concepção de comunicação como processo de organização das
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concepção de comunicação como processo de organização das
1 KAIROGRAMA: MUDANÇAS NOS PLANOS DE OBRAS A PARTIR DE UMA PERSPECTIVA DE COMUNICAÇÃO Ricardo Rocha de Oliveira1 1 Engenheiro Civil. http://lattes.cnpq.br/9689913112662636. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Cascavel – PR, Brasil. Email: [email protected]. 2 Antônio Edésio Jungles2 Engenheiro Civil. http://lattes.cnpq.br/3969504791422706. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis – SC, Brasil. Email: [email protected]. RESUMO O artigo discute a relação entre comunicação e gestão de obras da construção civil, com base nos conceitos da Escola de Montreal de comunicação organizacional. Na revisão conceitual dois eixos teóricos são apresentados: 1) gestão de construção como uma organização temporária de pessoas reunidas para atingir um objetivo, em um determinado período; 2) a organização como uma transformação constante de conversações em textos. Os métodos de pesquisa são apresentados, com uma descrição do contexto dos eventos comunicativos e as formas de obtenção dos dados. Para discutir a conceituação é selecionado e transcrito um episódio de uma conversação, que ocorreu durante uma reunião de planejamento operacional de um empreendimento habitacional. Como resultado da análise, foi observado como a conversação e os recursos de linguagem utilizados permitem a emergência de uma compreensão coletiva, com a transformação de vários agentes em um ator coletivo, um texto, que expressa a forma como a organização irá lidar com uma situação específica, no caso do artigo, um plano de ataque de uma obra, modificando uma proposta inicial de sequencias de atividades a serem realizadas. Apresenta-se a contribuição para uma concepção mais adequada para comunicação e gestão de obras, com destaque para dois pontos: 1) a introdução de teorias de comunicação ainda não exploradas no contexto da gestão de obras; 2) a apresentação de uma metodologia para a coleta, seleção e análise de episódios de eventos comunicativos que ocorrem em locais de trabalho da construção civil. Apresenta-se ao final a noção de kairograma na construção civil, considerado como o reconhecimento de um conjunto de momentos no curso do tempo, em que eventos especiais modificam uma compreensão coletiva sobre a forma de execução de uma obra, criando novos planos durante a execução de um empreendimento. Palavras-chave: comunicação; obra; kairograma; gestão. ABSTRACT This paper discusses the relation between communication and construction management, based on the concepts of The Montreal School of organizational communication. In the conceptual review two theoretical orientations are presented: 1) construction management as a temporary organization, a social construction of people united for a certain period of time; 2) organization as a constant transformation of conversations into texts. The research methods are presented, with a description of the context of the communicative events and the forms of data collection and analysis. In order to discuss the conceptualization, the selection, transcription and analysis of a conversation which took place during an operational planning meeting of a construction is presented. As a result of the analysis, it was observed how the conversation and the language resources used enable the emergence of a collective comprehension, with the transformation of several agents into one collective actor, one text, which expresses how the organization will deal with a situation. In the discussion of the discourse theme, the contribution of communication and organization was highlighted in two ways: 1) the observation of communication theories in the context of temporary organization, and specifically construction management; 2) the presentation of a methodology for the collection, selection and analysis of episodes of communicative events which occurred in the workplace. It is presented at the end the notion of Kairos chart in construction, regarded as the recognition of a set of moments in the course of time, in which events change one collective understanding of how to perform a work, creating new plans during execution an enterprise. Keywords: communication, construction project, kairos chart, management. 1. INTRODUÇÃO Várias obras foram desenvolvidas pela humanidade ao longo de sua história. Entre elas estão pirâmides egípcias, o Parthenon grego, a Grande Muralha da China e os aquedutos e estradas do Império Romano (GAITHER e FRAIZER, 2001). Na maioria delas não havia projetos conceituais de engenharia e um planejamento formal. Apesar dessa situação, há trabalhos que apresentam conhecimento da antiguidade, considerados como semelhantes às atuais formas de gerenciamento, obtidos de conceitos da bíblia (LOW, 1998), da construção de pirâmides do Egito (JACOBS, 2007) ou da China antiga (LOW, 2007). Uma maior preocupação com a conceituação e criação de teorias sobre o gerenciamento dos processos produtivos surge somente após a revolução industrial. A teoria de gestão de obras é relacionada à área de conhecimento denominada gestão de projetos ou organizações temporárias, que tem seu início associado às teorias de administração científica no início do século XX, com o Gráfico de Gantt ou cronograma de barras. Esse instrumento é considerado o primeiro grande evento de mudança da programação da produção, ao proporcionar uma ferramenta útil para compreender a relação complexa entre homens, máquinas, ordenamento e tempo (HERMANN, 2005). Ainda hoje, adaptado e integrado ao uso de recursos de informática, o Gráfico de Gantt é apresentado como uma ferramenta bastante interessante pela simplicidade e potencialidade no uso de controle em canteiros de obras (HEGAZY, ELBELTAGI e ZHANG, 2005). Ao longo do século XX várias outras ferramentas e metodologias de planejamento, programação e controle de obras foram incorporadas, tais como PERT-CPM e linha de balanço, além de nas últimas décadas desse século