Preservação, identificação e percepção quanto ao emprego das

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Preservação, identificação e percepção quanto ao emprego das
CATS 2012 – Congresso de Arquitetura, Turismo e Sustentabilidade
PRESERVAÇÃO, IDENTIFICAÇÃO E PERCEPÇÃO QUANTO AO EMPREGO DAS
ALVENARIAS TRADICIONAIS EM SÃO JOÃO DEL-REI/MG
Lívia Ferreira MARTINS
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo –
Universidade Federal de São João del-Rei –
[email protected]
Mateus de Carvalho MARTIN
Professor Adjunto do Curso de Arquitetura e
Urbanismo – Universidade Federal de São João delRei – [email protected]
Gabriela Luiza Viana MENDES
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo –
Universidade Federal de São João del-Rei –
[email protected]
Nathália Santos MENEZES
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo –
Universidade Federal de São João del-Rei –
[email protected]
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Palavras-chave: Alvenaria Histórica, Técnica Tradicional, Preservação, Patrimônio
Histórico.
Resumen:
Utilizados en diversas partes del mundo y con orígenes milenario, las técnicas
tradicionales de mampostería se elaboran sobre la base de tierra y piedra. Éstas tienen
una gran diversidad de tipos que se seleccionan sobre la base de la disponibilidad de
materiales y recursos que se encuentran en cada región.
La coexistencia de las técnicas de construcción tradicionales y las técnicas industrializadas,
traen grandes problemas para las localidades consolidadas en el siglo XVII. El propósito de
este trabajo se parte del estudio en São João del Rei, que se originó en el período del ciclo
de oro que presenta un gran callejón sin salida con respecto a La transmisión de técnicas
tradicionales, la preservación del patrimônio construido, la relación y la percepción de la
comunidad con estos vernaculares de mampostería.
Por lo tanto nuestro objetivo fue actuar em la difusión del conocimiento acerca de la
arquitectura vernácula con un enfoque em la identificación de los distintos tipos de
mampostería em la ubicación actual. El análisis de lós materiales utilizados, los métodos
de construcción empleados y darse cuenta de la contribución de estas técnicas a la
sociedad, para discutir las posibles intervenciones que se pueden realizar con el fin de su
preservación y llevar al público y la comunidad acadêmica una herramienta para estudiar
que traerá resultados notables para los estudiantes, administradores públicos y são
joanenses principalmente.
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1. Introdução
Mesmo com o passar dos tempos o patrimônio continua sendo um tema
recorrente. Claro que nesse período houve grandes mudanças referentes a lógica de
salvaguarda, preservação e até mesmo da intitulação do que realmente podemos validar
como patrimônio. Trata-se de um tema polêmico e instigante, onde é preciso um apurado
olhar crítico e sensível pra definir a melhor maneira de intervir em uma edificação préexistente.
Os sistemas construtivos em terra crua são empregados desde os tempos mais
remotos de nossa civilização. Vestígios indicam que povos nasceram e ruíram sem que
este material caísse em desuso. E ainda na atualidade esse saber ancestral continua
sendo desenvolvido e transmitido por meio da oralidade. No Brasil, essas técnicas foram
introduzidas durante os séculos XVI, XVII e XVIII pelos colonizadores portugueses. Assim
as localidades originadas no período aurífero absorveram esses conhecimentos e erigiram
suas edificações.
Inúmeros são os benefícios que estão associados ao emprego de técnicas desse
feitio, quebrando falsos conceitos, principalmente com as alvenarias em terra crua, a qual
estabeleceram consensos afirmando que são insalubres. Na verdade trata-se de um
material não tóxico que pode ser usado por indivíduos de qualquer faixa etária,
garantindo o equilíbrio ecológico.
Consolidada em meados do século XVIII, São João del-Rei, apresenta um
significativo patrimônio histórico edificado construído com base em alvenarias de terra
crua e pedra. O atual panorama da localidade, em termos arquitetônicos, direcionaram
para a necessidade de reflexões que conduzem ao entendimento da relação da
comunidade com as técnicas tradicionais.
