constrangimentos domésticos à política comercial dos estados

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constrangimentos domésticos à política comercial dos estados
CONSTRANGIMENTOS DOMÉSTICOS À POLÍTICA COMERCIAL
DOS ESTADOS UNIDOS DURANTE A ADMINISTRAÇÃO
CLINTON (1993-2000)
Rodrigo Fagundes Cezar1
Carlos Eduardo Carvalho2
RESUMO: A política comercial do governo de Bill Clinton foi marcada por uma série de
dificuldades e entraves domésticos que limitaram sua capacidade de promover
políticas de liberalização comercial. O objetivo deste artigo é justamente analisar os
constrangimentos domésticos à política comercial de Bill Clinton (1993-2000) com
base no estudo de três casos: 1) negociações com o Japão (1993-1995), 2) aprovação
do NAFTA (1993) e 3) dificuldades na aprovação do fast-track (1997). A pesquisa tem
como base uma análise de conteúdo de jornais e hearings, e monta um quadro
analítico com base na análise das preferências domésticas e formação de coalizões.
Enquanto divisões burocráticas não ameaçaram a política de Clinton, a polarização do
eleitorado e do Congresso limitaram a capacidade de mobilização do Executivo para
leis de liberalização comercial.
PALAVRAS-CHAVE: Política comercial. Governo Clinton. Política Doméstica.
Coalizões.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é analisar os constrangimentos domésticos à política
comercial de Bill Clinton (1993-2000) com base no estudo de três casos: 1)
negociações com o Japão (1993-1995), 2) aprovação do NAFTA (1993) e 3)
dificuldades na aprovação do fast-track3 (1997). Apesar desses casos não serem
capazes de representar a totalidade da política comercial do governo Clinton, eles são
úteis ao entendimento de alguns dos constrangimentos domésticos enfrentados pela
administração.
Clinton, o primeiro presidente Democrata em doze anos, ganhou a eleição
apontando os erros da presidência de George Bush com relação à política econômica.
1
Mestrando em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais “San Tiago Dantas” – Unesp, Unicamp, PUC-SP
2
Professor do Departamento de Economia da PUC-SP e do Programa de Pós-Graduação em
Relações Internacionais “San Tiago Dantas”.
3
Se aprovado, o fast-track exige que o congresso vote acordos de política comercial sem a
possibilidade de emendas. Isso faz com que os EUA tenham maior credibilidade no processo
de negociação com outros países, sendo considerado um valioso instrumento para a
liberalização comercial por parte dos EUA.
1
A ênfase do presidente em questões econômicas e domésticas influenciou no fato de
ele ter feito apenas quatro discursos de política externa nos primeiros oito meses de
mandato, todos reforçando a continuidade com o predecessor. Como dito pela
subsecretária para assuntos econômicos e relativos à agricultura em 1993, era quase
um “clichê” dizer que o futuro dos Estados Unidos seria descrito em termos
econômicos. Os laços econômicos seriam, segundo ela, progressivamente vistos
como a alavanca necessária para produzir mudanças em áreas não econômicas
(BRINKLEY, 1997).
Em relação aos aspectos comerciais em específico, Clinton havia prometido
uma posição mais assertiva em relação ao países com práticas consideradas injustas
e visou levar a cabo sua promessa através de constantes ameaças de retaliação aos
japoneses por conta de sua política comercial “neomercantilista”. Em seus primeiros
anos, Clinton aprovaria o NAFTA e a participação dos EUA na OMC, vitórias que,
entretanto, não esconderam as dificuldades do presidente em aprovar política
comercial a partir, principalmente, de 1995, em vista da oposição de grupos sindicais e
ambientais. Essa dificuldade se expressou quando o governo tentou aprovar o fasttrack, mecanismo que requer que o Congresso vote acordos comerciais sem a
possibilidade de adicionar-lhe emendas.
Apesar de já existir uma literatura sobre política comercial durante a gestão
Clinton (MUNDO, 1999; SHOCH, 2001; GIBSON, 1999), este artigo busca pontos
comuns e aspectos potenciais não tratados por esses autores, tanto em termos
teóricos quando empíricos, através de uma análise do conteúdo de jornais e hearings
que além da literatura existente, compõem os casos aqui tratados. Tendo em vista
esse potencial, na próxima seção deste artigo serão expostos aspectos do quadro
analítico utilizado, assim como considerações históricas que estão ligadas aos
aspectos metodológicos do texto. Os aspectos teóricos fazem uso de abordagens já
bastante utilizadas em política externa, políticas públicas e relações internacionais. Em
seguida os casos são apresentados (NAFTA, relações comerciais com o Japão e
dificuldades de aprovação do fast-track), com o objetivo de mostrar a relação entre as
unidades de decisão4 e a sociedade organizada. Enfim, é necessário que alguns
comentários finais sejam traçados.
4
As unidades de decisão apresentam duas características básicas. A primeira diz respeito ao
grau de fragmentação da autoridade política. Nenhum ator dentro do governo pode por si só
utilizar os recursos do Estado a favor de determinada política. É necessário o acordo de todos
os grupos de decidem sobre determinada matéria (unidades de decisão). Esses atores podem
bloquear outros atores através: 1) da execução de um veto; 2) da ameaça de terminar a
coalizão e/ou 3) tirando os recursos necessários para a aprovação de determinada lei ou
medida (HAGAN et. al, 2001)
2
QUADRO ANALÍTICO E CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
Porque os EUA, a despeito de seu histórico de apoio a medidas de
liberalização comercial, recorrentemente encontra entraves no processo de formulação
de políticas de comércio exterior? Essa é a principal pergunta de Gibson (2000), que
mostra que frente a preferências distintas dentro do Congresso, da sociedade e
mesmo dentro do próprio Executivo, um analista com ênfase em estudos de curtoprazo não nota que na verdade um governo deve atuar em várias frentes, através de
mecanismos de freios e contrapesos. Esses mecanismos podem vir sob a forma de
favores políticos, contribuições financeiras a representantes ou outros tipos de
concessões, mas raramente é possível buscar o objetivo da liberalização comercial de
forma direta. Há um caminho político sinuoso a ser percorrido para a manutenção de
políticas de livre-comércio. Isso ocorre porque o comércio é um bem público
assimétrico, que apesar de oferecer ganhos agregados, gera custos localizados.
Mas por que o livre-comércio – ou para os histórico-institucionalistas, comércio
“justo” – é um objetivo de longo prazo para os norte-americanos? Não se pretende
tratar essa questão de forma aprofundada, mas uma análise rápida ajuda a introduzir o
quadro analítico utilizado neste estudo e fazer uma breve revisão da literatura. Além
disso, essa pergunta é essencial também porque Gibson utiliza a busca do livrecomércio como pressuposto, não respondendo, dessa forma, nossa pergunta. Dessa
forma, isso nos ajuda a entender melhor de que maneira aquele “caminho sinuoso”
acaba, no longo prazo, levando a políticas de comércio mais liberais apesar de, no
curto prazo, as tendências parecerem apontar para caminhos completamente distintos
e por vezes antagônicos.
