COMPORTAMENTO SUICIDA
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COMPORTAMENTO SUICIDA
COMPORTAMENTO SUICIDA HISTÓRICO E ATITUDES Neury J. Botega Universidade Estadual de Campinas SAÚDE MENTAL E MEDICINA Diálogo de um misantropo com sua alma Egito, 2000 AC A morte está hoje diante de mim (Como) a recuperação diante de um homem enfermo, Adentrando um jardim após a enfermidade, Como um homem sonha em rever sua casa, Depois de anos em cativeiro. Antiguidade Greco-Romana TOLERÂNCIA Ato de liberdade (vedado a escravos) Honroso Idade Média CONDENAÇÃO Demônio Exorcismo Penalidades Idade Moderna DILEMA Ciências PROBLEMA Saúde Pública Antiguidade Greco-Romana TOLERÂNCIA Idade Média Idade Moderna CONDENAÇÃO DILEMA Honroso Demônio Ciências Ato de liberdade Penalidades Problema SUICÍDIO DE AJAX Herói da Guerra de Tróia 540 AC 400 - 300 AC Jacques-Louis David, sec XVIII Fedon (Platão): Sócrates • O soldado que não pode abandonar seu posto • Se bens e pertences começassem a se destruir Jacques-Louis David, sec XVIII Se o corpo se torna inútil a qualquer tipo de utilização, por que não libertar a alma que sofre em sua companhia? Sêneca, Rubens, sec XVII 65 dC “A intencionalidade de sua própria morte não parece estar presente... Cerca de 3 mil filisteus estavam no templo que ele fez desabar... ...um precursor de homens-bomba suicidas da atualidade.” Sansão Juízes, 16:30 Bertolote, 2013 Antiguidade Greco-Romana TOLERÂNCIA Idade Média Idade Moderna CONDENAÇÃO DILEMA Ato de liberdade Demônio Ciências Honroso Penalidades Problema SÉCULO VI “Nós dizemos, declaramos e confirmamos que ninguém tem o direito de espontaneamente se entregar à morte sob o pretexto de escapar aos tormentos passageiros, sob pena de mergulhar nos tormentos eternos (...) Ninguém tem o direito de se matar” Santo Agostinho Summa Theologica S. Tomás de Aquino, séc XIII Suicídio afronta: LEI NATURAL LEI MORAL LEI DIVINA Lutar pela vida é o normal Ofensa à comunidade Apenas Deus pode tirar vidas Desperatio Giotto, sec. XIV Decorrente da ação do demônio Pecava-se contra Deus, por se duvidar de sua misericórdia Pecava-se contra a Igreja, por se duvidar de seu poder intercessor Penalidades impostas ao cadáver e à família Leis Canônicas Leis Seculares Suplícios impostos ao cadáver “Execução” pública do cadáver Rituais de anulação, inversão Dissuasão Desonra para a família Uma combinação de exorcismo e castigo CRUZADAS MARTÍRIO CRISTÃO MARTÍRIO CRISTÃO Forma honrosa de deixar-se morrer A Pedra da Loucura Bosch, sec. XVI A partir da natureza do ato: Desespero Noção moral, Influência diabólica Melancolia Noção psicológica Patologia mental “A Idade Média desculpa por vezes o suicídio, mas é mais para o condenar, atribuindo-o ao diabo ou a um desarranjo mental: Não existe, pois, suicídio sadio” George Minois, 1995 Antiguidade Greco-Romana TOLERÂNCIA Idade Média Idade Moderna CONDENAÇÃO DILEMA Ato de liberdade Demônio Ciências Honroso Penalidades Problema Século XVII John Donne 1610 BIATHANATOS O homicídio de si mesmo não é tão naturalmente um pecado que não possa nunca ser entendido de outro modo Século XVII Robert Burton “Se há inferno nesse mundo, ele se encontra no coração do homem melancólico" 1676 Trata-se de um excesso de bílis negra associada ao mais sombrio dos elementos, a Terra, e ao mais sombrio dos planetas, Saturno. Esse caráter é adquirido desde que se nasce, e alguns homens estão predestinados para um temperamento sombrio. Isso pode ser corrigido ou agravado pelo envolvimento social e pelo comportamento individual. Robert Burton, 1621 Século XVII Ser ou não ser – eis a questão. Será melhor nobreza da alma sofrer a fundo os reveses de uma sorte ultrajante, ou agarrar