O presente estudo é fruto de um trabalho interdisciplinar, que gerou um Estudo
de Caso sobre o emprego das alvenarias históricas no município de São João del-Rei,
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sendo desenvolvido por meio do levantamento, interpretação e análise crítica de dados e
informações dos ambientes internos e externos, realizado por extensionistas do
Programa de Extensão Saberes da Terra, pertencente a Universidade Federal de São João
del-Rei.
Neste tivemos a oportunidade de levantar tanto informações técnicas a respeito
do emprego das alvenarias históricas e seus tipos em São João del-Rei como também
visualizar a convivência dessas técnicas construtivas na atualidade com os avanços que
foram lançados pela construção civil. Vale lembrar que dentro desse universo esbarramos
na visão da comunidade referente à preservação, conservação e a produção e empregos
das técnicas tradicionais em tempos contemporâneos.
2. Metodologia
Optamos por uma investigação que utilizasse três métodos: levantamentos de
gabinete, pesquisa de percepção com a comunidade e entrevistas direcionadas a
indivíduos, instituições publicas e privadas partícipes desse meio. O objetivo dessa divisão
é buscar compreender, por meio de bibliografias, dados quantitativos e personalidades
“chaves” das técnicas encontradas em São João del-Rei, mantenimento das mesmas,
preservação do patrimônio histórico edificado e ainda fatos que direcionam para a
aceitação da construção em terra crua e pedra.
No primeiro momento, estudamos autores que desenvolveram publicações a
cerca dos sistemas construtivos em terra crua e em pedra, vendo questões que pudessem
obter um panorama geral e atual desse tipo de arquitetura de forma macro, micro e a
regional. Nas entrevistas de percepção, tendo em vista o universo a ser trabalhado,
desenvolvemos questionário estruturado com apenas uma pergunta aberta, sendo todas
as demais fechadas. Aderimos a esse método por ser rápido, simples e de menor custo. A
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partir daí realizamos a tabulação das variáveis, levando em consideração todos os
aspectos relacionados ao tema e aos objetivos propostos.
A pesquisa com a comunidade visava à exploração de diversas formas de
informações como conhecimento sobre os tipos de alvenarias, existência de construções
com esses saberes na localidade, viabilidade de construções nesses moldes, entre outros.
Aplicamos no total uma quantidade de 398 questionários na cidade de São João del-Rei
em distinto pontos, que segundo a tabela H. Arkin/R. Colton é um número que permite
uma margem de erro de 5%, sendo a população de São João del-Rei composta por 84.469
habitantes (IBGE, 2010).
Como a entrevista se dá em campo, os entrevistados foram escolhidos
aleatoriamente, não separando grupos de sexo, idade (amostragem probabilística
estratificada); não dividindo por áreas (amostragem probabilística por conglomerados);
não ordenando a população (amostragem probabilística sistêmica). A amostragem
utilizada foi aleatória simples.
As alvenarias em terra crua e pedra são elementos que estão presentes na
tradição cultural do país, participando do processo de consolidação das nossas cidades,
quando ainda eram pequenas vilas. Portanto, carregam grande carga histórico-cultural,
permitindo que estudos relacionados a esse tema não sejam embasados apenas em
dados quantitativos, realizados por meio de estatística. A riqueza de detalhes que abarca
esse tema merece ser vista de maneira mais aprofundada incluindo fatos relacionados a
tradição oral.
Existem questionamentos quanto à validação da história oral, porém é
interessante observarmos que em alguns estudos, os registros documentais se tornam
insuficientes para gerir um material de qualidade, requerendo um diálogo com outros
tipos de percepção que podemos classificar como orais. Ainda o verbal pode apresentar
resultados que venham a confirmar e enriquecer o documental, ou mesmo gerar
questionamentos. Por isso, optamos em uma das nossas modalidades fazer uso dessa
interessante ferramenta. As informações obtidas por meio desse processo serão
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comparadas àquelas alcançadas nas pesquisas bibliográficas e de percepção com
comunidade, desenvolvidas na primeira e segunda fase do trabalho.
