Casa Fiat de Cultura

Transcrição

Casa Fiat de Cultura
Casa Fiat de Cultura
Belo Horizonte
2006
Copyright © 2005 CRIA!CULTURA
Direitos reservados e protegidos pela
Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.
É proibida a reprodução total ou parcial sem
autorização prévia, por escrito, da editora.
Fiat Mostra Brasil. Belo Horizonte : Cria!Cultura,
2006.
160p. 22,5cm.
ISBN 85-60399-00-3
1. Arte contemporânea
CDD 700
Impresso no Brasil
2006
“A Fiat convida você a pensar o futuro”.
Este foi o tema escolhido por nós para assinalar os trinta anos de presença da
Fiat no Brasil. Nenhuma outra frase espelharia melhor nossa atitude, nossa
decisão, nossa escolha de viver o futuro no presente.
O projeto Fiat Mostra Brasil se insere nessa perspectiva de antecipação da
realidade como forma de conquistar o sucesso.
Nos primórdios da informática, um de seus mais brilhantes pioneiros, Alan Kay,
afirmava que “a melhor maneira de predizer o futuro é inventá-lo”.
O nosso convite continua de pé. Pensemos o futuro, vivamos o futuro,
inventemos o futuro na indústria e nas artes, na tecnologia e nos processos
políticos, na educação e no esporte, na saúde e na inclusão social.
Nós, da Fiat, buscamos fazer a nossa parte. E assim o faremos sempre, porque,
daqui a trinta anos, o futuro ainda estará por ser inventado e nós seremos
atores dessa nova aventura.
Cledorvino Belini
Presidente | Fiat Automóveis Brasil
fiat mostra brasil
4|5
Histórico do projeto
26 de junho 27 de junho
27 de junho a
25 de agosto 22 de setembro 27 de outubro 6 de novembro
2 de dezembro Lançamento do hot site
Lançamento do edital
Inscrições
Divulgação dos selecionados
Montagem
Abertura
Encerramento
2.221 artistas inscritos
2.833 trabalhos inscritos
30 obras selecionadas
21 prontas
9 em projeto
R$ 360.000,00 concedidos em prêmios aos artistas
96.661 visitas ao hot site
www.fiatmostrabrasil.com.br
Realizada no Porão das Artes da Fundação Bienal,
durante a 27a. Bienal de São Paulo, Como Viver Junto – curadoria geral: Lisette Lagnado
fiat mostra brasil
Apresentação projeto
Informações sobre o projeto
Apresentação Mostra
Bloco imagens
artistas
adriana barreto e bruna mansani (projeto)
andrei thomaz
bruno de faria (projeto)
cristiano lenhardt
daniel escobar
daniel trench e felipe cohen
fabiana wielewicki
fabíola tasca
grupo empreza (projeto)
grupo gia
henrique oliveira
kátia prates
leonora weissmann
luiz roque
marcus bastos (projeto)
mariana silva da silva
mariane rotter (projeto)
marta neves (projeto)
martha gabriel
milena travassos
mm não é confete (projeto)
nydia negromonte (projeto)
raquel stolf
ricardo cristófaro
rodrigo borges
rodrigo freitas
thais ueda (utopédia)
vera bighetti
vulgo (wellington cançado e simone cortezão)
Processo de montagem
Equipe de curadores
marcos hill
eduardo de jesus
giselle beiguelman
járed domício
maria ivone dos santos
mariza mokarzel
stéphane huchet
considerações finais
10
11
12
13
15
16
20
24
28
32
36
40
44
48
52
56
60
64
68
72
76
80
84
88
92
96
100
104
108
112
116
120
124
128
132
136
138
140
142
144
146
148
150
152
| Adriana Barreto | São José dos Campos, SP, 1969 |
| Bruna Mansani | Siqueira Campos, PR, 1979 |
| Graduadas em arte e mestrandas em poéticas visuais pela Universidade do Estado de Santa
Catarina, realizam em parceria, desde 2004, trabalhos que buscam relações no sistema das
artes e além dele. Participaram de workshop de performance realizado durante o 15º Festival
Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (São Paulo, 2005). Vivem e trabalham em Florianópolis, onde mantêm o projeto móvel Espaço contramão, que propõe intervenções artísticas
dentro de ambientes domésticos. |
| Bruno Aranha | convidado | São Paulo, 1982 |
| Formado em cinema pela Fundação Armando Alvares Penteado, trabalhou com direção de
arte e figurino para publicidade e curtas-metragens. Estudante de moda na FAAP, ingressa,
com Vale lugar ao sol, no campo das artes visuais. Vive e trabalha em São Paulo. |
Os trabalhos da dupla acionam uma espécie de jogo-teia
que procura não apenas o infiltramento no entorno, mas a inclusão participativa do público, tanto da instituição quanto de outros
espaços da cidade. Vale lugar ao sol inclui a criação, o lançamento
e o sorteio de um vale que dá ao vencedor o direito de participar de
uma performance com as artistas. O contemplado escolhe o lugar do
Brasil para onde viajará, com todas as despesas pagas, para passar
24 horas e participar da obra. Ganha ainda o direito de ter seu nome
incluído na lista de participantes do Fiat Mostra Brasil. Na volta da
viagem, o trio apresenta um registro da viagem.
adriana barreto
e bruna mansani
| bruno aranha | convidado
fiat mostra brasil
adriana barreto e bruna mansani
14|15
vale lugar ao sol
| perfomance | 2006
O projeto
Em qual lugar do Brasil você gostaria de passar um dia entre 2 e 8 de
novembro de 2006 com as artistas Adriana Barreto e Bruna Mansani?
