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ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA
MANUAL DE CUIDADOS
PÓS-ANESTÉSICOS
2016
Centro Hospitalar do Baixo Vouga
Centro Hospitalar de Leiria
Centro Hospitalar de Tondela - Viseu
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
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EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO
1ª Edição
Coimbra, Abril de 2016
Design e paginação: Nuno Beirão
Impressão: Pantone 4
Tiragem: 200 exemplares
SUMÁRIO
Colaboradores..................................................................................4
Agradecimentos...............................................................................8
Prefácio............................................................................................9
Lista de siglas, acrónimos e abreviaturas....................................10
PARTE 1.................................................................................... 13
Aspetos organizacionais de uma UCPA.......................................14
PARTE 2.................................................................................... 23
1. Complicações respiratórias no pós-operatório ......................24
2. Edema agudo do pulmão por pressão negativa......................37
3. Pneumonite de aspiração..........................................................40
4. Ventilação não invasiva pós-operatória..................................43
5. Dor torácica após cirurgia não torácica..................................49
6. Hipertensão arterial pós-operatória.........................................61
7. Hipotensão arterial pós-operatória...........................................68
8. Hipotermia pós-operatória........................................................73
9. Bloqueio neuromuscular residual.............................................82
10. Estado confusional/alteração do estado
de consciência pós-operatório................................................88
11. Complicações pós-transfusionais............................................96
12. Anafilaxia..................................................................................112
13. Dor pós-operatória...................................................................120
14. Complicações de anestesia locorregional do neuroeixo........132
15. Pós-operatório do doente em sépsis.......................................144
16. Pós-operatório do doente com doença renal crónica..........157
PARTE 3.................................................................................... 171
Tabelas de perfusão de fármacos..................................................173
Protocolos de analgesia pós-operatória.......................................197
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COLABORADORES
Adelina Sampaio, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Ana Luísa Almeida, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Ana Bernardino, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Ana Cristina Campos, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Leiria
Ana Raimundo, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Anabela Marques, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Andreia Moura, MD
Interna de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
António Augusto Martins, MD
Assistente Graduado de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Carla Silva, MD
Interna de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Carlos Noversa, MD
Interno de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Catarina Dourado, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Cláudia Carreira, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
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Cláudia Pereira, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Tondela - Viseu
Celine Ferreira, MD
Interna de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Clarinda Loureiro, MD
Assistente Graduada Sénior de Anestesiologia, Diretora de Serviço
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Daniel Madeira, MD
Interno de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Daniela Chaló, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar Baixo Vouga
Diana Chieira, MD
Interna de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Dora Catré, MD, PhD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Tondela - Viseu
Elena Segura, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Tondela - Viseu
Elisabete Pereira, MD
Interno de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Eunice Silva, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Leiria
Filipa Madeira, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia / Assistente Hospitalar de Psiquiatria
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Filipe Pinheiro, MD
Interno de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Helena Donato, MLS
Diretora de Serviço
Serviço de Documentação do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
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Isabel Tourais, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Joana Carvalhas, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Joana Cortesão, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Joana Jesus, MD
Interna de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Joana Lavado, MD
Interno de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Leiria
Joana Gonçalves, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
João Tomé, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Joaquim Moita, MD
Assistente Graduado de Pneumologia
Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Joaquim Viana, MD, PhD
Assistente Graduado Sénior de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
José Pedro Assunção, MD
Assistente Graduado Sénior de Anestesiologia, Diretor de Serviço
Serviço de Anestesiologista do Centro Hospitalar de Tondela-Viseu
Lúcia Quadros, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Luciane Pereira, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Margarida Marques, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
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Margarida Gil Pereira, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Nuno Fernandes, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar Baixo Vouga
Piedade Gomes, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Pedro Godinho, MD
Interno de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Leiria
Raquel Cabral, MD
Interna de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Raquel Inácio, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Rita Borges, MD
Interno de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Rosário Orfão, MD
Assistente Graduada Sénior de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Sílvia Vaz Serra, MD
Assistente Graduada de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Tânia Ralha, MD
Interna de Formação Específica em Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Teresa Lapa, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Teresa Paiva, MD
Assistente Graduada Sénior de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra
Vitor Pinho Oliveira, MD
Assistente Hospitalar de Anestesiologia
Serviço de Anestesiologia do Centro Hospitalar de Tondela - Viseu
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AGRADECIMENTOS
A equipa de edição gostaria de reconhecer e agradecer a todos os
colegas que colaboraram na realização deste manual.
Por todo o seu precioso tempo dispensado, “expertise” na área e porque o seu maior objetivo é trabalhar de forma competente, altruísta e
solidária, em prol do bem estar e saúde dos nossos doentes: O NOSSO
MUITO OBRIGADO!
A equipa de edição
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PREFÁCIO
A Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos é uma escola constante, para
médicos, enfermeiros e alunos. A Anestesiologia é a especialidade
médica que se dedica e é perita na abordagem peri-operatória do
doente. É na UCPA que damos continuidade e otimizamos os nossos
cuidados anestésicos, em prol do bem estar e saúde do doente.
Este manual não tem a ambição de ser um compêndio, mas sim um
livro de bolso útil, prático e de consulta rápida, onde tentámos sistematizar alguns temas clínicos que achámos relevantes para a prática
clínica de cuidados pós-anestésicos.
Não estão incluídos, nesta edição, temas de cuidados pós-anestésicos
em contexto de ambulatório.
Pretendemos dar continuação a este trabalho porque a medicina
pós-anestésica é uma área muito extensa, complexa e em constante
atualização. Já estamos a trabalhar em mais temas de cuidados
pós-anestésicos específicos de determinadas áreas cirúrgicas ou procedimentos médicos invasivos, com particularidades muito próprias,
a incluir numa próxima edição.
Esta primeira edição tenta abordar alguns temas mais gerais e frequentes que encontramos no nosso dia-a-dia e sistematizar a sua
abordagem. Procurámos organizar e estruturar o conteúdo deste
manual de um modo uniforme e homogéneo para facilitar a consulta
e o acesso à informação.
Espero que gostem! Contamos com sugestões, comentários e quiçá
com a vossa futura colaboração neste trabalho, porque gostamos de
alargar horizontes e partilhar conhecimentos.
Este é um projeto NOSSO,
De NÓS para NÓS
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LISTA DE SIGLAS, ACRÓNIMOS E ABREVIATURAS
A
AAS
Ácido acetilsalicílico
AB
Antibiótico
ACAAI
American College of Allergy, Asthma and Immunology
AINE
Anti-inflamatório não esteróide
AL
Anestésico local
ANZAAG
Australian and New Zealand Anaesthetic Allergy Group
Ao
Aórtico
AP
Auscultação pulmonar
APTEM
Aprotinin thromboelastometry
aPTT
Activated partial thromboplastin time
ARDS
Acute respiratory distress syndrome (síndrome de
dificuldade respiratória aguda)
AVC
Acidente vascular cerebral
B
BCRE
BCSH
British Committee for Standards in Haematology
BFO
Broncofibroscopia
BiPAP
Bilevel positive airway pressure
BJH
British Journal of Haematology
Bloq
NP Bloqueio de nervos periféricos
BNE
Bloqueio do neuroeixo
BNP
B-type natriuretic peptide
BRE
Bloqueio de ramo esquerdo
BZD
Benzodiazepinas
C
CAM
Cuidados anestésicos monitorizados
Clear.
Clearance
COX
2 Ciclo-oxigenase 2
CPAP
Continuous positive airway pressure
CRPO
Complicações respiratórias pós-operatórias
CV
Cardiovascular
CVC
Cateter venoso central
Cx
Cirurgia
D
DAT
Direct antiglobulin test (Coombs)
DAPO
Dor aguda pós-operatória
DEVH-PT
Doença do enxerto versus hospedeiro pós-transfusional
DLE
Decúbito lateral esquerdo
DM
Diabetes mellitus
DPO
Delirium pós-operatório
DPOC
Doença pulmonar obstrutiva crónica
DRC
Doença renal crónica
DRGE
Doença de refluxo gastro-esofágico
E
EAACI
European Academy of Allergy and Clinical Immunology
EAM Enfarte agudo do miocárdio
EAMcSST
Enfarte agudo do miocárdio sem supradesnivelamento ST
EAMsSST
Enfarte agudo do miocárdio sem supradesnivelamento ST
EAP
Edema agudo do pulmão
EAP-PN
Edema agudo do pulmão por pressão negativa
ECD
Exame(s) complementar(es) de diagnóstico
ECG
Eletrocardiograma
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EDTA
Ethylenediaminetetraacetic acid
EPAP
Expiratory positive airway pressure
ESA
European Society of Anaesthesiology
ESC
European Society of Cardiology
EV
Endovenoso
EVA
Escala visual analógica
EXTEM
Extrinsic Thromboelastrometry
F
FR Frequência respiratória
FRI
Fatores de risco individuais
G
GSA
Gasometria arterial
H
HD
Hemodinâmico(a)
Ht
Hematócrito
HTA
Hipertensão arterial
HTA
PO Hipertensão arterial pós-operatória
HTP
Hipertensão pulmonar
I
IAH
Índice apneia hipopneia
IBP
Inibidores bombas de protões
IC(C)
Insuficiência cardíaca (congestiva)
ICP
Intervenção coronária percutânea
ICT
Índice cardiotorácico
IECA
Inibidor da enzima de conversão da angiotensina
IgE
Imunoglobulina E
IHN
International Haemovigilance Network
Ins RA Insuficiência respiratória aguda
INTEM
Intrinsic Thromboelastrometry
IM
Intramuscular
IOT
Intubação orotraqueal
IPAP
Inspiratory positive airway pressure
ISBT
International Society for Blood Transfusion
IT
Intubação traqueal
L
LDH
Lactate dehydrogenase
LMA Laryngeal mask airway
M
MDI
Metered dose inhaler
MV Murmúrio Vesicular
N
NEB
Nebulização
P
PA
Pressão arterial
PA
Pressão arterial média
PCA
Patient controlled analgesia
PCR
Paragem cardio-respiratória
PCV
Pressure controled ventilation
PEEP Positive end-expiratory pressure
PIA Pressão intra-abdominal
PIC
Pressão intracraniana
PO
Pós-operatório
PPT
Púrpura pós-transfusional
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PSV
Pressure support ventilation
PT Prothrombin Time
PVC Pressão venosa central
R
RM
Ressonância Magnética
RNM
Relaxante(s) neuromusculare(s)
ROTEM
Rotational thromboelastometry
RTA Reações transfusionais agudas
Rx
Radiografia
S
SAMS
Staphylococcus aureus meticilina sensíveis
SAMR Staphylococcus aureus meticilina resistente
SAOS Sindrome de apneia obstrutiva do sono
Sat O2 Saturação de oxigénio
SAV Suporte avançado de vida
SBV Suporte básico de vida
SF Soro fisiológico
SHOT
Serious hazards of transfusion
SL
Sublingual
SNG
Sonda nasogástrica
SNS
Sistema Nervoso Simpático
Sp O2 Saturação periférica de oxigénio
T
TA
Tensão arterial
TC
Tomografia computorizada
TACO
Tranfusion associated circulatory overload
TAD Tensão arterial diastólica
TADys
Transfusion associated dyspnea
TAS
Tensão arterial sistólica
TOT
Tubo orotraqueal
TRALI
Tranfusion-related acute lung injury
TCE Traumatismo craneo-encefálico
TENS
Transcutaneous electrical nerve estimulation
TEP
Tromboembolia pulmonar
Ti
Tempo inspiratório
TNF
Tumor necrosis factor
U
UCPA
Unidade de cuidados pós-anestésicos
UCI
Unidade de cuidados intensivos
UDA
Unidade de dor aguda
V
VA
Via aérea
VAS
Via(s) aérea(s) superior(es)
VC
Volume corrente
VE
Ventrículo esquerdo
V/Q
Relação ventilação/perfusão
VM
Volume minuto
VMec
Ventilação Mecânica
VNI
Ventilação não invasiva
W
WAO
World Allergy Organization
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1
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA
Adelina Sampaio
Introdução
Apesar da anestesia ter surgido há mais de 150 anos e cedo se ter reconhecido a necessidade de locais adequados à prestação de cuidados
pós-operatórios, as UCPAs só se expandiram nos últimos 50 anos.
Nas décadas de 20 e 30 várias unidades foram surgindo, mas devido a
escassez de enfermeiros o seu número só aumentou significativamente
depois da II Guerra Mundial.
Em 1942 abre a 1ª sala de recobro na clínica Mayo e em 1949 ter
uma UCPA passou a ser considerado um standard na prestação de
cuidados aos doentes submetidos a cirurgia.
Nos anos 80, a falta de UCPAs foi relacionada com a alta incidência de
complicações anestésicas em França. Estes dados foram usados como
forte justificação para a comunidade anestésico-cirúrgica trabalhar
em conjunto para a viabilidade destas unidades.1
No sentido de melhorar a qualidade dos serviços prestados e a segurança destes doentes, as sociedades científicas tem vindo a publicar
guidelines2,4 e standards3, revistos frequentemente para se adaptarem
às necessidades atuais.
Assim, é recomendado que todos os doentes submetidos a intervenção
anestésica (anestesia geral, do neuro-eixo ou a cuidados de monitorização), sejam admitidos numa UCPA. Aqui, uma equipa treinada e
especializada na interpretação e resposta aos eventos de um breve
mas intenso período que se segue a procedimentos requerendo um
ato anestésico, presta cuidados e monitorização apertada, quase
equivalentes a uma Unidade de Cuidados Intensivos (UCI). São exceção: doentes submetidos a open-heart surgery; cirurgia major com
necessidade de ventilação prolongada, ou com instabilidade hemodinâmica; doentes submetidos a administração de grandes quantidades
de fluídos; doentes com disfunções orgânicas significativas.
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ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA
Localização e estrutura
A UCPA deve estar localizada na área do bloco operatório, permitindo
fácil acesso a partir das suítes operatórias, de onde provêm a quase
totalidade dos doentes1, perto da UCI e em local de fácil evacuação
em caso de emergência.
Deve ter circuitos separados para doentes, material e pessoas em geral.
A saída de um doente não deve impedir a entrada rápida de outro
que desenvolveu alguma complicação durante o transporte, daí a
necessidade de duas portas largas de acesso em locais opostos da sala.1
A estrutura deve ser em open-space, sem obstáculos obstruindo a
visão e, com uma configuração que permita manter as vias de circulação o mais curtas possíveis, facilitando a comunicação do staff.
O número de espaços de cama onde será colocado o doente depende
do número de suítes operatórias e do fluxo esperado de doentes.
Assim, atendendo à complexidade das cirurgias e ao tempo médio de
permanência destes doentes na UCPA, recomenda-se atualmente um
ratio não inferior a 2 camas por suíte operatória. Cerca de ¼ destas
unidades deve ter uma área de 26 m2 e as restantes 13,5 m2. O espaço
deve permitir a livre circulação de equipamento de Rx, ventiladores,
carros de emergência e staff. Devem ser todas idênticas, possuindo
o mesmo equipamento colocado nos mesmos lugares facilitando,
deste modo, a prestação de cuidados especialmente em situações de
emergência. Cada uma deve ser visível de qualquer ponto da sala.4
A existência de um espaço fechado, reservado a doentes que necessitem de isolamento para o controlo de infeção, ou doentes gravemente
imunodeprimidos, com ventilação que permita comutação de pressão
negativa para positiva, é cada vez mais premente.
Cada unidade deve possuir 12 tomadas elétricas (o maior número
possível ligado ao circuito de emergência, para ventilador e seringas
perfusoras com fármacos vasoativos), 6 de cada lado da cama, 2
rampas de oxigénio (uma terá sempre conectado um debitómetro de
O2), 1 de ar comprimido e 2 de vácuo (uma terá sempre um aspirador
de secreções conectado); uma luz ajustável para observação do doente; monitores de funções vitais com sistema de gravação de dados.
The Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations
tem vindo a chamar a atenção, nos últimos anos, para o direito à
dignidade e privacidade dos doentes, sendo por isso desejável a
existência de cortinas, com uma malha de rede a nível dos olhos
que permita a comunicação quando estas se encontrarem fechadas.1
Contudo, as condições de segurança sobrepõem-se ao seu uso em
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
situações de emergência e, se outros doentes estiverem presentes, as
cortinas serão fechadas em torno dos doentes acordados.4
A UCPA deve ter uma área de emergência com desfibrilhador e carro
de emergência com os fármacos e os materiais necessários para a
resolução de uma paragem cardiorrespiratória ou outra emergência
(choque anafilático, hipertermia maligna).
Necessita, também, de alguns espaços adequado para fins específicos: preparação de fármacos, mini laboratório (para a realização
de gasometrias e determinação de hemoglobina capilar), um cofre
para narcóticos, espaço para armazenamento de material (1m3 por
cada espaço de cama, dentro da unidade e 3m3 fora, o mais próximo
possível desta). A existência de uma área de descanso adjacente é
uma necessidade.1
Outros espaços incluem: área de sujos, lavatórios e gabinetes.
O chão deve ser antiderrapante, de cor neutra (permitindo visualização rápida de uma agulha caída), e de fácil lavagem. A existência
de janelas é aconselhável. A iluminação do teto deve ser suave e
permitir a observação do doente quando adormecido, e a presença
de um candeeiro portátil é necessária para facilitar a execução de
determinados procedimentos.
A temperatura deve oscilar entre os 21°C e 24°C, a humidade relativa
entre os 40% e 60% e ter, pelo menos, 12 renovações de ar por hora.
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ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA
Recursos Humanos
A UCPA faz parte do Serviço de Anestesia, e o anestesista é, sempre, o
responsável pelas decisões médicas na unidade, pela gestão de vagas,
bem como pela alta do doente. Os enfermeiros devem ter treino em
suporte básico de vida (SBV) e nas necessidades especiais dos doentes
emergindo da anestesia. Devem estar aptos a cuidar das feridas cirúrgicas e dos variados drenos. Devem, também, estar presentes em cada
turno, enfermeiros com formação em suporte avançado de vida (SAV).
A preservação dos padrões de qualidade requer uma atualização continua (SAV e abordagem da VA), assim, treino de equipa em cenário
de emergência deve ser efetuado de forma programada.
Após a entrada do doente na UCPA, o enfermeiro deve cuidar exclusivamente deste, até que se encontre consciente, estável e capaz de
comunicar, e só depois poderá cuidar de outros doentes em simultâneo. Esta recomendação é soberana e deve ser seguida, mesmo que
isso implique o atraso na recepção de outros doentes. Todas as UCPAs
devem ter staff de enfermeiros que permita esta prática4.
O ratio enfermeiro/doente depende, principalmente, do tipo de cirurgia efetuada, das comorbilidades apresentadas e da idade do doente.
Assim, se o doente se encontra instável ou é previsível que tal venha
a acontecer, a relação 1/1 será necessária; se o doente está estável e
sem complicações graves, a relação 1/3 é adequada; em doentes críticos, instáveis, com complicações graves, a relação 2/1 é a indicada.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Transferência para a UCPA
O transporte e a entrega/passagem do doente é um período de risco
elevado. Cabe ao anestesista decidir o momento e a monitorização
adequados à sua realização. O doente deve encontrar-se estável à
saída do bloco operatório e o tipo de monitorização vai depender da
proximidade da UCPA, do nível de consciência e do status cardiovascular e respiratório.
Se a UCPA não é próxima e/ou o estado do doente assim o exigir,
deve ser monitorizada a oximetria de pulso, TA não invasiva, ECG e
capnografia (nos doentes intubados).
A administração suplementar de O2 deve ser feita sempre que necessário e os acessos venosos devem ser adequadamente limpos,
permeabilizados, seguros e protegidos.4,6
O doente será acompanhado por um anestesista que conheça o seu estado clínico e proceda à sua avaliação contínua e tratamento.2 À chegada deve reavaliar o doente e transmitir, à equipa que o vai receber
(anestesista e enfermeiro), as informações adequadas: identificação,
estado clínico pré-operatório, anestesia e cirurgia realizadas, todos
os fármacos e fluídos administrados e as intercorrências surgidas.
O anestesista que acompanha o doente só abandonará a unidade,
quando a equipa que o recebe aceitar a sua transferência.1,3
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ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA
Monitorização, equipamento e fármacos
Uma vigilância e monitorização adequadas devem ser mantidas
continuamente até que o doente reúna critérios de alta.3 Assim, é
preconizada a monitorização das funções respiratória, cardiovascular,
neuromuscular, neurológica, temperatura, dor, náuseas e vómitos,
administração de fluídos, débito urinário e capacidade de micção,
estado dos drenos e hemorragia.2
A função respiratória deve ser avaliada através da determinação da
permeabilidade da via aérea, frequência respiratória e da saturação
de oxigénio. Se o doente se encontra intubado ou com dispositivo
supraglótico é mandatório o uso de capnografia.
A função cardiovascular é monitorizada pela medição da frequência
cardíaca, pressão arterial (invasiva sempre que justificada) e ECG.
A função neurológica, a temperatura, a dor, as náuseas e vómitos
devem ser, também, avaliados periodicamente.
A função neuromuscular deverá ser avaliada no doente a quem foi
administrado relaxante muscular não despolarizante ou com doença
neuromuscular conhecida.
A monitorização da administração de fluídos deve ser especialmente
criteriosa nos doentes que sofreram grandes perdas de sangue e/ou
de fluídos.
A determinação do débito urinário ou da capacidade de micção deverá
ser efetuada sempre que necessário.
Devem, também, ser vigiados os drenos e a hemorragia quando justificado.
Além do carro de emergência que inclua material de pace externo,
deve existir equipamento de via aérea difícil, ventiladores, monitores
(débito cardíaco, oximetria cerebral, profundidade anestésica), aparelho de gasometria, neuroestimulador, sistemas para aquecimento de
doentes e fluídos, sistema para administração rápida de fluídos, doseadores de hemoglobina e glicémia capilar, seringas perfusoras e bombas
infusoras, caixas cirúrgicas (traqueotomia e toracotomia), lanternas.
Na parede, junto à cabeceira do doente, deve estar disponível o material essencial para a prestação de cuidados de enfermagem (luvas,
cateteres, sondas de aspiração, etc.).
Devem estar disponíveis, todos os fármacos, equipamento e fluídos
necessários para o manuseamento das complicações anestésicas/
cirúrgicas que possam surgir.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Alta da UCPA
Não está definido um tempo mínimo de permanência nestas unidades.
O doente deve manter-se na UCPA, até que os riscos de depressão
do sistema nervoso central e cardiorrespiratório sejam mínimos.2
Todas as UCPAs devem definir protocolos que expressem os critérios
mínimos para a alta dos doentes.
Várias escalas têm sido publicadas e cada serviço deve adotar aquela
que sinta ser a mais segura e proporcione maior conforto ao doente5.
A escala de recuperação utilizada na nossa unidade monitoriza os
seguintes parâmetros: nível de consciência, estabilidade hemodinâmica, estabilidade respiratória, sat O2, dor pós-operatória, náuseas e
vómitos e atividade física. Cada um deles é valorizado de 0 a 2 e o
doente terá alta quando apresentar um score igual ou superior a 12.
Um doente com transferência para uma UCI não requer um score mínimo.
Para além dos parâmetros referidos, outras regras devem ser observadas:
· o O2 deve ser descontinuado 30 min antes da alta, em doentes submetidos a anestesia geral (pode ser necessário O2 suplementar para
atingir os valores pré-operatórios);
· a última dose de fármacos depressores respiratórios deve ter sido
administrada há mais de 15 min (ev, epidural ou intratecal), ou 30
min se i.m.;
· nas perfusões contínuas de opióides (ev ou epidurais) o doente deve
ter, pelo menos, 1 no parâmetro da consciência e 2 no respiratório;
· se foram administrados fármacos antagonistas (dos RM, opióides
ou sedativos), devem manter-se monitorizados até 30 min depois
da última administração;
· a temperatura deve ser ≥ 35,5ºC e ≤ 38,5ºC, ou encontrar-se nos
valores pré-operatórios;
· a dor deve ser avaliada usando a escala apropriada ao status do doente (deve ser inferior à apresentada à entrada e/ou retornar ao nível
pré-anestésico, ou o doente apresentar-se confortável em repouso);
· doentes submetidos a bloqueios do neuro-eixo devem ser capazes
de mobilizar os membros (risco de hematomas epidurais);
· todos os drenos, pensos das feridas cirúrgicas e cateteres devem
ser verificados;
· os registos devem estar completos e as notas médicas terem sido
efetuadas:
· todos os parâmetros monitorizados devem ser registados, preferencialmente de forma automática;
· devem, também, ficar registados todos os fármacos e fluídos
administrados, drenagens cirúrgicas, débito urinário e outros.
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ASPETOS ORGANIZACIONAIS DE UMA UCPA
· The National Patient Safety Agency recomenda, ainda, o registo
da data e hora de admissão, tempo decorrente até à alta, hora de
alta e destino do doente;
· a transferência para a enfermaria deve ser efetuada por 2 pessoas
(1 deles enfermeiro), o enfermeiro da UCPA deve assegurar-se que
todos os pormenores são transmitidos ao colega da enfermaria, com
particular enfase para os problemas em curso.
A alta do doente é da responsabilidade do anestesista.
Considerações finais
A implementação de protocolos e guidelines é de fundamental
importância. Estes devem incidir sobre o maior número possível
de situações, impedindo a improvisação. Enquanto os primeiros
ajudam a evitar os erros, pois são regras para serem cumpridas, os
segundos são sugestões que auxiliam na resolução de situações mais
complexas. Os protocolos para serem efetivos devem ser objetivos,
curtos e explícitos. São necessários para: verificação de equipamento
e fármacos, transferência de doentes, critérios de alta, procedimentos
de urgência, documentação.
Devem também ser criadas estruturas formais para o registo de
eventos adversos e quase eventos.
As auditorias são importantes numa UCPA pois, para além de fazerem parte do controlo de qualidade, são úteis para encontrar riscos
potenciais e melhorar a prática e os cuidados aos doentes. Devem ser
efetuadas com regularidade.5
O envelhecimento da população conduz a um aumento das comorbilidades e a uma necessidade acrescida de cuidados de saúde mais
diferenciados e mais prolongados. Assim, o número de camas nas
UCIs, cuidados intermédios e em algumas enfermarias, tornou-se
insuficiente levando à permanência dos doentes, por um período
excessivamente longo, nas UCPAs enquanto aguardam uma cama
disponível nas referidas unidades. Mas, as UCPAs não estão nem
estruturadas, nem equipadas, e também não possuem staff suficiente para funcionarem como UCIs. Por outro lado, estes doentes são,
frequentemente, excluídos das visitas médicas diárias efetuadas pelo
cirurgião responsável pela sua cirurgia. E, devido a sua localização e
ao tempo de permanência expectável dos doentes, estas unidades não
estão vocacionadas para poderem receber visitas de familiares, embora
estas tenham de ser equacionadas nos doentes com permanência mais
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
alargada. De referir também que, ocasionalmente, doentes em fim de
vida são aqui admitidos. Devem ser isolados, de forma a que os outros
doentes não se apercebam da situação, pois a presença de um doente
moribundo e da família enlutada tem uma influência negativa nos
outros doentes bem como nas suas famílias.
O equacionamento destas questões e o fluxo elevado de doentes
são um desafio constante para quem presta serviço nestas unidades.
Referências
1. Haret D, Kneeland M, Edmund, Operating Room Design Manual, Postanestesia
care units, 2012, chapter 14: 57-70
2. Practice guidelines for postanesthetic care: an update report by American
Society of Anesthesiologists Task Force on Postanesthetic Care. Society
of Anesthesiologists Task Force on Postanesthetic Care, Anesthesiology.
2013;118: 291-307
3. Standards for postanesthesia care – Committee of Origin: Standards and
Practice Parameters (Approved by the ASA House of Delegates on October
27, 2004, and last amended on October 15, 2014)
4. Association of Anaesthetists of Great Britain and Ireland. Immediate Post-anaesthesia Recovery 2013. Anaesthesia 2013; 68: 288-97.
5. Arthea Hatfield, The Complete Recovery Room Book, 5th ed.oxford: Oxford
university press; 2014
6. Ziser A, Alkobi M, Markovits R, Rozenberg B. The postanaesthesia care unit
as a temporary admission location due to intensive care and ward overflow.
Br J Anesth. 2002; 88: 577-9
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2
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS
NO PÓS-OPERATÓRIO
Ana Luísa Almeida e Filipa Madeira
DEFINIÇÃO
Não existe ainda uma definição consensual, mas a maioria da literatura, assume que as complicações respiratórias no pós-operatório
(CRPO) incluem várias entidades.1,2
No período pós-operatório, os doentes estão sujeitos a hipoventilação
secundária a depressão respiratória (↓volume minuto (VM) - por
↓frequência respiratória (FR) ou por ↓volume corrente (VC)) e/ou
incapacidade de manter a via aérea permeável).1
A incidência destas complicações varia entre 5-80%, dependendo
dos critérios usados para definir estas situações. A frequência das
CRPO e das complicações cardíacas pós-operatórias (em cirurgia não
cardíaca) são semelhantes. De salientar o impacto importante que as
CRPO têm sobre o aumento da morbilidade, dias de internamento,
custos hospitalares e mortalidade.3
ETIOLOGIA
Deve-se essencialmente a duas causas:
1. Hipoventilação: efeito residual de anestésicos gerais, opioides,
benzodiazepinas, relaxantes neuromusculares; dor; obstrução da
via área (secreções/↓tónus muscular); laringospasmo/broncospasmo; distensão abdominal.
2. Alteração da relação ventilação/perfusão (V/Q): atelectasias;
inibição da vasoconstrição hipóxica pulmonar; edema pulmonar;
pneumonite; shunt; pneumotórax; tromboembolia pulmonar.4,5,6
Existem fatores de risco relacionados com:
1. Doente: Idade superior a 65 anos; Doença pulmonar pré-existente
(doença pulmonar obstrutiva crónica - DPOC, asma, síndrome
apneia obstrutiva sono - SAOS); tabagismo; insuficiência cardíaca
(IC); hipoalbuminémia (<3g/dl); dependência funcional.7,8
2. Cirurgia: abdominal alta, torácica aberta, aórtica, cirurgia de cabeça
e pescoço e neurocirurgia; cirurgia > 3h; cirurgia de emergência.5,7
3. Anestesia: anestesia geral, hipotermia, sobrecarga de fluidos.4,5,7
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Muito variável, dependendo muitas vezes da etiologia.
Sinais iniciais são: dispneia e taquipneia, podendo ser confundidos
com ansiedade, e não hipóxia, podendo progredir posteriormente
para confusão mental e até coma. Estes sintomas acompanham-se de
taquicardia e hipertensão (HTA), arritmia e uso de músculos acessórios
respiratórios. Pode, em casos extremos, progredir para bradicardia e
bradipneia, podendo culminar em paragem cardio-respiratória (PCR).9
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1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO
As principais causas de hipóxia no PO são: depressão respiratória
secundária a fármacos, atelectasias, broncospasmo, pneumonia, agravamento de doença respiratória crónica, edema pulmonar e ARDS.
Pela especificidade de cada uma destas patologias, irão ser abordadas
separadamente as suas abordagens.6
ABORDAGEM
1. DEPRESSÃO RESPIRATÓRIA SECUNDÁRIA A FÁRMACOS
A hipoventilação secundária a efeito de fármacos pode ter manifestações específicas:
1. Anestésicos gerais - ↑/↓FR, com ↓VC, pausas inspiratórias, ↑PaCO2,
HTA, sonolência;
2. Opióides - ↑ VC com ↓ FR, ↑ PaCO2, sonolência;
3. Curarização residual - apresentação variável; doente muitas vezes
ansioso e agitado, HTA;
4. Obstrução via aérea - ruídos respiratórios, movimentos não síncronos entre a ventilação abdominal e torácica. Se ausência de
ruído → sinal de gravidade. Utilização dos músculos acessórios
da respiração. O quadro pode também ser secundário a secreções,
laringospasmo ou queda da língua.6
ABORDAGEM
(abordagem inicial: igual para qualquer quadro de dificuldade respiratória)
1º Avaliar clínica: estado consciência, auscultação pulmonar (AP),
sinais de dificuldade respiratória;
2º Monitorizar - PA, ECG, FR, SatO2;
3º Rever antecedentes pessoais e ficha anestésica do doente;
4º Aumentar a FiO2;
5º Manobras de expansão pulmonar:
- posicionar o doente (cabeceira levantada a 45º);
- incentivar a espirometria e cinesiterapia respiratória;
- gasometria arterial (GSA): avaliar trocas gasosas, pH, relação
PO2/FiO2.
6º Identificar a causa:
- ação farmacológica - tentar reverter, se possível!
Opióides
Naloxona
Bólus: 1 mcg/kg; repetir
(diluir 400 mcg até 10 cc até efeito desejado
de soro fisiológico)
Benzodiazepinas (BZD)
Flumazenil
Bólus inicial: 200 mcg;
Bólus seguintes: 100 mcg
Relaxantes
Rocurónio/Vecurónio --> Sugamadex: 2-4 mg/kg;
neuro-musculares (RNM) Sugamadex
Neostigmina (0,05 mg/kg,
Outros RMN -->
máx. 5 mg) + Atropina
Neostigmina + Atropina (0,01 mg/kg)
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Se obstrução da via aérea: posicionar a cabeça, hiperextensão cervical,
subluxação da mandíbula, ponderar aspiração (se secreções); se necessário colocar dispositivos orofaríngeos para manter a permeabilidade.
2. ATELECTASIAS
Uma das CRPO mais comuns, principalmente após cirurgia abdominal
e torácica. Trata-se de uma das causas de hipoxémia a partir do 2º
dia de PO.3
Causas: ↓ compliance, retenção de secreções, alterações V/Q, dor pós-operatória (principalmente em cirurgia torácica e abdominal alta).3
Clínica: Grande variabilidade de apresentação, podendo mesmo o
doente estar assintomático. Habitualmente, manifesta-se por produção
de secreções, ausência do murmúrio vesicular (MV) à AP, agitação,
eventualmente respiração paradoxal/abdominal; hipoxémia (com
início, sobretudo, na 2ª noite de PO).
Abordagem: Doentes não conseguem expelir secreções que ocluem
as vias aéreas baixas → proceder à aspiração frequente das secreções e incentivar a espirometria; ponderar cinesiterapia respiratória
e broncofibroscopia (BFO). Se secreções escassas, ponderar CPAP/
BiPAP. Em casos extremos, pode haver necessidade de suporte ventilatório invasivo.3,7
ABORDAGEM
ATELECTASIAS
HIPOXÉMIA E/OU ESFORÇO RESPIRATÓRIO
DOENTE TEM SECREÇÕES RESPIRATÓRIAS?
ABUNDANTES
ESCASSAS
ASPIRAÇÃO FREQUENTE
CINESITERAPIA RESPIRATÓRIA
CPAP/BiPAP
BFO
Figura 1 – Abordagem de atelectasias
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1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO
3. BRONCOSPASMO
A audição de pieira indica irritação, inflamação ou edema dos bronquíolos. Na UCPA, pieira audível e a agravar é sempre potencialmente
grave. Considerar que qualquer pieira que ocorre até uma hora após
um potencial estímulo agressor deve ser considerado como reação
anafilática, até prova em contrário.3 (ver capítulo 12)
Causas: Aspiração; libertação de histamina em resposta a fármacos
(ex: opióides); alergia a fármacos; exacerbação de doença pulmonar
crónica (asma, DPOC); constrição reflexa do músculo liso bronquiolar
em resposta a secreções/ aspiração de secreções/entubação orotraqueal/ estímulo cirúrgico - geralmente manifesta-se após cessação
do efeito broncodilatador de anestésicos halogenados.3
Clínica: dispneia, taquipneia, pieira, sensação de aperto referido ao tórax; AP - sibilos; aumento do tempo expiratório; GSA - hipercapnia.3,10
ABORDAGEM
BRONCOSPASMO
ADMINISTRAR O2 · OBJECTIVO: SPO2 94-98%
AGONISTA b2 ACÇÃO RÁPIDA INALATÓRIO
(NEBULIZAÇÃO/MDI + CÂMARA EXPANSORA)
DIMINUIR ANSIEDADE (MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS)
MODERADA
GRAVIDADE?
- 02 PARA STO2 94-98%
- AGONISTA b2 20/20
MIN OU CONTÍNUO NA
1ª HORA (INALATÓRIO)
- CORTICÓIDE PER OS
GRAVE
RISCO IMEDIATO
VIDA
- IOT, VM, FIO2 100%
- AGONISTA b2 DOSE
ALTA + BROMETO
IPRATRÓPIO
(INALATÓRIO)
- CORTICÓIDE EV
-C
ONSIDERAR TX
ADJUVANTE
O2 PARA SPO2 94-98%
AGONISTA b2 DOSE ALTA + BROMETO IPRATRÓPIO
20/20 MIN OU CONTÍNUO NA 1ª HORA (INALATÓRIO)
SULFATO MAGNÉSIO EV
Figura 2 – Abordagem de broncospasmo
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Fármacos para tratamento do broncospasmo
Tratamento crise
Agonista b2 acção rápida via inalatório:
Dose habitual: MDI - 4 a 8 puffs/dose; NEB - 2.5 mg/dose
Dose alta: MDI - 8 a 10 puffs/dose; NEB - 5 mg/dose ou 10 mg/h
Brometo de ipratrópio:
Dose habitual: MDI - 4 puffs/dose; NEB - 0.25 mg/dose
Dose alta: MDI - 8 puffs/dose; NEB - 0.5 mg/dose
Corticoides:
Dose inicial: P 40-60 mg/po; H 200 mg/ev; MP 125 mg/ev
Dose habitual: H 200 mg/dia; MP 40-60 mg/dia ou q12
Dose internados UCI: H 300-400 mg/dia /dose; MP 60-80 mg q6/q12
Tratamento ajuvante
Agonista b2 via ev (salbutamol):
250 mcg/ev lento + Perfusão contínua 3-20 mcg/min
Sulfato de magnésio:
2g/iv em 20 min
Nas nebulizações em substituição do SF
Tratamento off-label
Adrenalina:
Nebulização: 5ml (adrenalina 1:1000)
IV: 10 mcg podendo aumentar para 100 mcg (adrenalina 1:10 000)
Ketamina:
0.5-1mg/kg seguido perfusão 0.5-2mg/kg/h
IV: 10mcg podendo aumentar para 100 mcg (adrenalina 1:10 000)
Figura 2 – Abordagem de broncospasmo (cont.)
H - hidrocortisona; MDI - metered-dose inhaler (inalador pressurizado doseável);
MP - metilprednisolona; NEB - nebulização; P - prednisolona; SF - soro fisiológico;
UCI - unidade cuidados intensivos.
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1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO
4. LARINGOSPASMO
O laringospasmo condiciona uma oclusão parcial ou total da via
aérea ao nível das cordas vocais. Mais frequente em crianças, em
doentes com patologia reativa das vias aéreas e nas cirurgias do foro
otorrinolaringológico.
Causas: pode dever-se a estímulo cirúrgico em planos anestésicos
mais superficiais, presença de secreções, hiperreatividade da via aérea
e anestésicos pungentes. A manipulação da via aérea destes doentes de
risco deve ser realizada sempre em planos anestésicos mais profundos
e a extubação num plano profundo ou superficial.
Clínica: estridor que pode progredir para ausência total de ruído,
aumento do esforço respiratório com movimentos paradoxais. Pode
acompanhar-se de hipoxémia e/ou bradicardia.11,12
ABORDAGEM
Laringospasmo
Profilaxia (grupos de risco)
Sulfato de magnésio (15 mg/kg)
Lidocaína (1.5 mg/kg)
Remoção estímulo precipitante
Aspiração de secreções/conteúdo gástrico
Remoção de componente causal da obstrução supraglótica
CPAP (FiO2 100%)
NÃO RESOLVE
Propofol (0.5-1mg/kg)
NÃO RESOLVE
Succinilocolina (1mg/kg)
Figura 3 – Abordagem de laringospasmo
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
5. PNEUMONIA
Ocorre geralmente nos primeiros 5 dias após cirurgia. Ponderar, nos
doentes de risco, vaga em Unidade de Cuidados Intermédios.
Clínica: Febre, aumento secreções respiratórias, dispneia/polipneia;
hipoxémia (com aumento das necessidades de oxigénio suplementar)
e, mais tarde, hipercapnia.
Diagnóstico: suspeitar em qualquer doente que desenvolve sinais de
infecção respiratória e infiltrado, de novo, no Rx Torax.
Diagnóstico diferencial: Atelectasias, embolia pulmonar, ARDS (acute
respiratory distress syndrome)
Causas: As pneumonias PO costumam ser causadas por mais do que
um microorganismo, sendo a combinação mais comum Enterobacteriaceae + S. aureus/S. pneumoniae.
ABORDAGEM
a) Colheita de hemoculturas (2 periféricas - locais diferentes + 1
cateter se CVC há >48hrs);
b) Aspirado bronco-alveolar/colheita de expectoração e pesquisa de
antigenúria para Legionella e Pneumococcus;
c) Introdução de esquema antimicrobiano empírico e reavaliação às 72hrs;
d) De-escalação terapêutica logo que resultados da microbiologia
disponíveis; duração do tratamento: 7-10 dias.
Esquema empírico sem suspeita de SAMR
Piperacilina - Tazobactam (4,5 g ev 6/6h) + Ciprofloxacina (400 mg 8/8h) ou
Piperacilina - Tazobactam + Amicacina (20 mg/kg, a perfundir em 30 min)
Se suspeita de SAMR
Adicionar ao esquema anterior Vancomicina (15-20 mg/kg q8h ou
q12h, adaptado à função renal; alvo: 15-25 mg/L, em perfusão contínua) ou Linezolide (600 mg q12h).
Breves notas sobre antibióticos
1. A dose inicial deve ser máxima e não ajustada para a função renal
do doente; doses seguintes devem ser ajustadas à função renal.
2. Aminoglicosídeos: Menor toxicidade se toma única elevada do que
em múltiplas tomas; Pedir doseamentos: Pico (30 min após infusão
endovenosa - informa sobre eficácia) e Vale (antes da administração seguinte - informa sobre o intervalo que deve mediar entre
administrações); a duração do tratamento com aminoglicosídeos
deve ser de 3-5 dias.
3. Vancomicina: pedir doseamentos em pico e em vale (alvo: 1520 mg/kg); em doentes gravemente doentes fazer uma dose de
carga inicial de 25-30 mg/kg.3
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1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO
6. E
XACERBAÇÃO DE DOENÇA RESPIRATÓRIA CRÓNICA SÍNDROME DE APNEIA OBSTRUTIVA DO SONO (SAOS)
A SAOS é uma patologia respiratória caracterizada por episódios repetidos de apneia/hipopneia devido ao colapso das vias aéreas superiores
(VAS), durante o sono. O colapso repetido leva a múltiplos despertares,
dessaturação e hipercapnia. Mais comum em homens, obesos e idosos.
Associa-se a HTA, arritmias, ICC, doença isquémica coronária e AVC.
Fatores que podem contribuir para a exacerbação da SAOS no PO:
a. Utilização de fármacos que promovem o relaxamento dos músculos
faríngeos (sedativos, opioides, agentes anestésicos);
b. Utilização de fármacos que promovem uma atenuação da resposta
dos centros respiratórios a estímulos como a hipercapnia;
c. Posição supina.
Clínica: A exacerbação de SAOS no pós-operatório caracteriza-se
pelo aparecimento de episódios de dessaturação durante o sono que,
tipicamente, são mais severos, mais prolongados e mais frequentes.
Estes episódios ocorrem, geralmente, nas primeiras 24-48 horas após
a cirurgia.
A predisposição para desenvolver hipoxémia e/ou hipercapnia no
PO aumenta a probabilidade de re-intubação, isquémia miocárdio,
arritmias, encefalopatia hipóxica ou morte.3,13,14,15
Score de gravidade: A gravidade da SAOS baseia-se no índice de
apneia/hipopneia (IAH) - ver tabela. As guidelines da ASA propõem
um sistema de classificação que permite estimar a probabilidade da
ocorrência de CRPO em doentes com SAOS. O score de risco perioperatório obtém-se somando A+B/C (considerar o valor que for mais
elevado) e um score ≥ 4 equivale a um risco perioperatório aumentado
para exacerbação de SAOS.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Tabela 1 – Score de gravidade da SAOS (ASA)
pontos
A. Gravidade SAOS (estudo polissonográfico)
Sem (IAH 0-5)
Ligeiro (IAH 6-20)
Moderado (IAH 21-40)
Grave (IAH>40)
B. Cirurgia/Anestesia
Cirurgia superficial + BNP/AL
Cirurgia superficial + AG/Sedação moderada
Cirurgia periférica + BNE
Cirurgia periférica + AG
Cirurgia VA + Sedação moderada
Cirurgia major + AG
Cirurgia VA + AG
C. Necessidade de opioides no PO
Sem
Dose baixa
Dose alta (IV/neuroaxial)
Resultado
A + B/C (considerar o valor mais elevado)
0
1
2
3
0
1
1
2
2
3
3
0
1
3
AG - Anestesia Geral; AHI - Apneia/Hipopneia índice; AL - Anestesia Local; BNE - Bloqueio
neuro-eixo; BNP - Bloqueio de Nervo Periférico; VA - Via Aérea.
ABORDAGEM
SAOS
Controlo da dor:
Minimizar opioide no PO
Não associar sedativos a opioides
Preferir AINEs, ALR (sem opioides)
Oxigenação:
SAOS dessatura rapidamente ➝ Manter StO2 ≥ 90% (vigília e sono)
O2 Suplementar até manutenção de StO2 ≥ 90%, em ar ambiente
Posição:
Lateral/Semi-sentado
MEDIDAS ESPECÍFICAS
CPAP/BiPAP durante sono
Iniciar com parâmetros do doente ou se desconhecidos:
CPAP: Iniciar com 8-10 cmH2O (5 em doentes naives) e subir 2 a 2 cmH2O
BiPAP: IPAP 16-20, EPAP 8-10, Timáx: 1, FR 15-20 (PCV), FiO2 para SpO290%
Titular até redução/desaparecimento de dessaturação, apneias, ressonar
Monitorização:
Monitorizar 3h mais que doentes sem SAOS
Figura 4 – Abordagem de SAOS na UCPA
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1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO
7. EXACERBAÇÃO DE DOENÇA RESPIRATÓRIA CRÓNICA – DPOC
70-80% das exacerbações de DPOC são devidas a infeções respiratórias; outras causas: ICC, enfarte agudo do miocárdio (EAM),
tromboembolia pulmonar (TEP).
Causas: Idade avançada, tosse produtiva, duração da DPOC, história
de terapia com antibióticos, hospitalizações prévias, terapêutica com
teofilina, comorbilidades (doença cardíaca isquémica, IC crónica, DM,
doença refluxo gastro-esofágico).
Clínica: Dispneia, alteração estado mental, agravamento da hipoxémia
e hipercapnia; acidose respiratória (GSA), Comorbilidades de alto risco
(pneumonia, ICC, arritmia, DM, insuficiência renal /hepática).3,13,14,15
ABORDAGEM
1. Suplementação O2
Máscara de Venturi/cânula nasal
Titular SPO2 88-92%; PaO2 ≥ 60 mmHg
2. Suporte à Ventilação - ver esquema seguinte
VNI:
BiPAP: IPAP 16-20 cmH2O; EPAP 5-7 cmH2O; Timáx 0.8; FR 15-20
Ponderar IOT e VM se não houver melhoria com introdução de VNI
3. Tratamento farmacológico
Agonistas b adrenérgicos:
Salbutamol 5 mg 3x 1ª hora e
depois 60/60 min
Brometo ipratrópio: 250 mcg
3x 1ª hora e depois 60/60 min
Corticóides: P 40 mg/po id ou
50 mg/iv id
Iniciar AB se alteração da
expectoração: avaliar
Doentes não medicados com
metilxantinas: aminofilina
240 mg/100cc SF, 20 min
Se indicado suporte HD/
ventilatório
Figura 5 – Abordagem de exacerbação de DPOC
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Anamnese + Exame físico:
GSA
INICIAR O2 - ajustar FiO2 para StO2 88-92%
NÃO
Manter O2
NÃO
SIM
pH < 7.35?