Assim nessa fase da pesquisa, tentamos obter resposta espontânea, que
revelassem as visões sobre o tema, de maneira intuitiva e sensível. Desta forma, aderimos
a entrevistas semi-estruturadas e abertas, onde as perguntas serviram apenas como
elemento norteador no diálogo, não sendo necessário que fossem respondidas.
3. Desenvolvimento
3.1. Fundamentação e Caracterização
Etimologicamente, a palavra alvenaria deriva-se do termo alvanel ou alvenel, tendo
como significado pedreiro de alvenaria. Em linhas gerais as alvenarias podem ser
definidas como paredes, muros ou alicerces compostos de pedra, tijolos ou bloco de
concreto sendo ou não ligados por argamassa. Ao associarmos a palavra alvenarias ao
termo histórico, estamos fazendo uma exposição cronológica, abrindo para a existência
de técnicas remotas.
Os primeiros tipos de alvenarias encontradas estão ligados a materiais como a terra
e a pedra, porém esses elementos não se retrigiram a uma época específica,
atravessando séculos e culturas distintas. Em praticamente quase todos os países com
clima seco apropriaram de métodos que utilizassem a terra como base para o erguimento
de construções. Outro motivo que propiciou tal uso foi a abundância e a facilidade de
extração.
Segundo Minke (2008), as técnicas em construção de terra datam de
aproximadamente 9000 anos, abrangendo diferentes partes do mundo. Tanto no oriente
como no ocidente é possível verificar a aplicação em civilizações milenares. Praticamente
todas as culturas antigas as utilizaram para construção de casas, fortalezas e obras
religiosas. Povos tais como os assírios, egípcios, marroquinos, dinastias chinesas, maias
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dentre outras das civilizações pré-colombianas são exemplos vivos de como são eficazes,
derrubando falsos conceitos que intitulam essas técnicas como vulneráveis.
“... abóbodas do templo mortuário de Ramses II, em Gourna, Egito,
construído com adobes há mais de 3000 anos. A cidade de Arge Bam,
no Irán tem parte de suas construções com 2500 anos de antiguidade.
Também em Marrocos, no vale de Draa existem cidades fortificadas
construídas de terra no século XVIII.” “A Muralha da China foi
construída há 4000 anos inicialmente quase toda com terra Apisionada
(Taipal) e posteriormente foi revestida com pedras naturais e ladrillos“.
MINKE, 2008
O uso de técnicas desse feitio no Brasil está associada, em grande parte, com a
colonização portuguesa. Ao contrário das pré-colombianas que dominavam técnicas com
barro e pedra, relatos direcionam para a falta de conhecimento dos indígenas em
território brasileiro, a respeito de técnicas desses moldes, sendo certo que as habitações
eram erguidas a bases de madeira e palha.
A presença dos colonizadores transformou por completo toda a lógica de
ocupação espacial dos indígenas, uma vez que houveram profundas transformações no
espaço doméstico e na propriedade privada do solo, assim o sistema construtivo também
passou por modificações. Não se tratou apenas da implantação de novos modelos, a
mestiçagem ocorreu de forma que houvesse a participação de ambas as partes,
proporcionando soluções arquitetônicas e urbanas mútuas. A tradicional casa de taipa
europeia retangular e fragmentada vira um espaço com menos repartições e recebe o
telhado de palha, assim como as habitações indígenas.
As primeiras construções eram elaboradas a base de taipa de pilão e madeira,
sendo pertencentes à camada dirigente da época, enquanto classes menos favorecidas
construíam com taipa de mão e pau-a-pique, tendo cobertura de sapé, piaçava ou palha.
A entrada das primeiras bandeiras de prospecção mineral no território mineiro foi
responsável pelo surgimento e desenvolvimento das vilas. A procura por riquezas tornou
a região aurífera um alvo de cobiça por muitos indivíduos de várias partes do Brasil. Esse
fato foi um dos grandes marcos da história no período colonial brasileiro, o que
proporcionou uma nova fonte de renda a Coroa Portuguesa e ampliou a ocupação
territorial da colônia. Nesse contexto, as cidades mineiras foram sendo erigidas.
