O Liberalismo, a Maçonaria e o Protestantismo no Brasil no Século

Transcrição

O Liberalismo, a Maçonaria e o Protestantismo no Brasil no Século
O Liberalismo, a M açonaria e o Protestantismo no Brasil
no Século Dezenove
D avid G u e iro s V ie ira
Antes de tudo, cremos ser necessário d e fin ir alguns dos e lem entos
em tela, uma vez que certa confusão existe sobre os mesmos, entre os
vários autores que têm a b o rd a d o esse tem a. Dai procurarem os esclarecer
com o ocorreu a ligação e ntre esses três elem entos, no Brasil, e o possível
signific ado dessa relação.
O L ib e r a lis m o n o B ra s il
O term o " l i b e r a l " , no que se refere ao Brasil do século dezeno ve,
tanto d e fin e a id e o lo g ia q u a n to o p artido político c h a m a d o Liberal. Esse
partido e n c a m p a va , na verdade, tanto políticos ligados à id e o lo g ia lib e ­
ral q u anto anti-liberais. Da mesma m a neira, o partido Conservador, e n ­
c am pava políticos conservadores, bem com o outros de idéias m arcadam ente liberais.
" L ib e r a lis m o " , com o id e o lo g ia , cobre um se m -n ú m e ro de concei­
tos. Sob essa expressão gen é ric a a parecem vários grupos defensores do
livre-arbítrio em todas as esferas, unidos ao redor do conceito de " p r o ­
gresso" e e m a n c ip a ç ã o do h om em . O term o " l i b e r a l " significava uma
crença difusa no va lo r do in divíduo , e na convicção de que a base de to­
do o progresso era a lib e rd a d e in d iv id u a l. M ais a in d a , que o ind ivíd u o
d e v e ria ter o d ire ito de exercer sua lib e rd a d e ao m á xim o , c onqua nto
não viesse a in frin g ir a lib e rd a d e dos outros. O lib e ra lis m o ta m b é m a c e i­
tava a utilização dos poderes do Estado com o propósito de criar c o n d i­
ções através das quais o in d ivíd u o pudesse, livre m e n te , crescer e se e x ­
pressar.
196
A id e o lo g ia liberal, no Brasil, sofreu três influências, mais ou m e­
nos em ordem cronológica : a francesa, a inglesa e a a m eric ana.
A fase inicial foi francesa. As idéias c hegaram ao Brasil vindas da
França, por m eio de literatura im po rta d a d ire ta m e n te ou via Portugal,
ou, ainda, através de estudantes brasileiros na Europa e re fu g ia d o s po lí­
ticos portugueses. A segunda fase foi in flu e n c ia d a pelo pensam en to li­
beral inglês. Esse p eríodo com eçou cerca de 1808, q u a n d o a Corte p o rtu ­
guesa se estabeleceu no Brasil e abriu os portos ao com ércio in te rn a c io ­
nal. Não apenas as idéias liberais, mas ta m b é m as m ercadorias inglesas,
o sistema inglês de bip a rtid a ris m o político e p a rla m e n ta ris m o fo ra m im ­
portados e aceitos com o a últim a criação da sabedoria hum ana.
O propaga ndista brasileiro, H ip ó lito José da Costa Pereira Furtado
de M e n d o n ç a (1774-1823) foi em parte responsável pela d iv u lg a ç ã o do
p e nsam en to liberal inglês. Liberal e m açom , p ro te g id o do Duque de Sussex, H ipóiito da Costa fu n d o u em Londres um jornal de língua p o rtu g u e ­
sa, d e n o m in a d o C o rre io B ra z ilie n s e , que por quinze anos (1808-1823)
b o m b a rd e o u o Brasil com idéias novas, desde a discussão de m étodos
agrícolas e descrição de novas e m aravilhosas m áquinas de invenção in­
glesa, até os novos conceitos científicos, econôm icos, políticos e filo s ó fi­
cos da G ran-Bretanha.
O p ensam en to liberal britânico foi fa c ilm e n te im p o rta d o e assimi­
lado pelos intelectuais brasileiros. O ensaio On L ib e rty (1859), de John
Stuart AAi11, foi m uito citado no Brasil. Não apenas AAi11, mas ta m b é m
A d a m Smith, Jerem y Bentham , Lord John Russel e dois políticos liberais,
hoje quase que esquecidos, Richard Cobden e John Bright, fiz e ra m sentir
sua in flu ê n cia no Brasil.
A terceira fase, que c ham am os de " a m e r ic a n a ” , com eçou a ocor­
rer a partir da chegad a ao Rio de Janeiro do c a p e lã o de m arítimos, o
Rev. James C ooley Fletcher, presbiteriano, que fa ria a m iz a d e com o Im­
pe ra d o r e com um g ra n d e nú m e ro de intelectuais brasileiros, a quem
fo rn e c e ria livros e artigos de liberais ingleses e am ericanos, e cuja in­
flu ê n c ia se fez sentir bem p r o n u n c ia d a m e n te nos ensaios e discursos do
Deputado A u re lia n o C â ndido Tavares Bastos.
Outro canal de com u n ic a ç ã o liberal " a m e r ic a n o ” foi o jornal o
N ovo M u n d o , fu n d a d o e re d ig id o por José Carlos Rodrigues, em Nova
Iorque. Era escrito em português, com belo fo rm a to e belíssimas estam ­
pas de nova e engen hosa m a q u in á ria produzida pela indústria a m e ric a ­
na. Dedicava-se ta m b é m a e xp lica r a política e liberalism o am ericanos,
e a com entar sobre a política brasileira, sem pre do ponto de vista liberal.
Foi p u b lica d o de 1865 a 1879.
197
A in flu ê n c ia de Fletcher e José Carlos Rodrigues seria reforçada
por um a onda de missionários protestantes, que traria consigo suas várias
m o d a lid a d e s de protestantism o am e rica n o , e ta m b é m suas escolas. Essas
instituições, com o o M ack enzie C ollege, de São Paulo, a Escola Interna­
cional de C am pinas e o Bennett C ollege, no Rio de Janeiro, para citar
apenas algum as, fo ra m verdadeira s escolas de lib e ra lis m o e r e p u b lic a ­
nismo. Por e x e m p lo , ligados à Escola Internacional de Campinas, e n c o n ­
tramos os nom es do Dr. M a n u e l Ferraz de Campos Sales (mais tarde, p re­
sidente do Brasil) e Francisco de Paula Rodrigues Alves (que ta m b é m se­
ria presidente do Brasil). Influênc ia liberal pro n u n cia d a fo i ta m b é m sen­
tida através de outras escolas protestantes, com o a "Escola A m e r ic a n a "
de Natal, RN, onde estudou o Presidente João Café Filho. " N a q u e la es­
c o la " , escreveu Café Filho' "s e d e v e m encontrar as raízes, as origens, a
fo n te distante, po ré m inspiradora, de m uitas decisões em m in h a carreira
de hom e m p ú b lic o " .
No entanto, não seria o protestantismo, mas a m açonaria, o g ra n ­
de veículo através do qual o lib e ra lis m o se dissem inaria entre as elites
brasileiras.
A M a ç o n a r ia n o B ra s il
A p rim e ira orga n iz a ç ã o cla ra m e n te m açónica, em suas vestes
" m o d e r n a s " , apareceu em 1717, em Londres. Antes dessa data havia lo ­
jas maçónicas " e s p e c u la tiv a s " (para distingui-las da m aço n a ria o p e ra n ­
te, dos pedreiros artesãos) em toda Europa, on d e se re u n ia m cavalheiros
que se d e d ic a v a m a filo s o fa r e a discutir as ciências, e specialm en te a
m atem ática.
Nessa época, a sociedade inglesa passava por sérias convulsões
de ordem religiosa, social e econôm ica. Era um m o m e n to de transição,
no qual ap a re ce ra m as inovações do capitalism o m e rcantil-industrial,
que destruíram os padrões tradicionais da sociedade. A c ontem poriza ção
a n g lica n a , que criara um a igreja que não era nem católica nem protes­
tante, não se mostrara capaz de fazer face a essas convulsões. O estado
da sociedade inglesa era caótico.
Várias sociedades fo ra m fundad as, n a q u e le período, para m e lh o ­
rar a situação da sociedade britânica. Entre elas se destacaram a m aço­
naria dita " f il o s ó f i c a " e o re a v iv a m e n to religioso, c onduzid o por John
Wesley, q ue resultou na fu n d a ç ã o da Igreja M etodista.
198
A reação, ou " r e f o r m a ” , m açónica se fo r m a r ia ao redor de um
grupo de filósofos, entre os quais Isaac N e w to n e seus protetores, os d u ­
ques de M o n ta g u e de W ha rto n , que seriam os p rim eiros Grão-Mestres
dessa nova m açonaria. Nesse g ru p o havia ta m b é m dois pastores protes­
tantes: o r e fu g ia d o h u q u e n o te Jean-T heo phile Desaguliers e o pastor da
Igreja Presbiteriana Escocesa, o Rev. James Anderson, D.D.