Os autores que fazem análises históricas da política comercial dos EUA, como
por exemplo, Mendonça (2013), apontam dois pontos de inflexão na política comercial
dos EUA no século XX, um em 1934, através do Reciprocal Tariff Act e outro nos anos
80, através do Omnibus Trade and Competitive Act de 1988. A primeira lei, produto da
crise de 1929 e do aumento do protecionismo, juntamente com suas consequências
trágicas para a economia americana e mundial, estabeleceu-se como uma instituição
favorável à liberalização comercial por parte dos EUA. A segunda, fruto das demandas
protecionistas das indústria norte-americanas, que sofriam com a estagnação
econômica nos anos 70 e durante parte dos anos 80, institucionalizou políticas e
práticas de comércio justo (“fair trade”) que visavam, de um lado oferecer concessões
às demandas do Congresso, especialmente da Câmara dos Deputados, sem
prejudicar o processo de liberalização comercial.
3
Com relação à contínua busca de liberalização do livre-comércio, Nitsan
Chorev (2010, p. 59, tradução nossa) afirma que “[o]s internacionalistas por diversas
vezes acharam difícil de bloquear leis oferecendo benefícios para setores
protecionistas em particular, mas eles poderiam utilizar esses benefícios para aprovar
leis e transformar instituições que poderiam enfraquecer a posição política da coalizão
protecionista como um todo”. Assim, “os internacionalistas acreditavam que fazer os
remédios legislativos mais lenientes, e então aumentar a taxa de sucesso dos
protecionistas, seria uma forma efetiva de ‘diminuir consideravelmente [...] a pressão
do Congresso [...] para que fossem aprovadas quotas legislativas ou quotas
negociadas de forma voluntária’” (CHOREV, 2010, p.63, tradução nossa). Dessa
forma, a análise dos choques externos e das sua influência sobre a alteração das
instituições norte-americanas é uma maneira de analisar a persistência do livrecomércio, utilizando-se as instituições como variável independente.
Outra análise que pode trazer bons frutos para a análise da preferência por
políticas de liberalização tem como base a análise da Advocacy Coalition Framework
(ACF). Um dos pontos principais da ACF é a necessidade de entender as mudanças
nas políticas públicas. Nesse quadro analítico, as variáveis independentes são as
próprias coalizões e é o constante conflito entre elas e os recursos de que dispõem
que define as políticas públicas. As mudanças ocorrem tanto em aspectos secundários
quanto em aspectos centrais dos subsistemas de políticas públicas – como política
comercial, ambiental, externa, etc. Essas mudanças podem ser levadas a cabo por
três vias: 1) choques externos que sejam capazes de alterar a distribuição de
recursos, as vias de influência ou as crenças dos atores; 2) aprendizado (policyoriented learning), derivado da acumulação gradual de informações, e 3) entrave
persistente (hurting stalemate), que ocorre quando ambas as coalizões não avançam
em seus propósitos, tendo esgotado suas opções e considerando que nenhuma delas
considera o status quo benéfico (SABATIER, 1987).
Entretanto, dentro dessa perspectiva, apenas os choques externos são
capazes de provocar mudanças nos aspectos centrais das crenças das diversas
coalizões. Essa abordagem tem como foco as ideias compartilhadas dentro de uma
mesma coalizão, que pode incluir desde jornalistas até secretários de diversas
agências do governo. Apesar da ausência da ênfase em aspectos institucionais, ela
nos mostra como ideias compartilhadas dentro de um grupo importam na análise das
políticas públicas. Desse ponto de vista, poder-se-ia argumentar que o Reciprocal
Tariff Act de 1934 foi resultado de um choque externo (crise de 1929), que mudou
aspectos centrais da política comercial dos EUA, alterando o balanço de forças entre
protecionistas e liberais a favor dos últimos. O Omnibus Trade and Competitiveness
4
Act de 1988 foi, por sua vez, uma alteração “a partir de dentro”, uma mudança nos
aspectos secundários da política comercial como resultado das dificuldades
levantadas por forças protecionistas.
Fazendo um sumário das duas explicações, como resultado principalmente da
crise de 19295, passou-se a se formar coalizões, comunidades epistêmicas, e outras
redes políticas, que viam na política de livre-comércio a única alternativa aos perigos
da política protecionista. Essas novas visões foram institucionalizadas através de leis e
instituições formais que favoreciam a liberalização comercial e que dotaram essas
políticas de um mecanismo de path-dependence. A lei de 1988, por sua vez, foi reflexo
de um choque externo que catalisou, entretanto, mudanças incrementais à política de
livre-comércio dos EUA.
Mas quais são as coalizões que influenciam a política comercial dos EUA
atualmente? Poder-se-ia argumentar de diversas maneiras. Primeiramente (1), seria
possível observar duas coalizões, uma a favor do protecionismo, outra a favor da
liberalização comercial. Essa divisão, entretanto, é mais utilizada para a construção de
teorias e teste de hipóteses que visam ser parcimoniosas e generalizáveis (ALT;
GILLIGAN, 2009). Seria possível também argumentar (2) que existem quatro ou mais
coalizões, como exposto por Nollen e Quinn (1994), representando o comércio livre, o
protecionismo, o comércio estratégico e o comércio “gerido”. Por fim (3), alguns
autores,
principalmente
os
histórico-institucionalistas
(MENDONÇA.
2013)
argumentariam que atualmente existe apenas uma grande coalizão, a do fair trade.
Essa questão liga a breve discussão feita acima ao objeto deste estudo e ao
quadro analítico utilizado nesta pesquisa. Com relação à pergunta feita acima,
podemos afirmar, tal qual fazem Shoch (2001) e Gibson (2000), que a resposta
depende do período de se pretende analisar e que existe uma grande medida de
“conflito dentro do consenso”. Ou seja, no longo prazo, podemos argumentar que
existe uma única coalizão, a do “fair trade”, tal qual considerado pelos
institucionalistas. No curto prazo – para o período de até uma década segundo
Sabatier (1987) –, entretanto, a análise com base na ACF é menos proveitosa,
justamente porque o curto prazo e a diversidade de preferências dificultam a
empreitada. Por isso, visamos analisar, tal qual faz a ACF, a formação de coalizões
voltados para questões particulares. Entretanto, diferentemente desse quadro
analítico, consideramos a possibilidade de coalizões de “conveniência”, aquelas
5
Como bem nos ensinam os histórico-institucionalistas, as mudanças institucionais não
ocorrem de uma hora para a outra. Pode-se argumentar que o processo de alteração da
política comercial protecionista para a liberal já estava em curso conforme a estrutura e
dimensão da economia norte-americana se alteravam. Ainda assim, podemos afirmar, sem
dúvidas, que a crise de 1929 foi o catalisador das mudanças que consolidaram essa tendência.
5
negociadas de maneira ad hoc, e que dependem de intensa barganha e troca de
favores políticos (a ACF prevê coalizões estáveis e que tendem a mudar pouco no
curto prazo). Para isso, damos atenção às possíveis coalizões que podem ser criadas
dentro do governo e que são a favor ou contra certas medidas de política comercial
com base nas diferentes preferências que influenciam a política pública, bem como o
posicionamento do Executivo, que aqui não é considerado um ator unitário, em prol
das políticas de liberalização comercial. Através dessas medidas, fazemos a transição
do “consenso” para o “conflito”.
Essa análise se enquadra na literatura de Relações Internacionais e pretende,
como objetivo secundário, contribuir para a compreensão da face doméstica da
relação de “dois níveis” já explicitado por Robert Putnam (1988). Essa contribuição é
importante, pois, pelos menos entre os autores de tradição liberal, existe o consenso
de que a análise da política econômica internacional deve ser feita na fronteira entre a
política doméstica e exterior. Esses dois aspectos constituem dois lados de uma
mesma moeda, interligando-se para determinar o win-set do presidente nas
negociações internacionais. Mas, para além da literatura clássica de coalizões dentro
do legislativo, este artigo utiliza a perspectiva das unidades de decisão (HAGAN et al,
2001), que ressalta a importância de incluir agências burocráticas e a sociedade civil
na análise.
