. (...)
Há perfumes saudáveis como carnes de crianças,
doces como os oboés, verdes como as campinas,
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- e outros, corrompidos, ricos e triunfantes,
tendo a efusão das coisas infinitas,
como o âmbar, o almíscar, o benjoim e o incenso,
que cantam os êxtases do espírito e dos sentidos.1
Hugo SIMBERG (artista finlandês, 1873-1917). O anjo ferido (1903); O jardim da morte (1896). Em
ambas as obras o trânsito com o inusitado e o improvável. A realização de tais paisagens são possíveis não na
realidade empírica, mas no universo dos sonhos.
Muito significativo, também, no sentido proposto é o texto de Arthur
Rimbaud (1854-1891), Alquimia do verbo, em cujo excerto abaixo apresenta
imagens sinestésicas e surpreendentes.
Atenção. A história de uma de minhas loucuras. (...)
Eu inventei a cor das vogais! – A negro, E branco, I vermelho, O azul, U verde.
– Regulei a forma e o movimento de cada consoante, e, com os ritmos
instintivos, me vangloriei de inventar um verbo poético acessível, mais cedo
ou mais tarde, a todos os sentidos.
Eu reservava a tradução.
Isto foi de início um estudo. Eu escrevia os silêncios, as noites, amontoava o
inexprimível.
Fixava as vertigens.
Eu me habituei à simples alucinação: via claramente uma mesquita no lugar
de uma usina, uma escola de tambores feita por anjos, caleças nas estradas
do céu, um salão ao fundo de um lago; monstros, mistérios; um título de
comédia levantava pavores diante de mim. Depois expliquei meus sofismas
mágicos com a alucinação das palavras!
Acabei por achar sagrada a desordem do meu espírito. (...)
1
Apud
http://www.nossacasa.net/arte/texto.asp?texto=51 consulta em
07/03/2009, 20h39.
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Eu amei o deserto, os vergéis queimados, as lojas fechadas, as bebidas
tépidas. Eu me arrastava pelos becos fétidos e, com os olhos fechados, me
oferecia ao sol, deus de fogo. (...)
Eu me tornei uma ópera fabulosa: vi que todos os seres têm um destino de
felicidade: a ação não é a vida, mas uma maneira de estragar alguma força,
um enervamento. A moral é a fraqueza do cérebro.
O Estado francês já mostrara anteriormente sua força ao ter esmagado o
movimento conhecido como a Comuna de Paris. Desse modo, a crítica ao
Naturalismo era cada vez mais contundente e Émile Zola (1840-1902), o maior
promotor e incentivador do movimento, acabou por transformar-se no grande
bode expiatório de um contra-movimento de escritores e intelectuais de cultura
acadêmica, liderados, ao que tudo indica por críticos como Paul Bourget (1852–
1935): escritor que ao publicar Ensaios de Psicologia Contemporânea (1883)
acabou por filiar-se ao grupo intelectual de cultura acadêmica, levando-o a
recusar a ideologia e a estética preconizada pelos naturalistas. Aprofundando sua
oposição aos cientificistas e reiterando sua apologia à ideologia burguesa
escreveu algumas obras substituindo o romance de costumes pelo romance
psicológico. Ferdinand Brunitière (1849-1906): considerado como paradigma da
crítica aristocrática e conservadora na França e também como um dos mais
conservadores críticos que o teatro francês conheceu no século XIX. Ao adotar
proposições como graça, nobreza e elevação espiritual, o crítico condenou
duramente o impressionismo e, sobretudo, o naturalismo, propondo a exumação
de muitas obras e recomendando o “banimento” aos conspurcadores da arte
verdadeira. Suas idiossincrasias podem ser acompanhadas em Estudos Críticos
(1880-1925). Maurice Barrès (1862-1923): trata-se de um escritor e político
francês. Eleito deputado por Nancy, de 1889-91, desenvolveu uma campanha
nacionalista e apologética em prol da pátria e de seus mártires. Sua obra literária,
paradoxalmente às suas convicções burguesas, é marcada por um espírito
individualista e apaixonado e pela necessidade positivista de ordem e disciplina..
A quase totalidade dos artistas franceses do período, e mesmo aqueles que
haviam participado intensamente do movimento naturalista em outros tempos
(acabaram, também, por diferentes motivos a, naquele momento, “enterrá-lo”),
concordava com a exageradíssima tese segundo a qual:
O naturalismo, (...) era uma arte indelicada, obscena, a expressão de uma
filosofia materialista, insípida, o instrumento de uma propaganda democrática
inepta, grosseira, um conjunto de banalidades maçadoras, triviais e vulgares,
uma representação da realidade que, ao retratar a sociedade, só se ocupa do
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que no homem há de animal indomável, esfomeado, indisciplinado, e só se
ocupa da desintegração, da dissolução das relações humanas, do
enfraquecimento da família, da nação e da religião. (HAUSER, s/d: 1061-2)
Muitos outros artistas resistentes – para além dos citados no parágrafo
anterior, como Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé, Marcel
Proust (1871-1922), pendendo entre o Naturalismo, o Impressionismo e o
Simbolismo e muitos outros (digamos franco-atiradores, não ligados a nenhum
dos grupos citados) – rotulavam não só os artistas-cientistas-intrusos do período
de decadentistas, bem como a sociedade burguesa como um todo. Desse modo,
de acordo com os vaticínios destes, propuseram os “resistentes” que os
apologistas à sociedade e à arte cientificistas fossem encerrados em seus
laboratórios, distantes do que chamavam de “arte verdadeira”, intentada e
materializada pela capacidade de sonhar. Verlaine, por exemplo, chamou seus
inimigos, em ato de fervor, de “assassinos das preces”.
O poeta, artista plástico e crítico Albert Aurier (1865-1892), dentre outras
reflexões, apresenta uma análise sobre a teoria simbolista no ensaio incompleto
Essai sur une nouvelle méthode critique (1890-3). Na citada obra e em outros
espaços afirmou que a arte tinha uma dupla alma e que a única forma possível de
entendê-la seria por meio do amor (e não da ciência). Realizá-la, portanto,
pressuporia transformar-se em seu amante. Esse mesmo autor – numa atitude
rigorosamente escapista [*]– pontificava, ainda, aos seus eventuais detratores que
somente o misticismo poderia salvar a humanidade por meio de um abstrato
“culto aos valores superiores da alma”: temática recorrente à totalidade dos
autores. Em sua crítica, Aurier afirma:
(...) sem dúvida, a arte realista, cuja única finalidade é a representação das
exterioridades
materiais,
das
aparências
sensíveis,
constitui
uma
manifestação estética diferente. De certa forma, ela nos revela, por
contragolpe, a alma de quem a faz, porquanto nos mostra as deformações
sofridas pelo objeto ao atravessá-lo. Por outro lado, ninguém contesta que o
realismo, se por um lado tem sido pretexto para muita fealdade impessoal e
banal como a fotografia, por outro lado também tem produzido incontestáveis
obras-primas, que brilham no museu de todas as memórias. Mas não é menos
indiscutível que, para quem de fato deseja refletir com lealdade, a arte ideísta
surge mais pura e elevada – com toda a pureza e elevação que separam a
matéria da ideia. (AURIER apud CHIPP, 1996: 85)
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ESCAPISMO
Por escapismo, no contexto que aqui se apresenta, deve-se entender uma atitude neoromântica, significando uma fuga do mundo real e concreto. Tal atitude direcionava para a
criação de idealizados e refinados “paraísos artificiais”, cujo locus, naturalmente era aquele
do sonho.
Os artistas simbolistas contestaram os naturalistas afirmando o tédio de
suas teses racionais e cientificistas que os teriam induzido à criação de um facsímile do mundo pretensamente real (simulacro). Dessa forma, em caminho
inverso, a arte simbolista – ao recuperar os subjetivismos do último romantismo –
teria levado seus artistas a fazer uma apologia incondicional ao anímico, ao
incognoscível e aos sonhos. Por meio dessa profissão de fé no inefável,
buscavam os simbolistas “exprimir os seres absolutos” medrados, diretamente, do
mundo das ideias. De outro modo, pode-se afirmar que essa evocação instaurava
o ser absoluto na condição de signos. Nessa perspectiva, não interessava aos
artistas ligados ao movimento simbolista retratar os objetos tal e qual eles
poderiam ser encontrados na realidade empírica. Interessava e a busca se
pautava, fundamentalmente, em
evocar
os objetos, por intermédio de
determinados aspectos que pudessem suscitar os (por ele denominados) estados
de alma: fruto do subjetivismo e do subconsciente. Nessa perspectiva, a visão
onírica,
idealizada e
prenhe de
simbologia
caracterizar-se-ia na
única
possibilidade a partir da qual a arte poderia ser concebida e/ou alcançada
apresentando o oculto (pré-lógico), o transcendente e o inexorável: que
corresponderiam aos sentimentos verdadeiros e ideais.
Baudelaire, por exemplo, acatando e repetindo Hegel, considerava que o
prazer pelo artificial (ou seja, aquilo produzido pelo homem) era infinitamente
superior, posto que a natureza era moralmente inferior. Pode-se dizer, então, que
por meio de seu entusiasmo pela artificialidade, as obras daí resultantes
representaram uma nova abordagem ao escapismo romântico. Por esta senda,
Baudelaire afirmava que o mal era espontâneo (natural) e que, ao contrário disso,
o bem seria sempre produto da intenção e do propósito construído pelo homem
artista.
Tendo em vista a necessidade de esclarecimento, com relação ao conceito
de símbolo, Hauser (s/d) afirma que o símbolo, representaria a expressão indireta
de um significado impossível de dar diretamente, posto ser indefinível e
inesgotável. A principal diferença entre símbolo e alegoria no período teria sido
apresentada por Mallarmé, que concebia a alegoria como tradução de uma ideia
abstrata, em forma de uma imagem concreta. Assim, ao se descobrir a ideia
contida por “detrás” da alegoria poder-se-ia lê-la e traduzi-la, posto que a
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traduzibilidade faria parte de sua constituição.
Em oposição à alegoria, o símbolo reuniria a ideia e a imagem em uma
unidade indivisível, de modo que a transformação da imagem arrastaria consigo a
metamorfose da ideia, posto que o conteúdo de um símbolo não poderia ser
traduzido de outra forma. Dentre os vários textos que discutem o símbolo, Hegel
(Estética: a arte simbólica) afirma:
O símbolo é algo de exterior, um dado direto e que diretamente se dirige à
nossa intuição: todavia, este dado não pode ser considerado e aceite tal como
existe realmente, para si mesmo, mas num sentido muito mais vasto e geral.
É, assim, preciso distinguir no símbolo o sentido e a expressão. Aquele referese a uma representação ou um objeto qualquer que seja o seu conteúdo; esta
constitui uma existência sensível ou uma imagem qualquer.
Antes de tudo, o símbolo é um sinal. Mas na sua simples presença, o laço que
existe entre o sentido e a expressão é puramente arbitrário. Esta expressão
que aqui temos, esta imagem, esta coisa sensível representa tão pouco por si
mesma que desperta em nós a ideia de um conteúdo que lhe é
completamente alheio, com o qual ela não tem, para falar com propriedade,
nada de comum. (...) A arte implica, pelo contrário, uma relação, um
parentesco, uma interpenetração concreta de significação e de forma.
(HEGEL, s/d: 16)
Nesse sentido, Baudelaire, antecessor mais notável da poesia simbolista e
o criador da lírica moderna em geral, foi o paradigma e condutor de um grupo de
artistas que regressou a alguns dos expedientes do Romantismo (metáfora como
célula primal e repúdio a toda poesia anterior). O poeta francês concilia o novo
misticismo à velha devoção fanática pela arte de élite, por intermédio da
utilização, ao paroxismo, de símbolos. Nesse estado, o movimento, pode-se
afirmar, caracterizou-se por uma busca, posto que a arte seria sua própria
realidade, não refletindo nada. Em consonância às ideias dos impressionistas,
pode-se entender que para os simbolistas, a realidade não era um estado, mas
um processo e não podia ser concebida como um ser, mas como um devir. Nesse
sentido, Mallarmé afirma: “o simbolista não deve retratar o objeto, mas o efeito
que este produz.”
Maria Sílvia Betti (2004), tomando algumas teses de Raymond Williams
lembra que o simbolismo reforça a ideia de que é um plano transcendental que
determina e organiza a existência humana, e não a forma concreta de
sobrevivência do homem dentro da sociedade e do trabalho. Com isso, o
simbolismo, a despeito de seu inegável fôlego inovador no que diz respeito ás
técnicas de concepção e caracterização, aponta para uma visão de mundo
14
identificada aos setores mais conservadores e menos interessados na
transformação social.