haver uma expansão de tecnologias da informação através de programas computacionais (GREEN, 2006). Porém, a partir do final do século XX, surgiram vários trabalhos, com orientações diferentes do direcionamento de ferramentas e incorporação de programas computacionais. Destacam-se aqui dois importantes conceitos desses trabalhos. Primeiro, que o planejamento não trata apenas da elaboração de planos, mas sim de um processo amplo de obtenção de informações, criação e difusão desses planos, além da realização de ações e avaliações. Essa conceituação é citada como dimensão horizontal de planejamento e tem como referência principal o trabalho de Laufer e Tucker (1987). O segundo destaque é o da hierarquia do planejamento ou dimensão vertical, representado, por exemplo, por sistemáticas como Last Planner (BALLARD, 2000; BALLARD e HOWELL, 2003) ou por estruturas para planejamento e controle de obras como as propostas por Formoso et al. (1999), em que se reconhece o planejamento realizado em vários níveis (longo, médio e curto prazo). Esses dois pontos significam compreender a gestão de obras como um processo complexo, que ocorre antes e durante a execução das obras e que envolve a coordenação e a participação de vários atores ao longo do tempo (CHOO, 2003). Dentro dessa orientação, o presente trabalho trata do planejamento, programação e controle de obras com um enforque de teorias de comunicação organizacional e define, ao final, uma proposta de síntese para análise de momentos ocorridos ao longo do tempo, distinta da noção de cronograma, por meio do estudo de eventos ocorridos durante a gestão das obras, denominado de kairograma, um neologismo proposto pelos autores. O conceito de kairograma parte um direcionamento de um conjunto de trabalhos acadêmicos que compreendem duas perspectivas sobre tempo (Kronos e Kairós), associadas à mitologia e filosofia originária na antiga Grécia (MARTINS et al., 2012). Essas duas noções de tempo tem sido discutidas no âmbito da gestão das organizações em geral (BARTUNEK; NECOCHEA, 2000; ORLIKOWSKI; YATES, 2002; ROE, 2008) e especialmente no caso de gestão de projetos ou organizações temporárias (RÄMÖ, 2002; CROSSAN et al., 2005). Kronos1 é o mais conhecido dos conceitos para tempo, presente na composição de várias palavras como cronômetro, cronologia, e especialmente cronograma. Kronos é associado ao tempo objetivo, homogêneo, mensurável pelo relógio ou outros artefatos, tempo linear newtoniano da Mecânica Clássica (ROE, 2002). Nas organizações temporárias como os projetos da construção civil, Kronos é associado ao tempo e gerenciamento de projetos no contexto de fazer as coisas direito, de acordo com prazos (RÄMÖ, 2002). Kairós é associado ao tempo como algo não-linear, heterogêneo, que ocorre por eventos e experiências (ROE, 2002). Para Rämö (2002), em organizações temporárias, Kairós é relacionado ao gerenciamento para fazer as coisas certas, nos momentos certos, independente do tempo medido por relógios e calendários. Roe (2002) considera que enquanto o tempo associado ao conceito de Kronos pode ser medido por meio de relógios e calendários, o tempo em Kairós só pode ser acessado através de experiência, direta ou indireta, por meio de descrição de eventos verbais ou artefatos que os registrem (diários ou agendas). Esses conceitos serão retomados na discussão final do artigo, como forma de sintetizar as contribuições conceituais da pesquisa aqui exposta, em relação à gestão de obras e comunicação. 2. CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS 2.1. Gestão de Obras e sua base conceitual na teoria de Gestão de Projetos A indústria da construção civil é organizada em projetos (empreendimentos ou obras) e a teoria e a prática da gestão nesse setor é influenciada intensamente pelos conceitos e 1 Algumas grafias diferentes são usadas em outros trabalhos para Kronos, tais como Cronos ou Chronos. técnicas da área denominada internacional em inglês como Project Management2 (BALLARD, 2000). Em português a área de conhecimento é denominada de administração de projetos, gerenciamento de projetos ou gestão de projetos, como conceitos praticamente equivalentes. No âmbito da construção civil, nos últimos anos, tem ocorrido um importante debate em relação a teorias que permitam compreender o que é e como ocorre o processo de gestão de obras (KOSKELA; BALLARD, 2006; WINCH, 2006). Nessa discussão têm surgido críticas sobre as correntes teóricas predominantes em relação à gestão de obras, com propostas distintas das concepções tradicionais (KOSKELA; HOWELL, 2002). De forma a articular, comparar e desenvolver críticas, dentro de um quadro teórico mais amplo e de forma relacionada a conceitos da área conhecida como Project Management, Koskela e Howell (2002) consideram haver duas compreensões distintas sobre o que é e quais as funções da gestão de obras. Em uma perspectiva ainda dominante na literatura da área de gestão de projetos, esses autores apontam que a gestão é conceituada como um conjunto articulado de ideias, denominado de gerenciamento como planejamento, segundo um quadro de concepções sobre gestão da produção, desenvolvido por Johnston e Brennan (1996). Nessa abordagem uma organização é concebida principalmente como constituída por uma parte de gerenciamento e uma parte de ação, e a ênfase das funções da gestão é a criação, revisão e implantação de planos. Koskela e Howell (2002) apontam que para essa forma de compreender a gestão, embora não seja explicitada, a concepção implícita que liga a parte de gerenciamento e a parte de ação é a teoria clássica de comunicação, inicialmente proposto por Shannon (1948). O modelo proposto por Shannon é considerado como o que originou a concepção do processo de comunicação como troca ou fluxo de informação entre um emissor e um receptor (TAYLOR et al., 1996). No conjunto diferenciado de concepções de gestão como organização, Koskela e Howell (2002) consideram ainda que a teoria de comunicação deva ser compreendida de forma diferenciada do modelo original proposto por Shannon (1948). Para