Com relação ao Executivo, existe consenso no fato de que ele normalmente se
posiciona de maneira favorável à aprovação de leis de liberalização comercial
(KAROL, 2000; MILNER, 1997), mas apresenta certas especificidades que influenciam
a política comercial e até mesmo podem ser a causa por traz do entrave em certas
políticas. No âmbito da política comercial norte-americana, as principais instituições e
suas peculiaridades são descritas no Quadro 1.
Quadro 1. Principais instituições norte-americanas envolvidas em política comercial e
suas peculiaridades
Departamento do Estado
Liberalização comercial na medida em
que não ameace a política externa e
objetivos de segurança dos EUA em
relação ao seus aliados
Departamento do Tesouro
Liberalização comercial com atenção à
taxa de juros da economia; objetivo
maior é manter um ambiente favorável
ao investimento privado; menor espaço
relativo para coordenação com outras
6
agências dentro de Executivo
Departamento do Comércio
Expansão, de forma agressiva, se
necessário, das exportações norteamericanas; abertura de mercados
externos
United States Trade Representative
Promoção de comércio livre e justo;
acesso a mercados externos e proteção
das indústrias domésticas de práticas
“injustas”
National Economic Council
A favor das preferências comercias do
Presidente,
entretanto
seu
posicionamento depende muito dos
membros
designados
para
cada
questão. Ainda não havia atingido uma
“filosofia coerente” à época de Clinton.
Mais voltado para questões que
demandam resposta imediata, devido à
estrutura descentralizada e pouco
hierárquica da instituição
Presidência
Promoção de comércio livre e justo,
independentemente do partido a que o
Presidente está associado
Fonte: Autores
Mais crucial ainda que a divisão dentro do executivo, que é em geral favorável
à liberalização comercial, ainda que suas peculiaridades definam se uma agência
defenderá uma posição mais ou menos “dura” no que diz respeito à promoção do livrecomércio, maiores possibilidades de entrave são encontradas no Congresso e
principalmente na Câmara dos Deputados, onde a política partidária e o pequeno
eleitorado a que cada representante deve prestar contas influencia no posicionamento
mais paroquialista no que diz respeito à política comercial. A figura 1 mostra modelos
simplificados das preferências do Congresso norte-americano, tendo como base o
trabalho de Karol (2000), mas com alguns adendos à sua análise.
Figura 1. Modelos Simplificados das preferências do Congresso em termos de política
comercial
Modelo 1 (Presidência liberal “puro”)
7
Modelo 2 (Eleitorado polarizado)
Modelo 3 (Lealdade partidária)
Fonte: Karol (2000), estendido pelos autores
No modelo 1, que é chamado pelo autor de modelo de “presidência liberal
‘pura’” leva-se em consideração a premissa, observada empiricamente – veja-se Karol
(2000) –, de que os presidentes tendem a apresentar um posicionamento mais
favorável ao livre-comércio, independentemente de seu partido político. Um congresso
republicano, cuja maioria dos membros, a partir da década de 70, principalmente, tem
se mostrado mais favoráveis a uma política de livre-comércio “pura”, será mais
favorável às propostas do presidente, algo que aparentemente confirma que na
verdade um governo dividido (Presidente democrata e Congresso republicano) pode
favorecer políticas de liberalização comercial. Essa é a conclusão de Karol (2000).
Entretanto, o autor não leva em consideração a possibilidade de polarização do
eleitorado (Modelo 2) e a política partidária (Modelo 3). Levando-se em conta essas
questões, não será sempre correto afirmar categoricamente que um governo dividido
irá dificultar ou auxiliar a liberalização comercial, sendo necessário observar em que
ocasiões cada uma das possibilidades é mais provável. Assim, um presidente
democrata, em ano de eleição, terá imensas dificuldades de passar novas leis de
liberalização comercial num Congresso republicano, principalmente se o eleitorado
estiver divido em relação ao seu apoio ao projeto do presidente.
Por fim, os grupos sociais também afetam a possibilidade de se criar coalizões
favoráveis a leis de liberalização comercial. Como dito, no curto prazo, uma gama de
preferências comerciais se expressam, sejam elas a favor do comércio-livre, “gerido”,
“justo”, ou mesmo a favor do simples protecionismo. Nos anos 90, os grupos
favoráveis ao comércio “justo” (sindicatos e grupos ambientalistas) foram capazes de
se coligar em busca de um comércio que fosse capaz de melhorar as condições de
vida dos trabalhadores norte-americanos, sem prejudicar o meio ambiente. A busca de
um comércio “justo” e a oposição por parte de grandes associações como o Business
Roundtable e o US Chamber of Commerce tomou, entretanto, o caráter de uma
discussão polarizada entre liberalização e protecionismo, sobretudo como resposta às
dificuldades impostas pelo NAFTA, como será visto a seguir.
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Levando-se em conta a relação entre as unidades de análise, o Quadro 2
contém os resultados possíveis de acordo com as caraterísticas do Congresso, do
Executivo e dos grupos de interesse. Através dele buscamos conciliar as análises
acerca das preferências comerciais dos atores domésticos (MILNER, 1997) e de
coalizões (HAGAN et. al, 2001).
Quadro 2. Resultados em termos de política comercial a partir da relação entre as
unidades de decisão
Congresso não-polarizado
(divergência em relação à
política partidária e às
preferências do eleitorado
é branda)
Congresso
polarizado
(divergência em relação à
política partidária e às
preferências dos grupos
sociais é alta)
Relação
dentro
do
Executivo favorece um
posicionamento
comum
em relação à política
comercial
(preferências
pouco divergentes)
(I) Maior espaço para
barganhas, concessões e
compromisso entre as
partes; baixa possibilidade
de entrave; acomodação a
certos
interesses
específicos de membros
do
Congresso para
assegurar
coalizão
vencedora
(II) Dificuldade na criação
de
coalizões;
maior
possibilidade de entrave;
Relação
dentro
do
Executivo não favorece
um
posicionamento
comum em relação à
política
comercial
(preferências
muito
divergentes)
(III) Política burocrática
prevalece, pode haver
certa indefinição sobre
termos
específicos
e
aparente incoerência do
governo,
sendo
a
possibilidade de entrave
maior que (I) e menor que
(II)
(IV) Alta possibilidade de
entrave;
coalizões
se
tornam inviáveis, sendo de
soma-zero a relação entre
as unidades de decisão;
possibilidade
de
insulamento
maior
necessidade
de
acomodação
às
preferências divergentes;
necessidade de grandes
recursos para formação de
coalizões
Fonte: Autores.
ANÁLISE DE CASO: NAFTA
Apesar de o NAFTA não ter sido negociado por Clinton, sua aprovação
dependeu dos esforços desse presidente. Após um período inicial de hesitação em
apoiar o acordo, acreditava-se que a negativa do presidente em apoiá-lo seria um duro
golpe à sua posição de “novo” democrata. Clinton mantinha um acordo tácito com
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relação ao acordo. Ele sabia dos problemas que adviriam da oposição dos
trabalhadores, mas pretendia lançar acordos suplementares para fazer frente à
oposição. O comércio com o México já estava estabelecido, então, acima de tudo, o
NAFTA serviria como uma forma de monitorar o comércio entre os países, evitando
desrespeitos aos padrões ambientais e trabalhistas aceitados pelos EUA e ainda
contribuiria para diminuir a onda de imigração ilegal para o México (DOLAN, 2002).