Obras de Alphonse OSBERT. A musa ao nascer do sol, 1918. Embaixo, Ao cair do sol, 1894.
15
Movimentos d’alma: desenvolvimento do Simbolismo
(...) embora o movimento fosse explicavelmente antiburguês, em sentido geral
quanto formal, era também, em nível mais profundo, o auge da mais fraca
tendência da época burguesa: a almejada estabilização, em novo tipo de
abstração da sociedade e da história, do mistério dos processos humanos em
geral: mistério agora, finalmente, localizado – e eis aí seu caráter burguês, em
oposição às formas metafísicas anteriores – dentro do indivíduo.
Raymond Williams. Cultura.
Não gostamos nem da arte nem dos artistas... ignoramos
Mallarmé, sem ódio, mas ele está morto. Não conhecemos mais
Apollinaire - PORQUE - desconfiamos que faz arte com grande
conhecimento de causa, conserta o romantismo com fio
telefônico e não conhece dínamos. Os ASTROS ainda
desligados! – é enfadonho e depois às vezes eles não falam
sério! Um homem que crê é curioso. MAS VISTO QUE ALGUNS
NASCERAM CABOTINOS...
Jacques VACHÉ. Lettres de guerre. Apud Maurice NADEAU.
História do surrealismo.
Apollinaire, em 1914.
O verbete Simbolismo, no Dicionário de teatro de Luiz Paulo de
Vasconcellos, apresenta a seguinte definição:
Movimento artístico e literário ocorrido na França no fim do século XIX. Seu
principal precursor foi Charles Baudelaire (1821-1867), com a publicação, em
1857, de Fleurs du mal. Inicialmente, os adeptos do novo movimento, foram
chamados de “decadentes”. A origem desse nome está na crença de seus
participantes de que todas as instituições da sociedade se encontravam em
estado de decadência. A tônica do movimento é o tédio e o pessimismo,
embora a diretriz estética seja uma reação ao fac-similar do NATURALISMO.
Esta reação se expressa na ênfase dada ao subjetivismo, ao subconsciente e
às imagens pré-lógicas que existem nos sonhos e nas alucinações. A
representação desse universo onírico e atormentado só se faz possível
através do uso de uma simbologia complexa, capaz de traduzir a
16
espiritualidade e o misticismo do movimento.
Patrice Pavis (1999: 360-1), item número 4, do verbete Símbolo, afirma:
Um movimento literário, no final do século XIX, o simbolismo, generalizou a
noção de símbolo fazendo dele o código da realidade; ele procura “vestir a
ideia de uma forma sensível” (Jean Moréas). Autores (...) servem-se de
símbolos para inventar uma linguagem que se basta a si mesma.
Esta estética ainda se encontra hoje naquilo que B. DORT chama de
representação simbolista: “A tentativa de constituir, no palco, um universo
(fechado ou aberto) que tome alguns elementos emprestados da realidade
aparente mas que, por intermédio do ator, remeta o espectador a uma
realidade outra que este deve descobrir”.
Os simbolistas defendiam a tese de criação de um “teatro da mente”. De
certo modo, tal proposição dava conta de que o texto teatral teria sua concretude
ao ser lido. Representá-lo seria menos importante, portanto. Para muitos dos
autores inseridos no movimento, o texto teatral funcionaria como um pretexto para
sonhar! O texto escrito, ao ser lido, intentaria muito mais a imaginação do leitor.
Por meio das palavras, o leitor construiria todas as paisagens, tanto geográficas
como humanas. Decorrente dessa nem tanta novidade (para Aristóteles a parte
menos importante da tragédia era o espetáculo: opsis), e dos inúmeros enigmas
constitutivos das obras escritas, era necessário surgir novos expedientes para
viabilizar a encenação.
À luz de novos desafios, a encenação naturalista sofreu um processo
radical de ruptura, fundamentalmente porque a estrutura dramatúrgica clássica
que lhe dava sustentação, fundamentada no reprodutivismo da realidade
empírica. As experimentações simbolistas, segundo interessante expressão,
deram início a um processo conhecido como “desdramatização”. De modo
esquemático, tal conceito diz respeito à supressão do embate de vontades que
caracterizaria o elemento fundamental do gênero que é o conflito. De acordo com
a teoria teatral hegemônica, o conflito é considerado como a “essência” do drama.
Dessa forma, a noção de curva dramática apresentada por Hegel em sua poética
acabou por ser questionada pela própria cultura e concepção de elite. A respeito
dessa discussão, dentre outros autores Anatol Rosenfeld (O teatro épico) e Peter
Szondi (Teoria do drama moderno – 1850-1950) apresentam excelentes e
esclarecedoras reflexões.
Dessa forma, aos artistas do movimento interessava a criação de
ATMOSFERAS e de CLIMAS, a partir dos quais os espectadores e/ou fruidores
passariam, no chamado processo de recepção, a ter a função de decodificar a
obra, cujo “caráter” preponderante seria o de obra polissêmica. Tal princípio foi
17
defendido por um dos representantes do movimento Théodore de Banville (18231891), sendo que sua peça mais ambiciosa foi O ferreiro (Le forgeron – 1887).
Banville, defensor empedernido da arte pela arte, escreve em 1857 Odes
funambulescas, com a qual tenta demonstrar a tese segundo a qual a criação
poética deveria aglutinar e conciliar os conceitos de poesia e artifício, que acabou
por levá-lo a ser chamado de “acrobata do verso”. Em 1872 escreve Pequeno
tratado de versificação francesa.
Segundo as ideias de Banville, o teatro seria tanto para o público como para
o sujeito solitário. Este último, nessa concepção o teatro subordinar-se-ia à ideia
wagneriana, sustentada por aquela de Schopenhauer, segundo a qual a obra
dirigir-se-ia aos movimentos interiores da alma.
A estética simbolista inicia-se com Mallarmé, também conhecido como
“príncipe dos poetas”, um dos maiores artistas do movimento que, dentre outras
ideias, sonhava com a criação de um teatro soberba (e não paradoxalmente)
realista, no concernente à capacidade do fantasiar humano, representando por
excelência pelo espaço anímico. Dessa forma, o poeta elogiou um conceito em
voga no período de “espetáculo numa poltrona”, sendo suas principais ideias
acerca desse e outros pontos de vista podem ser encontrados em duas fontes:
Revue Indepéndante (1886-87) e no Le livre. Segundo a crítica especializada, o
autor – para ele a poesia era a anunciação de todas as imagens suspensas
oscilantes e em constante processo de evanescência – criou e recriou sempre a
partir de um determinado conjunto de ideias. Acreditava e defendia o poeta, que
nomear um objeto representava destruir três quartos do prazer existente no
adivinhar gradual da sua verdadeira natureza. Assim, a “evocação da realidade”
representava a evocação como ideia, e esta seria sempre um símbolo. A
“evocação da realidade” pode ser encontrada em obras como Parnaso
contemporâneo. Por meio de uma sintaxe insólita Mallarmé criou: A tarde de um
fauno, Túmulo de Edgar Poe e Um lance de dados jamais abolirá o acaso. Além
desses livros de poemas, tem suas obras em prosa publicadas no livro
Divagações, de 1897.
Muitas das
ideias
preconizadas
por
Mallarmé
aprofundadas por meio de muitos de seus “discípulos”.
acabaram
por
ser
De todos os seus
neófitos, o mais conhecido foi Charles Morice (1861-1919), que escreveu La
littérature de tout à l’heure (A literatura de daqui a pouco), publicada em 1889.
Nesta obra, segundo a crítica especializada, Morice defende ser difícil ater-se e
desenvolver as remotas e genéricas ideias wagnerianas, segundo as quais o
teatro deveria ser concebido “como templo para os ritos da religião”. Os outros
discípulos de Mallarmé encontravam-se divididos em dois grupos, defendendo
18
ideias opostas de uma estética simbolista no teatro, mas fundamentados no
princípio de que seria necessário conciliar o componente físico da representação
teatral com a visão abstrata do poeta.
O primeiro desses grupos, liderado por Saint–Pol Roux (1861-1940),
autodenominava-se IDEORREALISTAS (combinação de aspectos do realismo
com o idealismo). O segundo grupo, liderado por Camile Mauclair (1872-1945),
tentou impor sua concepção ou visão simbolista em março de 1892, por meio da
Revue Indépendante de Littérature et d’Art, com o ensaio Notes sur en essai de
dramaturgie symbolique. Nessa obra, Mauclair apresentou uma nova definição do
drama que, para ele, seria dividido a partir de três concepções, sendo: a primeira
como a visão mais moderna do ponto de vista psicológico – o teatro positivista de
Henri Becque e Jean Jullien; a segunda o teatro metafísico de Maurice
Maeterlinck, considerado pelo autor como mais filosófico do que dramático; e, o
terceiro que concebia o drama predestinado a criar “entidades filosóficas
intelectuais”, com personagens sobre-humanas num cenário emocional e sensual.
Esta última concepção, bastante abstrata em sua formulação, requereria atitudes
inusitadas para o cenário e para as personagens, cujas protagonistas
representariam “encarnações das ideias”, premido, portanto, pela alegoria ou pelo
símbolo; quanto às secundárias – à semelhança do Coro grego – deveriam ser
concebidas de modo realista, posto que sua função seria de ajudar o público a
entender o texto.
Com relação ao cenário, por exemplo, para muitos dos artistas inseridos no
movimento, o espaço não deveria ser vazio, mas, isso sim, evitar todos os
detalhes específicos. Nessa perspectiva, e de acordo com a percepção desses
artistas, uma simples sombra verde daria uma melhor impressão do que papelões
(telões) pintados imitando florestas. Em tese, a concepção teatral dessa segunda
tendência ou grupo, preconizava um idealizado teatro estático, altamente abstrato
e semelhante a um transe, transformando-se: “(...) em espaço de jogo ou de
sonho, o cenário simbolista propõe uma nova concepção da COR (...) ela assume
agora uma função simbólica.” (ROUBINE, 1982: 32)
Nessa perspectiva, nada deveria neste teatro ter uma função decorativa,
posto que todos os elementos deveriam confluir para criar uma visão:
- diretamente ligada àquilo que eles qualificavam/denominavam como sendo
a alma;
- sublinhar um determinado efeito: normalmente de ordem metafísica;
- evocar, de todos os modos, o intraduzível, o imprevisível, o onírico.
Stanislavski, em sendo um homem-artista de seu tempo, apropriou-se de
19
muitas das sugestões propugnadas pelos simbolistas, sobretudo a aludida criação
de atmosferas que pudessem induzir os espectadores a penetrar nos ambientes,
através da evocação imaginativa. Assim, o diretor, em muitas de suas
encenações, criava de modo perfeccionista, ruídos característicos, índices
exteriores no sentido de remeter e envolver organicamente os espectadores para
o além da peça (ou para o contexto emocional do locus da obra).
Desenvolvimento das ideias simbolistas e o surgimento da
reteatralização do teatro
Os fundamentos teóricos do esteticismo moderno, como filosofia da atitude
absolutamente passiva, contemplativa, perante a vida, podem filiar-se em
Schopenhauer, que define arte como a emancipação da escravidão imposta
pelo querer, o sedativo que reduz ao silêncio os apetites e as paixões. A
filosofia do esteticismo julga e avalia toda a vida do ponto de vista desta arte,
liberta de querer e de paixão. O seu ideal é um público inteiramente
constituído por artistas reais ou potenciais, de naturezas artísticas para quem
a realidade é apenas o substrato da experiência estética. Considera o mundo
civilizado como o estúdio de um grande artista, e o próprio artista o melhor
perito em arte. (...) Tudo o que é simples e claro, instintivo e sem requinte
perde o seu valor; a capacidade de percepção, o intelectualismo e o que há de
não-natural na cultura, eis o que se busca com fervor.
Arnold HAUSER. História social da literatura e da arte.
Toda obra-prima é um símbolo, e o símbolo nunca pode suportar a presença
ativa de um homem.
M. MAETERLINCK. Apud M. CARLSON. Teorias do teatro.
A arte não é criada para o povo. Ela é essencialmente complexa, composta de
matizes, enquanto o povo só aprecia as mais diretas, claras e simples
representações da vida. (...) [O drama para o povo] apenas um meio de
propaganda de idéias chamadas filantrópicas ou dos interesses dos políticos [em suma], apenas uma paródia da arte.
Georges RODENBACH. Figaro de 17/09/1896. Apud M. CARLSON. Teorias
do teatro.
