Corrie Ten Boom - Rede Mãos Dadas

Transcrição

Corrie Ten Boom - Rede Mãos Dadas
RUTH BELL GRAHAM
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do lado de fora, cercados de árvores em Little
Piney Cove.
— Como nossa casa-ninho é praticamente toda
de madeira, quase consigo imaginá-la no galho de
uma árvore enorme — continuou a adolescente.
Ruth ficou maravilhada de ouvir isso.
— Fico feliz que ache isso — disse —, pois esse
é o meu trabalho aqui: fazer um ninho para os
Grahams, fazer um ninho para o papai.
— Você nunca se acostumou com as viagens
do papai, não é? — a garota perguntou.
Ruth pensou antes de responder.
— É o nosso modo de viver — disse com muito
cuidado —, e Deus nos dá força para ficar longe
um do outro e, ainda assim, nos amarmos muito. Mas,
na verdade, nunca me acostumei a despedidas.
— Mamãe — continuou a filha, sentindo de
algum modo que Ruth estava disposta a conversar —, uma vez você disse achar que Deus a havia chamado para ser missionária, mas você não
é missionária, é?
Ruth sorriu para a adolescente e pensou em
quanto a filha estava crescendo.
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— Sim, eu sou missionária — respondeu —,
porque o Senhor me permitiu falar com muitas
pessoas sobre Jesus. Mas acho que meu ministério consiste em concordar com as viagens evangelísticas de seu pai e apoiá-lo. Eu sempre tive de
enfrentar despedidas quando criança, e sempre
foi difícil. Agora compreendo que, na realidade,
estava sendo treinada para ser esposa de Billy
Graham.
— Deve estar certa — concordou a menina —
porque, se você tivesse insistido para o papai se
fixar numa igreja, ele não teria falado de Jesus a
milhões de pessoas.
Ruth apertava os olhos por causa do sol.
— É mesmo surpreendente — disse com suavidade, como que para si mesma. — Ele pregou
em mais de sessenta países, inclusive na Rússia
comunista, e transmitiu a milhões e milhões de
pessoas as boas-novas de que Jesus Cristo é o
Salvador.
— E vale a pena? — perguntou a filha.
Ruth levantou-se instantaneamente e, bem
desperta, respondeu:
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— Se vale a pena? Claro que sim! Fácil não
é… mas cada doloroso adeus vale a pena.
A garota se levantou e atiçou a brasa da churrasqueira.
— Faltam só nove dias para o papai voltar —
lembrou.
Ruth sorriu. — E agora, onde coloquei minha
lista? — perguntou. — Não posso me esquecer
de comprar o chocolate quente preferido do seu
pai, e a pipoca, e…
— Calma, mamãe! — disse a filha, sorrindo.
— Você tem nove dias inteiros para aprontar tudo
até receber o papai de volta ao ninho, e já começou a agitação!
l
Você sabia? O rio Yang-tsé é o maior da China e
o quarto maior do mundo. Ele tem 5 494 quilômetros de extensão, desde a nascente, no Tibet,
até o ponto em que deságua no mar Oriental da
China. Certa vez, o explorador Marco Polo comentou que lhe impressionava o número de barcos que navegavam por esse rio. Hoje em dia,
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porém, as fortes chuvas de verão vêm causando
enchentes desastrosas.
Lembre-se: Ruth ficou aborrecida quando teve
de ir para a escola e deixar os pais. Ficou deprimida e com muita saudade de casa. Mas, ao ler o
livro de Salmos, descobriu que outras pessoas
entendiam o que ela estava passando. Ruth também conseguiu perceber que Deus estava com ela.
Quando você se sentir triste e deprimida, ore a
Deus, peça a ele que lhe dê conforto por meio de
sua Palavra, a Bíblia.
Pense nisto: Ruth e Billy estavam envolvidos no
ministério de evangelização. Evangelizar é contar às pessoas sobre Jesus Cristo. Você pode evangelizar em qualquer lugar. Pode evangelizar em
outros países, em outras cidades e também em
sua própria casa. É muito importante contar às
pessoas que você conhece e ama que Jesus quer
salvá-las do pecado. Mas Jesus também nos manda ir por todo o mundo pregar o evangelho.
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Vamos orar? Querido Deus, o Senhor é surpreendente e maravilhoso, é um Deus de amor.
É o único Deus verdadeiro. Ajude-me a falar
do Senhor para as pessoas e fazer a minha parte espalhando as boas-novas em todo o mundo. Amém.