os autores uma teoria mais adequada para a compreensão de gestão como organização é a Perspectiva da Linguagem Ação ou LAP (Language Action Perscpective), desenvolvida entre outros por Winograd e Flores (1986). Nessa teoria, a comunicação é concebida como uma rede de conversações, onde diferentes agentes que formam uma organização coordenam suas ações, através de ciclos de intervenções, de forma a fazer e manter compromissos mútuos. A incorporação dessa abordagem de conversações associada ao planejamento de 2 Se utiliza a nomenclatura projeto, gerenciamento ou gestão de projetos com base na denominação da literatura de linha inglesa dos termos “project” e “project management” para o estudo de organizações temporárias com características comuns, tais como: singularidade, complexidade e tarefa a ser realizada em um período limitado de tempo (SÖDERLUND, 2004). No artigo o conceito do termo projeto é usado para a organização temporária obras é destacada por Ballard e Howell (2003) como um das mudanças recomendadas pela experiência de implantação e de avanços recentes das formas de gestão de obras baseadas na sistemática denominada Last Planner System (LSP). No início do século XXI um conjunto de trabalhos internacionais associados à continuação do desenvolvimento da sistemática LSP tem aprofundado a relação da gestão de obras e comunicação, como um conjunto estruturado de conversações. Através de vários trabalhos, entre os quais os de Ballard e Howell (2003), Macomber e Howell (2003), Macomber, Howell e Reed (2005), considera-se a comunicação como uma forma de gerenciar as promessas entre os diversos agentes participantes da gestão de obras, para que a organização coordene as ações da produção. Mossman (2009) enfatiza que a proposta da sistemática LPS é a de criar um conjunto estruturado de conversas para o desenvolvimento da confiança entre os grupos responsáveis pelo planejamento e execução de obras. As contribuições de Koskela e Howell (2002) e Ballard e Howell (2003) e demais autores citados, de uma compreensão articulada da gestão de obras e comunicação como um conjunto de conversações estruturadas para desenvolver e articular promessas para organizar as ações da obra significa uma importante contribuição. No entanto, nos últimos anos, observa-se na área de comunicação organizacional um conjunto de concepções teóricas não exploradas e que podem contribuir para uma compreensão mais adequada da relação entre a comunicação e a gestão de obras na concepção de gerenciamento como organização, expostas na próxima seção. 2.2. Concepções sobre comunicação organizacional e a Escola de Montreal A literatura sobre comunicação organizacional apresenta um crescente interesse e o desenvolvimento de diferentes concepções no estudo das organizações como construções discursivas, em que a linguagem usada no ambiente de trabalho se destaca através da consideração das conversações e dos textos organizacionais (FAIRHURST; PUTNAM, 2004). Para autores dessa área, o estudo das organizações, baseado na metáfora do discurso, busca conhecer como as pessoas se comunicam através de conversações ou escritas, a fim de organizar e executar os seus trabalhos (BARGIELA-CHIAPPINI; NICKERSON; PLANKEN, 2007). Essa orientação concentra-se na investigação da comunicação falada e escrita nas organizações, e em particular no uso da linguagem no ambiente de trabalho. Um dos destaques nessa área é o grupo liderado pelo canadense James Taylor, denominado Escola de Montreal de Comunicação Organizacional (TAYLOR; COOREN, 1997; TAYLOR; ROBICHAUD, 2004; CASALI, 2009), especialmente por destacar o papel da comunicação e sua relação com a organização. As concepções oriundas desse grupo constituem uma oportunidade de contribuição na busca de uma compreensão mais adequada para a relação entre comunicação e gestão na construção civil. Casali (2009, pg. 107) aponta, a partir dos conceitos da Escola de Montreal, que “a comunicação organizacional é caracterizada como um processo social que aciona os universos objetivos e subjetivos na criação de um ambiente ao mesmo tempo estável e mutante”. Para Putnam e Cooren (2004), essa orientação apresenta a concepção da organização formada como um discurso de duas formas: como conversações ou atos comunicativos dos agentes e como textos que refletem as práticas de construção de significados e hábitos dos membros da organização. Conversações constantemente geram novos textos organizacionais, que retornam como base para conversações subsequentes. O processo de organização ocorre quando os membros se orientam para objetivos compartilhados, a partir dos textos gerados em conversações. Nesse fluxo, se produzem artefatos materiais e se reproduzem as estruturas sociais que constroem o ambiente organizacional (CASALI, 2009). Na compreensão da Escola de Montreal (TAYLOR et al., 1996), há uma intensa relação entre texto e conversações, como processos comunicativos que conduzem as pessoas para organização das ações. Taylor e Robichaud (2004) apresentam essa concepção com base no modelo denominado de coorientação (figura 1): assume-se que o uso da linguagem produz organização e, por meio de conversações, a comunicação tornase uma instância de produção de sentidos e posicionamento social entre agentes. No modelo, A e B são sujeitos comunicadores e X é o objeto material e/ou social da comunicação. Esses três agentes exercem papéis equivalentes no processo de comunicação, pois as interações humanas possuem sempre um objeto material/social (quem fala, fala de alguém ou de algo). Ao se comunicar, os sujeitos recorrem a um universo linguístico, que permite a leitura e interpretação dos objetos materiais e sociais. A figura 1 também destaca que as conversações se relacionam ao mesmo tempo a aspectos materiais e sociais. Figura 1 - Coorientação através da conversação como unidade relacional essencial (Adaptado de Taylor, 2004) No caso das organizações, uma das consequências do processo de coorientação é a negociação de responsabilidade para o desempenho de um objetivo ou estabelecimento de um relacionamento. Nessa conceituação, a essência da comunicação não é troca de informações, mas uma transferência de intenção. Nesse sentido, quando uma intenção for transferida de um agente para outro, para se buscar produzir um resultado, se estabelece um alinhamento entre eles, que é a forma básica para a coordenação das ações organizacionais (TAYLOR et al., 1996). 