Appia, G. Craig, Meyerhold, Tairov e tantos outros, foram os paladinos dessa
exigência de reforma; todos eles se inspiravam no que se convencionou
chamar de teatro teatral. Os novos ideais fazem vacilar as próprias bases do
realismo. O que esses autores combatem é precisamente a ideia de ilusão
cênica, tudo aquilo que pretende fazer do palco a própria realidade; lutar por
um teatro teatral é lutar por algo que aceita o teatro por aquilo que ele é:
teatro. É verdade que os reformadores defendem as suas ideias com um ardor
nem sempre isento de contradições, com uma radicalidade que se pretende
20
total, mas que descamba às vezes para a utopia; de qualquer forma, o seu
denominador comum é o ideal da “reteatralização” do teatro.
Gerd BORNHEIM. O sentido e a máscara.
Anna Balakian afirma que nas histórias do movimento simbolista pouca
atenção foi (é) dada ao teatro que dele se originou. Lembra a pesquisadora,
ainda, que a despeito de haver alguns estudos interessantes a respeito de LugnéPoe e alguns outros; do ponto de vista teatral, o que, de fato, a autora se ressente
liga-se à ausência de estudos com relação à dramaturgia simbolista e à sua
poética. Desse modo, afirma Balakian essa produção precisa ser considerada
como precursora dos movimentos de vanguarda, cuja poesia, bastante
sinestésica intentaria interesse sobretudo em: “(...) determinar em que extensão
ele [o movimento] conseguiu se desviar da convenção dramática a fim de dirigir o
teatro para novos campos, nos quais o artista dramático da metade do século XX
está mais apto a florescer.” (BALAKIAN, 1985: 99)
Afirma, ainda, Anna Balakian que:
As mutações que o simbolismo realizou na escritura do verso nada são, com
efeito, quando comparadas aos assaltos feitos à forma dramática. (...) porque
na verdade existe um certo anulamento do ator exigido pelo dramaturgopoeta, que está em todas as suas personagens e está procurando um médium
em vez de um intérprete. (...) Aqui está, pois, “o primeiro defeito” do teatro
simbolista:
nenhuma
caracterização
e
nenhuma
oportunidade
de
interpretação. (BALAKIAN, 1985: 99)
Em 1890, Paul FORT (1872-1960), opondo-se fortemente às ideias de André
Antoine e à produção desenvolvida no Théâtre Libre, funda o Théâtre de l’Art,
convidando os poetas simbolistas franceses e, especificamente, Aurelian LugnéPoe (1869-1940) – um dos atores do Théâtre Libre – para incorporar-se ao elenco
do novo grupo. Segundo Paul Blanchard (s/d) Lugné-Poe atuou na primeira peça
montada pelo novo teatro A intrusa, posteriormente, em Os cegos e Pelléas e
Mélisande, todas de Maurice Maeterlinck.
Inicialmente, os artistas reunidos em torno de Fort (que defendia a tese de
criação de um teatro que funcionasse como tribuna para os simbolistas e) para
quem era preciso: “purificar o ambiente de mau cheiro que emanava das
autênticas peças de carne no palco do Teatro Livre”, formaram um movimento de
arte impressionista, como necessidade de oposição ao Naturalismo, preconizando
a necessidade do retorno do subjetivismo em arte. Apesar de o movimento não ter
surgido com o drama, o grupo inicia suas atividades “teorizando” acerca da
necessidade, também, de um “teatro do sonho” ou de um “teatro da alma”. Essas
21
proposições idealizadas em teatro alicerçavam-se no princípio de uma
dramaturgia/encenação deveria ter como mote não o conflito humano (segundo
os padrões postos desde, principalmente, Hegel), mas um idealizado e abstrato,
por eles denominado, “conflito da alma”. Em algumas fontes encontra-se a
informação de que o movimento teria prosperado quando o dramaturgo prosperou
Jules Renard (1864-1910) apresentou Paul Fort a inúmeros intelectuais e artistas
do movimento que se interessaram pelas ideias apresentadas pelo jovem artista.
O espetáculo de estreia foi Fausto de Christopher Marlowe (1564-1593),
em 18/11/1890. Sem sede fixa, por iniciativa de Fort, o grupo montou vários
espetáculos, todos eles contando, também, com o trabalho de artistas plásticos,
simpatizantes do movimento. Gaston Baty afirma a respeito de Fort:
Por ser ele próprio essencialmente poeta e trabalhar com poetas, pôde
considerar-se o salvador de dois naufrágios: o da poesia e o da palavra. Paul
Fort resgatou-as com coragem e decisão, à custa do movimento e do jogo
cênico, que desapareciam sob a influência das palavras, das rimas, dos ritmos
e das melodias poéticas. (BATY apud REDONDOJr., s/d: 69-70)
O teatro fundado por Fort troca seu nome para Théâtre de l’Oeuvre, em
1893, e estreia em 22/05/1893 Pelleas et Melisande de Maeterlinck. A partir dessa
data o teatro passa a ser dirigido por Lugné-Poe até 1914, que consegue montar
mais de cem espetáculos. Com ideias próprias e mais imaginativas – Lugné-Poe
transformou o novo espaço, definitivamente, no templo do teatro simbolista. Além
disso, o diretor abriu as portas do novo teatro aos dramaturgos estrangeiros e às
obras que desde então foram chamadas de obras de avant-garde.
Em tese, quando da criação do novo espaço, Lugné-Poe afirmou que o
teatro teria dois objetivos, sendo que o primeiro deles ratificava os pensamentos
de Mauclair, com relação ao texto: “lutar, criar a partir das correntes de ideias, de
controvérsias, rebelar-se contra a inércia dos espíritos que tendem a ser um
pouquinho delicados, fazer uso da nossa juventude não mais para desculpar
experiências, mas para viver violenta e apaixonadamente por meio de nossas
obras.” (POE apud CARLSON, 1997: 284) O segundo dos objetivos – tendo
presente que Poe deplorava as ideias de Zola –, bastante influenciado por Appia,
preconizava, a criação de um teatro protagonizado por figuras-sombras, maiores
do que o modelo humano, assemelhadas a marionetes em espetáculos
pantomímicos e macabros, próximos às imagéticas criadas pelos contos de fadas.
Apesar das tentativas, Lugné-Poe não conseguiu realizar seus intentos,
mas acabou por montar espetáculos de Ibsen. Segundo algumas fontes, dentre
as quais a já citada obra de Marvin Carlson, por intermédio das montagens de
22
Lugné-Poe, Ibsen acaba por entrar na moda. Além disso, o diretor montou
também Gorki e novos autores. Dentre esses novos autores, podem ser citados: a
dramaturgia nacionalista de Gabriele D’Annunzio (1868-1938); a dramaturgia do
desespero, de apologia ao horror, carregada de alegorias fantásticas e abstratas
de Leonid Andreiev (1871-1919); a dramaturgia de sugestões e de atmosfera e de
imaginação intensa de Maurice Maeterlinck. O autor, em seus “cuidados e zelos"
característicos sugeria a substituição do ator por figuras de cera esculpidas,
marionetes ou sombras. Recomendava, ainda, o uso de máscaras para substituir
o rosto do ator vivo. Estas e outras ideias do dramaturgo foram apresentadas no
ensaio: Le tragique cotidien, em que, mais especificamente, no capítulo Le trésor
des humbles (Tesouro dos humildes) defende a criação de um tipo de drama
estático de ação e reflexão internas. Conclui o autor, que a vida interna do ser só
poderia ser apresentada por meio de palavras e não de ações. Além desses
autores, considerados mais significativos (por parte da crítica), foram montados,
também, textos de William Butler Yeats, Oscar Wilde, Villiers de L’Isle Adam etc.
Para se ter idéia do processo de experimentação e de “movimento
desarmônico da produção artística” francesa do período, basta que se diga que,
em 1897, é levada à cena a obra atípica (posto que fora de todas as tendências e
padrões do momento histórico) de Edmond de Rostand (1868-1918): escrita em
verso e apresentando como protagonista, um mosqueteiro – soldado e poeta
galante que viveu na França do século XVII – chamado, Cyrano de Bergerac. A
obra estreia no Théâtre de la Porte Saint-Martin, em Paris, e acaba por se
transformar em um dos maiores sucessos teatrais franceses de todos os tempos.
Vale destacar, ainda, que esse é um período em que, de modo relativamente
harmonioso, convivem, por exemplo:
- o Impressionismo em pintura, cujo nome foi dado em decorrência da obra
homônima de Claude Monet – exposto em 1874 – “Impression au soleil levant”;
- novas concepções em dança criadas por Isadora Duncan, que criava a chamada
“dança livre”;
- as esculturas de Rodin, que esculpia suas amantes no branco do mármore;
- período de Proust, Baudelaire, Rilke que escreviam, “esgrimindo” palavras, a
memória, as imagens dos sonhos e dos pesadelos;
- as novas proposições cenográficas que questionavam e, contraditoriamente,
apostavam na ideia de um “teatro total”;
- a (futura) dança de Nijinski, que incorporaria Mallarmé e Debussy...
Trata-se, enfim, de um período extremamente rico, sobretudo, no que
concerne à experimentação e à quebra do conceito-prática de um movimento
único, mobilizando todos os artistas.
23
Um dos companheiros de viagem de Lugné-Poe, em suas experimentações, foi
um dos mestres da chamada antiliteratura – considerado precursor do teatro
surrealista e, também, do absurdo – Alfred Jarry (1873-1907). Jarry foi um dos
críticos mais contundentes do Naturalismo – para quem esse movimento não
passava de um empobrecido-empobrecedor simulacro – tendo sua obra mais
importante estreada no Théâtre de l’Oeuvre, Ubu rei, em 10/12/1896. Esta obra
apresenta uma crítica impiedosa ao burguês, que é apresentado como um
selvagem, idiota e poltrão. A partir da criação da personagem Ubu, Jarry – com
atitudes que buscavam sempre chocar e provocar o gosto mais conformado da
burguesia – acaba criando o conceito de patafísica: que corresponderia a uma
“ciência – bem humorada e repleta de non-sense – das soluções anárquicas e
imaginativas”. Oposta, portanto, ao Naturalismo, Ubu rei, segundo o autor,
contrapunha-se ao hipócrita e construído comportamento burguês. Além de Ubu
rei, o autor escreveu: César anticristo, 1895; Ubu acorrentado, 1900; Ubu
cornudo, 1901 (numa clara e paródica alusão à trilogia de Prometeu; ou:
Prometeu porta fogo, Prometeu acorrentado e Prometeu libertado e da qual só se
conhece a segunda delas); o romance Supermacho (paródia do conceito de
super-homem de Nietzsche), 1902; crônicas burlescas Gestos e opiniões do Dr.
Faustroll, patafísico (paródia do mito de Fausto) 1898, publicadas até 1911 etc.
Além desta intensa produção (o autor morreu jovem), Jarry foi, também, um dos
colaboradores do Mercure de France.
Apesar de a experiência ter sido relativamente curta, Lugné-Poe – sem
espaço fixo, montou de 1893 a 1914 mais de duzentas obras (trata-se de um
número absolutamente significativo), muitas delas para serem apresentadas em
numerosas viagens feitas pelo grupo –, construiu muitas de suas encenações
fundamentadas nas teses apresentadas por Appia. Por intermédio de suas obras,
Lugné-Poe conseguiu, por intermédio de seus espetáculos, impressionar e
influenciar inúmeros encenadores contemporâneos, dentre eles, especialmente,
E. Gordon Craig, na Inglaterra e William Butler Yeats, na Irlanda. Paul Blanchard
(1985) afirma que Lugné-Poe adiantou-se a Max Reinhardt (1873-1943) e Firmin
Gémier (1869-1933) montando em um circo Medida por medida, de Shakespeare,
em 1898. Quando da montagem de Solness, o construtor de Ibsen, com cenários
criados por Edouard Vuillard (1868-1940) teria provocado grandes protestos do
público pela utilização de um trampolim de plano inclinado sobre cavaletes.
Precursores da encenação moderna
Um aforismo dos mais perigosos induziu-nos e continua a induzir-nos em erro.
Homens dignos de fé afirmaram-nos que a arte dramática era a reunião
24
harmoniosa de todas as artes; e que, se ainda não foi possível conseguir-se,
deveria tender para a criação, no futuro, da obra de arte integral. Chamaram,
até, provisoriamente a esta arte: a obra de arte do futuro.
Adolphe APPIA. A obra de arte viva.