(para PaO2 > 60 mmHg
Repetir GSA
dentro de 1-2h
Hipercapnia
PaCO2 > 50 mmHg
Hipercapnia
PaCO2 > 50 mmHg
SIM
SIM
VM: VNI/IOT
Figura 6 – Suporte ventilatório na exacerbação de DPOC
Adaptado do Manual do Curso de Evidência na Emergência, 2011.
Tabela 2 – Antibioterapia na exacerbação de DPOC
Definição
Exacerbação ligeira
Exacerbação
moderada
Exacerbação grave
com factores
de risco para P.
aeruginosa
Microorganismos
H. influenza
S. pneumonia
M. catarrhalis
C. pneumonia
Vírus
- Os do grupo anterior
+ microorganismos
resistentes
- Enterobactereáceae
(K. pneumoniae,
Enterobacter, Proteus,
E. coli)
Grupo anterior + P
aeruginosa
Antibiótico (oral)
Se indicado:
b lactâmico - Amoxi+Clavo
Alternativa:
Cefalosporina 2ª/3ª geração
Macrólido
Se indicado:
b lactâmico - Amoxi+Clavo
Alternativa:
Levofloxacina/Moxifloxacina
Ciprofloxacina/Levofloxacina
(doses altas)
8. EDEMA AGUDO PULMÃO (EAP)
Pode ser cardiogénico/não cardiogénico/misto:
· Cardiogénico: Nas primeiras 36 horas PO (retenção fluidos >67 cc/kg).
· Não cardiogénico: Edema pulmonar de pressão negativa, edema
pulmonar neurogénico, edema pulmonar secundário a sobrecarga
de fluidos.
Clínica: Dispneia, dessaturação, expetoração rosácea, crepitações à
auscultação pulmonar.
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1. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NO PÓS-OPERATÓRIO
a) Edema pulmonar cardiogénico no PO
O mais frequente no PO sobretudo em doentes com patologia cardíaca prévia.
Causas: EAM, arritmias cardíacas, ICC.
Factores de risco (EAM): Resposta de stress associada à intubação/
extubação ou cirurgia major visceral.
b) E
dema pulmonar de pressão negativa (EAP-PN) no PO (tema
mais desenvolvido no capítulo 2)
O EAP-PN pode ser tipo I (jovens saudáveis e atléticos) ou tipo II (quando existe obstrução crónica da VA, sobretudo em idosos/crianças).
Causas: Laringospasmo ou outras formas de obstrução das VAS após
extubação.
Fisiopatologia: Inspiração forçada contra glote fechada --> aumento
da pressão negativa intratorácica --> aumento do afluxo de sangue
ao coração direito --> dilatação do leito vascular pulmonar/pressão
do líquido intersticial em torno dos capilares mais negativa --> saída
de fluido para espaço intersticial --> disfunção das trocas gasosas
--> activação de cascata com hipoxémia, libertação de catecolaminas,
hipertensão sistémica e pulmonar.
Clínica: Sinais de obstrução aguda da VAS --> alívio da obstrução -->
EAP; o aparecimento de EAP pode ocorrer em minutos ou algumas
horas (até 30h) após alívio da obstrução.
Factores de risco para obstrução da VAS: Pescoço curto, SAOS,
acromegália, cirurgia otorrinolaringológica (ORL) prévia.
Evolução: Favorável sem sequelas.
c) Edema pulmonar por sobrecarga de fluidos
Causas: reposição excessiva em quadros de perdas hemorrágicas
intra-operatórias importantes, status pós-PCR, sépsis, sequestração
para o 3º espaço. Pode ainda ser secundário a Insuficiência Renal
Aguda no PO, excessiva ingestão de fluidos.
Fisiopatologia: a sobrecarga de fluidos (fluid overload) foi definida
como o EAP que pode ocorrer nas primeiras 36 horas de PO quando
a retenção de fluidos é superior a 67 cc/kg/dia, na ausência de patologia médica associada, com um ganho em fluido em cerca de 20%
superior ao conteúdo total de água corporal.
d) Edema pulmonar neurogénico
Disfunção autonómica com hiperativação do sistema nervoso simpático, com aumento da pressão capilar pulmonar e extravasamento
de fluido para o espaço intersticial
Causas: TCE, encefalopatia hiponatrémica PO3,13,14,15
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
ABORDAGEM (do doente com EAP)
A - Suplementação O2
DPOC SPO2 88-92%; Sem DPOC SPO2 94-98%
B - Suporte à Ventilação
CPAP: Iniciar com 10cmH2O;
BiPAP: IPAP 16-20cmH2O; EPAP 8-10cmH2O; Timáx 1; FR 15-20
Ponderar IOT e VM se não houver melhoria com introdução de VNI
C - Circulação
Diminuição pre-load:
Mononitrato de isossorbido: 5mg/sl de 5/5 min
Dinitrato de isossorbido: inicar perfusão iv com 10-20mcg/min
Usar com precaução: hipoTA, Estenose Ao, Htpulmonar
Morfina: 2mg iv/dose
Diuréticos: Furosemide 1-1,5 mg/kg/dose ev
Figura 7 – Abordagem de EAP
Referências
1. Warner D. Preventing Postoperative Pulmonary Complications. Anesthesiology 2000. 92:1467–72
2. Canet J, Mazo V. Postoperative pulmonary complications. Minerva Anestesiologica 2010. 76: 138-143.
3. Conde M, Adams S. Overview of the management of postoperative pulmonary
complications. Up to Date 2014. Disponível em http:// www.uptodate.com
4. Rock P, Rich P. Postoperative pulmonary complications. Curr Opin Anaesthesiol. 2003. 16: 123–132
5. Degani- Costa L, Faresina S. Preoperative evaluation of the patient with
pulmonary disease. Rev Bras Anestesiol. 2014.64: 22-34
6. Sear J. Oxygen needed for life. But do we need supplememntal oxygen
during transportation to PACU?. J Clin Anesth. 2013. 25: 609–11
7. Smetana G. Strategies to reduce postoperative pulmonary complications.
Up to date 2014. Disponível em http://www.uptodate.com
8. De Hert S, et al. Preoperative evaluation of the adult non-cardiac surgery
patient. Eur J of Anaesthesio. 2011.28: 684-722
9. Noble,D.Hypoxia following surgery - an unnecessary cause of morbidity
and mortality? Minerva Anestesiol. 2003. 69: 447-50
10. Lmanske R. Beta agonists in asthma: Acute administration and prophylactic
use. Up to date. 2014 Disponível em http://www.uptodate.com
11. Gavel G,Walker R. Laryngospasm in anaesthesia. Continuing Education in
Anaesthesia, Crit Care Pain. 2014.14: 47-51
12. Visvanathan T, Kluger MT, Webb RK, Westhorpe RN. Crisis management
during anaesthesia: laryngospasm, Qual Saf Health Care. 2005.14: e3
13. Gross J, et al. Practice Guidelines for the Perioperative Management of
Patients with Obstructive Sleep Apnea. Anesthesiology. 2014. 120: 268-86
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Care. 2013. 58: 950-972
15. Nava S. Behind a Mask: Tricks, Pitfalls, and Prejudices for Noninvasive
Ventilation. Respir Care. 2013. 58(8):1367-1376
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2. EDEMA AGUDO DO PULMÃO POR PRESSÃO NEGATIVA
2. EDEMA AGUDO DO PULMÃO POR PRESSÃO
NEGATIVA
Carla Silva e Raquel Inácio
DEFINIÇÃO
O edema agudo do pulmão por pressão negativa (EAP-PN), também
designado por edema pulmonar pós-obstrutivo, é uma forma de edema
pulmonar não cardiogénico, que surge na sequência de episódio de
pressão intra-torácica negativa, gerada como resposta a uma obstrução aguda da via aérea superior.1
INCIDÊNCIA
Estima-se que em adultos saudáveis submetidos a anestesia geral, a
incidência seja de 0,05-0,1%, embora muitos episódios possam não
ser diagnosticados.2,3 Em doentes que desenvolvem obstrução aguda
da via aérea superior a incidência é de cerca de 12%.1 Ocorre mais
frequentemente em jovens do sexo masculino, com boa condição
física, capazes de gerar uma pressão intra-torácica muito negativa.
A mortalidade de evento não reconhecido, pode rondar os 40%.
ETIOLOGIA/ CLASSIFICAÇÃO
Tipo I – Ocorre no contexto de manipulação cirúrgica ou obstrução
aguda da via aérea (VA) superior de qualquer etiologia, embora a
causa mais frequente no adulto seja o laringospasmo após extubação
traqueal. Algumas das condições predisponentes são: intubação traqueal difícil, hematoma da VA, obstrução do tubo oro-traqueal (TOT)
por secreções ou mordedura, obstrução de máscara laríngea (LMA),
aspiração do TOT, extubação precoce com doente pouco profundo,
paralisia pós-operatória das cordas vocais, esforço respiratório provocado por assincronia doente-ventilador, infeção recente do trato
respiratório superior, secreções orofaríngeas espessas, entre outras.3,4
Na população pediátrica as causas mais frequentes são a epiglotite,
o croup e laringotraqueobronquite.5
Tipo II – Surge após alívio de obstrução crónica da via aérea superior
(ex.: grandes amígdalas, adenoides hipertróficas, estenose das coanas,
úvula redundante).
FISIOPATOLOGIA
O EAP-PN tipo I tem início imediatamente após um esforço inspiratório forçado contra uma obstrução significativa da via aérea
superior ou glote encerrada (manobra de Muller). Este esforço gera
uma pressão intrapleural muito negativa (até – 140 cm H2O), que
resulta no aumento do retorno venoso à aurícula direita, aumento
do fluxo sanguíneo e das pressões arterial e capilar pulmonar, o que
origina um elevado gradiente de pressão hidrostática que favorece o
movimento de fluidos dos capilares para o interstício e consequente
transudação para o espaço alveolar.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
O aumento da pressão transmural e da tensão na parede do ventrículo
esquerdo (VE), provocados pelo aumento da pressão intrapleural
negativa, aumentam o afterload do VE, com consequente diminuição
do débito cardíaco. O resultante aumento da pressão diastólica final
do VE e a baixa compliance, refletem-se num aumento da pressão
na microcirculação pulmonar, o que contribui adicionalmente para
a formação de edema.
Para além dos mecanismos já referidos, a hipoxémia resultante
diminui a contratilidade miocárdica e a ejeção do VE e favorece
um estado hiperadrenérgico com aumento da resistência arterial
pulmonar, vasoconstrição periférica e redistribuição de sangue para
a circulação pulmonar.
O EAP-PN tipo II surge devido à expiração contra uma via aérea
parcialmente obstruída de forma crónica, o que vai criando uma
pressão alveolar positiva no final da expiração (auto-PEEP). Quando
a obstrução é removida, ocorre uma diminuição súbita nas pressões
da VA e aumento no retorno venoso. Se o VE não for capaz de gerar
o débito necessário para o aumento de pré-carga, ocorre uma elevação da pressão hidrostática pulmonar e transudação de fluidos para
o interstício e alvéolos.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Os sintomas têm início mais frequente imediatamente após a extubação, podendo ter uma apresentação mais tardia (algumas horas
depois) e consistem nos seguintes:
- Manifestações de obstrução aguda da via aérea (estridor, retração
supraesternal e supra-clavicular, uso de músculos acessórios da
respiração, taquipneia);
- Dificuldade respiratória;
- Hipoxémia;
- Ralas/ pieira;
- Secreções espumosas, rosadas/ hemoptises;
- Aumento do tempo expiratório.
DIAGNÓSTICO
- Clínico: história de incidente precipitante e apresentação clínica
sugestiva;
- Radiografia do tórax: infiltrado intersticial e alveolar bilateral
difuso, de predomínio central;
- TC toráxica: Padrão de vidro fosco nas regiões centrais e não-dependentes.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
- Outras causas de edema agudo do pulmão
- Pneumonite de aspiração
- Anafilaxia
- Embolia gorda
- Embolia gasosa
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2. EDEMA AGUDO DO PULMÃO POR PRESSÃO NEGATIVA
ABORDAGEM1-6
- Manobras de permeabilização da via aérea
- Avaliar a necessidade de intubação traqueal
- Ponderar indução anestésica e a administração de relaxante
muscular (ex: succinilcolina 0,1 – 0,2 mg/kg para aliviar o laringospasmo ou para relaxamento em doente que morde o TOT)2,3
- Correção da hipoxémia
- Aplicação de pressão positiva na via aérea
- Ventilação não invasiva – BiPAP ou CPAP3 (o que promove o recrutamento alveolar, diminuição do gradiente de pressão hidrostática
alveolar, diminuição do trabalho respiratório e do afterload do VE)
- Ventilação mecânica invasiva – reservar para doentes que não
respondam a VNI1; utilização de PEEP entre 5 e 10 cm H2O
- Restrição de fluidos
- Diuréticos – utilização controversa1. Utilizar principalmente se se
verificou utilização de fluidoterapia intra-operatória agressiva.
Evitar se existir evidência de hipovolémia e hipoperfusão.
- Esteroides – utilização controversa. Possível papel na minimização
da lesão alveolar e capilar.
- Prolongar período de vigilância em UCPA (até 12H).
- Ponderar admissão em UCI.
EVOLUÇÃO
Na maior parte dos casos, com a instituição de terapêutica adequada,
a resolução ocorre até às 24h sem sequelas. Há relatos de casos fatais
por evolução com ARDS ou falência multiorgânica.
Prevenção
- Evição de irritação laríngea/ laringospasmo
- Aplicação de lidocaína tópica no TET ou dispositivo supraglótico
ou administração endovenosa antes da intubação ou extubação
traqueal em doentes com fatores de risco2,6;
- Intubação fibroscópica (ou outros métodos alternativos) em caso
de via aérea previsivelmente difícil;
- Realização de tamponamento da orofaringe quando adequado;
- Aspiração cuidadosa e suave da orofaringe;
- Extubação traqueal com o doente profundo ou bem acordado;
- Evitar dessincronia entre o doente e o ventilador (adequação do
modo ventilatório, adequada profundidade anestésica).
Referências
1. Lemyze M, Mallat J, Understanding negative pressure pulmonar edema,
Intensive Care Med. 2014; 40:1140–1143
2. Bhaskar B, Frase JF, Negative pressure pulmonary edema revisited: Pathophysiology and review of management, Saudi J Anaesth. 2011; 5: 308–313
3. Kapoor M, Negative pressure pulmonary oedema, Indian J Anaesth. 2011; 55: 10–1.
4. Ghofaily LA, Simmons C, Chen L, Liu R, Negative Pressure Pulmonary
Edema after Laryngospasm: A Revisit with a Case Report. J Anesth Clin
Res 2012, 3:10
5. Udeshi A, Postobstructive pulmonary edema, J Crit Care. 2010; 25, 508.
e1–508.e5
6. Kesimci E, Aslan B, Gümüs T, Kanbak O, Management Of Unpredıcted Postoperatıve Negatıve Pressure Pulmonary Edema: A Report Of Two Cases. The
Internet Journal of Anesthesiology. 2006; 12: 1.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
3. PNEUMONITE DE ASPIRAÇÃO
Ana Almeida e Filipa Madeira
DEFINIÇÃO
Também conhecida como síndrome de Mendelson, define-se como
uma lesão química causada pela inalação de conteúdo gástrico estéril.1 Inicialmente ocorre uma descamação do epitélio brônquico com
aumento da permeabilidade alveolar, levando a edema intersticial,
diminuição da compliance pulmonar e alteração da relação ventilação/perfusão (V/Q). Inicia-se uma resposta inflamatória aguda, com
a libertação de citocinas, TNF alfa e produtos reativos de oxigénio.
Pode evoluir para pneumonia, caso o material aspirado esteja infectado, ou secundariamente, à pneumonite.2,3
ETIOLOGIA
A pneumonite de aspiração pode ocorrer quando o conteúdo gástrico
ultrapassa as cordas vocais. Existem fatores de risco para a aspiração:
1. Dependentes do doente: aumento do conteúdo gástrico, ausência
de jejum, atraso do esvaziamento gástrico (diabetes, gravidez,
insuficiência renal crónica), incompetência do esfíncter esofágico
inferior, diminuição dos reflexos laríngeos, aumento da pressão
intra-abdominal (obesidade, ascite).
2. Dependentes da cirurgia: emergente, laparoscópica e posição de
litotomia;
3. Dependentes da anestesia: intubação difícil, profundidade anestésica inadequada.2-4
PREVENÇÃO DA ASPIRAÇÃO
· Jejum adequado - líquidos sem resíduos 2h, leite materno 4h,
refeições ligeiras 6h;
· Redução da acidez gástrica - antagonistas H2 (pelo menos 2h antes)
e inibidores da bomba de protões -IBP (12h antes), citrato de sódio,
metoclopramida (gastrocinéticos);
· Entubação de sequência rápida – pré-oxigenação, administração
de indutor anestésico e relaxante neuro-muscular (RMN) de acção
rápida; evitar a ventilação manual; apesar de controverso, continua
a recomendar-se a pressão na cricóide.
· Colocação de sonda nasogástrica (SNG) em doentes com história
de oclusão intestinal.
· Extubação: deve ser realizada com os reflexos da via aérea presentes,
em decúbito lateral.2,3,4
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Pode inicialmente ser assintomática. Apresenta-se habitualmente com
taquipneia, broncospasmo, sibilância, tosse, cianose e insuficiência
respiratória. Pode acompanhar-se de febre, devido à resposta inflamatória sendo, por vezes, difícil distinguir pneumonite de pneumonia.
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3. PNEUMONITE DE ASPIRAÇÃO
Se forem aspiradas partículas grandes, pode ocorrer obstrução das
grandes ou pequenas vias aéreas, tendo a hipoxemia uma progressão
rápida e letal. Nestes casos deve-se ponderar fazer fibroscopia para
aspirar as partículas.4-6
ABORDAGEM IMEDIATA
Vómito/Conteúdo gástrico na via aérea
Aspiração após indução anestésica
Antes da
indução
Antes indução
· Trendelenburg e DLE, se possível
· Aspiração de secreções
· FiO2 100%
· Proteger a via aérea com TOT
· Aspirar TOT antes de ventilar
· VM com PEEP de, pelo menos, 5cmH20
· Considerar broncoscopia
· Tratar broncospasmo, se presente
Extubar:
Se estável, manter em vigilância pelo
menos durante 2h
Cx Urgente?
Ponderar
Anestesia
loco-regional
ou adiar
Cx Urgente?
Discutir com cirurgião
adiar a cirurgia
Se dispneia,
sat O2 ,
broncospasmo
de novo
UCI
Figura 1 – Abordagem de pneumonite de aspiração
Antibioterapia não deve ser administrada de forma profilática, mas
ter em atenção que a pneumonia ocorre em cerca de 20 a 30% dos
casos. Agentes mais frequentes são os bacilos Gram negativos. O
uso de AB numa fase precoce pode estar associado a aumento da
resistência aos mesmos, com agentes patogénicos mais resistentes.
A antibioterapia deve ser sempre dirigida e ter como base o antibiograma, devendo ser realizada colheita de culturas de expectoração
quando há alteração do quadro.
Corticoterapia também não deve ser administrada de forma profilática na fase aguda. O uso de corticóides no doente crítico está
associado a pior outcome.4-6
ABORDAGEM SUBSEQUENTE
· Realizar Rx tórax – pode apresentar consolidação lobar (lobo médio direito é o mais típico). Pode evoluir para cavitação e abcesso,
necessitando de controlo apertado.
· Realizar gasometrias seriadas.
· Se desenvolverem quadro de insuficiência respiratória deve manter-se estes doentes sob vigilância apertada, uma vez que podem
necessitar de suporte ventilatório.
· Se usado suporte ventilatório devem ser usadas técnicas protectoras
do pulmão com VC baixos (6-8 ml/kg) e limitar as pressões plateau
(<30 cmH2O), PEEP de 5 a 7 cmH2O, evitando uma grande distensão
alveolar, assim como o seu colapso no final da expiração.4-6
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Referências
1. Marik P. Aspiration Pneumonitis and Aspiration Pneumonia. N Engl J Med
2001, 344: 665-71
2. 2.Robinson M, Davidson A. Aspiration under anaesthesia: risk assessment
and decision-making. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain 2014, 14: 171-5
3. 3.Wallace C, McGuire B. Rapid sequence induction: its place in modern
anaesthesia. Contin Educ Anaesth Crit Care Pain 2014, 14: 130-5
4. Kluger MT, Visvanathan T, Myburgh JA, Westhorpe RN. Crisis management
during anaesthesia: regurgitation,vomiting, and aspiration. Qual Saf Health
Care. 14:e4
5. King W. Pulmonary aspiration of gastric contents. Anaesthesia tutorial of
the week 192. 2010
6. Raghavendran K, Nemzek J, Napolitano LM, Knight PR. Aspiration-Induced
lung injury. Crit Care Med. 2011, 39: 818-26
7. Beck-Schimmer B, Bonvini JM. Bronchoaspiration: incidence, consequences
and management. Eur J Anaesthesiol. 2011, 28:78-84.
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4. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA PÓS-OPERATÓRIA
4. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA PÓS-OPERATÓRIA
Ana Luísa Almeida, Filipa Madeira e Teresa Lapa
DEFINIÇÃO
A ventilação não invasiva (VNI) refere-se a qualquer forma de suporte ventilatório através das vias aéreas superiores, sem recurso à
entubação traqueal (ET), utilizando uma máscara ou similares, com
objetivos clínicos (alívio de sintomas e redução do trabalho respiratório) e fisiológicos (melhoria das trocas gasosas).
A VNI está associada à diminuição da necessidade de ET reduzindo
assim a incidência de complicações pulmonares pós-operatórias,
tempo de internamento em Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) e
de internamento hospitalar.
APLICAÇÃO CLÍNICA
Múltiplos fatores anestésico-cirúrgicos podem contribuir para o agravamento da insuficiência respiratória crónica ou desenvolvimento de
insuficiência respiratória aguda (Ins RA) de novo, principalmente nas
primeiras horas do pós-operatório (PO).2
Os fatores de risco para IRA no pós-operatório são:> 60 anos, tabagismo, DPOC, ASA≥2, obesidade, insuficiência cardíaca congestiva (ICC),
dependência funcional para atividades da vida diária e procedimentos
cirúrgicos abdominais ou torácicos.
Os estudos existentes, ainda não permitem um nível de evidência A
para a utilização de VNI no período pós-operatório (PO). No entanto,
de acordo com os resultados de múltiplos trabalhos publicados e a
opinião de alguns peritos, a VNI deve ser utilizada em contexto PO
em doentes e cirurgias específicas.3
A experiência da equipa de cuidados pós-anestésicos em VNI é fundamental no sucesso da técnica.
INDICAÇÕES CLÍNICAS PARA VNI NO PERÍODO PÓS-OPERATÓRIO
A ventilação não-invasiva em cuidados pós-operatórios tem várias
indicações, devendo ser usada na prevenção e tratamento de hipoxemia ou insuficiência respiratória aguda pós-operatórias. O quadro
que se segue indica as principais indicações de VNI no período PO.
Doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), síndrome
apneia obstrutiva do sono (SAOS) e síndrome de hipoventilação
devem manter VNI no pré e no pós-operatório.4
Cirurgia torácica: o uso de VNI no pré e pós-operatório está associado
a uma diminuição da disfunção pulmonar após ressecção pulmonar
e a menor tempo de internamento, apesar do receio do aumento das
fugas pelo local da cirurgia - no entanto, os estudos não demonstram
aumento das complicações.5,6
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Cirurgia abdominal alta: o uso de CPAP está associado a melhor
outcome na cirurgia bariátrica e abdominal alta, se aplicado nas
primeiras 24 horas.
Cirurgia gástrica: durante muito tempo a VNI esteve contra-indicada;
atualmente, considera-se o uso de CPAP; se for usado BiPAP, deve
manter-se IPAP de 6 a 8 cmH2O.
Cirurgia vascular abdominal: melhoria da oxigenação e menor incidência de eventos adversos. A VNI após a extubação nos doentes com
Doença Respiratória Crónica, reduz o trabalho respiratório, melhora
a dispneia e os valores da gasimetria do sangue arterial.
Tabela 1 – Indicações para VNI na UCPA
Prevenção
Obstrução da via aérea
- Síndrome da Apneia obstrutiva do
sono (SAOS)
- Traqueomalácia
Complicações pulmonares PO em
cirurgias de elevado risco
- Cirurgia bariátrica
- Cirurgia torácica
- Cirurgia cardíaca
- Cirurgia abdominal alta
- Cirurgia vascular abdominal
- Transplante de órgãos sólidos (rim,
pulmão e fígado)
Complicações pulmonares PO em
doentes com elevado risco
- Obesos
- DPOC
- Doenças neuromusculares
Tratamento
Hipoxemia pós-operatória
- Atelectasias
Hipercapnia/dificuldade respiratória no
pós-operatório
- Bloqueio neuromuscular residual
- Fraqueza diafragmática
- Atraso na emergência da anestesia
- Paralisia do nervo frénico (ex: após
bloqueio do plexo braquial via
interescalénica)
- Bloqueio neuro-axial alto
Edema pulmonar
- cardiogénico
- por pressão negativa
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4. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA PÓS-OPERATÓRIA
MODOS VENTILATÓRIOS EM VNI
O tipo de ventilador a usar pode ser pressurimétrico ou volumétrico.
Por norma, os doentes acordados toleram melhor a pressão assistida/CPAP.
Tabela 2 – Modos ventilatórios em VNI
Modos ventilatórios
Ventilação
espontânea
(ciclagem
pelo doente)
Ventilação
assistidacontrolada
(ciclagem
pelo
ventilador)
Descrição
Dados a
definir
Observações
CPAP
Continuous
Positive
Airways
Pressure
Pressão
positiva
contínua na
inspiração e
expiração
Pressão
Prevenção da
IRA logo após
extubação em
doentes de risco
EAP cardiogénico
PSV
Pressure
Support
ventilation
Associa-se
a uma PEEP,
uma pressão
de suporte
IPAP
EPAP/PEEP
Trigger insp.
e exp.
Tempo de
subida de
pressão
FR de
segurança
(mínima)
Alarmes
Reduz trabalho
respiratório
IPAP
EPAP/PEEP
Trigger insp.
Tempo de
subida de
pressão
Tempo
inspiratório/
Relação I:E
FR
Alarmes
Doenças
neuromusculares
Hipoventilação
central
Hipercapnia
grave
PCV (Pressure
Controled
Ventilation)
Os modos PSV e PCV são designados BiPAP (Bilevel Positive Airways
Pressure).
CONTRA-INDICAÇÕES ABSOLUTAS PARA VNI8
1. Paragem cardio-respiratória
2. Disfunção multi-orgânica
3. Coma devido a doença neurológica
4. Secreções abundantes/ incapacidade de mobilizar secreções/vómitos incontroláveis
5. Impossibilidade de proteger a via aérea
6. Trauma facial extenso ou obstrução da via aérea superior (VAS)
7. Instabilidade hemodinâmica (necessidade de aminas vasopressoras)
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
COMPLICAÇÕES DA VNI8
1. Intolerância
2. Agitação
3. Hiperinsuflação pulmonar
4. Aumento da pressão intratorácica resultando em redução do
retorno venoso
5. Hipotensão
6. Distensão gástrica
7. Lesão facial (eritema/úlcera)
INTERFACES PARA VNI
Máscara nasal, máscara facial, máscara facial total e helmet.
DISPOSITIVOS PARA VNI NA UCPA
· Máscara facial com válvula expiratória e sistema de alto fluxo
(apenas CPAP)
· Sistema de Boussignac (apenas CPAP)
· Dispositivo de BiPAP domiciliário
· Ventilador específico de VNI hospitalar (ex. Vision) - têm múltiplas
vantagens para ser utilizado na UCPA nomeadamente, melhor
correção de fugas, permite elevados fluxos de O2 inspirado e se
necessário ventilação mandatória
· Ventilador de cuidados intensivos, no modo NIV (non-invasive
ventilation).
ORIENTAÇÕES GENÉRICAS9
1º Tranquilizar o doente e explicar o procedimento (o doente deve
estar semi-sentado no leito com cabeceira a 45º);
2º Escolher uma máscara adequada (nas situações de insuficiência
respiratória aguda é preferível a máscara facial);
Nota: verificar se existe válvula expiratória ou se a máscara
selecionada possui saída expiratória (no caso de ventiladores de
circuito único).
3º Conectar o oxigénio num orifício da máscara ou em T no circuito; o débito deve ser o necessário para assegurar saturações
periféricas ≥ 90%.
4º Se optar por CPAP: usar pressões entre 7 a 10 cmH2O;
Se optar por BiPAP iniciar com:
· Trigger inspiratório: -1 a -2 cmH2O;
· Trigger expiratório - entre 35% a 40% do pico de fluxo;
· Tempo inspiratório (Ti) de 1s;
· EPAP/PEEP de 4 cmH2O (DPOC e doentes neuromusculares podem
beneficiar de EPAP mais elevados - até 8 cmH2O);
· IPAP: 10 a 15 cmH2O - ajustar monitorizando a FR, saturação
periférica, GSA, tolerância/conforto do doente; aumentar de
2-5 cmH2O até se atingirem os objectivos; se o aumento de
IPAP não é suficiente para controlar valores de PaCO2, ponderar
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4. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA PÓS-OPERATÓRIA
aumento de FR ou alterar para PCV. Não deve exceder a pressão
inspiratória total (PSV+PEEP) de 25 cmH2O;
· Frequência respiratória (FR)
· se selecionar PSV, a FR de backup inicial deve ser de 10 ciclos/min
· se selecionar PCV, a FR inicial deve ser de 12 a 16 ciclos/min
(é aconselhável começar com FR elevadas no doente taquipneico),
5º Conectar o circuito ao ventilador, ligar o ventilador e verificar se
funciona antes de adaptar o doente.
6º Monitorizar as trocas gasosas com gasometrias seriadas (início
e após 1h).
7º Se assincronia doente/ventilador:
· Reduzir ligeiramente a pressão máxima ( IPAP ou EPAP) para
diminuir a fuga;
· Baixar sensibilidade do trigger expiratório (> 30-40% da taxa
de pico de fluxo;
· Passar a PCV (tempo inspiratório ≤ 1 segundo)
VNI
Tranquilizar o doente
Explicar procedimento
Posicional: semi-sentado (45°)
Seleccionar máscara
Verificar se existe saída expiratória
Conectar O2
BiPAP
MODO VENTILATÓRIO
Trigger insp: -1 a -2 cmH2O
Ti 1 seg
EPAP 4 cmH2O
IPAP 10-15 cmH2O
FR: PSV (10/backup); PCV
(12-16)
CPAP
7-10 cmH2O
Monitorizar:
O2 para StO2 ≥90%
GSA seriadas (início e ss h/h)
Tolerância/Conforto doente
Fugas
Figura 1 – Algoritmo do uso de VNI
Doentes com sonda nasogástrica têm maior fuga pelo que deve ser colocado
tubo de drenagem conectado ao saco; se se observar grande drenagem de ar,
diminuir as pressões da VNI.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
DESMAME DA VNI
Não está definido um desmame formal da VNI. Habitualmente interrompe-se a VNI para ministrar os cuidados de higiene, alimentação e
nebulizações; nesses momentos, procede-se à avaliação da tolerabilidade do doente à ventilação não assistida. Se o doente tolerar, começa
a interromper-se a VNI por períodos cada vez maiores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A VNI está associada a uma taxa de insucesso que varia de estudo
para estudo, podendo chegar aos 40%. O insucesso pode dever-se a
vários fatores sendo os principais a má adaptação do doente à técnica
e o agravamento da patologia de base.
A experiência da equipa é fundamental para o sucesso da técnica
sendo importante uma boa e criteriosa seleção dos doentes.
Geralmente, quando os doentes respondem à VNI, verifica-se uma
melhoria clínica ao fim de 15-20 minutos. Se após 15-20 minutos a
frequência respiratória do doente continua elevada (> 30 ciclos/min),
SpO2 <90% ou se doente fica comatoso ou hipotenso, está indicado
proceder a EOT e ventilação invasiva. O atraso na decisão de manobras mais invasivas está associado a pior prognóstico.
Referências
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Opin Crit Care. 2013;19: 359-63.
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5. DOR TORÁCICA APÓS CIRURGIA NÃO TORÁCICA
5. DOR TORÁCICA APÓS CIRURGIA NÃO TORÁCICA
Anabela Marques e Celine Ferreira
DEFINIÇÃO
“Pain is an unpleasant sensory and emotional experience associated
with either actual or potential tissue damage, or described in terms
of such damage”
By International Association for the Study of Pain, 1994
A dor torácica no pós-operatório de cirurgia não torácica tem um
diagnóstico diferencial extenso e complexo, variando desde etiologia músculo-esquelética até patologia cardiovascular com potencial
risco de vida.
Torna-se assim crucial efetuar um diagnóstico correto o mais rapidamente possível.
Podemos dividir amplamente a dor torácica de causa não cirúrgica
em etiologia cardiovascular e não cardiovascular.
Neste capítulo abordaremos brevemente as causas mais frequentes
de dor torácica. Não faz parte do objetivo deste documento descrever
exaustivamente a clínica, diagnóstico e tratamento de cada uma.
ETIOLOGIA
O diagnóstico diferencial de doentes com dor torácica é extremamente
variável relativamente à sua etiologia e relativamente à sua urgência
e/ou emergência do seu tratamento. Destas últimas destacam-se:
síndrome coronário agudo, disseção da aorta, rotura do esófago,
úlcera péptica perfurada, tromboembolia pulmonar e pneumotórax
hipertensivo.
De forma a simplificar os possíveis diagnósticos diferenciais de dor
torácica, estes serão divididos em “dor torácica de origem cardiovascular” e “dor torácica de origem não cardiovascular” (Tabela 1).
Tabela 1 – Diagnósticos diferenciais de dor torácica
DOR TORÁCICA DE ORIGEM CARDIOVASCULAR
ORIGEM ISQUÉMICA
Doença das artérias coronárias (DAC)
Síndromes Coronários Agudos (SCA): angina instável, enfarte agudo miocárdio
com/sem supradesnivelamento do segmento ST (EAMcSST / EAMsSST)
Síndrome X
Dissecção espontânea da artéria coronária
Anomalias congénitas anatómicas da artéria coronária
Doença valvular
Vasoespasmo coronário (angina de Prinzmetal)
Taquiarritmias
Hipotensão
Crise hipertensiva
Estados hiperadrenérgicos
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
ORIGEM NÃO ISQUÉMICA
Pericardite
Miocardite
Síndrome aórtico agudo
Dissecção da aorta
Úlcera penetrante aterosclerótica da aorta
Hematoma intramural aórtico
DOR TORÁCICA DE ORIGEM NÃO CARDIOVASCULAR
PATOLOGIA DA PAREDE TORÁCICA
Musculo-esquelética
Costocondrite
Síndrome de Tietze
Disfunção costovertebral
Subluxação esternoclavicular espontâneo
Doenças reumáticas
Doenças sistémicas não reumáticas
Fratura de stress
Doença metastática
Crise de anemia de células falciforme
Síndromes cutâneos sensoriais
Herpes zóster
PATOLOGIA GASTROINTESTINAL
Patologia esofágica
Doença do refluxo gastro-esofágico (DRGE)
Rotura do esófago, perfuração esofágica
Espasmo esofágico difuso
Esofagite
Patologia pancreatobiliar
Pancreatite
Colecistite
Colangite
Cólica biliar
Doença péptica
Doenças inflamatórias intestinais
PATOLOGIA PULMONAR
Patologia vascular
Tromboembolia pulmonar (TEP)
Hipertensão pulmonar
Patologia do parênquima
Pneumonia
Doença oncológica
Sarcoidose
Patologia da pleura
Pleurisia
Pneumotórax
Doenças obstrutivas das vias aéreas
Asma
Doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC)
PATOLOGIA DO MEDIASTINO
Mediastinite
Tumor do mediastino
Pneumomediastino
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5. DOR TORÁCICA APÓS CIRURGIA NÃO TORÁCICA
PATOLOGIA PSIQUIÁTRICA
Ansiedade
Depressão
Ataques de pânico
Doença de Münchausen
ABORDAGEM CLÍNICA
1. DOR TORÁCICA DE ORIGEM CARDIOVASCULAR ISQUÉMICA
(serão apenas abordadas as patologias mais frequentes)
1.1. SÍNDROMES CORONÁRIOS AGUDOS
Os SCA são a causa mais frequente de isquémia do miocárdio e
consequentemente de dor torácica.1
Abrange um espectro de apresentações, incluindo angina instável,
EAMsST e EAMcST (Tabela 2).1-4
Tabela 2 – Características sugestivas de SCA
dor caraterizada como peso, opressão, aperto ou queimadura no peito, mas pode
ocorrer sem sintomatologia
dispneia
náuseas
sudorese
pré-sincope
palpitações
Esta descrição clássica de dor do SCA é mais frequente em homens de
meia-idade com fatores de risco cardiovasculares. Mulheres, doentes
com diabetes mellitus, idosos ou doentes com insuficiência renal
muitas vezes não apresentam estes sintomas clássicos.1-4
A angina estável não é um síndrome coronário agudo. É definida
como desconforto ou aperto retro-esternal provocado pela isquémia
do miocárdio que geralmente irradia para o ombro, mandíbula ou
ambos os membros superiores (habitualmente a face interna do
braço esquerdo), dorso ou epigastro. Alguns doentes podem, aliás,
apresentar o episódio anginoso numa ou várias destas áreas e não
necessariamente no tórax. Ocasionalmente, também pode irradiar para
o abdómen superior.1,2 Pode ocorrer concomitantemente sensação de
falta de ar, fadiga ou palpitações e frequentemente é acompanhada
por uma sensação de opressão ou de morte iminente. A dor nem
sempre está presente.1
É precipitada pelo esforço, stress e exposição ao frio com duração
aproximadamente de 2 a 10 minutos.
Alivia com o repouso e/ou nitratos.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
1.2. ANGINA INSTÁVEL
Frequentemente considerada como um estadio intermédio entre angina estável e enfarte agudo do miocárdio. Não há evidência de necrose.
Tem a mesma localização e irradiação que a angina estável.1,2
É geralmente precipitada por esforços de baixa intensidade ou mesmo
em repouso, com duração entre os 10 a 20 minutos.1
Deve ter-se em atenção que a intensidade da dor nem sempre está
relacionada com a gravidade do problema.
Os exames complementares de diagnósticos podem ser normais ou
apresentar:
· Infradesnivelamento do segmento ST (evidencia isquémia aguda
do miocárdio, sendo um fator de risco acrescido para a ocorrência
de outros episódios coronários em doentes com angina instável);
· Inversão da onda T (evidencia alterações eletrocardiográficas
inespecíficas);1,2
· Os valores de enzimologia cardíaca são habitualmente normais.
Relativamente à troponina a sua libertação é mínima ou nula
(troponina positiva constitui risco aumentado, de gravidade
proporcional ao valor).1,2
A terapêutica com nitratos surte menos alívio sintomático comparativamente à angina estável.
1.3. ENFARTE AGUDO DO MICÁRDIO
Tem a mesma localização e irradiação que a angina estável.
A duração é geralmente superior a 30 minutos.
O diagnóstico de enfarte agudo do miocárdio implica confirmação
de necrose celular. Isto pressupõe elevação e descida subsequente de
marcadores de necrose do miocárdico no plasma, com pelo menos
um dos seguintes:2,5
· sintomas de isquémia aguda do miocárdio;
· alterações significativas de novo ou presumivelmente de novo
do segmento ST-T ou BCRE de novo;
· desenvolvimento de ondas Q patológicas no eletrocardiograma
(ECG);
· evidência imagiológica de nova perda de miocárdio viável;
· identificação de trombo intracoronário por meio de angiografia
ou autópsia.
A troponina (I ou T), sendo o marcador preferido para deteção de
necrose miocárdica, pode não ser detetável nas primeiras 4 a 6 horas.2
Por isso, se a clínica for muito sugestiva de EAM e os marcadores de
necrose miocárdica forem negativos, devem ser repetidos após 6 horas.
Os nitratos não aliviam a dor.1
Ter em atenção que a clínica das SCA pode ser acompanhada de eructações, podendo nestas circunstâncias ser interpretada erradamente
como patologia do foro digestivo.
O diagnóstico inicial das SCA, para além da clínica e análises laboratoriais, é baseado no ECG que deve ser realizado nos primeiros
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5. DOR TORÁCICA APÓS CIRURGIA NÃO TORÁCICA
10 minutos após o primeiro contato do doente com um sistema de
saúde.2,3 A classificação inicial consiste então em:
a) SCA com supradesnivelamento do segmento ST:
· Inclui o BRE de novo.
· Habitualmente significa presença de necrose do miocárdio
· ECG com supra ST > 1 mm em pelo menos 2 derivações adjacentes
e dos membros ou ECG com supradesnivelamento do segmento
ST > 2mm em pelo menos 2 derivações pré-cordiais.
b) SCA sem supradesnivelamento do segmento ST:
· pode ocorrer necrose do miocárdio (EAMsSST) ou não (angina instável).
· ECG com infradesnivelamento do segmento ST > 0,5 mm, inversão
das ondas T, BRE já conhecido ou ECG normal.
A terapêutica médica inicial dos SCA compreende medidas dirigidas
aos sintomas e às causas:
· Oxigénio (com alvo de SpO2 de 94-98% ou 88-92% se DPOC);
· Morfina endovenosa (podendo ser repetidos bólus a cada 5 minutos, conforme alívio das queixas álgicas);1-4
· Nitratos (não devem ser administrados se pressão arterial sistólica
< 90mmHg e em doentes com EAM da parede inferior e com
suspeita de envolvimento do ventrículo direito. Não administrar
se o doente fez sildenafil ou similares nas 24 horas prévias);
· Ácido acetilsalicílico (AAS) 150 a 325 mg mastigável (visa anti-agregação plaquetária);2-4
· Ticagrelor 180 mg via oral (visa anti-agregação plaquetária).
Para terapêutica posterior, deve ser contactado cardiologista para
orientação relativamente a realização ou não de terapêutica fibrinolítica, ou intervenção coronária percutânea (ICP).
Outras causas de patologia cardíaca isquémica
O vasoespasmo coronário (também conhecido por angina de Prinzmetal), as taquiarritmias, a hipotensão, a crise hipertensiva e a
doença cardíaca valvular, também poderão ser a origem de dor
torácica. Os estados hiperadrenérgicos, como o feocromocitoma ou a
intoxicação com cocaína ou anfetaminas, podem causar dor torácica,
através de mecanismos de isquémia do miocárdio.
Outras causas incomuns de dor torácica devido a patologia coronária
incluem anomalias congénitas anatómicas das artérias coronárias,
bem como a dissecção espontânea da artéria coronária que afeta
principalmente jovens do sexo feminino saudáveis e que muitas
vezes são fatais.
2. DOR TORÁCICA DE ORIGEM CARDIOVASCULAR NÃO ISQUÉMICA
2.1. PERICARDITE
As principais manifestações clínicas da pericardite são dor torácica
tipo pleurítica, atrito do pericárdico e elevação generalizada do seg| 53 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
mento ST no ECG. Pelo menos duas destas características, com ou
sem efusão pericárdica, estão geralmente presentes.
A dor torácica é típica e caracterizada por um início repentino, geralmente agudo e exacerbada na inspiração. No entanto, pode ser difícil
de distinguir da dor de EAM. Pode irradiar para o músculo trapézio
e alivia na posição sentada.1
2.2. MIOCARDITE
A miocardite pode apresentar sintomas cardíacos e sistémicos. Quando
ocorre dor, geralmente é associada com a pericardite (embora também
possa estar associada ao EAM). Os sintomas sistémicos incluem febre,
mialgias e sensibilidade muscular.1
2.3. SÍNDROME AÓRTICO AGUDA
A síndrome aórtica aguda consiste numa série de alterações graves
da aorta graves, dolorosas e potencialmente fatais. Abrange a dissecção aguda da aorta, o hematoma intramural aórtico e a úlcera
penetrante aterosclerótica da aorta. O trauma da aorta com laceração
da íntima também deve ser considerado.
É uma causa vascular importante de dor torácica e o seu diagnóstico
muitas vezes requer um alto índice de suspeita.1
2.4. DISSEÇÃO DA AORTA
A apresentação clássica da dor da dissecção da aorta normalmente
é descrita como intensa, aguda, lancinante, latejante ou migratória podendo irradiar para o tórax, mandíbula, dorso ou abdómen,
dependendo do segmento da aorta envolvido. É mais frequente em
homens com idade superior a 60 anos. A hipertensão arterial é o fator
de risco mais importante (outros fatores de risco incluem tabagismo
e aterosclerose)1
Os sintomas associados à dissecção da aorta podem ser relacionados
com o fluxo sanguíneo diminuído de um órgão ou parte, induzida pela
dissecção original ou por propagação da dissecção proximal ou distal.
A apresentação clínica e/ou imagiológica pode ainda incluir, por
ordem decrescente de incidência:
· contorno aórtico anormal ou mediastino alargado na radiografia
do tórax;
· insuficiência cardíaca congestiva;
· défices neurológicos, incluindo paraplegia, acidente vascular
cerebral ou diminuição da consciência;
· síncope, tamponamento cardíaco e morte súbita devido à rotura
da aorta para o pericárdio;
· choque, hemotórax e hemorragia massiva: podem resultar da
dissecção que se estende através da adventícia;
· isquémia aguda das extremidades devido a dissecção para os
vasos ilíacos;
· isquémia do miocárdio devido à oclusão coronária ou dissecção,
isquémia mesentérica ou renal, síndrome de Horner, paralisia das
cordas vocais, entre outros.
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5. DOR TORÁCICA APÓS CIRURGIA NÃO TORÁCICA
3. DOR TORÁCICA DE ORIGEM NÃO CARDÍACA
(serão apenas abordadas as patologias mais frequentes)
3.1. MÚSCULO-ESQUELÉTICA
É uma causa frequente de dor torácica. Tipicamente não é grave, não
sendo condição com risco de vida. Contudo pode aparecer concomitantemente com a isquémia miocárdica (atenção aos fatores de risco,
idade e sintomas associados).
A demografia, as características da dor e os sintomas associados
podem favorecer o diagnóstico de dor músculo-esquelética ou sugerir
outras causas para a dor torácica (Tabela 3).
Tabela 3 – Características sugestivas de etiologia músculo-esquelética
início insidioso
prática de exercício intenso envolvendo tronco e membros superiores
componente posicional
persistente e prolongada
3.2. GASTRO-INTESTINAIS
O coração e o esófago partilham a inervação neurológica. Assim pode
tornar-se difícil o diagnóstico diferencial da dor torácica presente na
isquémia do miocárdio e da dor com origem esofágica apenas pela
história clínica, uma vez que a sintomatologia é semelhante (por
exemplo: sensação de aperto no peito, exercício ou emoção como
desencadeantes, melhoria com nitratos e repouso). Contudo existem
alguns dados que sugerem a etiologia esofágica (Tabela 4).