2.3. Conceituação de textos e sua relação com conversações no processo de comunicação organizacional Segundo McPhee (2004), a expressão genérica para texto normalmente é usada como um rótulo para um meio, especialmente os materiais impressos, ou ainda, de forma mais ampliada, para qualquer meio de representação relativamente permanente e legível de uma inscrição, ou, ainda, como uma expressão que se refere a um conjunto de textos relacionados. No entanto, o autor reconhece que, na visão da Escola de Montreal, a concepção de texto é diferenciada: um texto pode significar o resultado retido de conversações, ou seja, não é enfatizada a permanência na forma de um meio material durável. Cooren (2004) considera texto como uma formulação coerente de palavras, números ou imagens, que existem em um formato materialmente replicável. Para o autor, textos podem existir em formas impressas, materiais em meio eletrônico ou textos orais, uma vez que estes ainda existem em um formato replicável (podem ser gravados na memória e lembrados em futuras situações). Para Cooren (2004), o que define realmente a noção de texto é a sua repetibilidade, quer seja sob a forma de citação ou reprodução mecânica. Anderson (2004) menciona que há duas formas para compreender a relação entre conversação, escrita e textualização: como atos escritos ou como atos discursivos. Como um ato escrito, textualização ocorre quando uma conversação é transformada em alguma forma escrita. Como atos discursivos, uma textualização ocorre quando uma conversação é transformada em uma forma de narrativa, uma interpretação de um discurso que ocorreu. Kuhn (2008) considera que textos podem ser manifestados de duas formas: concretos e figurativos. Textos concretos são sinais e símbolos inscritos em alguma forma relativamente permanente, tais como: políticas, documentos técnicos, produtos, imagens, regras, instrumentos, e-mails ou memorandos. Textos figurativos, em contraste, são representações ou resumos das práticas locais de comunidades e empresas. Esses últimos são observados como elementos comuns, ou valores do grupo, discursos do meio ambiente organizacional. Uma vez que esses textos se tornam crenças do grupo, através da sua utilização em uma variedade de conversas distribuídas, os atores atribuem identidade, se motivam e se obrigam a realizá-lo. A abordagem da Escola de Montreal associa conversações e textos necessariamente. Para Taylor (2007), na maior parte das vezes, quando se usa a palavra “texto”, se considera esse conceito relacionado a inscrições, como palavras datilografadas numa página ou códigos de programas de computador. Contudo, para o autor, não são as inscrições que efetivamente são o texto, mas o significado que ele transmite. Taylor (2007) considera que o texto é um meio cuja única função é transmitir o significado de uma posição para outra, ou guardá-lo para futura referência. Portanto, a noção de texto usada não é exclusiva a manifestações em algum material durável, como um fluxograma ou cronograma impresso ou gravação em forma digital, mas também como resultado de uma atividade comunicativa, em situações concretas de interação social ou, mais especificamente, resultados da atividade verbal de agentes, com a intenção de coordenar suas ações para alcançar uma determinada finalidade. Esses elementos compreendam a análise do relacionamento entre o processo de comunicação e gestão de obras, base para o estudo empírico e a discussão realizada nas considerações finais do artigo, que embasam a noção de kairograma. Os métodos expostos na próxima seção detalham como essas concepções são usadas no estudo empírico. 3. MÉTODO DE PESQUISA 3.1. Delineamento geral do estudo O artigo apresenta parte dos resultados de uma pesquisa que desenvolveu uma proposta de modelo para compreensão da relação entre os fluxos comunicativos e a gestão de obras, no contexto de empreendimentos habitacionais financiados (OLIVEIRA, 2010). Nessa pesquisa foi realizado o estudo de caso apresentado no artigo, através de observação direta de reuniões de planejamento de obras de empreendimentos de prédios de apartamentos residenciais para população de baixa renda, realizados na região metropolitana de Florianópolis – SC. O trabalho parte de uma base de implantação e avaliação de um conjunto de conceitos, técnicas e práticas de gestão de obras, semelhante a outros desenvolvidos e utilizados em pesquisas no âmbito da construção civil (BERNARDES, 2001). Esses conceitos, técnicas e práticas de gestão de obras definem um processo de hierarquia de níveis de tomada de decisão, por meio de um conjunto de reuniões entre os responsáveis pela gestão, realizadas de forma regular antes e durante a execução das obras. O estudo apresenta as seguintes etapas: 1) Coleta de informações sobre o empreendimento e as organizações responsáveis pela concepção do projeto e execução da obra; 2) Coleta de documentação e participação em reuniões de planejamento, antes do início da obra, para compreender e registrar as decisões principais e os detalhamentos existentes antes do período de construção, em relação aos planos da produção previstos; 3) Participação e registro das reuniões de médio e curto prazo realizadas ao longo da execução da obra. Antes do início da obra, obteve-se um conjunto de documentos e foram registradas as intenções dos responsáveis pelo processo de planejamento da obra, quanto aos aspectos chave dos planos da produção, tais como lógica de execução prevista (plano de ataque, sequências, zoneamento da obra), prazos de execução e programação inicial de recursos. A participação nas reuniões de médio e curto prazo foi realizada por meio de observação estruturada, ou seja, havia acesso aos documentos e materiais gerados, anotação de situações especiais observadas e registro fotográfico. Em todas as reuniões houve participação de membros da equipe de pesquisa e em todos os eventos ocorreu a gravação de áudio, para posterior análise. 