Adolphe Appia(1862-1928)
Algumas das características básicas para existência e desenvolvimento do
espetáculo simbolista muito deverá e/ou será viabilizada por meio de uma
publicação apresentando, com detalhes, as teorias de Adolphe APPIA. Trata-se
de La mise en scène du drame wagnérien (A encenação do drama
wagneriano,1895) – que foi traduzida em 1899 para o alemão chamando-se Die
musik und die insceniering – nesta obra o autor defende a tese de que cada
drama determinaria seu próprio cenário e que ele deveria brotar da própria obra e
não da convenção ou da realidade externa. Além disso, Appia (que tinha, então,
profunda admiração por Richard Wagner), afirma que o cenário ideal de uma obra
seria aquele CONDICIONADO pela música. Segundo Appia, depois do ator, a
música seria o elemento mais importante da encenação, tendo a sua “pintura”
definida pela iluminação, concebida como o elemento mediador do espetáculo.
Nesta perspectiva, ambas, a música e a iluminação, deveriam destacar o ator (a
base do teatro) – que a despeito de sua importância capital, também –, faria parte
da Partitur (Partitura) colocado em um espaço neutro, tridimensional e capaz de
“agigantá-lo” e destacá-lo no cenário.
A ênfase à música, dada por Appia, parece ter como matriz o pensamento
de Arthur Schopenhauer (1788-1860), segundo o qual: “A música em e por si
mesma nunca expressa os fenômenos, mas apenas a essência íntima do
fenômeno” e, também, em Friedrich Schiller (1723-1796), para quem: “(...) quando
a música alcança seu poder mais nobre, converte-se em forma”. (SCHILLER
apud CARLSON, 1997: 287)
Nessa perspectiva, o aprofundamento de suas teorias, esboçadas na obra
supracitada, foram aprofundadas através de A obra de arte viva, publicada em
1921, em que esse chamado renovador da cena moderna aprofunda muitas de
suas teses com relação ao trabalho de encenação. A partir desta publicação,
Appia apresentou, também, uma série de esboços e desenhos de concepções
para a montagem de espetáculos – em que as figuras geométricas dominam o
cenário – centrando-se fundamentalmente na questão da tridimensionalidade.
Nesse sentido, o ator que continuaria a ser o elemento mais importante do teatro
deveria ser percebido a partir de um novo enquadramento, considerando-se que
ele tinha volume e possuir tridimensionalidade. Dessa forma, em A obra de arte
25
viva Appia estabeleceu uma série de reflexões tentando demonstrar esse
propósito ou essa nova tese.
O primeiro aspecto a ser destacado por Appia dizia respeito, portanto, ao
corpo do ator, assim afirma o autor:
O corpo, vivo e móvel, do ator é o representante do movimento no espaço. O
seu papel, portanto, é capital. Sem texto (com ou sem música) a arte
dramática deixa de existir; o ator é o portador do texto; sem movimento, as
outras artes não podem tomar parte na ação. Numa das mãos, o ator
apodera-se do texto; na outra, detém, como um feixe, as artes do espaço;
depois reúne, irresistivelmente as duas mãos e cria, pelo movimento, a obra
de arte integral. O corpo vivo é, assim, o criador dessa arte e detém o segredo
das relações hierárquicas que unem os diversos fatores, pois é ele que está à
cabeça. É do corpo, plástico e vivo, que devemos partir para voltar a cada
uma das nossas artes e determinar o seu lugar na arte dramática.
O corpo não é apenas móvel: é plástico também. Essa plasticidade coloca-o
em relação direta com a arquitetura e aproxima-o da forma escultural, sem
poder, no entanto, identificar-se com ela, porque é móvel. (...) Diante de um
raio de luz, de uma sombra, pintados, o corpo plástico conserva-se na sua
própria atmosfera, nas suas próprias luz e sombra. (APPIA, s/d: 31-2 )
(...) o corpo humano vivo se desfaz do acidente da personalidade e torna-se
puramente um instrumento para a expressão. (CARLSON, 1997: 287)
Cenário desenhado em 1892 por Appia para A Valkíria. À direita pode-se perceber a importância da luz, os
planos e os volumes.
A partir do princípio da plasticidade do ator, Appia repensou o espaço arquitetural
de encenação destacando a importância da luz (elétrica “inventada” e incorporada
ao teatro em 1898), afirmando que por intermédio da luz o espetáculo ganharia
26
em “tangibilidade”, em consonância à pintura, à arquitetura e à escultura. Dessa
forma, o teatro repousaria no ator e no movimento da luz.
Aprofundando as questões a esse respeito, Appia afirmava que a essência do
drama seria, pois, o movimento e o ritmo:
Todas três – pintura, escultura, arquitetura – são imóveis, escapam ao tempo.
A pintura, não sendo plástica, escapa, além disso, ao espaço e, através dele,
à luz efetiva. Os seus grandes sacrifícios são compostos pelo poder de evocar
o espaço numa ficção de escolha; e a sua técnica autoriza-a a um número
quase ilimitado de objetos que ela tem meio de fixar sugerindo contexto do
instante escolhido. A sua participação na ideia de duração é, de qualquer
maneira, simbólica. – A escultura é plástica, vive no espaço e participa, assim,
da luz viva. Como a pintura, pode evocar o contexto dos movimentos da sua
escolha, que ela imobiliza; e, não apenas num símbolo fictício, mas uma
realidade material. A arquitetura é a arte de criar espaços determinados e
circunscritos, destinados à presença e às evoluções do corpo vivo. Exprime
este fato, tanto em altura como em profundidade e, por uma sobreposição de
elementos sólidos cujo peso assegura a solidez. É uma arte realista; (...) A
arquitetura contém o espaço por definição e o tempo na sua aplicação.
(APPIA, s/d: 44-5)
Dessa forma, ao propor uma realidade específica, a cena não deveria
reproduzir a natureza, posto que o teatro deveria reduzir-se à pura harmonia de
cores, sons e volumes, que por meio do da intervenção imaginativa do encenador
concorreriam para formação do espetáculo.
Como lembra e ratifica Léon Moussinac (s/d) a tese que daria sustentação a
esta nova proposição e que será adotada pelos simbolistas, fundamenta-se no
conceito segundo o qual o corpo humano já havia abandonado a preocupação de
ser reflexo da realidade, posto que ele se caracterizaria em sua própria realidade.
Nessa perspectiva, também a luz deveria corresponder e levar a efeito esta nova
realidade.
Da obra capital de Appia, há um conceito fundamental que orientará muito
dos encenadores e seus pósteros que afirma o seguinte:
A arte dramática dirige-se, como as artes representativas, aos nossos olhos,
aos nossos ouvidos, ao nosso entendimento – em suma, à nossa presença
integral. Por que reduzir a nada – e antecipadamente – qualquer esforço de
síntese? Saberão os nossos artistas informar-nos?
O poeta, de caneta na mão, fixa o seu sonho no papel. Fixa o ritmo, a
sonoridade e as dimensões. Dá a ler, a declamar, o que escreveu; e, de novo,
fixa-se no aspecto do leitor, na boca do declamador. – O pintor, com os pincéis
27
na mão, fixa a sua visão tal como a quer interpretar; e a tela ou a parede
determinam as dimensões; as cores mobilizam as linhas, as vibrações, as
luzes e as sombras. – O escultor para, na sua visão interior, as formas e os
seus movimentos, no momento exato em que o deseja; depois, imobiliza-as
no barro, na pedra ou no bronze. – O arquiteto fixa, minuciosamente, pelos
seus desenhos, as dimensões, a ordem e as formas múltiplas de sua
construção; depois realiza-as no material conveniente. – O músico fixa nas
páginas da partitura os sons e o seu ritmo; possui o mesmo, em grau
matemático, o poder de determinar a intensidade e, sobretudo, a duração;
enquanto o poeta não poderia fazê-lo senão aproximadamente, pois o leitor
pode ler, a sua vontade, depressa ou devagar. (APPIA, s/d: 29-30)
(Consultar – http://images.google.com/images?q=Adolphe+appia&rls=com.microsoft:ptbr:IE-SearchBox&oe=UTF-8&sourceid=ie7&rlz=1I7GZHZ_pt-BR&um=1&ie=UTF8&ei=rDa4Sc6YA4-EtgfNxfyqCQ&sa=X&oi=image_result_group&resnum=4&ct=title ).
Edward Gordon Craig (1872-1966)
O simbolismo é, na verdade, muito convencional; é saudável, é
metódico e está universalmente espalhado. Não tem nada de teatral,
se por isso se entende qualquer coisa de ostensivo, e, no entanto, é
a própria essência do Teatro se desejamos fazer figurar a Arte do
Teatro em seu lugar, entre as Belas-Artes. (...) Alguns têm medo do
simbolismo (...) essas pessoas coram e pretendem que não gostam
mesmo nada do simbolismo porque ele tem qualquer coisa de
mórbido e de desprezível em si. (...) Porque não apenas o
simbolismo é a origem de qualquer arte, mas é também a própria
fonte de toda a vida; só com a ajuda de símbolos a vida nos é
possível e não deixamos de recorrer a eles.
Gordon CRAIG. Da arte do teatro.
Habitue-se a desenhar as maquetes em pequeno e em grande e a copiá-las,
fielmente, para o cenário.
Gordon CRAIG. Da arte do teatro.
A contribuição de Gordon Craig para a chamada encenação moderna
desenvolveu-se, inicialmente, na Inglaterra – amparadas em muitas das teses e
teorias de Richard Wagner e de Adolph Appia – espalhando-se para todo o
mundo. Craig iniciou sua carreira no teatro como ator da companhia de Henry
Irving. Posteriormente, dedicou-se à criação de cenários e, também, à uma nova
estética teatral, formulando conceitos ligados ao teatro simbolista. Em suas
proposições fundamentou-se na ideia, bastante recorrente naquele momento de
28
“teatralidade pura”. Como não poderia deixar de ser, tais proposições
fundamentavam-se em uma oposição às tendências hegemônicas em voga no
teatro, principalmente aquelas ligadas ao teatro naturalista.
Desenho criado por Craig para a montagem de Hamlet pelo Teatro de Arte de Moscou, 1911-12.
Em 1905, Craig tem publicado seu livro A arte do teatro (On the art of the
theatre) apresentado na forma de um diálogo entre um diretor e um espectador.
Reunindo uma série de textos escritos em diferentes momentos e em diferentes
contextos, muitos dos quais já haviam sido publicados em jornais e em revistas
especializadas. Em A arte do teatro, Craig, assim como Appia já o fizera
anteriormente, atribui grande importância à iluminação e à cor. Nessa obra, dentre
outros aspectos, Craig afirmava que o teatro caracteriza-se em:
- linhas e cores: que ele chamaria de cenário e cenografia;
- em palavras: que ele considerava o corpo da peça;
- em gesto: que ele considerava a alma da interpretação; e,
- em ritmo: que ele considerava a essência da dança.
A partir de tais preceitos, amparado no conceito wagneriano de “teatro como
obra de arte total” (gesamtkunstwerk), segundo os quais “ações, palavras, linhas,
cor e ritmo” deveriam criar uma fusão, Craig, ao rejeitar o Realismo em conteúdo
e forma característicos, afirmava ser necessário adotar exclusivamente o estilo. [*]
29
ESTILO
Apesar de ser referido a outro encenador (Meyerhold) – mas com preocupações bastante
semelhantes àquelas de Craig – Elia Kazan teria afirmado: “(...) entendo por estilização não
a reconstituição exata do estilo de uma época ou de um acontecimento (...) mas associo-lhe
a ideia da convenção, de generalização, do símbolo. Estilizar significa exteriorizar a síntese
interior de uma época ou de um acontecimento, com auxílio de todos os meios de
expressão, reproduzir os seus caracteres ocultos”. (REDONDO Júnior, s/d: 36-7). Patrice
PAVIS (1999: 147), dentre outras coisas, afirma no verbete estilização que se trata de um:
Procedimento que consiste em representar a realidade sob uma forma simplificada, reduzida
ao essencial de seus caracteres, sem detalhes demais.
A estilização, como a abstração, designa um certo número de traços estruturas gerais que
põem em evidência um esquema diretor, uma apreensão em profundidade dos fenômenos.
(...)
A estrutura dramática e cênica apela à estilização a partir do momento em que renuncia a
reproduzir mimeticamente uma totalidade ou uma realidade complexa. Toda representação,
mesmo que naturalista ou verista, baseia-se numa simplificação do objeto representando e
numa série de convenções para significar o objeto representado. (...)
O ator substitui o ato real por um ato significante que não se dá por real, mas é assinalado
como tal, em virtude de uma convenção. Paradoxalmente, é muitas vezes na medida em que
é estilizado que o ato passa a ser teatralmente válido e verossimilhante. Assim, não é
constrangedor ver os atores fazerem uma refeição em travessas e pratos vazios. A
estilização ajuda mesmo ao fascínio do jogo teatral, na medida em que devemos superpor
ao ato cênico um ato real, no interior da ficção.