Além disso, acreditava-se que as reformas serviriam de lock in para as reformas
econômicas já promovidas de forma unilateral no México (JONES, 1995, p. 186).
Robert Rubin, Lloyd Bentsen e Warren Christopher eram favoráveis ao acordo,
buscando fazer concessões às empresas norte-americanas em busca de apoio
legislativo, enquanto Michael Kantor e Robert Reich, por exemplo, tinham sérias
dúvidas com relação à sua viabilidade. Assim, dentro do próprio executivo, haviam
dúvidas com relação à melhor estratégia. A importância de Rubin, entretanto, era tal
que suas ideias pró-indústria acabavam por se sobressair. Além disso, Robert Reich
se posicionou inequivocamente a favor do NAFTA já ao fim de abril de 1993 (WSJ,
1993), enfraquecendo a oposição dentro do Executivo. George Stephanopoulos, por
sua vez, acreditava que o NAFTA iria diminuir em muito o capital político disponível
para que Clinton aprovasse o health care, mas essa posição não parece ter afetado o
debate.
O Departamento do Tesouro, do Estado e o National Economic Council
acreditavam que acordos suplementares intrusivos poderiam ir contra os empresários
e os republicanos e tinham ressalvas com relação à sua necessidade. Com relação ao
tratado como um todo, o Departamento do Estado em algumas ocasiões tinha dúvidas
em relação aos sinais que poderiam ser passados para a comunidade europeia e
Japão, além do que alguns oficiais do escritório que tratava das relações latinoamericanas tinham dúvidas com relação ao impacto do NAFTA nos países caribenhos
(JONES, 1995, p. 195). Entretanto, essas divisões no seio do Executivo não afetaram
profundamente o seu posicionamento a favor do NAFTA.
Clinton ao início tinha um posicionamento mais ambíguo em relação ao
NAFTA, em vista da notável oposição que seria lançada pelos sindicatos, por exemplo.
O Presidente tinha o interesse de buscar o centro, sem caminhar nem para uma
posição liberal e nem conservadora. Como um “novo democrata”, o Presidente temia
perder o apoio do eleitorado do Partido Democrata, mas ao mesmo tempo não tinha
como simplesmente abandonar o NAFTA. A batalha ao redor do acordo se colocou
como um divisor de águas, já ao início da administração Clinton, separando as
esperanças dos sindicatos e grupos ambientais, dos resultados a serem aferidos anos
depois. No início, a posição ambígua do governo se fez notar pela falta de liderança
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presidencial para lidar com o assunto, falta de habilidade do National Economic
Council em formular uma estratégia efetiva de ganho de apoio do Congresso e a
dificuldade de se mostrar os ganhos políticos e influência do NAFTA na liderança
global dos EUA (DOLAN, 2002).
Clinton, influenciado por Lloyd Bentsen (Secretário do Tesouro) e por Mickey
Kantor (Representante de comércio), se posicionou no meio termo entre a
acomodação e a mobilização, não cedendo tanto aos opositores do NAFTA, mas
fazendo
promessas
e
certas
concessões
para
apaziguá-los.
Os
acordos
suplementares sobre questões ambientais foram negociados por Mickey Kantor, do
USTR e Carol Browner, do EPA (Environmental Protection Agency). Clinton negociou
o North American Agreement on Environmental Cooperation (NAAEC), que a início
soava como uma grande inovação política, e também negociou o North American
Agreement on Labor Cooperation (NAALC), visando arregimentar votos e diminuir a
insatisfação de grupos favoráveis ao “fair trade”. Ambas as medidas se mostraram
fracas e com problemas envolvendo a implementação de suas políticas, desiludindo os
grupos que acreditavam que esse poderia ser uma passo para a harmonização de
regras ambientais e trabalhistas (VELUT, 2009).
Kantor afirmou que queria um acordo com “dentes”, que fosse capaz de impor
sanções, mas pouco depois o governo deixou de lado essa pretensão, seja por
oposição do México e do Canadá, seja por oposição das empresas norte-americanas.
Além disso, o Executivo também prometeu renegociar o NAFTA, adicionar um novo
acordo suplementar e criar um imposto para financiar treinamento dos trabalhadores
norte-americanos. Todas essas propostas foram abandonadas.
Havia também
divisões dentro do grupo “fair trade”, já que os grupos de proteção ambiental
mainstream se posicionaram a favor do pacto.
Do lado fair-trade, havia duas coalizões que se formaram para combater o
NAFTA, a Alliance for Responsible Trade (ART) e a Citizens Trade Campaign (CTC),
grupos que deram voz aos interesses dos sindicatos, grupos de proteção ambiental e
de proteção ao consumidor. Entretanto, apenas alguns segmentos desses grupos se
uniram às coalizões e além disso, o modus operandi dessas coalizões diferia. O CTC
se engajava em lobby direto, enquanto a ART estava apenas indiretamente ligada à
oposição ao NAFTA, sendo mais uma instituição que conscientizava a sociedade civil
em relação ao acordo e a novas possibilidades de integração.
Ainda assim, os grupos que se opunham ao NAFTA estavam muito mais bem
organizados do que os que eram favoráveis até alguns meses antes da votação, em
novembro de 1993. Esses grupos se engajaram em um custoso lobby a nível popular
(grassroots), liderado principalmente pelos sindicatos. Mas inicialmente, mesmo na
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AFL-CIO havia certa dúvida em relação ao posicionamento mais adequado frente ao
NAFTA. Inicialmente o slogan era “não este NAFTA”, adotando uma postura mais
reformista, dado que os líderes sindicalistas tinham dúvida se era ou não prudente se
posicionar de forma diametralmente oposta ao primeiro presidente democrata após
doze anos. Os grupos liderados pela AFL-CIO contaram com certa ajuda de Ross
Perot e Pat Buchanan, que tornaram o debate mais público, mas que de outro lado,
contribuíram para que se justificassem as críticas da coalizão pró-livre comércio, que
pontuava o conservadorismo por parte desses atores.
Esses grupos foram relevantes na batalha política levantada pelo NAFTA e, em
muitos momentos parecia que sua vitória estava anunciada, como quando Leon
Panetta afirmou que o NAFTA estava “caduco”. O lobby desses grupos foi importante
para influenciar tanto a percepção do público norte-americano quanto as preferências
dos próprios representantes. Calcula-se que a cada contribuição de US$ 200.000,00
por parte dos sindicatos, aumentava-se em 50% a chance de um congressista votar
contra o NAFTA. A contribuição dos sindicatos, principalmente para representantes
recentemente eleitos, se mostrou muito importante, pois afinal, os votos na Câmara
não dependem tanto do eleitorado representado, mas sim do quanto esse eleitorado
se manifesta durante campanhas a favor ou contra novos acordos comerciais (Quadro
3).