3.2. Apresentação do estudo de caso O episódio analisado no artigo teve origem em um estudo de longo prazo, realizado de junho de 2008 a agosto de 2009, através de observação direta das reuniões de planejamento da obra, em um empreendimento de nove prédios de apartamentos residenciais, para população de baixa renda (tipologia de dois quartos, área interna aproximada de quarenta e oito metros quadrados, quatro apartamentos por andar, com térreo para garagens e mais três andares com unidades habitacionais, com um total de doze unidades por prédio e um total de cento e oito apartamentos). Essa construção foi realizada na região metropolitana de Florianópolis – SC, na cidade de São José – SC, por uma construtora. A fase de planejamento da obra iniciou em janeiro de 2008 e a construção em agosto desse mesmo ano, com cronograma previsto para quinze meses de execução. Em relação à estrutura organizacional, a construtora apresentava um encadeamento de níveis, iniciando pela direção, representada por dois sócios proprietários, e na sequência uma área de engenharia, composta por um conjunto de engenheiros e estagiários. Dentre os diretores, um era responsável pelas decisões estratégicas relacionadas à obra. No período da pesquisa, no setor de engenharia atuavam três engenheiros, com envolvimento de todos no detalhamento dos planos prévios e como representantes do nível intermediário de gerência. Nas obras, a diretoria designava uma equipe de gerência operacional, composta de um membro da engenharia como responsável pela execução e um mestre de obras para atuar em tempo integral, na fase de construção. 3.3. Método de seleção e análise dos episódios A pesquisa teve como orientação metodológica a proposta de um conjunto de trabalhos na área de organizações e comunicação (KARREMAN; ALVESSON, 2001; COOREN, 2004; NIELSEN, 2009), em que se combinam duas abordagens: 1) o desenvolvimento de um estudo longitudinal, através de coleta de dados de estudos de caso, de forma a conhecer com profundidade o contexto organizacional; 2) coleta, seleção e análise em profundidade de micro eventos, através das regras de análise de conversação em um episódio específico. Para a seleção e análise do episódio, o trabalho se orientou no método utilizado por Donnellon, Gray e Bougon (1986): 1) Descrição do contexto em que ocorrem os processos de comunicação, em termos de funções, atores, questões e sequência de eventos; 2) Amostragem teórica de episódios de comunicação ocorridos na gestão da obra em estudo; 3) Transcrição do processo de interação e textos gerados; 4) Análise da transcrição, de forma a identificar segmentos de interação em que os membros do grupo em estudo demonstram mudança na sua interpretação dos eventos; 5) Análise do processo de comunicação, associado ao movimento do grupo em direção à constituição de um texto compartilhado. Após a gravação de cada reunião havia uma análise e divisão do período de sua realização em episódios, com identificação de tópicos. Após esse processo, os episódios de conversações diretamente relacionados à organização do processo de produção da obra eram selecionados para análise (ver figura 2). REUNIÃO DE MÉDIO OU CURTO PRAZO DESCRIÇÃO Participantes Local Momento no tempo Função TEXTOS Tarefas Equipes Prazos Compromissos CONVERSAÇÕES Duração: XhYm x TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina x TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina x TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina x TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina SELEÇÃO DE TÓPICOS RELEVANTES PARA A FORMAÇÃO DO PLANO TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina TÓPICO - Uma começa - Outro responde... - um terceiro também -- alguém termina Texto final da reunião: novo contexto do plano de ações: decisões sobre sequencias, ordens de ataque, durações, compromissos para as ações futuras da produção Figura 2 – Descrição da seleção de episódios e constituição dos textos de análise Para o artigo foi selecionado um episódio que envolvia o plano de ataque elaborado antes do início da obra, com alteração na sequência prevista inicialmente. Dentro das orientações dos métodos de análise, primeiro se faz a transcrição desse episódio considerado representativo de um fenômeno que se quer explorar. A partir do contexto inicial conhecido, da análise dessa transcrição, juntamente com a gravação original, e, por meio de triangulação com demais evidências obtidas na coleta de campo, é feita a análise. Essa análise ter por objetivo explorar com profundidade a relação desse segmento de conversa com textos anteriores, bem como compreender como, através da interação, em um determinado momento, os agentes responsáveis pela obra constroem um novo significado e passam a orientar suas ações com base nessa nova compreensão. 3.4. Simbologia e regras de transcrição de conversações No quadro 1 são demonstradas as regras de transcrição, baseadas na simbologia utilizada em trabalhos de análise de conversação (PASSUELLO; OSTERMANN, 2007), e a transcrição do episódio é apresentada no quadro 2. Além do uso da simbologia, destacam- se palavras relacionadas às etapas da obra (em azul) e as referências aos blocos de apartamento (sublinado e negrito) que se relacionam com o plano de ataque da obra. Há três participantes reconhecidos nas falas, identificados por siglas em cada uma das suas intervenções: ENG1 (Engenheira destacada para a obra), MES1 (mestre de obras) e ENG2 (Engenheira da empresa, participante da etapa prévia de planejamento e auxiliar na execução). Em um trecho as falas são inaudíveis, devido a problemas de ruído externo (linha 24 do quadro 2). Além dos atores apresentados na transcrição, também participaram da reunião uma estagiária de engenharia e o pesquisador. Quadro 1 – Convenções