Na medida em que a essência do dramático residiria na ação, caberia ao
encenador (concebido como uma espécie de demiurgo: ator, pintor de cenário e
de fatos, dramaturgo, músico...) o papel de criador único do espetáculo. Para
complementar, insiste Craig, de modo salutarmente radical, que a função do
encenador seria:
Ao receber o original das mãos do autor, o encenador compromete-se a
interpretar fielmente, segundo o texto. Depois, lê a obra e, logo da primeira
leitura, deve surgir, nitidamente, no seu espírito, a cor, a tonalidade, o
movimento e o ritmo que deverão caracterizar o seu trabalho. Quanto às
indicações cênicas feitas pelo autor, não deve, de maneira alguma, prender-se
com isso, porque não serão de qualquer utilidade. O essencial é que a
encenação se harmonize com os versos ou a prosa do texto, com a sua
beleza, com o seu espírito. Qualquer que seja o quadro que o autor pretenda
pôr-nos diante dos olhos, só conseguirá elucidar-nos completamente através
dos diálogos e não das rubricas. (REDONDO Jr., s/d: 87)
30
Há que se fazer uma distinção entre o texto escrito e a obra representada.
Quando um texto é completo por si mesmo – como as peças de Shakespeare,
por exemplo –, a interpretação teatral nada lhe pode acrescentar e o teatro do
futuro deve afastar-se dessa literatura e buscar textos que só sejam completos
quando representados. O novo teatro, portanto, se baseará não só na arte do
dramaturgo, mas na do diretor de cena, que controlará, ainda que não o crie
especificamente, cada elemento de produção. (CARLSON, 1997: 296-7)
Em todas as suas encenações, Craig propõe uma cena de planos
horizontais e verticais, praticáveis geométricos, escadas (à semelhança do
conceito de volumes de Appia), sendo que o ator em seus espetáculos seria um
“elemento móvel” do décor. Ao defender o princípio de que o palco seria um
“trampolim do movimento” e não uma casa de tolerância, esse novo ator, segundo
Craig, deveria ater-se aos seguintes pontos: ao representar, o ator deveria fazê-lo
de modo a dominar a emoção (e não o contrário); lembrar-se que estilo e símbolo
eram típicos da arte; necessidade de o ator ter consciência de que seria preciso
conhecer a profissão antes de subir ao palco: sendo que essa aprendizagem
deveria durar seis anos e que esse aprendizado não poderia dar-se em público;
de que seria vital fugir ao vício dos atores de tradição que expunham as
explosões de sua intimidade diante das pessoas; lembrar-se que em interpretação
não se deveria reiventar a roda, posto que seria possível aprender a partir da
experiência de outros atores; rejeitar o conselho e experiência dos atores mais
velhos quando estes concebiam a cena de maneira a colonizá-la; aprender a ser
mais visual do que sonoro, por meio de um determinado estilo (que rejeitasse a
interpretação naturalista que era mais sonora). A esse respeito cf. de Gordon
CRAIG. Da arte do teatro. (s/d: 10), a partir do relato de Etienne Decroux.
Tal proposição ao supervalorizar o movimento, a dança e a mímica
preconizaria uma nova forma de interpretação e de ator, que deveria rejeitar a
interpretação naturalista e buscar um certo estilismo que levou-o, por fim, a
conceber o ator ideal. Esse ator ideal, em oposição àquele preso à interpretação
naturalista, que se caracterizava em elemento perturbador numa peça, Craig
nomeia de SUPERMARIONETE (SURMARIONETTE, ÜBERMARIONETTE). De
modo mais didático, a supermarionete caracterizava-se em uma interpretação
anti-realista, simbólica, anti-emocional em oposição à naturalista, representando,
portanto, uma emoção sem comover ou uma EXPRESSÃO SIMBÓLICA.
Contemporâneo de Craig, o crítico inglês Arthur Symons (1865-1945),
defende a tese, estendendo a metáfora do conceito de supermarionete, em Plays,
acting and music (cit. por Marvin CARLSON, 1997: 295 e ss.), afirmando que os
atores seriam viciados em ação física e que existiam três tipos de atores:
31
(...) os de tipo Réjane, que buscam a realidade e parecem retratar as pessoas
reais em situações reais; os do tipo de Bernhardt e Irving, que se afastam da
natureza com soberba habilidade e técnica; e os do tipo Duse, que não
“atuam” em absoluto, mas simplesmente refletem o caráter essencial ou a
alma do drama. Estes últimos, naturalmente, funcionam para o texto como
marionetes ideais e são para Symons os maiores artistas. Duse “pensa no
palco”; “(...) cria a partir da própria vida uma arte que ninguém antes havia
jamais imaginado: não o realismo, não uma cópia, mas a própria coisa, a
evocação de uma vida ponderada. (...) quando uma peça toca as profundezas
da condição humana a arte de Duse é muito mais profunda do que qualquer
coisa que a brilhante superfície técnica de Bernhardt pode realizar. (...) O ator,
tal como o conhecemos, ligado à natureza, deve desaparecer; em seu lugar
deve vir a “figura inanimada – o Über-marionette”, figura da visão simbolista
que “não competirá com a vida”, mas “ir além dela”, ao transe e à visão. (...)
um ator humano, se for despojado do acidental, poderia cumprir esse papel.
(...) Só a máscara, assevera Craig em The Artists of the Theatre of the Future
(Os artistas do teatro do futuro, de 1911), pode efetivamente representar “as
emoções da alma”, os estados de espírito essenciais da humanidade.
Ainda no concernente a esse assunto e na mesma fonte bibliográfica,
encontram-se as seguintes informações:
Estabeleceu-se a discussão entre os Diretores dos teatros e as pessoas que
protestam. Tudo leva a crer que a verdade depressa surgirá. Suprima-se a
árvore autêntica que se colocou em cena, suprima-se o tom natural, o gesto
natural e chegar-se-á igualmente a suprimir o ator. É o que acontecerá um dia
e gosto de ver certos Diretores de teatros encarar desde já essa ideia.
Suprima-se o ator e arrebatareis a um grosseiro realismo os meios da cena
florescer. Não haverá mais personagem viva para confundir no nosso espírito
a arte e a realidade; personagem viva em que as fraquezas e frenitos da carne
sejam visíveis.
O ator desaparecerá e em seu lugar veremos uma personagem inanimada
que usará, se quereis, o nome de “Sur-marionettes” – até que tenha
conquistado um nome mais glorioso.
Já muito se escreveu sobre a “marionette” em bastantes boas obras. Inspirou,
até, várias obras de Arte.
Nos nossos dias, a “marionette” atravessa uma era de desgraça – muita gente
a considera uma espécie de ordem superior, derivado do boneco. Mas é um
erro. A “marionette” é a descendente dos antigos ídolos de pedra dos templos,
é a imagem degenerada de um Deus. Amiga da infância, ainda sabe escolher
e atrair os seus discípulos. Que um de vós desenhe uma “marionette” e fará
dela uma figurinha gelada e grotesca. É que se toma por uma placidez imbecil
32
e uma angulosa deformidade o que é a gravidade da máscara e a imobilidade
do corpo. Porque mesmo as nossa “marionettes” modernas são seres
extraordinários. Quer que os aplausos estourem em trovoada ou se percam
isolados, a “marionette” não se comove; os seus gestos não se precipitam
nem se confundem; que se cubra de flores e de louvores, a heroína conserva
um rosto impassível. (...) ela é para mim o último vestígio da arte nobre e bela
de uma civilização passada. Mas como a arte se avilta entre mãos grosseiras,
assim as “marionettes” já não são mais do que grotescos, vulgares e histriões.
(...) O seu corpo rígido perdeu a graça hierática de outrora. (...) precisamos de
criar uma “Sur-marionette”. Esta não rivalizará com a vida, mas irá além dela;
não figurará o corpo de carne e osso, mas o corpo em estado de êxtase, e
enquanto emanar dela um espírito vivo, revestir-se-á de uma beleza de morte.
(...)
Que esse símbolo regresse e tão depressa apareça conquiste tantos corações
que vejamos renascer a antiga alegria das cerimônias, da celebração da
Criação, do hino à vida, da divina e feliz invocação da Morte. (CARLSON,
1997: 109-120)
Segundo
a
crítica
historiográfica
foram
relativamente
poucas
as
encenações de Gordon Craig, todas elas acabaram por propor um certo furor e as
mais acaloradas discussões entre os artistas (e não exclusivamente entre aqueles
do teatro). Quando de sua estada no Teatro de Arte de Moscou, ao dirigir Hamlet,
a utilização de seus famosos biombos no espetáculo e mesmo a própria
encenação teria levado muitas pessoas ao êxtase. Dessa forma, Craig acabou
por influenciar muitos dos encenadores modernos que seguramente ficaram
atentos
e
levaram
à
prática
muitas
das
sugestões
do
encenador
(fundamentalmente aquelas sugeridas, mas não experimentadas por ele). Assim,
dentre os mais influenciados podem ser citados: Leopold Jessner (1878-1945),
Alexander
Yakovlevich
Taïrov
(1885-1950),
V.
Meyerhold,
Yevgeny
Bagrationovich Vaktanghov (1883-1922), Max Reinhardt (1873-1843), JeanJacques Copeau (1879-1949), Gaston Baty (1885-1952), Jean-Louis Barrault
(1910-1994) etc.
Vsevolod Emilievitch Meyerhold (1874-1940/2?)
(...) criador de formas e um poeta da cena (...) escrevia com gestos, com
ritmos, com toda uma linguagem teatral que inventou para as necessidades da
sua causa e que fala tanto aos olhos como o texto se dirige aos ouvidos.
C. DULLIN. Apud REDONDO Jr. Panorama do teatro moderno.
O ensino da biomecânica deve fornecer ao autor a plástica biológica perdida.
O ator deve estar fisicamente preparado – isto é – ser sensível a tudo e em
33
todos os momentos dar-se conta do centro do seu próprio apoio: o seu
equilíbrio corporal. Sendo a arte do ator uma “criação de formas plásticas no
espaço” deve aprender e aperfeiçoar a “mecânica do seu corpo”.
V. MEYERHOLD. A experiência do Teatro Estúdio.
O simbolismo (...) desempenhou papel muito mais importante na Rússia, tanto
diretamente quanto como estímulo para uma posterior teoria anti-realista do
teatro. As traduções e estudos de escritores como Baudelaire, Mallarmé,
Wilde e Nietzsche, durante a década de 1890, prepararam o caminho. Nas
páginas do Mundo da arte, revista publicada em São Petersburgo de 1898 a
1904, Serge Diaghilev (1872-1929) e Alexander Benois (1870-1960)
contestaram o pressuposto crítico geral de que a arte deve ter um fim utilitário;
eles preconizavam a “expressão pura” em linha, massa e cor; a obra de arte
total à maneira de Wagner; e o exemplo evocativo, não referencial da música
como modelo de toda arte à maneira de Mallarmé.
Na Rússia, como em toda parte, os simbolistas, mesmo os que viam o drama
como a mais elevada das artes, quase sem exceção voltaram a maior parte de
sua atenção criativa e crítica para a poesia lírica. No entanto, eles produziram
grande quantidade de peças notáveis e um corpo de teoria que exerceu
grande influência sobre a brilhante geração de diretores teatrais que
despontou no início do novo século.
Marvin CARLSON. Teorias do teatro.
Meyerhold foi chamado por muitos de seus contemporâneos como o profeta
da teatralidade. O diretor entendia e insistia que o espetáculo teatral (universal e
festivo “intoxicaria o espectador com a taça dionisíaca do eterno sacrifício”)
caracterizava-se numa espécie de performance em que o público – um quarto
criador, junto com o autor, diretor, ator – não deveria esquecer-se que se
encontrava em um teatro. Esse quarto criador era chamado e instigado a
participar emocionalmente do espetáculo. Para Meyerhold, a aludida participação
emocional do espectador pressuporia o trabalho com a imaginação criativa, com o
objetivo de que ele pudesse preencher todos os detalhes que estivessem sendo
SUGERIDOS no palco.
Suas encenações transfiguravam-se em conjuntos de imagens dinâmicas a
partir das quais os atores exprimiam-se mais pelos gestos, pelas suas atitudes
(algo semelhante àquilo que Brecht, posteriormente, chamará de gestus) e pelo
movimento, como estátuas animadas (alusão às supermarionetes de Craig), do
que pelas palavras. Tal propósito esbarraria nos propósitos de seu antigo mestre
Stanislavski cujos espetáculos, elaborados a partir de um rigoroso naturalismo,
propunham o esquecimento do contexto e a entrega catártica ao espetáculo.