O Rev. A nderson foi m u ito im portante, p o rque foi ele a q u e m a
G rande Loja inglesa comissionou para reescrever e a tu a liz a r a história da
m açonaria e seus ordenam e ntos. Baseado em ve lh o manuscrito, que era
um a co m p ila ç ã o da história oral da m açonaria, Anderson escreveu o que
veio a ser c h a m a d o de "C onstituições de 1823" ou "C on s titu iç ã o de A n ­
ders on".
Nessa Constituição, o p rim e iro o rd e n a m e n to estabelece o princí­
pio do e c um enism o religioso, que, na nossa o p in iã o , foi a razão pela
qual a Igreja Católica, desde o início, re p u d io u a m açonaria. Este o rd e ­
nam e n to diz que o m açom tem que o b ede cer a lei m oral, e que não d e ­
verá ser " u m ateu estúpido, nem um lib e rtin o sem r e l ig iã o " ; que ele é
ob rig a d o apenas a " p e r te n c e r à re lig iã o que todos os hom ens possuem,
g u a rd a n d o suas o piniõe s para si m e s m o " ; que os maçons d e v e m ser ho­
mens probos e honestos, e que a m aç o n a ria d e ve ria ser " u m centro de
união, e o m eio de se criar a v e rd a d e ira a m iz a d e entre pessoas que, de
outra m a neira, p e rm a n e c e ria m para sem pre à distâ n cia ".
Essa Constituição foi p u b lic a d a em 1823 e depois em 1838. A nova
m aço n a ria se espalha ra por toda a Europa, a partir de 1717, inclusive em
países católicos.
A reação da Igreja Católica fo i im e d ia ta e fu lm in a n te . Pela bula In
e m in e n ti a p o s to la tu s sp e cula , de 1738, o Papa C lem ente XII, condenou
as "associações a lta m e n te suspeitas", que costum avam chamar-se de
maçons, nas quais "s e con g re g a m hom ens de todas as religiões e de to­
das as seitas, sob a a p a rê n c ia de honestidade n a tu ra l" , mas cujos desíg­
nios e ra m p ro v a v e lm e n te maus. A bula p ro ib ia todos os católicos de se
filia r e m , ou de q u a lq u e r m a n e ira a ju d a re m essas sociedades. Treze anos
mais tarde, B enedito XIV v oltou ao assunto, na bula P rovidas ro m a n o ru m p o n tific u m , re fo rç a n d o os arg u m e n to s de seu antecessor e d izendo
que " n a s tais sociedades e assembléias secretas, estão filia d o s indistintiva m e n te hom ens de todos os credos; daí ser e v id e n te que da mesma re­
sulta um g ra n d e perig o para a pureza da re lig iã o c a tó lic a ".
O ecu m e n ism o não era c o m p re e n d id o ou aceito por todos, de m o ­
do que, desde o p rim e iro m o m e n to da p ublicaçã o da Constituição maçô-
199
nica, a Igreja Católica rejeitava a m açonaria, ac im a de tudo por ser ecu­
m ênica. Na verdade, o p róprio ecu m e n ism o m açónico era apenas re la ti­
vo, pois não incluía pessoas de religiões não-cristãs, com o os judeus, que
só obtiv eram acesso aos quadros maçónicos no fim do século dezoito,
após longa e árdua luta.
A Constituição ta m b é m criava uma fra te rn id a d e de pessoas de to­
das as raças, n a c io n a lid a d e s e classes sociais. Por e x e m p lo entre os d ir i­
gentes da G rande Loja de Londres, havia pelo m enos qua tro nobres titu­
lados (pares do reino), cinco fidalgos, cinco profissionais da classe m é ­
dia, e cinco artesãos (dois m arm orários, um carpinteiro, um fe rre iro e um
pedreiro). Estabelecia-se, assim, um a g re m ia ç ã o " r e v o lu c io n á r ia " , no
sentido de que ro m p ia com todos os preconceitos da época, religiosos,
políticos e sociais.
O b v ia m e n te que essa orga n iz a ç ã o não podia ser re v o lu c io n á ria
dem ais, controlada com o era pela nobreza. Mais a in d a , a segunda o b ri­
gação da "C onstituição de A n d e r s o n " c laram ente rezava que o maçom
era " s ú d ito pacífico dos poderes civis onde qu e r que resida ou trabalhe,
e nunca se e n v o lv e em com plôs e conspirações contra a paz e o bemestar da n a ç ã o ".
A m açonaria apesar de " r e v o lu c io n á r ia " em suas idéias, p re te n ­
dia fazer m odificações na sociedade de m a n e ira pacífica. D ificilm e n te a
mesma p oderia ser re v o lu c io n á ria e violenta, controlada com o era, em
todos os lugares, pela nobreza e aristocracia locais.
Na Inglaterra, os reis ingleses, tra d ic io n a lm e n te , fo ra m os GrãoMestres honorários da m açonaria, o mesm o tendo ocorrido na Prússia e
na Suécia. Até mesm o em Portugal, q u a n d o foi fo rm a d a a prim e ira
Grande Loja (1800), o seu p rim e iro Grão Mestre foi D. Sebastião José de
Sam paio e M e llo de Castro e Luziguano, irm ão do M arquês de Pombal.
M esm o na França, onde a le g a d a m e n te a m açonaria se tornara re­
v o lu cio n á ria , a mesma p rim e iro apareceu na corte do m onarca inglês
e x ila d o , Jaim e II, e m 1688. Após 1721, fo ra m fu n d a d a s as p rim eiras lojas
" r e fo r m a d a s " do tipo inglês, que atraíram g rande n ú m e ro de cientistas
ligados ao " i l u m i n i s m o " e um n ú m e ro de "e n c ic lo p e d is ta s ". A Loja " N o ­
ve Irm ãs", por e x e m p lo , foi fu n d a d a em 1776 pelo astrônom o Lalande, o
filó so fo Diderot, o m a te m á tic o d 'A le m b e rt, o astrônom o e m a te m á tic o la
Place e o pró p rio V oltaire, que nela se iniciou aos 84 anos, poucos dias
antes de sua morte.
O " r e v o lu c io n a r is m o " da m aç o n a ria francesa era p u ra m e n te inte­
lectual, pois a mesma era d irig id a pelo Duque de Orleans, seu Grão M es­
200
tre, que mais tarde seria g u ilh o tin a d o . Com o evento da Revolução, a
m açonaria francesa entrou em recesso, pois quase que todos os " V e n e ­
ráveis M estres" de suas lojas eram nobres e fo ra m g u ilh o tin a d o s no p e ­
ríodo do terror. Em 1795, as 18 lojas que s obreviveram a Revolução f o r ­
m aram um novo G rande O riente, porém , em 1804, o mesm o caiu sob o
d o m ín io de N a p o le ã o Bonaparte e se tornou instrum ento do " r e p u b lic a ­
n is m o " bonapartista. Seus d irigentes e ram Luís Bonaparte, José B onapa r­
te e o M a re ch a l J oaquim M urat. D ificilm e n te se p o d e ria classificar essa
orga n iz a ç ã o com o revolu c io n á ria .
O que ocorreu, então, nos países católicos onde a m aço n a ria se
apresentou com o um a orga n iza çã o re v o lu c io n á ria ? Parece-nos q ue, nes­
ses países, onde o e le m e n to religioso d o m in a v a e pre te n d ia controlar o
que era p u b lic a d o e d e b a tid o , a m a çonaria, com seu lib e ra lis m o interno
e seu instrum ental de proteção contra os de fora, tornou-se um centro de
atração para todo tipo de dissidente religioso, filo s ó fic o e político. O nde
ela foi perseguida, com o na Espanha, Portugal e Itália, em breve ela
tornou-se, com o na Itália, em " c a r b o n á r ia " , terrorista e atéia. A m aço­
naria ita lia n a tem um a longa história de luta contra a p e netraçã o de e le ­
mentos indesejáveis, haja visto o recente caso da fa m ig e ra d a Loja Propa­
g a n d a 2.
No Brasil a m aç o n a ria a p a re n te m e n te foi trazida pelos mesmos
estudantes brasileiros e re fu g ia d o s portugueses que tro u x e ra m as idéias
liberais. Nesse período, no século dezoito, essa " m a ç o n a r ia " p ro v a v e l­
m ente não passava de organizações secretas q ue utiliza va m o instru­
m ental m açónico para sua segurança. Tal deve ter sido o caso da socie­
d a d e ligada à Inc onfidê nc ia M in e ira e sociedades ditas " lit e r á r ia s " , no
Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Eram, na v e rdade, organizações
protom açônicas, sem ligações com a m açonaria e u ro p é ia , com exceção
do " A r e ó p a g o de Ita m b é " , em Pernam buco, que, a le g a d a m e n te era
p ro te g id o de N a p o le ã o Bonaparte.