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“A mistura é de toda condição de pessoas: homens e mulheres; moços e
velhos; pobres e ricos; nobres e plebeus; seculares, clérigos e religiosos
de diversos institutos, muitos dos quais no Brasil não têm, no Brasil,
convento nem casa” (ANTONIL. Cultura e opulência do Brasil por suas
drogas e minas, 1711. Apud HOLANDA, 2001).
A escolha do sistema construtivo a ser utilizado e, consequentemente, os tipos de
materiais empregados dependiam de alguns fatores, dentre eles a disponibilidade dos
materiais necessários para a execução da obra na região, a qualidade da mão-de-obra
disponível, as técnicas construtivas conhecidas, os meios de transporte que se
encontravam a disposição, além do custo e tempo previsto para a obra.
Por esses motivos é possível observar em determinadas regiões a predominância
de tipo sistema construtivo específico, pois a população procurava facilidade e
praticidade na construção, adotando assim, técnicas já conhecidas e testadas, com a
abundância de matérias-primas disponíveis no local.
Em Minas Gerais, as alvenarias em adobe, pau-a-pique e taipa de pilão se
destacaram entre as técnicas em terra crua, principalmente na confecção de moradias.
Essas alvenarias utilizam o barro como principal elemento, e dependendo de cada técnica
podem ser acrescidos palha, estrume, areia e madeira como elemento de sustentação.
3.2. Contextualização
Herdamos hábitos, credos, valores, feitios, iguarias, gostos e outros conhecimentos
de nossos antepassados. Não somos iguais a eles, mas somos o reflexo deles somados a
outras estimas. Compreender o meio cultural em que vivemos é uma questão de
identidade.
“...testemunham materialmente a cultura humana e são importantes
tanto para o conhecimento da história das civilizações como para os
povos contemporâneos possam ver seu passado refletido nesses objetos
e construir sua identidade” (CALDEIRA, 2006).
Deve-se conservar algo não apenas pelo fato de ser antigo, mas pelo sentimento
de pertencimento de uma sociedade que está impregnado nele. De forma ampla,
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conservar significa desenvolver ações que atuem na manutenção, garantindo a
integridade do bem.
Conservar é zelar e isso inclui a conciliação de medidas que preservam técnicas
antigas e agreguem novos. Até mesmo o restauro de bens integrados tem em seus
preceitos, a distinguibilidade da obra inicial para a atual. Não é permitido cópias.
Uma análise pelos diferentes períodos, fases e distintas civilização nos mostra
apontamentos que desde os tempos remotos a humanidade já apresentava constante
preocupação com a preservação de bens culturais. Na idade antiga, na idade média, nos
séculos XVII, XVIII é possível encontrar apontamentos de tal fato. As inúmeras
descobertas encontradas em 1738 em Pompeia/Itália e das tumbas egípcias serviram
como subsídio para a criação de uma série de museus na Inglaterra, França e Alemanha.
O surgimento de espaços desse feitio trouxe diversos benefícios para o meio da
conservação, gerando a universalização do acesso aos bens culturais, e a eminente
necessidade de manutenção física das peças que seriam expostos nesse locais.
As Revoluções Francesa e Industrial também foram importantes para a produção
de novos conceitos referente ao bem cultural. Com o lema Igualdade, liberdade e
fraternidade, a Revolução Francesa inicia-se uma nova concepção a cerca da noção de
patrimônio público, enquanto as grandes mudanças políticas e econômicas ocasionadas
pela Revolução Industrial possibilitaram a ascensão da burguesia, favorecendo a entrada
de classes que até então não eram partícipes do universo cultural. Além de propiciar o
enriquecimento cultural houve nesse período grande aprimoramento das técnicas de
restauração e conservação, e começaram a vislumbrar de forma embrionária a
conservação preventiva.