Tabela 4 – Características sugestivas de origem esofágica
dor desencadeada pela deglutição e variações posturais
relação inconstante com o exercício físico
dor subesternal sem irradiação
alívio com medicação antiácida
início súbito e severo permanecendo por horas
A dor torácica resultante de patologia gastro-intestinal tem origem
preferencial no esófago, sendo a doença do refluxo gastro-esofágico
(DRGE) a mais frequente. Algumas patologias, apesar de menos
frequentes podem condicionar risco de vida, como a úlcera péptica
perfurada ou rutura esofágica.
3.2.1. DOENÇA DE REFLUXO GASTRO-ESOFÁGICO
A dor mimetiza a angina estável ou instável - descrita como desconforto ou aperto, de localização retroesternal e com irradiação para o
pescoço, dorso, mandíbula, membro superior, dorso e/ou epigastro.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Pode ter início após a refeição. Está relacionada com fatores emocionais e alivia com medicação antiácida.
A maioria dos doentes tem história de sintomas típicos do refluxo
(dispepsia, regurgitação, sabor ácido na boca).
A melhoria clínica após administração de dose teste de medicação
antiácida, antagonistas dos recetores H2 ou inibidores da bomba de
protões favorece o diagnóstico de DRGE.
3.2.2. ROTURA ESOFÁGICA, PERFURAÇÃO ESOFÁGICA
A perfuração espontânea resulta de um aumento súbito da pressão
esofágica combinada com a pressão intratorácica negativa causada
pelo esforço ou vómito (Síndrome de Boerhaave).
Odinofagia, taquipneia, dispneia, cianose, febre e choque desenvolvem-se rapidamente.
Outras causas de perfuração incluem ingestão de produtos cáusticos,
fármacos, úlcera de Barrett, úlcera infeciosa, neoplasia, ingestão de
corpo estranho e lesão iatrogénica (após dilatações esofágicas ou
endoscopia digestiva alta).
3.3. PULMONARES
A dor pode ter origem nos vasos pulmonares, parênquima, vias aéreas
ou pleura. Tromboembolia pulmonar e pneumotórax são causas de
dor torácica com potencial risco de vida.
3.3.1. PNEUMOTÓRAX
Pode ser classificado como primário ou secundário. É primário habitualmente em doentes jovens e fumadores, e secundário habitualmente em doentes mais velhos portadores de patologias como asma,
doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), pneumonias, doenças
intersticiais, do tecido conjuntivo ou neoplasias.
Quanto à origem, pode ser espontâneo, traumático ou iatrogénico.
Clinicamente manifesta-se como uma dor torácica de início súbito,
de grande intensidade e do tipo pleurítico; e dispneia de intensidade
variável de acordo com estado clínico prévio do doente e gravidade
da situação.
O doente com pneumotórax hipertensivo apresenta-se com dispneia
intensa, cianose, sudorese, taquicardia e hipotensão. O desvio da
traqueia, embora nem sempre fácil de visualizar é característico e
acompanha-se de turgescência das veias jugulares.
Ao exame físico verifica-se diminuição da expansão torácica, diminuição ou ausência do murmúrio vesicular à auscultação e hipertimpanismo à percussão.
A radiografia do tórax é geralmente suficiente para o diagnóstico,
sendo a tomografia computadorizada (TC) torácica usada em casos
duvidosos.
O tratamento, para além de medidas gerais de otimização da oxigenação e manutenção das funções vitais, é a colocação de dreno
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5. DOR TORÁCICA APÓS CIRURGIA NÃO TORÁCICA
torácico. No caso de pneumotórax hipertensivo é necessária atuação
urgente através da aspiração com agulha de calibre 16G no 2º espaço
intercostal na linha médio-clavicular e posterior colocação de dreno.
3.3.2. TROMBOEMBOLIA PULMONAR
Sendo uma patologia com apresentação clínica muito variável, o
diagnóstico é de suspeição através do reconhecimento de sinais e
sintomas sugestivos numa população com fatores de risco para TEP e
trombose venosa profunda. Os mesmos são apresentados na tabela 5.
Tabela 5 – Fatores de risco
Individuais
idade superior a 60 anos, história pessoal ou familiar, trombofilia, neoplasia
activa ou em tratamento, EAM, acidente vascular cerebral (AVC) isquémico
recente, agudização de DPOC, sépsis, gravidez/pós-parto, terapêutica hormonal,
obesidade (IMC>30 Kg/m2), imobilidade, doença inflamatória aguda, viagem
superior a 3h nas últimas 4 semanas, síndrome nefrótico, veias varicosas.
Relativos à Cirurgia
alto risco – fratura da anca, artroplastia da anca/joelho, trauma major, lesão
medular, cirurgia major (duração > 45 min em doente com fatores de risco
individuas (FRI));
risco intermédio – cirurgia major em doente < 59 anos e sem FRI, cirurgia minor
com FRI, cirurgia laparoscópica com FRI;
baixo risco – cirurgia minor sem FRI, cirurgia laparoscópica sem FRI
Os sinais e sintomas de TEP têm baixa especificidade, no entanto a
maioria dos doentes apresentam-se com dispneia de início súbito,
taquipneia e dor torácica, podendo ou não apresentar síncope. A dor
torácica é carateristicamente do tipo pleurítico embora possa também
ser pré-cordial. Outros sinais como hemoptise, cianose ou taquicardia
podem estar presentes. As manifestações clínicas de TEP podem ser
desde o silêncio até ao colapso cardiovascular (associado ao cor
pulmonale agudo: insuficiência cardíaca direita, choque cardiogénico
e instabilidade hemodinâmica, condição com mortalidade elevada)
Como auxiliares de diagnóstico e avaliação da gravidade da TEP são
importantes a gasimetria, o RX tórax, D-dímeros, troponina, pró-BNP,
cintigrafia pulmonar de ventilação/perfusão, angio-TC (gold-standard)
e ecocardiograma.
O tratamento vai depender da classificação do risco (alto, intermédio
ou baixo) podendo englobar a anticoagulação e/ou fibrinólise e até
embolectomia. De uma forma geral deve otimizar-se a oxigenação,
o débito cardíaco e a função dos órgãos.
3.4. MEDIASTÍNICA
É rara e pode estar associada a sinais e sintomas de estruturas presentes no mediastino (o pneumomediastino espontâneo é uma entidade
muito rara que cursa com dor torácica).
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
3.4.1. MEDIASTINITE
Pode surgir na sequência de cirurgia esofágica ou cardíaca. Frequentemente associada a rotura esofágica (ver gastro-intestinal).
Clinicamente manifesta-se através de uma dor retro-esternal de
início súbito e de grande intensidade, com irradiação frequente para
o dorso e ombro esquerdo. Disfagia, vómitos e até dispneia podem
estar presentes.
Ao exame físico pode constatar-se dor à palpação cervical, presença
de enfisema subcutâneo, crepitações na região esternal e rigidez do
abdómen superior.
Como auxiliares de diagnóstico são importantes a radiografia do
tórax, a TC torácica e a ressonância magnética (RM) em alguns casos.
É importante uma abordagem adequada e precoce dado o risco de
desenvolvimento de um processo séptico. A decisão entre o tratamento conservador (antibioterapia de largo espectro, fluidoterapia,
dieta zero e aspiração contínua da sonda nasogástrica) e cirúrgico
faz-se de acordo com a etiologia, tempo de evolução e extensão do
processo infecioso.
3.5. PSICOGÉNICA/PSICOSSOMÁTICA
A dor torácica pode ser um sintoma associado em crises de ansiedade,
pânico e outras fobias. A hiperventilação concomitante pode resultar
em dor torácica não anginosa e alterações no ECG, nomeadamente
alterações inespecíficas do segmento ST e da onda T. Geralmente os
doentes são jovens, têm história pessoal de ansiedade e apresentam-se
com sintomas pouco específicos (dor ou desconforto torácico, dispneia, palpitações) sem que o exame físico corrobore a sua história.
Os fatores psicológicos e psiquiátricos têm um papel significativo
na perceção e na gravidade da dor torácica, independentemente da
sua causa. Estes fatores podem também dificultar a avaliação clínica
destes doentes
3.6. DOR REFERIDA
A estimulação das fibras nervosas aferentes somáticas ou viscerais
origina manifestações dolorosas distintas. A pele e a pleura parietal
são inervadas por fibras sensoriais somáticas que entram na espinal
medula em níveis bem definidos e organizados por dermátomos. Já
o coração, esófago, vasos e pleura visceral são inervados por fibras
nervosas viscerais que entram na espinal medula a diferentes níveis,
correspondendo a uma área alargada de dor, sobrepondo-se diferentes
dermátomos. Isso explica a localização menos precisa, de descrição
mais difícil da dor visceral bem como o facto de poder existir dor
referida (por exemplo, irritação da pleura mediastínica ou do diafragma pela vesícula biliar ou fígado pode causar dor referida ao ombro).
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5. DOR TORÁCICA APÓS CIRURGIA NÃO TORÁCICA
ABORDAGEM GERAL
DOR TORÁCICA
História clínica / Exame físico
compatível com:
ORIGEM NÃO
CARDIOVASCULAR
ORIGEM
CARDIOVASCULAR
pedir ECD consoante clínica
pedir ECD consoante clínica
Pat. da
parede torácica
Origem não
isquémica
Origem
isquémica
Pat.
gastro-intestinal
Pericardite
Doença valvular
Miocardite
Vasoespasmo
coronário
Pat. pulmonar
Pat. do mediastino
Síndrome
aórtico agudo
Crise hipertensiva
Pat. psiquiátrica
Hipertensão
Taquiarritmias
Estados
hiperadrenérgicos
Doença das artérias
coronárias
SCA
Outras causas
pedir análises e ECG
EAMsSST / EAMcSST
compatível com:
Angina instável
Terapêutica médica inicial
Terapêutica posterior
Oxigénio; Morfina;
Nitratos; AAS; Ticagrelor
Contactar cardiologista para
orientação de realização ou não
de terapêutica fibrinolítica ou ICP.
Figura 1 – Abordagem da dor torácica
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
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6. HIPERTENSÃO ARTERIAL PÓS-OPERATÓRIA
6. HIPERTENSÃO ARTERIAL PÓS-OPERATÓRIA
Ana Raimundo e Daniel Madeira
DEFINIÇÃO
Define-se Hipertensão arterial (HTA) define-se como uma pressão
sanguínea arterial suscetível de causar aumento do risco cardiovascular (CV) e lesão nos órgãos-alvo, nomeadamente, cérebro, retina,
coração, rim e grandes vasos arteriais.
A relação contínua entre a tensão arterial (TA) e o risco CV e renal
dificultam a distinção entre normotensão e hipertensão com base
em valores-limite (cut-off).1 A Sociedade Europeia de Cardiologia
(ESC), nas guidelines de abordagem da HTA de 2013, define HTA
como tensão arterial sistólica (TAS) ≥ 140 mmHg e/ou tensão arterial
diastólica (TAD) ≥ 90 mmHg (Tabela 1).1
Tabela 1 – Definição e classificação dos valores de TA (mmHg)
CATEGORIA
Óptima
Normal
Normal Alta
Hipertensão Estadio 1
Hipertensão Estadio 2
Hipertensão Estadio 3
Hipertensão sistólica isolada
SISTÓLICA
<120
120-129
130-139
140-159
160-179
≥180
≥140
e
e/ou
e/ou
e/ou
e/ou
e/ou
e
DIASTÓLICA
<80
80-84
85-89
90-99
100-109
≥110
<90
* A categoria da TA é definida pelo valor mais alto de TA, sistólica ou diastólica;
a hipertensão sistólica isolada deverá ser classificada em estadio 1, 2, 3, de
acordo com os valores de TAS.
Define-se como Crise Hipertensiva a elevação aguda e não controlada
da TA, traduzida por sinais e sintomas dos órgãos alvo, podendo, se
não tratada prontamente, aumentar a morbimortalidade. A gravidade
da crise hipertensiva correlaciona-se mais com o nível prévio de TA
e a rapidez de instalação do que com o valor absoluto.
A Urgência Hipertensiva define-se pela presença de hipertensão não
controlada sem manifestações de lesão orgânica.
A Emergência Hipertensiva define-se pela presença de hipertensão
não controlada e lesão dos órgãos alvo, o que implica uma redução
imediata da TA.
Altamente prevalente, afeta 30 a 45% da população,1 a HTA continua a ser subdiagnosticada, não tratada ou de difícil controlo, num
número substancial de doentes.
A HTA é das principais patologias coexistentes nos doentes propostos
para cirurgia.2 A sua presença no pré-operatório dificulta o controlo
hemodinâmico no intra-operatório, aumenta o risco de complicações
cardiovasculares intra e pós-operatórias, e o seu controlo pós-operatório constitui um desafio para o anestesiologista.3
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A HTA pós-operatória (HTAPO) tem uma incidência variável (4 a
30%), dependendo do tipo de cirurgia.2 Esta poderá surgir em diferentes timings do pós-operatório:
· HTA pós-operatória aguda – ocorre nos primeiros 20-30 minutos
e pode manter-se por 3 a 4 horas.
· HTA pós-operatória precoce - surge durante as primeiras 24 horas.
· HTA pós-operatória tardia - surge entre 24 a 48 horas de pós-operatório.
No que diz respeito ao valor-limite a partir do qual se classifica a
HPO de aguda/recente, não existe um valor consensual. Algumas
referências consideram HTAPO quando TAS > 160 mmHg e/ou TAD
> 90 mmHg ou se TA pós-operatória superior a 15 – 20% do valor
basal[4], enquanto outras publicações mais liberais definem HPO aguda
como TAS >190 mmHg e/ou TAD > 100 mmHg, em duas medições
consecutivas[4].
Os autores consideram que o valor-limite mais adequado para a
emergência hipertensiva é TAS > 180 mmHg e/ou TAD > 110 mmHg.
Na HTA pós-operatória tardia consideramos que deve utilizar-se a
classificação da ESC.
ETIOLOGIA
A HTAPO é mais comum em doentes com HTA pré-operatória ou que
foram submetidos a procedimentos neurocirúrgicos intracranianos
ou a cirurgia vascular. A HTAPO é caracterizada por vasoconstrição
periférica, libertação de catecolaminas e diminuição da sensibilidade
dos barorrecetores.2
Um estudo prospetivo com 18.380 doentes demonstrou que aqueles
com HTA no peri-operatório, dor intensa e ventilação inadequada
apresentam maior risco de desenvolver HTAPO e têm associada também uma maior taxa de admissão na Unidade de Cuidados intensivos
e um maior risco de mortalidade.5
Na unidade de cuidados pós-anestésicos (UCPA), vários fatores contribuem para a HTAPO, nomeadamente (figura 1):2,6-8
· Reversão dos fármacos anestésicos - redução do efeito vasodilatador, com consequente aumento das resistências vasculares
periféricas.
· Dor – estimulação do sistema nervoso simpático (SNS), com elevação
dos níveis de renina, serotonina e catecolaminas.
· Ansiedade ou excitação na emergência da anestesia - estimula SNS.
· Hipóxia e hipercapnia – estimulam o SNS.
· Hipotermia e shivering - diminuem o reuptake de catecolaminas
· Retenção urinária - estimula o SNS.
· Hipervolémia – fluidoterapia intra-operatória liberal; no pós-operatório tardio, há retorno intravascular de fluidos do “3º espaço”,
com consequente incremento do volume plasmático.
· Hipertensão rebound - suspensão abrupta de beta-bloqueantes ou
agentes simpaticolíticos de acção central (ex. clonidina).
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6. HIPERTENSÃO ARTERIAL PÓS-OPERATÓRIA
· Interrupção e/ou não recomeço da terapêutica anti hipertensora
crónica – causa de HTAPO tardia.
· Abstinência alcoólica e de estupefacientes - como estimulador
do SNS.
PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO
PÓS-OPERATÓRIO PRECOCE
PÓS-OPERATÓRIO TARDIO
Suspensão de medicação anti-HTA crónica
Reversão de fármacos anestésicos
Hipertensão rebound
Retenção urinária
Abstinência Alcoólica
Hipotermia e Shivering
Excitação na emergência anestésica
Ansiedade
Hipervolémia
Dor
Hipóxia e Hipercapnia
Figura 1 – Causas de Hipertensão no pós-operatório
em função do timing de aparecimento
(Adaptado de Shafi et al. Copyright, the McGraw Hill Companies, Inc).
ABORDAGEM IMEDIATA
Se não tratada a HTAPO aumenta o risco de isquemia ou mesmo
enfarte agudo do miocárdio, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca congestiva, edema pulmonar, AVC isquémico ou hemorrágico,
encefalopatia e de hemorragia no pós-operatório.9
O tratamento da hipertensão no peri-operatório é consideravelmente
diferente do tratamento da HTA crónica. A abordagem inicial deverá
ser preventiva, tendo o anestesiologista um papel importante, visto
que uma percentagem substancial de HTAPO é causada pela suspensão
inadvertida da medicação anti-hipertensora crónica, no pré-operatório. A ESC e a European Society of Anaesthesiology definiram orientações quanto à suspensão ou manutenção dos anti-hipertensores.1,10
· Beta-bloqueantes e clonidina – evitar a suspensão pelo risco de
hipertensão e taquicardia rebound; se via oral contra-indicada, os
beta-bloqueantes podem ser administrados por via endovenosa e a
clonidina por via transdérmica.
· IECAs/Bloqueadores dos receptores de angiotensina – suspender
na manhã da cirurgia e reiniciar quando atingido um equilíbrio da
volemia no pós-operatório; bloqueiam a ação compensatória do
sistema renina-angiotensina-aldosterona durante o peri-operatório,
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
resultando hipotensão refratária. Ponderar não suspender em doentes
com IC estável e disfunção sistólica do ventrículo esquerdo.
· Bloqueadores dos canais de cálcio – manter, principalmente em
doentes com angina por vasospasmo coronário.
· Diuréticos – em doentes assintomáticos, suspender no dia da cirurgia por risco de depleção do volume intra-vascular; em doentes
com HTA associada a ICC considerar manter o diurético oral (ou
endovenoso, se via oral não disponível), monitorizando o ionograma
(risco de hipocaliémia e hipomagnesémia).
Antes de iniciar a terapêutica anti-hipertensora, as causas de HTAPO
reversíveis deverão ser excluídas (ver etiologia). Uma analgesia e
sedação adequadas deverão ser consideradas pré-requisitos para
iniciar fármacos anti-hipertensores.11
De realçar que a valorização do valor da TA obriga a uma medição
corretamente efectuada. Se há dúvidas entre os valores verificados
e a clínica, impõe-se reavaliar o posicionamento da braçadeira e o
próprio equipamento, antes de intervir.
ABORDAGEM SUBSEQUENTE
Se após a exclusão/otimização dos fatores reversíveis a HTAPO se mantém, o tratamento farmacológico com anti-hipertensores impõe-se.
Para o tratamento da HTAPO temos ao nosso dispor um leque variado de fármacos com diferentes mecanismos de ação e propriedades
farmacológicas específicas. A opção terapêutica deverá ser individualizada e adaptada às características do doente, da clínica, condições
disponíveis e experiência do clínico. A via de administração mais
indicada é a endovenosa, facilmente disponível no bloco operatório e
na UCPA. Em situações não emergentes podem usar-se outras vias de
administração, como a sublingual. Algumas das opções terapêuticas
disponíveis estão descritas na Tabela 2.
Na presença de HTA é fundamental distinguir uma emergência de uma
urgência. Na emergência hipertensiva, caracterizada pela coexistência
de lesão dos órgãos alvo, é necessário usar agentes anti-hipertensores
endovenosos. A finalidade é reduzir a TA nos primeiros 30 minutos
a 1 hora, com o objetivo:4
· Descida de TAS em 25% e
· Descida de TAD em 10 a 15% ou para 100-110 mmHg.
O fármaco ideal para o tratamento das emergências hipertensivas
deverá ter um início de ação rápido, previsível, duração de ação curta
e ser facilmente manipulável.4 Ponderar nesta situação a transferência
do doente para uma unidade pós-operatória diferenciada, a fim de
minimizar a morbilidade que lhe está associada.
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Bólus ev
Bólus
perfusão ev
ENALAPRILATO
(IECA)
HIDRALAZINA
(vasodilatador direto)
5-20 mg cada 4h
0,1 mg/kg, seguido 1,5- 5 μg/kg/min
0,625-1,25 mg cada 6h
0,1 a 0,3 μg/kg/min
Perfusão ev
0,5-10 μg/kg/min,
0,25 μg/kg/min (Ins Renal e eclâmpsia)
FENOLDOPAM
(agonista dopaminérgico)
Perfusão ev
NITROPRUSSIATO
(vasodilatador direto)
5 a 200 μg/min, cada 3-5 min,
incrementos de 5 μg/min
5 mg, cada 5 a 15 min – máx 15 mg
Perfusão ev
NITROGLICERINA
(nitrato)
5 mg/h,
↑ 1-2,5 mg/h cada 15 min - máx 15 mg/h
Bólus ev
Perfusão ev
NICARDIPINA
(bloqueador canais de Ca2+)
1-3 mg cada 20 min, até 10 mg
FENTOLAMINA
(bloqueador α)
Bólus ev
PROPANOLOL
(bloqueador β)
20 a 80 mg cada 10 min, até 300 mg
0,5-2 mg/min
2 a 10 mg/h
Bólus
Perfusão ev
LABETALOL
(bloqueador α e β)
250-500 μg/kg em 1 min;
seguido 50-300 μg/kg/min
DOSE
DINITRATO DE ISOSSORBIDO Perfusão ev
(nitrato)
Bólus
Perfusão ev
ADMINISTRAÇÃO
ESMOLOL
(bloqueador β)
FÁRMACO
5-15
min
15
min
5
min
1-2
min
2-5
min
<1
min
2-5
min
5-15
min
5-10
min
2-5
min
20-40
min
1
h
15
Min
1-2
min
20-40
min
5-15
min
2-3
min
P
4-12
h
6
h
30-60
min
3-10
min
3-5
min
3-4
min
3-5
min
3-6
h
3-5
h
4-6
h
10-20
min
D
TEMPO DE AÇÃO
1
min
I
EFEITOS ADVERSOS
Taquicardia, hipotensão, cefaleias, tromboflebite local (>12h mudar
local infusão)
Hipotensão, difícil de titular. Contra-indicado na gravidez
Taquicardia, ↑ PIO, náuseas e vómitos.
Hipotensão, taquicardia, angina, cefaleias, resposta tensional
paradoxal.
Taquicardia, cefaleias, metahemoglobinémia, taquifilaxia.
↓ fluxo sanguíneo e função renais, roubo coronário, ↑ da PIC,
toxicidade por tiocianato e cianeto, hipotensão.
Hipotensão, taquicardia, taquifilaxia e metahemoglobinémia, se
infusão prolongada.
Hipotensão, taquicardia, cefaleias, náuseas, vómitos.
Hipotensão, IC, bradicardia, bloqueio AV, broncospasmo
Hipotensão, IC, bradicardia, bloqueio AV, broncospasmo, náuseas
e vómitos.
Hipotensão, IC, bradicardia, bloqueio AV, broncospasmo
A anemia prolonga a sua semi-vida.
Tabela 2 – Opções terapêuticas no tratamento da hipertensão pós-operatória.
6. HIPERTENSÃO ARTERIAL PÓS-OPERATÓRIA
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Abreviaturas: ev- endovenoso; I- início de ação; P- pico de ação; D- duração de ação;
min- minuto; h- hora, IC- Insuficiência cardíaca; Bloqueio AV - bloqueio
aurículo-ventricular PIC- pressão intracraninana; PIO- Pressão intraocular;
IECA – Inibidor da enzima conversora da angiotensina)
HTA pós-operatória
> 180/110mmHg
CONSIDERAR CAUSAS REVERSÍVEIS:
· Dor
· Excitação do acordar anestésico/Ansiedade
· Hipóxia/Hipercapnia
· Retenção urinária
· Hipervolémia
· Hipotermia e shivering
SIM
TRATAR CAUSAS
REVERSÍVEIS
NÃO
Confirmar se os valores obtidos são
reais (nova avaliação da TA)
SIM
Sinais e Sintomas de lesão
dos órgãos alvo
SIM
EMERGÊNCIA HIPERTENSIVA
NÃO
URGÊNCIA
HIPERTENSIVA
Ponderar
terapêutica
farmacológica
anti-HTA
Iniciar terapêutica farmacológica
anti-HTA endovenosa
Objetivo: ↓ TA em 30 min a 1h
Figura 2 – Algoritmo para o tratamento da hipertensão pós-operatória.
A ausência de resposta terapêutica deverá alertar para a possibilidade
de uma causa de HTA secundária pouco frequente, tal como, feocromocitoma, tempestade tiroideia ou hiperaldosteronismo primário.
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6. HIPERTENSÃO ARTERIAL PÓS-OPERATÓRIA
Referências
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hypertension of the European Society of Hypertension (ESH) and the European
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and Treatment. Neth J Crit Care 2011; 15 (3): 143-48
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emerging therapeutic agents. J Clin Anesth 2009; 21: 220-9.
10. Kristensen SD, Knuuti J. The Joint Task Force on non-cardiac surgery:
cardiovascular assessment and management of the European Society of
Cardiology (ESC) and the European Society of Anaesthesiology (ESA). Eur
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11. HAAS CE, LeBlanc JM. Acute postoperative hypertension: a review of
therapeutic options. Am J Health Syst Pharm 2004; 61: 1661-73.
12. Hipertensão arterial: definição e classificação. Norma nº 020/2011 de
28/09/2011 da DGS (validada pela Comissão Científica para as Boas Práticas
Clínicas a 19/03/2013)
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
7. HIPOTENSÃO ARTERIAL PÓS-OPERATÓRIA
Ana Bernardino e Filipe Pinheiro
DEFINIÇÃO
Hipotensão arterial define-se como:
· Diminuição da pressão arterial superior a 20% relativamente ao
nível basal (pré-operatório)
· Pressão sistólica inferior a 90 mmHg
· Pressão arterial média inferior a 60 mmHg1
Até à data, na literatura científica, não existe consenso na sua
definição.
ETIOLOGIA
É uma das complicações mais frequentemente registadas nas unidades
de cuidados pós-anestésicos, sendo na maior parte das vezes, um
quadro benigno e transitório.1-4
Causas mais frequentes:
· Hipovolémia por:
· Hemorragia
· Perdas para o terceiro espaço
· Vasodilatação por:
· Bloqueio subaracnoideu ou extradural
· Efeitos residuais dos agentes anestésicos/analgésicos
· Reaquecimento
· Sépsis
· Anafilaxia2
Causas menos frequentes:
· Arritmias
· Isquémia do miocárdio
· Falência cardíaca
· Pneumotórax hipertensivo
· Embolia pulmonar
· Tamponamento cardíaco2
MONITORIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO CLÍNICA
O diagnóstico precoce de um evento cardiovascular e o seu tratamento
eficaz é essencial, e por isso é recomendado que no recobro todos os
doentes sejam rotineiramente monitorizados com oximetria de pulso,
pressão arterial (indireta ou direta) e electrocardiograma.5,6
Uma medição cuidadosa da pressão arterial é essencial para um correto diagnóstico da hipotensão. Assim sendo, uma manga com tamanho
desadequado (na monitorização não invasiva da pressão arterial) ou a
realização incorreta do zero, o posicionamento incorreto ou damping
do transdutor (na monitorização invasiva da pressão arterial) pode
levar a um diagnóstico incorreto de uma descida da pressão arterial.
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7. HIPOTENSÃO ARTERIAL PÓS-OPERATÓRIA
Numa hipotensão há que estar atento aos seguintes sinais/sintomas de alarme:2,5
1. Tonturas
2. Sonolência
3. Síncope
4. Visão turva
5. Náuseas
6. Sensação de frio
7. Pele fria, húmida e pálida
8. Fadiga
9. Sede
10. Mucosas secas
11. Frequência respiratória > 20 cpm
12. Diminuição da saturação periférica de O2
13. Frequência cardíaca > 100 bpm ou < 60 bpm
14. Tempo de preenchimento capilar > 2 segundos
15. Urina concentrada ou débito urinário < 0,5 cc/Kg/h
16. Engurgitamento venoso cervical
Durante os períodos de hipotensão, o fluxo sanguíneo é redistribuído, dando preferência a órgãos vitais como o cérebro, coração e
rins. Os sintomas decorrentes da hipoperfusão destes órgãos, como
desorientação, náuseas, perda de consciência, angina ou diminuição
do débito urinário, indicam que os mecanismos compensatórios
encontram-se esgotados.
A hipotensão, se não tratada e diagnosticada precocemente pode
originar uma isquémia ou enfarte do miocárdio, cerebral, tubular
renal, da medula espinhal, ou do intestino.
As complicações decorrentes de uma hipotensão grave são mais
frequentes em doentes com doença aterosclerótica, doença valvular
estenótica, hipertensão arterial, pressão intracraniana elevada, ou
insuficiência renal.
ABORDAGEM IMEDIATA
1. Garantir a monitorização (frequência respiratória, saturação periférica de O2, frequência cardíaca, ECG e pressão arterial)
2. Eliminar fatores de erro (ex: cuff inadequado ou incorreto posicionamento do transdutor).
3. Otimização da oxigenação:
a. ABCDs
b. Aumentar FiO2 e garantir ventilação
4. Otimização do débito cardíaco
a. Minimizar perdas hemáticas (compressão direta ou clampagem).
Em caso de hemorragia ativa (confirmada ou suspeita) assegurar
a colocação de dois acessos venosos 14G ou 16G e ponderar
revisão cirúrgica
b. Elevar membros inferiores.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
c. Garantir preenchimento de volume com 10 mL/kg de cristalóides
ou 5 mL/kg de colóides (a perfundir em 30 minutos)
d. Administrar, se necessário, por via ev, efedrina (3-6 mg) ou
adrenalina (10 mcg ev) ou fenilefrina (50-100 mcg)
e. Descontinuar agentes vasodilatadores, fármacos hipotensivos,
sedativos ou analgésicos opióides
f. Corrigir calcémia
Se hemorragia ativa e sinais de instabilidade cardio-circulatória,
ponderar administração de concentrado de eritrócitos e correção da
coagulopatia.
IDENTIFICAÇÃO E CONTROLO DA CAUSA
Hemorragia ativa: pedir ajuda especializada (ver guidelines 2013 da
ESA - Management of Severe Perioperative Bleeding).
Bradicardia ou taquicardia: seguir algoritmos preconizados.
Anafilaxia: seguir algoritmo preconizado (ver capítulo 12).
Iatrogenia medicamentosa: intoxicação por anestésicos locais, complicação de anestesia locorregional. Suspender β-bloqueantes, bloqueadores dos canais de cálcio, fármacos libertadores de histamina, etc
Isquémia do miocárdio: alterações ST/T, bloqueio de ramo esquerdo
de novo, clínica de angor. Considerar necessidade de repermeabilização coronária (ver capítulo 5).
Sépsis: seguir algoritmo preconizado (ver capítulo 15).
Pneumotórax hipertensivo (diminuição do murmúrio vesicular,
timpanismo à percussão com desvio da traqueia para o lado oposto
e engurgitamento jugular): descompressão torácica, com colocação
de um dreno torácico no segundo espaço intercostal, linha medio-clavicular.
Tamponamento cardíaco (engurgitamento jugular, hipofonése dos
tons cardíacos, história clínica sugestiva): consoante gravidade
clínica, ponderar ecocardiograma transtorácico e periocardiocentese
ecoguiada.
Tromboembolismo pulmonar (dispneia de início recente ou súbito,
taquipneia e/ou dor ou desconforto torácico com ou sem síncope):
considerar trombólise ou heparinas de baixo peso molecular.
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7. HIPOTENSÃO ARTERIAL PÓS-OPERATÓRIA
ABORDAGEM SUBSEQUENTE
1. Monitorização invasiva da pressão arterial.
2. Colocação de cateter venoso central (administração de fármacos e
monitorização da pressão venosa central).
3. Se hipotensão grave (PAM < 40 mmHg) que não responde às medidas anteriores, iniciar aminas vasoativas (noradrenalina 0,1-0,4
mcg/Kg/min ou dopamina 2-10 mcg/Kg/min).
4. Correção de alterações ácido-base.
INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR
1. Provas laboratoriais (gasometria arterial, hemograma + coagulação
+ tipagem, bioquímica (com enzimologia cardíaca e D-dímeros).
2. Electrocardiograma com 12 derivações.
3. Radiografia antero-posterior do tórax.5
Hipotensão
- Diminuição de 20% da PA prévia
- PAS < 90 mmHg
- PAM < 60 mmHg
AVALIAÇÃO CLÍNICA
SINAIS DE ALERTA
IDENTIFICAR A CAUSA
1 História Clínica:
Anemia, coagulopatia,
alergias, medicação
pré-operatória
(fármacos omitidos,
pe COE), hemorragia
intraoperatória, fármacos
intraoperatórios
1- Alt. de consciência,
agitação
2 - Visão turva, síncope
3 - Náuseas
4 - Frio
5 - Sede
6 - Repreenchimento
capilar > 2''
7 - Hipóxia
8 - FC >100 ou <50
9 - FR > 20 cpm
10 - Temp > 38°C ou
< 35,5°C
11 - Oligúria (<0,5 ml/
Kg/h)
12 - Sinais de
hemorragia ativa
Na maior parte das vezes
é um quadro benigno e
autolimitado, no entanto
e se sinais de alarme
devem-se descartar
e tratar as possíveis
causas:
1 - Não hemorrágica:
hipovolémia, anafilaxia
2 - Hemorrágica: reoperar?
3 - Cardiogénica:
Isquémia miocárdio,
ICC agudizada,
embolia pulmonar,
tamponamento,
pneumotórax
hipertensivo, arritmia
grave
4 - Séptica
5 - Neurogénica: lesão
medular, bloqueio
neuroeixo
2 Exame Objetivo
(à cabeceira)
FC, FR, Temp, diurese,
estado mental, avaliação
pele, pescoço, tórax,
abdómen, dorso,
extremidades, pulsos
Figura 1 – Abordagem inicial de hipotensão pós-operatória.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Referências
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editors. Emergencies In Anaesthesia, 2nd ed. Oxford: Oxford university
press; 2009. p 328-9.
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Fundamentals of Anaesthesia. 3rd ed. Cambridge: Cambridge University
Press; 2009. p 56 – 76.
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Intercollegiate Guidelines Network [consultado 2014 Dez 8]. Disponível em:
http://www.sign.ac.uk.
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8. HIPOTERMIA PÓS-OPERATÓRIA
8. HIPOTERMIA PÓS-OPERATÓRIA
Elisabete Pereira e Margarida Marques
ALGUNS CONCEITOS DE HIPOTERMIA
O hipotálamo é o centro do controlo do sistema nervoso autónomo
e atua como termóstato para manter a temperatura corporal dentro
de limites fisiológicos.
Homeotermia é a manutenção da temperatura central dentro dos
limites definidos.
A manutenção da normotermia é uma importante função do sistema
nervoso autónomo; a disfunção celular e tecidular é evidente mesmo
com pequenos desvios da temperatura corporal normal.1
A temperatura central é mantida num limite estreito entre 36,5°C a
37,5°C (mesmo na presença de condições adversas do meio externo),
pela combinação de respostas comportamentais e fisiológicas, preservando uma temperatura interna constante.1,2
A termorregulação mantém a temperatura interna central numa
variação de 0,2ºC do normal, próximo dos 37ºC.
Hipotermia é a diminuição da temperatura central num desvio padrão
da média sob condições ambientais termoneutras.
Uma temperatura central inferior a 36ºC é geralmente aceite como
definição standard para hipotermia.
A hipotermia central ligeira está definida para valores inferiores a
36,4°C, contudo o valor para hipotermia moderada não está claramente assente.2,4 Estudos recentes3 estipulam o valor da hipotermia
moderada entre os 34,9°C e os 36,4°C, temperatura na qual há desenvolvimento de disfunção orgânica. A hipotermia grave é considerada
abaixo de 34ºC.3
A incidência de hipotermia acidental na Unidade de Cuidados PósAnestésicos (UCPA) varia de 60% a 90% e é comum em doentes submetidos a procedimentos cirúrgicos. Está associada a morbilidade pós
operatória pelos seus efeitos adversos (infeção, enfarte de miocárdio
e hemorragia), assim como pelo aumento do tempo de permanência
nesta Unidade.4
Durante a anestesia e cirurgia, a exposição ao ambiente frio do bloco
operatório, combinada com a inibição da termorregulação causada
pela anestesia, irá provocar hipotermia.3
A anestesia interfere com os mecanismos de resposta à hipotermia
pelo aumento da perda de calor (exposição corporal a um ambiente
frio) e pela alteração do centro de termorregulação do hipotálamo,
inibindo os tremores, produzindo vasodilatação periférica e perda do
tónus muscular devido à ação dos agentes anestésicos.6
Durante a anestesia os sintomas de hipotermia estão ocultos, razão
pela qual é mais comum o seu aparecimento durante a estadia na
Unidade de Cuidados Pós Anestésicos.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
O risco de hipotermia tende a ser subestimado em procedimentos
cirúrgicos curtos e pouco agressivos, apesar de se verificar que é
durante a primeira hora de anestesia que há diminuição da temperatura central (distribuição de calor do centro para a periferia). [1] [2]
A temperatura deve ser monitorizada na maioria dos doentes submetidos a anestesia geral, com duração superior a 30 minutos e em
todos com duração superior a 1 hora.1,2
Hipotermia acidental tem um conceito diferente de hipotermia induzida ou terapêutica (hipotermia com protecção celular).
Em contraste com a hipertermia severa (>42ºC), que causa danos
celulares irreversíveis, a recuperação de uma hipotermia severa pode
ser feita com sucesso, se realizada nas condições certas. A hipotermia
induzida reduz a função celular e assim a energia requerida pelas
células.
Um rápido e eficaz arrefecimento celular pode ter função protetora, no
caso de paragem cardíaca, e em períodos prolongados sem oxigénio
e sem provisões energéticas.5
Uma hipotermia moderada poderá ser efectuada (utilidade duvidosa),
durante procedimentos que causam isquémia – cirurgia cardíaca,
endarterectomia carotídea, neurocirurgia (traumatismo cerebral,
aneurismas).6
TERMORREGULAÇÃO
A termorregulação previne a disfunção celular e tecidular e ocorre
em 3 etapas: sensibilização térmica aferente, processamento central
e resposta eferente.
É conseguida através de um sistema de controlo fisiológico englobando termorreceptores centrais e periféricos, um centro de integração e
respostas eferentes compensatórias.7
O sinal térmico aferente inicia-se nos recetores anatómicos para o
frio ou calor, que tanto podem estar a nível central como periférico.
O mecanismo central de controlo da temperatura situa-se no hipotálamo, determinando a temperatura média corporal, integrando os
estímulos térmicos da periferia e das estruturas centrais, comparando-a com a temperatura média pré-determinada set-point.4
A resposta eferente para alterar a temperatura corporal, requer alterações comportamentais e autonómicas, como: modificação do tónus
do músculo liso e shivering, quando a produção de calor é necessária
ou, caso contrário, aumento da sudorese.7
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8. HIPOTERMIA PÓS-OPERATÓRIA
Recetores térmicos (frio/quente)
(pele, vísceras)
Feixe espinotalâmico lateral
Nervo trigémio para cabeça e pescoço
Núcleo pré- óptico hipotálamo
Hipotálamo posterior (set-point)
Respostas Eferentes
-
RESPOSTA AO CALOR
- Sudorese
- Vasodilatação
- Comportamentais
RESPOSTA AO FRIO
Vasoconstrição
Shivering
Termogénese não- shivering
Comportamentais
Figura 1 – Termorregulação
Tabela 1 – Fatores de Risco para Hipotermia
Extremos etários - idosos e pediátricos (principalmente neonatos)
Sexo feminino
Estado físico ASA III e IV
Tipo de cirurgia (torácica aberta ou cavidade abdominal)
Duração superior a 2 horas
Temperatura da sala operatória inferior a 26ºC
Índice de massa corporal baixo
Antecedentes de doenças crónicas (especialmente endócrinas)
Administração de fluídos frios endovenosos
MECANISMOS DE PERDA CALOR
· Radiação - 60% - Perda de calor devida ao ambiente frio (transferência de calor de um corpo quente para um corpo frio).
· Convecção - 15% - Perda de calor da superfície corporal pelas
correntes de ar. Minimizado pelo uso de roupa.
· Condução - 5% - Transferência de calor direta entre moléculas em
contato uma com a outra. Pequena quantidade de calor é perdido
por esta via, porque o ar é fraco condutor.
· Evaporação - 20% - Requer a passagem do estado líquido para
o gasoso. As perdas diárias insensíveis são aproximadamente de
800 ml em repouso.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
As percentagens referem-se à perda de calor, com que os diferentes
mecanismos contribuem num humano nu, à temperatura ambiente
de 21 a 25ºC.
A perda de calor por condução, convecção e radiação, está largamente
determinada pela diferença de temperatura entre a superfície da pele
e a temperatura do ambiente. Se alterarmos a quantidade de fluxo
sanguíneo quente e a maneira como aquece a superfície cutânea, o
ritmo da perda de calor estará melhor controlado. [1] [2]
Figura 2 – Principais mecanismos físicos implicados na perda de calor em
doente no Bloco Operatório: Condução, Evaporação, Convecção, Radiação
FASES DA HIPOTERMIA DURANTE A ANESTESIA
Devido aos mecanismos termorreguladores, o ambiente frio de uma
sala operatória, geralmente, não causa hipotermia a doentes não
anestesiados.3
Durante a anestesia, a queda da temperatura central processa-se
em 3 fases:
· Fase I - Diminuição rápida da temperatura central causada pela
redistribuição do calor, que ocorre durante a primeira hora de
anestesia. É provocada pela vasodilatação gerada pelos fármacos
anestésicos. A perda de temperatura ocorre em 81%, pela redistribuição do calor central para os tecidos periféricos e em 19% pela
temperatura ambiente da sala operatória.
· Fase II - Mais lenta, há um declínio linear da temperatura. É causada
principalmente, pela perda de calor para o ambiente, superando a
produção metabólica de calor. Ocorre entre a segunda e terceira hora.
· Fase III - Após a terceira e quarta hora a temperatura central atinge
um equilíbrio, mantendo-se estável ao longo da cirurgia. Nesta fase,
a perda de calor é igual à sua produção, nos doentes corretamente
aquecidos.
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8. HIPOTERMIA PÓS-OPERATÓRIA
A vasoconstrição, shivering e piloereção, são os principais mecanismos
fisiológicos para obter a normotermia após um período de hipotermia.
A combinação da abolição deste comportamento adaptativo sob o
efeito da anestesia, as alterações do mecanismo de vasoconstrição,
o efeito vasodilatador periférico da maioria dos anestésicos e a
exposição da superfície corporal a um ambiente e a fluidos frios,
leva a uma redução da temperatura corporal de 1 a 3ºC, na maioria
dos doentes cirúrgicos. Os diferentes tipos de anestesia, geral e loco
regional, podem causar hipotermia.5
Os anestésicos gerais produzem uma redução dose dependente da temperatura central, despoletando respostas de defesa como: shunts arterio-venosos, vasoconstrição, shivering e alterações do controlo termorregulação. A resultante da redistribuição de calor “central-periferia” é
a principal causa de hipotermia na maioria dos doentes. Esta redistribuição, usualmente, reduz a temperatura central entre 0,5 a 1,5ºC.
Também a anestesia do neuro-eixo altera o controlo da termorregulação, mas em menor grau (altera ainda, a sensação de frio pelo doente).6
SHIVERING PÓS-ANESTÉSICO
O centro motor para o shivering está adjacente ao centro do hipotálamo posterior, onde os estímulos dos receptores do frio colidem.
Este centro, está normalmente inibido pelos impulsos gerados na área
pré-óptica no hipotálamo anterior, sensível ao calor.
Quando os impulsos frios são mais frequentes, o centro motor do
shivering é ativado, estimulando os neurónios motores anteriores da
medula. Inicialmente, esta estimulação aumenta o tónus dos músculos
esqueléticos, mas, após um determinado nível é observado o shivering.
O shivering pós anestésico carateriza-se por movimentos espontâneos
involuntários e não previsíveis dos músculos da face, mandíbula,
tronco e extremidades, superior a 15s, afetando mais de 65% de
doentes submetidos a anestesia geral e 33% com anestesia regional.
O shivering é uma clássica resposta após a hipotermia central ou
periférica causada pela perda de calor perioperatória. É iniciado por
impulsos gerados no hipotálamo, para aumentar a produção de calor.
Apesar do shivering induzido pelo frio ser uma causa óbvia de tremor pós
anestésico, algumas vezes, ocorre em doente normotérmicos, podendo
desta forma ter uma causa não termorregulatória (por exemplo, dor).
De acordo com estudos eletromiográficos, o shivering é composto por
dois padrões distintos de atividade muscular: movimentos tónicos de
4 a 8 ciclos por minuto (termorregulatório) e movimentos clónicos
5 a 7 Hz (reflexos espinais não inibitórios). A sua causa exata não
está ainda bem definida, mas, é atribuída na maioria das vezes aos
fármacos anestésicos, à dor, à perda do controlo da via cortical descendente e à diminuição da atividade do sistema nervoso simpático.
Alguns doentes referem maior desconforto com shivering do que com
a dor pós-cirúrgica.7
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Tabela 2 – Fatores de Risco para Shivering
Sexo masculino
Modo de suporte ventilatório
Medicação anticolinérgica
Duração de cirurgia superior a 2 horas
TERMOGÉNESE NÃO SHIVERING
A termogénese não shivering ocorre pela libertação de noradrenalina
e é um importante mecanismo de produção de calor, particularmente
em recém-nascidos. Este mecanismo é crucial na adaptação ao frio
a longo prazo. A termogénese não shivering ocorre principalmente
a nível da gordura castanha, que tem uma grande influência da
inervação simpática. Nos adultos, a termogénese não shivering é
responsável pelo aumento da produção de calor em apenas 10 a 15%,
ao contrário das crianças em que aumenta praticamente o dobro.1
APRESENTAÇÃO CLÍNICA E MONITORIZAÇÃO
A alteração térmica mais comum no período perioperatório é a
hipotermia.
O impacto da hipotermia pós-operatória e do shivering na alteração
dos parâmetros fisiológicos avaliados apenas com a monitorização
standard na UCPA, permanece desconhecido.2
O shivering pós anestésico é responsável pelo stress cardiovascular
e complicações durante o período pós-operatório.
A hipotermia é desconfortável, levando à libertação de hormonas de
stress e elevação plasmática da concentração de catecolaminas, com
o consequente aumento da frequência cardíaca e hipertensão. Daí que
87% a 92% da hipertensão pós-operatória, em doentes normotensos,
seja de causa hipotérmica.
O aumento do consumo de oxigénio, da produção de dióxido de
carbono e do débito cardíaco, são consequências deste estado, verificando-se a redução das mesmas com o regresso à normotermia.
O compartimento térmico central é constituído por tecidos altamente
perfundidos (coração, pulmões e cérebro), locais onde a temperatura é
uniforme e alta, comparativamente ao resto do corpo. A temperatura
do sangue do sistema circulatório central é denominada de temperatura central e é mais alta que a periférica, geralmente entre 2 a 4ºC.
A temperatura periférica, ao contrário da temperatura central, varia em
função da temperatura ambiente, por isso mesmo, a temperatura central
é o melhor indicador para a avaliação do estado térmico em humanos. [1] [2]
A temperatura central pode ser corretamente avaliada na artéria
pulmonar, esófago distal, membrana timpânica ou nasofaringe.