O acim a nos leva à conclusão de que todo o discurso re v o lu c io n á ­
rio da Revolução Francesa, p ro p a g a d o pela m aço n a ria bonapartista,
continuo u a servir de inspiração aos revo lu c io n á rio s brasileiros e latinoam ericanos, em geral. C ontra ria n d o os princípios básicos, enuncia dos na
"C on stitu içã o de A n d e r s o n ", a m açonaria brasileira tornou-se r e v o lu c io ­
nária.
De 1752 a 1800, encontram os pelo menos cinco sociedades secre­
tas no Brasil, e dez outras de 1800 a 1822, q u a n d o foi fo r m a d o o p rim e iro
G rande O riente, f ilia d o à G rande Loja bonapartista da França. A história
da m aç o n a ria brasileira, no século dez e n o ve , é uma de lutas intestinas e
fratricidas, espec ia lm e n te nesse período. A literatura m açónica nacional
debate ad n auseam a luta entre J oaquim G onçalves Ledo, chefe da m a ­
çonaria de rito francês, que convidou o Príncipe D. Pedro a ser G rão Mes­
tre de sua G rande Loja, e José B onifácio de A n d ra d a e Silva, que teria si­
do, na verdade, conservador e pró-português, que só entrara na m aço­
naria no ú ltim o m om ento.
Dois G rande Orientes fo ra m criados, em 1822, um c o ntrolado por
Ledo e o outro por José Bonifácio, am bos do rito francês, porém inim igos
no cam po político, se bem que am bos tivessem e le ito D. Pedro com o seu
respectivo Grão Mestre. D. Pedro assumiu o controle da m açonaria para
m antê-la ligada ao Trono, de m o d o que os maçons do tipo re v o lu c io n á ­
rio, liberal e re publican o, que se mostraram refratários à m o n a rq u ia f o ­
ram presos e / o u exilados, ou, a in d a , assassinados, com o ocorreu com o
c a rbonário Libero Badaró, em São Paulo.
A luta d e ntro da m açonaria continuou. Em um d a d o m o m e n to ha­
via quatro organizações maçónicas fu n c io n a n d o no Brasil, em franca ri­
v a lid a d e uns com os outros. A penas duas sobreviveram — o Grande
O riente do V ale dos Benedetinos, lib e ra l-re p u b lic a n o , que assumiu a li­
d erança da luta pelo casam ento e registro civis, cem itérios públicos, e d u ­
cação e bibliotecas públicas, a liberação dos escravos e, e v e n tu a lm e n te ,
a declaração da República, e a outra, o G rande O riente do Vale do La­
vradio, que era conservador, m o n á rq u ico e fo rte m e n te clerical.
Outro fator im portante é a questão do rito a dotad o, que represen­
tava, ta m b é m , um re la c io n a m e n to id e o ló g ic o com a loja patronal. O rito
francês foi re je ita d o pela m a io ria das lojas de am bos Orientes, e substi­
tuído pelo rito escocês, im p o rta d o via Bélgica, onde a m açonaria sofrera
forte in flu ê n c ia da m aço n a ria prussiana conservadora. Q uer ela fosse
francesa ou escocesa, a m aço n a ria co ntinuo u a atrair um g rande n úm ero
de padres no Brasil.
O s P a d re s M a ç o n s n o B ra s il
As inúm eras relações de "m a ç o n s ilustres", encontradas nas p u ­
blicações maçónicas, em geral indicam um e le v a d o n ú m e ro de padres e
frades que fo ra m maçons no Brasil.
De acordo com a literatura m açónica, o Bispo José Jo a q u im da
Cunha de A z eredo Coutinho, d e p u ta d o do Santo Ofício de Lisboa, no p e ­
ríodo p o m b a lin o , bispo de O lin d a e fu n d a d o r do se m in á rio d a q u e la d io ­
cese, era m açom . A ser verídica essa asserção, não é de se a d m ira r que
a m açonaria tenha sido tão bem aceita pelos clérigos do Nordeste, que
se fo rm a ra m na q u e le educa n d á rio .
202
Maçons, liberais, nacionalistas e revolucionários, esses padres f o ­
ram não apenas partícipes mas ta m b é m chefes das revoluções de 1817 e
1824, em Pernambuco. Entre eles destacamos o C ônego Francisco M uniz
Tavares, h is toriógrafo da revolução de 1817, o padre João Ribeiro Pessoa,
chefe da " A c a d e m ia do Paraíso", os padres José Inácio de A b re u e Lima
("Padre R o m a ") e M ig u e l J oaquim de A lm e id a ("P adre M ig u e lin h a " ) ,
am bos executados na Bahia, e Frei Jo a q u im do A m o r Divino ("Frei Cane­
c a "), exe cu ta d o no Recife, para citar apenas alguns dos mais famosos.
Enfim, 60 padres e 10 frades fo ra m presos, por p a rtic iparem da revolução
de 1817, que foi a lc u n h a d a de " a revolução dos pad re s ". Outros tantos
pa rtic ip a ra m da revolução de 1824, lid e ra d a por "Frei C an e c a ". Lutavam
pela in d e p e n d ê n c ia e o "p ro g re s s o " do Brasil.
A Id é ia d o " P r o g r e s s o "
"P rogresso", na nossa visão, é a p a la vra -c h a v e para solucionar a
equa çã o lib e ra lism o -m a ç o n a ria -p ro te s ta n tis m o no Brasil. A idéia do p ro­
gresso atin g iu o zénite no O c idente durante o século dezoito, tanto nos
círculos sociais qua n to nos acadêm icos. Era uma das idéias mais im p o r­
tantes do O cidente, mais a in d a do que as idéias de ig u a ld a d e , justiça so­
cial e soberania popula r. Em tem po, essas outras idéias vie ra m a ser in­
corporadas à q u ilo que se ch a m a va de " p ro g re s s o ", que d e ixo u de ser
um conceito p u ra m e n te m aterialista, para e n c a m p a r aspectos políticos e
sociais. Destarte, o conceito do progresso assumiu pelo m enos duas faces
— com o lib e rd a d e e com o p o d e r.
A idéia do progresso com o lib e rd a d e foi lançada a partir do dis­
curso de Turgot, em 1750. Daí, passando por Condorcet, Eward G ibbon,
A d a m Smith, os patriarcas da in d e p e n d ê n c ia a m e ric a n a , W illia m Goodw in , Herbert Spencer, Heinrich Hein, e outros já m encionadas, e m p o l­
gou os liberais brasileiros, bem com o outros latino-am ericanos.
Daí a razão pela qual a im ig ra ç ã o e u ro p é ia , v in d a dos países p ro­
testantes, tornou-se tão im portante para os liberais da época, pois era
nesses países onde a g rande lib e rd a d e existia, e onde o gra n d e progres­
so, em termos m ateriais, ta m b é m tinha sido alcançado. O p ro b le m a era
com o trazer esse progresso o mais ra p id a m e n te possível para o Brasil. Es­
sa im pa ciê n cia dos liberais brasileiros, levou o jornal católico do Rio de
Janeiro, " O A p ó s to lo " , a co g n o m in á -lo s de "sectários dos m e lh o r a m e n ­
tos re p e n tin o s ".
203
Os historiadores brasileiros, em geral, apresentam com o m olamestra da im ig ra ç ã o a necessidade de m ã o -d e -o b ra por parte dos g ra n ­
des senhores de terra. Sem d ú v id a esse foi um dos motivos. No entanto,
é necessário v oltar aos debates do Parlam ento, e os debates exaustivos
conduzidos pela imprensa, e verem os que havia outro m otivo m aior, o
da im portação da tecn o lo g ia e do c o n h e c im e n to científico, tão em falta
no Brasil.
O Brasil que os portugueses nos legaram foi um país de a n a lfa b e ­
tos e sem i-analfab etos, exceto por um a pequ e n a elite educad a em
Coim bra. O m ercantilism o português e x ig ia que tudo se concentrasse em
Portugal. Assim, os jovens promissores de todo o im p é rio colo n ia l eram
levados para Coim bra, onde eram fo rm a d o s os clérigos, os juristas e a d ­
m inistradores do im p é rio colo n ia l português. As ciências da e n g e n h a ria
e outras correlatas, em geral, eram ignoradas.
O inglês C apitão Richard Burton, ex-cônsul em Santos, após ter
v ia ja d o g rande parte do Brasil, escreveu que o único e n g e n h o que os
portugueses tin h a m legado ao país fora o m o n jo lo . N e n h u m outro dispo­
sitivo m ecânico era e n contrad o pelo país a fora, por mais simples que
fosse. O a ra d o de m etal, " m o d e r n o " , ta m b é m era desconhecido. Faltava
ao brasileiro um m ín im o de con h e cim e n to de m ecânica e da tecnolog ia
m oderna.