em armas contra um mar de infortúnios? Morrer, dormir, nada mais. Acalmar, por fim, no sono os desgostos do coração. Morrer, dormir; dormir... talvez sonhar. Eis a questão. Shakespeare SéculoXVII Século VI Biathanatos A Anatomia da Melancolia Hamlet Leis canônicas Condenação Moral Dilema Humano SéculoXVII Deixar-se morrer Deixar de existir SUI = De si próprio CAEDERE = Matar O termo SUICÍDIO é cunhado em 1645 pelo médico Inglês Thomas Browne, que o classificava em duas formas: Heróico Patológico Século XVIII “Não seria crime desviar o curso do Nilo ou do Danúbio, caso isso me fosse possível. Então, onde está o crime em desviar alguns gramas de David Hume, 1777 sangue de seu leito natural?” Os sofrimentos do Jovem Werther Goethe, séc. XVIII FAUSTO Goethe, séc. XVIII Essa existência sublime, esses arrebatamentos divinos, como é que tu, verme cativo, poderás merecê-los? [...] É o tempo de provar pelas ações que a dignidade do homem nunca cede à grandeza de Deus! [...] Atreve-te, com um passo corajoso, a abordar essa passagem, mesmo que corras o risco de encontra aí o nada! Século XIX Lesão cerebral Forma dolorosa de existir Pinel, 1801 Suicídio Século XIX “O homem só atenta contra os seus dias no meio do delírio” “Todos os suicidas mostram-se alienados” Esquirol, 1838 Século XIX O SUICÍDIO 1897 Após a revolução industrial, a Família, o Estado e a Igreja deixaram de funcionar como fatores de integração social e nada foi encontrado para substituí-los Século XIX O SUICÍDIO 1897 FATO SOCIAL : Força que se impõe ao indivíduo. Tem existência independente, mais forte e independente do que as ações dos indivíduos que compõem a sociedade. SUICÍDIO: protestantes > católicos Integração Controle social Século XIX O SUICÍDIO 1897 Integração Controle social Tipos de suicídio: ALTRUISTA EGOISTA ANÔMICO FATALISTA Século XX O Mito de Sísifo, 1942 “Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia.” Albert Camus Século XX O Mito de Sísifo, 1942 Absurdo que nasce da confrontação: Razão de ser x silêncio do mundo Albert Camus Dar um sentido à irracionalidade do mundo e à inevitabilidade da morte. O absurdo gera uma energia que o rejeita, que exalta a vida e as paixões do homem, que não abdica, mas se revolta. Retiro assim do absurdo três consequências, que são: a minha revolta, a minha liberdade e a minha paixão [...] Somente por meio do jogo da consciência, eu transformo em regra de vida o que era um convite à morte, e assim recuso o suicídio Século XX O Mito de Sísifo, 1942 A superação do absurdo consiste na execução da tarefa. Albert Camus Para Sísifo, seu rochedo é sua questão. A própria luta em direção ao cimo da montanha é suficiente para preencher o coração de um homem É preciso imaginar um Sísifo feliz Século XX Sigmund Freud LUTO E MELANCOLIA Aaaron Beck COGNITIVISMO DESESPERANÇA Edwin Schneidman PSYCHACHE Dor psíquica intolerável Suicídio visto como única saída Século XVII Século XIX DILEMA HUMANO Século XX PROBLEMA CIENTÍFICO Século XX Século XXI Na modernidade, o suicídio foi removido do mundo vulnerável e volátil dos seres humanos e mantido, a salvo e isolado, sob a tutela da Ciência Alvarez, 1990 Século XX Número crescente de suicídios adolescentes e adultos jovens Suicídio e transtornos mentais SAÚDE PUBLICA Século XXI Deveria ser assegurado o direito ao suicídio? Deveria ser assegurado o direito ao suicídio? Oregon’s Death with Dignity Act (DWDA) 1997 COMPORTAMENTO SUICIDA NO HOSPITAL GERAL Risco de suicídio em pacientes internados é 3 vezes maior do que o da população geral (Dhossche et al., 2001) Um transtorno mental foi detectado em 88% dos 26 suicídios ocorridos em um hospitais gerais finlandeses ao longo de um ano (Suominen et