A temperatura retal é considerada uma temperatura intermédia em
doentes deliberadamente hipotérmicos.3
O desconforto provocado pela hipotermia, per si, não é considerado
risco de vida, embora para alguns doentes seja a pior experiência
da cirurgia.4
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8. HIPOTERMIA PÓS-OPERATÓRIA
COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS A HIPOTERMIA
· Aumento da incidência de eventos cardiovasculares: isquemia/angina
instável, enfarte agudo do miocárdio, arritmias.
· Aumento no consumo de oxigénio (VO2) para aumentar a produção de calor.
· Hiperatividade simpática: aumento dos níveis de catecolaminas plasmáticas,
com vasoconstrição, aumento da frequência cardíaca, da pressão arterial, da
resistência vascular sistémica e periférica (RVS e RVP).
· Redução da função plaquetária e coagulopatia, levando a um aumento das
perdas sanguíneas e aumento da necessidade de transfusão.
· Sensação de desconforto térmico e insatisfação do paciente.
· Aumento do tempo de metabolização das drogas anestésicas, com
prolongamento da ação e consequente aumento do tempo de recuperação pós-anestésica, e em alguns casos, do tempo de internamento.
· Função imunológica prejudicada relacionada com a inibição da fagocitose e da
produção de anticorpos, causando um aumento na taxa de infeção hospitalar.
PREVENÇÃO E TRATAMENTO
O tratamento da hipotermia visa uma correta manutenção da normotermia desde o momento da indução anestésica.
A perda de calor é superior na primeira hora de anestesia. As medidas
de aquecimento do doente, devem ser iniciadas nos 30 minutos antes
do seu início, diminuindo assim a perda de calor.6
A queda inicial da temperatura após a anestesia é de difícil tratamento, porque é causada pela redistribuição interna de calor. Pode ser
prevenida pelo aquecimento da pele e dos tecidos periféricos, diminuindo assim o gradiente temperatura central-temperatura periférica.
Há várias opções para prevenir e/ou tratar a hipotermia no ambiente
perioperatório. Estão incluídos métodos de aquecimento passivos
ou ativos, com um efeito que pode ser simultaneamente local ou
sistémico.
Dada a larga capacidade do compartimento central periférico, é
aconselhado um aquecimento prévio de 30-60 minutos.1,2
Menos de 10% do calor é perdido pela respiração. A humidificação e
aquecimento da via aérea pode prevenir esta perda, que é pequena;
por isso, é pouco significativo para manter a normotermia.
O aquecimento da superfície da pele de uma forma não invasiva passiva (mantas e cobertores) e ativa (aquecedores de ar forçado, colchões
térmicos e manta térmica) é determinante para a normotermia, dado
que a perda de calor é feita maioritariamente nesta área.
O aquecimento ativo aumenta o calor total do organismo pelo
aumento da sua produção ou pela transferência do calor por uma
fonte externa.
Os aquecedores de ar forçado são o melhor método de aquecimento,
combinando segurança, eficácia, facilidade na sua utilização e preço.7
Os aquecedores de ar forçado mostraram que, a longo prazo, reduzem
as complicações da hipotermia pós-operatória.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A administração de soros aquecidos não mostrou ser uma medida
eficiente no aquecimento dos doentes. A fluidoterapia realizada deve
estar à temperatura ambiente, sendo importante reter que cada litro
de soro perfundido, diminui a temperatura corporal em 0,25°C. Em
situações em que é necessário um grande volume de fluidos, o seu
aquecimento mostrou-se seguro, mas não a uma temperatura superior
à temperatura do corpo.5
TRATAMENTO DO SHIVERING
No tratamento do shivering não se pode desvalorizar a hipotermia.
Apesar de alguns doentes estarem normotérmicos, as medidas de
manutenção da temperatura corporal melhoram o outcome.
Várias medidas físicas de tratamento da hipotermia mostraram-se
eficazes na redução do shivering, nomeadamente os sistemas de
aquecimento de ar forçado.
Contudo, o tratamento gold standard do shivering é farmacológico.
Um leque alargado de fármacos mostrou-se eficaz no controlo do
shivering pós-anestésico, como a petidina e outros opióides, pois
interferem com os mecanismos termoregulatórios.
A petidina, em particular, é amplamente utilizada no controlo desta
complicação pós-anestésica, sendo que 25 mg via endovenosa, se
revelaram suficientes na maioria dos estudos realizados. A petidina
quando administrada com altas doses de naloxona, antagonista dos
receptores de opioides µ e k, não tem ação na redução do shivering
nem no consumo de oxigénio, verificando-se assim que o seu efeito
termoregulatório é feito a nível dos recetores k.7
Tanto a petidina como o alfentanil têm a capacidade de reduzir o
limiar e a intensidade do shivering, contudo a petidina mostrou ser
mais eficaz.
Doente com sinais/sintomas de hipotermia
· Shivering
· Temperatura Central <36,4°C
· Frequência cardíaca ↑
· Hipertensão arterial
Medidas de aquecimento do doente
· Aquecedores de ar forçado
· Fluídos endovenosos aquecidos
Tratamento farmacológico
· Petidina 25 mg ev
· Outros opióides (alfentanil p.e)
Figura 3 – Tratamento de hipotermia
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8. HIPOTERMIA PÓS-OPERATÓRIA
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS
· A monitorização da temperatura central é crucial durante o perioperatório para minimizar os efeitos adversos da hipotermia.
· A manutenção da normotermia é fundamental para reduzir a morbilidade e mortalidade no período pós operatório.
· O método mais eficaz para manutenção da normotermia é o aquecedor de ar forçado.
Referências
1. Buggy DJ, Crossley AW. Thermoregulation, mild perioperative hypothermia
and post- anaesthesic shivering. British Journal of Anaesthesia. 2000; 84:
615-28
2. Luís C, Moreno C, Silva A, Páscoa R, Abelha F. Inadvertent Postoperative
Hypothermia at Post-Anesthesia Care Unit: Incidence, Predictors and Outcome. Open Journal of Anesthesiology. 2012; 2: 205-213
3. Frank SM. Consequences of hypothermia. Curr Anaesth Crit Care. 2001;
12: 79-86
4. Sessler DI. Complications and treatment of mild hypothermia. Anesthesiology. 2001; 95:531–41
5. Kurz A, Sessler DI, Narzt E, Bekar A, Lenhardt R, Huemer G, et al. Postoperative hemodynamic and thermoregulatory consequences of intraoperative
core hypothermia. J Clin Anesth. 1995; 7:359-66
6. Sessler DI, Israel D, Pozos M, Rubinstein EH. Spontaneous post-anesthetic
tremor does not resemble termoregulatory shivering. Anesthesiology. 1998;
68: 843-50
7. Kiekkas P, Poulopoulou M, Papahatzi A, Souleles P. Effects of hypothermia
and shivering on standard PACU monitoring of patients. AANA Journal
2005;73:1
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
9. BLOQUEIO NEUROMUSCULAR RESIDUAL
Claúdia Carreira e Diana Chieira
DEFINIÇÃO E SUA INCIDÊNCIA
O bloqueio neuromuscular residual (BNM residual) pode ser definido
como a recuperação neuromuscular inadequada, objetivada pela
monitorização da placa motora e está associado a sinais/sintomas
clínicos de relaxamento muscular.1 Pode também ser designado por
paralisia ou curarização residuais.
Com a monitorização train-of-four (TOF), o BNM residual pode ser
definido como TOF ratio < 0,9 – este é o novo gold standard considerado como o nível mínimo de recuperação neuromuscular a partir
do qual se pode afirmar, com elevada segurança, que o doente já não
se encontra curarizado.1,2
Existia alguma controvérsia em relação ao valor de TOF ratio a ser
usado como limiar para se considerar o bloqueio da placa motora
revertido ou não (TOF variava de < 0,7, < 0,75, <0,8 ou < 0,9). Alguns
doentes com TOF < 0,7 são capazes de abrir os olhos, tossir, realizar
a protusão da língua, manter a cabeça elevada por mais de 5 segundos, gerar uma capacidade vital forçada de cerca de 15-20 mL/kg e
apresentar estimulação tetânica sustentada sem fade por 5 segundos.2
No entanto, vários estudos demonstram que valores de TOF ratio
> 0,9 (eletromiografia, mecanomiografia ou aceleromiografia) devem
ser os considerados para garantir a recuperação total e a segurança
do doente.2
É de suma importância o reconhecimento e tratamento precoces
do BNM residual, dado que apresenta uma incidência alta2 e está
associado a complicações que podem aumentar a morbi-mortalidade
no pós-operatório.
A incidência do BNM residual varia bastante entre os diferentes
estudos (2-64%) sendo que vários fatores peri-operatórios podem ser
responsáveis por este facto.
Uma meta-análise de Naguib et al3 concluiu que existe uma incidência alta de BNM residual e que esta não parece estar a decrescer
ao longo do tempo.
ETIOLOGIA E FATORES DE RISCO
São vários os fatores reconhecidos que podem contribuir para o BNM
residual e sua incidência2:
1. Tipo de relaxante muscular escolhido (administração de relaxante
muscular de longa duração de ação está associado a um maior risco
de TOF < 0,7 no período pós-operatório);
2. Dose de relaxante muscular administrada - altas doses de relaxante
muscular utilizadas para induções de sequência rápida modificadas
(3-4 ED95) contribuíram para um relaxamento muscular prolongado (50-300%) quando comparados com a utilização de relaxante
muscular em doses normais (1-2 ED95);
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9. BLOQUEIO NEUROMUSCULAR RESIDUAL
3. Individualização da dose de relaxante muscular a ser administrada
consoante o doente e a cirurgia;
4. Grau de BNM no intra-operatório: paralisia muscular profunda
intra-operatória (TOF = 0 e PTC 0-5) está associada a um risco
aumentado de curarização residual no pós-operatório (sendo, no
entanto, considerada necessária em algumas situações);
5. Tipo e dose de agentes anticolinesterásicos utilizados para reverter o BNM;
6. Duração do ato anestésico;
7. Utilização de monitorização de relaxamento muscular no intra-operatório (que tipo – qualitativa; quantitativa; clínica);
8. Condições que podem prolongar o BNM: utilização concomitante
de agentes inalatórios e/ou opióides e/ou antibióticos; acidose;
hipotermia; hipercapnia; hipóxia.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Doentes com uma adequada recuperação do BNM são capazes de4:
· Manter a permeabilidade da via aérea;
· Manter os reflexos protetores da via aérea;
· Deglutir, tossir, falar;
· Realizar a protusão da língua;
· Suster a cabeça elevada por mais de 5 segundos;
· Apresentar uma capacidade vital de pelo menos 10-15 mL/kg;
· Gerar força inspiratória de pelo menos 25 cmH2O;
· Frequência respiratória < 25-30 ciclos/min;
· PaCO2 entre 35-45 torr;
· AaDO2 entre 50-200 torr;
· Apresentar estimulação tetânica sustentada sem fade por 5 segundos.
Nota: AaDO2 – gradiente de oxigénio alveolar-arterial; 1mmHg = 1,000000142 torr.
Existe vasta evidência científica que comprova que apenas a avaliação
clínica da reversão do BNM é insuficiente para garantir a recuperação
da placa motora.
Assim sendo, existem vários métodos quantitativos para avaliação
do BNM5:
1. Mecanomiografia (MMG) – mede quantitativamente a contração
isométrica de um músculo periférico (geralmente a contração do
adutor do polegar após estimulação do nervo ulnar); pouco usada
atualmente; usada sobretudo em estudos clínicos.
2. Eletromiografia (EMG) - raramente utilizada (equipamento dispendioso; preparação morosa); mede a atividade elétrica (potencial
de ação) do músculo estimulado; a resposta pode ser calculada
através da amplitude de pico ou da área total sob a curva; alguns
consideram que este método deveria ser o método gold-standard
para a monitorização do BNM. 3
3. Cinemiografia (KMG) – consiste em 2 eléctrodos estimuladores,
usualmente colocados ao longo do trajecto do nervo ulnar, e um
sensor piezoeléctrico que é colocado entre o dedo polegar e o
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
indicador; o sensor deteta o grau de movimento que é realizado
pelo polegar em resposta à estimulação elétrica e converte esse
movimento detetado num sinal elétrico que é proporcional à força
de contração; tal como a MMG fornece uma indicação do grau/
profundidade do BNM mas não é tão reprodutível.
4. Fonomiografia (PMG) – consiste na gravação do som que a contração muscular produz – a intensidade do som é proporcional à
força da contração isométrica; esta tecnologia não é utilizada na
clínica e o seu desenvolvimento futuro é ainda incerto.
5. Aceleromiografia (AMG) – este método baseia-se no cálculo da
atividade muscular através da utilização de um transdutor piezoeléctrico e de um estimulador muscular; a aceleração muscular
gera uma determinada voltagem no cristal piezoeléctrico que é
proporcional à força de contração; estes monitores de AMG são
pequenos, portáteis e fáceis de transportar (exemplo TOF-Watch®).
Os efeitos adversos do BNM residual são os seguintes:2,4,6
· Diminuição da coordenação e força de contração dos músculos
faríngeos (TOF = 0,8)*
· Disfunção/atraso no reflexo da deglutição (TOF = 0,8)*
· Redução do tónus do esfíncter esofágico superior (TOF = 0,9)*
· Aumento do risco de aspiração (TOF = 0,8)*
· Fluxo inspiratório diminuído (TOF = 0,8)*
· Risco aumentado de obstrução da via aérea (TOF = 0,8)*
· Perda de drive ventilatório hipóxico (TOF = 0,7)*
· Sintomas de fraqueza muscular - perturbações visuais, fraqueza
muscular facial, dificuldades na fala, fraqueza muscular generalizada
(TOF = 0,7-0,75)*
· Risco aumentado de hipoxémia pós-operatória (TOF<0,9)**
· Incidência aumentada de obstrução da via aérea durante o transporte
até à Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos (UCPA) (TOF <0,9)**
· Risco aumentado de eventos respiratórios críticos na UCPA (TOF <0,9)**
· Sinais/sintomas de bloqueio muscular profundo (pancurónio versus
rocurónio)**
· Atrasa a alta da UCPA (TOF <0,9)**
· Dificulta o “desmame” ventilatório e prolonga o tempo de intubação/
ventilação mecânica - doentes pós-cirurgia cardíaca (TOF <0,9)**
· Aumenta o risco de complicações pulmonares pós-operatórias –
atelectasias e pneumonias (TOF <0,7)**
*Estudos em voluntários
**Estudos clínicos em doentes cirúrgicos
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9. BLOQUEIO NEUROMUSCULAR RESIDUAL
ABORDAGEM IMEDIATA
A abordagem inicial do doente com suspeita de curarização residual
deve basear-se na abordagem ABCDE1:
A. Assegurar a permeabilidade da via aérea (tubo de Guedel®, oxigenoterapia);
B. Garantir uma ventilação adequada (suporte ventilatório invasivo
ou não invasivo);
C. Manter a perfusão dos tecidos (fluidoterapia).
D. Avaliação sumária do estado neurológico e nível de consciência.
Deve ser considerada a administração de reversores dos relaxantes
musculares - agentes anticolinesterásicos. Para tal, deve ser confirmada a administração prévia de algum agente anticolinesterásico (qual?
em que dose? há quanto tempo?) e ponderar a sua re-administração
ou utilização de outro agente (Sugammadex).
REVERSÃO DO BNM
Atualmente, recomenda-se a administração de reversores do BNM
(anticolinesterásicos) segundo o grau de profundidade do bloqueio
da placa motora. Por isso, sempre que são administrados RM deve
ser utilizada monitorização de relaxamento muscular.
O anticolinesterásico mais usualmente utilizado em Portugal é a
neostigmina. Este fármaco atua inibindo a ação da acetilcolinesterase
(enzima responsável pela degradação da acetilcolina) e conduz a um
aumento da concentração de acetilcolina na junção neuromuscular. A
neostigmina só deve ser administrada quando já existe algum grau de
recuperação espontânea da força muscular. Caso contrário, a sua ação
é praticamente desprovida de efeito (ausência de respostas no TOF).
Aquando da monitorização quantitativa do BNM, a neostigmina só
deve ser administrada: se contagem TOF 2 ou 3; se TOF < 0,4; se 0,4 <
TOF< 0,9 mas em dose mais baixa (0,02 mg/kg). Caso a contagem TOF
seja 0 ou 1 o anticolinesterásico não deve ser administrado porque
não terá efeito praticamente nenhum, pois o doente ainda está muito
curarizado; se TOF > 0,9 a administração de neostigmina também não
é recomendada (na maioria dos casos, os doentes já apresentam uma
reversão quase completa do BNM; a administração de neostigmina
parece estar associada a diminuição da atividade muscular das vias
aéreas superiores e redução do volume corrente).3
A dose recomendada de neostigmina é de 0,05 a 0,07 mg/kg; início
de ação é de 5-10 minutos; a reversão até TOF > 0,9 depende de
vários fatores (que já foram mencionados atrás) e pode levar entre
15 a 30 minutos.
A acetilcolina atua tanto em recetores nicotínicos quanto muscarínicos. Estes últimos são responsáveis pelos efeitos secundários após a
administração de neostigmina: bradicardia, broncospasmo, sialorreia,
aumento da incidência de náuseas e vómitos. Assim sendo, sempre
que é administrada neostigmina deve ser administrado concomitante| 85 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
mente um agente anticolinérgico. A atropina é o fármaco mais usado
na dose de 0,01 mg/kg. Este fármaco pode apresentar igualmente
vários efeitos “secundários” que implicam vigilância apertada do
doente como taquidisrritmias, retenção urinária e xerostomia.
SUGAMADEX
O Sugamadex® é um fármaco relativamente recente que consegue
antagonizar o efeito dos relaxantes musculares aminoesteróides (principalmente do rocurónio) através do encapsulamento e consequente
inativação do relaxante muscular. Permite a reversão do BNM independentemente da intensidade do bloqueio da placa motora na altura
da administração do fármaco.7 No entanto, consoante a profundidade
do bloqueio, deverão ser administradas doses diferentes deste fármaco
para promover uma reversão rápida e eficaz. Se contagem TOF 1 ou
2, a dose administrada deverá ser de 2 mg/kg (permite reversão do
BNM até TOF > 0,9 em cerca de 1,5 minutos no caso do rocurónio e
2-3 minutos no caso do vecurónio); se bloqueio profundo com TOF =
0 e presença de, pelo menos, uma a duas respostas à contagem pós-tetânica, a dose a administrar será de 4 mg/kg (permite TOF>0,9 em
cerca de 3 minutos para o rocurónio e 3-4 minutos para o vecurónio).
Uma das vantagens deste fármaco é nas situações de emergência em
que é necessário uma reversão imediata do BNM (como nos casos de
“não intubo, não ventilo”). Deve ser administrado na dose de 16 mg/
Kg e permite a reversão do BNM (TOF > 0,9) em cerca de 3 minutos.
Não estão descritos efeitos secundários importantes relacionados com
a administração de Sugammadex. Contudo, este fármaco não está
recomendado em doentes com insuficiência hepática ou renal graves
pois não está devidamente estudado nestes doentes.
ABORDAGEM SUBSEQUENTE E INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR
Na abordagem de um doente com suspeita de curarização residual
devem ser sempre excluídas outras causas que possam ser responsáveis pela clínica apresentada (confirmar se o doente está mesmo
curarizado e qual o grau de curarização).1 Logo, deve ser realizada
a monitorização do relaxamento muscular (descrita atrás) para uma
avaliação mais fidedigna da situação clínica em causa. Poderá ser
necessária a utilização de vários métodos de avaliação do BNM para
um diagnóstico mais preciso.
Devem igualmente ser consideradas/excluídas outras condições que
podem contribuir para um BNM prolongado: acidose, hipóxia, hipercapnia, hipotermia, administração de opióides ou agentes inalatórios.
Se presentes, devem ser tratadas em conformidade.
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS
O BNM residual tem uma alta incidência e efeitos adversos importantes associados a elevada morbi-mortalidade.
| 86 |
9. BLOQUEIO NEUROMUSCULAR RESIDUAL
É extremamente importante o diagnóstico precoce do BNM residual
através da utilização de métodos fidedignos para avaliação do BNM.
Os relaxantes musculares só devem ser administrados se necessários
e, aquando da sua utilização, é mandatória a monitorização do BNM.
Atualmente, existem estudos de novos fármacos reversores do BNM que
podem contribuir para a redução da sua incidência e efeitos adversos.
Referências
1. Moi D. Residual Neuromuscular blockade. Anaesthesia Tutorial of the Week
290; 2013. [consultado 2015 Fev 14]. Disponível em http://www.totw.
anaesthesiologist.org/.
2. Murphy G, Brull S. Residual Neuromuscular Block – Lessons Unlearned.
Part I: Definitions, Incidence and Adverse Physiologic Effects of Residual
Neuromuscular Block. Anesth Analg. 2010; 111: 120-8.
3. Naguib M, Kopman AF, Ensor JE. Neuromuscular monitoring and postoperative residual curarisation: a meta-analysis. Br J Anaesth. 2007; 98:302–16.
4. Kopman A. Neuromuscular monitoring: Old issues, new controversies. J Crit
Care. 2009; 24: 11-20.
5. Brull S, Murphy G. Residual Neuromuscular Block – Lessons Unlearned.
Part II: Methods to Reduce the Risk of Residual Weakness. Anesth Analg.
2010; 111: 129-40.
6. Butterly A, Bittner EA, George E, Sandberg W, Eikermann M, Schmidt U.
Postoperative residual curarization from intermediate-acting neuromuscular blocking agents delays recovery room discharge. Brit J Anaesth 2010;
105: 304-9.
7. Naguib M, Brull S. Update on neuromuscular pharmacology. Curr Opin
Anaesth 2009; 22: 483-90.
| 87 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
10 . ESTADO CONFUSIONAL/ALTERAÇÃO DO
ESTADO DE CONSCIÊNCIA PÓS-OPERATÓRIO
Ana Raimundo e Rita Borges
DEFINIÇÃO E ETIOLOGIA
O principal transtorno do sistema nervoso central observado na unidade de cuidados pós-anestésicos é a alteração do estado de consciência.
No pós-operatório, o doente pode apresentar um quadro de agitação,
de sonolência excessivas, ou ambos alternadamente.
O delirium define-se como uma alteração da cognição caracterizada
por um início agudo de inatenção a que se associa um pensamento
desorganizado ou uma alteração do estado de consciência (Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders - DSM-IV).1
O delirium pós-operatório (DPO) é uma complicação frequente,
ocorrendo em 14 a 50% dos doentes hospitalizados.2 Pode desenvolver-se nas primeiras 24-72 horas pós-operatórias e é uma situação
clínica transitória e reversível, que pode ocorrer após anestesia geral
ou loco-regional, com incidências semelhantes. A sua incidência é
particularmente elevada nos idosos3 e em alguns tipos de cirurgia,
nomeadamente, cirurgia ortopédica eletiva (3-27%), cirurgia de fratura da anca (4-53%),4 cirurgia vascular e cardíaca (3-47%).5
A etiologia do DPO não está completamente esclarecida. Pensa-se
que existirá um desequilíbrio funcional cerebral provocado por
causas orgânicas. Foram identificadas áreas específicas do cérebro
que poderão estar implicadas e também os neurotransmissores mais
envolvidos (redução na função colinérgica, aumento nas funções
dopaminérgica e gabaérgica). Poderá igualmente haver participação
de fenómenos inflamatórios.6
Os fatores de risco não modificáveis (factores dependentes do doente
e da doença subjacente) e modificáveis (factores iatrogénicos e ambientais) para o DPO, estão descritos na Tabela 1.
| 88 |
10. ESTADO CONFUSIONAL / ALT. DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA PÓS-OPERATÓRIO
Tabela 1 – Fatores de risco para o delirium pós-operatório
FACTORES
ASSOCIADOS AO
DOENTE
Idade
Disfunção cognitiva
prévia, demência ou
depressão
Hipertensão arterial
Doença vascular / AVC
FACTORES
FACTORES IATROGÉNICOS
ASSOCIADOS À
E AMBIENTAIS
DOENÇA SUBJACENTE
Desequilíbrios
Hipóxia
metabólicos
Febre/Infeção/
Sepsis
Fármacos (benzodiazepinas,
opióides, anticolinérgicos)
Anemia
Hipotensão
Distúrbios do sono
Dor
Privação de próteses
auditivas/visuais
Presença de cateter
arterial, sonda vesical, e/ou
imobilizações
Insuficiência Renal
Acidose
Alcoolismo, tabagismo e
consumo de drogas
Índice APACHE elevado
Diminuição da acuidade
visual ou auditiva
O delirium está associado ao aumento do tempo de internamento,
das complicações pós-operatórias, bem como da morbimortalidade
a curto e longo prazo. Assim, é fundamental assegurar a restauração
da normal função cerebral no pós-operatório.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
O DPO pode surgir após um período de lucidez e ter uma duração de
dias a semanas. Tem três formas possíveis de apresentação clínica:
hiperativo, hipoativo ou misto.
O delirium hiperativo é a forma mais óbvia para o médico e caracteriza-se por agitação, irritação, tremor e um comportamento combativo,
que dificulta os cuidados prestados ao doente. Embora seja facilmente
diagnosticado é o menos frequente.7
O delirium hipoativo caracteriza-se por letargia, alheamento e sinais
e sintomas de depressão. Esta forma de DPO é subdiagnosticada,
uma vez que os sintomas negativos se confundem com depressão,
demência, ou são simplesmente atribuídos à idade avançada. O seu
diagnóstico e tratamento são essenciais, pois o delirium hipoactivo
apresenta a maior morbilidade e mortalidade.7,8
O delirium misto caracteriza-se por sintomas intermitentes do delirium
hipoactivo e hiperactivo e é a forma mais comum.
Os sintomas de delirium são numerosos, e podem variar entre doentes
ou no mesmo doente ao longo do tempo, o que associado a outras
comorbilidades atrasa o diagnóstico e tratamento.
O diagnóstico do DPO faz-se através de:
a) Exame físico
b) Exames complementares de diagnóstico - exclusão de causas orgânicas (infeção, alterações hidro-eletrolíticas, hipoglicemia, urémia,
falência hepática, tirotoxicose, anemia, hipóxia).
| 89 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
c) The Confusion Assessment Method (CAM) - método validado de
diagnóstico do DPO.
O CAM é um algoritmo de diagnóstico e avaliação do DPO, rápido
(<5 minutos), fácil, com baixa variabilidade inter-individual e com
elevada sensibilidade (94%) e especificidade (89%).5 O CAM avalia as
4 principais características do delirium – alteração aguda do estado
mental, inatenção, pensamento desorganizado e alteração do nível
de consciência (figura 1).9
I – Escala de RASS
PONTUAÇÃO
+4
Violento
+3
Muito Agitado
+2
Agitado
+1
Inquieto
0
Alerta e calmo
-1
Sonolento
-2
Sedação leve
-3
Sedação
moderada
-4
Sedação
profunda
-5
Não despertável
DESCRIÇÃO
Combativo, violento, perigo imediato para
o staff
Puxa ou retira tubos ou cateteres; agressivo
Movimentos não intencionais frequentes; luta
contra o ventilador
Ansioso, apreensivo, com movimentos não
agressivos
Não está totalmente alerta, mas acorda com a
estimulação verbal (olhos abertos e contacto
visual >10 seg.)
Desperta brevemente com estimulação verbal
(contacto visual <10 seg.)
Responde à estimulação verbal com
movimento ou abertura de olhos (sem
contacto visual)
Não responde à voz, mas responde à
estimulação física com movimento ou
abertura dos olhos
Não responde à estimulação física ou verbal
II – Algoritmo para diagnóstico de delirium
1 - Início agudo e curso flutuante do estado mental
E
2 - Inatenção
E TAMBÉM
3 - Pensamento desorganizado
OU
4 - Alteração do nível
de consciência (Escala de RASS)
DELIRIUM
Figura 1 - Diagnóstico de delirium
CAM – (I): Avaliação do nível de sedação pela escala Rischmond Agitation-Sedation Scale
(RASS); (II): Algoritmo do CAM para o diagnóstico de delirium
| 90 |
10. ESTADO CONFUSIONAL / ALT. DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA PÓS-OPERATÓRIO
ABORDAGEM IMEDIATA
Porque o DPO tem uma origem multifatorial, uma estratégia multidisciplinar com a implementação de programas para prevenir o delirium
constituem a abordagem mais adequada.9 Estes programas focam-se
no controlo de 6 fatores de risco5,10,11:
· Disfunção cognitiva – promover orientação temporo-espacial;
identificação da equipa prestadora de cuidados; permitir visita
de familiares/cuidadores;
· Diminuição da acuidade visual e auditiva – permitir o uso de
próteses auditivas e visuais;
· Privação do sono – estratégias não-farmacológicas de promoção do sono (ex: manter ritmos circadianos – claridade diurna,
promover sono noturno, sem interrupções e conforto no leito);
evitar o uso de fármacos psicoativos;
· Imobilização – mobilização e reabilitação precoces; retirar cateteres/sondas desnecessários e evitar imobilizações;
· Desidratação – nutrição e hidratação adequadas; controlo hidro-eletrolítico adequado;
· Controlo adequado da dor.
Embora o tipo de anestesia tenha pouca importância no desenvolvimento de DPO, o anestesiologista tem um papel fundamental na redução do risco. Na avaliação pré-anestésica, pode identificar os doentes
com risco aumentado, pela avaliação do estado físico e mental e pelos
hábitos medicamentosos. Nos doentes idosos e com múltiplos fatores
de risco, deverá manter no intra e pós-operatórios um controlo ótimo
da oxigenação, tensão arterial, equilíbrio hidro-eletrolítico e dor.
Os fármacos são também fatores precipitantes para o desenvolvimento
de DPO. Muitos são administrados rotineiramente no intra-operatório,
e não podem ser substituídos/eliminados. Assim, deve administrar-se
a menor dose possível para o efeito desejado e preferir fármacos com
semi-vida de eliminação curta.10
· Benzodiazepinas – evitar em doentes com múltiplos fatores de
risco. A quantidade administrada está diretamente relacionada
com a incidência e severidade do DPO.
· Anticolinérgicos – a atropina e a escopolamina devem ser usadas
apenas se necessário, porque a diminuição da actividade de acetilcolina no cérebro está associada ao desenvolvimento de delirium.
O glicopirrolato, uma anima quaternária, tem menor penetração
na barreira hemato-encefálica, podendo ser uma boa opção.10
· Opióides – podem precipitar ou contribuir para o DPO (principalmente a petidina).12 No entanto, um controlo inadequado da
dor é também um fator de risco, pelo que deve optar-se por uma
analgesia multimodal, reduzindo a dose de opióide.
· Propofol – associado ao desenvolvimento de delirium em doentes
sedados e em ventilação mecânica, em unidades de cuidados
intensivos (UCI). Em alguns estudos realizados em UCI’s, a dex| 91 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
medetomidina, agonista dos receptores adrenérgicos α2, usado
para sedação, está associada a menor taxa de delirium, quando
comparada com benzodiazepinas e propofol.13-16 A ketamina, em
doses baixas, na indução anestésica, também está associada a
menor incidência de DPO.16
ABORDAGEM SUBSEQUENTE
Atualmente não existe tratamento farmacológico aprovado para o
DPO, pelo que a identificação e o tratamento das causas médicas
subjacentes (dor, hipóxia, alterações hidro-eletrolíticas, infeção, etc)
e as medidas não farmacológicas (ver abordagem imediata) são o
principal pilar do tratamento.
Para os doentes em que as medidas não farmacológicas se mostram
insuficientes, os antipsicóticos de primeira geração (haloperidol) são
a primeira linha no tratamento da agitação associada ao delirium.
O haloperidol deve ser administrado por via endovenosa (ev) (também
usada a via intramuscular) e a dose titulada ao doente e à severidade
do DPO – 0,5 a 1 mg, repetida a cada 30 min-1 h. Se após administração de 3 mg não existir efeito, é pouco provável que o doente
responda ao tratamento com haloperidol.17
Quando administrado de forma pontual, o haloperidol não está associado a aumento da mortalidade. Um eletrocardiograma basal e monitorização electrocardiográfica devem ser realizados em doentes de alto
risco (idosos, patologia aterosclerótica, cirurgia major) medicados com
doses altas de antipsicóticos, pelo risco de prolongamento do intervalo
de QT. A sua administração profilática não tem eficácia comprovada.
Os antipsicóticos de segunda geração (ex: olanzapina, risperidona),
embora com menor incidência de efeitos secundários, têm ainda
poucos estudos realizados no tratamento do DPO.10
A dexmedetomidina, embora com resultados promissores, ainda não
tem evidência clara que suporte a sua utilização no tratamento do DPO.16
INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR
O tratamento primário do DPO é identificar e tratar as causas subjacentes. Assim, é recomendado que o médico tenha um leque de diagnósticos diferenciais e elimine causas de forma sistemática. Os exames
laboratoriais e de imagem devem ser pedidos de acordo com a história
clínica e o exame físico, dando especial enfoque ao exame neurológico.
Exames laboratoriais – ionograma, creatinina, ureia, glicose, hemograma, gasimetria, sumária de urina, função hepática (se suspeita de
insuficiência hepática pela história clínica)
TC/RM crânio-encefálica – na ausência de défices neurológicos focais
têm pouco valor diagnóstico. Deve ser limitado ao doente com elevado
risco de AVC, no qual não se encontra outra causa de delirium e na
presença de défices neurológicos focais de novo. No doente com DPO,
a sedação, que pode prolongar ou agravar o delirium, é muitas vezes
necessária para a realização do exame.
| 92 |
10. ESTADO CONFUSIONAL / ALT. DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA PÓS-OPERATÓRIO
Identificação do doente com
risco elevado de DPO
I
N
T
R
A
O
P
E
R
A
T
Ó
R
I
O
·E
vitar/usar doses baixas de
benzodiazepinas, anticolinérgicos,
opióides
· Controlo da dor - analgesia
multimodal
· Manter estabilidade hemodinâmica
e evitar hipóxia
· Fluidoterapia adequada – evitar
desidratação e desequilíbrios hidroeletrolíticos
P
Ó
S
O
P
E
R
A
T
Ó
R
I
O
MEDIDAS NÃO FARMACOLÓGICAS
· Ambiente calmo e sereno
· Orientação temporo-espacial
· Visita de familiares/cuidadores
· Próteses auditivas e visuais
· Mobilização e reabilitação precoces
· Retirar cateteres e sondas
· Evitar imobilização do doente
· Estratégias não farmacológicas de
promoção do sono
· Hidratação e nutrição adequadas
·
·
·
·
·
·
·
IDENTIFICAÇÃO DE CAUSAS
SUBJACENTES
Hipóxia
Dor
Alterações hidro-eletrolíticas
Anemia
Infeção
Insuficiência renal/hepática
Abstinência alcoólica
DIAGNÓSTICO
·E
xame Físico -exame
neurológico cuidado
· CAM – idealmente
avaliar 2 vezes por dia
· Exames laboratoriais
· TC/RM-CE
TRATAMENTO FARMACOLÓGICO
Haloperidol 0,5 a 1 mg ev, repetido
a cada 30 min-1h, se necessário,
até 3 mg
Figura 2 - Algoritmo para a abordagem do delirium pós-operatório
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
DIAGNÓSTICOS DE EXCLUSÃO
· Disfunção cognitiva pós-operatória – deterioração da cognição,
sem alteração do estado de consciência, que ocorre semanas a meses
após a cirurgia e a anestesia; sem flutuações e que pode perdurar
por vários meses.5,7,10
· Demência – início insidioso, progressivo, sem flutuações. A atenção
e as memórias remotas estão normalmente intactas.
· Depressão – frequentemente confundida com o delirium. Ambos
estão associados a distúrbios de sono, dificuldades de atenção e
concentração. A depressão está normalmente associada a disforia e
tem menor flutuação ao longo do dia.
· Doença bipolar – a mania pode confundir-se com delirium hiperactivo, com agitação, delírio e comportamento psicótico. Associada
normalmente a episódios prévios de depressão ou mania.
· Síndromes neurológicos focais /AVC – podem mimetizar o DPO.
· Temporo-parietal – doentes com afasia de Wernicke, mimetizam
DOP. No entanto, o problema é restrito à linguagem, com as
restantes funções mentais intactas.
· Occipital – síndrome de Anton com cegueira cortical e confabulação também se confunde com DPO.
· Frontais – lesões frontais bilaterais apresentam mutismo acinético, ausência de espontaneidade e de capacidade de julgamento,
labilidade emocional e incontinência.
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS
· O DPO é uma alteração da cognição muito frequente no pós-operatório, que atinge particularmente os idosos.
· O DPO é subdiagnosticado e tem um impacto negativo na morbimortalidade do doente e nos custos associados aos cuidados de saúde.
· A abordagem do DPO assenta na prevenção, através da identificação e tratamentos dos fatores precipitantes associados ao doente, à
patologia subjacente e ao pós-operatório.
· O tratamento farmacológico assume um papel secundário.
| 94 |
10. ESTADO CONFUSIONAL / ALT. DO ESTADO DE CONSCIÊNCIA PÓS-OPERATÓRIO
Referências
1. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of
mental disorder: fourth edition DSM-IV-TR. Arlington, Virginia: Amer
Psychiatric Pub; 2000.
2. Lipowski Z. Delirium in the elderly patients. N Engl J Med 1989; 320:578-82.
3. Parikh S, Chung C. Postoperative delirium in the elderly. Anesth Analg
1995; 80: 1223-32.
4. Bruce AJ, Ritchie CW, Blizard R, Lai R, Raven P. The incidence of delirium
associated with orthopedic surgery: a meta-analytic review. Int Psychogeriatr 2007; 19: 197-214.
5. Sanders RD, Pandharipande PP, Davidson AJ, Ma D, Maze M. Antecipating
and managing postoperative delirium and cognitive decline in adults. Br
Medical J 2011; 343: d4331.
6. Fernández FV, Jentoft AJC. Delirium: etiology and pathophysiology. Rev
Esp Geriatr Gerontol. 2008;43 Suppl 3:4-12.
7. Mashour GA, Woodrum DT, Avidan MS, Neurological complications of
surgery and anaesthesia. Br J Anaesthesia 2014; Sep 8. pii: aeu296.
8. Kiely DK, Jones RN, Bergmann MA, et al. Association between psychomotor
activity delirium subtypes and mortality among newly admitted postacute
facility patients. J Gerontol A Biol Sci Med Sci 2007; 62(2): 174-9.
9. Ely EW, Margolin R, Francis J, et al. Evaluation of delirium in critically ill
patients: validation of the Confusion Assessment Method for the Intensive
Care Unit (CAM-ICU). Crit Care Med 2001; 29 (7): 1370-9.
10. Friese MB, Beutler S. An Update on Postoperative Delirium. Advances in
Anesthesia 2012; 30: 1-12.
11. Rudolph JL, Marcantonio ER. Postoperative Delirium: Acute Change with
Long-Term Implications. Anesth Analg 2011; 112: 1202-11.
12. Marcantonio ER, Juarez G, et al. The relationship of postoperative delirium
with psychoactive medications. JAMA 1994; 272: 1528-22.
13. Riker RR, Shehabi Y, Bokesch PM, et al. Dexmedetomidine vs midazolam
for sedation of critically ill patients: a randomized trial. JAMA 2009;
301(5): 489-99.
14. Maldonado JR, Wysong A, van der Starre PJ, Block T, Miller C, Reitz BA.
Dexmedetomidine and the reduction of postoperative delirium after cardiac
surgery. Psychosomatics 2009; 5: 206-17.
15. Pandharipande PP, Sanders RD, Girard TD, et al. Effect of dexmedetomidine
versus lorazepam on outcome in patients with sepsis: an a prior-designed
analysis of the MENDS randomized controlled trial. Crit Care 2010; 14(2): R38.
16. Reade MC, Finfer S. Sedation and Delirium in the Intensive Care Unit. N
Engl J Med 2014; 370: 444-54.
17. Girard TD, Pandharipand PP, Carson SS, et al. Feasibility, efficacy, and safety
of antipsychotics for intensive care unit delirium: the MIND randomized,
placebo-controlled trial. Crit Care Med 2010; 38:428-37.
| 95 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
Joana Gonçalves e Tânia Ralha
DEFINIÇÃO
Complicações pós-transfusionais são todas as reações adversas decorrentes da administração de sangue e hemoderivados, capazes de
causar dano ao doente, com manifestação clínica precoce ou tardia e
com risco variável de morbilidade e/ou mortalidade. Podem assim ser
classificadas em agudas ou tardias, de acordo com o tempo decorrido
desde a transfusão até ao aparecimento dos primeiros sintomas.1
De acordo com a definição proposta pelo United Kingdom Serious Hazards Of Transfusion group (SHOT), pela International Haemovigilance
Network (IHN) e pela International Society for Blood Transfusion
(ISBT), entende-se por reações transfusionais agudas (RTA) todas as
reações patológicas não hemolíticas febris ou alérgicas que ocorrem
nas primeiras 24h após a administração de produtos sanguíneos.
Outras reações agudas graves como as hemolíticas, a contaminação
bacteriana com ou sem resposta séptica e as associadas a complicações
pulmonares, nomeadamente lesão pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI), sobrecarga circulatória associada à transfusão (TACO)
e dispneia associada à transfusão (TAD), são excluídas da definição
primária e consideradas como entidades nosológicas independentes.2
As reações transfusionais tardias podem manifestar-se dias, semanas
ou mesmo anos após a transfusão e resultam maioritariamente da
ativação imunológica do organismo ou de infeção.3
Neste capítulo será abordado o manuseamento das reações que
ocorrem nas primeiras 24 horas pós transfusão e que poderão manifestar-se durante a permanência do doente na Unidade de Cuidados
Pós-Anestésicos sob a forma de eventos críticos.
A Tabela 1 apresenta uma proposta de classificação de acordo com
a semiologia das diferentes entidades.
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11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
Tabela 1 - Complicações pós transfusionais
Ligeira
Febril não hemolítica Moderada
Alérgica
RTA
Mista
NÃO INFECIOSAS
Agudas
Hipotensiva
Severa
Ligeira
Moderada
Severa/anafilaxia
Ligeira
Moderada
Severa
Moderada
Severa
Reações hemolíticas precoces
TRALI
Complicações
TACO
pulmonares
TAD
Lesão renal aguda associada à transfusão
INFECIOSAS
Distúrbios eletrolíticos, ácido-base e da temperatura
Reações hemolíticas tardias
Púrpura pós-transfusional (PPT)
Doença do enxerto versus hospedeiro (DEVH-PT)
Tardias Imunomodulação pós-transfusional (TRIM)
Aloimunização
Microquimerismo
Sobrecarga de ferro
Agudas Contaminação bacteriana com ou sem reação séptica
Hepatites (B e C)
Virus da imunodeficiência humana (VIH) I/II
Citomegalovirus
Virus linfotrópico-T humano (HTLV) I/II
Sífilis
Tardias
Brucelose
Babesiose
Malária
Parvovirus
Priões
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
INCIDÊNCIA E ETIOLOGIA
A incidência de infeções associadas à transfusão diminuiu consideravelmente nos últimos anos com os avanços nas técnicas de rastreio
e processamento sanguíneo. Pelo contrário os riscos não infeciosos
da transfusão são neste momento 1000 vezes mais prováveis do que
uma complicação infeciosa. Como tal os doentes têm hoje maior
probabilidade de sofrer uma complicação não infeciosa grave pós-transfusional.4
No espetro das complicações agudas as reações febris não hemolíticas
e alérgicas (RTA) são as mais frequentemente reportadas, embora a sua
verdadeira incidência seja incerta. Nem todos os países e instituições
têm um sistema de hemovigilância ativo, por outro lado a maior parte
dos sistemas apenas colhe informação relativa às reações mais graves
resultando deste facto uma incidência subestimada.
No relatório anual do SHOT de 2014 as três grandes causas de reações
transfusionais no Reino Unido foram: 1º O erro humano; 2º RTA; 3º
TACO.5 Nos Estados Unidos a TRALI foi a maior causa de mortalidade
entre 2008 e 2012.6 O mesmo não se verificou no Reino Unido onde
o número de casos e a gravidade dos mesmos foi relativamente baixa
A prevenção do erro clínico e laboratorial tem sido alvo de inúmeras
ações integradas nos protocolos de segurança do doente adotados
pelas instituições. Mas o desenvolvimento de estratégias preventivas
das complicações não associadas ao fator humano nem sempre tem
sido possível, pelo facto da grande maioria dos mecanismos etiológicos subjacentes não estar completamente esclarecida.7,8
Apesar desta indefinição etiológica, doentes propensos a reações
severas devem ser alvo de estratégias transfusionais preventivas,
na impossibilidade de se identificar a causa que motiva tais reações
exacerbadas.9
Na tabela 2 são apresentadas as principais complicações transfusionais categorizadas de acordo com a sua etiologia imunológica ou
não imunológica.
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11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
Tabela 2 – Reações Transfusionais Agudas
TIPOS DE REAÇÃO
CAUSA PRINCIPAL
IMUNOLÓGICAS
Febril não
hemolítica
Anticorpo do paciente contra antigénios leucocitários do
dador
Urticariforme
Anticorpo do paciente contra proteínas plasmáticas do
dador
Anafilática
Anticorpo do paciente contra IgA do plasma do dador
Hipotensão
Produção de cininas por ativação do sistema de contacto
da coagulação (doentes de risco: sob IECAs)10
Hemolítica
Incompatibilidade ABO
TRALI
Anticorpos passivos do dador contra leucócitos do
paciente
Lesão Renal Aguda
Não esclarecido: eritrócitos armazenados com alterações
morfológicas e bioquímicas irreversíveis ativam estado pró
inflamatório com exacerbação do stress oxidativo?
NÃO IMUNOLÓGICAS
TACO
Sobrecarga volémica (doentes de risco: patologia cardíaca,
doença renal, extremos de idade, doente crítico)
TAD
Não esclarecido
Contaminação
bacteriana
Contaminação do hemocomponente por bactérias
Embolia gasosa
Infusão endovenosa de ar
Hipotermia
Infusão rápida de hemocomponente frio
Hipercaliémia
Infusão rápida de várias unidades de sangue armazenado
Hipocalcémia
Transfusão massiva de sangue citratado
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Tabela 2 – Reações Transfusionais Agudas (cont.)
TIPOS DE REAÇÃO
CAUSA PRINCIPAL
IMUNOLÓGICAS
Hemolítica tardia
Resposta amnéstica ao antígénio eritrocitário transfundido
DEVH-PT
Linfócitos funcionais no hemocomponente transfundido
PPT
Desenvolvimento de anticorpo antiplaquetário (anti
HPA-1a)
Aloimunização
Aloanticorpos contra antigénios eritrocitários ou contra
anticorpos HLA classe 1 ou contra antigénios plaquetares
(HPA)
Microquimerismo
Linfócitos do dador em residência permanente no receptor;
coexistência de duas linhas celulares
TRIM
Não esclarecido: supressão do sistema imunitário por
leucócitos circulantes do dador.
NÃO IMUNOLÓGICAS
Sobrecarga de ferro Múltiplas transfusões
Hepatites (B e C)
VIH
Citomegalovirus
HTLV I/II
Doenças infeciosas
Sífilis
Brucelose
Babesiose
Malária
Parvovirus
Priões
6, 11
Adaptado de: Medicina, Ribeirão Preto, nº 36 e de Miller, 8th edition.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
Sendo as RTA as complicações mais comuns e com maior impacto
em termos de morbilidade serão o principal foco de abordagem
deste capítulo.