Até mesmo os navios a vapor brasileiros, tin h a m que usar m a q u i­
nistas estrangeiros. As m áquinas dos navios nacionais eram cuidadas por
" in g le s e s " — na ve rd a d e escoto-irlandeses — que residiam , no Rio de
Janeiro, no Bairro da Saúde, onde m a n tin h a m um a igreja presbiteriana
escocesa. H avia carência em outras áreas. A p rim e ira estrada carroçável, a " U n iã o Indústria", foi pro je ta d a por franceses e construída por
operários a le m ã e s e portugueses. As estradas de fe rro eram de projeto
inglês e construída por operários ingleses e alem ães. Os barcos a vapor
na Baía de G u anab ara, eram de construção a m e rica n a e pertenciam ao
a m e ric a n o Dr. Thomas Rainey.
Enfim, para o liberal brasileiro, todo progresso m aterial (como
tecn o lo g ia e ciência) e o político (como lib e rd a d e do ind iv íd u o ) vinha
dos países protestantes. Daí crerem esses liberais q ue a im ig ra ç ã o protes­
tante era a b s oluta m e nte necessária para o progresso do país, e que a
m aior barreira para essa im ig ra çã o era a legislação " r e t r ó g r a d a " do Im­
pério. Mais a in d a , que a Igreja Católica, por se opor à m udança dessa le­
gislação se tornara, na m ente desses liberais, o in im ig o n ú m e ro um do
progresso nacional.
204
Esse progresso nacional requeria, urgen te m e n te , a e u ro p e a n iz a ção do Im pério brasileiro. O Brasil era e ntão um país o b v ia m e n te a fric a ­
no, apesar de ter um m onarca de orig e m e u ro p é ia , m a n tid o no trono por
um a p e q u e n a e lite e u ro p e a n iz a d a , a in d a que nem sem pre de pura raça
européia .
Tom ando por base censos feitos por estrangeiros, que m e n c io n a m
o e le m e n to racial da pop u la ç ã o brasileira, vem os q u ã o dra m á tic a era
esssa situação. O Dr. Robert A vé-Lallem an t, calculava a p o p u la çã o brasi­
leira, em 1858, com o segue:
Brancos, 1/3 deles portugueses
Negros escravos
Negros livres
M ulatos escravos
M ulatos livres
indios
Total
900.000
1.900.000
160.000
200.000
500.000
400.000
4.060.000
Tom ando-se com o correta a estim ativa de A vé-Lallem an t, apenas
22,16% da p o p u la ç ã o era branca. Do restante, 67,98% era composta de
negros e m ulatos e 9,85% de Indios. N a q u e la época, ser " b r a s ile ir o "
q u e ria dizer preto, m u la to ou caboclo. Ao passo que, pelo m enos nos d o ­
cum entos estrangeiros, os brancos, em geral, eram cham ados de " p o r t u ­
gueses".
Essa situação a m e d ro n ta v a a p o p u la ç ã o branca. O in ternúncio
Mons. Pedro Ostini, em 1831, fica va a p a v o ra d o com os distúrbios p o líti­
cos, e descreveu os mesmos com o " n u m e ro s a s hordas de negros a rm a ­
dos (que) percorrem as ruas ... m atam indivíduos brancos um a um, e ou
a m e a ç a m de p ilh a g e m , de m orte e de e x te rm ín io ... de todos os p ortu­
gueses e, em geral, ta m b é m de outros e u ro p e u s ..." .
O mesm o ocorrera na " r e v o lu ç ã o dos ca b a n o s " no Pará e M a r a ­
nhão, em 1835, que resultara na chacina de portugueses e de maçons
brasileiros, que, em geral, eram brancos e m em bros da elite local. O
mesm o ocorrendo em 1863, dura n te a c h a m a d a " Q u e s tã o C hristie". O
m issionário a m e ric a n o Ashbel Green Sim onton escreveu que o perigo
que o G overno mais te m ia n a q u e le m o m e n to era " o levante dos negros
e da ple b e contra as classes mais altas, tanto estrangeiras com o na cio ­
nais". Por essa razão, pon d e ro u o m issionário, o G overno se subm etera
às exigência s inglesas, ao passo q ue i n f o r m a v a a o p ú b lic o que " a honra
e d ig n id a d e nacionais tin h a m sido in te ira m e n te re iv in d ic a d a s ".
205
Falamos em raça, não apenas no aspecto étnico (no sentido de
cor) mas ta m b é m com o cultura. Assim o Brasil era, e em muitas áreas
continua a ser, um país de cultura africana, ou indígena, com apenas um
fin o verniz de cultura portuguesa.
A im ig ra ç ã o e u ro p é ia , do outro lado, a m e d ro n ta v a os brasileiros
de origem a fric ana. Tal foi o caso de Justiniano José da Rocha. Tendo
por muitos anos p u g n a d o nas hostes liberais, escrevendo artigos d e fe n ­
dendo o casam ento civil e outras reivindicaçõe s liberais, em 1860, no e n ­
tanto, converteu-se ao catolicism o e passou a atacar as im igrações g e r­
mânica e anglo-saxô nica. Dizia que tal im igraç ão destruiria o que cha­
mava de " c u ltu r a p o rtu g u e s a " do Im pério e se aterrorizava com a idéia
de que seus filhos se tornassem "subm is sos " à classe conquistadora,
usurpadora do território n a c io n a l" , os colonos germ ânicos e ang lo saxônicos.
Os a rgum ento s de Justiniano fo ra m revidados, em 1862, por A n tô ­
nio Augusto da Costa A g u ia r e o Deputado A u r e lia n o C â ndido Tavares
Bastos.
A g u ia r acusou Justiniano de ser apolog ista da m iscigenação e de
o diar as raças caucásicas. A fó r m u la que e ntão propôs, para e le v a r o
Brasil ao nível das nações modernas, era e x a ta m e n te de p ro m o v e r um a
im igração maciça a le m ã e anglo-saxônica.
Tavares Bastos pro p u n h a um prog ra m a liberal de quatro pontos
principais: (1) a m p la lib e rd a d e de com ércio; (2) re co n h e c im e n to de
" u m a divisão in ternacion al natural de tr a b a lh o " ; (3) a a b ertura do A m a ­
zonas e todos os rios brasileiros ao com ércio in te rn a c io n a l; e (4) a " m u ­
dança da a lm a b r a s ile ira " através da im ig ra çã o maciça britânica, g er­
m ânica e " ir l a n d e s a " (na v e rdade, escoto-irlandesa).
Essa " m u d a n ç a da a lm a b ra s ile ira ", era, na verdade, um a p ro­
fu n d a m udança cultural e religiosa para o Brasil — de um a cultura afroindígena, com um verniz de catolicism o português, para um a e u ro p é ia e
protestante. Daí que, três anos após haver escrito suas fam osas "cartas
do S o litá rio ", p ro p o n d o esse p ro gram a, Tavares Bastos tornou-se o c a m ­
peão da im ig ra ç ã o dos a m ericanos confederados, após a Guerra Civil
na q u e le país.
Havia promessas de m eio m ilh ã o de im igrantes confederados, na
sua m a io ria profissionais (médicos, dentistas, engen heiros, professores e
outros tais), ou de faz e n d e iro s expe rim e n ta d o s, conhecedores das últi­
mas técnicas da agricultura. Considerando-se a d im in u ta elite nacional,
essa im igração de m eio m ilh ã o de pessoas educadas, representaria uma
206
m udança total na " a l m a b ra s ile ira ", para utilizar a te rm in o lo g ia de Ta­
vares Bastos.
Este p la n o foi descoberto pelo internúncio D om enico Sanguigni,
que im e d ia ta m e n te alertou Roma para o mesmo. Escreveu ta m b é m carta
circular secreta aos bispos brasileiros in fo rm a n d o -o s de que os planos da
Sociedade Internacional de Im igração, eram de "p ro te sta n tiza r esse
m a g n ífic o im p é rio " .
Parece-nos que os liberais o lh a v a m para os im igrantes protestan­
tes com o um a arm a de m ú ltip lo propósito: (1) trariam c o n h e c im e n to téc­
nico; (2) os brancos e v e n tu a lm e n te superariam os negros em n ú m e ro ; (3)
esses im igrantes protestantes c o n tra b a la n ç a ria m p o litic a m e n te o poder
político e in flu ê n c ia da Igreja Católica, que os liberais c onsiderava m ser
" u m a barreira ao progresso do Brasil".
A Igreja já estava, até certo ponto, sob controle através da institui­
ção do padroad o. Este, em teoria, estava nas mãos do Im p erador mas,
na prática, estava nas mãos do Parlam ento, G ab in e te e Conselho de Es­
tado, e essas três instituições eram d o m in a d a s pela m açonaria. Tanto as­
sim que o Senador C ândido M endes de A lm e id a , esclam ou no P arlam en­
to, "Senhores, há 75 anos que a m açonaria nos g o v e r n a " .