utilizadas na transcrição Símbolo [texto] ºtextoº :: = (texto) (xxxx) ou [xxxx] - Representação sobreposição de falas fala mais baixa que o padrão normal alongamento de som falas coladas dúvidas na transcrição/inaudível fala não compreendida, não transcrita interrupção abrupta da fala 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO SOBRE A COMUNIÇÃO ORGANIZACIONAL E SUA RELAÇÃO COM A GESTÃO DE OBRA 4.1 Contexto inicial do evento comunicativo e do episódio Nessa fase da obra, a reunião operacional era realizada na sala do mestre de obras. De forma mais frequente participavam uma engenheira responsável pela obra, um mestre de obra, um a dois estagiários da empresa, além da equipe de pesquisa (um pesquisador e um auxiliar de pesquisa). Em algumas reuniões havia a presença de chefes de equipes de obra ou representantes de empresas de serviços terceirizados. O episódio foi retirado da terceira reunião operacional, ocorrida no dia três de outubro de 2008, um mês após o início efetivo da obra. Esse encontro foi iniciado às dez horas e quinze minutos e teve a duração de uma hora e dois minutos. O objetivo da reunião era elaborar o plano de curto prazo da semana seguinte e verificar problemas em relação aos recursos necessários à execução. O episódio iniciou após a avaliação da execução do plano de curto prazo da semana anterior, em que havia se identificado um desvio em relação ao plano de ataque previsto inicialmente. No período entre os meses de setembro e dezembro de 2008, correspondente à janela de tempo do primeiro plano tático, estava prevista a conclusão de instalação do canteiro, todas as fundações (nove prédios) e as etapas de blocos de coroamento de estacas, vigas baldrame e pilares do pilotis de quatro blocos de apartamento, dentre os nove edifícios previstos para o empreendimento. Essa meta de realização de quatro blocos contíguos era necessária para propiciar o imediato uso de grua na obra, a partir do mês de janeiro, que seria posicionada entre os prédios três, quatro, oito e nove para atender a distribuição de materiais necessários às etapas de estrutura de concreto armado e vedação em blocos de concreto. Para as etapas de blocos de coroamento de estacas, baldrames e pilares (pilotis), a empresa definiu apenas uma equipe de funcionários próprios, prevista para seguir uma ordem de execução das etapas e deslocamento entre blocos conforme demonstrado na figura 3 (mapa no lado esquerdo da parte inferior). Na parte superior dessa figura é apresentada a situação de algumas etapas que eram avaliadas durante a reunião quanto ao estágio de execução, no momento anterior ao episódio. Pela figura, observa-se que a ordem de ataque prevista no plano tinha dificuldade em ser concretizada, devido a problemas com caixas e tubulações de drenagem na região dos blocos de apartamento nove e três. Quando da avaliação inicial para elaborar o plano, a execução dessas instalações era prevista para ser realizada rapidamente (cerca de duas semanas). No entanto, após o início dos trabalhos, foi constatado que a drenagem demandaria um tempo maior, devido à necessidade de caixas de passagem inicialmente não previstas. Diante dessa situação, o mestre de obras durante a semana iniciou trabalhos na etapa de blocos das estacas no prédio dois, fora do escopo previsto no plano tático inicial. Nesse contexto é que ocorre o episódio de conversação. 4.2 Análise do episódio No episódio ocorre principalmente um diálogo entre a engenheira e o mestre de obras, sobre as tarefas a serem executadas na semana seguinte (plano de curto prazo). Há algumas intervenções da segunda engenheira, que colabora em alguns momentos, por conhecer os planos da obra. No início do episódio a engenheira confirma a concretagem da etapa de baldrame do bloco de apartamentos quatro (linhas 1 e 2). A partir da linha 4 esses atores passam a discutir as demais tarefas. A engenheira solicita que se faça a fundação (blocos) do edifício oito (linha 5). Na sequência o mestre sugere que se façam as tarefas de blocos e baldrame nos prédios dois e um, devido à situação das tarefas precedentes (estacas) e por já ter iniciado as escavações dos blocos de coroamento de estacas no prédio dois. No entanto, a engenheira não concorda e reafirma a intenção de iniciar as tarefas no bloco de apartamentos oito, e que é acatado pelo mestre (linhas 7 a 12). 15 Quadro 2 – Transcrição de trecho 10 da reunião de 03/10/2008 1 ENG1 2 3 4 5 6 7 8 9 MES1 ENG1 MES1 ENG1 MES1 ENG1 MES1 10 11 12 13 MES1 ENG1 MES1 14 15 ENG2 ENG1 ENG1 MES1 16 17 18 19 ENG1 MES1 ENG1 20 21 22 23 24 25 ENG1 MES1 ENG1 MES1 MES1 ENG1 26 27 MES1 28 29 ENG2 ENG1 30 31 32 33 ENG2 ENG1 MES1 34 35 36 37 MES1 ENG1 MES1 ENG1 ENG1 ENG1 Trecho 10 (até 2min.26seg) Vamos pensar pro futuro. Semana que vem. O que a gente vai fazer semana que vem? Segunda-feira a gente concreta. Pode ser? [Aproveita pra concretar o baldrame.] [Sim:::]. Tranquilo. Tá pronto. Se quiseres. [Só ataca aquilo la.] Então ta. [xxxx]. O que é que você quer que eu faça. Qual fundação?Pois é. Eu queria agora que tu fizesse a oito::: A dois é uma que tá bem adiantada. Mas você [xxxxx] [A dois não vai] adiantar. Entendesse? Uhum. Tu vai perder tempo assim. Tu vai fazer agora e vai abandonar ela- Só pro ano que vem. Tá, então- Pra mim eu::::, como você quiser. Tudo igual pra mimAcho que bota o oito. Agora o oito ele vai liberar. Tá. E ai tu tem que botar eles (xxxx) pra fechar o um e depois o estaqueamento do três. Entendesse? É o três e o nove. É que esse três ali::: é um problema sério. Sabe vai ter que cavar uma vala de quatro metros de altura, porque aquela lama que a gente aterrou se (a gente tivesse gasto) a máquina lá em cima. Vamos ter que fazer diferente então. Vamos ter que tirar toda aquela terra lá:: Olha:: Toda aquela terra tem que tirar primeiro. (xxxx) Mas em uma semana você tira tudo bem. Não resolve em uma semana? Resolveria sim. Mas dai eu teria que ter:::: Como eu vou te dizer. Não tem que botar uma escavadeira, será? É. Pensa uma escavadeira. Daí bota umas quatro caçamba. Tira rapidinho. ٥Um