Segundo CARLSON (1997: 305):
34
O poeta e teórico Valery Bryusov (1873-1924) é considerado o inaugurador do
movimento contra o naturalismo no teatro russo; seu artigo A verdade
desnecessária, publicada no Mundo da arte
em 1902, constitui a maior
declaração dessa revista sobre o teatro e uma espécie de manifesto do novo
movimento. (...) Em A verdade desnecessária ele exortou o teatro a afastar-se
do tipo de reprodução da realidade oferecida por Stanislavski em favor de uma
estilização consciente. Em vez de atravancar-se com os detalhes da vida
diária, o teatro deve proporcionar apenas “o que é necessário para ajudar o
cenário requerido pelo enredo da peça”. (...) A ideia de Bryusov frutificou no
teatro quando Vsevolod Meyerhold (...), insatisfeito com a ênfase dada por
Stanislavski ao realismo psicológico no Teatro de Arte de Moscou, estabeleceu
sua própria companhia na Ucrânia.
Dados para uma cronologia:2
←1898-1902 – período em que Meyerhold trabalhou como ator do Teatro de Arte
de Moscou, destacando-se como ator em muitas das personagens criadas;
←1904-05 – depois de significativo período de estudos estéticos e de uma viagem
à Itália, retorna à Rússia tentando desenvolver um conceito abstrato em arte que
ele chama de ‘convencionalismo’ ou ‘condicionalismo’ (sofrendo influência das
propostas encetadas por alguns encenadores modernos);
← 1905 – dedica-se à concepção e criação
de um ‘teatro místico’ que
corresponderia ao simbolismo maeterlinckiano encenando do autor A morte de
Tintagiles.
← 1906 – desenvolve um conceito de música aplicada à forma dramática, pela
introdução do ritmo bailado ao movimento do ator. Elimina do teatro o pano de
boca e o proscênio, buscando aproximar o espectador do espetáculo. Associa-se
à famosa atriz e encenadora Vera Feodorovna Komisarjevskaya (1864-1910) para
a montagem de espetáculo cujo propósito era sua “desmaterialização”, buscando,
assim, exprimir o “mistério” da peça (mistério utilizado no sentido da
“decodificação” de símbolos, a partir dos quais o espetáculo se estruturasse,
influenciado pelas ideias e proposições básicas do Simbolismo). Nessa
montagem de Irmã Beatriz, dentre outras coisas, o ator representava como uma
escultura projetada num fundo decorativo;
← 1907 – Meyerhold vai para Berlim com Vera Feodorovna conhecer e estudar o
trabalho realizado por Max Reinhardt. Retornando à Rússia, Meyerhold monta de
2
De boas biografias sobre Meyerhold talvez a mais completa seja a
publicada
em
V.MEYERHOLD.
Fundamentos, 1982, p.11-23.
35
Teoría
teatral.
Madri:
Editorial
F. Wedekind O despertar da primavera,3 usando vários praticáveis em planos
diferentes ;
← 1908-10 – aprofunda suas experiências teatralistas, iluminando inclusive a
plateia (que tenderia a ampliar a percepção do espectador); utiliza telas no lugar
de cenários; insistindo na utilização e estilização das formas esculturais, com a
revalorização do corpo. Período de aproximação do teatro japonês e grego. Em
1909 assina encenação renovadora de Tristão e Isolda, de Wagner;
← 1912-13 – dirige em Paris peça de D’Annunzio e organiza um estúdio para o
ensino da técnica da commedia dell’arte. Nesse período Meyerhold defende a
tese de que o teatro deveria sempre procurar seus efeitos mais profundos e
constitutivos, como a marionete, a pantomima, a magia (prestidigitação), a
máscara e a ação improvisada. Assim:
Com esses meios o drama pode sugerir as “vastas e insondáveis
profundezas” que se encontram por baixo da realidade visível. Particularmente
útil é o grotesco – conceito que Meyerhold usa, de um modo que lembra
Hugo, para defender uma dialética de opostos, a farsa contra a tragédia e a
forma contra o conteúdo, de modo a forçar o espectador, mediante reações
ambivalentes, a ter uma visão mais profunda da realidade e a tentar “decifrar o
enigma do inescrutável”.4
← 1914-17 – rompe definitivamente com o psicologismo (que tendia a ‘aprisionar’
o espectador, encenadores e cenógrafos) e com o simbolismo ao utilizar-se do
conceito de construção ao invés de decoração, para a montagem de O
desconhecido de Alexandre Blok. Durante este período mantém o Teatro Estúdio.
Em 1914 encena em Petrogrado Mistério Bufo, de Maiakovsky. Inicia, de modo
mais sistemático, um processo de experimentação de teatralidade tomando o
popular, o music-hall e o circo como bases essenciais, utilizando malabaristas,
choques
físicos
inusitados
entre
atores,
recursos
cenográficos
mais
esquemáticos. A partir desse momento, pode-se dizer que seu teatro começa a se
politizar, fundamentalmente por ele ser partidário dos bolcheviques;
Frank Wedekind (1864-1918) situa-se entre o Realismo e o Simbolismo,
sendo considerado, também, como um dos precursores do teatro
Expressionista. Seus textos são repletos de estranheza, violência e carregados
por um tom apaixonado, traçando um perfil da burguesia do período. O texto O
Despertar da primavera, de 1891, segundo a documentação historiográfica,
causou mais escândalos e polêmicas que os de Ibsen e Hauptmann. Além do
já citado, seus outros textos importantes são: O espírito da terra (1895), Caixa
de Pandora (1904) e A dança dos Mortos (1906).
4 M. CARLSON. Op.cit., p.313. Pela utilização dos recursos supracitados,
então, pode-se dizer que Meyerhold será um dos precursores do chamado
teatro épico que será desenvolvido em período posterior, na Alemanha, por
Erwin Piscator e Bertolt Brecht.
3
36
1918-19 – período difícil da Revolução, Meyerhold sai de Moscou e vai para
a Criméia com a mulher e os três filhos, ficando preso durante um longo tempo.
Sendo libertado pelo Exército Vermelho, volta a Moscou e filia-se ao Partido
Comunista, questionando o individualismo, busca expressar em suas encenações
uma nova concepção alicerçando-se no conceito do coletivismo e apontando a
necessidade da industrialização (período de fascinação pela máquina e pela
dinâmica moderna). Dirige, a partir do conceito de construção/construtivismo 5
espetáculos ao ar livre, sobretudo textos de Maiakovski: buscando harmonizar
seu gosto esteticista às propostas políticas e cubo-futuristas do poeta.
Aprofundamento das teorias próprias e daquelas herdadas por Appia, valorizando
a tridimensionalidade do ator, concebido em sua dimensão escultural. No sentido
de imprimir um sentido menos abstrato, bastante comum quando se fala em
construtivismo, o próprio Meyerhold afirma que esse movimento, surgido em
1920, através de uma declaração pública de Trabalho dos Construtivistas tinha
por objetivo rechaçar toda a herança cultural idealista do passado e guiar-se por
proposições do materialismo. Apesar de ser um movimento mais afeito à
arquitetura e às artes plásticas, Meyerhold entende que por meio dele muitos dos
problemas referentes à proletarização da arte poderiam ser resolvidos. Dessa
forma, foram alguns dos pontos do programa do construtivismo que o levaram a
formular a teoria da ‘biomecânica’.
← 1920 – nomeado chefe do Departamento Teatral do Comissariado de Instrução;
fundação do Teatro da República dos Sovietes (em 1923 muda de nome para
Teatro Meyerhold). A partir desse ano, Meyerhold entrega-se ao estudo e
experimentação do sistema de treinamento dos atores, por ele denominado de
‘biomecânica’: segundo o qual o ator passa a ser concebido como atleta,
malabarista, dançarino, ‘máquina animada’. Esse sistema (fundamentado no
estudo e prática de várias modalidades esportivas, técnicas de circo e da
commedia dell’arte) pressupunha que o ator teria a função de desenhar com seu
corpo o espaço com movimentos e gestos acrobáticos e cujo resultado fosse
estilizado (anti-naturalista). Aprofunda algumas experimentações anteriores
através da utilização de construções verticais, utilização de molduras escalonadas
por diferentes planos e compartimentos agrupados: para representação de cenas
simultâneas
e
alternadas.
Começa,
também,
a
utilizar-se
de
filmes
cinematográficos como elemento descritivo. Data deste período, também, o
No sentido de imprimir um sentido menos abstrato, bastante comum
quando se fala em construtivismo, o próprio Meyerhold afirma que esse
movimento, surgido em 1920, por meio de uma declaração pública de
Trabalho dos Construtivistas tinha por objetivo rechaçar toda a herança
cultural idealista do passado e guiar-se por proposições do materialismo.
5
37
processo de proletarização da cultura por meio, dentre outros aspectos, do
Proletkult.
Das grandes encenações de Meyerhold podem ser citadas: Le cocu
magnifique, de Crommelynck, em 1922; O Inspetor Geral, de Gogol, em 1926; O
percevejo, de Maiakovsky, em 1929; Os banhos, de Maiakovsky, em 1930 etc. Do
encenador são também duas obras que discutem e buscam refletir sobre o teatro
O papel do ator, 1922 e A reconstrução do teatro, 1930.
Meyerhold ‘morreu de morte não natural’; isto é, as causas e circunstâncias de
sua morte até hoje não foram esclarecidas. Sabe-se que foi assassinado (talvez
em uma execução) e que seu nome na Rússia foi reabilitado somente depois da
morte de Stalin.
Max (Goldmann) Reinhardt (1873-1943)
Na realidade, deveríamos dispor também de um terceiro teatro. (...) uma cena
enorme, apta para desenvolver nela uma grande Arte de efeitos monumentais.
Um teatro de festivais, que em nada recorde o cotidiano; uma sala consagrada
à luz e ao fervor, construída segundo o espírito grego. (...) Arte monumental de
todos os tempos, construída em forma de anfiteatro, isenta de telões e
bambolinas. E, no centro da mesma, apoiado única e exclusivamente na sua
personalidade e tão somente no vigor da palavra, o ator confundido com o
público convertido em povo, transformado em parte da ação. Sempre me opus
a considerar indispensável o marco que separa o palco do mundo exterior.
Max REINHARDT. Manifesto do Kleine Theater.
Nunca ninguém se sentiu menos ligado do que Reinhardt a fronteiras
nacionais e temporais. (...) Enquanto indivíduo, ele é tão cheio de vida que
tudo só consegue ver, inclusive o mais longínquo e o mais distante no tempo,
como um momento da vida. Ele nada vê numa perspectiva histórica, pois vê
de modo imediato – e tudo com a fantasia do homem de teatro. Uma
personalidade artística estrangeira, numa época estrangeira – tais limites não
existem para ele.
Hugo von HOFMANNSTHAL. Apud BORNHEIM. Brecht: a estética do teatro.
Mágico da luz e da cenografia, Max Reinhardt, ator e diretor alemão de origem
austríaca, influencia por suas inovações cênicas o teatro e o cinema 6 dos anos
vinte e trinta, principalmente na Alemanha.
M. COURVIN. Dictionnaire encyclopédique du théâtre.
Apesar de nascido na Áustria desenvolveu totalmente sua carreira como
Cf. Lotte H. EISNER. A tela demoníaca: as influências de Max Reinhardt e
do expressionismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Instituto Goethe, 1985,
especialmente pp.39-49.
6
38
ator e encenador na Alemanha. Inicia-se no teatro como ator do Deutsches
Theater de Otto Brahm, sendo consagrado por papéis de personagens idosas
(principalmente em textos de Ibsen e de Hauptmann) e considerado, a partir
desse trabalho, como um dos melhores atores do teatro alemão. Deixa o
Deutsches em 1903 (por discordar dos preceitos naturalistas, tendo em vista que
certos textos que o inquietavam não poderiam ser montados dentro dos
pressupostos do movimento), passando a fazer um estudo em profundidade da
iluminação cênica a partir do cotejo desta às obras pictóricas de vários períodos
da história. Desse estudo, o diretor acabará por aplicar a alguns de seus
espetáculos os mesmos princípios de luz e sombra utilizado em obras pictóricas,
criando, assim, efeitos e atmosferas mágicas e encantatórias a partir do uso da
iluminação teatral. Com a aplicação prática desses estudos de iluminação em
seus espetáculos, muitos acabarão por chamá-lo de “Rembrandt da luz”. Por
conta disso, a escolha pela epígrafe de Courvin, posto ser esta a qualidade mais
ressaltada de suas contribuições – além da monumentalidade de inúmeras de
suas encenações – para o teatro contemporâneo. Ao lado deste estudo, Reinhardt
monta (como foi traduzido o nome do texto no Brasil) Ralé, de Gorki, considerado
como montagem-símbolo de seu novo estilo: grandioso e perseguindo o conceito
de ‘obra de arte total’ à la Richard Wagner.