Na França e na Inglaterra surgem os primeiros personagens responsáveis pela
construção dos pensamentos a cerca da questão patrimonial. Apesar dos teóricos desses
países apresentarem idéias distintas, foram responsáveis pelo amadurecimento desse
debate. Um exemplo nítido deste é a influencia dos pensamentos dos teóricos Jonh
Ruskin, Viollet Le-Duc e Camilo Boito.
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O advento da 1° Guerra Mundial trouxe mudanças de pensamento quanto a visão
patrimonial, influenciadas pela destruição provocada pelo conflito bélico, abrindo o
campo de visão que se apresentava bastante restrito, uma vez que não era levado em
consideração nenhum precedente, almejava-se apenas prejudicar de todas as maneiras
possíveis a sociedade opositora. Os estragos ainda maiores ocasionados pela 2° Guerra
Mundial foram cruciais para sensibilizar a sociedade, quanto a perdas culturais que
ocorreram. Mostrando que não responsabilidade apenas de um grupo de pessoas, mas
sim que aqueles patrimônios eram de relevância para a história da humanidade, sendo de
importância universal.
O mundo pós-Segunda Guerra aprimora conhecimentos sobre restauro, identifica
a conservação preventiva como um mecanismo interessante de preservação e estabelece
diversos elementos regulamentadores, levando em conta as Cartas de Restauro já
existentes. As Cartas de Atenas (1931), Veneza (1964) e Itália (1987) terão grande
contribuição para a consolidação de uma mentalidade voltada para a Conservação
Preventiva.
No Brasil, o movimento moderno foi um dos responsáveis pelo surgimento das
primeiras idéias de preservação do patrimônio. A conservação das edificações históricas
aparece como um mecanismo de comparação do antigo com o novo, evidenciando as
diferenças ideológicas e estilísticas. Em 1937, cria-se o Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – SPHAN, que surge exatamente como um órgão de proteção, inibindo
o descaso com os patrimônios e defendendo esses Bens como elementos de grande valor
para história da nação brasileira.
“O decreto de criação do SPHAN definia o patrimônio histórico e
artístico nacional como "o conjunto de bens móveis e imóveis existentes
no país e cuja conservação seja do interesse público quer por sua
vinculação a fatos memoráveis da História do Brasil, quer por seu
excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou
artístico". Eram também classificados como patrimônio "monumentos
naturais, bem como sítios e paisagens que importe conservar e proteger
pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou
agenciados pela indústria humana" (Fudação Getúlio Vargas).
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Com o passar dos tempos O SPHAN foi substituído pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, que mantém a autarquia de Patrimônio em nível
Federal. Em Minas Gerais o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico – IEPHA,
responde pelos Bens de nível estadual e ainda contamos com as prefeituras, conselhos de
patrimônio e demais órgãos municipais, o qual apresentam diretrizes específicas de
acordo com o localidade. No território brasileiro, a Carta de Brasília, formulada em 1995,
é o documento mais atual que aborda a questão das intervenções.
3.3. Características e cuidados com as edificações
Assim como as demais construções, as alvenarias tradicionais requerem alguns
cuidados e manutenção que envolve principalmente a fundação, a cobertura e o reboco.
As fundações possuem um papel essencial no desempenho da edificação, principalmente
no caso de edifícios históricos, cuja alvenaria é constituída de terra crua. É de extrema
importância que estas estejam assentadas a certa altura em relação ao solo de modo que
impeça a ascensão da água por capilaridade, se caso não haja uma camada de reboco
impermeável. A umidade é um dos piores inimigos das edificações em terra crua, pois o
contato direto com a água pode ocasionar vários danos à construção. A existência dos
porões baseia-se nessa lógica.
O desempenho dos telhados também é relevante para a vida útil do edifício, cujas
paredes necessitam de abrigo contra a pluviosidade. Nesse sentido, os beirais devem
possuir uma dimensão adequada de modo que proteja as alvenarias externas. O
Programa Monumenta aconselha em seu “Manual de Conservação Preventiva”, uma
inspeção dos telhados imediatamente antes e após o período de chuvas e também após
precipitações mais intensas. Além disso, é importante que o escoamento de água no
terreno seja eficiente, principalmente em lugares onde existem períodos de chuvas muito
longos.
