Globalização e Custos de Ajustamento no Mercado de Trabalho 1

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Globalização e Custos de Ajustamento no Mercado de Trabalho 1
Globalização e Custos de Ajustamento no Mercado de Trabalho
Joana Silva1
School of Economics e GEP, University of Nottingham
1. Introdução
As consequências da globalização para o mercado de trabalho são controversas. Receios
de que este processo implique um aumento do desemprego e uma diminuição dos salários
resultam muitas vezes na procura de mediadas proteccionistas. Ao nível da comunidade
política assiste-se a um acentuar da consciência do impacto económico, social e político
destes custos de ajustamento. Este não é um debate inconsequente: o Programa NorteAmericano de compensação a trabalhadores que perderam o seu emprego na sequência de
um aumento das importações foi recentemente alvo de importantes reformas; um Fundo
Europeu de assistência a trabalhadores face à globalização foi recentemente instituído.
Tradicionalmente, a comunidade académica responde aos receios do público em
geral e da comunidade política argumentando que, no longo prazo, a liberalização das
trocas comerciais gera benefícios líquidos em termos agregados. O debate sobre as
consequências de longo prazo do processo de liberalização tem ocupado um lugar central
na literatura do comércio internacional. Menos atenção tem sido dedicada à dinâmica que
a transição envolve, isto é, às fricções de curto e médio prazo. No entanto, para que os
potenciais ganhos de longo prazo sejam realizados tem que existir um processo de
realocação de trabalhadores. Na realidade, este processo demora algum tempo e origina
perdas salariais importantes, especialmente para trabalhadores com características
associadas a maiores dificuldades de ajustamento. Acresce que a escala dos custos de
ajustamento decorrentes da liberalização depende da natureza da expansão das trocas
comerciais.
A presente comunicação sintetiza os resultados de um projecto de investigação
que pretende avaliar ao nível microeconómico os custos de ajustamento induzidos por
uma expansão do comércio internacional. Em particular, o projecto pretende responder às
seguintes questões:
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Endereço para correspondência: Office B52, School of Economics, University of Nottingham,
Nottingham, NG7 2RD, Tel. +44 115846 6131. E-mail: [email protected]
1) Ao nível sectorial, uma expansão das trocas de forma equilibrada em cada sector
(expansão intra-industrial) causa menores custos de ajustamento do que a
expansão das trocas de forma desequilibrada (expansão inter-industrial)?
2) Ao nível do trabalhador, quais são os efeitos da liberalização do comércio
internacional nos salários, na probabilidade de desemprego, nos retornos do
investimento em capital humano (educação e formação profissional) e nos
incentivos à mudança de profissão e/ou sector? De que modo é que este impacto é
influenciado pela idade, habilidade, escolaridade e experiência profissional dos
trabalhadores?
O mercado de trabalho português é uma unidade de análise particularmente
interessante para o estudo destas questões por duas razões principais. Em primeiro lugar,
pela importância das trocas comerciais no PIB português. Em segundo lugar, pelo tipo de
choques de comércio a que o país foi sujeito ao longo dos últimos 20 anos: inicialmente,
aquando do processo de integração europeia; anos mais tarde, aquando da descida das
barreiras tarifárias face às importações de países com baixos salários (como a China e a
Índia) e do alargamento da EU a Leste.
Acreditamos que a resposta a estas questões acrescenta informação sobre o
impacto social da integração comercial. Tal, por sua vez, poderá ser útil para a definição
e implementação de políticas de redistribuição de rendimento, formação profissional e
promoção activa de emprego num contexto de crescente integração económica
internacional.
2. Expansão intra-industrial do comércio e mudança entre sectores e
profissões2
Uma dimensão importante da discussão dos efeitos da globalização no mercado de
trabalho é a da relação entre a natureza da expansão das trocas comerciais internacionais
e os custos de ajustamento por si induzidos. Neste particular, a hipótese inicialmente
avançada por Balassa (1966), e posteriormente desenvolvida por Greenaway e Milner
(1986) e Brulhart e Elliott (2002), de que a expansão intra-industrial do comércio induz
menores custos de ajustamento que a inter-industrial – hipótese do ajustamento suave
(HAS) – assume um papel central na literatura. Serviu mesmo para fundamentar o
argumento de que os processos de integração entre países de igual nível de
desenvolvimento, em que dominam as trocas intra-industriais, são os mais vantajosos
(ver, por exemplo, Krugman 1987, Greenaway e Hine 1991).