Quadro 3. Contribuição financeira dos sindicatos para novos representantes e
posicionamento destes em relação ao NAFTA (ano de referência: 1992)
Representante
US$
de % do PAC total
Sindicatos
Posicionamento
em
relação
ao
NAFTA
Carolyn Maloney (D-NY)
55.000
82.5%
Contra
Paul McHale (D-PA)
96.750
80,9%
Contra
Tim Holden (D-PA)
91.850
80,6%
Contra
Alcee Hastings (D-FL)
52.000
76,8%
Contra
12
Ted Strickland (D-OH)
88.549
72,4%
Contra
David Minge (D-MN)
110.000
70,4%
Indeciso
Ron Klink (D-PA)
88.800
69,8%
Contra
Jay Inslee (D-WA)
53.250
66,7%
Favorável
Dan Hamburg (D-CA)
119.600
66,3%
Contra
Bart Stupak (D-MI)
70.250
65,9%
Contra
Fonte: WSJ, 03/03/1994
Do lado das empresas norte-americanas, houve também um grande esforço de
mobilização, criando-se a “Coalition for Trade Expansion”, que incluía as maiores
empresas e associações empresariais dos EUA, como Business Roundtable, US
Chamber of Commerce, etc. Criou-se também a USA*NAFTA, “a coalizão das
coalizões”, que lançou uma campanha multidimensional para arregimentar apoio em
favor do NAFTA. Utilizou-se campanhas de relações públicas e mesmo de lobby a
nível de base, sendo que as empresas representadas tinham, a maioria delas, seu
próprio PAC e eram representadas em comitês de aconselhamento comercial. Ainda
assim, os esforços dessas empresas era pequeno se comparado a dos grupos antiNAFTA. Isso ocorreu, segundo Velut (2009), porque o lobby a nível de base das
empresas não era tão desenvolvido e porque a agenda legislativa estava tão
carregada, que não havia tanto espaço para advogar a favor no NAFTA senão a partir
de alguns meses antes da votação do acordo. Essas grandes empresas e o
Presidente se alinharam em favor da aprovação do tratado e mesmo dentro do
Executivo, a partir, principalmente, do posicionamento favorável de Reich e do recuo
de Kantor em relação às propostas de sanção, pouca divisão existia no seio do
governo.
O Presidente deixou para se engajar a partir de meados de agosto de 1993,
sendo sua hesitação parte do temor da perda de apoio de parcela do eleitorado
democrata. Segundo Shoch (2000), a posição de Clinton se alterou por dois motivos
principais, a necessidade de estimular exportações e a necessidade de fazer uma
13
“triangulação” entre os conservadores e os liberais, como forma de buscar sempre o
centro do espectro político e construir apoio bipartidário às ações de política comercial.
Clinton se engajou em um intenso esforço de concessão de favores políticos e
lobby para arregimentar apoio para o NAFTA. Para apaziguar os ânimos dos setores
domésticos atingidos pelo tratado, o Presidente ofereceu uma série de isenções, se
engajando como poucos presidentes anteriormente em prol desse objetivo. Nem
Clinton, nem o USTR poderiam usar contribuições para fazer lobby no legislativo, mas
poderiam fornecer informações relativas a representantes que ainda estavam
indecisos. O presidente também ofereceu apoio político a representantes em assuntos
pouco ou nada relacionadas à política comercial. A participação do Presidente foi
muito importante para alterar a preferência de parcela dos representantes.
Além disso, o USTR, através da promessa de incluir representantes de grupos
ambientais dos comitês de aconselhamento de política comercial, conseguiu flexibilizar
a posição desses atores e cooptá-los a aceitar o NAFTA (JONES, 1995, p. 187).
Através dessas “regalias”, o USTR conseguiu dividir os grupos ambientalistas, o
suficiente para dificultar a coalizão “verde-azul” a se manifestar de forma mais sólida.
Sobre a participação desses e de outros grupos dos comitês, Jones afirmou:
In sum then, the broader agenda of the NAFTA
negotiations (relative to previous trade agreements) allowed
the USTR to use the advisory committee system as a
means of mobilizing private sector support for the
agreement by expanding the representation of the advisory
committees. (JONES, 1995, p. 205).
Assim, apesar do posicionamento contrário ao NAFTA por parte de certas indústrias e
por parte dos sindicatos, houve, dentro da maioria dos comitês – com exceção do
Labor Policy Advisory Committee –, suporte incondicional ao acordo.
Some-se a isso a já indicada divisão entre os ambientalistas entre apoiar ou
não o acordo. A maioria se tornou favorável frente às promessas de acordos
suplementares tratando de aspectos relativos a proteção ambiental. Grupos como o
National Wildlife Federation, World Wildlife Fund, Natural Resources Defense Funding,
Natural Audubon Society, Environment Defense Fund, Nature Conservancy e
Defenders of Wildlife acabaram por se posicionar a favor do acordo. Com relação a
esses grupos, Jay Hair, da National Wildlife Federation afirmou que os opositores
estavam “colocando suas ‘polêmicas protecionistas’ na frente da preocupação com o
meio ambiente”. Algumas das grandes organizações que se opuseram ao acordo
foram o Sierra Club, o Humane Society of the United States, Friends of Earth e
14
Greenpeace. Cada um dos lados acusava o outro de exagero, falta de informação ou
demasiada proximidade dos grandes grupos empresariais.
A maioria daqueles que votaram a favor do NAFTA (65%) eram republicanos. A
vitória de Clinton no Congresso foi fruto do seu intenso lobby. O acordo, entretanto, foi
ameaçado pelas preferências dos sindicatos e grupos ambientais e por seus recursos,
ampliados pelas coalizões formadas entre esses grupos. Em termos de política
partidária, Clinton não teve que se preocupar tanto com os Republicanos senão com
seu próprio partido. Assim, a aprovação do NAFTA se emoldura melhor numa versão
“branda” do segundo quadrante do Quadro 2. Tal qual mostra o modelo de Karol, por
nós adaptado, os membros republicanos apoiaram o NAFTA mais do que fizeram os
membros democratas. Essa divisão foi aguçada pela polarização do eleitorado, ainda
que inicialmente não houvesse tamanha organização por parte dos grupos sindicais e
ambientais.
ANÁLISE DE CASO: NEGOCIAÇÕES COM O JAPÃO
Os motivos pelos quais Clinton se posicionou de forma mais assertiva em
relação ao Japão são dois, ao menos: 1) parcos resultados foram obtidos em
negociações anteriores e 2) as crenças relacionadas ao comércio “injusto” do Japão
se tornaram um modelo que passaria a influenciar as preferências do executivo,
influenciando a capacidade de reeleição do presidente e afetando a forma pela qual a
burocracia determinaria seus objetivos econômicos.
Em sua campanha, Clinton prometeu ter uma posição mais assertiva em
relação ao Japão e já nos primeiros dias de sua administração, ficou claro que o
governo pelo menos tentaria tomar essa posição. O National Economic Council foi de
fato a instituição responsável pela política dos EUA frente ao Japão nos primeiros
anos da administração de Clinton. Bowman Cutter foi o responsável por coordenar o
processo. Diferentemente de administrações anteriores, não havia uma grande divisão
burocrática em relação à necessidade de abrir o mercado de importação dos
japoneses, tanto que os japoneses não foram capazes de usar divisões burocráticas
para evitar o posicionamento mais assertivo dos EUA. Ainda assim, havia indefinição
em relação à tática a ser utilizada. O NEC não era capaz de organizar de modo
eficiente o processo, reflexo da própria característica fluida da instituição. Os
encontros com os japoneses não resultavam em acordos e Cutter foi além do papel a
ele designado e buscou forjar um consenso ao redor da necessidade de evitar
restrições quantitativas em relação ao Japão. O USTR prontamente se opôs e tomou
um posicionamento mais duro. Como resultado, o centro de gravidade da política em
15
relação ao Japão passou a se alterar de forma progressiva a favor do USTR, com o
NEC constantemente tentando se posicionar novamente no processo (DOLAN, 2002;
DESTLER, 1996).