Que diria C ândido M endes se tivesse lido os cadernos de a n o ta ­
ções de Tavares Bastos? Nesses, o d e p u ta d o escrevera, em 1869, que era
do prog ra m a liberal recusar quaisqu er favores para o ensino do clero e
seus seminários, ou para o e x p le n d o r da Igreja. "E n q u a n to o clero era ig­
n o ra n te " , escreveu, " n ã o fazia mal a lg u m ; sua desconsideração apres­
sou o m o v im e n to liberal no país". E c o ntinuo u "E ponto reservado da p o ­
lítica liberal m anter o clero católico no atraso em que ja z ". Passou, e n ­
tão, a propor uma m udança na re lig iã o oficia l do país, " n ã o para
substituí-lo pelo protestantismo, mas por um a igreja naciona l, m o d e la d a
pela dou trin a filo s ó fic a do u n ita ria n is m o e com o casam ento dos
padres".
O P r o te s ta n tis m o fa c e o L ib e r a lis m o e a M a ç o n a r ia
M uitos missionários protestantes se e m p o lg a ra m com o a u x ílio re­
cebido da parte dos maçons e liberais. Outros to m a ra m posição c a u te lo ­
sa, mas nem por isso d e ix a ra m de se a p ro v e ita r do a u x ílio oferecido.
No caso de Daniel P. Kidder, esse foi m uito discreto no que escre­
veu, mas sabemos q ue fez boa a m iz a d e com o padre Diogo Feijó, sena­
dor, Regente do Im pério e c hefe m açom ; que o a m e ric a n o sem pre foi
207
bem recebido pelos presidentes das províncias por onde andou , pois le ­
vava consigo cartas de apresentação de maçons. Isso constatamos nos a r­
quivos do Garrett T heological Seminary, nos papéis de Kidder. Seu e v e n ­
tual cooperador, James Cooley Fletcher, já é um caso diferente.
E quase que certo que Fletcher era maçom . Mais a inda, sua lig a ­
ção com os liberais brasileiros foi bem íntim a, como se pode constatar
em seu livro B razil and th e B ra z ilia n s , e por sua correspondência nos a r­
quivos da Indiana Historical Society. Fletcher entusiasmou-se de tal m a ­
neira com os liberais nacionais que chegou a dizer que tinha certeza de
que, caso a Igreja e o Estado viessem a se separar, a m a io ria dos liberais
brasileiros se tornaria protestante. Q uanto a isso o m édico missionário
escocês, Dr. Robert Reid Kalley, registrou em seu d iá rio q ue Fletcher esta­
va to ta lm e n te e n g a n a d o , que os liberais brasileiros eram uns " i n f i é i s "
(in fid e ls ), que apenas utilizavam o protestantism o para fe rir a Igreja Ca­
tólica.
Já o assistente de Kalley, o inglês Richard H olden, q u a n d o ain d a
estava no Pará (1861-1863) registrou que, em conversa com os liberais lo­
cais, descobrira que eram , na verdade, republican os e separatistas, que
separariam a A m a z ô n ia do Brasil, caso o Im perador morresse. Chegou a
solicitar um p la n o de e m e rg ê n c ia , à d ire to ria de sua missão, para trazer
missionários para o Am azonas, caso tal separação ocorresse, pois seria a
hora mais propícia para obter conversos.
Em Pernambuco, John Rockwell Smith (1846-1918) fez contatos
com a m açonaria e com Ciríaco A n tô n io dos Santos e Silva, m açom , que
se tornara protestante em São Paulo. Ciríaco, aconselh ado por Smith,
fu n d o u o Jornal O V e rd a d e iro C a tó lic o , para o qual Smith contribuiu
com idéias e artigos. Ciríaco, a p a re n te m e n te , fora a pessoa que suprira a
imprensa m açónica p e rn a m b u c a n a com artigos de autores protestantes,
que serviram para e n v e n e n a r o clim a entre o Bispo D. Vital e a m a ço n a ­
ria.
A "Q u e s tã o R eligiosa", de 1872, de tal m an e ira e m p o lg o u os
presbiterianos que esses assum iram a teoria de Fletcher, especialm en te
o m issionário J. Beaty H o w e ll. Em carta escrita à d ire to ria da missão nos
Estados Unidos, p e d ira m mais obreiros para e n fre n ta r a nova situação de
lib e rd a d e religiosa, que os liberais e maçons diz iam que ocorreria em
breve. Indicaram crer que m etade da popula ção, e specialm en te os in te ­
lectuais, o p ta ria m pela igreja protestante, logo que pudessem fa z ê -lo e
entusiasticam ente assim se expressaram:
208
É nosso dever e nosso desejo estar preparados para isso, de mo­
do que quando o Senhor tiver assim arrasado as colinas, enchi­
do os vales e construído uma estrada para si por toda a nação,
sua igreja estará pronta para marchar avante, bela como o sol,
clara como a lua e terrível como um exército com bandeiras.
A separação entre a Igreja e o Estado, tão a lm e ja d a pelos liberais,
maçons e protestantes não ocorreria a in d a , da mesm a m a n e ira q ue a
im igração m aciça de m e io m ilh ã o de confede ra dos, por várias razões,
ta m b é m d e ixa ra de acontecer. A separação da Igreja e do Estado não
ocorreu na q u e le m om e n to , p ro v a v e lm e n te , por causa de um d es ente n­
d im e n to entre o O riente do V ale do Lavradio e o dos Beneditinos. Essa
não é apenas teoria nossa. E a in terpretaçã o da “ Questão R eligiosa",
e la b o ra d a por Robert Freke G ould, e t a lii, na L ib ra ry o f F re e m a so n ry,
p u b lica d a em 1906, em F iladélfia, Londres e M on tre a l.
O s D e s e n te n d im e n to s M a ç ó n ic o s
E fato c o nhecid o que, em 1872, houve tentativa de fusão dos dois
Grande Orientes, necessária para acabar com a dissenção política no Im­
pério, que, em 1869, quase c hegara à guerra civil. No a no an te rio r o Im­
pe ra d o r dera um " g o l p e de Estado", c o n v id a n d o o conservador Visconde
de Ita b o ra í, che fe m açónico do G rande O riente do Lavradio, para Prim ei­
ro M inistro. Isso frustrara os planos da m aço n a ria liberal, que p retendia
que N abuco de A ra ú jo , líder liberal, fosse indic ado para a vaga.
O novo m inistério era to ta lm e n te conservador, a in d a que quase
tota lm e n te m açónico. A n á lo g o ao que ocorrera em 1822, q u a n d o a m a ­
çonaria conservadora de José B onifácio perseguira a liberal, o G abin e te
de Itaboraí passou a perseguir os liberais sem p iedad e. Propostas vieram
de todo o Brasil, endereça das a N abuco de A r a ú jo para que os liberais
fossem às urnas " d e armas nas m ã o s " — um a revolução. M e m b ro s mais
exaltados do Partido Liberal criaram o "C lu b e da R e fo rm a ", e x ig in d o re­
form as e a m e a ç a n d o revolução. As m odific ações não ocorreram de m o ­
do que, no p ró x im o ano, liberais mais radicais ro m p e ra m com o Clube e
lançaram o " M a n ife s to R e p u b lic a n o ", de 1871. Os signatários, na sua
m aio ria , eram maçons, do V ale dos Beneditinos.
A lé m da dissidência re p u b lic a n a , havia outros d e sente ndim entos
entre os liberais. Os re public an os e liberais exaltado s e x ig ia m a total se­
paração entre a Igreja e o Estado. Os " m o d e r a d o s " opunh am -se à essa
idéia, por razões distintas, com o Tavares Bastos registrara em seus c ader­
209
nos — um a Igreja livre seria um perig o para o Estado; era necessário
m antê-la presa ou criar outra igreja naciona l, que ta m b é m seria sujeita
ao Estado.
Em 1870 houve eleições em am bos Orientes. O V ale dos B en e d iti­
nos e le g e u o chefe do Partido Liberal, na v erdade um re p u b lic a n o e x a l­
tado, J o a q u im Saldanha M a rin h o , para Grão Mestre. O V ale do Lavradio
escolheu para Grão Mestre, o c hefe do Partido Conservador, o Visconde
do Rio Branco, que no entanto, era h o m em de idéias m a rc a d a m e n te li­
berais, que, em 1871, seria n o m e a d o Presidente do Conselho de M in is­
tros. Nesse mesm o ano, 1871, o P arlam ento fin a lm e n te ap ro v o u a cha­
m ada "Lei do Ventre Livre", um a c o ntem poriz a ç ão à total a b o liç ã o da
escravatura, proposta pela m açonaria liberal, desde 1864.