Uma característica das edificações históricas é que tanto os porões, quanto o
espaço entre o forro e o telhado possuem um desempenho importante no
comportamento da edificação. Eles funcionam como uma espécie de “colchão de ar”, o
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que proporciona um conforto térmico à edificação, minimizando as trocas de calor entre
o ambiente interno e externo, de forma semelhante à ação da inércia térmica. Essa
particularidade permite uma temperatura muito agradável no interior do imóvel em
qualquer estação do ano, sem que haja necessidade do uso de ar-condicionado no
ambiente.
As alvenarias em terra crua possuem propriedades de destaque relativas a
questão ecológica, uma vez que a elaboração de técnicas desse feitio, não acarreta danos
ao meio ambiente, já que o blocos produzidos não necessitam passar por processos de
queima e se tratam de produtos naturais.
3.4. São João del-Rei no contexto das alvenarias tradicionais
A partir dos estudos e ações realizadas no município de São João del-Rei foi
possível constatar dados referentes sobre a questão das alvenarias tradicionais e a
participação da comunidade nesse universo. É inestimável a importância das técnicas
elaboradas com saberes remotos. Valor que ultrapassa o edificado e abarca questões
culturais.
O modo de habitar é um indicativo das transformações do “homem”. A forma com
que ocupamos o espaço é um mecanismo que tende a levantar o histórico, hábitos,
saberes, culturas e outros fatores que se misturam a esses propiciando estudos mais
detalhados sobre uma dada comunidade. É uma das formas de conhecer a evolução
humana e compreender sua identidade. As alvenarias intituladas como antigas são
também as do presente, uma vez que as construções erguidas em épocas passadas
sobrevivem ao tempo. Além disso, o fato de serem técnicas remotas não interfere no
desenvolvimento de construções com lógicas contemporâneas.
Muito sobre as técnicas em terra crua e pedra se perderam, vista que boa parte da
disseminação desses saberes se deu por meio da oralidade. As alvenarias históricas estão
espalhadas por todo o mundo apresentando uma gama de variedades. Em São João delRei é possível encontrar edificações elaboradas com a técnica do adobe, taipa de pilão,
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pau-a-pique e alvenaria em pedra. Existindo até os dias atuais, a produção de tijolos de
adobe, em municípios vizinhos, tais como Tiradentes e o distrito de Vitoriano Veloso,
pertencente à cidade de Prados.
O princípio básico para a preservação parte da ideia do pertencimento pelas suas
origens, ou seja, cada vez mais se torna necessário que as comunidades tenham
conhecimento sobre os elementos que compõem a cidade, isso inclui entender os
processos que são aplicados para a salvaguarda e quais são as instituições partícipes a
esse universo. Devem ser quebradas as barreiras que impedem a aproximação dos órgãos
competentes com a população, para que assim todos entendam o motivo pelo qual as
prefeituras, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Instituto Estadual do
Patrimônio Histórico, Conselhos de Patrimônio, dentre outros grupos assumem certas
posturas.
É correto, permeando os princípios éticos, que cada um haja de acordo com sua
jurisdição, normas e recursos disponíveis. Por isso, mesmo com dificuldades financeiras,
devem ser aplicadas ações simples que caminham principalmente no campo da
conservação preventiva. Mecanismos como orientações, assessorias e lembretes podem
e devem ser ferramentas usuais dos órgãos públicos.
Para alcançamos um melhor entendimento dessas questões é preciso retomar aos
preceitos que fundamentaram a criação das instituições de salvaguarda do patrimônio e
atentarmos que até os dias atuais boa parte da legislação criada em 1937 continua sendo
a base, permanecendo congelada por anos, a qual precisam ser revistas.