De acordo com a IHN/ISBT12 as RTA febris e alérgicas podem ocorrer
até 4 horas após a transfusão e as hipotensivas até 1 hora após a
infusão endovenosa do hemoderivado.
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11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
REAÇÕES TRANSFUSIONAIS AGUDAS
A. Reação febril não hemolítica
· LIGEIRA – Temperatura ≥ 38ºC e um aumento entre 1 e 2ºC relativamente aos valores basais pré-transfusionais, sem outros sinais
ou sintomas associados;
· MODERADA – Aumento na temperatura basal ≥ a 2ºC, ou febre
≥39ºC e/ou: tremores, arrepios, outros sinais/sintomas inflamatórios
tais como mialgias ou náuseas, que podem precipitar a suspensão
da transfusão;
· SEVERA – Aumento na temperatura ≥ a 2ºC, ou febre ≥39ºC e/ou
tremores, arrepios, ou outros sinais/sintomas inflamatórios tais como
mialgias ou náuseas que podem precipitar a suspensão da transfusão
e intervenção médica e/ou que resulta diretamente em internamento
ou prolongamento da estadia hospitalar.
B. Reação alérgica
· LIGEIRA – Rubor transitório, urticária ou exantema;
· MODERADA – Sibilos ou angioedema com ou sem rubor, urticária
ou exantema, mas sem compromisso respiratório ou hipotensão;
· SEVERA – Broncospasmo, estridor, angioedema ou alterações
circulatórias que exigem intervenção médica urgente e/ou que
resultam em internamento ou prolongamento da estadia hospitalar
ou ANAFILAXIA (reação de hipersensibilidade generalizada grave
ameaçadora à vida com perda rápida da permeabilidade da via aérea
e/ou problemas ventilatórios e/ou hemodinâmicos, normalmente
associados a alterações da pele e mucosas).
C. Reação mista
· LIGEIRA – Reação com caraterísticas da reação febril ligeira e da
reação alérgica ligeira;
· MODERADA – Reação com caraterísticas típicas das reações febris
e alérgicas com pelo menos uma delas na categoria das moderadas;
· SEVERA – Reação com caraterísticas típicas das reações febris e
alérgicas com pelo menos uma delas na categoria das severas.
D. Reação hipotensiva
· MODERADA – Queda isolada na pressão arterial sistólica ≥ 30mmHg,
que ocorre durante ou até uma hora após o término da transfusão e
uma pressão arterial sistólica de 80 mmHg ou menos na ausência de
sintomas alérgicos ou anafiláticos. Sem necessidade de intervenção.
· SEVERA – Hipotensão, como definida previamente, que conduz a choque (acidémia, comprometimento multiorgânico) sem sintomas inflamatórios ou alérgicos. Necessidade de intervenção médica imediata.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Todas as entidades nosológicas anteriormente definidas que fazem
diagnóstico diferencial com as RTA (TRALI, TACO, contaminação
bacteriana, reações hemolíticas) podem surgir com sinais clínicos
idênticos aos descritos e variáveis graus de severidade, sendo extremamente difícil um diagnóstico etiológico imediato.12 Como tal
a abordagem por tipo de sintomas/sinais e gravidade dos mesmos
deve ser preferencial.
De entre os sinais e sintomas das RTA destacam-se assim:
· Febre, tremores, arrepios, mialgia, astenia, náuseas ou vómitos;
este quadro pode ocorrer igualmente na hemólise aguda, TRALI e
contaminação bacteriana. Hemólise por incompatibilidade ABO é
pouco provável se a unidade de sangue correta foi administrada;
TRALI é rapidamente excluída se não houver sintomas respiratórios; contaminação bacteriana deve ser considerada quando o
aumento na temperatura é ≥2ºC e se o componente sanguíneo
estiver descorado ou com partículas anormais em suspensão.
Sinais e sintomas cutâneos incluindo urticária, exantema (eritematosos ou maculopapular) e prurido; comum nas reações alérgicas.
· Angioedema que pode ser precedido de formigueiros, ardor ou
picadas em torno da face e lábios; a boca e os olhos são frequentemente atingidos, enquanto o envolvimento da língua e laringe
é menos frequente; comum nas reações alérgicas.
Sintomas e sinais respiratórios incluindo dispneia, estridor, sibilos
e hipoxia. A dispneia é um dos sintomas menos específico e o seu
manuseamento exige exame físico suportado por exames radiológicos e gasometria. Causas possíveis: alergia, TRALI, TACO e TAD.
Estridor e sibilos são mais frequentes nas reações alérgicas mas
também podem ocorrer em doentes com TACO. Edema pulmonar
e ralas basais com confirmação radiológica sugerem TACO ou
TRALI e auxiliam à exclusão de alergia. Dispneia isolada sugere
TAD. A clínica pode ainda estar relacionada com a patologia de
base e comorbilidades.
· Hipotensão: É uma caraterística comum mas não específica, de
hemólise aguda, reação alérgica grave, contaminação bacteriana
ou TRALI. Raramente, ocorre de forma isolada sendo os doentes
sob IECAs ou com défice genético de degradação da bradicinina
os que apresentam maior risco.
· Dor: Dor muscular generalizada nas reações febris; dor no local
da infusão, abdómen, tórax e região lombar associada a reações
hemolíticas agudas sobretudo por incompatibilidade ABO; dor torácica pode também ser um sinal ocasional de reações anafiláticas.
· Ansiedade severa ou sensação de morte iminente: Comum na
presença de hemólise aguda grave por incompatibilidade ABO ou
perante contaminação bacteriana.
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11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
· Diátese hemorrágica com início agudo: Altamente sugestivo
de coagulação intravascular disseminada. A transfusão deve ser
suspensa de imediato.
· Progressão rápida para anafilaxia: a transfusão deve ser suspensa
de imediato e devem ser implementadas medidas de abordagem
do doente crítico.
ABORDAGEM IMEDIATA
O manuseamento é orientado de acordo com a avaliação precoce dos
sintomas, sinais clínicos e gravidade da reação.
De acordo com as guidelines publicadas em 2012 no BJH pela BCSH
Blood Transfusion Task Force: (Definição da qualidade da evidência
(A-C) e força da recomendação (Forte [grau 1], Fraca [grau 2]).
O tratamento inicial das RTA não depende de classificações etiológicas/nosológicas e deve ser dirigida por sinais e sintomas. O tratamento de reações severas não deve ser adiado até os resultados da
investigação estarem disponíveis (1C).
Se um doente desenvolve sintomas ou sinais de novo durante uma
transfusão, esta deve ser suspensa temporariamente, mantendo-se no
entanto o acesso venoso permeável com infusão cristaloide salina.
Confirmar na pulseira de identificação do doente a sua identidade
e a compatibilidade da informação com o rótulo do componente
sanguíneo em transfusão. Efetuar inspeção visual do componente
sanguíneo (exclusão de alterações compatíveis com contaminação)
e avaliar o doente com um exame físico standard (1C).
O médico responsável pelo doente deverá ser notificado e deve contactar-se o serviço de sangue/laboratório de hematologia.
1. Reações ligeiras
1.1. Reações febris ligeiras isoladas: paracetamol oral (500 a 1000
mg em adultos). Não está esclarecido o risco/benefício do uso
de AINEs.13
1.2. Reações alérgicas ligeiras: manter transfusão a uma taxa de infusão
mais lenta; administrar anti-histamínico (clemastina 1 mg oral).
1.3. Reações mistas ligeiras: conciliar as duas terapêuticas.
1.4. Se não houver melhoria clínica dentro de 30 minutos ou se houver
agravamento dos sinais e/ou sintomas, tratar como reação moderada.
2. Reações moderadas
2.1. Reações febris moderadas isoladas transitórias não sustentadas:
tratamento sintomático (paracetamol 1 g oral/ev, clemastina 1 mg
oral/2 mg ev). Ponderar petidina 25 mg IM se tremores intensos.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
2.2. Reações alérgicas moderadas isoladas: clemastina 1 mg oral/2mg
ev, broncodilatador (salbutamol 200 mcg – 2 puffs) e oxigenoterapia de suporte. Ponderar a administração de corticoide ev (pe.
metilprednisolona 40 mg).
2.3. Reações mistas moderadas: conciliar as duas terapêuticas.
2.4. Reações febris moderadas sustentadas: considerar a possibilidade
de contaminação bacteriana ou reação hemolítica.
2.5. Enviar a unidade em transfusão com o respetivo sistema para o
Laboratório de Hematologia para investigação.
2.6. Enviar uma amostra de urina e de sangue sem preparação para Laboratório de Bioquímica/Patologia Clínica (sumária, função renal
e hepática); uma amostra de sangue em EDTA para o Laboratório
de Hematologia; as duas amostras de sangue devem ser colhidas
em veia diferente da transfusão; juntar formulário de requisição
para investigação de reação transfusional da instituição.
2.7. Monitorizar a diurese e observar sinais de hemólise nas 24 horas
seguintes.
2.8. Se houver melhoria clínica reiniciar transfusão lentamente com
outra unidade e vigiar.
2.9. Na ausência de melhoria clínica dentro de 15 minutos ou se
agravamento dos sinais e sintomas tratar como reação potencialmente fatal.
3. Reações severas
Medidas gerais
· Assegurar a permeabilidade da via aérea e iniciar oxigenoterapia
com máscara de alto débito.
· Na presença de sibilos sem obstrução da via aérea considerar nebulização com um agonista B2 inalado de curta duração (salbutamol).
· Monitorizar pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória,
temperatura, saturação de O2, balanço hídrico e diurese (iniciar a
recolha da urina das 24 horas).
3.1. Hipotensão grave/ choque associada a sibilos ou estridor
3.1.1. Administrar adrenalina IM:
· Adultos e crianças> 12 anos: 0,5 ml de adrenalina 1:1000
(500 mcg) na face ântero-lateral do terço médio da coxa;
3.1.2. Repetir, se necessário, em intervalos de 5 minutos de acordo
com os valores de pressão arterial, pulso periférico e função
respiratória.
3.1.3. Terapia de suporte:
· Ressuscitação inicial com bólus de cristalóides (fluid challenge),
500 a 1000 ml;
· Clemastina 2 mg IM ou infusão endovenosa lenta após a
ressuscitação inicial;
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11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
· Hidrocortisona 200 mg IM ou infusão endovenosa lenta após
a ressuscitação inicial;
· Se o doente mantiver sintomas continuados de asma/sibilância, considerar repetição da terapêutica broncodilatadora.
3.1.4. Discutir caso com a imunoalergologia para que se possa proceder a uma avaliação e investigação direcionadas.
3.1.5. A administração de adrenalina ev deve ser utilizada como
último recurso na impossibilidade de reversão das alterações
hemodinâmicas com a conduta anterior, devendo o anestesiologista ser extremamente criterioso:
· Se hipotensão mantida: 5 a 10 mcg ev com repetição da dose
até se obter efeito.
· Se colapso cardiovascular: 0,1 a 0,5 mg ev diluídos em 10 ml
de soro fisiológico a perfundir em 5 minutos; se necessário,
repetir a dose em intervalos de 5 a10 minutos;
· Se necessidade de perfusão contínua para manutenção da
pressão arterial, administrar de acordo com tabelas de perfusão
em vigor na UCPA.
3.2. Hipotensão grave/choque sem sinais clínicos de anafilaxia ou
sobrecarga volémica
· Considerar incompatibilidade ABO ou contaminação bacteriana.
· Hipotensão grave também pode ocorrer na TRALI, embora o
quadro clínico seja dominado predominantemente pela dispneia.
· Num doente inconsciente/sedado/anestesiado a presença de
hipotensão e hemorragia incontroláveis poderá ser o único sinal
de uma transfusão incompatível.
3.2.1. Terapia de suporte com cristalóides, fluid challenge de 1000 ml;
3.2.2. Considerar a necessidade de suporte inotrópico (noradrenalina
de acordo com protocolo em vigor na UCPA);
3.2.3. Considerar a necessidade de suporte ventilatório e/ou renal;
3.2.4. Na suspeita de coagulação intravascular disseminada, colher
sangue para provas de coagulação (PT e aPTT) e ROTEM se disponível (INTEM, EXTEM, FIBTEM, APTEM); iniciar terapêutica
com componentes sanguíneos.
3.2.5. Se durante o processo inicial de identificação se confirmar
incompatibilidade ABO:
· Contatar de imediato o serviço de sangue para prevenir incidentes adicionais;
· Manuseamento da função renal:
a) Verificar cor da urina (hemoglobinúria);
b) Administrar furosemida ev 1 mg/kg;
c) Se o débito urinário diminuir ou existir evidência laboratorial de lesão renal aguda: manter balanço de fluidos;
administrar mais furosemida; considerar a necessidade
de suporte inotrópico se ainda não iniciado; considerar a
necessidade de diálise.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
3.2.6. Se houver suspeita de contaminação bacteriana:
· Colher duas hemoculturas (veia periférica e CVC se existir) em
local diferente do utilizado para a transfusão;
· Iniciar antibioterapia de largo espetro ev (o regime local para
doentes com sépsis neutropénica será o mais apropriado);
Notificar o serviço de sangue/laboratório de hematologia para
preparar cultura da(s) unidade(s) implicada(s) e para que outros
componentes da doação envolvida sejam colocados em quarentena;
Independentemente da etiologia subjacente: colher uma amostra de
urina e uma amostra de sangue sem preparação, em veia diferente da
que recebeu a transfusão e enviar para Laboratório de Bioquímica/
Patologia Clínica (sumária, função renal e hepática); colher uma
amostra de sangue em EDTA em veia diferente da que recebeu a
transfusão e enviar para o Laboratório de Hematologia, juntamente
com formulário de requisição para investigação de reação transfusional da instituição.
3.3. Dispneia severa sem choque
Deve-se considerar a possibilidade de TRALI,14 TACO e TAD.
TRALI – Lesão pulmonar de novo que cumpre 5 critérios5,12:
· Início agudo;
· Hipoxemia (paO2 /FiO2 <300 mmHg ou SpO2 em ar ambiente
<90%);
· Infiltrados pulmonares bilaterais em radiografia torácica ântero-posterior;
· Sem evidência de sobrecarga volémica;
· Ocorre até 6 horas após transfusão, sem relação temporal possível
com outro fator de risco alternativo de lesão pulmonar aguda.
TACO – A ISBT definiu que esta entidade inclui 4 dos critérios seguintes, até 6 horas após a transfusão5:
· Dispneia aguda;
· Taquicardia;
· Aumento da pressão arterial;
· Edema pulmonar agudo ou agravado;
· Evidência de balanço hídrico positivo.
TAD – Dispneia que ocorre até 24 horas após a transfusão e que não
preenche critérios de TRALI, TACO ou reação alérgica. A dispneia
aguda deve ser a característica clínica mais proeminente e não deve
ser explicada nem pela patologia base do doente nem por qualquer
outra causa conhecida – diagnóstico de exclusão (IHN, 2011).
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11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
Conduta comum:
1 – Assegurar permeabilidade da via aérea;
2 – Oxigenoterapia com máscara de alto débito;
3 – Investigação inicial deve incluir radiografia torácica e gasometria.
Conduta específica:
A distinção entre TRALI e TACO é fundamental pois a abordagem
inicial de ambas é praticamente antagónica.2
Tabela 3 – Diagnóstico diferencial
TRALI
TACO
Insuficiência cardíaca,
doença renal,
Doentes hematológicos e
Doentes em risco
hipoalbuminémia, idade
doentes cirúrgicos
≥70 anos, baixo peso
corporal.
Normalmente plasma ou
Tipo de componente
Todos
plaquetas
Até às 6 horas após
Até às 6 horas após
Início da apresentação
transfusão, com pico
transfusão
às 2H
Saturação de oxigénio
Reduzida
Reduzida
Frequentemente
Pressão arterial
Frequentemente reduzida
aumentada
Pressão venosa jugular
Normal
Aumentada
Normalmente sem
Temperatura
Frequentemente elevada
alteração
Edema pulmonar com ICT Cardiomegália, sinais de
Achados radiográficos
normal (0.5)
edema pulmonar
Pressão encravamento
Baixa
Elevada
artéria pulmonar
Queda nos neutrófilos e
Leucograma
monócitos seguida por
Sem alterações
leucocitose neutrofílica
3.3.1. TRALI – Não existe tratamento específico, apenas de suporte.15
3.3.1.1. Em 70% dos casos o suporte ventilatório é necessário;
3.3.1.2. O doente deve ser tratado como um portador de ARDS pelo que
se preconiza ventilação protetora com volumes de 6ml/kg e
pressões plateau 30 cmH2O; PEEP acima do ponto inferior
de inflexão da curva de volume/pressão; ajustar relação I:E e
frequência respiratória de acordo com os objetivos anteriores;
selecionar FiO2 para obter SpO2 entre 80 e 100 mmHg; ventilar
preferencialmente em modo de pressão.
3.3.1.3. Boa resposta à fluidoterapia;
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
3.3.1.4. Não administrar diuréticos de ansa com risco de aumento da
morbilidade e mortalidade em doentes que já têm depleção
do volume intravascular;
3.3.1.5. Não está provado o benefício da utilização de corticoides.
3.3.2. TACO.16
3.3.2.1. Abordar de acordo com o preconizado para o edema pulmonar
cardiogénico;
3.3.2.2. Administrar furosemida 1 mg/kg inicialmente e posteriormente de acordo com o balanço hídrico conseguido;
3.3.2.3. Fluidoterapia altamente restritiva, com risco de agravamento
do quadro clínico e progressão rápida do evento crítico.
ABORDAGEM SUBSEQUENTE
Após a ressuscitação inicial deve ser reavaliado o estado clínico do
doente com exame físico completo e monitorização de sinais vitais,
assegurando-se como ultrapassada a fase aguda do evento crítico.
Se estiverem disponíveis os primeiros resultados laboratoriais deve-se
prosseguir com o estudo etiológico.
Todos os doentes que experienciaram uma reação severa devem
ser considerados como críticos, assegurando-se o seu internamento
hospitalar.
Todo e qualquer tipo de suporte orgânico implementado deve ser
mantido até ao normal restabelecimento das funções em falência.
Estes doentes deverão ser transferidos para uma unidade de Medicina
Intensiva capaz de prosseguir com a prestação de cuidados diferenciados ajustados à gravidade da situação.
Doentes com reações moderadas devem ser avaliados caso a caso de
acordo com o seu grau de recuperação, enquanto praticamente todos
os doentes que experienciaram reações ligeiras não necessitarão de
cuidados médicos adicionais.
Doentes com antecedentes de reações transfusionais devem ser avaliados por uma equipa multidisciplinar, projetando-se um plano de
atuação futuro no caso de necessidade de nova transfusão agindo-se
de forma preventiva e antecipando novo evento critico.17
INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR
Todas as reações imputáveis à transfusão, com exceção de reações
minor, devem ser investigadas com uma bateria de testes standard
e com pesquisas específicas adicionais, ajustadas ao diagnóstico
etiológico de maior suspeição.
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11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
Independentemente do tipo de reação a primeira bateria de testes denominar-se-á investigação standard, fornecerá um registo base e será
composta por: hemograma com leucograma, provas de função renal
e hepática e pesquisa de hemoglobina na urina. Toda a investigação
para além do padrão deverá ser ajustada à presumível categoria da
reação (Tabela 4).
Sintomas
Febre (≥2ºC
ou ≥39ºC) e/
ou arrepios,
tremores,
mialgia, náuseas
ou vómitos e/ou
dor lombar
Edema das
mucosas
(angioedema)
Dispneia, sibilos
ou semiologia de
anafilaxia
Hipotensão
(queda isolada na
pressão arterial
sistólica ≥ 30mm
resultando em
valores ≤ 80
mm Hg)
2
Tabela 4 – Laboratório
Investigação
Investigação standard;
Amostras para repetir testes de compatibilidade, DAT (teste
da antiglobulina direta), LDH e haptoglobulina;
Hemoculturas;
Provas de coagulação;
Não desperdiçar a unidade implicada;
Se a reação febril for sustentada, devolver a unidade ao
laboratório, repetir a investigação serológica (testes de
compatibilidade, rastreio de anticorpos e DAT), repetir
haptoglobina e efetuar cultura da unidade;
Se dor lombar efetuar as mesmas investigações serológicas
mencionadas.
Investigação standard;
Medição dos níveis de IgA (amostra em EDTA) – se ≤0,07 g/L
e não existir hipogamaglobulinémia generalizada, efetuar
teste confirmativo com método sensitivo e pesquisar a
presença de anticorpos anti-IgA.
Investigação standard;
Confirmar saturação oxigénio ou gases sanguíneos;
Radiografia torácica (obrigatório na presença de sintomas
severos);
Se suspeita de alergia moderada-severa medir os níveis de IgA;
Se suspeita de alergia severa/anafilaxia, considerar medição
seriada da triptase mastocitária (imediata, às 3h e às 24h).
Investigação idêntica à da febre;
Se houver suspeita alérgica medir os níveis de IgA;
Se suspeita alérgica severa/anafilaxia, considerar medição da
triptase mastocitária como indicado.
Adaptado de: Br J Haematol. 2012; 159: 143–53
Doentes que tenham experienciado reações alérgicas moderadas a
severas/anafilaxia devem ser submetidos a medição dos níveis de
IgA. Se na sequência do rastreio forem detetados baixos níveis de
IgA, na ausência de hipogamaglobulinémia, deve-se efetuar novo
teste de maior sensibilidade. Deve ainda realizar-se a pesquisa de
anticorpos anti-IgA.
| 109 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Se for confirmado um défice de IgA após uma RTA deve-se encaminhar o doente para uma consulta de imunoalergologia, com o
objetivo de estruturar um plano de atuação profilático no caso de
futuras transfusões.2,17
Testes mais específicos como a pesquisa de anticorpos anti-HLA, anti-HPA ou anti-HNA não estão recomendados em rastreios de rotina,
devendo ser reservados para os casos de refratariedade à transfusão
de granulócitos e/ou plaquetas e de leucopenia e trombocitopenia
aguda pós-transfusionais.18,19
PONTOS-CHAVE/RECOMENDAÇÕES
As RTA são responsáveis por elevada morbi-mortalidade, sobretudo
se as equipas não estiverem devidamente treinadas no manuseamento
de eventos críticos agudos ameaçadores à vida.
A primeira grande causa prevenível de reações transfusionais é o
erro humano, sendo a etiologia responsável, quer na Europa quer nos
Estados Unidos, pelo maior número de casos reportados.
Deve ser estimulada a criação ou ativação de sistemas de notificação e vigilância, com equipas multidisciplinares especializadas
em transfusão, capazes de prestar apoio diferenciado em situações
críticas. Neste contexto é fundamental a comunicação com o serviço
de sangue/imunohemoterapia.
Para uma correta abordagem das RTA, a equipa médica deve dominar os conceitos e os procedimentos básicos subjacentes ao tema
da transfusão assim como os diagnósticos diferenciais a considerar.
A abordagem terapêutica destes doentes deve ser orientada pela
gravidade dos sintomas e não se devem protelar atos médicos em
detrimento de tentativas de diagnóstico etiológico.
Após o controlo de fase aguda de uma RTA moderada a grave
deve-se promover a investigação adicional do doente em questão
para diagnóstico etiológico, elaborar um plano profilático para
transfusões futuras e encaminhar os doentes para continuação de
cuidados prestados.
Para que se possam compreender padrões semiológicos tipo e melhorar os cuidados prestados há que vigiar, tratar e reportar.
| 110 |
11. COMPLICAÇÕES PÓS-TRANSFUSIONAIS
Referências
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Transfusion (SHOT) Steering Group. The 2014 Annual SHOT Report (2015).
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Haematol. 2013; 160: 434-44.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
12. ANAFILAXIA
Daniel Madeira e Joana Cortesão
DEFINIÇÃO
Atualmente, não existe uma definição de anafilaxia aceite universalmente.1
O comité de nomenclatura da European Academy of Allergy and Clinical Immunology (EAACI) propõe a definição de anafilaxia como uma
reação de hipersensibilidade grave, ameaçadora da vida, generalizada
ou sistémica.1-3 Esta caracteriza-se pelo desenvolvimento rápido de
complicações potencialmente fatais da via aérea e/ou respiração e/ou
circulação, geralmente associados a alterações da pele e/ou mucosas.1
A anafilaxia perioperatória é potencialmente fatal, resulta de drogas
ou substâncias usadas na anestesia ou cirurgia e envolve múltiplos
sistemas e órgãos.4
EPIDEMIOLOGIA
O diagnóstico da anafilaxia é frequentemente difícil, admitindo-se
que os estudos realizados sobre o tema subestimem a incidência real 1.
Durante a anestesia, a incidência global de anafilaxia varia entre
1/10.000 e 1/20.0003-5 e ocorre uma vez em cada 6500 administrações
de relaxantes neuromusculares (RNM).4 Supõe-se que a anafilaxia
associada à anestesia se tem tornado mais comum, mas a sua incidência real é mal definida.6
Em relação às características dos doentes, alguns estudos indicam que
os RNM e o látex causam mais anafilaxia em mulheres, os fumadores
parecem ter mais reações anafiláticas com antibióticos e os indivíduos
com atopia, asma ou alergias a alimentos aparentam ter um risco
aumentado de alergia ao látex.3
O prognóstico global da anafilaxia é bom, com uma mortalidade
inferior a 1% 1. O risco de morte está aumentada em indivíduos com
asma pré-existente (particularmente se mal controlada) ou quando
há um atraso no tratamento com adrenalina.1
No caso específico das reações durante a anestesia, a mortalidade
varia entre os 3 e 9%, dependendo do país e a morbilidade mais
severa ocorre em pacientes que sofrem lesões cerebrais por anoxia.5
ETIOLOGIA
As reações anafiláticas podem ser desencadeadas por uma grande
variedade de agentes, sendo os mais comuns: alimentos, fármacos,
latex e venenos. Um número significativo de anafilaxias é classificada
como idiopática quando não existe uma causa identificável.2
Os anestesiologistas administram múltiplos fármacos numa sucessão
rápida durante a anestesia geral.6 As principais substâncias responsáveis por estas reações durante a anestesia são os RNM (63%), seguidos
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12. ANAFILAXIA
pelo látex (14%), hipnóticos (7%), antibióticos (6%), substitutos do
plasma (3%) e substâncias morfina-like (2%).5
Todos os RNM podem precipitar reações de hipersensibilidade imediata e o mais frequentemente implicado é o suxametónio, apesar
de algumas reações ao rocurónio já terem sido relatadas.3 A história
prévia de exposição ao fármaco não parece ser necessária, especialmente com RNM, pois em 80% das reações a estes fármacos não havia
história prévia de uso.7 A sensibilidade cruzada entre os diferentes
RNM é frequente e problemática.6,5
Nunca foi publicada nenhuma reação anafilática aos agentes inalatórios.6,5
A anafilaxia desencadeada por antibióticos tem aumentado ao longo dos anos; espelhando a crescente exposição da comunidade aos
mesmos,3 e ocorre principalmente com penicilinas e cefalosporinas
(70%), os quais partilham o anel β-lactâmico.4
As gelatinas são responsáveis em até 95% das reações anafiláticas
aos coloides no perioperatório.3
Os opióides raramente causam anafilaxia, mas a morfina, a petidina
e a codeína podem induzir libertação de histamina.3
Durante a anestesia muitos outros agentes podem ser associados à
anafilaxia, incluindo a aprotinina, protamina, heparina, contraste
radiológico, corantes, ocitocina, glicopirrolato e neostigminas.3
Existe maior risco de reações anafiláticas em:
· doentes com alergias conhecidas a fármacos, sinais clínicos de
alergias ao latex ou em anestesias prévias,
· indivíduos muito jovens ou idosos;
· doentes com patologias concomitantes (asma, doenças cardiovasculares, patologias clonais dos mastócitos, mastocitose) e com
medicações crónicas (beta bloqueantes, IECAs);
· crianças submetidas a múltiplas cirurgias previamente (nomeadamente espinha bífida ou mielomeningocelo);
· doentes com sintomas após a ingestão de alimentos (abacate,
kiwi, banana, castanha, trigo).5,8
Nestes casos, os doentes devem ser sistematicamente investigados
(fármacos usados na anestesia prévia, na anestesia planeada, látex)
antes de serem novamente anestesiados.
Algumas doenças psiquiátricas, o consumo de etanol, fármacos
ativadores do sistema nervoso central ou drogas recreativas podem
potencialmente afetar o reconhecimento dos desencadeantes ou dos
sintomas.8
Existem também alguns cofatores que podem amplificar um episódio
anafilático agudo, nomeadamente, exercício físico, infeção aguda
em curso, febre, stress emocional, disrupção da rotina e status pré-menstrual nas mulheres.8
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
A falta de uma manifestação consistente e a variedade de apresentações possíveis tornam o diagnóstico difícil e inicialmente é presumível.4 A exposição do paciente a um possível alergénio suporta
o diagnóstico. Existe um conjunto de sinais e sintomas, nenhum
específico das reações anafiláticas, mas cuja combinação tornam o
diagnóstico provável.
A reação anafilática é inesperada.
Assim, a anafilaxia é provável quando todos os 3 critérios são encontrados:
1) início súbito e progressão rápida dos sintomas
O doente relata mal-estar generalizado e habitualmente está ansioso.
O intervalo de tempo entre o contacto com o alergénio e o início
da reação e o tipo de sintomas vão depender da concentração do
desencadeante, da via de exposição e do nível de sensibilidade
do paciente.4
No período perioperatório, a anafilaxia habitualmente ocorre em
poucos minutos e é primeiramente associada à administração de
agentes IV.4
2) compromisso potencialmente fatal da via aérea e/ou respiração
e/ou circulação
Deve ser usada a abordagem ABCDE.
Compromisso da via aérea: edema da via aérea (língua, úvula,
faringe, laringe), dificuldade na deglutição, rouquidão, estridor.
Compromisso da ventilação: dispneia, polipneia, sibilos, cianose,
confusão, paragem respiratória.
Compromisso da circulação: pele pálida e húmida, taquicardia,
hipotensão, tonturas, alteração do estado de consciência, isquemia miocárdica, paragem cardíaca. A bradicardia ocorre em
aproximadamente 10% dos pacientes com anafilaxia durante a
anestesia.3 Os eventos coronários agudos associados a reações de
hipersensibilidade foram recentemente referidos como Síndrome
Kounis ou angina/enfarte miocárdio alérgico.4
Compromisso neurológico: confusão, agitação, perda de consciência.
3) alterações da pele e/ou mucosas
Podem ocorrer como eritema (focal ou generalizado, erupção
cutânea), urticária (em qualquer localização, lesões de diferentes
formas, tamanhos ou colorações, geralmente com halo eritematoso
e pruriginosas) e angioedema (mais comum nas pálpebras e lábios,
mas também na boca e laringe). São frequentemente a primeira
manifestação a surgir e estão presentes em 80% das reações
anafiláticas, podendo ser subtis ou ausentes em até 20%.1 Assim,
a ausência de manifestações cutâneas não exclui o diagnóstico de
anafilaxia,5,7 pois podem não surgir até a circulação ser restaurada.9
Isoladamente as alterações da pele e/ou mucosas não são um sinal
de anafilaxia.
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12. ANAFILAXIA
Em alguns casos, podem estar presentes sintomas gastrointestinais
(vómitos, dor abdominal, incontinência).
Frequentemente as reações mais graves envolvem apenas um sistema
e em 10% dos casos ocorre colapso cardiovascular isolado.6
No período perioperatório, a maioria das reações anafiláticas são
após a indução e desencadeadas pelos RNM, antibióticos e indutores.
Quando o quadro clínico surge durante a manutenção anestésica estão mais frequentemente envolvidos o látex, expansores de volume,
antibióticos ou corantes.
Existem três critérios preditivos de gravidade da anafilaxia (podem
estar associados ou não): precocidade de anafilaxia após exposição
ao alergénio, ausência de sinais cutâneos e bradicardia paradoxal.4
Quando a anafilaxia é fatal, o intervalo de tempo até à morte depende
da via de contacto. As séries de casos clínicos reportam que as reações
alimentares fatais causam paragem respiratória tipicamente após 3035 minutos, as picadas de insetos causam colapso por choque após
10-15 minutos, e as mortes causadas por medicações ev ocorrem
geralmente em menos de 5 minutos. A morte nunca ocorreu depois
das 6h após o contacto com o alergénio.1
ABORDAGEM IMEDIATA
O reconhecimento precoce e o tratamento imediato da anafilaxia
são essenciais.9
Trata-se de uma emergência médica, deve ser rapidamente pedida ajuda.
Se possível, suspender de imediato o contacto (p.e. cloroexidina, látex)
ou a administração de possíveis agentes desencadeantes da reação
em curso (p.e., antibiótico, colóides).
Deve ser registada a hora de início da reação e as circunstâncias
imediatamente antes dos sintomas, para ajudar a identificar o possível
desencadeante.2
O doente deve ser posicionado o mais confortavelmente possível,
deitado com elevação dos membros e monitorizado (ECG, TA, Oximetria, FR). Se a doente estiver grávida deve ser deitada em decúbito
lateral esquerdo.9
A adrenalina é a 1ª linha no tratamento da anafilaxia 9. A sua farmacologia única justifica ser a medida terapêutica mais importante,
devido às suas ações agonista nos recetores alfa (reverte a vasodilatação periférica e reduz o edema) e beta (broncodilatador, aumenta
contratilidade miocárdica, suprime a libertação de histamina e de
leucotrienos, inibe a ativação dos mastócitos). Assim, a adrenalina não
só trata os sintomas, como também reduz a resposta de amplificação.9
A adrenalina parece ser mais eficaz quando administrada precocemente após o início da reação e nas doses adequadas.
A via intramuscular (IM) na anafilaxia é a mais indicada para a
maioria dos médicos (segura, não necessita de acesso venoso, mais
fácil de executar), em adultos na dose de 0,01 mg/kg até um máximo
de 0,5 mg (0,5 ml de adrenalina 1:1000). A adrenalina IM pode ser
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
repetida em intervalos de 5 minutos, caso não exista melhoria clínica,
mas a maioria das situações responde a 1 ou 2 administrações.8 Neste
contexto, a via ev apenas deve ser usada por médicos com experiência
na utilização de vasopressores na sua prática clínica. A dose IV de
adrenalina é 50 microgramas nos adultos. Podem ser administradas
doses repetidas de adrenalina ev, e eventualmente iniciada infusão
contínua, se hipotensão ou broncospasmo severos. A adrenalina
pode falhar na reversão das manifestações clinicas da anafilaxia
caso a sua administração seja atrasada, em doentes tratados com
beta-bloqueantes5,9 ou IECAS.9 Em alguns doentes, o risco de overdose
é mais elevado, como: idades extremas, pacientes com HTA, doença
isquémica coronária ou hipertiroidismo.9
Administrar oxigénio, o mais rapidamente possível, em elevadas
concentrações por máscara facial com reservatório ou através de
tubo traqueal.
Puncionar rapidamente acesso venoso de grande calibre (se ainda não
estiver disponível). Administrar 500-1000 ml de cristalóides (solução
de Hartmann ou cloreto de sódio 0,9% são adequadas para a ressuscitação inicial), monitorizar a resposta e se necessário infundir mais
volume. Até 35 a 70% do volume de sangue pode extravasar em 10
a 15 minutos 9, logo a fluidoterapia é essencial para compensar os
grandes desvios de fluidos e deve ser iniciada precocemente.4 Não
optar por colóides, pois estes podem ser agentes desencadeantes de
anafilaxia1 ou agravar a reação.7
Se a reação ocorrer durante o perioperatório, deve ser comunicada
ao cirurgião, e se possível cancelada a cirurgia ou terminada rapidamente.4
ABORDAGEM SUBSEQUENTE
Após a ressuscitação inicial deverão ser realizados tratamentos de
segunda linha na reação anafilática, como:
· Anti-histamínicos: a evidência que suporta a sua utilização é fraca,
mas a administração é lógica, pois os anti-histamínicos (H1) podem
ajudar a contrariar a vasodilatação e a broncoconstrição mediadas
pela histamina. A utilização de anti-histamínicos H2 no tratamento inicial da anafilaxia não é apoiada por evidência suficiente na
literatura.1 Os anti-histamínicos podem ser úteis no tratamento
sintomático da urticária, angioedema e prurido.9
· Corticosteróides: apesar de existir pouca evidência na qual basear
a dose ótima de hidrocortisona na anafilaxia, esta deverá ser injetada lentamente 200 mg ev ou IM, e pensa-se que pode ajudar
a prevenir ou encurtar reações prolongadas ou bifásicas 1,9 e são
úteis no angioedema.4
· B roncodilatadores: pode ser considerada a administração de
salbutamol (inalado ou ev), ipratrópio inalado, aminofilina e/ou
magnésio ev.
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12. ANAFILAXIA
· Outros vasopressores e inotrópicos (noradrenalina, vasopressina,
metaraminol, glucagon) são referidos em alguns estudos animais
e casos clínicos quando a ressuscitação inicial com adrenalina e
fluidos não foi bem sucedida.1,9 O glucagon pode ser vantajoso
nas reações anafiláticas em indivíduos consumidores crónicos de
beta-bloqueantes. Os pacientes que desenvolvem bradicardia podem
ser candidatos à administração de atropina ev.
A monitorização invasiva da TA é recomendável para avaliação cardiovascular, colheita de amostras de sangue e observação contínua
dos efeitos da adrenalina administrada.9
É fundamental minimizar a exposição do paciente durante a ressuscitação, pois a hipotermia potencialmente agrava o outcome com o
risco aumentado de arritmias, isquemia e coagulopatia.9
INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR
O teste específico que ajuda a confirmar o diagnóstico de uma reação
anafilática é o doseamento da triptase dos mastócitos. A triptase é a
principal proteína secretada em grânulos pelos mastócitos. Na anafilaxia, a desgranulação destas células eleva a concentração sanguínea
da triptase 30 minutos após o início dos sintomas e atinge o pico
1-2 horas depois. A semi-vida da triptase é curta (aproximadamente
2 horas) e as concentrações podem normalizar em 6 a 8 horas, pelo
que o período da colheita é muito importante.
Deve ser considerado o início da reação anafilática a hora a que os
sintomas foram notados.
Idealmente, devem ser colhidas 3 amostras:
· 1ª amostra assim que for possível após início da ressuscitação,
· 2ª amostra a 1-2 horas após o início,
· 3ª amostra às 24horas ou durante a convalescença.
Apesar de a triptase ser amplamente usada para suportar o diagnóstico de anafilaxia, não é universalmente aceite.2 Níveis normais não
excluem absolutamente o diagnóstico.6,5 A triptase nem sempre é
elevada nas crianças, quando o alergénio são alimentos ou quando
a principal manifestação clínica é respiratória.2
DIAGNÓSTICOS DE EXCLUSÃO
Devem ser considerados como diagnósticos diferenciais outras condições como: crise de asma, outros tipos de choque, episódio vasovagal,
angioedema hereditário ou adquirido, ataque de pânico e na criança
o espasmo do choro.
FOLLOW-UP
Os doentes com boa resposta à terapêutica inicial devem ser advertidos
da possibilidade de recorrência precoce dos sintomas. As guidelines
recomendam que a duração da monitorização deva ser individualizada
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
de acordo com a gravidade do episódio.8 Esta medida é particularmente importante em reações graves com início lento causado por
anafilaxia idiopática, indivíduos com asma ou componente asmático
severo, reações com possibilidade de absorção continuada de alérgeno, reações bifásicas ou pacientes com acesso difícil ao hospital.
A reação bifásica define-se como a recorrência dos sintomas, após
recuperação completa da anafilaxia, dentro das 72 horas sem nova
exposição ao alergénio, devendo ser abordada como a anafilaxia.2
A incidência de reações bifásicas é desconhecida, sendo em alguns
estudos 1-20%.8
Antes da alta, todos os doentes devem ser encaminhados a um
especialista em alergologia para investigar a causa (testes cutâneos
e doseamentos IgE específicas), reduzir os riscos (evicção de desencadeantes), preparar o doente para futuras reações (ensino do uso de
canetas auto-injetoras) e receber instruções para voltar ao hospital
em caso de recidiva dos sintomas. No que concerne à terapêutica
farmacológica aquando da alta, podem ser considerados: anti-histamínicos e corticoides orais até 3 dias e a prescrição do auto-injetor de
adrenalina para acompanhar permanentemente o doente, bem como
informação escrita sobre a reação ocorrida e alérgeno envolvido. Em
alguns casos, pode estar indicada a realização de imunomodulação
ou dessensibilização.8
Em contexto perioperatório, o doente com antecedentes de alergia
aos anestésicos não deverá ser novamente submetido a qualquer técnica anestésica, sem antes ser devidamente estudado, pois tem risco
aumentado de recorrência durante as anestesias subsequentes 4 e as
reações cruzadas entre alguns agentes anestésicos atingem os 80%.6
É responsabilidade da equipa anestésica a notificação da reação
anafilática,7 a realização de registos adequados de alerta e a transmissão da informação objetiva ao doente sobre a situação. O doente
deve ser sempre portador de uma carta e/ou cartão de identificação
de alergias.5
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS
O diagnóstico de anafilaxia perioperatória pode ser falhado por se
tratar de uma situação infrequente e pela apresentação ter uma instalação rápida com sinais clínicos variáveis. Assim, o anestesiologista
deve manter sempre presente a possibilidade de estar perante uma
reação anafilática para que o tratamento seja adequado e precoce e
o outcome favorável.
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12. ANAFILAXIA
Referências
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World Allergy Organization anaphylaxis guidelines: summary. J Allergy Clin
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9. Australian and New Zealand Anaesthetic Allergy Group. Anaphylaxis Management Guidelinesroduction. 2013.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
13. DOR PÓS-OPERATÓRIA
Lúcia Quadros e Rita Borges
DEFINIÇÃO E ETIOLOGIA
A dor aguda pós-operatória (DAPO) define-se como a dor presente
num doente cirúrgico após ser submetido a um procedimento. Resulta
diretamente da agressão cirúrgica ou de complicações associadas ao
procedimento.
O manuseamento da DAPO refere-se às atitudes terapêuticas colocadas
em prática antes, durante e após um procedimento cirúrgico com o
objetivo de reduzir ou eliminar a dor pós-operatória antes da alta.1
Um estudo recente revelou que a principal preocupação dos doentes
no período pré-operatório é relativa à dor do pós-operatório; no
entanto, a maioria dos doentes continua a experienciar dor de intensidade moderada a severa nesse período[2] e menos de metade dos
doentes referem adequado alívio da dor pós-operatória.3
O inadequado controlo da dor afeta negativamente a qualidade de
vida, atrasa a reabilitação funcional, prolonga o tempo de hospitalização e aumenta a taxa de reinternamento, aumenta o risco de
complicações pós-cirúrgicas e de dor crónica pós-cirúrgica.4-6
As ciências básicas e os dados clínicos têm evidenciado que as alterações no sistema nervoso central persistem para além da duração do
estímulo cirúrgico, e que este provoca um estado de sensibilização
central ou hiperexcitabilidade que amplifica os impulsos subsequentes e agrava a DAPO. Interrompendo a transmissão dos estímulos
ao longo de todo o seu trajeto, utilizando também uma abordagem
preventiva, poderemos conseguir uma redução da intensidade da dor,
uma diminuição do consumo de analgésicos e uma menor tendência
para evoluir para dor crónica.7
O controlo da dor tem por isso de ser incluído no planeamento integrado dos cuidados perioperatórios. Esta integração baseia-se na
reconhecida vantagem da escolha de técnicas analgésicas que se possam associar e/ou complementar nos períodos pré e intraoperatórios
e que possibilitem a sua continuação no pós-operatório, promovendo
um adequado e eficaz alívio da dor aos doentes cirúrgicos.1
A unidade de cuidados pós-anestésicos (UCPA) é incontornável neste
processo. Foi demonstram que a maioria dos pacientes, com um score
de dor ≤ 4 após alta da UCPA, terá a sua dor controlada de forma
adequada. Os analgésicos administrados na UCPA continuam a ser
eficazes após transferência para as outras unidades. Num estudo
realizado em doentes submetidos a cirurgia abdominal, verificou-se
uma relação entre os scores de dor no momento da alta da UCPA, e o
tempo até à administração da primeira dose de medicação analgésica
na unidade de transferência.8
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13. DOR PÓS-OPERATÓRIA
EVOLUÇÃO NA ABORDAGEM DA DAPO
Historicamente, o controlo da dor na UCPA baseava-se essencialmente na titulação de opióides, com eventual associação de fármacos
não-opióides.9
Sendo esta uma área em constante evolução, temos hoje ao dispor
novos fármacos, formas de administração e opções terapêuticas.
O surgimento do conceito de analgesia multimodal veio mudar o
paradigma na abordagem da dor, com os analgésicos não-opióides a
tornarem-se o pilar da terapêutica, recorrendo aos fármacos opióides
de acordo com as necessidades.1,9 Analgésicos intravenosos não-opióides como paracetamol, cetorolac e parecoxib são convincentes nos
seus efeitos poupadores de opióides.9
As técnicas de anestesia e analgesia local e regional assumem-se
hoje com um papel de destaque neste âmbito, ao demonstrar óptimos resultados na eficácia analgésica, menor consumo de opióides
e superior satisfação dos doentes.9 Também a opção por fármacos
administrados por via oral pode ser considerada, nomeadamente em
doentes operados em regime de ambulatório.3,9 A satisfação do doente
prende-se diretamente com dois fatores: a eficácia no tratamento da
dor, e os efeitos secundários resultantes.
As Unidades de Dor Aguda (UDA) surgiram com o objetivo de organizar a analgesia pós-operatória.1 Estas unidades funcionais têm
como funções a organização e determinação do modelo de utilização dos espaços físicos para a permanência dos doentes operados,
para vigilância, terapêutica ativa e recuperação tardia, todas elas
com os recursos humanos e o equipamento mínimo considerado
imprescindível.10
A dor na UCPA, para além de ser indesejável devido ao sofrimento
que representa para o doente, prolonga a permanência do doente
na UCPA, com os compreensíveis custos económicos associados.10
APRESENTAÇÃO CLÍNICA E AVALIAÇÃO DA DOR
A dor é um fenómeno multidimensional complexo. A sua avaliação
no período pós-operatório é desafiante, devendo o primeiro passo ser
a adequada caracterização da dor.
Estão descritos cinco tipos de dor9:
· Nocicetiva: descrita como moinha, dor fina, facada, latejante,
pulsátil, peso;
· Neuropática: descrita como dormência, formigueiro, picada,
queimadura, guinada, compressão, aperto, frio doloroso, choque
elétrico;
· Psicogénica: as queixas de dor não coincidem com os sintomas;
· Mista: características de dor nocicetiva e neuropática em simultâneo;
· Idiopática
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A DAPO resulta, antes de mais, da lesão estrutural dos tecidos diretamente lesados, mas também de alterações nas vias cerebrais e
nervosas, pelo que se justifica que a dor resultante seja muitas vezes
uma dor mista e complexa.11
As Guidelines on the Management of Postoperative Pain (2016) da
American Pain Society sugerem um modelo para avaliação da DAPO3:
· Início e padrão da dor – quando começou? Com que frequência
ocorre? A intensidade mudou?
· Localização – onde se localiza a dor? É no local da incisão, dor
referida, tem outra localização?
· Qualidade da dor – como descreve a dor?
· Intensidade – qual a intensidade da dor?
· Fatores de alívio e agravamento – que fatores fazem a dor ficar
mais leve? E mais forte?
· Tratamentos realizados – que tratamentos foram eficazes e
ineficazes no passado para alívio da dor?
· Interferência – de que modo é que a dor afeta as dimensões física,
funcional, emocional e sono do doente?