C ORRIE TEN B OOM
O pai de Corrie ajeitou a lupa no rosto e examinou o mecanismo interno
do relógio. Com uma chave de fenda
minúscula, ajustou um parafuso do
tamanhinho da cabeça de um alfinete. Corrie adorava ver o pai trabalhar.
De tão concentrado no ofício, até se
esquecia da filha a lhe fazer companhia. Embora tivesse apenas seis anos
de idade, Corrie já havia aprendido a
ficar quietinha enquanto o pai consertava relógios.
Às vezes ela ficava curiosa para saber o que aconteceria se deixasse escapar um longo e escandaloso
“atchimmm!”.
Mas quando sentia uma coceirinha irritar-lhe o nariz, Corrie sempre
dava um jeito de segurar o espirro.
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— Gostaria de ver isso com a lupa? — perguntou o papai Ten Boom.
— Sim, papai! — respondeu Corrie entusiasmada, apesar da dificuldade de manter uma lupa
tão grande num rosto tão miúdo. Tinha de ficar
com os olhos arregalados e agüentar firme para
conseguir a façanha.
— São diamantes — informou o pai. — Você
consegue contar quantos há?
— Um, dois, três… quatro… cinco! De quem
é este relógio? A dona deve ser milionária.
O sr. Boom sorriu e disse:
— De fato, é riquíssima.
— O senhor deve ser o melhor relojoeiro da
Holanda! — exclamou Corrie, maravilhada. —
Se as mulheres mais ricas trazem o relógio para o
senhor consertar… Adoro ficar aqui na loja com
o senhor!
— Também gosto que fique aqui — disse o papai Boom. — Você é tão quieta quanto um ratinho.
Quando adulta, Corrie viu de perto a Holanda
ser ocupada por soldados nazistas durante a
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Segunda Guerra Mundial. Aviões alemães e ingleses cruzavam os céus a todo momento. Certa
noite, o ruído dos aviões era tão intenso que Corrie
e sua irmã Betsie não conseguiam dormir, então,
desceram as escadas espirais de sua antiga e pitoresca casa holandesa e foram tomar uma xícara de chá enquanto conversavam. Quando Corrie
voltou para a cama, encontrou estilhaços de granada em cima do travesseiro.
— Se estivesse dormindo, teria morrido — desabafou com a irmã.
Betsie confirmou e acrescentou:
— Deus deve ter salvado sua vida por algum
motivo.
Corrie, que amava o Senhor Jesus, concordou
sem discutir.
— Mas que motivo será esse? — questionou.
— Daria tudo para saber.
Corrie não tardou a descobrir por que sua vida
fora poupada.
Poucos meses depois, a família Ten Boom conversava sobre a guerra durante uma refeição em
que comiam pão de centeio e queijo gouda.
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— Os nazistas estão obrigando os judeus a usar
uma estrela de Davi amarela — comentou Betsie,
— mas não entendo por quê.
Papai Ten Boom parecia seriíssimo.
— Nem eu, mas fico temeroso por eles. Não se
marcam pessoas assim, por nada.
E ele tinha toda a razão. Na semana seguinte,
Corrie ouviu dizer que soldados nazistas insultaram meninos judeus só porque usavam estrela
amarela. Depois, ficou sabendo que os judeus
seriam levados para a prisão. Mas o pior estava
por vir. Um dia Corrie viu famílias inteiras sendo
arrastadas para caminhões de carga e levadas
embora. No íntimo, ela sabia que essas famílias
judias jamais voltariam para casa.
“Precioso Jesus”, orou Corrie naquela noite ,
“o que posso fazer por essas pessoas tão necessitadas de ajuda?”.
Quando Corrie se deitou, lembrou-se de que
Jesus era judeu e isso só fez aumentar sua vontade de ajudar.
— Tive uma idéia — disse mamãe Ten Boom
às filhas depois de assistir à partida de outro
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carregamento de judeus. — Nossa casa é um lugar tão curioso. Tem escadas espirais, quartinhos,
sótão e porão…
Nollie, a outra irmã de Corrie, interrompeu.
— Estava pensando a mesma coisa. Podíamos
esconder judeus aqui!
Corrie e Betsie se entreolharam.
— É como se fosse um labirinto — acrescentou Betsie. — Costumávamos brincar de esconde-esconde quando éramos pequenas e às vezes
levava séculos para uma encontrar a outra!
O coração de Corrie disparou.
— Será que Deus quer que eu faça isso? —
pensou.
A família Ten Boom começou a fazer planos.