Com o passar dos tempos às necessidades mudam, e a agilidade desse processo
está acontecendo cada vez mais veloz, sendo responsáveis por conferir dinâmicas
transformações nas relações de convívio, nos valores, prioridades, no surgimento de
novos conceitos e nos padrões de vida. A Arquitetura e o Urbanismo são afetados
diretamente, uma vez que essas ciências atuam exatamente com a cidade e os elementos
responsáveis por formar esses aglomerados urbanos.
Grande parte das construções dos séculos anteriores que se mantiveram de pé,
não permaneceram intactas pelo simples fato de serem majestosas, mas sim porque
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alguém cuidou delas e realizaram tal atitude, porque eram desenvolvidas naquele espaço
alguma atividade, seja de habitação, escritório, órgão público, dentre outros. Essa regra
não foge a localidade, de certa forma a conservação das edificações ainda existentes
construídas em alvenarias tradicionais, seguiu essa mesma dialética.
Generalizando, o estado de conservação das edificações tombadas isoladamente
em nível federal é satisfatório. E existe uma efetiva preocupação de órgãos dessa
natureza quanto ao cuidado desses bens. Agora com relação aos imóveis tombados em
conjunto, ou em nível municipal alguns apresentam estado de conservação insatisfatório.
Por se tratarem de imóveis particulares que não são mantidos por alguma instituição,
aumenta a dificuldade de manutenção e existe o impasse dos próprios proprietários que
nem sempre veem a importância da preservação.
Não existe uma receita que defina com precisão quais os mecanismos deverão ser
adotados na preservação de uma edificação. A questão patrimonial deve ser gerida de
forma aberta, analisando com profundidade o caso de forma isolada. Contudo é certo que
construções que permitiram e ainda permitem uma flexibilidade maior de usos, têm a
possibilidade de ampliação de sua vida útil.
A participação de profissionais com formação na área de Arquitetura e Urbanismo,
dentro dos órgãos locais, tais como a administração municipal, é extrema importância.
Sendo estes responsáveis no assessoramento, parecer e desenvolvimento de medidas
que visem resguardar e atuar na sensibilização da comunidade quanto ao seu patrimônio.
Sem criar equivocados conceitos quanto a forma de preservação, mantenimento dos bens
e principalmente na progressão da cidade, que mesmo apresentando um legado
riquíssimo de séculos anteriores, deve continuar demonstrando seu dinamismo. Assim
como as leis do IPHAN, a legislação municipal merece ser revista e as atuações do
Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de São João del-Rei também.
Imagina-se que em uma cidade edificada com tais saberes, grande parcela da
população conheça um pouco sobre técnicas tradicionais e saiba da existência de casas
que ainda resistem ao tempo. A pesquisa de percepção realizada com São-joanenses
revelou que esta definição não ocorre de forma tão simplória. A população sabe das
origens históricas que consolidaram a urbe, contudo quando se trata dos tipos de
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alvenarias existentes uma porcentagem considerável de indivíduos não tem
conhecimento sobre as técnicas presentes na cidade ou mesmo só ouviram falar por alto.
Esse quadro empobrece ainda mais quando percebemos que esse saber está
detido em grande parte nas mãos de pessoas com idade avançada, enquanto
adolescentes e jovens, futuros cidadãos, carecem de informação. Sucintamente, podemos
dizer que estamos deixando de preservar nossas raízes, uma vez que não formamos
futuros disseminadores. Fato que ocorre independente do sexo, grau de escolaridade ou
situação econômica.
Acreditamos que essa situação não se dá por descaso, mas sim por falta de
oportunidade. A necessidade de ações de sensibilização e educação patrimonial é
eminente, sendo preciso o desenvolvimento com constância. Vimos este quadro bem
próximo, quando aplicamos as atividades na Escola Estadual Dr. Garcia de Lima. Os
estudantes de faixa etária 8 a 10 anos a princípio demonstraram receio em responder as
indagações, porém logo interagiram e participaram ativamente das ações que
envolveram palestras e oficina de produção do Adobe.
Muitos são os pré-conceitos existentes referentes às alvenarias em terra crua, que
acabam sendo intitulados pelas populações como tipos de construções ultrapassadas.