Em 1901, funda, com um grupo de atores, pintores e autores, um círculo,
fundamentado no conceito de Cabaré Literário, cuja companhia é batizada e
conhecida por Schall und Rauch (Ruído e Fumo ou Som e Fumaça). Este círculo
apresentou espetáculos (mais próximos ao intimismo) simbolistas, de grande
sucesso, durante dois anos aproximadamente, recebendo reconhecimento público
e da crítica o que o levou, a partir desse período a ser considerado como um dos
mais promissores diretores teatrais da Alemanha. Como o empreendimento foi
bem sucedido, o grupo resolve construir um novo teatro sob a direção de
Reinhardt chamado Kleine Theater (Pequeno Teatro).
Reinhardt, quando da fundação do novo teatro, apresenta um manifesto
cujas intenções eram:
Compreendo que as pessoas estão fartas de encontrar-se continuamente com
a própria miséria, todas as vezes que vão ao teatro e que sintam a nostalgia
das cores mais vivas e de uma vida superior. Isto não significa que pretenda
prescindir das grandes conquistas da Arte teatral naturalista, nem da verdade
e legitimidade que lhe são próprias, aliás nunca logradas. (...) O que pretendo
é continuar essa educação, para empregá-la de maneira diferente, algo que
não se limite à descrição de situações e de ambientes. Posso adaptar esse
39
alto grau de veracidade ao essencialismo humano, mediante uma Arte
profundamente anímica e refinada, capaz de oferecer a vida do lado em que
não seja negação pessimista e que, com a sua alegria e cor, resulte
igualmente real. (...) Devo ainda acrescentar: para mim, o Teatro significa mais
do que um mero auxiliar de outras artes. Creio que o Teatro tem uma única
razão de ser: o Teatro. E também creio que deve existir um teatro que seja
propriedade exclusiva do ator teatral. (...) O Teatro dá ao ator o direito de não
se subordinar unicamente a uma doutrina literária determinada e a liberdade
de agir em todos os sentidos e dar rédea solta ao prazer de atuar e
transformar-se. Conheço as qualidades mímicas e criadoras dos atores e mais
uma vez sinto desejos de salvar para a nossa época, demasiado disciplinada,
parte da velha Commedia dell’Arte, unicamente para proporcionar ao ator a
oportunidade de improvisar, de vez em quando, e saltar as barreiras que lhe
são impostas. (REDONDO Júnior, s/d: 76-80)
Retorna ao Deutsches em 1905, na condição de seu diretor artístico,
apresentando como primeiro trabalho a montagem de Sonho de uma noite de
verão de Shakespeare em que as árvores naturais invadiam toda a área do
público, com o duplo objetivo de buscar um novo enquadramento e imprimir um
clima onírico exigido pelo espetáculo. Dessa forma, a partir desta encenação,
além de unir algumas das proposições de Appia e Craig junta a magia da ilusão,
do sonho e da poesia, que caracterizarão seu estilo grandioso. Assim, em 1906,
dando seqüência às reformas e reformulações encetadas desde o ano anterior,
dota o novo teatro com um palco giratório e com maquinarias sofisticadas e
complicadas, com o objetivo de realizar cenas de grande efeito. Constrói uma sala
de câmara com trezentos lugares: Kammerspiele, anexa ao teatro, na qual
apresentou um repertório eclético.
É considerado o primeiro grande encenador moderno a realizar, de fato, o
chamado
espetáculo
total.
Seu
teatro
foi
rigorosamente
formalista
e
grandiloqüente apresentado em praças, igrejas, circos etc., sendo também um
dos iniciadores do teatro popular de massas. Nesse sentido, toda a
documentação iconográfica consultada a respeito de suas montagens expressa a
grandeza e o fausto (que se aproxima muito do conceito de féerie) das
encenações de Reinhardt. Inúmeros são os historiadores de teatro que afirmam
que o estilo cenográfico despojado de Leopold Jessner, oposto à grandiosidade
de Reinhardt, pelo uso de escadas (ou degraus - spieltreppe) tenha se
desenvolvido exatamente para estabelecer contrapontos ao seu contemporâneo.
Do conjunto de suas montagens, a encenação do texto medieval Auto de
Todo-o-Mundo, apresentada na Catedral de Salzburgo, expressava uma
40
grandiosidade raramente vista em outros períodos históricos. Por conta disso, ou
seja, da grandiosidade a partir da qual seus espetáculos foram montados, muitos
artistas o criticaram, fundamentalmente (e segundo a ótica desses), por seu teatro
ser palatável ao gosto e “padrão culinário” da burguesia.
Assim, dentre aqueles que o criticou, afirma Piscator (1968), em Teatro
político, citando Herbert Jehring:
Max Reinhardt: um genial esbanjador do teatro. Um apreciador de seus
efeitos. Um degustador de seus encantos. Max Reinhardt, a mais colorida
vocação teatral de todos os tempos, um intuitivo, um improvisador generoso,
suscetível a sugestões, distribuidor de sugestões. Max Reinhardt apresentavase para um público que aceitava o teatro como um luxo, como uma
preciosidade, como a mais bela jóia da existência, genial conclusão do teatro
e da grande burguesia, incomparável em suas realizações, inesgotável em
sua flexibilidade artística.
Mais dedicado às montagens, Reinhardt escreveu pouco; entretanto, parece
ter sido o primeiro entre os seus colegas diretores a escrever um livro de roteiros
de direção (Regiebuch), em que
apresenta esquemas de seus trabalhos de
direção. Dentre esses textos, apresentando as convicções de Reinhardt, pode ser
encontrada em Bornheim.
Não há uma forma de teatro que seja a única forma artística verdadeira.
Deixam o bom ator trabalhar hoje num celeiro ou num teatro, amanhã numa
estalagem ou numa igreja, ou então em nome do diabo, até mesmo num palco
expressionista. (BORNHEIM, 1992: 116)
As informações historiográficas dão conta de que Reinhardt utilizava-se dos
textos teatrais “traindo-os”. Isto é, adotava-os como um ponto de partida para um
teatro de transgressão, uma vez que lhe interessava o espetáculo e o espetacular.
Pela
utilização
de
espaços
não
teatrais,
Reinhardt,
ao
criar
novos
enquadramentos, acabou por explodir tanto o conceito tradicional de recepção da
obra, posto que o espectador passou a fazer parte do espetáculo, como as
clássicas delimitações que separavam a área do público daquela da encenação.
Tais experimentações do diretor fundamentavam-se no princípio segundo o qual o
teatro precisaria atingir o público “de hoje em termos de hoje”, alavancado em
propósitos em que o irracional, o sentimento, o fascínio, o maravilhoso e a
plenitude da vida interior pudessem vir à tona: sem a menor probabilidade de
reprodução da vida. Reinhardt preocupava-se e fugia do perigo de seu teatro
transformar-se em um museu, daí a opção por um teatro (além de grandioso e
41
teatral) eclético, rejeitando qualquer tipo de estética normativa. Desse modo,
afirmava o grande renovador:
Não escreva prescrições, mas dê ao ator e a seu trabalho a atmosfera na qual
possa respirar mais livremente e mais profundamente. Não economize as
possibilidades do palco e da maquinaria sempre que necessárias, mas sem
impô-las a uma peça tal como era montada por seu autor ainda em vida.
Estabelecer tais fatos é tarefa do historiador erudito, e só tem valor para o
museu. Decisivo para nós é saber como tornar viva uma peça para o nosso
tempo.
À luz do exposto, pode-se considerar o encenador como um dos maiores
inovadores da linguagem teatral pela criação de uma espécie de realismo poético
e, nessa medida, as cenas de multidão criadas por Reinhardt são tidas como
geniais e raríssimas vezes superadas no teatro de todos os tempos. Vivendo em
uma Berlim, enlouquecida pelos problemas pré e pós-guerra, o encenador foi
parceiro de Erwin Piscator e Leopold Jessner, formando uma espécie de trio de
diretores considerados amantes das experiências teatrais e que consideravam o
teatro como algo para além do entretenimento e como simples arte. Para os três,
teatro representava uma força essencial na vida humana. A respeito da situação
alemã do período, Reinhardt considerava o ator como o sujeito privilegiado para
que o teatro pudesse cumprir seu papel, e assim ele destaca:
O teatro hoje em dia está lutando por sua existência, e não apenas devido a
problemas econômicos; estes são gerais. Está sofrendo, sim, de anemia. Nem
nutrientes literários, dos quais foi exclusivamente alimentado por tempo
demais, e nem uma dieta puramente teatral podem ajudá-lo...
A salvação só pode vir do ator, pois é ele, e somente ele, quem possui o
teatro. Todos os grandes dramaturgos, quer tenham ou não pisado na ribalta,
nasceram atores...
A arte do ator [não somente sua manifestação de emoção] liberta o homem do
palco convencional da vida, pois a arte do ator é expor a vida e não suprimi-la.
Em nossa época podemos voar e nos comunicar de um para outro lado do
oceano, mas o caminho para nós mesmos e para nossos vizinhos permanece
infinito. Um ator caminha nessa trilha. Com a luz do poeta ele explora o
abismo não mapeado da alma humana, ele misteriosamente se transforma,
assim como suas mãos, olhos e boca cheia de milagres, e depois reaparece...
O ator é ao mesmo tempo artista e obra de arte; ele está na fronteira entre
realidade e fantasia...
Abandonado por seus bons espíritos, o teatro pode afundar até o nível da
prostituta. Mas a paixão pelo teatro, por representar, é um dos impulsos
42
básicos do homem. É esse impulso que sempre levará atores e público ao
teatro, que é a mais nobre e satisfatória educação do homem. Todos, quer o
saibam ou não, têm ânsia de se transformar. Nós todos trazemos em nós o
potencial para todas as paixões, para todos os destinos, para todas as formas
de vida interior. “Nada que é humano é estranho a nós.” Se não fosse assim,
não poderíamos compreender outros homens, nem na vida nem na arte...
(ECKARDT; GILMAN, 1996: 77-79)
Continuando na verdadeira profissão de fé no trabalho e importância do
ator, para Reinhardt – filho da velha, barroca e católica Áustria – todo bom
profissional
de
teatro:
diretor,
dramaturgo,
produtor,
músico
etc
eram
considerados como atores (e o ator como poeta), posto que:
Existiria como que uma espécie de vida implícita, dotada de “milhares de
possibilidades”; a maioria destas adoece e acaba doendo. Isso vai tão longe
que “os códigos sociais modernos aleijaram o ator”: “os pés se movem, mas a
alma não dança; o coração permanece frio”. E o ator, que é “ao mesmo tempo
escultor e escultura”, teria como missão remediar tal estado de coisas e
reavivar no homem a máxima extensão de suas possibilidades. O homem,
feito à “imagem de Deus”, alberga em si “a arte do ator originada na mais
terna infância da raça”. Esse “pálido primo” do teatro que é o cinema nasceu
na cidade grande, e não corresponde, como o teatro, a um “desejo elementar
da humanidade”. O teatro vincula-se à “verdade, não à verdade exterior, ao
naturalismo de todos os dias, mas à verdade última da alma”. Entende-se, por
aí, que a formação do ator deva ser feita em tom de exaltação: a dança para o
corpo e o canto para a voz. (BORNHEIM, 1992: 117)
Reiventando procedimentos, expedientes e novos espaços, Reinhardt
buscou sempre novas alternativas para que seus espetáculos pudessem ser
vistos por públicos diferentes em espaços diferentes; assim, um desses espaços
atípicos foi o picadeiro, em que o encenador montou, por exemplo, no Circo
Schumann, em 1910, O rei Édipo. Além do aspecto de experimentação de novos
espaços, ao buscar o circo, Reinhardt objetivou amenizar as críticas que lhe eram
feitas segundo as quais os altos preços cobrados no Kammerspielle, tornariam o
teatro de Reinhardt inacessíveis à totalidade da população.
Em 1919, já firmemente estabelecido e inspirado pela promessa da
revolução de uma cultura popular, Reinhardt, no antigo Circo Grosses
Schauspielhaus, espaço com cerca de cinco mil lugares, montou um conjunto de
obras notáveis, podendo-se destacar o espetáculo de estreia que foi A Oréstia, de
Ésquilo. O Grosses Schauspielhaus havia sido originalmente um mercado
43
transformado numa arena de circo, conhecido por Zirkus Schumann. A
transformação do circo em espaço teatral ficou a cargo do arquiteto Hans Poelzig:
considerado como o jovem líder de uma concepção expressionista visionária.