· Obstáculos à avaliação – que fatores podem interferir na precisão e fiabilidade da avaliação da dor (barreiras culturais ou
linguísticas, limitações cognitivas, mitos sobre as terapêuticas)?
Sabemos que a DAPO pode apresentar intensidade variável dependendo de vários fatores: a agressão cirúrgica é o fator que mais afeta a
intensidade da DAPO1,12 – as cirurgias que causam maior intensidade
dor são procedimentos torácicos ou abdominais altos; idade do doente
– o doente idoso necessita de doses menores; sexo – o sexo feminino
tem maior tolerância à dor; hábitos de toxicodependência, síndromes
de abstinência; fatores culturais e religiosos.12
A DAPO tem um importante componente psicológico. A experiência
dolorosa prévia, as doenças associadas, a personalidade, o perfil
psicológico, a preparação psicológica para enfrentar a intervenção
influenciarão posteriormente na avaliação subjetiva intensidade da
dor e na necessidade analgésica.1
Este caráter subjetivo da dor dificulta a determinação da intensidade e o seu tratamento. Para valorizar as impressões subjetivas dos
indivíduos relativamente à experiência da dor, torna-se necessário
utilizar instrumentos de avaliação da dor baseados em manifestações verbais.3,9,13 As escalas observacionais devem ser reservadas
para pacientes com défices cognitivos, sob sedação, ou em fases de
desenvolvimento precoces.1
A recomendação é para os clínicos utilizarem uma ferramenta validada de avaliação da dor, embora não exista evidência em termos de
outcomes de DAPO sobre por qual optar. A escolha deverá ser feita
em função da fase do desenvolvimento, status cognitivo, estado de
consciência, nível cultural, educacional e língua.
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13. DOR PÓS-OPERATÓRIA
As ferramentas que foram desenvolvidas para utilizar em unidades
de cuidados intensivos incluem a Behavioral Pain Scale e a Critical-Care Pain Observation Tool – estas escalas podem ter lugar na
UCPA, face à presença de doentes sob sedação durante períodos
intermédios de tempo.
As escalas validadas que se sugerem são:3,9
· Escala numérica de 0 a 10 – escala mais utilizada no pós-operatório, permite avaliar rapidamente a intensidade da dor e o grau
de alívio após o tratamento; boa opção em doentes com moderado
défice cognitivo;
· Escala de descritores verbais – simples de utilizar mas com baixa
sensibilidade para avaliar evolução dependente do tratatamento por
ter pequeno número de descritores;
· Escala visual analógica (EVA) – eficaz e amplamente utilizada, mas
aplicação demorada em contexto pós-operatório; pouco adequada
em doentes com défice cognitivo;
· Escala de faces – escala mais utilizada em idades pediátricas ou
em doentes com limitação cognitiva ou onde estejam presentes
barreiras linguísticas.
ABORDAGEM INICIAL
A abordagem inicial da DAPO ocorre no período pré-operatório.
Da avaliação pré-anestésica deve constar a história clínica dirigida,
exame físico e plano de controlo de dor.1 A preparação pré-anestésica
inclui a) ajustes e definição de medicação que não pode ser suspensa;
b) tratamento de dor e ansiedade previamente existentes; c) medicação
pré-anestésica como parte de plano analgésico multimodal dirigido
à DAPO; d) educação do doente e da família, incluindo técnicas
comportamentais de controlo da dor, informação sobre as opções
terapêuticas disponíveis e objetivos pretendidos.3
É importante que o anestesiologista esclareça o doente, nomeadamente em relação a mitos comuns (efeitos secundários dos fármacos, risco
de adição). É também nesta fase que deve ser realizado o ensino sobre
as técnicas do plano analgésico – modo de utilização da PCA, explicação da técnica epidural,1 com o respetivo consentimento informado.
Uma recomendação para o pré-operatório de cirurgia major é a administração de um AINE inibidor seletivo da COX-2 (celecoxib), 30
minutos a 1 hora antes, conseguindo-se redução das necessidades de
opióide e menores scores de dor no pós-operatório. O celecoxib está
naturalmente contraindicado em doentes propostos para cirurgia de
bypass coronário.3
Para a elaboração do plano analgésico o anestesiologista pode recorrer a protocolos. A utilização de protocolos no tratamento da DAPO
assume uma importância relevante por várias razões: constituem
uma forma organizada de transmissão das indicações mais relevantes
da intervenção analgésica no pós-operatório; ajudam a uniformizar
procedimentos que permitirão, com maior eficácia e segurança para
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
o doente, que todos os profissionais envolvidos adquiram hábitos e
experiência na gestão da assistência analgésica pós-cirúrgica; servem
de divulgação à boa prática de prescrição analgésica.14
Os protocolos devem contemplar opções dentro dos dois tipos gerais
de analgesia: analgesia convencional e não-convencional.11
Denomina-se analgesia convencional toda a analgesia passível de ser
posta em prática apenas pela prescrição do clínico, sem necessidade
da sua intervenção direta.
Engloba-se no conceito de analgesia não-convencional todas as
modalidades que necessitam da intervenção direta do anestesiologista
para serem iniciadas. São exemplos a analgesia por via epidural, bloqueio de nervos periféricos, analgesia controlada pelo doente (PCA).
ABORDAGEM SUBSEQUENTE
As opções que os anestesiologistas devem considerar como técnicas
anestésicas, com o objetivo de serem utilizadas no posterior manuseamento da DAPO incluem1:
· Bloqueio regional central (neuroeixo, subaracnoideu ou epidural);
· Bloqueio regional periférico – bloqueio de nervos periféricos (intercostal, ilioinguinal, bloqueio de plexos), bloqueio intra-articular,
infiltração de incisão operatória com anestésico local;
· PCA intravenosa com opióide;
A escolha deve ser feita após consideração dos riscos e benefícios
individuais do doente, e da preferência e capacidade técnica do
anestesiologista.1
A recomendação é para optar por uma estratégia analgésica multimodal,1,3 o que significa a adoção de atitudes analgésicas em momentos
diferentes do período perioperatório, com utilização de dois ou mais
fármacos com mecanismos de ação distintos (sistema nervoso central
e/ou periférico), e que tenham a capacidade de interferir seletivamente
nos diferentes processos da nocicepção.11 Os fármacos podem ser
administrados pela mesma via ou por vias diferentes1 (por exemplo
analgesia regional baseada em anestésico local combinada com opióides ou outros fármacos por via sistémica).3 A opção por fármacos de
diferentes grupos, administrados por vias diferentes associa-se a maior
alívio da dor e a diminuição no consumo de opióides.3
Analgesia opióide e não-opióide
Os opióides sistémicos podem não ser necessários em todos os
doentes, com um estudo a revelar que o tratamento com opióides no
perioperatório pode estar associado ao aumento da probabilidade de
uso de opióides a longo prazo, com os riscos a isso inerentes.[15] No
entanto, os opióides providenciam uma analgesia rápida e eficaz em
doentes com dor moderada a severa.
Os opióides intravenosos mais utilizados na UCPA são morfina,
fentanilo e hidromorfona (este último não disponível nesta forma
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13. DOR PÓS-OPERATÓRIA
terapêutica em Portugal). A morfina é o protótipo dos opióides, em relação ao qual todos os outros opióides se comparam. É o opióide mais
usado em todo o mundo para a DAPO.9 Tem potência analgésica moderada, início de ação lento, semi-vida de 2 horas e duração de ação
4-5 horas. Deve haver precaução na sua utilização em doentes com
insuficiência renal, pois os seus metabolitos são excretados pelo rim,
podendo o seu efeito analgésico e sedativo tornar-se perigoso. Deve
também ser considerada a libertação de histamina dose-dependente.
O fentanilo é um opióide sintético 50 a 80 vezes mais potente que a
morfina. Tem rápido início de ação e duração de ação 60 a 90 minutos.
É uma boa opção na UCPA quando se pretende uma analgesia rápida.9
A utilização de PCA de opióides intravenosos é encorajada quando a
via parenteral é necessária, mas a perfusão contínua não é recomendada em doentes naive para opióides.3,16 A PCA melhora a satisfação
do doente e proporciona analgesia superior quando comparada com
opióides de resgate intravenosos.
Se disponível, a via oral pode ser opção, nomeadamente para administração de opióides no pós-operatório. A administração intravenosa não foi superior em muitos estudos, quando comparada com a
administração oral.3 Os opióides de libertação prolongada não são
habitualmente recomendados para o período pós-operatório, devido
à necessidade de uma titulação estreita. A única exceção serão os
doentes medicados cronicamente com opióides.
A administração de fármacos por via intramuscular não é recomendada.3
O anestesiologista deve recorrer às opções farmacológicas não-opióides e às terapêuticas não farmacológicas no pós-operatório,
integrando-as num esquema terapêutico fixo para as 24h.
O paracetamol (oral, intravenoso ou rectal) deve fazer parte da estratégia multimodal. Os AINE’s (seletivos e não seletivos da COX-2) e os
antagonistas dos canais de cálcio α-2-δ (gabapentina e pregabalina)
devem ser considerados.1 Entre os AINE’s disponíveis para via IV
temos cetorolac e parecoxib, sendo o maior obstáculo à sua utilização
o seu custo. Deve ser prescrito um esquema fixo com paracetamol ou
AINE’s, excepto se estiverem contraindicados.1,3
A dose máxima de paracetamol diária em adultos com peso > 50 kg
é 4 g se administrado por via IV ou oral, e 1 a 2 g se administrado
por via rectal. Os estudos relativamente ao início de ação do paracetamol administrado por via IV ou oral são discordantes, com
alguns a mostrar superioridade na via IV e outros a não mostrar
diferença17,18 no entanto assume-se que a via IV é a mais eficaz.9
A principal preocupação relativa ao paracetamol é a hepatotoxicidade,
pelo que as doses máximas não devem ser excedidas. A administração
de cetorolac pode ser feita em esquema fixo cada 6 horas ou como
dose única, passando depois a opção de resgate.9 O parecoxib administrado em dose única de 20 ou 40 mg consegue analgesia eficaz e
é bem tolerado, com duração analgésica longa e menor necessidade
de terapêutica de resgate nas primeiras 24 h.19
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A gabapentina e a pregabalina podem ser iniciadas no período
pré-operatório, e continuadas no pós-operatória (dependendo da
disponibilidade da via oral), especialmente em doentes submetidos a
cirurgia major e em doentes opióide-tolerantes.3
A ketamina intravenosa deve ser considerada na abordagem multimodal em adultos, podendo ser administrada no pré, intra e pós-operatório; este fármaco fica reservada para cirurgia major e para
doentes opióide-tolerantes ou com dificuldade a tolerar opióides.3
O uso de perfusão de lidocaína em adultos submetidos a cirurgia
abdominal por laparotomia ou laparoscopia, que não tenham
contraindicação, pode ser considerada, estando associada a menor
duração do ileus e melhor qualidade da analgesia.3
Devem ser enfatizadas como parte das opções multimodais a) os
bloqueios regionais com anestésicos locais; b) esquemas de titulação
de forma a aumentar a eficácia, minimizando os efeitos secundários;
c) individualização para cada paciente da escolha dos fármacos, dose,
via de administração e duração do esquema.1
Analgesia regional
A opção por técnicas de anestesia regional para procedimentos cirúrgicos das extremidades, abdómen e tórax deve ser encorajada, dada a
sua eficácia no controlo da dor em abordagem multimodal com analgésicos sistémicos,3 pelo que devem ser realizadas sempre que possível.9
A analgesia regional demonstrou ser superior aos opióides no manuseio da DAPO, especialmente em cirurgia ortopédicas, com a vantagem
de menor ocorrência de efeitos secundários associados aos opióides.
Outra vantagem da analgesia regional é conseguir-se menor tempo
de permanência na UCPA e de internamento hospitalar, bem como
maior satisfação dos doentes.9 Uma desvantagem é o tempo de indução ser mais demorado, quando comparado com anestesia geral.20
Referimo-nos a técnicas de analgesia regional que são realizadas
no pré-operatório, no entanto existe igualmente a possibilidade de
utilizar esta via como resgate na UCPA. Se tiver sido colocado um
cateter (por exemplo, um bloqueio de plexo braquial, plexo lombar,
nervo femoral, ciático ou safeno ou bloqueio do plano transverso
abdominal), pode ser administrado um bolus de AL; se a opção tiver
sido uma técnica single shot, e o doente apresentar dor, a opção
poderá passar por um bloqueio de resgate.9
As técnicas analgésicas regionais periféricas são opção em cirurgias
como toracotomia, cirurgia de membro superior e inferior, cirurgia
de hemorróidas, circuncisão.3
Podem ser realizadas por single shot ou como técnica contínua com cateter perineural. Quando se prevê que a duração da DAPO exceda a duração analgésica do single shot a técnica contínua deve ser ponderada.3
Pode optar-se por perfusão de AL, bolus ou uma combinação de ambas.
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13. DOR PÓS-OPERATÓRIA
A analgesia através de bloqueio central (neuroeixo) deve ser a opção
de escolha em doentes submetidos a cirurgia major torácica e abdominal, cesariana, cirurgia de anca e membro inferior, especialmente
em doentes em risco elevado de complicações cardíacas, pulmonares
e ileus.3 Na admissão na UCPA de doentes com cateter epidural,
pelo risco de migração do cateter para o espaço subaracnoideu ou
intravenoso, deve ser feita uma dose de teste com AL e adrenalina
diluída 1:100000).9 As opções relativas aos fármacos utilizados para
perfusão epidural devem basear-se nos protocolos da instituição.
Os opióides permitem melhor controlo da dor e menos hipotensão
quando comparado com perfusão de AL apenas, mas algumas instituições optam por não utilizar para evitar os efeitos secundários. Um
esquema analgésico multimodal, com administração de paracetamol,
AINE’s, gabapentinóides e eventualmente PCA IV com opióide podem
permitir evitar a associação de opióide ao AL epidural.9
A escolha das opções terapêuticas multimodais é um desafio, existindo
para cada cirurgia muitas combinações possíveis.
Analgesia não farmacológica
Em relação às terapêuticas não farmacológicas:
· A estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS) pode ser considerada (nível de evidência moderado);3
· A utilização de acupunctura, massagem, terapia de frio não é recomendada nem desencorajada, podendo ser opção;3
A opção por modalidades cognitivo-comportamentais como parte integrante da abordagem multimodal pode ser considerada.3 As opções
incluem métodos de relaxamento, técnica das experiências guiadas,
hipnose e podem ser realizadas por vários profissionais: psicólogos,
terapeutas, enfermeiros, assistentes sociais.
ABORDAGEM DE EFEITOS SECUNDÁRIOS
É parte incontornável da abordagem da DAPO o conhecimento dos
efeitos secundários de cada opção terapêutica e respetivo tratamento. Também a implementação da monitorização adequada à técnica
escolhida não pode ser esquecida.
1) Náuseas e vómitos (mediados por recetores opióides do SNC,
ocorrem em 25% que recebem opióides) e a abordagem inclui9,21:
Dexametasona – corticosteróide, efeito antiemético – 5mg IV
Ondansetron – antiemético antagonista dos recetores da serotonina
– 4 mg IV
Granisetron – antiemético antagonista dos recetores da serotonina
– 1,5 mg IV
Droperidol – butirofenona, efeito antiemético em doses baixas - 0,625
a 1,25 mg IV
Estes fármacos exercem grande efeito antiemético, quando usados
em combinação (fármacos de classes diferentes).
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
2) Prurido – a sua etiologia não está esclarecida, mas supõe-se que
seja uma via mediada por receptores opióides; a naloxona reverte
este efeito secundário, mas também a eficácia analgésica; outros
grupos farmacológicos habitualmente utilizados, anti-histamínicos,
gabapentinóides, corticóides não têm resultados muito satisfatórios;
o droperidol revelou alguma eficácia.22
3) Depressão respiratória – diminuição da frequência respiratória
mediada por receptores-μ no tronco cerebral. A sua incidência é
0,09% a 0,5%.23 Os idosos e doentes com SAOS têm maior risco.
As únicas opções terapêuticas são naloxona ou naltrexona, devendo
ser dada atenção ao risco de renarcotização.
4) Retenção urinária – redução das contrações do músculo detrusor,
provocado pelos opióides.9 Pode ser administrada naloxona (0,01 mg/
kg IV) ou metilnaltrexona (0,3 mg/kg IV).
5) Toxicidade sistémica provocada pelos AL – manifesta-se como
“sabor metálico”, parestesias peribucais, ansiedade inexplicável, convulsões – a abordagem passa pela interrupção imediata da perfusão
de AL e pela administração de soluções lipídicas, devendo existir
um protocolo de abordagem desta complicação disponível na UCPA.
POPULAÇÕES ESPECIAIS
População geriátrica
A abordagem da DAPO na população geriátrica é complexa, sendo
que o insuficiente controlo da dor tem consequências mais nefastas
na população idosa.1 Trata-se de grupo de doentes onde as comorbilidades, as diferentes formas de exprimir a dor e as alterações de
ordem física, social, emocional e cognitiva devem ser consideradas.
É fundamental a integração do plano analgésico no plano pré-operatório do doente idoso.
As alterações de ordem fisiológica interferem na distribuição e metabolização dos fármacos, pelo que as doses devem ser alteradas[1].
Também as escalas de avaliação da intensidade da dor devem ser
adequadas às limitações cognitivas, se presentes.
A recomendação é para titulação mais estreita dos fármacos, de modo
a conseguir a melhor eficácia analgésica com a menor incidência de
efeitos secundários.1
População opióide-tolerante
Os pacientes medicados cronicamente com fármacos opióides, ou
com história de dependência de opióides (ativa ou no passado) são
pacientes em risco para inadequado controlo da DAPO.
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13. DOR PÓS-OPERATÓRIA
Sabe-se que as necessidades de opióide no pós-operatório serão
maiores e que o controlo da dor será mais difícil.3 O anestesiologista
não deve deixar de proporcionar um tratamento adequado da DAPO,
por receio de agravar a dependência ou motivar uma recaída – o
inadequado controlo da dor é que será trigger para recaída.
As recomendações para abordagem da DAPO nesta população incluem[3]:
· Avaliação pré-operatória com identificação de fármacos opióides
utilizados e doses;
· Educação do doente no pré-operatório relativa à utilização de
opióides;
· Participação de uma equipa multidisciplinar, incluindo um especialista em dor crónica e eventualmente um especialista em adições;
· Considerar formas terapêuticas não farmacológicas (TENS, terapias comportamentais);
· Considerar medicação sistémica não-opióide (gabapentina, pregabalina, ketamina);
· Considerar técnicas analgésicas regionais periféricas e centrais;
· Considerar PCA com perfusão basal de opióides em dor de difícil
controlo (salvaguardar monitorização adequada do doente);
· Orientação para o ajuste da dose de opióide após a alta.
População com barreiras cognitivas ou de comunicação
Os doentes com patologia neurológica, nomeadamente demências,
ou com barreiras culturais ou linguísticas que afetam a comunicação
devem ser consideradas em particular.
As técnicas que permitem redução a dosagem dos fármacos (analgesia regional, analgesia multimodal) são eficazes nestes doentes.1
Por outro lado, as técnicas comportamentais e as que dependem da
direta intervenção do doente (por exemplo PCA) serão opções menos
adequadas.1 Perante um doente com comportamento agressivo, hipertensão arterial ou taquicardia, (após excluir outras causas além da
dor), deve ser realizada uma prova terapêutica com um analgésico.1
CONCLUSÃO
A DAPO deve constituir uma preocupação do anestesiologista, com
início na elaboração plano individualizado de cada doente no período
pré-operatório.1
A abordagem organizada relativamente à dor na UCPA é uma prioridade para a humanização dos cuidados de saúde. Este objetivo pode
tornar-se um fracasso, se não se incluir existir um plano analgésico
como parte do cuidadoso plano anestésico do doente.9
Na chegada à UCPA, o anestesiologista responsável deve fornecer um
resumo detalhado do plano analgésico, com referência aos fármacos
já administrados. A avaliação inicial e continuada na UCPA inclui a
correta caracterização e avaliação da dor, que vai muito para além
da atribuição de um número numa escala.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A meta do anestesiologista deverá ser minimizar ou eliminar o desconforto do doente, facilitar a recuperação pós-operatória e eliminar
ou controlar de maneira eficaz os efeitos secundários associados ao
tratamento.
A dor na UCPA não é um resultado inevitável da cirurgia. Com um
planeamento cuidadoso, técnicas de analgesia multimodal iniciadas
no pré e intraoperatório, reduzir-se-á a dor na UCPA.
Uma melhor gestão da dor melhorará a satisfação do paciente e
facilitará o seu mais rápido regresso à vida ativa.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
14. COMPLICAÇÕES DE ANESTESIA
LOCORREGIONAL DO NEUROEIXO
Eunice Silva e Pedro Godinho
DEFINIÇÃO
Descoberta há mais de 100 anos (James Corning, Neurologista), a
anestesia do neuroeixo sofreu enorme evolução, sendo atualmente
considerada uma técnica segura e amplamente utilizada em anestesia.1 Ainda assim, tem riscos associados, que vão desde complicações
ligeiras (ex: prurido após administração de opióides) a complicações
severas e permanentes (ex: hematoma epidural com lesão neurológica). É por isso essencial respeitar criteriosamente as contraindicações
das diversas abordagens do neuroeixo (técnica epidural, bloqueio
subaracnoide e bloqueio caudal) e antecipar e tratar atempadamente
possíveis complicações, permitindo uma atuação eficaz e uma diminuição da morbilidade e mortalidade associadas. 2,3
As contraindicações absolutas para o bloqueio do neuroeixo são
poucas, incluindo a recusa do doente, infeção localizada no local de
punção e alergia aos fármacos passíveis de administração. Existem
outras condições clínicas que aumentam os riscos desta técnica e,
como tal, requerem máxima atenção do anestesiologista que a utiliza,
exigindo uma avaliação individual do risco/benefício do procedimento (são por isso consideradas contraindicações relativas)3:
· Coagulopatia ou trombocitopénia;
· Sépsis;
· Hipovolémia severa ou choque;
· Pressão intracraniana aumentada;
· Estenose aórtica severa e/ou comprometimento grave da função
cardíacao;
· Doenças/lesões neurológicas pré-existentes.
COMPLICAÇÕES E SUA ABORDAGEM
As complicações do bloqueio do neuroeixo não devem ser confundidas com os seus efeitos fisiológicos, implicando necessariamente
dano ao doente. Para uma melhor compreensão, iremos dividir esta
abordagem por sistemas.
1. COMPLICAÇÕES CARDIOVASCULARES
1.1. HIPOTENSÃO
Apesar de estar relacionada com alterações fisiológicas próprias do
bloqueio do neuroeixo (bloqueio simpático e vasodilatação periférica),
pode ser considerada uma complicação, se severa, devendo ser por isso
rapidamente revertida. Pode ser definida como uma redução de >30%
na pressão arterial média (ou pressão arterial sistólica <90 mmHg).3
Frequentemente é acompanhada por sintomas como náuseas e vómitos, tonturas ou dispneia.
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14. COMPLICAÇÕES DE ANESTESIA LOCORREGIONAL DO NEUROEIXO
A incidência e gravidade da hipotensão relaciona-se com alguns factores como: nível de bloqueio (acima de T5), história de hipertensão,
idade ≥ 40 anos, alcoolismo crónico e urgência da cirurgia.3
A administração de cristaloides previamente ao bloqueio (preloading)
não está recomendada por rotina.3,5
Abordagem3-5:
· Administrar cristaloides e/ou coloides, 500-1000 mL no momento
de execução do bloqueio (coloading) – 15/20 mL/kg.
Em doentes com insuficiência renal crónica, doença cardiovascular
ou idade superior a 75 anos, a fluidoterapia deve ser mais criteriosa
(coloading 5/7 mL/kg);
· utilização de vasopressores (a fenilefrina é atualmente a primeira
linha de tratamento, por menor risco de acidose fetal, comparativamente à efedrina; uma velocidade de infusão de fenilefrina de
25-50 mcg/min tem eficácia superior à administração de bólus;
como alternativa, administração de efedrina em bólus (5 mg cada
3-5min até pressão arterial sistólica >90 mmHg)4
· Suspender administração de fármacos (ex: perfusão contínua via
epidural);
· Colocar doente em Trendelemburg com elevação dos membros
inferiores; (ser cuidadoso se tiverem sido usados anestésicos locais
hiperbáricos)
· Se hipotensão não reverter/estabilizar por mais de 30 minutos
apesar de medidas descritas, ponderar outras causas de hipotensão
(ex: choque, hemorragia)
1.2. BRADICARDIA
Definida como uma redução de 20 a 30% da frequência cardíaca
basal, resulta do bloqueio das fibras simpáticas (T1-T5), bem como da
diminuição reflexa da frequência cardíaca provocada pela diminuição
do retorno venoso ao coração (reflexo Bezold-Jarisch).3,6 Fatores como
sexo masculino, idade jovem e uso de betabloqueantes predispõem
para esta complicação.
Abordagem3:
· assegurar oxigenação e monitorização adequada (monitorização
cardiovascular standard e oximetria de pulso), e estimular o doente
(ex: comunicar com o doente);
· administrar atropina (0,5 mg); caso não haja resposta passados 2
minutos repetir administração. (Dose pediátrica ev: 10- 20 mcg/kg)
· se bradicardia severa e acompanhada por hipotensão, poderá ser
utilizada efedrina (5-10 mg) e/ou adrenalina (≤1 mg);
1.3. PARAGEM CARDIORRESPIRATÓRIA
É mais frequente após o bloqueio subaracnoideu, contudo, a sua completa etiologia é desconhecida, podendo ser multifactorial. Em alguns
| 133 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
casos, a hipoxémia, a sedação excessiva ou a bradicardia severa não
revertidas podem ser os principais desencadeantes deste evento.3
Abordagem:
· Iniciar manobras de suporte básico/avançado de vida de acordo com
o Conselho Europeu de Ressuscitação7;
· Assegurar uma correta monitorização cardiovascular;
· Avaliar e corrigir possíveis causas (hipoxémia; bradicardia severa,
toxicidade sistémica aos anestésicos locais);
2. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS
2.1. DEPRESSÃO RESPIRATÓRIA
Geralmente associada à administração de opióides. O risco de depressão é dose dependente. Com a administração de fentanil ou sufentanil, o risco de depressão respiratória não ultrapassa as 2 horas na
maioria dos doentes, contudo, se administrada morfina intratecal, a
vigilância deverá prolongar-se por 24 horas pelo risco de depressão
tardia. Doentes com apneia obstrutiva do sono, doentes idosos, ou
administração concomitante de sedativos endovenosos, aumentam
o risco de depressão respiratória.3
Abordagem:
· Se frequência respiratória < 10 ciclos/minuto, assegurar oxigenação
(O2 ≥ 6L/min por máscara de Venturi) e monitorização adequada
(monitorização cardiovascular standard e oximetria de pulso), e
estimular o doente (ex: comunicar com o doente); ventilar o doente
se necessário;
· Parar administração de opióides ou outros sedativos;
· Se depressão por opiódes, administrar naloxona (0,1 mg); repetir a
cada 2 minutos até o doente recuperar;
2.2. BLOQUEIO ESPINHAL/EPIDURAL ALTO
Ocorre devido à administração excessiva de anestésico local no espaço
subaracnoideu/epidural. Por vezes pode ocorrer por administração
não intencional de doses epidurais, no espaço subaracnoideu. É
diagnosticada através da constatação de um bloqueio (térmico e/ou
sensitivo) excessivamente alto (acima de T4).
Abordagem:
O tratamento é de suporte, podendo ser necessário ventilação mecânica e suporte cardiovascular. Alguns sinais como sensação de
dispneia, bradicardia severa, dormência dos dedos e mãos podem
alertar para esta complicação.2
3. LESÕES NEUROLÓGICAS
As lesões neurológicas decorrentes da abordagem do neuroeixo são
raras, existindo vários tipos possíveis de lesão, com diferentes tipos
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14. COMPLICAÇÕES DE ANESTESIA LOCORREGIONAL DO NEUROEIXO
de gravidade. Sempre que existirem queixas é importante a realização
de um exame neurológico e o registo dos défices.8,9
O risco de lesão neurológica severa em doentes com polineuropatias
pré-existentes à abordagem do neuroeixo é superior, cabendo ao
anestesiologista a avaliação individual dos doentes e a ponderação
do risco/benefício do procedimento.10
Parestesias transitórias no momento da punção: estão diretamente
relacionadas com a colocação da agulha/cateter, sendo que a sensação
de dor deve levar o clínico a reposicionar o material. Normalmente
estas parestesias desaparecem imediatamente sem consequências a
médio-longo prazo8;
Síndrome neurológico transitório (SNT): dor radicular (lombalgias
com irradiação para os membros inferiores) com início após reversão
do bloqueio, sem défices neurológicos (motores ou sensitivos) associados. Geralmente tem uma duração autolimitada (2 a 7 dias). O risco
é superior com a lidocaína, mas pode ocorrer com todos os anestésicos locais como por exemplo a bupivacaína, a levobupivacaína ou
mepivacaina. A cirurgia de ambulatório, a obesidade e a posição de
litotomia têm sido fatores associados ao desenvolvimento de SNT.
O tratamento é de suporte, geralmente com anti-inflamatórios não
esteroides e aplicação local de calor.8
Síndrome da cauda equina: é uma síndrome rara, mas que resulta quase
invariavelmente em lesão neurológica permanente. Consiste num conjunto de sintomas como dor lombar, disfunção de esfíncteres, alterações
de sensibilidade na região do períneo e diferentes graus de alterações
sensório-motoras nos membros inferiores. Pode resultar da formação de
hematoma espinhal, sendo neste caso uma emergência cirúrgica, ou da
lesão das raízes lombo-sagradas, seja por lesão direta (cateter ou agulha)
ou por neurotoxicidade dos anestésicos locais, quando acumulados em
grande concentração (seja por dose única em alta concentração, por
exemplo de lidocaína a 5% ou por perfusão contínua intratecal).3,11
Hematoma espinhal/epidural: representa uma emergência cirúrgica,
pelo risco associado de isquemia medular por compressão. Para evitar
danos neurológicos permanentes é essencial a realização de cirurgia
de descompressão (laminectomia) nas 8h após o início dos sintomas.
A ressonância magnética é o exame de primeira linha para diagnóstico desta complicação. A suspeita deve ser levantada se houver dor
lombar severa e/ou défices neurológicos associados (ex: síndrome
da cauda equina) após o procedimento. Para redução dos riscos,
devem ser respeitadas as recomendações da Sociedade Portuguesa de
Anestesiologia relativamente à realização de técnicas de anestesia/
analgesia do neuroeixo, tanto para a execução das técnicas, como
para remoção do catéter aquando da sua utiização.3,8,12
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Abcesso epidural: resulta mais frequentemente da disseminação
hematogénica de uma infeção noutro local do organismo (bacteriémia), mas também pode resultar da contaminação direta do material
utilizado no bloqueio do neuroeixo (ex: cateter epidural), ou por
disseminação de uma infeção a partir do local de punção. Febre, dor
severa lombar e défices neurológicos após o manuseio do neuroeixo devem levantar a suspeita. Parâmetros inflamatórios elevados
(leucocitose e aumento da proteína C reativa) são sugestivos, sendo
que o diagnóstico final é confirmado por ressonância magnética. A
punção lombar, pelos riscos associados de disseminação, e pelo parco
esclarecimento no diagnóstico, não deve ser usada como primeira
abordagem, devendo ser efetuada apenas se for planeada mielografia.8,13 O tratamento, para alem do início precoce de antibioterapia (os
estafilococos e os estreptococos são as espécies mais frequentemente
envolvidas), pode também passar pela descompressão cirúrgica.
Meningite bacteriana: é outra complicação grave, que pode ter origem nas técnicas que envolvem manuseamento do neuroeixo, com
consequências potencialmente catastróficas.
A abordagem do neuroeixo deve ser feita de forma rigorosamente
asséptica. A clorexidina alcoólica é atualmente o agente recomendado
para desinfeção da pele, na execução destas técnicas.3,14
Aracnoidite: pode ter diferentes etiologias (hemorragia subaracnoideia, após blood patch, após bloqueio subaracnoideu, após bloqueio
epidural, especialmente se houver perfuração acidental da dura-mater)
e consiste num processo inflamatório da aracnoide (meninge que
envolve o cérebro e espinhal medula). Os sintomas variam desde
dor radicular lombar com irradiação aos membros inferiores a alterações sensório-motoras de diferentes graus. O diagnóstico é feito
por mielografia ou ressonância magnética, sendo que o tratamento
é controverso (cirúrgico ou técnicas minimamente invasivas – neuroestimulação). O prognóstico da recuperação completa nestes casos
é pobre.15
Paraplegia: felizmente é uma complicação extremamente rara. Pode
ter origem nas alterações descritas anteriormente, pela lesão direta
da espinhal medula pela agulha ou cateter e ainda pela isquemia
medular, consequência de uma hipotensão profunda. A síndrome
da artéria espinhal anterior (défice neurológico motor e sensitivo
não doloroso, com conservação da proprioceção) está associado à
isquemia medular anterior.3
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14. COMPLICAÇÕES DE ANESTESIA LOCORREGIONAL DO NEUROEIXO
Abordagem imediata
Sempre que, após a abordagem do neuroeixo o doente referir dor
lombar severa e/ou apresentar défices neurológicos, dever-se-à realizar de modo célere a pesquisa de uma possível lesão neurológica
que, de forma ideal, deverá incluir a realização de RM e envolvimento
multidisciplinar (neurocirurgia, neurologia, imagiologia).
Nota: A dor lombar isolada após bloqueio do neuroeixo não tem incidência
superior à verificada após anestesia geral. Ambas se relacionam com o
relaxamento da musculatura lombar por efeito dos anestésicos, sendo
mais frequentes após procedimentos de longa duração (4 a 5 horas).
Geralmente responde a medidas conservadoras (aplicação de calor) e
fármacos do primeiro escalão da escala da Organização Mundial de Saúde,
como o paracetamol, metamizol e anti-inflamatórios. 3,8
4. OUTRAS COMPLICAÇÕES
4.1. CEFALEIAS PÓS-PUNÇÃO DA DURA
Complicação relativamente frequente decorrente das técnicas de
bloqueio do neuroeixo. Resulta da punção intencional (bloqueio subaracnoideu) ou não intencional (bloqueio epidural) da dura-mater. A
fisiopatologia da cefaleia pós punção menígea não está estabelecida
com exatidão. Pressupõe-se que a perda de líquor através da dura
mater e consequente diminuição da pressão intracraniana (PIC) causa
tração das estruturas intracranianas sensitivas (localizadas ao nível
das meninges), provocando dor. A diminuição da PIC pode igualmente
originar uma vasodilatação cerebral compensadora que, só por si pode
ser o motivo da cefaleia.2,3,8
A cefaleia é frequentemente fronto-occipital e é, de forma quase
patognomónica, uma cefaleia postural (inicia-se com o ortostatismo
e alivia com o decúbito). Pode ter associados outros sintomas como
alterações visuais como diplopia, fotofobia, zumbidos, distúrbios
auditivos, tonturas, náuseas e vómitos, rigidez da nuca, paralisia de
nervos craneanos ou até convulsões. Normalmente surge nos primeiros três dias após a punção (mais frequentemente entre as 24 e 48
horas após a punção). Cerca de 70% resolvem-se espontaneamente
nos primeiros sete dias, e 90% nos primeiros 6 meses.2,3,8,16
Existem fatores que aumentam o risco de cefaleias após a punção da
dura-mater: idade jovem, sexo feminino, maior calibre da agulha,
gravidez, técnica com múltiplas punções. Outros fatores como o tempo
de repouso em decúbito dorsal após a punção ou a inserção de cateter
para anestesia espinhal contínua não têm interferência na incidência
ou gravidade das cefaleias.3,19 A utilização de agulhas não biseladas
(ponta de lápis) está associada a uma menor incidência de cefaleias
pós punção da dura-mater.3,8,17 Caso se utilizem agulhas biseladas,
alguns autores recomendam a orientação das agulhas biseladas com
o bisel alinhado com o maior eixo medular, pela associação a uma
menor incidência de cefaleias.3
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Abordagem imediata17:
· após punção acidental com agulha de Tuohy existem duas abordagens alternativas:
1ª: Colocar o cateter intratecal, rotulá-lo como tal e adaptar as doses de fámaco para administração por essa via; retirar o cateter
após o procedimento, evitando administrações equivocadas.
2ª: Retirar a agulha e repetir a técnica noutro espaço interapofisário.
Abordagem subsequente:
· Não existem evidências de que o repouso no leito após a punção
da dura-mater reduza a incidência de cefaleias, mesmo se risco
aumentado (ex: grávidas), como tal não deve ser recomendado por
rotina; 8,17,18
· A hidratação pode ser encorajada, ainda que não exista evidência
da eficácia desta medida na redução da incidência de cefaleias;3,17,18
· Analgésicos orais (paracetamol, anti-inflamatórios não esteroides)
devem ser administrados para alivio sintomático;3,8
· A administração de morfina epidural mostrou eficácia na redução
da incidência de cefaleias pós-punção da dura e pode ser usada
como medida profilática;19
· A administração de aminofilina endovenosa demonstrou igualmente
eficácia na redução da incidência de cefaleias, quando comparada
com o placebo;19
· A administração de cafeína é controversa (tal como a aminofilina,
atua por redução da vasodilatação intracraniana associada à perda
de líquor, contudo ambas têm potenciais efeitos adversos como
por ex. efeitos excitatórios do sistema nervoso central). Apesar do
escasso suporte científico, podem ser utilizadas as combinações de
analgésicos com cafeína no alívio sintomático das cefaleias (ex:
cafeína com paracetamol);3,8,17,19
· Se queixas persistentes e severas por mais de 24 horas:
Blood patch: é considerado o tratamento definitivo das cefaleias
pós punção da dura, tendo uma eficácia em 65 a 98% dos casos.
Consiste na administração de sangue autólogo no espaço epidural,
num volume variável que segundo alguns autores pode ir de 10 a
20 mL, de preferência no nível onde ocorreu a perfuração da dura
mater ou no nível abaixo. O sangue injectado funciona através da
compressão exercida sobre a dura-mater (com subida da pressão intracraniana) e da formação de um coágulo no local da punção.2,3,8,17
Deve ser realizado de forma asséptica sendo que são necessários
dois executantes (um realiza a abordagem epidural enquanto o
outro faz a colheita simultânea do sangue, também de forma asséptica). O doente deve permanecer em decúbito dorsal antes e depois
da execução da técnica (cerca de 2 horas). A administração deve
ser interrompida caso o doente refira dor ou desconforto lombar,
zumbidos ou outra alteração de início súbito.2,3,8,17
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14. COMPLICAÇÕES DE ANESTESIA LOCORREGIONAL DO NEUROEIXO
Caso os sintomas não se resolvam por completo, a técnica poderá ser
repetida nas 24-48 horas seguintes.2,3,8,17
O blood patch não está recomendado como medida profilática.2,3,8,17
4.2. NÁUSEAS E VÓMITOS
São vários os mecanismos que podem explicar a origem de náuseas
e vómitos com o bloqueio do neuroeixo: a hipotensão associada ao
bloqueio, a hiperperistalse gastrointestinal (secundária ao aumento
do tónus vagal), a administração de opióides, os bloqueios com
nível superior ou igual a T5, A história de enjoo fácil, e frequências
cardíacas basais superiores a 60 batimentos por minuto são também
factores predisponentes ao desenvolvimento de náuseas e vómitos.3,8,17
Abordagem imediata3,8,17:
· Assegurar oxigenação e monitorização adequada (monitorização
cardiovascular standard, tensão arterial e oximetria de pulso);
· Se hipotensão (etiologia mais frequente): iniciar fluidoterapia e
administrar vasopressores (ex: administração de efedrina em bólus,
5 mg cada 3-5 min até pressão arterial sistólica >90 mmHg) – ver
abordagem pormenorizada atrás;
· Administrar antiemético se vómitos severos ou incoercíveis: metoclopramida 10 mg ev/ ondasetron 4 mg ev/ droperidol 0,675
-1,25 mg ev/ dexametasona 5 mg ev.
4.3. RETENÇÃO URINÁRIA
O bloqueio das raízes nervosas de S2 a S4 resultam em atonia vesical,
possibilitando a acumulação de elevados volumes de urina. O bloqueio
da inervação simpática do esfíncter e do músculo detrussor produz
retenção urinária, que é agravada se forem administrados opióides.
A retoma da função normal é expectável após o nível do bloqueio
ser inferior a S2-S3.3,8
Abordagem3,8:
· O doente deverá ser algaliado caso o tempo de bloqueio para a
anestesia/analgesia se preveja longo;
· Caso o doente não tenha sido algaliado previamente, incentivar o
doente a urinar e vigiar a formação de globo vesical; se a retenção
se mantiver o doente deve ser algaliado.
4.4. PRURIDO
Complicação comum após administração epidural ou espinhal (mais
frequente) de opióides. O mecanismo exato é desconhecido, mas está
provavelmente ligado à ativação central de receptores de opióides,
uma vez que os antagonistas opióides (ex: naloxona) são eficazes
no alivio dos sintomas.
Abordagem3,8:
· Naloxona ev (0,1-0,4 mcg); naltrexona oral (6 a 9 mg); propofol (10
a 20 mg); ondasetron ev (4 a 8 mg);.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
4.5. SHIVERING
A incidência de shivering relacionado com anestesia do neuroeixo é
alta (cerca de 55%). Pode ser descrito como movimento involuntário
e repetido dos músculos esqueléticos. Os mecanismos envolvidos não
estão completamente esclarecidos. Fatores que originem redução da
temperatura central (core temperature) estão provavelmente relacionados com o desenvolvimento de shivering (ex: vasodilatação periférica
após bloqueio do neuroeixo, com redistribuição do calor). Apesar do
efeito potencialmente benéfico na termorregulação, provoca stress
no organismo, aumentando o consumo de oxigénio, a produção de
dióxido de carbono (ainda que reduzida), a libertação de catecolaminas e o aumento do débito cardíaco. É causador de insatisfação e
ansiedade nos doentes. Alguns fatores relacionados com a abordagem
do neuroeixo, como o nível do bloqueio, interferem no limiar de shivering (bloqueios mais altos e profundos originam shivering menos
intenso).3,8,20 Pensa-se que o shivering no trabalho de parto possa ter
outra explicação para além da anestesia, ainda que se desconheça o
verdadeiro mecanismo.20
Abordagem3,8,20:
· Prevenção:
Pré-aquecer o doente cerca de 15 minutos antes do procedimento;
Evitar administração de fluidos frios (via epidural e endovenosa);
Prevenção farmacológica:
Intratecal: fentanil 20 mcg / petidina 0,2 mg/kg ou 10 mg;
Epidural: fentanil 25-50 mg / petidina 25 mg;
Endovenoso: ondasetron 8 mg;
· Tratamento:
Endovenoso: petidina 25-50 mg / tramadol 0,25–1 mg/kg/ clonidina 30-300 mcg.
4.6. INJEÇÃO INTRAVASCULAR DE ANESTÉSICO LOCAL
A administração não intencional de anestésico local numa veia epidural pode resultar em toxicidade sistémica, com diferentes sinais e
sintomas que podem culminar em convulsões, coma e colapso cardiovascular. O risco é maior na população obstétrica (dilatação das
veias epidurais). A abordagem paramediana não diminui o risco face
à abordagem mediana. A posição em que é feito o procedimento tem
influência no risco, sendo menor se realizado em decúbito lateral.2,3,8,21
· Prevenção2,3,8,21:
Aspirar sempre antes de qualquer administração de fármacos;
Introduzir o cateter menos de 6 cm no espaço epidural;
Desenvolver e adotar um protocolo de atuação em caso de toxicidade sistémica;
Conhecer e localizar o material de resgate em caso de toxicidade
(Intralipid® 20%);
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14. COMPLICAÇÕES DE ANESTESIA LOCORREGIONAL DO NEUROEIXO
· Abordagem21:
Conhecer e identificar os sinais e sintomas de toxicidade sistémica
aos anestésicos locais;
Assegurar ventilação e oxigenação adequada (O2 a 100%);
Caso haja colapso cardiovascular iniciar manobras de suporte
avançado de vida,7 (doses de adrenalina devem ser reduzidas para
< 0,1mg cada bólus pelo potencial arritmogénico);
Se convulsões controlar com benzodiazepinas (midazolan, lorazepam, diazepam). Evitar propofol ou tiopental se instabilidade
hemodinâmica;
Administrar bólus de Intralipid 20% (1,5 mL/kg) seguido de perfusão
(0,25 mL/kg/min); se instabilidade circulatória mantida, repetir bólus
uma ou duas vezes e duplicar velocidade de perfusão (dose máxima
de Intralipid® 20% de 10 mL/kg em 30 minutos)
4.7. PERDA TRANSITÓRIA DE AUDIÇÃO
A incidência da perda de audição após realização de bloqueio espinhal é muito variável, não se compreendendo ainda a sua verdadeira
etiologia. Presume-se que possa estar relacionada com a perda de
líquor através do local da punção, provocando uma diminuição da
pressão intracraniana e consequentemente da pressão intracoclear.
Normalmente surge de 24 horas até 8 dias após realização do bloqueio, resolvendo-se na sua maioria até aos primeiros 6 meses. Está
relacionada com a ocorrência de cefaleia pós punção da dura-mater
e com a utilização de agulhas de maior calibre.2
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS
A anestesia do neuroeixo representa uma técnica anestésica segura
para os doentes, se respeitadas as medidas de segurança (assepsia,
contraindicações). O conhecimento das complicações possíveis e a
abordagem a adotar são essenciais para o anestesiologista, tendo
como objetivo final a diminuição da morbilidade e a satisfação dos
doentes submetidos a estes procedimentos.
| 141 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Referências
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| 143 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
15. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE EM SÉPSIS
Catarina Dourado, Joana Jesus e Raquel Cabral
INTRODUÇÃO
A Sépsis grave e o choque séptico são verdadeiros problemas de saúde
pública mundial afectando milhões de pessoas e com uma incidência
crescente. Da mesma forma que com o Trauma, EAM, AVC a rapidez
de instituição de terapêutica adequada influencia o outcome.
A sépsis com ponto de partida abdominal é a segunda causa de sépsis
grave segundo dados europeus. Além disso, muitos doentes cirúrgicos
“perdem-se no trajecto” da sala de emergência/serviço de urgência,
bloco operatório escapando às referidas medidas terapêuticas preconizadas pelas recomendações internacionais neste contexto.
Assim, o anestesiologista é um elo importantíssimo nesta cadeia uma
vez que desempenha funções em várias áreas ao longo deste percurso,
nomeadamente na Unidade de Cuidados Pós Anestésicos (UCPA).
DEFINIÇÕES
INFECÇÃO: processo patológico causado pela invasão de tecido,
fluído ou cavidade corporal, normalmente estéril por microrganismo
patogénico ou potencialmente patogénico
SIRS (síndrome de resposta inflamatória sistémica): é a expressão
sistémica da resposta do organismo a uma agressão quer ela seja de
natureza infecciosa (bacteriana, fúngica, vírica, parasitária) ou não
infecciosa (trauma, queimaduras, pancreatite ...) e que se caracteriza
pela presença de dois ou mais dos seguintes critérios (tabela 1).
Sépsis: infecção (provável ou documentada) associada a manifestações sistémicas (SIRS) (tabela 2).
Sépsis grave: quando há disfunção de órgão induzida pela sépsis
ou hipoperfusão tecidular (definida por hipotensão induzida pela
infecção, hiperlactacidémia ou oligúria) (tabela 3).