dia tira tudoº Meu como é que pode ter tanto material. Também se tudo visse o tamanho da vala aberta ºMeu Deusº Mas ta funcionando tudo certinho. Já encheu. Já graças a chuva (xxxx) Inaudível (barulho de serra circular ao lado – 21 seg.) Então. bloco nove é crítico. Por que não foi nem feita a fundação dele. Eu tenho que ligar pro homem. Falar com ele pra não atrapalhar::: o andamento do negócio (da fundação) aquele negócio do estaqueamento pré-moldado. Mas, o nove é crítico. Certo? É. Então, o nove vai ser o último de todos para fazer. Vai ser feito lá em dezembro, vamos supor. Como assim em dezembro? Não, por que ele não fez nem o estaqueamento. Não vai decidir. [Não tem nem máquina. É] Ah ta. [Terminar em dezembro.] Então o bloco oito é o que ta livre agora, o três ta com esse problema ai do coisa Ta. Só duas estacas, três. Agora são quatro. Que quebrou uma. É (xxxx) consegue entendeu tem que resolve em uma semana. Põe ele pra tirar aquele material lá então. Ta. Então vou pegar lá então jáPorque daí a gente faz (outro) esquema. DaíSim O quatro. O quatro já ta fechando, vai pro oito, vai pro três e vai pro nove. 16 Após essa definição, os dois passam a conversar sobre a sequência das demais etapas, diante das dificuldades com as instalações de drenagem e sua consequência para se executar o estaqueamento, e com isso permitir a realização de blocos e baldrames dos prédios, para se atingir a meta definida no plano tático (linhas 13 a 23). Avaliada as atuais circunstâncias da obra, a partir da linha vinte e cinco, a engenheira conversa com o mestre e define um novo plano de ataque. O novo plano é apresentado nas falas finais do episódio, especialmente a linha trinta e sete. Esse novo plano de ataque é representado na figura 3, no lado inferior direito. A situação era interpretada pelos presentes na reunião como dentro dos limites possíveis de serem modificados no período de médio prazo, por se considerar que as etapas de blocos, baldrames e pilares de pilotis, previstas como meta para quatro blocos contíguos até o mês dezembro, seriam atingidas mesmo com a alteração. Destacase que essa nova ordem de ataque aos blocos, que alterava o plano original, não foi transformada em nenhum texto concreto, na forma de diagrama ou descrição escrita, mas foi efetivamente utilizada em outras conversações e construção dos planos de curto prazo das semanas seguintes. 4.3 Os elementos para compreender a relação da gestão de obras com o processo de comunicação Apesar da literatura relacionada a autores da Construção Enxuta discutir conceitualmente a questão comunicação, conversações e gestão de obras (KOSKELA e HOWELL, 2002), bem como incorporar experiências de aplicação dessa concepção à sistemática LSP, o presente trabalho amplia essa questão conceitualmente e demonstra a sua aplicação em estudos para compreender empiricamente as concepções propostas no âmbito da gestão de obras. Desta forma, o episódio estudado no artigo apresenta dois propósitos: primeiro, demonstrar através da análise de uma situação específica, como ocorre a articulação entre conversações e textos no ambiente de gestão de obras, e; segundo, apresentar o processo de construção de um novo texto a partir de conversações. Destacam-se dois pontos a seguir para articular o estudo às concepções gerais de gestão de obras e sua relação com o processo de comunicação. Primeiro, na gestão de obras as concepções atuais utilizam a hierarquia do processo de planejamento, através de propostas baseadas nas sistemáticas Last Planner (BALLARD, 2000) ou desenvolvimentos nacionais sobre planejamento de obras (BERNARDES, 2001). Nessas abordagens, a ideia é que há diversos níveis de planejamento, onde há objetivos e diferentes atores participantes. Na concepção adotada na maioria dos trabalhos nacionais na construção civil, originada principalmente de Formoso et al. (1999) e Bernardes (2001), considera-se haver três níveis hierárquicos: estratégico, tático e operacional. A cada um desses níveis corresponde uma pauta, em termos de decisões, com a construção e transmissão de significados entre agentes. 17 BLOCO 9 7 8 BLOCO 8 10 3 4° 2 9 BLOCO 4 PLANO DE ATAQUE ORIGINAL 12 2° 1° 1 4 3° 5 6 11 BLOCO 3 PLANO DE ATAQUE NOVO Figura3–Compçãdlnetqvscaorçõduniãe03/128 18 Nessa orientação, a gestão de obra se desenvolve por um processo de delineamento ao longo do tempo, ou seja, o plano inicial apresenta concepções gerais e, a partir das conversações entre os agentes nos níveis hierárquicos seguintes, há uma maior definição e um maior detalhamento, até a especificação final no plano operacional do que é previsto para ser executado. Um segundo ponto a ser considerado na relação da comunicação e gestão de obras é que essa compreensão pode ser interpretada como gestão como organização, exposta na revisão conceitual. Com isso, uma conceituação mais adequada do processo de comunicação deve considerar não somente um conjunto de conversações estruturadas, mas o fluxo contínuo de tradução de conversações em textos e de textos em conversações. Destaca-se que os textos podem ser tanto concretos (explicitados em alguma forma durável) ou resultados de conversações, ou seja, a interação entre os agentes pode ter levado à definição de uma compreensão nova sobre como a execução será realizada. Essa relação de construção de textos por meio de conversações ao longo do tempo define o conceito de kairograma na construção civil e foi observada no estudo de caso. Após as definições estratégicas e desdobramentos realizados pela gerência responsável pelo médio prazo, ocorria uma transferência das intenções do nível tático para o nível operacional, pelos textos prévios (plano de ataque, cronogramas, zoneamento da obra e metas mensais). Durante a execução da obra iniciava-se, então, uma série de interações conversacionais entre os agentes responsáveis pelas instâncias táticas e operacionais. No estudo de caso essa instâncias eram representadas por engenheiros, mestres e chefes de equipes que atuavam na execução da obra. A eles cabia coordenar as conversações