al., 2002) Ideação suicida em 7% dos pacientes com doenças agudas, e em 25% se, além dessas, houver depressão (Kishi et al., 2001) Suicídio e Atitudes do Profissional • "Veja se da próxima vez você se mata mesmo!" • "Se eu questionar sobre suicídio, poderei induzir o paciente a isso..." • "Quem quer se matar mesmo, não fica “tentando” se matar..." Suicídio e Atitudes do Profissional • "Não seria melhor investir em quem quer viver?" • "Quando alguém quer se matar mesmo, ninguém consegue impedir!" • "No lugar dele, eu também me mataria..." O PORQUÊ DESTE ESTUDO Casos de tentativas de suicídio e de 4 suicídios em dois anos Elevado número de internações por tentativas de suicídio Um transtorno mental concomitante foi decisivo para desencadear o comportamento suicida Preconceito e baixa detecção de casos de transtorno mental entre os pacientes internados Curso de prevenção de suicídio, dentre outras medidas OBJETIVOS DE PESQUISA 1. Elaborar uma escala de avaliação de atitudes em relação ao comportamento suicida 2. Descrever a atitude inicial dos participantes do Curso de Prevenção do Comportamento Suicida. 3. Verificar se ocorrem mudanças de atitude após o curso e de essas mudanças se mantêm após seis meses Curso de Prevenção de Suicídio Atitudes do Profissional Definição de conteúdo temático e de estratégias pedagógicas Elaboração de um instrumento de medida específico e fácil de ser respondido GRUPOS FOCAIS Definição de conteúdo temático e de estratégias pedagógicas Elaboração de um instrumento de medida específico e fácil de ser respondido ATITUDES Dimensões do Constructo CRENÇAS COMPORTAMENTO SENTIMENTOS Desenvolvimento de um Questionário de Atitudes - QuACS GRUPOS FOCAIS: 25 participantes, gravação de fala espontânea REVISÃO DA LITERATURA LISTA DE 58 PROPOSIÇÕES OPINIÃO DE DEZ ESPECIALISTAS TESTE DE UMA VERSÃO PRELIMINAR do instrumento VERSÃO FINAL: 21 afirmações seguidas de EAV SUJEITOS Elegíveis: 554 profissionais de enfermagem, trabalhando nas enfermarias do HC UNICAMP 164 enfermeiros 253 técnicos de enfermagem 137 auxiliares de enfermagem Freqüência de Concordâncias HC UNICAMP n = 317 (54,2%) Proposição % de concordância A vida é um dom de Deus, e só Ele pode tirar 85% Quem tem Deus no coração, não vai tentar se matar 50% Sinto-me capaz de ajudar uma pessoa que tentou se matar 48% A gente se sente impotente diante de uma pessoa que quer se matar 45% Sinto-me inseguro(a) para cuidar de pacientes com risco de suicídio 44% Quem quer se matar mesmo, não fica “tentando” se matar 39% Às vezes dá até raiva, porque tanta gente querendo viver... e aquele paciente querendo morrer 34% Tenho receio de perguntar sobre idéias de suicídio, e acabar induzindo... 26% No fundo, prefiro não me envolver ... 21% No caso de pacientes que estejam sofrendo, acho aceitável a idéia 21% Tenho preparo profissional para lidar com pacientes com risco de suicídio 17% Penso que, se uma pessoa deseja se matar, ela tem esse direito 12% QuACS – Análise Fatorial Fator 1 Sentimentos diante do Paciente No fundo, prefiro não me envolver muito Às vezes dá até raiva, porque tanta gente querendo viver... A gente se sente impotente diante de uma pessoa que quer se matar Fator 2 Capacidade Profissional Me sinto capaz de ajudar uma pessoa que tentou se matar Tenho preparo profissional para lidar com risco de suicídio Sinto-me inseguro(a) para cuidar de pacientes com risco de suicídio Fator 3 Direito ao Suicídio Apesar de tudo, se uma pessoa deseja se matar, ela tem esse direito A vida é um dom de Deus, e só ele pode tirar Quem tem Deus no coração, não vai tentar se matar ATITUDES EM RELAÇÃO AO SUICÍDIO Resultados pré-curso Auxiliares sentem-se mais capacitados para lidar