O psiquiatra - Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca
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O psiquiatra - Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca
Expresso 05122009 Periodicidade: Semanal Temática: Saúde Classe: Informação Geral Dimensão: 835 Âmbito: Nacional Imagem: S/Cor Tiragem: 167000 Página (s): 26 Amadora Sintra Quatro equipas da Psiquiatria tratam 10 mil doentes em casa e na comunidade nossa área explica Graça Cardoso di rectora do serviço de Psiquiatria Cristina estava doente há dez anos quando finalmente soube o que tinha O psiquiatra vem a casa Passou os em sucessivos internamen tos no Hospital Júlio de Matos por recu sar os antipsicóticos que a sedavam e lhe davam tremores A equipa da Ama dora ajudou a a reerguer se Passou por mais um internamento em pleno surto de psicose esquizofrénica mas depois tudo passou a fazer sentido afi nal as sombras que lhe batiam que lhe cortavam os braços e as pernas e que a baleavam a televisão que falava sem pre dela mesmo quando estava apaga da as vozes que lhe davam ideias de morte e a fizeram olhar para o abismo num viaduto da CREL afinal eram alu cinações os seus medos projectados Na comunidade as unidades do HFF Institucionalização só em último recurso seguem cerca de 10 mil processos na maioria depressões graves perturba ções bipolares e esquizofrenias E só ficam com os casos graves Com o gran de número de doenças depressivas os mais ligeiros são seguidos pelos médi cos de família atesta Graça Cardoso Os fármacos actuais permitem ter os doentes mentais em casa integrados na sociedade mas é preciso que a toma se faça certinha A doença mental é avessa a tratamentos põe na cabeça de quem a possui o que não existe E mui tos doentes mentais abusam do álcool ou de drogas e podem recair mais facil Texto RAQUEL MOLEIRO Fotografia ANTÓNIO PEDRO FERREIRA Cristina mora com adehl15ifanos nos arre quiatra Mário Borrego no Centro de mente É aí que se tornam vitais as visi Saúde da Amadora onde está sediada tas domiciliárias Uma vez por mês os utentes que exigem maior vigilância por desorganização prostração ou fo bia social são visitados em casa para administração de um injectável dura douro Mesmo que falhe a medicação diária evita se que descompensem Nos domicílios os técnicos fazem tam bém avaliações e psicoterapia Ou só conversam Há até quem só queira be ber uma bica no café no bairro para que os vizinhos percam o medo dele para que vejam que está a ser tratado Nunca se pode deixar um doente en tregue à sua patologia Se ficarmos sen tados à espera que nos procurem cor remos o risco de os perder explica Graça Cardoso A falta a uma consulta é sempre um sinal de alarme E depois a casa fala pelo doente A casa mostra a organização psíquica da pessoa Há quem escreva frases nas paredes quem a unidade comunitária da zona O diag nóstico foi há 13 anos tantos quantos tem o Hospital Fernando da Fonseca lar é mãe sozinha faz HFF vulgo Amadora Sintra Quando abriu o serviço de Psiquiatria integrou desde logo quatro Unidades Funcio nais Comunitárias externas ao hospi voluntariado numa bi tal na Amadora Brandoa Damaia e blioteca pública e é pintora Aos 38 anos Queluz Cada uma é composta por dois psiquiatras dois enfermeiros psicólo ga e uma assistente social que fazem visitas domiciliárias consultas de aten dimento e enfermagem acompanha mento de emprego e apoio às famílias dores da Amadora É dona e senhora do seu tem uma vida cheia e sob controlo e isso dá lhe uma força que nunca teve em mais de duas déca das de esquizofrenia É difícil di zer lhe como era antes de ser acompa nhada pela equipa comunitária da Ama dora Vivia num mundo perdido sem pre apavorada Era como se estivesse constantemente a afogar me a água to da à volta e só me ouvia a mim Nunca ninguém me tinha dito que o meu ter ror tinha um nome É esquizofrenia explicou lhe o psi dos doentes Para o hospital só vão os casos real mente graves e aí os internamentos querem se curtos A solução não é fe char as pessoas com doenças mentais mas integrá las recuperá las num meio o menos restritivo possível São uma minoria os casos que exigem insti tucionalização Não são mais de 60 na viva em casas vazias outros rodeados de lixo quem tenha a luz cortada ex plica Teresa Maia coordenadora da Unidade Comunitária da Damaia Co mo aquele senhor obsessivo compulsi vo que tudo recolhe A casa está a abar rotar a banheira cheia de tralha a ca ma quase toda tomada por livros Já não há espaço para ele Depois de anos de vigilância aperta da recuperação de competências e te rapia ocupacional Cristina deu alta a si própria Já não recebe visitas do hospi tal Mantém apenas a psicoterapia a medicação e o vício nervoso dos cigar ros fumados em catadupa A sua casa está sempre imaculada É como a sua vida organizada ao segundo visto causa ansiedade O impre conta Todos os dias às oito da noite a pinto ra põe a casa em descanso Apaga as luzes toma a medicação para a esquizo frenia e deixa se levar por uma profun da sonolência O silêncio só é cortado pelo som baixinho do rádio sintonizado numa estação lamechas qualquer Não me interessa a música só não que ro ter alucinações Não quero ouvir na da que a minha cabeça transforme em vozes Apesar da doença estar contro lada esta mulher continua com medo do silêncio Não foi assim há tanto tem po que o relógio da cozinha de meca nismo barulhento a ameaçava de mor te fazia tic tac tic tac e ela ouvia vou te matar vou te matar