Hipotensão induzida pela sépsis: pressão sistólica inferior a 90 mmHg
ou pressão arterial média (PAM) inferior a 70 mmHg ou queda da
pressão arterial sistólica superior a 40 mmHg ou < 2 DP do valor
normal para a idade na ausência de outra causa para a hipotensão
Choque séptico: Sépsis grave associada a pelo menos um dos critérios:
Hipotensão sem resposta à reposição de volume
Necessidade de aminas vasoactivas para manter PAM >65 mmHg,
apesar da fluidoterapia
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15. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE EM SÉPSIS
Tabela 1 – SIRS
Temperatura central < 36 ou > 38,30C
FC > 90 bpm
FR > 20cpm
Leucócitos < 4000 ou > 12 000
Tabela 2 – SÉPSIS
Infeção documentada ou suspeita e alguns dos seguintes:
Variáveis relacionadas com disfunção
de órgãos
Hipoxemia arterial (PaO2/Fi O2 < 300)
Febre (> 38.3°C)
Hipotermia (temperatura central < 36°C) Oligúria aguda (diurese < 0.5 mL/
kg/hr em pelo menos 2h apesar do
Frequência cardíaca > 90 bmin ou >2
DP acima do valor normal para a idade preenchimento vascular)
Taquipneia (FR >20 cpm ou PaCO2 <32 Aumento da creatinina > 0.5 mg/dL ou
44.2 μmol/L
mmHg)
Alteração do estado mental
Alterações da coagulação (INR > 1.5
Edema significativo ou balanço de
ou aPTT > 60 s)
fluidos positivo (> 20 mL/kg nas 24 hr) Ileus (ausência de ruídos intestinais)
Hiperglicemia (glucose no plasma >
Trombocitopenia (plaquetas < 100,000
140 mg/dL ou 7.7 mmol/L) na ausência μL–1)
de diabetes
Hiperbilirubinemia (bilirrubina total no
plasma > 4 mg/dL ou 70 μmol/L)
Variáveis inflamatórias
Indicadores de perfusão tecidular
Leucocitose (leucócitos > 12,000 μL–1) Hiperlactacidemia (> 1 mmol/L)
Leucopenia (leucócitos < 4000 μL–1)
Atraso do preenchimento capilar ou
Contagem de leucócitos normal mas
pele marmórea
com >10% de formas imaturas
Proteína C-reactiva plasmática > 2 DP
acima do valor normal
Procalcitonina plasmática > 2 DP
acima do valor normal
Variáveis genéricas
Variáveis hemodinâmicas
Hipotensão arterial (PA sist <
90mmHg, PA média < 70 mm Hg ou
queda da PA sist > 40 mm Hg no
adulto ou mais de dois desvios padrões
para os valores ajustados à idade)
Tabela 3 – SÉPSIS grave
Sépsis grave = disfunção de órgão (qualquer um dos seguntes critérios
associados a infecção):
Hipotensão induzida por sépsis
Lactacto elevado
Diurese < 0,5mL/Kg/h por mais de 2 horas apesar de fluidoterapia adequada
Lesão pulmonar aguda com PaO2 /FiO2 < 250 na ausência de pneumonia como
fonte de infeção
Lesão pulmonar aguda com PaO2 /FiO2 < 200 na presença de pneumonia como
fonte de infeção
Creatinina > 2 mg/dl como fonte de infeção
Bilirrubina > 2 g/dl
Plaquetas < 100 000uL
Coagulopatia (INR > 1,5)
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
ABORDAGEM DO DOENTE COM SEPSIS GRAVE/CHOQUE SÉPTICO
1. R
ESSUSCITAÇÃO INICIAL E QUESTÕES RELACIONADAS COM
A INFEÇÃO
1.1. RESSUSCITAÇÃO INICIAL
Recomenda-se a ressuscitação protocolizada para doentes com hipoperfusão induzida por sépsis.
Assim, os objectivos a atingir nas primeiras 6 horas de ressuscitação
são uma pressão venosa central (PVC) entre 8 e 12 mmHg, uma
pressão arterial média (PAM) superior a 65 mmHg, um débito urinário
superior a 0,5 mL/kg e uma ScVO2 superior ou igual a 70% ou SVO2
superior ou igual a 65%.
A ressuscitação tendo como objectivo os parâmetros fisiológicos referidos nas primeiras 6h está associada a uma redução da mortalidade.
Este conceito, denominado early goal-directed therapy, foi muito recentemente posto em causa por um estudo multicêntrico abrangendo
unidades Australianas e da Nova Zelândia.
Obviamente que a medição da PVC como parâmetro de avaliação de
volume intravascular ou como parâmetro de avaliação da resposta à
fluidoterapia tem as suas limitações.
Nesse sentido, em doentes em ventilação mecânica ou com diminuição
da compliance ventricular temos de considerar valores de PVC alvo
superiores. Deve-se ter a mesma atenção, se tivermos um doente com
aumento da pressão intra-abdominal (PIA), hipertensão pulmonar
(HTP) ou outras situações clínicas.
Outras técnicas de monitorização hemodinâmica não invasiva durante esta fase de ressuscitação poderão ser vantajosas, no entanto
são necessários estudos que avaliem o seu impacto no outcome
(exº: ecocardiografia ou PiCCO).
Se durante estas primeiras 6 horas a ScVO2 se mantiver inferior a
70% (ou SVO2 <65%) apesar de uma correcta repleção intravascular e
na persistência de hipoperfusão tecidular, deve-se considerar o início
de uma perfusão de dobutamina (até 20 µg/kg/min) ou a transfusão
de glóbulos vermelhos tendo como objectivo a manutenção de um
hematócrito superior a 30%.
Se não estiver disponível o valor de ScVO2, a normalização dos valores
de lactato são uma opção válida para a monitorização da eficácia da
nossa terapêutica de ressuscitação.
Existem estudos que referem que a utilização dos valores de lactato de
forma isolada não é inferior à associação da utilização de ScVO2 e lactato.
1.2. DIAGNÓSTICO
Para um diagnóstico atempado, é importante obter culturas antes
do início de antibioterapia. No entanto, a colheita destas culturas,
não deve em circunstância alguma atrasar o início de antibioterapia
mais do que 45 min.
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15. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE EM SÉPSIS
Desta forma, deverão ser colhidas pelo menos duas hemoculturas
(para pesquisa de microorganismos aeróbios e anaeróbios) de pelo
menos dois locais diferentes: uma colheita percutânea e outra de
cada acesso vascular existente, a não ser que tenha sido colocado
há menos de 48h.
Deverão ainda ser efectuadas colheitas de outros locais, nomeadamente urina, secreções respiratórias, líquido cefalorraquídeo, feridas,
conteúdo abdominal (exº:peritonite) ou outros.
Tal justifica-se pela importância da identificação do microorganismo
envolvido e posterior “descalação” da terapêutica antibiótica empírica.
A realização de um Gram poderá neste contexto fornecer alguma
orientação numa fase mais precoce.
Caso não sejam efectuadas colheitas antes do início da antibioterapia, pode ocorrer uma rápida esterilização das culturas e com isso
perder-se a oportunidade de isolamento do agente.
Se a suspeita tiver como alvo um vírus (exº: gripe),os testes disponíveis deverão também ser efectuados o mais precocemente possível.
Deverão ainda ser realizados estudos imagiológicos pertinentes para
a identificação do foco.
1.3. TERAPÊUTICA ANTIMICROBIANA
É mandatória a administração de terapêutica antimicrobiana na 1ª
hora após o reconhecimento de choque séptico ou sépsis grave.
Na presença de choque séptico cada hora de atraso na administração
de um antibiótico eficaz está associada a um aumento mensurável
da mortalidade num grande número de estudos.
Os dados no caso de sépsis grave também apontam no mesmo sentido
Esta terapêutica empírica deve incluir um ou mais fármacos com
actividade contra todos os presumíveis microorganismos (bactérias,
fungos, vírus) e com boa penetração nos tecidos alvo.
Neste contexto, temos de ter em atenção a história do doente, nomeadamente a existência de alergias, a realização de antibioterapia
nos últimos 3 meses, a patologia associada, a existência ou não de
neutropenia ou imunossupressão, a apresentação clínica e a sensibilidade dos microorganismos existentes no hospital ou na comunidade.
Os fármacos antimicrobianos deverão ainda ser utilizados em doses
máximas uma vez que estes doentes têm muitas vezes um aumento
do volume de distribuição e apresentam ainda oscilações da sua
função hepática e renal, apresentando algumas vezes um aumento
do metabolismo ou excreção dos mesmos.
O ideal é ter, sempre que possível, uma monitorização sérica do fármaco para ser conseguida a máxima eficácia com toxicidade mínima.
Posteriormente, deve ser efectuada uma reavaliação diária da terapêutica para eventual “descalação” diminuindo assim a toxicidade e
os custos e prevenindo o desenvolvimento de resistências.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A utilização de biomarcadores pode ajudar à “descalação” e monitorização da terapêutica instituída, mas ainda não existe qualquer
evidência do seu benefício na mortalidade.
Regra geral, sugere-se a manutenção de uma terapêutica combinada
não mais de 3 a 5 dias, salvo raras excepções, nomeadamente face a
Pseudomonas só susceptiveis aos aminoglicosídeos, no contexto de
uma endocardite por enterococcus, nas infecções por Acinectobacter
só susceptiveis às polimixinas.
Sugere-se ainda uma duração da terapêutica de 7 a 10 dias. Períodos
terapêuticos mais longos poderão ser requeridos em doentes com
resposta clínica lenta, focos de infecção não “drenáveis”, bacteriémias
por S.aureus, algumas infecções víricas e fúngicas e no âmbito de
alguns deficits imunológicos, nomeadamente a neutropenia.
No entanto, é necessário ter sempre presente que os resultados das
culturas serão negativos numa percentagem significativa (50%) de
casos de sépsis grave e choque séptico apesar de muito provavelmente
essas situações terem sido causadas por um fungo ou bactéria.
De igual forma, a terapêutica antivírica deve ser iniciada o mais precocemente possível em doentes com choque séptico ou sépsis grave
de provável origem vírica.
Não usar agentes antimicrobianos ou parar a sua administração se estivermos perante um estado inflamatório grave de causa não infecciosa.
1.4. CONTROLO DO FOCO
É preconizada a intervenção para controlo do foco até 12 horas,
devendo ser usada a intervenção mais eficaz associada a menor
agressão. (exº:drenagem percutânea de abcesso)
Se o possível foco for um acesso vascular, este deve ser removido o
mais rapidamente possível depois de colocado outro acesso.
No entanto, no contexto de uma necrose peripancreática infectada,
sugere-se que a intervenção definitiva seja adiada até que haja uma
demarcação adequada de tecidos viáveis e não viáveis.
1.5. SUPORTE HEMODINÂMICO
Tradicionalmente as alterações hemodinâmicas no choque séptico são
descritas como um continuum em várias fases consecutivas.
Uma fase precoce em que a expansão de volume aumenta o débito
cardíaco e melhora a perfusão do doente. Após este período de
ressuscitação inicial o perfil hemodinâmico é consistente com um
estado hiperdinâmico caracterizado por um débito cardíaco alto e
resistências vasculares sistémicas baixas. Durante estas duas fases
não existirá depressão miocárdica ou ela será mínima.
A fase seguinte, é caracterizada por uma diminuição do débito cardíaco
e um aumento das resistências vasculares sistémicas (falência cardíaca).
Parker e os seus colaboradores foram os primeiros a confirmar que
todas estas fases se podem sobrepor, o que veio a ser corroborado
pelo desenvolvimento da ecocardiografia nas Unidades de Cuidados
Intensivos.
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15. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE EM SÉPSIS
Fluidoterapia
Os cristalóides devem ser a escolha inicial na ressuscitação da sépsis
grave/choque séptico.
A ausência de um benefício claro após a administração de soluções
colóides comparativamente com soluções cristaloides, associada ao
aumento de custos que representa a utilização dos mesmos, suporta
a utilização de cristaloides na fase inicial da ressuscitação da sépsis
grave/choque séptico.
Existe mesmo uma recomendação contra o uso de Hidroxietilamido.
Esta recomendação tem como base os resultados dos estudos multicêntricos como o VISEP o CRYSTMAS e o CHEST.
No estudo CRYSTMAS publicado em 2012 não foram objectivadas
diferenças na mortalidade usando hidroxietilamido versus Nacl 0,9%1
No CHEST publicado também em 2012 e englobando uma população
muito heterogénea (n=7000),não foi verificada diferença na mortalidade aos 90 dias entre a ressuscitação com hidroxietilamido e uma
solução isotónica salina, objectivou-se ainda uma maior necessidade
de substituição renal no grupo ressuscitado com hidroxietilamido.2
Mais recentemente no “CRYSTAL trial”, um estudo prospectivo visando a utilização de cristaloides versus coloides, evidenciou uma
maior mortalidade aos 90 dias associada à utilização de coloides.3
Assim, verifica-se hoje em dia um elevado nível de evidência contra o
uso de coloides na ressuscitação inicial da sepsis grave /choque séptico.
Em alternativa, como coloide é sugerido o uso de albumina quando os
doentes têm necessidade de quantidades substanciais de cristaloides.
Já em 2004 no estudo SAFE a administração de albumina se mostrava
igualmente segura e eficaz quando comparada com uma solução
salina a 0,9%.4
Mais recentemente, numa meta-análise publicada em 2011 englobando 17 estudos randomizados (n=1977),a albumina aparece associada
a uma menor mortalidade.5
Assim, recomenda-se um fluid challenge inicial em doentes com hipoperfusão com suspeita de hipovolémia, cerca de 30 mL/kg de cristaloides e sugere-se a utilização preferencial de “soluções balanceadas”.
Ter em consideração que alguns doentes poderão necessitar de um
volume superior de fluídos.
Sugere-se que esta administração de fluidos perdure enquanto for
observada melhoria hemodinâmica, baseada em medidas dinâmicas
como a variação da pressão de pulso ou a monitorização do débito
cardíaco (se disponíveis) ou estáticas como a TA ou a frequência
cardíaca.
Vasopressores
Recomenda-se que a terapêutica vasopressora tenha como objectivo
uma PAM de 65 mmHg, no entanto a PAM óptima deve ser individualizada pois pode ter que ser superior em doentes com ateroesclerose
ou HTA, ou eventualmente até mais baixa em doentes jovens e sau| 149 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
dáveis. Assim, devemos ter sempre presente a clínica, nomeadamente
a perfusão cutânea, o débito urinário, o estado de consciência, os
níveis de lactato.
Neste contexto, sugere-se a noradrenalina como fármaco de primeira
escolha. É mais potente que a dopamina e mais eficaz a reverter a
hipotensão no choque séptico. Existem ainda estudos que apontam
para uma menor mortalidade associada à utilização de noradrenalina.
A dopamina, anteriormente mais utilizada, aumenta a PAM e débito cardíaco sobretudo à custa do aumento do volume sistólico e
frequência cardíaca. Poderá eventualmente ser útil em doentes com
compromisso da função sistólica do ventrículo esquerdo mas causa
mais taquicardia e tende a ser mais arritmogénica
Preconiza-se ainda o uso de adrenalina em associação ou substituição
da noradrenalina para manter pressões arteriais adequadas.
Embora existam estudos que falem dos seus efeitos deletérios na circulação esplâcnica e na produção de hiperlactacidémia não existe evidência clínica que demonstre que ela esteja associada a piores outcomes.
Notar que na monitorização guiada pelos valores de lactato, a adrenalina pode aumentar a produção aeróbica do mesmo através da
estimulação dos receptores β2 adrenérgicos.
A vasopressina poderá ser uma alternativa a considerar uma vez que
no contexto dos quadros sépticos existe uma insuficiência relativa
deste vasopressor. No entanto, é um fármaco que não está disponível
no nosso país. A ser utilizado, teriam que ser usadas doses baixas
em perfusão (0,03 UI/min), uma vez que doses mais elevadas foram
associadas com isquémia miocárdica e esplâcnica.
Se for utilizada, é mandatória a monitorização do débito cardíaco.
A vasopressina poderá ser usada em associação para serem atingidas
as pressões médias desejadas, ou com o objectivo de diminuir as doses
de noradrenalina utilizadas.
No entanto, num estudo randomizado e controlado (VASST), foi
comparada a utilização da noradrenalina com o uso de noradrenalina
associada a vasopressina, não tendo sido objectivadas diferenças no
outcome destes dois grupos de doentes.6 Assim, a vasopressina aparece reservada para situações em que outros vasopressores falham.
Obviamente, todos os doentes com vasopressor em curso exigem
monitorização invasiva da TA.
Terapêutica inotrópica
A disfunção cardíaca na sépsis pode ter origem em diversos mecanismos,
entre os quais disfunção cardíaca direita com diminuição do retorno
venoso, disfunção diastólica do ventrículo esquerdo que induz compromisso do preload do ventrículo direito, disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (ou vulgarmente denominada cardiomiopatia séptica).
Todas estas disfunções podem ocorrer de forma isolada ou concomitante.
Parker confirmou que a disfunção sistólica do ventrículo esquerdo
pode estar presente já às 24h.
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15. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE EM SÉPSIS
Neste contexto, a dobutamina pode ter a sua indicação numa dose até
20 µg/kg, isolada ou em associação com um vasopressor.
Assim pode ser iniciada se tivermos objectivamente sinais de disfunção miocárdica sugerida por pressões de enchimento cardíaco
elevadas associada a baixos débitos cardíacos, ou na sua ausência
por sinais mantidos de hipoperfusão apesar de adequado volume
intravascular e adequadas PAM.
Corticoides
Os doentes com choque séptico têm uma resposta desadequada ao
“stress” ou, mais concretamente, uma insuficiência suprarrenal relativa.
Se apesar de fluidoterapia e terapêutica vasopressora adequada o
doente permanecer em choque (choque refractário) sugere-se a utilização de hidrocortisona na dose de 200 mg/dia.
Recomenda-se a sua utilização em perfusão contínua, uma vez que a
sua utilização em bólus verificou-se estar associada a hiperglicémia
e hipernatrémia como efeitos colaterais.
Um estudo francês, publicado em 2002 e realizado em doentes com
choque séptico refractário, evidenciou reversão do choque e redução
da mortalidade com a utilização de corticoides.7
No entanto, um estudo Europeu multicêntrico mais recente, publicado
em 2008, denominado CORTICUS que também englobou doentes sem
critérios de choque não demonstrou qualquer benefício na mortalidade associado ao uso dos mesmos.8
Posteriormente têm sido publicados vários estudos contraditórios em
que a reversão do choque até é objectivada, mas os benefícios na
mortalidade nem sempre são comprovados.
Assim, os doentes mais graves com choque refractário parecem ser
o subgrupo que mais beneficia com esta terapêutica.
Embora o significado clínico não seja claro, é reconhecido que o uso
de etomidato usado na indução anestésica suprime o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal. Neste contexto, no estudo CORTICUS foi
analisado este subgrupo de doentes que revelou que a utilização de
uma dose baixa de corticoíde nestes doentes apareceu associada a
um aumento de mortalidade aos 28 dias.9
Embora não existam recomendações em relação à duração da terapêutica com corticoides, recomenda-se que o desmame deve ser feito
gradualmente depois da resolução do choque.
2. TERAPÊUTICA DE SUPORTE DA SÉPSIS GRAVE
Componentes e derivados do sangue
Após a resolução da hipoperfusão tecidular e na ausência de estados
que exijam maior concentração e transporte de oxigénio, tais como a
cardiopatia isquémica, a hipoxémia grave ou a hemorragia aguda, é
recomendada a transfusão de concentrado eritrocitário quando a concentração de hemoglobina baixar para valores inferiores a 7,0 g/dL.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Nos casos em que se verifique hemorragia activa ou que se constate a
necessidade de cirurgia ou de procedimentos invasivos, é aconselhada
a administração de plaquetas quando a sua concentração sérica for
inferior a 50 × 109/L.
A sua administração com objectivo apenas profilático justifica-se
quando a concentração de plaquetas for inferior a 10 × 109/L, na
ausência de hemorragia visível, ou menor que 20 × 109/L, se existir
risco hemorrágico significativo.
Nas recomendações mais recentes é desaconselhada a utilização de
antitrombina, bem como de plasma fresco congelado para correcção
de alterações laboratoriais na ausência de hemorragia ou procedimento invasivos.
Sedação, analgesia e bloqueio neuromuscular
É recomendado que tanto a sedação intermitente como a contínua
seja minimizada nos doentes ventilados e que a mesma seja titulada
para objectivos específicos.
Apenas está recomendado o bloqueio neuromuscular nos casos de
ARDS inicial induzido pela sépsis e PaO2/FiO2<150 mmHg e por períodos com duração menor ou igual a 48 horas. Sempre que tal for
necessário deve ser monitorizado o bloqueio neuromuscular.
Controlo da glicemia
É aconselhada a realização de um protocolo de controlo glicémico
em doentes com sépsis grave e que o mesmo seja iniciado quando
objectivadas duas medições consecutivas superiores a 180 mg/L.O
objectivo é manter glicémias abaixo dos 180 mg/dL. Tal obriga
a uma monitorização estreita dos valores de glicémia a cada 1 a
2 horas até à estabilização dos valores de glicémia e de perfusão
de insulina, podendo posteriormente ser efectuada apenas de 4
em 4 horas. Recomenda-se que se as pesquisas de glicémia forem
obtidas por picada capilar, os resultados sejam interpretados com
alguma cautela.
Tratamento de substituição renal
Apesar de na sépsis grave que cursa com insuficiência renal aguda
tanto a técnica de substituição renal intermitente como a contínua
terem demonstrado idêntica sobrevida a curto prazo, nos doentes
sépticos e hemodinamicamente instáveis é sugerida a utilização de
técnicas dialíticas contínuas.
Terapêutica com bicarbonato
É desaconselhada a administração de bicarbonato nos casos que
cursam com lactacidémia induzida pela hipoperfusão e pH ≥ 7.15,
com vista a optimização hemodinâmica ou à redução da necessidade
de vasopressores.
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15. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE EM SÉPSIS
Profilaxia da trombose venosa profunda
É recomendada a farmacoprofilaxia diária do tromboembolismo venoso nos doentes com sépsis grave. Recomenda-se nesta circunstância
uma administração subcutânea diária de uma heparina de baixo peso
molecular. Nos casos que cursam com uma clearance da creatinina
inferior a 30 mL/min é recomendada a utilização de dalteparina, ou
outra heparina de baixo peso molecular com baixo metabolismo renal.
Sugere-se ainda que os doentes sejam tratados com uma combinação
de terapêutica farmacológica e compressão pneumática intermitente
dos membros, sempre que possível.
São excepção à recomendação da terapêutica farmacológica os doentes com contra-indicação ao uso de heparina. Enquadram-se neste
grupo os doentes trombocitopénicos, com coagulopatia grave, com
hemorragia activa ou hemorragia intracerebral recente.
Como alternativa para esses doentes é sugerido o tratamento mecânico
com meias de contenção elástica ou compressão pneumática intermitente, a menos que também estejam contra-indicadas. Assim que se verifique
a redução do risco é sugerida a introdução da profilaxia farmacológica.
Profilaxia da úlcera de stress
É recomendada a profilaxia da úlcera de stress apenas em doentes
com sépsis grave ou choque séptico com risco de hemorragia, sendo
que a mesma deve ser realizada preferencialmente com inibidores da
bomba de protões, embora possam também ser utilizados antagonistas
dos receptores H2.
Nutrição
É sugerida alimentação oral ou entérica conforme tolerância nas primeiras 48 horas após o diagnóstico de sépsis grave ou choque séptico.
Não é mandatório que sejam atingidos os objectivos calóricos logo na
primeira semana. Em alternativa sugere-se uma baixa dose calórica de
alimentação(exº:500 Kcal/24h) aumentando de acordo com a tolerância.
Sugere-se ainda, nestes primeiros sete dias, utilizar alguma perfusão
de glicose endovenosa em associação com a nutrição entérica em vez
de nutrição parentérica isolada.
É sugerida ainda a exclusão de suplementos imunomoduladores
específicos à alimentação do doentes com sépsis grave.
Ventilação mecânica no ARDS induzido pela sépsis
É recomendada uma estratégia de ventilação mecânica invasiva
protectora nos doentes com ARDS induzido pela sépsis
Nessa situação clínica são recomendadas ou sugeridas as seguintes
medidas:
· Ventilação com volume corrente de 6 mL/kg do peso ideal;
· Pressão de plateau inferior a 30 cm H2O;
· Se apesar de um volume corrente de 6 mL/kg as pressões de plateau se
mantiverem elevadas, recomenda-se a redução do volume até 4 mL/kg;
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
· Aplicação de PEEP, devendo ser privilegiadas estratégias com
PEEP elevada nos casos de ARDS moderado a grave;
· Utilização de manobras de recrutamento alveolar nas situações
que cursam com hipoxémia refractária;
· Hipercapnia permissiva (nem que para isso sejam necessárias
perfusões de bicarbonato em doentes selecionados);
· Não existe nenhum modo ventilatório que seja vantajoso em
relação a outro no que diz respeito à protecção pulmonar;
· Elevação da cabeceira a 30 – 45º;
· Recomendada prone positioning em doentes com ARDS associado
a Sépsis com PaO2/FiO2<100 mmHg em unidades onde já exista
alguma experiência com esta prática;
· VNI em doentes selecionados;
· Protocolos de desmame ventilatório;
· Fluidoterapia conservadora nos doentes com ARDS induzido por
Sépsis sem evidência de hipoperfusão (Essa atitude melhora a
oxigenação e reduz os dias de ventilação mecânica);
· Considerar a utilização de ECMO em centros com experiência.
ALGORITMO
OBJETIVOS DA ABORDAGEM DA SÉPSIS
Até às 3 horas
· Avaliação da lactacidemia
· Realização de hemoculturas e culturas dirigidas antes da administração de
antibióticos
· Administração de antibióticos de largo espectro
· Administração de 30 ml/kg de cristaloides se hipotensão ou lactacidémia ≥4 mmol/L
Até às 6 horas
· Início de vasopressores: manter PAM ≥ 65 mmHg(se hipotensão sem resposta à
ressuscitação volémica inicial)
· Se persistência de hipotensão arterial apesar de reposição volémica ou
lactacidémia ≥4 mmol/L ou 36 mg/dL (Choque séptico):
· Medição da pressão venosa central (PVC) – alvo: ≥ 8 mmHg
· Medição da saturação venosa central de oxigénio (ScvO2) – alvo: ≥ 70%
· Reavaliação do lactato (se hiperlactacidémia inicial)– alvo: normalização do lactato
Figura 1 – Algoritmo de abordagem de sépsis
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15. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE EM SÉPSIS
·
·
·
·
·
·
·
* Critérios de presunção
de infecção
Tosse + (dispneia ou dor pleurítica)
Dor lombar + (disúria e polaquiúria)
Dor abdominal ou icterícia
Diminuição aguda da consciência
Cefaleia + vómitos
Sinais inflamatórios extensos
Critério clinico do responsável
TRIAGEM - PASSO 1
· Suspeita de infecção?
· Presença de SIRS? 2 de 3:
· FC > 90 bpm
· FR > 20 cpm
· Temp > 38 ou <36ºC
·
·
·
·
·
·
·
** Critérios de exclusão
Gravidez
ICC descompensada / SCA
Doença cerebrovascular aguda
Hemorragia digestiva activa
Estado de mal asmático
Politrauma / grandes queimados
Situação para limitação de cuidados
PASSO 2
· Confirmação da suspeita?
· Presença de hipoperfusão?
· TAS <90 mmHg ou
· Lactato > 4 mmol/L
· Sem critérios de exclusão?**
SIM A AMBOS
SIM AOS TRÊS
PASSO 3
·H
emoculturas e outros
exames microbiológicos
· ECD’s iniciais
· Antibioterapia inicial
·Fluidoterapia
PASSO 4
·E
CD’s secundários
· Cateterização venosa central
(CVC)
· Exames e técnicas de
diagnóstico para controlo
de foco
·V
olume até PVC > 7 mmHg
· Depois fluid challenge até
aumento da PVC > 2
NÃO
·V
asopressores (Nora / Dopa)
·C
ateterização arterial
·C
onsiderar hidrocortisona se
choque refractário
NÃO
·T
ransfusão de CE até Htc>30%
·D
obutamina até 20 mcg/Kg/min
NÃO
PVC > 8 mmHG?
SIM
PAM > 65 mmHG?
SIM
SCVO2 > 70%?
MANTER MONITORIZAÇÃO
Figura 1 – Algoritmo de abordagem de sépsis (cont.)
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
Referências
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Severe Sepsis and Septic Shock,2012.Intensive Care Med. 2013; 39:165-228
11. Antoine Vieillard-Baron, M.Cecconi. Understanding cardiac failure in sepsis.
Intensive Care Med. 2014; 40:1560-3.
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16. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE COM DOENÇA RENAL CRÓNICA
16. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE
COM DOENÇA RENAL CRÓNICA
Joana Lavado e Ana Cristina Campos
DEFINIÇÃO
A doença renal crónica (DRC) pode ser definida pelos seguintes critérios:
· Presença de lesão renal (estrutural ou funcional) durante três ou mais
meses, com ou sem diminuição da taxa de filtração glomerular (TFG);
pode manifestar-se por alterações histopatológicas, marcadores de
lesão renal (plasmáticos ou urinários) ou alterações imagiológicas;
· TFG < 60 mL/min/1,73 m2 durante três ou mais meses, com ou sem
evidência de lesão renal.1
A TFG, influenciada pelo sexo, idade e peso, é frequentemente calculada através de duas fórmulas:
Fórmula de Cockroff-Gault 1:
Clearance de creatinina (ml/min) =
[(140-idade) x peso (kg) x 0,85 (se sexo feminino)]
[72 x creatinina sérica (mg/dl)]
Modification of diet in renal disease (MDRD)1:
TFG (ml/min/1,73 m2) = 186 x creatinina sérica (mg/dl)-1,154 (mg/dl)
x idade (anos) -0,203 x 0,742 (se sexo feminino) x 1,212 (se raça negra)
Estas fórmulas têm como limitação o facto de serem imprecisas para
valores de creatinina instáveis e de serem afetadas por situações como
amputações, paralisia, atrofia muscular, índice de massa corporal
<19 kg/m2 ou >35 kg/m2, hepatopatia grave, edema ou ascite, gravidez e dietas vegetarianas ou toma de suplementos de creatinina.2,3
Segundo a TFG, a DRC pode ser classificada em 5 estadios (tabela 1).
Tabela 1 - Classificação da doença renal crónica segundo a TFG
(adaptado de Principles of Harrison’s Internal Medicine)
ESTADIO
1
2
3
4
5 ou doença
renal
terminal
CLASSIFICAÇÃO DA DOENÇA RENAL CRÓNICA
TFG (ml/min/1,73m2)
Lesão renal com TFG normal ou ↑
Lesão renal com diminuição ligeira da TFG
Diminuição moderada da TFG
Diminuição grave da TFG
≥ 90 + lesão renal*
Falência renal
< 15 ou em diálise
89-60
59-30
29-15
* Alterações histopatológicas, marcadores de dano renal (plasmáticos ou urinários) ou
alterações imagiológicas
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A insuficiência renal crónica, associada a um processo de perda de
nefrónios continua e irreversível, corresponde, em geral, aos estadios
3-5 da DRC.3,4
A medição isolada da creatinina sérica não é um bom preditor de
função renal pois tem baixa sensibilidade e tende a sobrestimar a
função renal.1,3 Um exemplo é a população idosa, na qual se pode
encontrar valores de creatinina normais em doentes com TFG diminuídas. Tal verifica-se devido à redução da produção de creatinina que
ocorre em consequência da diminuição da massa muscular associada
ao envelhecimento.5
ETIOLOGIA
A diabetes mellitus (DM) e a hipertensão arterial (HTA) são as principais causas de doença renal terminal.4 Entre outras causas de DRC
encontram-se a doença renovascular, glomerulonefrites, doenças
tubulointersticiais (ex. nefropatia dos analgésicos, rim do mieloma,
sarcoidose), doenças hereditárias (ex. doença renal poliquística e
síndrome de Alport), nefropatia obstrutiva, infeção por vírus da
imunodeficiência humana, entre outras.
Frequentemente, se a nefropatia se encontrar num estadio avançado
por altura do diagnóstico, não é possível determinar a causa da DRC
mesmo realizando biópsia.
APRESENTAÇÃO CLÍNICA
As manifestações clínicas da DRC são independentes da sua etiologia
e refletem a incapacidade renal de excretar produtos nitrogenados,
manter o equilíbrio hidroelectrolitico e a produção hormonal.3
Quando a TFG se encontra entre 10-30 mL/min/1,73m2, os doentes
desenvolvem sintomas urémicos, acidose metabólica, anemia, hipercaliémia e coagulopatia, que se agravam com a progressão da doença.6
1 - Alterações hidroeletrolíticas
As alterações hidroeletrolíticas geralmente aparecem numa fase
avançada da doença. No entanto, a resposta perante uma sobrecarga
ou restrição brusca de sódio pode alterar-se em fases precoces da
DRC. Inicialmente, é perdida a capacidade de concentração urinária,
havendo risco de desidratação. A capacidade de diluição da urina,
mantida em fases iniciais, é perdida com a evolução da doença renal
e o doente poderá desenvolver um estado de hipervolémia.3
Com exceção da patologia do nefrónio distal, a hipercaliémia tende a
surgir apenas na fase terminal da DRC, porque a excreção aumentada
nos nefrónios funcionantes e a eliminação intestinal conseguem,
inicialmente, compensar os níveis de potássio.2,4 No entanto, todos os
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16. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE COM DOENÇA RENAL CRÓNICA
doentes renais estão altamente suscetíveis ao aparecimento de hipercaliémia. São exemplos de situações em que ocorre sobrecarga de potássio: trauma, hemólise, infeção, transfusão de concentrado eritrocitário
(CE), anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), inibidores da enzima
de conversão da angiotensina, antagonistas dos receptores da angiotensina II, beta-bloqueantes, heparina, espironolactona, amiloride.3,4
A hipercaliémia pode conduzir a alterações no electrocardiograma
(ECG), com ondas T espiculadas, aumento do PR, aplanamento das
ondas T, aumento do QRS, bradicardia, taquicardia ventricular e
outras disritmias.3
Na DRC são comuns as alterações no metabolismo fosfocálcio.
Apesar da hipocalcémia ser frequente, raramente se torna sintomática.
As manifestações clínicas de hipocalcémia são: parestesia, confusão,
laringospasmo, broncospasmo, tetania e convulsões. Pode ocorrer um
prolongamento do intervalo QT e aparecimento de arritmias. Ocorre
devido à resistência à ação da hormona paratiroideia, diminuição
da absorção intestinal de cálcio (pela diminuição da síntese renal de
1,25-dihidroxicolecalciferol) e deposição óssea de cálcio secundária
à hiperfosfatémia (secundária à diminuição da TFG).3,4 A hiperfosfatémia aumenta o risco de calcificação de artérias, válvulas cardíacas
e miocárdio. A presença de hipercalcémia é na maioria das vezes
idiopática ou causada por hiperparatiroidismo terciário.3,4
2 - Alterações no equilíbrio ácido-base
A redução de síntese de amónia e a diminuição da capacidade de
excretar H+ associada à incapacidade de reabsorver bicarbonato
aumenta o risco de desenvolvimento de acidose metabólica.2,4
A acidose metabólica condiciona uma redução da capacidade de
compensação em caso de acidose respiratória, além de alterar a
distribuição e ação de fármacos.2,3
3 - Anemia
Tipicamente a anemia da DRC é normocítica, normocrómica. A etiologia
é multifatorial: défice de produção de eritropoietina, toxinas urémicas, perdas hemáticas (através do circuito de hemodiálise, colheitas,
hemorragia digestiva oculta), défice de ferro e vitaminas ou fibrose
da medula óssea (secundária ao hiperparatiroidismo).3,4
4 - Alterações da hemostase
O doente renal crónico encontra-se, simultaneamente, em risco de
diátese hemorrágica e num estado prótrombótico. A disfunção plaque| 159 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
tária é secundária à urémia. A contagem de plaquetas é normal, assim
como o aPTT e o TP5, o que se encontra alterado é a função plaquetária
por disfunção da interação entre o fator de von Willebrand e o fator
VIII do endotélio capilar6 a que se associa a diminuição do ADP e do
tromboxano A2 plaquetários.2 Estas alterações podem aumentar o
risco de hemorragia no intra e pós-operatório. Contribuem ainda para
a diátese hemorrágica a existência de anemia e hematócrito baixo,
que condiciona um menor contacto entre as plaquetas e o endotélio.2,3
A DRC não afeta a síntese ou a função dos fatores de coagulação,
o que se verifica é a perda a nível renal de fatores anticoagulantes
(especialmente no doente com protenúria >1 g/24h) condicionando
uma diminuição da fibrinólise e aparecimento de um estado pró-trombótico.3,4
5 - Risco cardiovascular
Fatores de risco cardiovascular agravam a lesão renal, mas a própria
DRC é fator de risco para doença cardiovascular isquémica.2 Um valor
de creatinina sérica >2 mg/dL é um preditor independente de risco
aumentado de complicações cardíacas em cirurgia não cardíaca.2
A HTA pode ser a causa primária de DRC ou secundária a esta por
expansão do volume intravascular. Entre outras causas encontram-se
a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do sistema
nervoso simpático, tratamento com eritropoietina (que aumenta a viscosidade e a resistência vascular) e o hiperparatiroidismo.3,5 Existe um
predomínio da hipertensão sistólica, devido à existência de aterosclerose difusa secundária às alterações da função endotelial, do metabolismo fosfocálcio, ao estado inflamatório sistémico e à dislipidémia.2,3
Contribuem para o aparecimento de hipertrofia ventricular esquerda
(HVE) a sobrecarga de pressão e de volume. No doente que realiza
hemodiálise (HD), contribui para a sobrecarga de volume a existência
da fístula arteriovenosa2. A sobrecarga de pressão é secundária à HTA
e à aterosclerose.3 A HVE conduz ao aparecimento de insuficiência
cardíaca congestiva (ICC), coronariopatia (frequentemente assintomática devido à existência de neuropatia3,5) e arritmias.
A nível do miocárdio, a fibrose e calcificação do sistema condutor
levam ao aumento da incidência de bloqueios auriculoventriculares
de 2º e 3º grau.2
6 - Alterações endócrinas
Tal como a HTA, a DM, não é apenas causa, mas também consequência da DRC, pois a própria doença associa-se a resistência a insulina
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16. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE COM DOENÇA RENAL CRÓNICA
e intolerância à glicose.3,4 A metformina está contraindicada para
TFG < 50 mL/min/1,73 m2 devido ao risco de acumulação de ácido
lático e aparecimento de acidose metabólica.3,4 O tratamento hipoglicemiante deverá ser mantido durante todo o perioperatório. Sendo
a insulina filtrada pelo rim, doentes com TFG baixas necessitam de
doses menores de insulina.4
7 - Alterações neurológicas
A DRC pode condicionar o pensamento abstrato, insónia, irritabilidade, convulsões, encefalopatia renal e coma.4,5
É comum a disfunção do sistema nervoso autónomo.2 Trata-se de um
fenómeno multifatorial (urémia, DM, hiperparatiroidismo), ocorrendo
diminuição da sensibilidade dos barorrecetores com diminuição da
resposta à hipotensão6, aumento da atividade simpática e disfunção
parassimpática que pode condicionar uma diminuição da resposta à
atropina.2 Outra característica da DRC é o aparecimento de neuropatia
periférica sensório-motora, particularmente nos membros inferiores
e de predomínio distal.4,5
8 - Alterações gastrointestinais
Ocorre hipersecreção ácida, aumentando o risco de úlcera péptica e
hemorragia digestiva, e atraso no esvaziamento gástrico como consequência da neuropatia autonómica.2,3,6 A síndrome urémica pode
levar ao aparecimento de anorexia, náuseas e vómitos.4
ABORDAGEM IMEDIATA
A - Vigilância da resposta hemodinâmica e função renal
A manutenção da pressão de perfusão renal e da normovolémia é um
dos mais importantes desafios no cuidado perioperatório do doente
com DRC. Assim, deve ser vigiada:
· Pressão arterial (PA média (PAM) 70-80 mmHg ou 20% da PAM
do pré-operatório),
· Função renal, eletrólitos e equilíbrio ácido-base,
· Diurese (idealmente> 0,5 mL/kg/hora, exceto no doente oligoanúrico)
· Sinais de sobrecarga hídrica (edema periférico, fervores, edema
pulmonar, HTA).
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A fluidoterapia tem uma enorme importância no pós-operatório.
Contribuem para a hipovolémia associada ao perioperatório:
· Jejum,
· Perdas insensíveis,
· Febre,
· Perdas urinárias,
· Edema,
· Hemorragia,
· Drenagens (sonda nasogástrica, drenos).
No entanto, são libertadas catecolaminas, renina e hormona antidiurética, em resposta ao stress cirúrgico e à dor, que provocam retenção
de sódio e água e oligúria.
No pós-operatório, a fluidoterapia deverá ser guiada pela clínica,
débito urinário, monitorização da TFG e dos eletrólitos plasmáticos.
O objetivo será sempre a normovolémia e a normotensão. Tanto a
hipovolémia como a sobrecarga hídrica apresentam efeitos deletérios.
Tradicionalmente, é recomendada a administração de soro fisiológico
(SF) em detrimento do lactato de ringer (LR), devido ao facto deste
último conter potássio. No entanto, a administração de volumes>
30 ml/kg de SF foi associada a acidose metabólica hiperclorémica
que pode originar ou exacerbar a hipercaliémia.5,7 Foi comparada a
administração intraoperatória de SF e LR no transplante renal. Não
se verificaram diferenças nos níveis de creatinina plasmática e débito
urinário no pós-operatório, contudo, apenas os doentes que receberam
SF necessitaram de tratamento para acidose metabólica e nenhum
doente que recebem LR necessitou de corrigir hipercaliémia.8 Apesar
de, aparentemente, o LR não originar hipercaliémia é recomendado
nunca administrar potássio sem ter a certeza que o doente consegue
eliminá-lo, sugerindo-se precaução na administração de LR a doentes
anúricos.9
Em relação à administração de coloides, a albumina pode precipitar
o aparecimento de edema não estando completamente provado o seu
benefício em doentes hipovolémicos ou com hipoalbuminémia Além
do potencial alergénico, os coloides semissintéticos podem ainda ter
um efeito anticoagulante. Os dextranos e as gelatinas foram associados ao desencadeamento de insuficiência renal oligúrica ou anúrica.10
A hidroxietilamida parece aumentar o risco de lesão renal aguda
(LRA) e a necessidade de terapia de substituição renal.11 Assim, em
relação ao uso de coloides, os riscos parecem superar os benefícios.
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16. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE COM DOENÇA RENAL CRÓNICA
Um dos objetivos do pós-operatório do doente renal é evitar LRA,
definida como:
· Aumento de creatinina plasmática ≥ 3 mg/dL, ou
· Débito urinário <0,5 mL/kg/hora durante > 6 horas.
São fatores de risco para desenvolvimento de LRA no pós-operatório12:
· Idade≥ 56 anos;
· Sexo masculino;
· ICC descompensada;
· Ascite;
· HTA;
· Cirurgia de emergência;
· Cirurgia intraperitoneal;
· Insuficiência renal (creatinina plasmática > 1,2 mg/dL no pré-operatório);
· DM.
A hipotensão é a causa mais comum de LRA no doente cirúrgico. Entre
outras causas encontram-se as nefrotoxinas (contraste ou fármacos),
rabdomiólise e a obstrução pós-renal. Considerar:
· Doseamento de CK ou mioglobinúria;
· Ecografia renal ou vesical na suspeita de LRA pós-renal (excluir
sempre obstrução do cateter vesical).13
A evidência atual aponta para a manutenção do equilíbrio hemodinâmico e do volume intravascular adequado como as medidas
profiláticas mais importantes para evitar a LRA pós cirurgia major.3
Atualmente, não está recomendado na literatura o uso de furosemida
ou dopamina na prevenção da LRA no pós-operatório. Em doentes
submetidos a transplante renal a furosemida não demonstrou diminuir a duração da LRA ou a necessidade de diálise, nem melhorou
o prognóstico. Não é recomendada a utilização de diuréticos na
presença de oligúria sem a certeza da hipovolémia estar corrigida.
No entanto, os diuréticos parecem ter um papel na gestão do balanço
hídrico do doente, nomeadamente em situações de sobrecarga hídrica,
na correção de hipercaliémia e equilíbrio metabólico e no aumento
do débito urinário para prevenção da obstrução tubular secundária
a necrose tubular aguda.6, 14,15
A dopamina não se revelou eficaz na prevenção ou tratamento da
LRA.10,15, 16 O efeito renal parece diminuir com o agravamento da função
renal e parece não existir para TFG <50 mL/min/1,73 m2.10,16 Além disso,
a falência renal diminui a clearance de dopamina, deixando de haver
relação entre a velocidade de infusão e os seus níveis plasmáticos.10
A dopamina, mesmo em doses baixas, não é isenta de efeitos secundários, nomeadamente: taquiarritmias, aumento do pré e pós-carga,
depressão do drive respiratório e aumento do shunt intrapulmonar.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A monitorização contínua do ECG é importante na deteção de arritmias cardíacas. O doente em estadios avançados é mais tolerante
à hipercaliémia3, portanto, se não existe elevação aguda dos níveis
séricos e na ausência de sintomas ou alterações no ECG, sugere-se
uma atitude mais permissiva no tratamento da hipercaliémia.7,17
B - Vigilância da resposta ventilatória
Após reversão do bloqueio neuromuscular (BNM) com anticolinesterases o BNM residual é raro. No entanto, este diagnóstico pode ser
considerado num doente com sinais de fraqueza muscular no pós-operatório precoce.5 A presença de acidose ou distúrbios eletrólitos
poderão ser outras explicações.
Apesar da excreção do complexo formado entre o sugammadex e o
rocurónio se encontrar prolongado na DRC, este é altamente estável e
o rocurónio mantém-se encapsulado, e portanto, inativo. Em comparação com doentes sem patologia renal, verificou-se um aumento do
tempo de recuperação do BNM em doentes com DRC após utilização
do sugamadex. No entanto, uma vez revertido o BNM não ocorre recurarização pelo que a utilização do sugamadex é considerada segura.18
Com a utilização de opióides há o risco potencial de depressão
respiratória. É importante a suplementação contínua com oxigénio,
especialmente na presença de anemia.5
C - Hemorragia pós-operatória e transfusão sanguínea
Tal como na população em geral, na DRC o risco hemorrágico é dependente do tipo e urgência do procedimento cirúrgico. No doente renal,
acresce-se ao risco hemorrágico a coagulopatia urémica e possíveis
efeitos residuais da heparinização dos circuitos nos doentes em HD.
A decisão de transfundir deve ser ponderada tendo em consideração
as perdas hemáticas, a sua repercussão hemodinâmica e a reserva
cardíaca do doente. Como desvantagens apresenta o risco de sobrecarga volémica e de hipercaliémia além do risco de sensibilização a
antigénios do complexo HLA com formação de anticorpos que podem
diminuir a probabilidade de sucesso de um futuro transplante renal.3,5
Em caso de suspeita de hemorragia secundária a disfunção plaquetária considerar5,19:
· Desmopressina 0,3 mcg/kg iv/sc em 15-30 minutos. O efeito
aparece aos 30-60 minutos e dura 6 a 12 horas;
· Crioprecipitado 10U iv. O efeito inicia-se numa hora e mantém-se
12-24 horas. O risco transmissão de infeções associado ao crioprecipitado limitou o seu uso em casos refratários à desmopressina.