Havia grande medida de revisionismo na forma de lidar com o Japão,
pensamento em grande parte influenciado por Laura Tyson, do CEA. Como dito por
Shoch (2001, p. 174) o interesse de Kantor, desde que entrou no governo, foi reeleger
Clinton, consolidando e expandindo seu suporte entre vários interesses políticos e
econômicos. Jogar duro com o Japão era uma estratégia interessante para a
manutenção de coalizões entre democratas e republicanos, dado que tanto as
empresas quanto os sindicatos sempre foram a favor de tal posicionamento. Isso
ajuda a explicar porque mesmo quando a expectativa de redução do déficit comercial
através de possíveis sanções aos japoneses não era surpreendente, ou quando
empresas como a Chrysler e a Ford concordavam que o que de fato era impeditivo
eram os preços dos imóveis naquele país, o governo continuava resoluto em relação
às ameaças aos japoneses.
Mickey Kantor e Laura Tyson buscavam uma abordagem “puramente”
econômica em relação ao Japão e, nesse sentido, visava ao máximo isolar o
Departamento do Estado das questões comerciais. A administração não parecia
disposta a incorporar questões relacionadas à segurança norte-americana no debate.
De outro lado, o Departamento do Estado, representado por Warren Christopher
acreditava ser necessário cautela para não colocar em perigo as relações entre Japão
e Estados Unidos. Algumas empresas também se viam contra o posicionamento mais
robusto em relação ao Japão, pois tinham medo de retaliação. Esse medo é constante
entre as empresas mais competitivas e mesmo entre aquelas que advogam a favor de
um comércio “estratégico”.
Clinton, segundo Dolan (2002, p. 183), delegou boa parte de sua autoridade
sobre questões comerciais para seus oficiais para lidar com outras questões que
demandavam sua atenção, diferentemente do caso do NAFTA. Um dos negociadores
mais importantes para as conversas com o Japão era Charlene Barshefsky, que,
juntamente como Mickey Kantor estava à frente das negociações com os japoneses.
Assim, haveria um recurso a menos disponível para a política em relação ao Japão,
que era justamente a participação ativa do presidente. Ainda assim, a baixa
polarização do eleitorado em relação a essas políticas compensava a relativa ausência
do presidente – talvez até por se tratar se uma questão “fácil”, ele tenha se abstido.
Tal qual para a indústria de aço, a indústria automobilística exerce considerável
influência sobre o Congresso dos Estados Unidos. A coalizão entre a United Auto
Workers e as maiores produtoras de automóveis dos EUA (Chrysler, GM e Ford) no
16
que tange o comércio exterior dá alavancagem às demandas protecionistas por parte
desses grupos. A negociação de restrições voluntárias à exportação (VRE) é um dos
instrumentos mais utilizados pelo governo para salvaguardas os interesses das
grandes montadoras. Essa opção é preferível à imposição de quotas por parte do
Congresso, que poderiam prejudicar as relações comercias com parceiros
estratégicos, como o Japão. Para evitar essa saída mais preocupante, o presidente,
mais voltado para o livre-comércio, propões medidas administrativas que são mais
flexíveis que as leis aprovadas pelo Congresso. O governo estrangeiro, por sua vez,
observando a possibilidade de ações mais dramáticas por parte do Congresso
americano, faz concessões em busca do menor prejuízo possível. Dessa forma, a
ameaça do Congresso e o contrapeso do presidente acabam formando uma estrutura
eficaz para extrair concessões de governos estrangeiros (MUNDO, 1999).
No início dos anos 90, a parcela do mercado japonês dominada por
montadoras norte-americanas era ínfima. Padrões e processos de certificação
dificultavam a entrada de carros americanos; taxas, inspeções, alterações, sistema de
distribuição controlada, dentre outros, afetavam a capacidade das produtoras de
competir no Japão. Além disso, era difícil modificar os carros americanos ao mercado
japonês e o sistema de venda era diferente, marcado pela existência de
concessionárias para cada companhia, fazendo com que fosse muitas vezes inviável
comercializar apenas carros americanos.
Ainda assim, a partir de junho de 1994, Clinton aparentava perseguir uma nova
estratégia em relação ao Japão. As negociações envolvendo a abertura do mercado
japonês de automóveis, peças automotivas, telecomunicações, equipamento médico e
seguros passaria a ser perseguido de maneira gradual, ao invés da abordagem de
estilo “tudo ou nada” empregado pelo governo anteriormente. Isso aconteceu por
conta principalmente da ineficiência dos oficiais em convencer o Japão a abrir seu
mercado, mesmo através de um posicionamento mais assertivo, com ameaças de
sanções e mesmo com a reativação da Super 301, que teve o objetivo claro de enviar
um sinal para o governo japonês de que medidas unilaterais ainda mais agressivas
seriam tomadas caso não houvesse abertura e cumprimento de cotas estabelecidas.
Além disso, outras questões pesaram na decisão de Clinton de mudar seu
posicionamento, aderindo aos avisos do Departamento do Tesouro: 1) o Japão havia
tido três primeiros-ministros num período de doze meses, o que aponta para a falta de
capital político para implementar reformas ao estilo das exigidas pelos Estados
Unidos, principalmente se levarmos em conta o grau de conservadorismo da
burocracia japonesa, que oferecia grande contrapeso às preferências presidenciais e o
próprio modelo parlamentarista existente no Japão; 2) a tática norte-americana de
17
“enquadrar” o Japão havia conquistado Main Street, mas atraído severas críticas de
Wall Street, que observava constantes quedas do dólar e aumento das taxas de juros
após cada acordo mal sucedido com o Japão6; 3) à época, o impasse nuclear
envolvendo a Coreia do Norte fez mover o pêndulo a favor da manutenção de relações
as mais saudáveis possíveis com o Japão; e 4) muitos dentro do governo acreditavam
que a tática em relação ao Japão era uma perda de tempo e energia e que seria muito
melhor estimular o governo japonês a aprovar um pacote de estímulo à economia em
queda e de cortes de impostos como forma de estimular a demanda de produtos
importados.
Ainda assim, ameaças constantes de retaliação foram vociferadas, com
ameaças de emprego da Seção 301 para punir o Japão. Ameaças continuaram
durante tudo o ano de 1994, com exigências de que os japoneses comprassem US$
40 milhões em automóveis. Frente, entretanto aos parcos resultados, à recessão
japonesa, às novas possibilidades anunciadas pelo crescimento dos países latinoamericanos e do leste asiático, e pelo desejo do Chile em fazer parte do NAFTA,
passou-se a notar uma certa mudança ênfase por parte das indústrias norteamericanas.
Essa aparente mudança, entretanto, não se comprovou na prática. Essa nova
abordagem deu um passo atrás quando as negociações no início de abril de 1995 não
obtiveram resultado positivo na busca de um “plano voluntário” de exportação por
parte dos japoneses (NYT, 18/05/1995). Dessa forma, no decorrer de 1995 as difíceis
negociações com o Japão voltaram à tona, quando novas negociações relacionadas à
venda de peças de automóveis àquele país criaram ameaças de sanções por parte
dos EUA. As concessões exigidas por parte dos oficiais norte-americanos remontavam
a até 60% do déficit comercial entre os países no comércio de automóveis.