A apro v a ç ã o dessa lei ta m b é m m arcou uma a p r o x im a ç ã o entre os
dois Orientes, e um a tentativa de uniã o foi e fe tiv a d a , com o fim de p ro­
m over um p ro g ra m a político de interesse com um . Os d etalhes do acordo
ain d a estão sepultados nos arquivos maçónicos, mas sem d ú v id a a lg u ­
ma, os maçons do V ale dos Beneditinos ultrapassaram os lim ites do mes­
mo, no que se re fe ria à questão religiosa.
Foi no a no de 1872 que recrudesceram os ataques frontais às leis e
tradições que lim ita v a m os direitos civis dos acatólicos. Provocações de
todos os tipos fo ra m feitas à Igreja Católica e ataques a seus dogm as,
através de jornais, criando sérios atritos — em Pernambuco, com o Bispo
de O linda, e no Pará, com o Bispo do Pará.
Certos maçons de alto nível c o n fid e n c ia ra m aos missionários p ro­
testantes que p re te n d ia m levar a luta até a separação da Igreja e do Esta­
do. Isso provocou um atrito dentro da própria m açonaria, um a vez que o
V ale do Lavradio tinha um e le v a d o n ú m e ro de m em bros do clero católico
e era composto, na sua m a io ria , de católicos praticantes.
Uma luta pelo poder, entre Saldanha M a rin h o e Rio Branco, resul­
tou na dissolução da união m açónica. No entanto, o Lavradio saiu em
desvanta gem , pois perdeu 38 das 56 lojas que possuía, as quais se b a n ­
d e a ra m para os Beneditinos.
A Igreja Brasileira ta m b é m enrije c e ra sua posição em relação à
m açonaria. Os bispos de O lin d a e do Pará e x ig ira m a expulsão dos m a ­
çons das fra te rn id a d e s católicas m antened oras dos tem plos, que na sua
m a io ria eram controladas por maçons.
Até qu e ponto Rio Branco foi conivente com a atuação dos ra d i­
cais, é difícil de se d e te rm in a r, sem que se tenha acesso aos docum entos
maçónicos. Talvez ele tenha sido levado a ro ld ã o dos eventos. A fin a l, se
210
o governo aceitasse o que os dois bispos e x ig ia m , reverter-se-ia a situa­
ção, e o G overno passaria a ser tutelado pela Igreja. O p róprio D. Vital dis­
sera: " O u o G o v e rn o do Brasil declara-se acatólico, ou declara-se ca tó li­
co ... Se o G o ve rn o brasileiro é católico, não só não é chefe superior da
re lig iã o católica, com o é seu s ú d ito ..."
A existência da própria m açonaria conservadora e " c l e r i c a l " , co­
mo é c h a m a d a na L ib ra ry o f F re e m a so n ry, estava em jogo. O G overno
d e fe n d e u , então, os seus interesses e seu tra d icio n a l d ire ito ao p a d ro a ­
do. Baseado na Constituição e nos acordos com a Santa Sé, o G overno
a rg u m e n ta v a que as bulas papais c o n d e n a n d o a m açonaria não e ra m v i­
gentes no Brasil. Isso já era um assunto ultrapassado na jurisprudência
brasileira.
Os bispos fo ra m presos e levados a ju lg a m e n to por desrespeito à
lei do Im pério, mas o Internúncio Sanguigni estava c onvencid o de que
tudo não passava de um c om plô, não apenas para separar a Igreja e o
Estado, mas ta m b é m para d e rru b a r o trono. Em c a rta à Santa Sé e xplicou
o acim a e a ventou que o G overno não tinha outra escolha a não ser p u ­
nir os bispos. "Se isto a c o n te c e r", escreveu, " le m b r a i- v o s Reverendíssi­
m o Senhor, que a m o n a rq u ia está agora em g ra n d e p e r ig o " . Sanguigni
p edia, a inda, que pela c lem ênc ia do Papa, o Im pério brasileiro fosse
" im p e d id o de a rru in a r-s e ".
Os bispos fo ra m julgados, c ondenados e logo anistiados. O Pri­
m eiro M inistro Rio Branco e o M inistro das Relações Exteriores, João A l ­
fre d o C orreia de O liv e ira , tin h a m e x p lic a d o o pe rig o que corria o Trono,
ao Internúncio Sanguigni e o mesmo in fo rm a ra a Roma.
Um jogo político a nível interno e outro d ip lo m á tic o , a nível ex te r­
no, fo ra m montados. O Duque de Caxias, c o n g n o m in a d o " o
P acificador", m açom Grau 33°, e católico praticante, foi c h a m a d o a fo r ­
m ar o 2ó° G abinete , em 1875. O G rande O riente do Lavradio c ontinua v a
g o v e rn a n d o o país, porém a gora livre dos radicais, de m odo que os bis­
pos e outros eclesiásticos das dioceses de O lin d a e Pará fo ra m anistiados.
A m ão forte do " P a c ific a d o r " , Duque de Caxias, era necessária
em fu n ç ã o dos distúrbios populares, agora contra o g o v e rn o e a m a ç o n a ­
ria. Em 6 de setem bro de 1874 com eçara o m o v im e n to do " M a ta Português", que logo se transform ara em " M a t a - M a ç o m " , no Pará. A 31
de outubro, do mesm o ano, com eçara o " Q u e b r a - Q u ilo s " na Paraíba,
que se espalha ria em d ireção ao sul, che g a n d o a haver q u e b ra d e ira s até
mesmo em M inas Gerais. Na percepção do G ove rn o Im perial e dos p o lí­
ticos liberal-m açônico s, esses m ovim entos eram liderados pela Igreja, e
211
representavam a q u ilo que a elite do Im pério mais tem ia: a sublevação
da plebe negra e índia contra os brancos e toda a classe d o m in a n te .
O próprio D. Vital contribuíra para essa impressão q u a n d o escre­
via, em 1873:
O Senhor nos preserve de uma guerra religiosa; mas, se para
cúmulo de nossa desventura e expiação de nossos pecados, tal
acontecesse, outro que não o humilde Bispo de Olinda acarre­
taria com a tremenda responsabilidade dos males, cujo alcance
todos podem medir.
M ais a in d a , foi rela ta d o no Parlam ento que e n q u a n to estourava a
revolta do " Q u e b r a - Q u ilo s " , m uita excitação ocorria ao derre d o r da p ri­
são do Bispo D. Vital, no Rio de Janeiro, e que se cochichava, para todo o
m undo ouvir, que em breve " a l g u é m " fu g iria do país, e esse " a l g u é m "
não seria o bispo. A ser ve rd a d e iro esse boato, qu e m seria essa pessoa?
O Im perador? O Prim eiro M inistro Rio Branco? Todos os m em bros do G a­
binete?
A pacificação dos " Q u e b r a - Q u ilo s " foi e fe tu a d a pelos cap u ch i­
nhos. Entre eles estava Frei C aetano de Messina Sobrinho, parente do
Frei Caetano que a in d a era considerado " u m s a n to ", pelos sertanejos.
Se de um lado Frei C aetano Messina Sobrinho p regava a paz, a
m a n d o do G overno, do outro, o tio a m a n d o do G o ve rn a d o r Geral dos
C apuchinhos em Roma, dem onstrava so lid a rie d a d e a D. Vital e tom a v a a
mesm a atitu d e contra a m açonaria. Mais a inda, pregava serm ão contra a
im ig ra çã o , especialm en te a portuguesa " p o r q u e esses eram protestan­
tes", q ue " e m vez de se o cuparem de seus negócios, tornavam -se p ro p a ­
gandistas de doutrinas perigosas e subversivas".
De fato, um grande n ú m e ro de com erciantes e profissionais p ortu­
gueses era liberais e maçons fu g id o s d ura n te os vários períodos repressi­
vos da história portuguesa do século dezeno ve, e fo rm a v a m a nata da
m a ç o n a ria brasileira. Mais a in d a , os vended ores de Bíblias encontrados
pe lo Brasil e fora eram portugueses calvinistas, fug id o s da ilha da M a d e i­
ra, que o Dr. Kalley trouxera para a ju d á -lo no tra b a lh o da Sociedade Bí­
blica Britânica.
Houve estrem ecim entos no p eríodo da pacificação, com o, por
e x e m p lo , a acusação do D eputado Leandro Bezerra M o n te iro , contra Rio
Branco e todo o G abinete , p e d in d o a pena de morte para todos.
Baseava-se o d e p u ta d o na Lei de 15 de o utubro de 1827, que d eclarava
ser traição c o n fa b u la r, dentro ou fora do país, tendo em mira a destrui­
ção da Igreja Católica. A acusação foi negada.