· Transfusão de CE;
· Diálise.
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16. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE COM DOENÇA RENAL CRÓNICA
Os estrogénios têm indicação principalmente na prevenção da hemorragia uma vez que o seu efeito apenas se estabelece 24 horas após a
administração e mantém-se 5-7 dias.19
Na presença de síndrome urémica, a trombocitopatia não é corrigida
pela transfusão plaquetária, porque a função das novas plaquetas
ficará comprometida no “ambiente urémico”.
D - Controlo da dor
A dor aguda deve ser abordada segundo uma estratégia multimodal
combinando analgésicos iv, infiltração da ferida operatória, bloqueios
nervosos periféricos ou do neuro-eixo.
Em relação à anestesia loco-regional, como já referido, a DRC está
associada à existência de neuropatia periférica. A disfunção plaquetária, heparinização residual da HD ou não ajuste da heparina à
função renal são fatores de risco para a ocorrência de complicações
pós-operatórias. A existência de acidose metabólica vai atrasar o
início e duração de ação dos anestésicos locais.
Sobre os analgésicos iv, as particularidades da DRC baseiam-se na
via de eliminação e risco de nefrotoxidade dos fármacos. Para TFG
>50 mL/min/1,73 m2 não é necessário ajuste da dosagem.2,13,20
O paracetamol tem o melhor perfil de segurança de todos os analgésicos não opioides.2,20 No entanto, no doente renal possui uma semi-vida
de eliminação aumentada, sendo recomendado aumentar o intervalo
de toma de 6 para 8 horas.20 Em casos de sobredosagem, a nefrotoxicidade do paracetamol pode manifestar-se na forma de necrose tubular
aguda sendo que em doentes que têm níveis diminuídos de glutatião
(alcoolismo crónico) a nefrotoxicidade pode ocorrer mesmo na dose
terapêutica.20,21 Apesar desta evidência, foi demonstrado que a toma
ocasional e moderada de paracetamol não produzia alterações na função renal20 tornando-o um fármaco seguro para o controlo da dor, com
a vantagem de diminuir o consumo de opioides no pós-operatório.
Os AINEs devem ser evitados pois causam diminuição reversível
da TFG. Podem precipitar o aparecimento de edema, hiponatrémia,
hipercaliémia, além de exacerbarem a HTA e aumentarem o risco de
complicações cardiovasculares e de hemorragia gastrointestinal.2,5,20,21
Os Inibidores seletivos da COX-2 também devem ser evitados, especialmente em TFG < 30 mL/min/1,73 m.2,20
O metamizol magnésio parece ser uma boa alternativa na analgesia
do doente renal crónico. Porém a sua depuração depende da clearance
renal, devendo ser evitada a administração repetida de doses elevadas.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
A utilização de opióides não está contraindicada na DRC. No entanto a sua utilização deve ser criteriosa devido ao risco de depressão
respiratória e retenção urinária.2,5 A utilização de Naloxona deve ser
considerada se depressão respiratória grave.5
A morfina sofre extensa metabolização hepática e entre 5-10% é
excretada inalterada na urina. Um dos seus metabolitos, a morfina-6-glucuronido, é um potente analgésico com eliminação dependente
da função renal e que se acumula no plasma e no líquor criando um
elevado risco de sobredosagem e depressão respiratória. A morfina
pode ainda causar oligúria e retenção urinária devido ao aumento
da libertação de hormona antidiurética e espasmo dos esfíncteres.
Perante estas evidências é recomendada a redução da dose de morfina, inicialmente em 25%, sendo que as doses subsequentes se devem
basear na tolerância e eficácia clínica.2,20,21
Aproximadamente 7% da dose de fentanil é excretado na urina na
forma inalterada, o restante é rapidamente metabolizado pelo fígado
em metabólitos inativos.2 Se TFG >50 mL/min/1,73 m2 administrar
100% da dose, se TFG 10-50 mL/min/1,73 m2 reduzir a dose para 75%
e se TFG <10 mL/min/1,73 m2 administrar 50% da dose.21 Apesar do
Fentanil não ser eliminado através da hemodiálise, não é nefrotóxico
e é considerado uma excelente alternativa à morfina.20
A estratégia de patient controled analgesia (PCA) tem sido utilizada
com sucesso na DCR e parece ser uma alternativa segura no pós-operatório imediato.22 A morfina foi utilizada com segurança,23 mas o
fentanil é o fármaco de eleição para a PCA por ter um início e término
de ação mais rápido e menor acumulação.22,24
PCA iv com fentanil24:
· Bólus + perfusão ➝ 0,02-0,1 mg/h + bólus 0,02-0,05 mg + lockout
3-10min
· Bólus isolado ➝ 0,02-0,1 mg + lockout 3-10 min
No doente em diálise é desaconselhada PCA com perfusão basal.
O uso de petidina é contraindicado na DRC. A petidina é metabolizada
em norpetidina, um metabólito com metade da potência analgésica, mas
o dobro da toxicidade neurológica e que depende da função renal para
ser excretada. A utilização de petidina na DRC foi associada ao aparecimento de convulsões, alteração do estado mental e mioclonias.2,20
Aproximadamente 1/3 do tramadol é excretado inalterado na urina.
O tramadol torna-se um potencial agente convulsivante na presença de
urémia aumentada, pois esta causa diminuição do limiar epileptogénico.2
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16. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE COM DOENÇA RENAL CRÓNICA
Em doentes com TFG 10-30 mL/min/1,73 m2 o intervalo entre tomas
deve ser aumentado para 12 horas com uma dose diária máxima de
200 mg. Em doentes com doença renal terminal (estadio 5) a dose
máxima deverá ser 50 mg de 12/12 horas.20
Tabela 2 - Perfil farmacocinético de analgésicos
no doente com insuficiência renal
(adaptado de Treatment of pain in patients with renal insufficiency: the World Health Organization three-step ladder adapted20 e Perioperative management of the hemodialysis patient25)
FÁRMACO
ACUMULAÇÃO
REMOVIDO
METABOLISMO EXCREÇÃO INSUFICIÊNCIA
PELA HD
RENAL
PERFIL DE
SEGURANÇA
PARACETAMOL
Hepático
Renal
Sim
Sim
Seguro
8h intervalo
administração
METAMIZOL
MAGNÉSIO
Hepático
Renal
Sim
Sim
↓ dose
Evitar
administração
prolongada
MORFINA
Hepático
Renal
Sim
Sim
↓ dose
↑ intervalo
administração
FENTANIL
Hepático
Renal
Sim
(% mínima)
Não
Seguro
↓ dose
ALFENTANIL
Hepático
Renal
Não
Não
Seguro
↓ dose por ↑
fração livre
Esterases
plasmáticas e
tecidulares
Renal
Não
Não
Seguro
PETIDINA
Hepático
Renal
Acumulação
norpetidina
Petidina não
Norpet. Sim
Evitar
TRAMADOL
Hepático
Renal
Sim
Sim
Evitar
REMIFENTANIL
E - Risco de infeção
Doentes com DRC terminal têm maior risco de infeção no perioperatório, pelas comorbilidades associadas e que predispõe a infeção,
tais como DM, insuficiência vascular ou utilização de terapêutica
imunossupressora nos doentes transplantados.6 Se existir agravamento da função renal deve ser descartada a existência de infeção.
Perante uma suspeita é prudente pedir culturas e iniciar precocemente
o tratamento empírico.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
ABORDAGEM SUBSEQUENTE
Possíveis indicações para diálise no pós-operatório10,14:
· Sobrecarga hídrica
· Hipercaliémia
· Acidose metabólica grave
· Sinais e sintomas de urémia
· Toxicidade por fármacos
· Diátese hemorrágica secundária à urémia
· Pericardite urémica
INVESTIGAÇÃO COMPLEMENTAR NO PÓS-OPERATÓRIO IMEDIATO
· Hemograma, ureia, creatinina, ionograma
· Gasimetria arterial
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS
Acessos vasculares:
Se necessário colocar um cateter venoso central, a veia jugular interna
direita é a primeira opção, pelo menor risco de complicações.2 Evitar a
veia subclávia pelo risco de estenose secundária à cateterização (4050%). A veia femoral está associada a maior risco de infeção, e deve
ser evitada em candidatos a transplante renal pelo risco de estenose
da veia ilíaca externa.2 A veia jugular interna esquerda está associada
a baixo volume sanguíneo e maior taxa de estenose e trombose.
Os cateteres de HD não devem ser utilizados para outros fins que não
a diálise, exceto em caso de emergência.13,25
Particularidades do doente em diálise
Idealmente, o doente em HD deve realizar a última sessão 6-24 horas
antes do procedimento. O objetivo será o equilíbrio hidro-eletrolítico
e metabólico.
A administração de fluidos deve ser especialmente cuidadosa no
doente anúrico ou em diálise, que não terá a capacidade de compensar
um balanço hídrico positivo. O mesmo se aplica à administração de
potássio e de fármacos com clearance renal. No pós-operatório, o
reinício da hemodiálise depende da intervenção cirúrgica e estado
clínico do doente, idealmente após diminuição do risco hemorrágico
e de grandes variações de volume.25 O doente em diálise peritoneal
tolera 24-48 horas sem diálise.24
| 168 |
16. PÓS-OPERATÓRIO DO DOENTE COM DOENÇA RENAL CRÓNICA
Particularidades do doente transplantado
O doente transplantado continua a ser um doente renal crónico. Além
de possuir fatores de risco cardiovascular associados à DRC presentes
desde a fase pré-transplante, tem novos fatores devido à terapêutica
imunossupressora. Anticalcineurínicos, ciclosporina e tacrolimus são
nefrotóxicos. Tacrolimus e corticoides podem desencadear DM e HTA.3
A ciclosporina potencia o BNM e foi associada a risco aumentado de
insuficiência respiratória no pós-operatório.2
Fármacos com nefrotoxicidade ou dependentes de clearance renal
devem ser evitados e os diuréticos administrados cuidadosamente
de forma a evitar hipovolémia.5
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Chronic Kidney Disease: Evaluation, Classification and Stratification. Am
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| 170 |
3
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA DO CENTRO
HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA
Unidade de Cuidados Pós-Anestésicos - Polo HUC
Coordenação: Adelina Sampaio, MD
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
________________________________
ADRENALINA
Apresentação - Ampolas de 1 mg em 1 mL
Diluição: 1 mg em 50 mL (49ml de glicose a 5% + 1 ampola) → 20 µg/mL
Em seringa perfusora
Dose em
µg/kg/min
0.02
0.04
0.06
0.08
40 kg
2.4
4.8
7.2
9.6
12
45 kg
2.7
5.4
8.1
10.8
13.5
50 kg
3
6
9
12
15
55 kg
3.3
6.6
9.9
13.2
16.5
19.8
23.1
26.4
29.7
33
60 kg
3.6
7.2
10.8
14.4
18
21.6
25.2
28.8
32.4
36
65 kg
3.9
7.8
11.7
15.6
19.5
23.4
27.3
31.2
35.1
39
70 kg
4.2
8.4
12.6
16.8
21
25.2
29.4
33.6
37.8
42
75 kg
4.5
9
13.5
18
22.5
27
31.5
36
40.5
45
80 kg
4.8
9.6
14.4
19.2
24
28.8
33.6
38.4
43.2
48
85 kg
5.1
10.2
15.3
20.4
25.5
30.6
35.7
40.8
45.9
51
90 kg
5.4
10.8
16.2
21.6
27
32.4
37.8
43.2
48.6
54
95 kg
5.7
11.4
17.1
22.8
28.5
34.2
39.9
45.6
51.3
57
100 kg
6
12
18
24
30
36
42
48
54
60
Peso
0.1
0.12
0.14
0.16
0.18
0.2
14.4
16.8
19.2
21.6
24
16.2
18.9
21.6
24.3
27
18
21
24
27
30
Mililitros por hora
| 174 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
AMINOFILINA
Apresentação - Ampolas de 240 mg em 10 mL
Diluição: A dose adequada em 100 mL de soro fisiológico (x mL + soro fisiológico até
perfazer 100 mL)
Dose: 5,6 mg/kg e perfundir em 20 minutos = 300mL/h
Em bomba infusora
Peso
Aminofilina
mg
Aminofilina
mL
Soro Fisiológico
mL
40 Kg
224
9.3
90.7
45 Kg
252
10.5
89.5
50 Kg
280
11.7
88.3
55 Kg
308
12.8
87.2
60 Kg
336
14
86
65 Kg
364
15.2
84.8
70 Kg
392
16.3
83.7
75 Kg
420
17.5
82.5
80 Kg
448
18.7
81.3
85 Kg
476
19.8
80.2
90 Kg
504
21
79
95 Kg
532
22.2
77.8
100 Kg
560
23.3
76.7
Se necessário: - repetir a mesma dose de 12 em 12 horas ou
- manter perfusão contínua de 0,5-0,7 mg/kg/h, após a dose de carga
Nota: manter teofilinémia entre 10-20 g/mL
| 175 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
AMIODARONA
Apresentação - Ampolas de 150 mg em 3mL
Diluição: 600 mg em 500 mL (488 mL de soro glicosado a 5% + 4 ampolas) →1.200
µg/mL
ou
600 mg em 50 mL (38ml soro glicosado a 5% + 4 ampolas) → 12 µg/mL
Administrar: Se diluição em 500 mL → 20,8 mL/h
Se diluição em 50 mL → 2 mL/h
| 176 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
CETAMINA
Apresentação - Frascos de 500 mg em 10 mL (50 mg/mL)
Diluição: 50 mg em 50 mL de soro fisiológico ou dextrose a 5% → 1 mg/mL
Seringa Perfusora
Dose mg/kg/h
0,06
0,125
Peso
0,25
Mililitros por hora
40 kg
2,4
5
10
50 kg
3
6,25
12,5
60 kg
3,6
7,5
15
70 kg
4,2
8,75
17,5
80 kg
4,8
10
20
90 kg
5,4
11,25
22,5
100 kg
6
12,5
25
Analgesia
Dose de indução – 0,5 /kg ev
Dose de manutenção – 0,25 mg/kg/h ev
Dose no pós-operatório – 0,125 mg/kg/h nas primeiras 24h, passando a 0,06
mg/kg/h até ás 48 h.
| 177 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
CISATRACÚRIO
Apresentação - Ampolas de 5 mL
Ampolas de 10mL
Diluição: Sem diluição → 2 mg/mL
Seringa Perfusora
Dose em
µg/kg/min
1.0
1.5
40 Kg
1.2
1.8
2.4
3.6
50Kg
1.5
2.3
3.0
4.5
60Kg
1.8
2.7
3.6
5.4
70Kg
2.1
3.2
4.2
6.3
80Kg
2.4
3.6
4.8
7.2
90Kg
2.7
4.1
5.4
8.1
100Kg
3.0
4.5
6.0
9.0
Peso
2.0
3.0
Mililitros por hora
| 178 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
CISATRACÚRIO
Apresentação - Frasco de 150 mg em 30cc
Diluição: Sem diluição → 5 mg/mL = 500µg/mL
Seringa Perfusora
Dose
µg/kg/min
1.0
1.5
40 kg
0.5
0.7
1
1.4
50 kg
0.6
0.9
1.2
1.8
60 kg
0.7
1.1
1.4
2.2
70 kg
0.8
1.3
1.7
2.5
80 kg
1
1.4
1.9
2.9
Peso
2.0
3.0
Mililitros por hora
90 kg
1.1
1.6
2.2
3.2
100 kg
1.2
1.8
2.4
3.6
| 179 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
DESMOPRESSINA
Apresentação – Ampola de 4 µg em 1 mL
Diluição: 4 µg em 10 mL (9 mL de soro fisiológico + 1 ampola) → 0,4 µg/mL
Na Diabetes Insípida:
1 a 4 µg/dia em 2 doses, por via endovenosa
Nota: injeção durante 1min
A dose endovenosa é 1/10 da intranasal.
| 180 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
DINITRATO DE ISOSSORBIDO
Apresentação - Ampolas de 10 mg em 10mL
Diluição: 100mg em 500 mL (400 mL de glicose a 5% + 10 ampolas) → 200µ g/mL
Em bomba infusora
Dose em
µg/kg/min
0.5
1
40 kg
6
12
18
24
30
45 kg
6.8
13.5
20.3
27
33.8
50 kg
7.5
15
22.5
30
37.5
55 kg
8.3
16.5
24.8
33
41.3
Peso
1.5
2
2.5
Mililitros por hora
60 kg
9
18
27
36
45
65 kg
9.8
19.5
29.3
39
48.8
70 kg
10.5
21
31.5
42
52.5
75 kg
11.3
22.5
33.8
45
56.3
80 kg
12
24
36
48
60
85 kg
12.8
25.5
38.3
51
63.8
90 kg
13.5
27
40.5
54
67.5
95 kg
14.3
28.5
42.8
57
71.3
100 kg
15
30
45
60
75
| 181 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
DOBUTAMINA
Apresentação - Frasco de 250mg em 20mL
Diluição: 250 mg em 50mL (1 frasco + 30ml de soro glicosado a 5%) →5.000 µg/mL
Em seringa perfusora
Dose em
µg/kg/min
2.5
5
12.5
15
40 kg
1.2
2.4
3.6
45 kg
1.4
2.7
4.1
4.8
6
7.2
5.4
6.8
50 kg
1.5
3
8.1
4.5
6
7.5
55 kg
1.7
9
3.3
5
6.6
8.3
9.9
60 kg
65 kg
1.8
3.6
5.4
7.2
9
10.8
2
3.9
5.9
7.8
9.8
11.7
70 kg
2.1
4.2
6.3
8.4
10.5
12.6
75 kg
2.3
4.5
6.8
9
11.3
13.5
80 kg
2.4
4.8
7.2
9.6
12
14.4
85 kg
2.6
5.1
7.7
10.2
12.8
15.3
90 kg
2.7
5.4
8.1
10.8
13.5
16.2
95 kg
2.9
5.7
8.6
11.4
14.3
17.1
100 kg
3
6
9
12
15
18
Peso
7.5
10
Mililitros por hora
| 182 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
DOPAMINA
Apresentação - Ampolas de 200mg em 5ml
Diluição: 400 mg em 50mL (2 ampolas + 40ml de soro glicosado a 5%) → 8.000
µg/mL
Em seringa perfusora
Dose em
µg/kg/min
2.5
5
Peso
7.5
10
12.5
15
Mililitros por hora
40 kg
0.8
1.5
2.3
3
3.8
4.5
45 kg
0.8
1.7
2.5
3.4
4.2
5.1
50 kg
0.9
1.9
2.8
3.8
4.7
5.6
55 kg
1
2.1
3.1
4.1
5.2
6.2
60 kg
1.1
2.3
3.4
4.5
5.6
6.8
65 kg
1.2
2.4
3.7
4.9
6.1
7.3
70 kg
1.3
2.6
3.9
5.3
6.6
7.9
75 kg
1.4
2.8
4.2
5.6
7
8.4
80 kg
1.5
3
4.5
6
7.5
9
85 kg
1.6
3.2
4.8
6.4
8
9.6
90 kg
1.7
3.4
5.1
6.8
8.4
10.1
95 kg
1.8
3.6
5.3
7.1
8.9
10.7
100 kg
1.9
3.8
5.6
7.5
9.4
11.3
| 183 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
FENILEFRINA
Apresentação - Ampolas de 10mg em 1mL
Diluição: 10mg em 50 mL (1 ampola + 49 mLde soro glicosado a 5%) → 200 µg/mL
Em seringa perfusora
Dose em
µg/kg/min
0.2
0.4
40 kg
2.4
4.8
7.2
9.6
12
14.4
45 kg
2.7
5.4
8.1
10.8
13.5
16.2
Peso
0.6
0.8
1
1.2
Mililitros por hora
50 kg
3
6
9
12
15
18
55 kg
3.3
6.6
9.9
13.2
16.5
19.8
60 kg
3.6
7.2
10.8
14.4
18
21.6
65 kg
3.9
7.8
11.7
15.6
19.5
23.4
70 kg
4.2
8.4
12.6
16.8
21
25.2
75 kg
4.5
9
13.5
18
22.5
27
80 kg
4.8
9.6
14.4
19.2
24
28.8
85 kg
5.1
10.2
15.3
20.4
25.5
30.6
90 kg
5.4
10.8
16.2
21.6
27
32.4
95 kg
5.7
11.4
17.1
22.8
28.5
34.2
100 kg
6
12
18
24
30
36
| 184 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
FENTANIL
Apresentação - Ampolas de 0,25 mg em 5 mL
Diluição: 0,75 mg (3 ampolas) + 35 mL de soro fisiológico → 15 µg/mL
Seringa Perfusora
Dose µg/kg/h
0,2
0,5
40 kg
0,5
1,3
2,7
4
50 kg
0,7
1,7
3,3
5
60 kg
0,8
2,0
4,0
6
70 kg
0,9
2,3
4,7
7
80 kg
1,1
2,7
5,3
8
90 kg
1,2
3,0
6,0
9
100 kg
1,3
3,3
6,7
10
Peso
1,0
1,5
Mililitros por hora
Dose de indução – 2 a 3 µg/kg
Dose de manutenção – 1 a 5 µg/kg/h
| 185 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
ESMOLOL
Apresentação - Frasco de 10 mL
Frasco de 50 mL
Diluição: Sem diluição. → 10 mg/mL
Seringa Perfusora
Dose em
µg/kg/min
500
Peso
Dose de
carga
ml/h
12,5
25
50
100
150
200
300
72
Taxa de perfusão em mL/h
40 kg
2
3
6
12
24
36
48
50 kg
2.5
3.75
7.5
15
30
45
60
90
60 kg
3
4.5
9
18
36
54
72
108
70 kg
3.5
5.25
10.5
21
42
63
84
126
80 kg
4
6
12
24
48
72
96
144
90 kg
4.5
6.75
13.5
27
54
81
108
162
100 kg
5
7.5
15
30
60
60
120
180
110 kg
5.5
8.25
16.5
33
66
99
132
198
120 kg
6
9
18
36
72
108
144
216
INÍCIO DE PERFUSÃO COM DOSE DE CARGA DE 500 µg/kg EM NÃO MENOS DE 1
MINUTO, seguida de perfusão a 50 µg/kg/min durante 4 min, mantendo a dose se resposta
satisfatória. Se resposta inadequada, repetir dose de carga, manter perfusão a 100 µg/kg/min
por 4 min, mantendo a dose se resposta satisfatória. Se resposta inadequada, nova dose de
carga e perfusão a 150 µg/kg/min por 4 min, se resposta satisfatória manter perfusão. Se
resposta inadequada nova dose de carga, perfundir a 200 µg/kg/min e manter.
| 186 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
FIBRINOGÉNIO
Apresentação - Frascos de 1 g
Modo de preparação:
- Diluir o conteúdo de um frasco em 50 ou 100 mL (conforme o solvente
fornecido) de água destilada, previamente aquecida a 37 º C.
Administração:
- Administrar lento (≤ 5 mL por min), de preferência em via periférica.
1 – Fórmula para calcular a 1ª dose, em gramas:
[valor alvo (g) – valor do doente (g)] x 0,04 x peso do doente (kg)
2 – Doses ulteriores, serão adaptadas ao estado clínico e biológico.
| 187 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
HEPARINA
Apresentação – Frascos de 25.000 UI em 5 mL
Diluição: 25.000 UI em 50 mL (1 frasco + 45 mL de glicose a 5%) → 500 UI / mL
Nota: 25.000 UI/ dia = 2 mL/h em seringa (50 ml) perfusora
| 188 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
LABETALOL
Apresentação - Ampola de 100mg em 20ml → 5mg/mL
Diluição: Sem diluição
Administração em bólus: 0,25 mg/kg (20 mL) em 2 minutos, pode administrar-se
40-80 mg com intervalos de 10 minutos, até um total de 300 mg
Administração em perfusão: 0,5 a 2 mg/min.
Em seringa perfusora
Dose mg/min
Dose mL/h
0.5
6
0.6
7.2
0.7
8.4
0.8
9.6
0.9
10.8
1
12
1.1
13.2
1.2
14.4
1.3
15.6
1.4
16.8
1.5
18
1.6
19.2
1.7
20.4
1.8
21.6
1.9
22.8
2
24
| 189 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
MIDAZOLAM
Apresentação - Ampolas de 15 mg em 3 mL
Diluição: 30 mg (2 ampolas) + 24 mL de soro fisiológico = 1 mg/mL
Seringa Perfusora
Dose em
mg/kg/min
0,03
0.05
0.07
0.1
40 kg
1,2
2
2,8
4
50 kg
1,5
2,5
3,5
5
60 kg
1,8
3
4,2
6
70 kg
2,1
3,5
4,9
7
80 kg
2,4
4
5,6
90 kg
2,7
4,5
100 kg
3
5
0,12
0,15
0,18
0,2
4,8
6
7,2
8
6
7,5
9
10
7,2
9
10,8
12
8,4
10,5
12,6
14
8
9,6
12
14,4
16
6,3
9
10,8
13,5
16,2
18
7
10
12
15
18
20
Mililitros por hora
Peso
Dose de sedação em Cuidados Intensivos
Dose de carga – 0,03 a 0,3 mg/kg, com aumentos de 1 a 2,5 mg
Dose de manutenção – 0,03 a 0,2 mg/kg/h
| 190 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
NIMODIPINA
Apresentação - Frascos de 10mg em 50mL
Diluição: Não é diluído (10mg em 50mL → 200 µg/ml)
Em seringa perfusora
Dose em
µg/kg/min
0.2
0.3
40 kg
2.4
3.6
4.8
6
45 kg
2.7
4.1
5.4
6.8
50 kg
3
4.5
6
7.5
55 kg
3.3
5
6.6
8.3
60 kg
3.6
5.4
7.2
9
65 kg
3.9
5.9
7.8
9.8
70 kg
4.2
6.3
8.4
10.5
75 kg
4.5
6.8
9
11.3
80 kg
4.8
7.2
9.6
12
85 kg
5.1
7.7
10.2
12.8
90 kg
5.4
8.1
10.8
13.5
95 kg
5.7
8.6
11.4
14.3
100 kg
6
9
12
15
Peso
0.4
0.5
Mililitros por hora
| 191 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
NITROGLICERINA
Apresentação - Ampolas de 25 mg em 5 mL
Diluição: 50 mg em 50 mL (2 ampolas + 40cc de glicose a 5%) → 1.000 µg/mL
Em seringa perfusora
Dose em
µg/kg/min
0.5
1
Peso
1.5
2
2.5
3
5
Mililitros por hora
40 kg
1.2
2.4
3.6
4.8
6
7.2
12
45 kg
1.4
2.7
4.1
5.4
6.8
8.1
13.3
50 kg
1.5
3
4.5
6
7.5
9
15
55 kg
1.7
3.3
5
6.6
8.3
9.9
16.5
60 kg
1.8
3.6
5.4
7.2
9
10.8
18
65 kg
2
3.9
5.9
7.8
9.8
11.7
19.5
70 kg
2.1
4.2
6.3
8.4
10.5
12.6
21
75 kg
2.3
4.5
6.8
9
11.3
13.5
22.5
80 kg
2.4
4.8
7.2
9.6
12
14.4
24
85 kg
2.6
5.1
7.7
10.2
12.8
15.3
25.5
90 kg
2.7
5.4
8.1
10.8
13.5
16.2
27
95 kg
2.9
5.7
8.6
11.4
14.3
17.1
28.5
100 kg
3
6
9
12
15
18
30
| 192 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
NITROPRUSSIATO DE SÓDIO
Apresentação - Ampolas de 50 mg em 2 mL
Diluição: 50 mg em 50 mL (1 ampola + 48cc de soro fisiológico) → 1.000 µg/ml
Em seringa perfusora
Dose em
µg/kg/min
0.5
1
Peso
1.5
2
2.5
3
Mililitros por hora
40 kg
1.2
2.4
3.6
4.8
6
7.2
45 kg
1.4
2.7
4.1
5.4
6.8
8.1
50 kg
1.5
3
4.5
6
7.5
9
55 kg
1.7
3.3
5
6.6
8.3
9.9
60 kg
1.8
3.6
5.4
7.2
9
10.8
65 kg
2
3.9
5.9
7.8
9.8
11.7
70 kg
2.1
4.2
6.3
8.4
10.5
12.6
75 kg
2.3
4.5
6.8
9
11.3
13.5
80 kg
2.4
4.8
7.2
9.6
12
14.4
85 kg
2.6
5.1
7.7
10.2
12.8
15.3
90 kg
2.7
5.4
8.1
10.8
13.5
16.2
95 kg
2.9
5.7
8.6
11.4
14.3
17.1
100 kg
3
6
9
12
15
18
| 193 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
NORADRENALINA
Apresentação - Ampolas de 5 mg em 5 mL
Diluição: 10 mg em 50mL (2 ampolas + 40ml de soro glicosado a 5%) →200µ g/mL
Em seringa perfusora
Dose em
µg/kg/min
0.1
0.2
0.3
40 kg
1.2
2.4
3.6
4.8
6
9.6
12
45 kg
1.4
2.7
4.1
5.4
6.8
10.8
13.3
50 kg
1.5
3
4.5
6
7.5
12
15
55 kg
1.7
3.3
5
6.6
8.3
13.2
16.5
60 kg
1.8
3.6
5.4
7.2
9
14.4
18
65 kg
2
3.9
5.9
7.8
9.8
15.6
19.5
70 kg
2.1
4.2
6.3
8.4
10.5
16.8
21
75 kg
2.3
4.5
6.8
9
11.3
18
22.5
80 kg
2.4
4.8
7.2
9.6
12
19.2
24
85 kg
2.6
5.1
7.7
10.2
12.8
20.4
25.5
90 kg
2.7
5.4
8.1
10.8
13.5
21.6
27
95 kg
2.9
5.7
8.6
11.4
14.3
22.8
28.5
100 kg
3
6
9
12
15
24
30
Peso
0.4
0.5
0.8
1
Mililitros por hora
| 194 |
TABELAS DE PERFUSÃO DE FÁRMACOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
OCTAPLEX
Complexo de Protrombina Humana
Apresentação - Frasco de 500 UI
Diluição: Diluir no frasco de solvente de 20 ml de água para injetáveis.
Seringa perfusora
Protocolo 1
Episódio hemorrágico
Hemorragias graves ou que constituam
perigo de vida (ex: intracranianas,
retroperitoneais,
intramusculares,
cavidade oral ou gastrointestinal)
Hemorragias ligeiras (ex: cutâneas ou
musculares,
nasais,
hematúria),
pequenas cirurgias (ex: extrações
dentárias, hernioplastias).
Dose inicial
40 UI / kg
20 UI / kg
Dose de manutenção
A dose de manutenção
depende da clínica
Se for viável, administrar
apenas metade da dose
inicial
Protocolo 2
A dose a administrar de OCTAPLEX, depende do INR antes do tratamento e do INR
pretendido como target. Na tabela seguinte apresentam-se as doses aproximadas em
ml/kg de peso do doente requerido para normalização do INR (≤ 1,2 em 1 h).
INR inicial
2 – 2.5
2.5 – 3
3 – 3.5
> 3.5
UI /kg peso
22.5 – 32.5
32.5 – 40
40 – 47.5
> 47.5
mL solução / kg peso
0.9 – 1.3
1.3 – 1.6
1.6 – 1.9
> 1.9
A dose unitária não deve exceder as 3.000 UI
A perfusão deve ser iniciada a 1 ml/min, podendo ser aumentada posteriormente, até 2
- 3 ml/min
| 195 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA – CHUC
UCPA
_________________________________
REMIFENTANIL
Apresentação - Ampolas de 2 mg
Ampolas de 5 mg
Diluição: Deve ser reconstituída a uma concentração de 1 mg/ml
Após reconstituição: 2 mg/2 mL + 38 mL de solvente = 50 µg/mL
5 mg/5 mL + 95 mL de solvente = 50 µg/mL
Seringa Perfusora
Dose em
µg/kg/min
0,025
0.05
0.075
0.1
0.15
0.2
0.25
0.5
40 kg
1.2
2.4
3.6
4.8
7.2
9.6
12.0
50 kg
1.5
3.0
4.5
6.0
9.0
12.0
15.0
30.0
60 kg
1.8
3.6
5.4
7.2
10.8
14.4
18.0
70 kg
2.1
4.2
6.3
8.4
12.6
16.8
21.0
80 kg
2.4
4.8
7.2
9.6
14.4
19.2
90 kg
2.7
5.4
8.1
10.8
16.2
21.6
100 kg
3.0
6.0
9.0
12.0
18.0
24.0
0.75
1.0
1.25
1.5
1.75
2.0
36.0
48.0
60.0
72.0
84.0
96.0
45.0
60.0
75.0
90.0
105.0
120.0
36.0
54.0
72.0
90.0
108.0
126.0
144.0
42.0
63.0
84.0
105.0
126.0
147.0
168.0
24.0
48.0
72.0
96.0
120.0
144.0
168.0
192.0
27.0
54.0
81.0
108.0
135.0
162.0
189.0
216.0
30.0
60.0
90.0
120.0
150.0
180.0
210.0
240.0
Mililitros por hora
Peso
| 196 |
24.0
PROTOCOLOS DE ANALGESIA PÓS-OPERATÓRIA
SERVIÇO DE ANESTESIOLOGIA DO CENTRO
HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA
Unidade de Dor Aguda - Polo HUC
Coordenação: Piedade Gomes, MD
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
UNIDADEDEDORAGUDA
ServiçodeAnestesiologia-CHUC
PROTOCOLOSDEANALGESIA
PROTOCOLOSP
• P1-Morfina.0,5mg/cc
PCA
• P2-Tramadol.4mg/cc
• P3-Morfina+droperidol.0,5mg/cc
• P5-Fentanil.
• P4-Tramadol+ondansetrom.
pidurais
• E1-Ropivacaína0,15%-bolus/perfusão.
• E2-Morfina0.5mg/cc-bolus.
PROTOCOLOSE
E
• E3-Ropivacaína0.15%+Sufentanil1.5ug/cc-bolus.
• E4-Ropivacaína0.15%+Fentanil1.5ug/cc-bolus/perfusão.
• E5-Ropivacaína0.15%+Fentanil1.5ug/cc-PCEA
IBev(elastómero)
PROTOCOLOSD
•
•
•
•
D1-Tramadol,300mgr+ondansetrom,4mgr–DIB24horas
D2-Tramadol,400mgr+ondansetrom,4mgr–DIB24horas
D3–Tramadol,300mgr+droperidol2,5mgr–DIB24horas
D4–Tramadol,400mgr+droperidol2,5mgr–DIB24horas
PROTOCOLOSB
•
•
•
•
D
B
loqueiodeplexosnervososperiféricos
B1-Levobupivacaína≈0,125%-perfusãoemDIB(bombaelastómera)
B2-Ropivacaína0,2%-perfusãoemDIB(bombaelastómera)
B3-Levobupivacainaa0,125%-bolus
B4-Ropivacainaa0,2%-perfusão
| 198 |
PROTOCOLOS DE ANALGESIA PÓS-OPERATÓRIA
PROTOCOLOSP
UNIDADEDEDORAGUDA
ServiçodeAnestesiologia-CHUC
PCAMORFINA
PROGRAMA
Concentração:0,5mg/cc
Dosedecarga:2a5mg
Bolus:0,5a2mg
Lockout(intervalodesegurança):10a20minutos
Máximasperiódicas:25mg/4horasou6bolus/hora
Perfusão:0,3a0,5mg/h
PREPARAÇÃO
P
1MORFINA(ampolade1cc=10mg)
Diluir5ampolasdemorfinaem95ccdesorofisiológico(retirar5ccaos100ccdesoro
fisiológico)…………………………………..1cc=0,5mgdemorfina
P
MORFINA(ampolade1cc=10mg)+ONDANSETRON(ampolade4cc=8mg)
Diluir5ampolasdemorfina+2ccdeondansetron(4mg)em93ccdesorofisiológico(retirar7cc
aos100ccdesoro)……………………..1cc=0,5mgdemorfina=0,04mgdeondansetron
P
3MORFINA(ampolade1cc=10mg)+droperidol(ampolade1cc=2,5mg)
Diluir5ampolasdemorfina+1ccdedroperidol(2,5mgr)em94ccdesorofisiológico
(retirar6ccaos100ccdesoro)………….1cc=0,5mgdemorfina=0,025mgdedroperidol
ANALGESIACOMPLEMENTAR
Associar1grdeparacetamolev(perfundirem15min)4id
| 199 |
MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
UNIDADEDEDORAGUDA
PROTOCOLOSP
ServiçodeAnestesiologia-CHUC
PCATRAMADOL
PROGRAMA
Concentração:4mg/cc
Dosedecarga:40a100mg
Bolus:10a40mg
Lockout(intervalodesegurança):5a10minutos
Máximasperiódicas:250mg/4horasou6bolus/hora
Perfusão:6a10mg/h
PREPARAÇÃO
P2 TRAMADOL(ampolade2cc=100mg)
Adicionar4ampolasdetramadola92ccdesorofisiológicoatéperfazer100cc.
1cc=4mgdetramadol
P
TRAMADOL(ampolade2cc=100mg)+droperidol(ampolade1cc=2,5mgr)
Adicionar4ampolasdetramadol+1ccdedroperidola91ccdesorofisiológicoatéperfazer100cc.
1cc=4mgdetramadol=0,025mgrdedroperidol
P4TRAMADOL(ampolade2cc=100mg)+ondansetron(ampolade4cc=8mgr)
Adicionar4ampolasdetramadol+2ccdeondansetrona90ccdesorofisiológicoatéperfazer
100cc.
1cc=5mgdetramadol=0,04mgdeondansetron
»NãopreenchersistemadenovosemcontactarANESTESIOLOGISTA
| 200 |
PROTOCOLOS DE ANALGESIA PÓS-OPERATÓRIA
PROTOCOLOSP
UNIDADEDEDORAGUDA
ServiçodeAnestesiologia-CHUC
PCAFENTANIL
PROGRAMA
Concentração:10µg/cc
Dosedecarga:100a250µg
Bolus:10a40µg
Lockout(intervalodesegurança):5a10minutos
Máximasperiódicas:300µg/4horasou5bolus/hora
Perfusão:10a60µg/h
PREPARAÇÃO
P
5FENTANIL(ampolade5cc=250µg)
Diluir4ampolasdefentanilem80ccdesorofisiológico(retirar20ccaos100mldesoro
fisiológico)…………………………………..1cc=10µgdefentanil
P
6FENTANIL(ampolade5cc=250µg)+droperidol(ampolade1cc=2,5mgr)
Diluir4ampolasdeFentanilem79ccdesorofisiológico(retirar21ccaos100ccdesoro
fisiológico)…………………………………..1cc=10µgdeFentanil=0,025mgrdedroperidol
ANALGESIACOMPLEMENTAR
Associar1grdeparacetamolev4id.
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
UNIDADEDEDORAGUDA
PROTOCOLOSE
ServiçodeAnestesiologia
ANALGESIAVIAEPIDURAL
PROTOCOLOE1
ROPIVACAINA0,15%–bolusouperfusão
PREPARAÇÃO
10ccderopivacainaa0,75%(1ampola)
40ccdesorofisiológico
1cc=1,5mgrderopivacaina
DOSEdeBOLUS-Administrar6a8ccderopivacaínaa0,15%cada4ou6horas.
DOSEdePERFUSÃO–Perfundir4a8cc/hora
VIAENDOVENOSA–1grdeparacetamole.v.4id(perfundirem15`)
PROTOCOLOE2
MORFINA(0.5mg/cc)–bolus
PREPARAÇÃO
Diluir1ampolademorfina(1cc=10mg)emsorofisiológicoatéperfazer20cc
1cc=0,5mgrdemorfina
DOSE-Administrar5a6ccdamisturacada12horas
S.O.S.(resgate)VIAEPIDURAL–Administrar6a8ccderopivacaínaa0,2%até4id.
VIAENDOVENOSA–1grdeparacetamole.v.4id(perfundirem15`)
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PROTOCOLOS DE ANALGESIA PÓS-OPERATÓRIA
UNIDADEDEDORAGUDA
PROTOCOLOSE
ServiçodeAnestesiologia
PROTOCOLOE3
ROPIVACAÍNA0,15%+SUFENTANIL(1.5µg/cc)-bolus
PREPARAÇÃO
15ccderopivacaínaa0,2%(15cc=30mgr)
6cc(3ampolas)desufentanil(6cc=30µgrs)
1ccdamistura=1,5mgrderopivacaina=1.5µgrdesufentanil
DOSE-Administrar6a10ccdamisturacada4/6horas
VIAENDOVENOSA–1grdeparacetamole.v.4id(perfundirem15`)
PROTOCOLOE4
ROPIVACAÍNA0,15%+FENTANIL(1,5µg/cc)–perfusãooubolus
PREPARAÇÃO
10ccderopivacainaa0,75%(10cc=75mg)
1,5ccdefentanil(75µg)
Diluiremsorofisiológicoatéperfazer50cc
1cc=1,5mgrderopivacaína=1,5µgrdefentanil
DOSE–Perfundir4a8cc/h
DOSEdeBOLUS–Administrar4a8ccdamisturacada4/6horas
VIAENDOVENOSA–1grdeparacetamole.v.4id(perfundirem15`)
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
UNIDADEDEDORAGUDA
PROTOCOLOSE
ServiçodeAnestesiologia
PCEA
PROTOCOLOE5
ROPIVACAÍNA0,15%+FENTANIL(1,5µg/ml)-PCEA
PREPARAÇÃO
20ccdeRopivacainaa0,75%(150mg)
3ccdeFentanil(150µg)
Sorofisiológicoatéperfazer100cc.(retirar23cca100ccdesorofisiológico)
1cc=1,5mgrderopivacaína=1,5µgrdefentanil
Perfusão-4a6cc/h
Bolus-3a6cc
Intervalodesegurança(Lockout)-15min
Limitedesegurança–4bolus/h
VIAENDOVENOSA–1grdeparacetamole.v.4id(perfundirem15´)
BLOQUEIOPARAVERTEBRALCONTÍNUO
ROPIVACAÍNA0,2%-Perfusão
1cc=2mgropivacaina
Perfundir4a8cc/h(0,1cc/Kg/h)
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PROTOCOLOS DE ANALGESIA PÓS-OPERATÓRIA
UNIDADEDEDORAGUDA
PROTOCOLOSD
ServiçodeAnestesiologia-CHUC
DIBev(bombaelastómera)
PROTOCOLOD1
TRAMADOL,300mgr+ONDANSETROM,4mgr–DIB24horas
Adicionar3ampolasdetramadol(6cc)+4mgdeondansetrom(2cc)+sorofisiológicoaté
perfazerovolumeindicadoparaoDIBemutilização
Analgesiacomplementar–1grdeparacetamolev4id(perfundirem15`)
PROTOCOLOD2
TRAMADOL,400mgr+ONDANSETROM,4mgr–DIB24horas
Adicionar4ampolasdetramadol(8cc)+4mgdeondansetrom(2cc)+sorofisiológicoaté
perfazerovolumeindicadoparaoDIBemutilização
Analgesiacomplementar–1grdeparacetamolev4id(perfundirem15`)
PROTOCOLOD3
TRAMADOL300mgr+droperidol2,5mgr–DIB24horas
Adicionar3ampolasdetramadol(6cc)+2,5mgdedroperidol(1cc)+sorofisiológicoaté
perfazerovolumeindicadoparaoDIBemutilização
Analgesiacomplementar–1grdeparacetamolev4id(perfundirem15`)
PROTOCOLOD4
TRAMADOL400mgr+droperidol2,5mgr–DIB24horas
Adicionar4ampolasdetramadol(8cc)+2,5mgdedroperidol(1cc)+sorofisiológico
atéperfazerovolumeindicadoparaoDIBemutilização
Analgesiacomplementar–1grdeparacetamolev4id(perfundirem15`)
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
UNIDADEDEDORAGUDA
PROTOCOLOSB
ServiçodeAnestesiologia-CHUC
BLOQUEIOdePLEXOSNERVOSOSPERIFÉRICOS
PROTOCOLOB1
LEVOBUPIVACAÍNA≈0,125%-perfusãoemDIB(bombaelastómera)
Preparação
Adicionar7ampolas(70cc)delevobupivacaínaa
Ø DIBde250cc---------perfunde5,2cc/h
0,5%a180ccdeNaCla0,9%-total250cc
Preparação
Adicionar11ampolas(110cc)delevobupivacaína
a0,5%a290ccdeNaCla0,9%-total400cc
Preparação
Adicionar8ampolas(80cc)delevobupivacaínaa
0,5%a220ccdeNaCla0,9%-total300cc
Ø DIBde400cc---------perfunde8cc/h
Ø DIBde300cc---------perfunde10cc/h
RESGATE(S.O.S.)-Perineural
•
•
Sedorintensa,VAS>5ecateterperineuralfuncionante
Necessidadedereabilitaçãoativa;mobilizaçãodolorosa
Levobupivacaína0,25%
AdministraçãoPerineural
o
o
o
o
o
o
o
o
Interescalénico
Supraclavicular3cc
Infraclavicular
Axilar
Ciático
Plexosagrado5cc
Plexolombar
Femural
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PROTOCOLOS DE ANALGESIA PÓS-OPERATÓRIA
UNIDADEDEDORAGUDA
PROTOCOLOSB
ServiçodeAnestesiologia-CHUC
PROTOCOLOB2
ROPIVACAÍNA0,2%-perfusãoemDIB(bombaelastómera)
Preparação
Adicionar70ccderopivacaínaa0,75%(525mg)
Ø DIBde250cc---------perfunde5,2cc/h
a180ccdeNaCla0,9%-total250cc
Preparação
Adicionar110ccderopivacaínaa0,75%(825mg)
a290ccdeNaCla0,9%-total400cc
Preparação
Adicionar80ccderopivacaínaa0,75%(600mg)
a220ccdeNaCla0,9%-total300cc
Ø DIBde400cc---------perfunde8cc/h
Ø DIBde300cc---------perfunde10cc/h
RESGATE(S.O.S.)-Perineural
•
•
Sedorintensa,VAS>5ecateterperineuralfuncionante
Necessidadedereabilitaçãoativa;mobilizaçãodolorosa
Ropivacaína0,375%
AdministraçãoPerineural
o
o
o
o
o
o
o
o
Interescalénico
Supraclavicular3a5cc
Infraclavicular
Axilar
Ciático
Plexosagrado5a8cc
Plexolombar
Femural
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MANUAL DE CUIDADOS PÓS-ANESTÉSICOS
UNIDADEDEDORAGUDA
ServiçodeAnestesiologia-CHUC
PROTOCOLOSB
PROTOCOLOB3
LEVOBUPIVACAINAa0,125%-bolus
Diluirasampolasdelevobupivacaínaa0,25%comNaCla0,9%atéperfazerodobrodovolume
1ml=1,25mgdelevobupivacaína
ADMINISTRAÇÃOPERINEURAL
o
o
o
o
o
o
o
o
Interescalénico
Supraclavicular5cccada4h
Infraclavicular
Axilar
Ciático(qqrnível)5cccada4hr
Plexosagrado
Plexolombar10cccada4hr
Femoral10cccada4hr
PROTOCOLOB4
ROPIVACAINAa0,2%-perfusão
1cc=2mgderopivacaína
ADMINISTRAÇÃOPERINEURAL
o
o
o
o
o
o
o
o
Interescalénico
Supraclavicular3a6cc/h
Infraclavicular
Axilar
Ciático(qqnível)
Plexosagrado
Plexolombar5a12cc/h
Femural
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