Instalaram uma campainha no andar de cima
para que, se algum nazista entrasse na oficina
com a intenção de revistar a casa, quem estivesse
na loja pudesse avisar a família e os judeus lá
abrigados. Eles teriam apenas dois minutos para
se enfiar num dos esconderijos.
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— Uma coisa me preocupa — desabafou Nollie
quando os preparativos estavam quase prontos.
— Será que as crianças vão conseguir ficar em
silêncio se tiverem de se esconder no porão ou no
sótão? A poeira pode fazê-las espirrar.
De repente, todos na sala ficaram apreensivos, exceto Corrie.
— Sim — disse com firmeza. — As crianças
vão ficar em silêncio e não vão espirrar.
— De onde vem tanta certeza? — perguntou
Betsie.
— Quando éramos crianças — recordou
Corrie —, ficávamos quietinhas como um camundongo enquanto papai consertava os relógios.
Quando sentíamos vontade de espirrar, sempre
dávamos um jeito de segurar.
Muitos judeus foram salvos graças à família
Ten Boom, mas houve momentos de verdadeiro
apuro. Um dia toda a família e vários “hóspedes”
estavam sentados à mesa da cozinha, quando de
repente um limpador de janelas subiu na escada
e, sem mais nem menos, começou a limpar o lado
de fora do vitrô. Um dos judeus pensou rápido:
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— Comecem a cantar “Parabéns a Você” —
sugeriu baixinho. — Ele vai achar que é uma festa.
E assim fizeram. Todos cantaram “Parabéns”
para o papai Ten Boom e nunca ficaram sabendo
se o limpador de janelas havia ido à casa errada
ou se era um espião.
Mas os nazistas acabaram descobrindo a “fortaleza”, e os Ten Boom foram detidos, tiveram de
se separar e foram levados para a prisão. Parecia
que demorava séculos até saberem notícias um
do outro. Um dia Corrie recebeu uma mensagem
codificada dizendo que não se preocupasse, todos os relógios estavam seguros no armário. Ela
entendeu as entrelinhas. Os judeus escondidos em
sua casa no dia da batida conseguiram escapar
em segurança, Corrie vibrou de emoção e rendeu
graças ao Senhor. Mas a próxima notícia partiulhe o coração. Papai Ten Boom havia morrido.
— Vistam-se e arrumem suas coisas! — berraram os guardas logo cedo. Os prisioneiros se entreolharam com um misto de esperança e pavor. Corrie
orou enquanto se debatia em meio às roupas.
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Os guardas arrebanharam os prisioneiros em
ônibus e furgões do lado de fora do campo. Não
demorou muito para descobrirem que não seriam
libertos nem mandados de volta para casa. Os
ônibus e os furgões se enfileiraram ao lado da estação ferroviária, e os prisioneiros iam sendo arrastados para fora feito animais.
Foi aí que aconteceu. Corrie viu Betsie! Ela se
aproximou lenta e sorrateiramente da irmã, sem
chamar a atenção dos guardas, e as duas se grudaram uma à outra. Apesar do alvoroço dos demais prisioneiros, Betsie conseguia ouvir Corrie
dizer “Louvado seja Deus! Louvado seja Deus!”.
Quando os vagões de carga pararam na plataforma, homens, mulheres e crianças foram socados
para dentro dos compartimentos e, como sardinha em lata, apertavam-se uns contra os outros.
Corrie e Betsie se deram o braço e continuaram
juntas. E choraram juntas também, principalmente quando se recordavam do papai Ten Boom.
— Eles estão nos levando para a Alemanha!
— gritou um senhor. — Vamos passar perto de
casa no caminho.
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— O que farão conosco? O que farão com nossos filhos? — lamuriou uma senhora.
— Nenhum de nós vai voltar vivo da Alemanha — disse alguém com voz pesarosa.
E todos concordaram.
— Preciso ir ao banheiro — choramingou uma
criança.
Houve um súbito silêncio no vagão. E a voz
triste de uma mãe respondia à filha:
— Sinto muito, você vai ter de fazer aqui mesmo.
E todos no vagão esperavam chegar à Alemanha antes que precisassem ir ao banheiro e tivessem de fazer ali mesmo também.
Corrie e Betsie foram levadas para Ravensbrück,
um dos mais conhecidos campos de concentração de Hitler. Lá foram tratadas como animais.
Todo dia tinham de se enfileirar nuas diante dos
guardas, mesmo que a temperatura fosse das mais
baixas. Os guardas de Ravensbrück não conheciam piedade.
Certo dia, Corrie disse à irmã:
— Não faço a menor idéia de quantas pessoas
estão aqui.

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