212
Apesar do radicalism o de Bezerra M o n te iro , um jogo bem brasi­
leiro de a c o m o d a ç ã o reiniciou-se. Um acordo com a Santa Sé perm itiu
que os bispos fossem anistiados e, em troca, a interdição das igrejas le­
vantada. " O e p is c o p a d o ", la m entou o Padre Júlio M a ria , restabelece n­
do velhas am izades, fez paz com o re g a lis m o . O clero, im ita n d o seus
pastores, retornou às antigas submissões.
Que o acordo entre os políticos e o clero saiu-se bem, transparece
na fo rm a ç ã o do G a b in e te de 8 de ja neiro de 1878, q ue era liberal e tinha
por base um p ro g ra m a estritam ente liberal, que incluía um projeto do
casam ento civil e uma e m e n d a constitucional que p e rm itiria acatólicos
serem eleitos para a C âm ara dos Deputados. O Primeiro M inistro, João
Lins Vieira Cansação de S inim bu, no entanto, recusou-se a p e rm itir o d e ­
bate do assunto.
A Igreja Católica m anteve sua posição " p r i v i l e g ia d a " , mas, na
verdade, era um a prisioneira do Estado, posição essa que alguns liberais
desejava m que perm anecesse im utável. Não houve m udança na Consti­
tuição, porém aos acatólicos foi p e rm itid o ingressar na Câm ara, por re g i­
m ento in terno a p ro v a d o em 1881, sim plesm ente d e c la ra n d o que o ju ra ­
m ento de fid e lid a d e à Igreja católica era contra suas crenças.
Onze anos passariam entre a fo rm a ç ã o do G ab in e te Liberal de
1878 e a d e rru b a d a do Trono. O prog ra m a liberal, que tinha a ver com o
casam ento e registro civis, secularização dos cem itérios e a lib e rd a d e to­
tal dos cultos, não foi levado adiante . No entanto, a ligação Iib e ra Im açônico-protestante continuo u em outras áreas, com um e le m e n to
com p lic a d o r: o a p a re c im e n to da cha m a d a Igreja Positivista, em 1881.
O positivism o juntou-se ao liberalism o, republican ism o , protes­
tantism o e m aç o n a ria para levar avante o que os positivistas ch a m a va m
de "nosso prog ra m a político de tra n s iç ã o ," o mesmo que os liberais d e ­
fe n d ia m desde 1860. No entanto, o positivism o representava um desvio
das idéias libertárias liberais e predicava um re p u b lica n is m o a u toritário
e dita to ria l, de m o d o que o " p ro g r e s s o " que eles pre g a va m não estava
ligado à idéia das liberdades individuais.
No entanto, a legislação, a partir de 1870, dem onstra q ue o p ro­
gra m a liberal, pouco a pouco, ia sendo a dotad o. Entre outras p o d e ría ­
mos citar a lei de 9 de setem bro de 1870, q ue estabelecia o registro civil
dos nascimentos, casamentos e óbitos, re g u la m e n ta d a em 1874; a Lei do
Ventre Livre, lib e ra n d o todas as crianças nascidas de mães escravas, a
partir de 28 de setem bro de 1871; a criação de cursos noturnos para e d u ­
cação de adultos na corte, em 1878; a re fo rm a do ensino p rim á rio e se­
213
cundário, c h a m a d o "e n s in o liv re " , em 1879; a lei de 28 de setem bro de
1885, r e g u la m e n ta n d o a ex tinção g radual da escravidão; e, fin a lm e n te ,
a gra n d e vitória, qu e foi a lei de 13 de m aio de 1888, d e c la ra n d o extinta
a escravidão no Brasil.
A a b o liç ã o da escravidão se tornara p ro g ra m a m açónico desde 4
de abril de 1870, q u a n d o Rui Barbosa propôs à m açonaria um projeto
que se transform ou em " l e i m a ç ó n ic a ": (1) todas as lojas são o brigada s a
lutar pela e m a n c ip a ç ã o dos escravos e educação do povo; (2) um q uinto
da receita m açónica deve ser utilizada para a lfo rre a r crianças escravas;
(3) a m açonaria se co m p ro m e te a criar escolas gratuitas de ensino p r im á ­
rio para crianças e adultos; (4) n in g u é m mais será aceito na m açonaria
sem jurar que libertará todas as suas crianças escravas do sexo fe m in in o ,
e os já iniciados são o brigado s a fazer o mesm o sob pena de expulsão da
m açonaria.
A luta pela libertação dos escravos causou n o v a m e n te a união
(ainda que te m p o rá ria ) dos dois G rande Orientes, em 1883. H averia o
a p a re c im e n to de um terceiro G rande Oriente, no mesmo ano, irregular e
radical, to ta lm e n te d e d ic a d o à libertação dos escravos, lid e ra d o pelo Se­
nador Silveira Martins.
A C o n tr ib u iç ã o P r o te s ta n te à C a m p a n h a d a A b o liç ã o
Assunto a in d a a ser pesquisado com p r o fu n d id a d e , sabemos, no
entanto, que a Igreja Fluminense, do Dr. Robert Reid Kalley foi pio n e ira
nesse assunto. Desde a sua fo rm a ç ã o , na década de 1850, estabeleceu
que n in g u é m seria aceito com o m e m b ro da Igreja sem liberar seus escra­
vos.
A c a m p a n h a da a b o liç ã o foi seguida de perto pelo m enos por um
m issionário protestante, o p resbiterian o Emm anuel V anorde n, que dela
p articipou de várias m aneiras: com o a m ig o e c o n fid e n te de Saldanha
M a rin h o , e com o redator do jornal O P re g a d o r C ristã o , órgão a b o lic io ­
nista, no Rio G ra n d e do Sul. M ais a in d a , por conta própria, foi aos Esta­
dos Unidos para se entrevistar com o Presidente Ulysses G rant e reclam ar
contra a " U n ite d States a nd Brazil Steamship C o m p a n y " , bem com o a
" B a li Star Line", que estavam transportando escravos da Bahia para se­
rem vendidos no sul. A p rim e ira c o m p a n h ia teve seu contrato não re n o ­
vado com o G o ve rn o a m e ric a n o e a segunda, que era inglesa, foi fo rç a ­
da a suspender essas ativid a d e s pelos ingleses. Em 1877, V a norde n v ia ­
jou à Inglaterra onde fez contato com a Sociedade Anti-Escravagista, da
214
qual se tornou m e m b ro correspondente no Brasil, ju n ta m e n te com Joa­
q u im N abuco, o Dr. F.L. de Gusman Lobo e A n tô n io Rebouças, no Rio de
Janeiro.
V a n o rd e n era da o p in iã o de que a c a m p a n h a da a b o liç ã o fora
p r o fu n d a m e n te in flu e n c ia d a pelas Bíblias que ele e seus com p a n h e iro s
tin h a m distribuído entre os estadistas brasileiros. Essa o p in iã o talvez seja
um tanto e x a g e ra d a . No entanto, não podem os esquecer que desde os
dias de James C ooley Fletcher, (e ele visitou o Brasil fr e q ü e n te m e n te até
1879) os abolicionistas brasileiros re c ebiam literatura anti-escravagista
trazida por ele e distribuída entre os m em bros do Parlamento. Tanto as­
sim que o jornal escravagista da V irgínia, o Richm ond E n q u ire r, em ja­
n e iro de 1865, teceu com entários sobre o " p e r i g o " da in flu ê n c ia y a n k e e
no Brasil, e o fato de que os missionários nortistas estavam fa z e n d o c a m ­
p anha em prol da a b o liçã o , no Brasil.
Um a no mais tarde, o a g u e rrid o Rev. B allard Dunn Smith, exo ficia l de a rtilh a ria do exército c o n fe d e ra d o , e im ig ra n te no Brasil, fez as
mesmas acusações aos missionários nortistas, e a literatura antiescravagista que estavam distrib u in d o no Brasil, espec ia lm e n te um certo
"p a s to r p e r ip a té tic o ", cujo nom e não registrou mas que p ro v a v e lm e n te
era Fletcher.
Esse tópico m erece um estudo bem cuidadoso, com le va n ta m e n to
de toda c orrespondência missionária a m e ric a n a de 1870 a 1888.
A R e p ú b lic a e a S e p a ra ç ã o d a I g r e ja e d o E s ta d o
O a no de 1876 é um ano -ch a v e na história da im ig ra çã o e do re la ­
c io n a m e n to Igreja-Estado. Foi o a no do in d u lto dos bispos e do com eço
de um a nova im ig ra çã o , a im ig ra ç ã o italiana, em larga escala. O g ra n d e
contrato de Jo a q u im Caetano Pinto Junior, de 1874, para trazer 100.000
im igrantes da Inglaterra, Suíça e norte da Itália, resultou em um a im ig r a ­
ção quase qu e exclu siva m e n te italiana, mais a d a p tá v e l à cultura e m eio
a m b ie n te brasileiros.