com pacientes sob risco de suicídio Uma atitude condenatória quanto ao direito de se matar foi mais forte entre: os profissionais mais velhos os que nunca atenderam um caso de TS os que têm caso de suicídio na família os protestantes os que vão mais a cultos religiosos Curso de Prevenção do Suicídio PRÉ 3 meses 6 meses Questionário de Atitudes em Relação ao Comportamento Suicida EXEMPLOS A gente se sente impotente diante de uma pessoa que quer se matar Discordo totalmente __________________________________________________________ Concordo plenamente Quem tem Deus no coração, não vai tentar se matar Discordo totalmente __________________________________________________________ Concordo plenamente COMPORTAMENTO SUICIDA GRITO DE DOR PEDIDO DE SOCORRO Se eu perguntar sobre suicídio... Posso induzir um suicídio? Vou ter que carregar o problema da pessoa? Não ! Peça ajuda! AVALIAÇÃO DO RISCO DE SUICÍDIO 1 Ouvir atentamente 2 Conhecer fatores de risco 3 Fazer algumas perguntas GERAIS ESPECÍFICAS FRASES DE ALERTA Eu preferia estar morto Ninguém pode me ajudar Nada mais pode ser feito Eu não agüento mais Eu sou um peso para os outros DESAMPARO 3D DESESPERANÇA DESESPERO COMO SE COMUNICAR • Ouvir atentamente, manter a calma Entender os sentimentos da pessoa Demonstrar aceitação e respeito Conversar honesta e autenticamente Demonstrar preocupação e cuidado Focalizar nos sentimentos da pessoa COMO NÃO SE COMUNICAR • • • Interromper muito freqüentemente Ficar chocado ou muito emocionado Dizer que você está ocupado Tratar o paciente colocando-o em inferioridade Fazer o problema parecer trivial Dizer, simplesmente, que tudo vai ficar bem Fazer perguntas indiscretas Emitir julgamentos (certo x errado), doutrinar QuACS Sub-escala Sentimentos 55 F M Sub-escala: Sentimentos 50 45 40 35 30 25 20 0 3 meses 6 QuACS Sub-escala Sentimentos 20-29 30-49 50ou+ 55 Sub-escala: Sentimentos 50 45 40 35 30 25 20 0 3 meses 6 QuACS Sub-escala Direito ao Suicídio 100 F M 95 Sub-escala: Direito 90 85 80 75 70 65 60 55 50 0 3 meses 6 QuACS Sub-escala Direito ao Suicídio 20-29 30-49 50ou+ 100 95 Sub-escala: Direito 90 85 80 75 70 65 60 55 50 0 3 meses 6 QuACS Sub-escala Direito ao Suicídio técnico de enf. enfermeiro auxiliar 100 95 Sub-escala: Direito 90 85 80 75 70 65 60 55 50 0 3 meses 6 QuACS Sub-escala Direito ao Suicídio católico espírita ev. prot. 100 95 Sub-escala: Direito 90 85 80 75 70 65 60 55 50 0 3 meses 6 QuACS Sub-escala Direito ao Suicídio 100 Freqüência ao culto >= 1 vez no mês < 1 vez no mês 95 Sub-escala: Direito 90 85 80 75 70 65 60 55 50 0 3 meses 6 QuACS Sub-escala Capacidade 100 F M Sub-escala: Capacidade 90 80 70 60 50 40 30 0 3 meses 6 QuACS Tenho preparo profissional para lidar com pacientes com risco de suicídio 100 90 80 Questão 14 70 60 50 40 30 20 10 0 0 3 meses 6 QuACS Quem fica ameaçando geralmente não se mata técnico de enf. enfermeiro auxiliar 100 90 80 Questão 6 70 60 50 40 30 20 10 0 0 3 meses 6 QuACS Geralmente, quem se mata tem uma doença mental 20-29 30-49 50ou+ 100 90 80 Questão 12 70 60 50 40 30 20 10 0 0 3 meses 6 ATITUDES EM RELAÇÃO AO SUICÍDIO Resultados após 6 meses do curso Houve ganhos positivos nas atitudes dos profissionais em relação ao suicídio na aferição aos 3 meses pós-curso Tais ganhos mantiveram-se estáveis após 6 meses da realização do curso As atitudes mudaram nas sub-escalas de Sentimentos e de Capacidade Profissional (ANOVA; p = 0,0001 e 0,001) Importantes implicações para cursos de prevenção e para verificar concomitante mudança de comportamento Referências Botega et al., Rev Bras Psiquiat. 2005;27:315-18 Botega et al., Suic Life-Threat Behav. 2007;37:145-51
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