antes, durante e após reuniões e, especialmente, aprovar os significados construídos que compunham os textos operacionais. Nessas conversações, com base nos textos prévios transferidos, havia um conjunto de traduções em textos operacionais ou planos de curto prazo que orientavam a execução da obra. A comunicação desse plano de curto prazo aos operários da obra, através de conversações após a reunião operacional semanal significava o momento de definição e alocação das tarefas às equipes, ou seja, a formação final do texto operacional. O episódio selecionado no artigo demonstra ainda como, por meio de atividades verbais, o mestre de obras e a engenheira interagiram na construção não somente de novos textos operacionais, mas também na alteração de textos prévios - no caso específico, a modificação e construção de um novo plano de ataque. Nesse sentido, os agentes buscavam em primeira instância seguir o plano previsto, mas ao observar dificuldades em executar a ordem de tarefas sugeridas nos textos transferidos pelo nível tático, modificaram e criaram uma nova concepção a partir das suas contribuições nas conversações. Dessa forma, os textos transferidos do nível tático para o operacional não ocorriam somente por 19 uma reprodução integral, mas, apesar de considerados nas conversações, em algumas situações eram interpretados e modificados pelos agentes que o executavam, diante das circunstâncias que se defrontavam. No episódio, o plano de ataque é modificado devido à dificuldade de sua reprodução integral, como previsto no planejamento prévio da obra. Com isso, esse e outros significados transferidos pelos diversos textos táticos referenciais, prévios ao período construtivo, eram associados aos novos significados elaborados ao longo da execução e, novamente, articulados nas conversações seguintes do nível operacional, para criação de outros textos operacionais. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O artigo apresenta uma pesquisa que explora os conceitos relacionados a duas noções de tempo no âmbito da gestão de obras, relacionando-os a teorias de comunicação. Incialmente descreve a noção de tempo cronológico (Kronos), já bastante difundido na construção civil, empregada em várias ferramentas e sistemáticas de planejamento, programação e controle de obras, tais como técnicas de rede (PERT-CPM), linha de balanço ou a primeira e ainda muito utilizada forma de programar obras: o cronograma. Nessa concepção, observa-se o tempo relacionado a etapas e suas durações, bem como prazos definidos previamente pelos citados instrumentos de programação, durações e prazos que devem ser devidamente controlados. Na gestão de obras, a comunicação relacionada a essa noção é de fluxo de informações, em que os vários agentes responsáveis pela produção devem tomar conhecimento em momentos oportunos dos planos da produção e especialmente como se relacionam com o tempo medido por relógios e calendários. No entanto, nas últimas décadas tem havido uma discussão fundamental e a geração de uma nova compreensão sobre o planejamento, programação e controle da produção no ambiente da construção civil. Nessa nova compreensão associada à gestão de obras, especialmente ligada a autores da abordagem denomina Construção Enxuta ou Lean Construction, diferentes agentes participam em momentos oportunos da construção dos planos da produção. Nos trabalhos de um grupo de autores que defedem essa visão, considera-se haver um processo de hierarquia de níveis de tomada de decisão, por meio de um conjunto de reuniões entre os responsáveis pela gestão, realizadas de forma regular antes e durante a execução das obras, onde os planos das obras são construídos coletivamente ao longo do tempo. Os autores ligados a essa corrente tem defendido ainda que a comunicação nessa abordagem é caracterizada por um conjunto estruturado de conversações. Nesse sentido, o artigo amplia e apresenta uma importante contribuição: a de que a comunicação deve ser observada como um fluxo contínuo de traduções de conversações em textos e de textos em conversações. Uma versão ampliada dessa contribuição pode ser observada no trabalho de Oliveira (2010). 20 Destaca-se ainda, com síntese das análises do artigo, a concepção de kairograma, como um conjunto de momentos especiais no tempo, identificados através de pesquisas ou mesmo por registros e estudos das próprias empresas responsáveis pela execução, em que os planos de obras são construídos em atividades conversacionais, e não apenas planos previamente elaborados tem seus significados transferidos aos novos agentes. Além do episódio selecionado e apresentado no presente trabalho, durante o estudo de caso observou-se outros momentos em que decisões prévias eram discutidas pelos gestores e muitas vezes modificadas, sendo que, em algumas ocasiões, não havia uma transcrição do novo significado, aqui compreendido como texto ou plano para executar uma obra em um determinado período de tempo, mas havia uma compreensão e um compromisso coletivo do conjunto de atores para com a condução das ações futuras. Considerado o contexto da produção na construção civil, em que há muita variabilidade e presença de incidentes inesperados, marcado por momentos em que os agentes de produção usam suas habiliades e experiências prévias de forma inteligente, para agir em momentos concretos e oportunos no fluxo de eventos de obras, o estudo desses episódios e dessa orientação, baseada na noção de tempo não cronológico (Kairós), é fundamental para compreender e desenvolver processos de gestão adequados, para que se possa fazer as coisas certas, nos momentos certos. 21 6. REFERÊNCIAS ANDERSON, D. The Textualizing Functions of Writing for Organizational Change. Journal of Business and Technical Communication, v.18, n.2, p.141-164, 2004 BALLARD, G. The Last Planner System of Production Control. PhD. Thesis. School of Civil Engineering, Faculty of Engineering, The University of Birmingham, 2000 BALLARD, G.; HOWELL, G. An Up-date on Last Planner. 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