Na sequência do índice de comércio intra-industrial-marginal proposto por
Brulhart (1994), foram desenvolvidos vários estudos testes empíricos da HAS3. Porém,
embora alguma evidencia tenha sido encontrada em seu favor, os resultados empíricos
não são totalmente conclusivos. Estes estudos sofrem de duas importantes limitações: (1)
usam um método de estimação limitativo; (2) medem os custos de ajustamento de um
modo desajustado face à natureza económica do fenómeno de reestruturação industrial
decorrente da expansão das trocas comerciais. No domínio metodológico, as abordagens
empíricas utilizadas não apresentam uma relação próxima com a teoria em que se
baseiam. Tal reflecte-se também na forma como o ajustamento é medido. A teoria do
comércio internacional sugere que para medir o ajustamento é necessário ter em
consideração que uma expansão do comércio pode implicar não só uma variação na
procura total do factor trabalho como também uma alteração na composição da mesma. A
primeira traduz-se numa alteração do volume de emprego sectorial (efeito na dimensão
do emprego sectorial). A segunda implica uma alteração na composição do emprego
sectorial (por exemplo, uma diminuição da procura de operários acompanhada por um
aumento da procura de engenheiros e vendedores). Estudos empíricos recentes da
economia do trabalho sugerem que do efeito na composição da procura de trabalho
podem decorrer custos de ajustamento significativos. Esta questão é particularmente
relevante quando se admite que uma parte substancial das trocas intra-industriais é de
bens verticalmente diferenciados.
Os dados do emprego sectorial português da base de dados “Quadros de Pessoal”
permitiram-nos calcular os valores assumidos pelos dois tipos de efeitos. Tal criou a
possibilidade de realizarmos um estudo econométrico com referência à indústria
2
Nesta secção apresentamos uma síntese do artigo Cabral e Silva (2006).
Brülhart e Elliot (1998), Sarris et al (1999); Tharakan e Calfat (1999), Porto e Costa (1999), Rossini e
Burattoni (1999), Smeets e Reker (1999), Kol e Kuijpers (1999), Brülhart (2000), Brülhart e Elliott (2002).
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transformadora de Portugal. Foi estimado um modelo econométrico utilizando dados em
painel para o período 1995-1999.
A estimação do modelo veio confirmar as nossas expectativas. Encontramos
evidência clara de que a HAS se verifica, evidência que parece robusta. Para além disso,
o efeito na composição do emprego sectorial é o efeito dominante de uma expansão do
comércio, seja ela do tipo intra- ou inter-industrial. Medir a realocação considerando
apenas efeitos na dimensão do emprego sectorial implica subestimar consideravelmente
os custos de ajustamento. Em ambos os períodos, em média, mais de 30% das alterações
na procura de trabalho em cada sector consistiram numa mera alteração da importância
relativa de diferentes grupos profissionais sem afectar o emprego sectorial total.
2. Liberalização do Comércio, Investimento em Capital Humano e
Custos de Ajustamento no Mercado de Trabalho4
A análise dos efeitos da liberalização do comércio nos salários ocupa um lugar central na
literatura do comércio internacional. De acordo com o paradigma teórico dominante
(modelo de Heckscher-Ohlin-Samuelson, e em particular o teorema de Stolper
Samuelson), a liberalização das trocas comerciais induz um aumento da remuneração do
factor abundante e uma diminuição da remuneração do factor escasso. Em países
relativamente abundantes em trabalho não qualificado, os trabalhadores não qualificados
são ganhadores e os qualificados perdedores. O inverso ocorre em países abundantes em
trabalho qualificado. Porém, este modelo não considera a existência de heterogeneidade
entre trabalhadores com o mesmo nível de qualificação. Recentemente Falvey,
Greenaway e Silva (2006) desenvolveram um modelo teórico explorando um novo
mecanismo: a relação entre a liberalização do comércio, a educação de adultos e a idade
dos trabalhadores. Este modelo trata o processo de ajustamento (transição entre sectores
e/ou profissões) como uma cadeia de decisões de investimento, considerando
explicitamente o papel que a educação pode desempenhar no sentido de facilitar o
ajustamento face a uma liberalizarão do comércio. O modelo prevê que os trabalhadores
mais velhos difiram dos mais jovens, quer na proporção de trabalhadores negativamente
4
Nesta secção apresentamos uma síntese do trabalho em curso baseado no artigo teórico Falvey,
Greenaway e Silva (2006).
afectados, quer na severidade das perdas. Os seus resultados sugerem que a assistência à
globalização se deve centrar nos trabalhadores mais velhos e menos qualificados nos
países relativamente abundantes em trabalho qualificado e nos trabalhadores mais jovens
e mais qualificados nos países abundantes em trabalho não qualificado.