Grosses Schauspielhaus. Berlim, 1919
Poelzig transformou a arena numa caverna de estalactites, um fantástico tour
de force destinado a concretizar o sonho de Reinhardt de transpor o abismo
entre o ator e público e tornar o espectador participante da ação. (ECKARDT;
GILMAN, 1996: 79)
Em 1920, o encenador lançou o Festival de Salzburgo e que, segundo a
historiografia, até os dias atuais vem sendo produzido, em cada verão, assim
como o seu Everyman (Auto de Todo-o-Mundo), do mesmo modo como
concebido por Reinhardt. Neste período afirma Gerd Bornheim:
O comportamento aberto, determinado a reiventar a experiência teatral,
tornava-o apto a assimilar tudo o que havia de significativo: entusiasmou-se
com Gordon Craig, e foi o primeiro a profissionalizar as ideias cenográficas de
Appia; fez-se o mago da luz e do som, e sentia o gosto das inovações
técnicas, ainda que atento aos riscos da desmedida. E tudo estava a serviço
da celebração coletiva, e, para atingir tal objetivo, procurava reduzir ao mínimo
a distância entre o espetáculo e público. (BORNHEIM, 1992: 116)
Apesar da grande contribuição desenvolvida por Reinhardt para o teatro
44
internacional (mais de cinquenta grandes montagens), para a vanguarda alemã
dos anos vinte – em que Futurismo, Dadaísmo, Expressionismo, Surrealismo... –
disputavam espaços, ações e público, o encenador foi considerado por alguns de
seus parceiros como adequado aos padrões conservadores e ultrapassados de
teatro.
O primeiro desafio bem-sucedido à preeminência de Reinhardt veio de
Leopold Jessner. Em dezembro de 1919, menos de um mês após a
inauguração da ‘caverna’ de Poelzig, Jessner encenou, no Staatliches
Schauspielhaus, o Guilherme Tell de Schiller, (...) No passado, Tell havia sido
representado como untuoso melodrama, uma espécie de Robin Hood dos
Alpes suíços. Jessner retirou o pathos da produção, montando-a num palco
vazio dominado pelas hoje famosas ‘escadas de Jessner’. (...)
Era, então, o cenário – ou, melhor, a ausência ou pelo menos a abstração do
cenário – que anunciava essa abordagem ao teatro. As escadas de Jessner
libertaram o teatro de Berlim – e com ele o teatro ocidental – do cenário de
representação e de encenar suas exigências. À semelhança da pintura, o
teatro passara do impressionismo, e mais tarde do expressionismo de
Reinhardt, para o domínio da arte abstrata. (ECKARDT; GILMAN, 1996:
81-2)
EXCERTOS:
Manifesto Simbolista, de Jean Moréas, publicado no Le Figaro de
18/09/1886.
Como todas as artes, a literatura evolui: evolução cíclica com as voltas
estritamente determinadas que se complicam com as diversas modificações
trazidas pela marcha dos tempos e pelas revoluções dos meios. Seria supérfluo
fazer observar que cada nova fase evolutiva da arte corresponde exatamente à
decrepitude senil, ao inelutável fim da escola imediatamente anterior. (...) É que
toda manifestação da arte chega fatalmente a se empobrecer, a se esgotar;
então, de cópia em cópia, de imitação em imitação, o que foi pleno de seiva e de
frescura se desseca e se encarquilha; o que foi o novo e o espontâneo se torna o
vulgar e o lugar comum.
Assim, o Romantismo, após soar todos os tumultuosos alarmas da revolta,
após haver tido seus dias de glória e de batalha, perdeu sua força e sua graça,
abdicou de suas audácias heroicas, se fez organizado, céptico e cheio de bomsenso; na honrosa e mesquinha tentativa dos Parnasianos, ele esperou falaciosos
renovadores; depois finalmente, tal como um monarca deposto na infância, ele se
deixou depor pelo Naturalismo, ao qual não se pode conceder seriamente senão
45
um valor de protesto legítimo, mas imprudente, contra a insipidez de alguns
romancistas então na moda.
Uma nova manifestação de arte era portanto esperada, necessária,
inevitável. Esta manifestação, preparada desde muito tempo, acaba de aparecer.
E todos os anódinos gracejos dos jornalistas confiantes da imprensa, todas as
inquietações dos críticos graves, todo o mau humor do público surpreendido na
sua indolência imitadora, não fazem senão afirmar cada dia mais a vitalidade da
evolução atual nas letras francesas, esta evolução que os juízes apressados
chamaram, por uma inexplicável antinomia, de decadência. Observem, portanto,
que
as
literaturas
decadentes
se
revelam
essencialmente
teimosas,
emaranhadas, medrosas e servis: todas as tragédias de Voltaire, por exemplo,
são marcadas por essas manchas de decadência. E que se pode reprovar, que se
reprova na nova escola? O abuso da pompa. O estranhamento da metáfora, um
vocabulário novo em que as harmonias se combinam com as cores e as linhas:
características de toda renascença.
Já propusemos a denominação de Simbolismo como a única capaz de
designar razoavelmente a tendência atual do espírito criador em arte. Esta
denominação pode ser mantida. (...)
Dizemos, portanto, que Charles Baudelaire deve ser considerado o
verdadeiro precursor do movimento atual; o senhor Stéphane Mallarmé, o
empossado do sentido do mistério e do inefável; o senhor Paul Verlaine quebrou
em seu benefício os cruéis entraves do verso que os dedos prestigiosos do
senhor Théodore de Banville haviam amaciado antes. Entretanto o Suprême
enchantement não está ainda concluído: seu trabalho pertinaz e invejoso espera
os recém-chegados. (...)
Inimiga do ensino, da declamação, da falsa sensibilidade, da descrição
objetiva, a poesia simbolista busca: vestir a Ideia de uma forma sensível que,
entretanto, não terá seu fim em si mesma, mas que, servindo para exprimir a
Ideia, dela se tornaria submissa. A ideia, por seu lado, não deve se deixar ver
privada das suntuosas amarras das analogias exteriores; porque o caráter
essencial da arte simbólica consiste em não ir jamais até à concepção da Ideia
em si. Assim, nessa arte, os quadros da natureza, as ações dos homens, todos os
fenômenos concretos não saberiam manifestar-se: estão aí as aparências
sensíveis destinadas a representar suas afinidades esotéricas com as Ideias
primordiais.
A acusação de obscuridade lançada contra uma tal estética pelos leitores
inconsequentes nada tem que possa surpreender. Mas que fazer? (...)
Pela tradução exata de sua síntese, é necessário ao Simbolismo um estilo
46
arquetípico e complexo: vocábulos impolutos, o período que se sustenta
alternando com o período de desmaios ondulados, os pleonasmos significativos,
as misteriosas elipses, o anacoluto em suspenso, todo tropo audacioso e
multiforme: enfim, a boa língua – instaurada e modernizada, – a boa e luxuriante
e irrequieta língua francesa antes dos Vaugelas e dos Boileau-Despréaux, a
língua de François Rabelais e de Philippe de Commines, de Villon, de Rutebeuf e
de tantos outros escritores livres e dardejando o termo agudo da linguagem, (...)
O RITMO: a antiga métrica avivada; uma desordem sabiamente ordenada; a rima
brilhante e martelada como um escudo de ouro e de bronze, perto da rima as
fluidezas absconsas; o alexandrino em paradas múltiplas e móveis; o emprego de
certos números ímpares. (...)
A concepção do romance simbólico é polimorfa: por vezes uma personagem
única se move nos meios deformados por suas alucinações, seu temperamento:
nessa deformação aloja-se o único real. Os seres de gestos mecânicos, de
silhuetas enubladas, se movem em torno da personagem única: não são senão
pretextos dele para sensações e conjeturas. Ele mesmo é uma máscara trágica
ou um palhaço, de uma humanidade às vezes perfeita, se bem que racional. – Por
vezes, as multidões, superficialmente afetadas pelo conjunto das representações
ambientes, procedem com alternativas de choques e de estagnações rumo aos
atos que permanecem inacabados. Por momento, as vontades individuais se
manifestam; se atraem, se aglomeram, se generalizam para um fim que, atingido
ou frustrado, dispersa-os em seus elementos primitivos. (...)
Assim, desdenhoso do método pueril do Naturalismo – o senhor Zola foi
salvo por um maravilhoso instinto de escritor, - o romance simbólico construirá
sua obra de deformação subjetiva, alentado por este axioma: a arte não saberia
procurar no objetivo senão um simples ponto de partida extremamente sucinto.
Prefácio ao poema, “Um lance de dados...”, Stéphane Mallarmé.
“Gostaria que não lessem esta Nota ou que, lida, até a esquecessem; ela
ensina, ao Leitor hábil, pouca coisa situada além de sua penetração: mas pode
perturbar o ingênuo que deve aplicar uma olhada nas primeiras palavras do
Poema, para que as seguintes, dispostas como estão, o conduzam às últimas,
tudo sem novidade a não ser um espargimento da leitura. Os ‘brancos’, com
efeito, adquirem importância, chocam de início; a versificação os exigiu, como
silêncio em torno, ordinariamente, até o ponto em que um trecho, lírico ou de
poucos pés, ocupe, no centro, a terça parte mais ou menos de uma folha: não
47
transgrido esta medida, apenas a disperso. O papel intervém cada vez que uma
imagem, por si mesma, cessa ou se oculta, aceitando a sucessão de outras e,
como não se trata, agora e nunca, de traços sonoros regulares ou de versos –
mas antes, de subdivisões prismáticas da Ideia, o instante de aparecer, e que
dura o seu concurso, em qualquer que seja a encenação espiritual exata, é em
lugares variáveis, perto ou longe do fio condutor latente, em razão da
verossimilhança, que se impõe o texto. A vantagem, se posso dizer assim,
literária, dessa distância copiada que mentalmente separa grupos de palavras ou
palavras entre si, parece por vezes acelerar ou amortecer o movimento,
escandindo-o, intimando-o mesmo segundo uma única visão simultânea da
Página: tomada esta por unidade, como o é também o Verso ou linha perfeita. A
ficção surgirá e se dissipará, rapidamente, de acordo com a mobilidade do escrito,
em volta das pausas fragmentárias de uma frase capital desde o título introduzida
e continuada. Tudo se passa, de modo geral, em hipótese; evita-se o relato.
Acrescente-se
que
deste
emprego
desnudo
do
pensamento
com
contrações, prolongamentos, fugas, ou até seu desenho, resulta, para quem quer
ler em voz alta, uma partitura. A diferença dos caracteres de imprensa entre o
motivo preponderante, um secundário e outros adjacentes, dita sua importância à
emissão oral e seu alcance no meio, acima ou no fim da página, indicará que
sobe ou baixa a entonação. Somente certas direções muito atrevidas, as
usurpações etc, formando o contraponto desta prosódia, permanecem numa obra,
que carece de precedentes, no estado elementar: não que eu leve em conta a
oportunidade das tentativas tímidas; mas não me pertence, por mais importante,
gracioso e convidativo que se mostre um jornal às belas liberdades, agir
contrariamente ao uso, exceto numa paginação especial ou num volume meu. Eu
teria, entretanto, incluído no Poema anexo, mais do que o esboço, um ‘estado’
que não rompe inteiramente com a tradição; levada sua apresentação, em muitos
sentidos, tão longe que não ofusque ninguém: o suficiente para abrir os olhos.
Hoje ou sem presumir do futuro o que sairá daqui, nada ou quase uma arte,
reconheçamos facilmente que a tentativa participa, com imprevisto, de
investigações particulares e caras a nosso tempo, como o verso livre e o poema
em prosa. Sua reunião se verifica sob uma influência, eu o sei, estranha, a da
Música ouvida em concerto; encontrando nela muitos meios que me parecerem
haver pertencida às Letras, eu os retomo. O gênero, que venha a ser um, como
sinfonia, pouco a pouco, ao lado do canto pessoal, deixa intacto o antigo verso,
ao qual rendo meu culto e atribuo o império da paixão e dos sonhos; enquanto
que este seria o caso de tratar, de preferência (assim como segue), tais assuntos
de imaginação pura e complexa ou intelecto: que não fica razão alguma para
48
excluir da Poesia – única fonte”.
49
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ENSAIOS E ARTIGOS DE ESTUDANTES
INSTITUTO DE ARTES DA UNESP
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES CÊNICAS
Nome: Patrícia Lima Castilho
Disciplina: História do Teatro IV
Professor: Alexandre Mate
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