Essa rejeição é fruto do desconhecimento dos indivíduos a respeito das técnicas
construtivas vernaculares. É triste observamos que mesmo em uma localidade como São
João del-Rei, onde o berço construtivo está associado ao erguimento de edificações desse
feitio existe certa repulsa.
4. Conclusão
A
história
da
apropriação
do
espaço
pelo
homem
desenvolveu
concomitantemente com as alvenarias vernaculares, conduzindo a reflexões sobre os
costumes, hábitos, cultura, distinção social dentre outros fatores que abarcam questões
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arquitetônicas e invadem outras áreas que envolvem o meio imaterial. Salvaguardar
saberes ancestrais é um processo que leva ao entendimento e o reconhecimento da
identidade de um povo.
Ao conhecer suas origens a população encontra respostas dos acontecimentos da
atualidade. Os fatos do passado e do presente apresentam interligação entre si, porém
nem sempre a comunidade vê o quanto esses dois tempos se completam. O ato de
valorização está relacionado com o conhecimento. Por isso, só se aprecia aquilo que de
certa forma está próximo. Então, se em algum momento houve uma lacuna, é provável
que haja um afastamento dos indivíduos, propiciando “descaso” por elementos que
mesmo implícitos se relacionam.
Ações de educação patrimonial trabalham na tentativa de modificar esse quadro,
atuando no campo da sensibilização e conscientização. Porém, devem ser aplicadas com
constância e de forma que alcance todas as faixas etárias, com destaque para os jovens,
visto que serão os futuros formadores de opinião.
A ausência na transmissão dessas idéias também pode levar a formação de
equivocados conceitos. No caso das alvenarias em terra crua é comum observarmos,
generalizadamente,
forte
rejeição,
sendo
boa
parte
infundados,
fruto
do
desconhecimento. Fato que em parte é alcançado pelo forte apelo que temos aos
produtos industrializados.
Assim como outras técnicas, as alvenarias tradicionais necessitam de constante
manutenção. Claro que esses saberes requerem certos cuidados específicos envolvendo
principalmente o alicerce, cobertura e, sobretudo, as paredes. Portanto, a ideia de
insalubridade procede de forma parcial, pois se bem planejadas e diante dos reparos
necessários ofertam uma gama de vantagens referente a construção ecológica, ao
conforto térmico e a própria saúde, uma vez que estamos lidando com materiais não
tóxicos. Vale ressaltar que são viáveis independentemente da classe social.
Diante de tantas informações que temos a respeito dessas técnicas, se tornam
infundadas aquelas que a avaliam como uma alvenaria frágil e descartam a possibilidade
de utilização nos dias de hoje. Os sistemas construtivos tradicionais atendem
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perfeitamente soluções arquitetônicas simples às mais sofisticadas. Portanto, precisamos
cada vez mais explorar as potencialidades dessas técnicas inserido-as no cenário atual.
Acabamos mais intervindo na tentativa de salvaguardar uma edificação do que
criando mecanismo de conservação preventiva. A dialética que utilizamos é praticamente
oposta ao que deveria ser. Esquecemos que um simples problema pode ocasionar outros
mais graves.
A falta de recurso pode ser um dos causadores desse processo, contudo vale
lembrar que o desprendimento financeiro gasto em um restauro/intervenção é maior que
o do desenvolvimento de constantes medidas de conservação. Além do financeiro, é
preciso atentar que em uma intervenção nem sempre conseguimos reparar todos os
elementos que foram danificados, podendo ser necessário a substituição destes. Por isso,
os benefícios de ações permanentes acabam sendo tão eficazes.
No caso de substituir ou mesmo de agregar uma edificação nova em uma mais
antiga é preciso levar em consideração os preceitos abordados nas teorias e cartas
patrimoniais. Não podemos esquecer que a originalidade e a autenticidade também é
dada pelo tempo, não há necessidade de copiar o que não existe mais, a fim de manter a
integridade da edificação.
5. Referências
ALMEIDA, Frederico; PROGRAMA MONUMENTA. Manual de Conservação de
Cantarias. 2000.
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