Com base neste enquadramento teórico, pretendemos avaliar os custos de
ajustamento induzidos pelo processo de liberalização do comércio em Portugal, ao longo
do período 1985-presente. O estudo em curso recorre a métodos econométricos para
estimar de que modo trabalhadores de diferentes idades, habilidades e experiência
profissional são afectados pela liberalização das trocas. Analisamos o seu impacto ao
nível do salário, probabilidade de desemprego e retorno face ao investimento em capital
humano (educação e formação profissional).
3. Implicações de Politica Económica
É necessário avaliar os custos de ajustamento decorrentes de uma expansão das trocas
comerciais de forma a dar-lhes resposta através da adopção de políticas e instrumentos
financeiros adequados. Conhecer (ou prever) a estrutura da alteração do padrão de
comércio é importante para compreender o ajustamento induzido. Este será de maior
escala se a expansão das trocas for do tipo inter-industrial. A reestruturação em cada
sector ocorre via alterações no emprego total mas também alterações na composição
ocupacional da forca de trabalho. O ajustamento decorrerá do efeito conjunto de
movimentos de trabalhadores entre sectores e profissões. Ambos acarretam perdas
salariais difíceis de recuperar e que dependem de características individuais dos
trabalhadores. Estas incluem características difíceis de quantificar, como o nível de
habilidade do trabalhador, mas também de características mensuráveis como a idade e o
nível de escolaridade. Para trabalhadores mais velhos, o período de retorno ao
investimento em capital humano (educação ou formação profissional) é mais curto, o que
constitui um importante desincentivo à reconversão profissional. Considerar este aspecto
poderia melhorar a definição e implementação de políticas de redistribuição do
rendimento e formação profissional.
Referências
Balassa, B. (1966), “Tariff Reduction and Trade in Manufactures Among Industrial
Countries”, American Economic Review, vol. 30, 27-42.
Brülhart, M. (1994), “Marginal Intra-Industry Trade: Measurement and Relevance for the
Pattern of Industrial Adjustment”, Weltwirtschaftliches Archiv, vol. 130, 600-613.
Brülhart, M. (2000), “Dynamics of Intra-Industry Trade and Labour-Market
Adjustments”, Review of International Economics, vol. 8(3), 420-435.
Brülhart, M. and Elliott, R. (1998), “Adjustments to the European Single Market:
Inferences from Intra-industry Trade Patterns”, Journal of Economic Studies, vol. 25
(3), 225-247.
Brülhart, M. and Elliott, R. (2002), “Labour-Market Effects of Intra-Industry Trade:
Evidence for the United Kingdom”, Weltwirtschaftliches Archiv, vol. 138, 207-228.
Cabral, Manuel e Silva, Joana (2006), “Intra-Industry Trade Expansion and Employment
Reallocation
Between
Sectors
and
Occupations”,
Review
of
World
Economics/Weltwirtschaftliches Archiv (forthcoming).
Falvey, Rod, Greenaway, David e Silva, Joana (2006), ‘Trade, Human Capital and
Labour Market Adjustment’ (with and David), GEP Working Paper 06/03, 2006.
Greenaway, D. and Hine, R. (1991), “Intra-Industry Specialization, Trade Expansion and
Adjustment” in the European Economic Space”, Journal of Common Market Studies,
vol. 24, 603-622.
Greenaway, D. and Milner, C. (1986), “Adjustment to Trade Expansion” in David
Greenaway and Chris Milner: The Economics of Intra-Industry Trade, Basil
Blackwell, Oxford.
Kol, J. and Kuijpers, B. (1999), “The Netherlands” in Marius Brülhart and Robert Hine
(eds.): Intra-industry Trade and Adjustment: The European Experience, Macmillan,
London.
Krugman, P. (1987), “Economic Integration in Europe: Some Conceptual Issues”,
reprinted in A. Jacquemin and A. Sapir (eds.): The European Internal Market, Oxford
University Press, Oxford.
Porto, M. and Costa, F. (1999), “Portugal” in Marius Brülhart and Robert Hine (eds.):
Intra-industry Trade and Adjustment: The European Experience, Macmillan, London.
Rossini, G. and Burattoni, M. (1999), “Italy” in Marius Brülhart and Robert Hine (eds.):
Intra-industry Trade and Adjustment: The European Experience, Macmillan, London.
Sarris, A., Papadimitriou, P. and Mavrogiannis, A. (1999), “Greece” in Marius Brülhart
and Robert Hine (eds.): Intra-industry Trade and Adjustment: The European
Experience, Macmillan, London.
Smeets, H. and Reket, H. (1999), “Germany” in Marius Brülhart and Robert Hine (eds.):
Intra-industry Trade and Adjustment: The European Experience, Macmillan, London.
Tharakan, P. K. and Calfat, M. (1999), “Belgium” in Marius Brülhart and Robert Hine
(eds.): Intra-industry Trade and Adjustment: The European Experience, Macmillan,
London.

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