Interessante observar, entretanto, que apesar das negociações, duas grandes
empresas americanas, a Chrysler Corp. e a General Motors Corp. reclamaram que o
problema não era tanto o acesso ao mercado japonês, mas sim o alto preço dos
imóveis japoneses. Para muitos oficiais, no entanto, a abertura do mercado japonês
seria uma mensagem a ser passada aos novos mercados emergentes, foco da
administração de Clinton, e que usaram o modelo de desenvolvimento japonês dos
anos 50 e 60 como exemplo. Também ajudaria a vender o livre-comércio dentro de
casa. Para Clinton, a pressão sobre os japoneses passava a mensagem de que sua
6
Os Estados Unidos sinalizou por diversas vezes que utilizaria a taxa de câmbio para punir o
Japão por sua falta de interesse em abrir seu mercado. O governo, além disso, mantinha uma
posição de “negligência benigna” em relação ao yen.
18
administração não era uma busca ingênua do livre-comércio, tanto para os
Democratas quanto para os Republicanos.
A busca de uma ação mais assertiva por parte de Clinton para se diferenciar de
seus antecessores foi demonstrada pelas possíveis sanções sobre os japoneses
através do aumento de até 100% de impostos sobre as linhas Lexus, da Toyota, Acura
Legend, da Honda e Infiniti da Nissan. A United Automobile Workers e as maiores
empresas de automóveis dos EUA se posicionaram de maneira favorável, enquanto a
National Automobile Dealers Association se posicionou de forma contrária. Ainda
assim, as perspectivas de Clinton eram boas pois agradavam os representantes dos
estados de Michigan, Missouri e Ohio e que poderiam contribuir para as chances de
reeleição do Presidente. Esses três estados haviam escolhido senadores republicanos
durante a eleição de 1994 e Clinton estava disposto a reverter essa tendência
partidária nas eleições de 1996.
As sanções só passariam a ser aplicadas a partir de 28 de junho de 1995, um
mês depois de seu anúncio por parte do representante comercial Mickey Kantor. Isso
dava tempo para a negociação de um compromisso entre Estados Unidos e Japão,
colocando uma pressão imensa sobre o país asiático em favor de concessões.
Interessante notar, entretanto, que os ganhos não contribuiriam tanto para a
diminuição do déficit dos EUA. Mas o pensamento revisionista com relação ao Japão
se instaurou de tal modo que as sanções de tornaram o modelo mais viável para
manter a popularidade por parte de Clinton.
Em 28 de junho de 1995, EUA e Japão entraram num acordo em relação à
venda de automóveis americanos no país asiático, acordo este que esteve muito
aquém dos objetivos norte-americanos, mas que significou uma vitória da
administração de qualquer forma. O compromisso, apesar de buscar melhorar o
acesso ao mercado japonês, é vago em relação às suas disposições e não oferecia
uma base clara para o cumprimento dos objetivos de Clinton, tais quais expressos em
sua campanha presidencial. Através do compromisso, prometia-se alterar o sistema de
regulatório japonês, que auxiliaria no mercado de peças automotivas, aumentar-se-ia o
número de concessionárias negociando automóveis americanos. O acordo, no geral,
não resultou em números precisos para servir de base para avaliação do governo
norte-americano, tal qual previa Mickey Kantor.
Apesar da popularidade das medidas contra o Japão, a burocracia não tinha
uma visão única em relação a essas políticas. Interessante observar que um dia após
o subsecretário do comércio Jeffrey Garten ter afirmado que a administração “gostaria
de observar um novo tipo de relacionamento com o Japão”, Laura Tyson rapidamente
rebateu afirmando que “não estava havendo quaisquer mudanças”, acusando Jeffrey
19
Garten de ser uma “voz dissonante” (NYT, 02/08/1995). Além disso, com o
Departamento do Tesouro e do Comércio por vezes dando indícios de se afastar
gradualmente das posições mais assertivas em relação ao Japão e pela progressiva
fragilidade da economia japonesa, foi possível notar momentos de maior ou menor
engajamento. Da mesma forma, o oficial do Departamento do Tesouro Roger Altman
exercia cada vez maior influência sobre o próprio Jeffrey Garten, e sobre Browman
Cutter para que acordos menos estritos fossem fechados com o Japão.
Apresar das negociações com o Japão serem organizadas pelo Executivo, o
Congresso teve ampla participação nas discussões e tinha interesse nos seus
resultados. O ativismo do legislativo pode ser notado através da introdução da Fair
Trade in Financial Services Act de 1993, que ligava maior acesso dos japoneses ao
mercado de serviços dos EUA à maior penetração desses serviços no mercado
japonês. Assim, apesar de não haver dificuldades no nível do Congresso, as
preferências divergentes das instituições norte-americanas exerceram influência no
processo de formação da política dos EUA para o Japão, mas não chegaram nem
próximos de provocar entraves no processo, se encaixando entre o quadrante I e III do
Quadro 2.
ANÁLISE DE CASO: A RENOVAÇÃO DO FAST-TRACK (1997)
O NAFTA trouxe a discussão teóricas e abstratas sobre política comercial para
um reino mais concreto e compreensível. Além disso, a polarização do debate
envolvendo esse acordo serviu de base para as dificuldades para aprovação do fasttrack. Muitos dos grupos que antes haviam se posicionado de forma mais tímida em
relação ao NAFTA ou que o apoiaram, como certos grupos ambientais e mesmo os
sindicatos no início de 1993, observaram o fast-track como um “referendo” em relação
ao NAFTA. Alguns grupos moderados deram menos importância para as questões de
comércio internacional, enquanto outros, que apoiaram o NAFTA, se voltaram contra o
fast-track, acreditando nos resultados negativos da liberalização comercial. Grupos
como o WWF notaram que os acordos suplementares no NAFTA não haviam
cumprido suas promessas. Não só em relação a acordos regionais, mas mesmo no
que tange a OMC, os grupos ambientais passaram a se mostrar mais receosos em
relação à liberalização comercial.
Para o AFL-CIO, o fast-track, sendo uma maneira de evitar que o Congresso
participasse do processo de formulação de política comercial, alijava os interesses dos
sindicatos do processo decisório. Por isso, negar apoio ao fast-track era também uma
forma de manter maior participação sobre as decisões tomadas pelo governo em
20
termos de política comercial. Para esses grupos, os argumentos utilizados para fazer
oposição ao fast-track eram os mesmos daqueles utilizados para fazer oposição ao
NAFTA.
Os grupos que eram a favor do comércio justo afirmavam que o fast-track dava
acesso privilegiado às corporações na criação de leis de livre-comércio porque, apesar
de não dar espaço à votação de emendas por parte do Congresso, não alterava de
forma alguma a operação dos trade advisory committees, permitindo a presença de
500 lobistas de grandes corporações com capacidade de influenciar as posições do
USTR. Tendo em conta a experiência do NAFTA, os grupos favoráveis ao “comércio
justo” começaram sua mobilização contra o fast-track meses antes das associações
empresariais e mantiveram suas operações até as semanas finais antes da votação.
Através da mobilização pública e da quantidade de informação produzida para
convencer o Congresso, conseguiu-se que os representantes considerassem o lado
do “comércio justo” como o lado progressivo do debate. Além disso, a partir de 1996,
os Democratas passaram a depender cada vez mais do PAC dos sindicatos, pois as
empresas haviam transferido grande parte de suas contribuições para o Partido
Republicano. A polarização entre grandes empresas e grupos sindicais/ambientais
dificultava cada vez mais a negociação de concessões por parte do Executivo.