A gra n d e conte m p o riza ç ã o de 1876 ta m b é m provocou um m o v i­
m ento subterrâneo d e ntro da p rópria m açonaria, lid e ra d o por maçons
republicanos, que d e c epcio nados por não p o d e re m m u d a r a legislação
pelos m étodos legais, com eçou a m ontar um co m p lô contra a m o n a r­
quia.
Devemos confessar q ue não vim os os d ocum ento s maçónicos con­
cernentes a este período. Porém, baseados no que foi pub lic a d o , espe­
215
c ia lm e n te por N icola Aslan, sím ile ao que ocorrera com o m o v im e n to da
in d e p e n d ê n c ia , a declaração da República ocorreu p rim e iro dentro da
m açonaria.
Um grupo m açónico, composto por B enjam in Constant, Q u in tin o
Bocayuva, M a jo r Frederico Solon Sam paio, Rio Barbosa e o Senador
Francisco G licé rio decidiu que o m o v im e n to m ilitar, lid e ra d o pelo M a r e ­
chal D eodoro da Fonseca, para derru b a r o 36° (e ú ltim o ) G ab in e te do Im­
pério, seria levado às últimas conseqüências, até a d e rru b a d a do Trono.
O Senador G lic é rio foi c h a m a d o às pressas de Cam pinas, por C ampos Sa­
les. Q u in tin o Bocayuva foi e n ca rre g a d o de org a n iz a r o novo M in isté rio a
ser c h e fia d o pelo M a re c h a l Deodoro. Todos os escolhidos eram maçons e
republican os m ilitantes. A data m arcada seria o d ia 17 de nove m b ro , mas
foi an te ce d id a para o dia 14, e te rm in o u ocorrendo no dia 15.
Com o ev e n to da República, c hegav a ao fim a g ra n d e luta pela
separação da Igreja e do Estado e pelos direitos civis dos acatólicos. Rui
Barbosa pessoalm ente re d ig iu os decretos separand o a Igreja e o Estado,
securalizando os cem itérios, e n fim , tudo a q u ilo por q ue os liberais, re p u ­
blicanos, maçons e protestantes v in h a m se batend o há mais de 30 anos.
Isso teria ocorrido em fu n ç ã o de um c om plô, a ser verídico o que relata a
literatura m açónica, m o n ta d o dentro da m aç o n a ria e à re ve lia dos m a ­
çons monarquistas conservadores e dos liberais monarquistas.
C o n c lu s ã o
Se d ú v id a que a idéia do " p r o g r e s s o " foi o e le m e n to que unificou
o liberalism o, a m aço n a ria e o protestantismo no Brasil do século d e z e ­
nove. A princípio a idéia do progresso com o libe rd a d e , em seu sentido
a m p lo , para o país e para o in divíduo , foi adotad a. M ais tarde essa idéia
do progresso é a m p lia d a para incluir o d e s e n v o lv im e n to econ ô m ic o , tec­
nológico e científico, progresso esse a ser introduz ido no Brasil através
da im ig ra ç ã o g e rm â n ica e anglo-s axô nic a, e pela im portação do protes­
tantismo. S ubseqüentem ente, com o a d v e n to do positivism o no Brasil, a
idéia do progresso passou a ser associada à idéia do poder, da " o r d e m " , a
ser im p la n ta d a por um a " d ita d u r a r e p u b lic a n a " , negando-se assim o
sentido o rig in a l do progresso com o liberdade.
A c onex ão lib e ra lism o -m a ço n a ria -p ro te sta n tism o não chegou
p ro p ria m e n te ao fim , com o a d v e n to da República. No entanto, com o
passar do tem po, o protestantism o tendo a b a n d o n a d o a id éia de con­
quistar a elite brasileira, concentrou seus esforços na e v a n g e liz a ç ã o das
216
cam adas mais hum ildes, d e ix a n d o de lado os assuntos políticos, exceto
em m om entos de crise ou de pe rig o para seus direitos civis.
B ib lio g r a f ia
FONTES PRIMÁRIAS
A r q u iv o Secreto do Vaticano, C idade do Vaticano, Itália, C o rrespond ên­
cia da Internunciatura no Brasil.
A rq u iv o do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ. Coleção Salda­
nha M a rinho.
A rq u iv o Im perial, Petrópolis, RJ, Correspondência de D. Pedro II.
Biblioteca da Igreja Fluminense, Rio de Janeiro, RJ. Diários do Dr. Robert
Reid Kalley e Sarah P. Kalley.
Biblioteca N acional — Seção de Manuscritos, Rio de Janeiro, RJ, Coleção
Tavares Bastos.
B iblioteca do G arret Theological Seminary, Evanston, III, USA, Coleção
Daniel p. Kidder.
B iblioteca W illia m H enry Smith, Sociedade Histórica de Indiana, Indianápolis, Indiana, USA, C oleção Calvin Fletcher.
Sociedade Histórica da Igreja, Austin, Texas, USA. Correspondência das
Missões N acionais e Estrangeiras, Correspondência do Brasil.
Sociedade Histórica Presbiteriana, F iladélfia, PA, USA. C orrespondência
da A m é rica do Sul (Brasil e C olôm bia).
LIVROS E PANFLETOS
ACCIOLY, H ild e b ra n d o . Os P rim e iro s N úncios no B ra sil. São Paulo, Insti­
tuto Progresso Editorial S.A., 1949.
AGUIAR, A n tô n io A ugusto da Costa. O B rasil e os B ra s ile iro s . Santos,
Tip. C om ercial, 1862.
ASLAN, Nicola. P equenas B io g ra fia s de G ra n d e s M açons B ra s ile iro s .
Rio de Janeiro, Ed. M açónica, 1973.
AVÉ-LÂLLEMANT, Robert. V ia g e m p e lo Sul do B rasil no A n o de 1858
p o r... (2 v.). Rio, INL, 1953.
217
BARTOLDI, Giuseppe. M e m o irs o f th e S ecret S ocieties o f th e South o f
Ita ly , P a rtic u la rly th e C a rb o n a ri. London, M urray, 1921.
BASTOS, A u r e lia n o C ândido Tavares. C artas do S o litá rio . 3. ed. São Pau­
lo, Cia. Ed. N a cio n a l, 1938.
COIL, Henry W ilson. C oil's M a so nic E ncyclopaedia. N e w York, McCoy
Pub. a nd M asonic Supply Co., 1961.
DUNN, Ballard Smith. B razil th e H om e fo r S o u th e rn e rs. N e w York, G e o r­
ge B. Richardson, 1866.
FÀY, Bernard. R e vo lu tio n and F re e m a so n ry. Boston, Little, Brown and
Co., 1935.
FLEIUSS, M ax. H is tó ria A d m in is tra tiv a do B rasil. 2. ed. São Paulo, Cia
M e lh o ra m e n to s de S.P., 1923.
FLETCHER, James C ooley e KIDDER, Daniel P. B razil and th e B ra silia n s. 6.
ed. Boston Little, Brown and Co., 1966.
GOULD, Robert Freke, et alii. A L ib ra ry o f F reem asonry. 5 v. Londres,
John C Yorston Co, 1906.
KATZ, Jacob. Jew s and F re e m a s o n ry in E urope, 1723-1939. C am bridge,
H arvard Univ. Press., 1970.
KIDDER, Daniel P. S ketches o f R esidence and T ra ve l in B razil, 2 v. Phila­
d e lp h ia , Sorin and Ball, 1845.
LETI, Giuseppe. C a rb o n e ria e M a s s o n e ria nel ris o rg im e n to ita lia n o . Bo­
lonha, FORNI, 1966.
MARIA, Pe. Júlio. O C a to lic is m o no B ra sil. M e m ó ria H is tó ric a . Rio, Livra­
ria AGIR Editora, 1950.
NISBET, Robert. H is tó ria da Id é ia do P rogresso. Brasília, INL/EDU, 1980.
PALAZZOLO, Fr. Jacinto de, O.F.M. Cap. C rônica dos C apuchin hos do Rio
de J a n e iro . Petrópolis, Ed. VOZES Ltda., 1966.
REIS, Bei. A n tô n io dos. O Bispo de O lin d a P e ra n te a H is tó ria . 3 v. Recife,
Imprensa Ind., 1940-42.
RODRIGUES, José Carlos. R e ligiõe s A c a tó lic a s . Separata do Livro do C en­
te n á rio de 1900. Rio, Jornal do C omércio, 1904.
SOUTO-MAIOR, A rm a n d o . Q u e b ra -Q u ilo s : lu ta s sociais no o u to n o do
Im p é rio . SP, Ed. N ac ional, 1978.
VIEIRA, David Gueiros. O P ro te s ta n tis m o , a M a ç o n a ria e a Q u e s tã o R eli­
g io sa no B rasil. Brasília, Ed. Univ. de Brasília, 1980.

Documentos relacionados