Tal qual para os defensores do livre-comércio no governo, as associações
empresarias acreditavam que a não-aprovação do fast-track comprometeria a
liderança mundial dos EUA em comércio. Defendiam que assuntos relativos a direitos
trabalhistas e ambientais fossem levados para a OMC. Entretanto, a mobilização do
tipo grassroots dos grupos empresariais era mais frágil do que a dos sindicatos e
quatro anos após a aprovação do NAFTA era mais difícil vender os méritos da
liberalização comercial. Para Destler (2005) e Cohen (2003), as grandes empresas
não participaram de forma ativa da renovação do fast-track. Para Destler (2005, p.
251) isso ocorreu porque esses grupos já haviam alcançado a maioria dos ganhos que
a liberalização lhes poderia oferecer, liberando-os para se dedicarem a outras
questões. Além disso, não parecia haver um senso de urgência para a aprovação do
fast-track, uma vez que não havia uma negociação em especial que dependia da
aprovação do instrumento. A exceção talvez fosse a Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA), mas sua negociação ainda estava amadurecendo quando o
Presidente propôs a renovação do fast-track em 1997.
Além do mais, o presidente parecia muito ocupado com questões voltadas à
segurança internacional. As análises realistas de Stephen Walt (2000) e Gilpin (2004)
mostram que Clinton estava partindo do idealismo para a realpolitik e que questões de
segurança se tornaram mais proeminentes em seu segundo mandato. Os
21
neorrealistas seguem a lógica de que a posição internacional dos Estados Unidos do
Sistema Internacional determina a sua política externa e que não haveria espaço,
dessa forma, para uma ação de baixo perfil e focada em questões comerciais e
normativas durante todo o governo. Em paralelo, a polarização da política comercial
fez com que fosse cada vez mais difícil para Clinton oferecer concessões e barganhar
com os adversários políticos.
Assim, o USTR se encontrou sem o lobby presidencial. Charlene Barshefsky,
representante de comércio dos EUA durante o segundo mandato do governo Clinton,
tentou insistentemente desligar o fast-track do debate ao redor do NAFTA e sublinhou
que a liderança dos EUA dependia da aprovação da instrumento. “O fast-track não é
sobre o NAFTA [...] O fast-track é e deve ser sobre nossa habilidade de conduzir uma
política comercial global, para avançar nossos interesses comerciais e nos manter
como líderes mundiais” (BARSHEFSKY, 1997, p, 24, tradução nossa). A “gestão e
coordenação inadequada do processo de formulação de políticas públicas” foi
considerada responsável pelos entraves, segundo a administração (DOLAN, 2002, p.
324), mas a verdade é que, naquele momento, a política comercial não era vista pelos
grupos sociais como parte da solução, senão como parte do problema.
As dificuldades envolvendo a aprovação do fast-track estiveram além das
próprias dificuldades envolvendo a negociação do NAFTA. Diferentemente daquele
acordo, em 1997 o governo estava dividido e os republicanos buscavam da forma
mais eficiente o possível barrar quaisquer possibilidades de novas vitórias por parte de
Clinton. Com a atenção do Presidente voltada para outros aspectos, seu importante
papel como lobista a favor do fast-track foi prejudicado. Apesar de o modelo da
“presidência liberal ‘pura’” (Figura 1) prever apoio dos republicanos às medidas do
presidente, essa possibilidade foi afastada pela dinâmica da política partidária. Além
do mais, o próprio partido Democrata não era, em sua maioria, favorável ao fast-track.
Assim, tal qual disposto do quadrante II do quadro 2, haveria maior possibilidade de
entrave, necessidade de acomodação às demandas da oposição, e amplos recursos
para atingir o consenso, algo não disponível à época.
CONCLUSÕES
Apesar de no longo prazo os EUA serem favoráveis a políticas de liberalização
comercial, no curto prazo, os diferentes interesses dos atores domésticos criam
empecilhos para a aprovação de políticas de livre-comércio. Essa característica já foi
analisada por Gibson (2000), que observou a existência de “conflitos dentro do
consenso” na política comercial dos EUA. Este artigo analisou três casos para mostrar
22
os constrangimentos domésticas à política comercial dos EUA: a aprovação do
NAFTA, relações comerciais com o Japão e dificuldades na aprovação do fast-track.
Foi possível notar que a divisão dentro do Executivo não teve tanta importância
para as dificuldades do governo no caso do NAFTA e do fast-track, mas foi importante
para a determinar quais táticas seriam empregadas no caso das relações com o
Japão. O Congresso e a sociedade civil estava de acordo com um posicionamento
mais assertivo, mas em certos momentos dentro do Executivo a divisão entre
apoiadores de táticas mais ou menos duras por vezes causou certa incoerência e
incompatibilidade de informações, mas em nenhum momento parece ter ameaçado a
estratégia do governo. Mais desafiadores foram os momentos em que havia grande
divisão dentro do Congresso, cuja dinâmica exigiu amplos recursos do governo e dos
grupos de interesse pró-livre comércio para evitar entraves e passar novas leis de
liberalização comercial. Isso, em consonância com o aumento do poder de barganha
dos grupos anti-livre comércio, tornou extremamente difícil a aprovação de novas
medidas.
Um dos aspectos mais relevantes para as dificuldades para aprovação de
política comercial no período diz respeito à coalizão entre sindicalistas e grupos
ambientais, algo então relativamente novo visto que estes grupos por diversas vezes
apresentam opiniões divergentes senão irreconciliáveis em termos de política
comercial. Essa união de forças constitui, para Deslter e Balint (1999), um nova
política de comercio, mas acreditamos que não está claro se houve de fato uma
alteração do “consenso” existente até então. Questões éticas e ambientais são
constantemente trazidas para o debate, mas mesmo hoje talvez seja cedo para dizer
se essa prática se institucionalizou e se tornou parte da estrutura de política comercial
dos EUA. É necessário lembrar que outros aspectos também influenciaram os
entraves à política comercial, como a polarização do Congresso, que apenas
parcialmente refletem a polarização do próprio eleitorado.
Os casos analisados mostram de maneira inequívoca a importância da análise
das preferências domésticas, das instituições de política comercial e da política de
formação de coalizões entre as unidades de decisão, propondo um quadro analítico
capaz de mesclar esses aspectos. Esse quadro serve como guia para a análise, mas
não é capaz de fornecer generalizações teóricas mas é útil ao empregar explicações
distintas em um único quadro (Quadro 2). Através desses aspectos teóricos e dos
estudos de caso, foi possível notar a dificuldade de Clinton em formar coalizões no
âmbito da política comercial e também ilustrar a tentativa do Presidente em “triangular”
preferências distintas.
23
Ao fim, para Clinton a busca do centro do espectro político e a criação de
novas instituições de coordenação (NEC) se mostraram importantes mas não
suficientes para de fato diminuir a possibilidade de entrave ao invés de compromisso
da política comercial norte-americana. A necessidade de recursos políticos e
financeiros para a promoção de uma coalização vencedora para a política comercial
se elevou conforme o governo caminhava para o quadrante II do Quadro 2. Esses
recursos não estavam sempre disponíveis para o grupo pró-liberalização (no caso do
fast-track o presidente estava mais atento a outros aspectos e os empresários não se
mobilizaram com tamanho empenho para dar suporte ao governo) e atingiram
fortemente a capacidade do governo de construir coalizões favoráveis à liberalização
comercial.
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WSJ – THE WALL STREET
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