“A partir de nossa posição de inter-relação social, pensamos, à maneira
de Bourriaud, que o lugar de exibição pode ser visto como um espaço
de coabitação, um cenário aberto aos acontecimentos, onde é possível
ressignificar pequenos atos e colocar em questão os valores da arte.
Esta ação colaborativa segue a lógica de uma série de trabalhos nos quais nos
apropriamos da situação (evento) que nos acolhe para criar uma estratégia
bem-humorada de interação com seu environment (organização, funcionários,
artistas, curadoria, público). Denominamos isso Situation Specific, Dispositivo
Relacional ou Performance Expandida.
A série inclui RIFA BENEFICENTE Passe um dia ou uma noite conosco
(performance na qual buscávamos recursos para financiar nossa tese de
conclusão de curso) e RIFA BENEFICENTE - 2 Leve duas artistas periféricas para
um passeio em São Paulo (realizada na tentativa de pagar nossa permanência
em São Paulo durante workshop de performance no Festival Internacional de
Arte Eletrônica Videobrasil), ambos de 2005.
Em Vale lugar ao sol, invertemos essa lógica, levando em consideração o prólabore oferecido pelo Fiat Mostra Brasil. Fomos promotoras e financiadoras da
situação criada: um sorteio que deu ao vencedor uma viagem de um dia para
qualquer lugar do Brasil em companhia das artistas.”
fiat mostra brasil
adriana barreto e bruna mansani
16|17
20|21
fiat mostra brasil
artistas
| Andrei Thamaz | Porto Alegre, 1981 | Mestrando em artes pela Escola de Comunicações e
Artes da USP, desenvolve pesquisa relacionada às manifestações do labirinto nos jogos eletrônicos. O tema é central nos trabalhos de web arte que vem criando desde 2000, que exibe em
festivais e exposições de arte eletrônica no Brasil e no exterior. Vive e trabalha em São Paulo |
www.rgbdesigndigital.com.br |
Uma das páginas do livro The Language of New Media,
de Lev Manovich, é percorrida por pequenos círculos vermelhos. Cada círculo é acompanhado por um som em looping
e possui seu próprio tempo de animação. À medida que os
círculos entram em cena, novos loopings sonoros, de diferentes durações, são acionados, tornando ainda mais complexo
um resultado que nunca é constante.
andrei thomaz
fiat mostra brasil
andrei thomaz
20|21
fiat mostra brasil
andrei thomaz
quando uma página torna-se um labirinto
| web arte | 2006
22|23
| Bruno Faria | Recife, 1981 | É graduando em artes plásticas pela Fundação Armando Alvares
Penteado. Vive e trabalha em São Paulo e Recife. |
O trabalho aborda temas pertinentes ao mundo da
arte, como a questão mercadológica e a noção de propriedade
particular por trás das coleções. Também toca um dos gêneros
mais recorrentes na história da arte. Uma paisagem é adquirida em um programa de leilões na TV. Além do registro da
aquisição, o artista expõe a própria tela.
bruno faria
fiat mostra brasil
bruno faria
24|25
delivery: coleção particular
fiat mostra brasil
bruno faria
| Videoinstalação/teleintervenção | 2006
26|27
| Cristiano Lenhardt | Itaara, RS, 1975 | wwFormado em desenho e plástica pela Universidade Federal de Santa Maria (RS), estudou no Torreão, em Porto Alegre, sob a orientação
do artista gaúcho Jailton Moreira. Integra, desde 2002, o Grupo Laranjas, que realiza ações
urbanas. Recebeu a Bolsa Prêmio do 26° Salão de Artes de Pernambuco (2005). Vive e trabalha em Recife. |
O trabalho se insere em um contexto expandido de
representação da realidade, deslocando-se para dentro da atmosfera na qual enfrentamos, com nosso corpo/matéria, tudo que nos
envolve. Uma bandeira que é colocada, solitária, num contexto
vazio de pessoas, numa paisagem desértica ou no aglomerado
da multidão, cria uma espécie de contrafluxo, onde se ganha
visibilidade acentuada do entorno e a noção de permanência/existência do local ou situação, independentemente da presença do
espectador. Instaura-se, assim, uma reflexão sobre o tempo, a
permanência, a ilusão e a edição.
cristiano lenhardt
fiat mostra brasil
cristiano lenhardt
28|29
ao vivo
fiat mostra brasil
cristiano lenhardt
| instalação | 2002
30|31
| Daniel Escobar | Santo Ângelo, RS, 1982 | Graduado em artes visuais pelo Instituto de Artes
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, participou do 19º Salão Jovem do MARGS e foi
premiado no 17º Salão de Artes Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre (2006). Um ano
antes, escolhido entre os participantes do VI Concurso de Artes Plásticas Contemporâneas do
Goethe-Institut de Porto Alegre, apresenta a individual Perto demais na instituição. Vive e trabalha
em Porto Alegre. |
A série Perto demais parte de uma aliança com o processo
de um meio de comunicação de massa em ininterrupta mutação: o
outdoor. O fluxo de sobreposições indiscriminadas que decorre desse
sistema norteia a construção dessas pinturas, produzidas a partir de
fragmentos de cartazes publicitários. Com a interferência de pequenos furos, as imagens são transformadas em grandes rendas que
deixam transparecer suas sucessivas camadas. O trabalho passa a ser
determinado por essa dinâmica geradora de metamorfoses.
daniel escobar
fiat mostra brasil
daniel escobar
32|33
permeável I
| (série Perto Demais) | Pintura – papel de outdoor e verniz | 3,1 m x 2,25 m | 2006
fiat mostra brasil
daniel escobar
permeável II
| (série Perto Demais) | Pintura – papel de outdoor e verniz | 1,6 m x 2,2 m | 2006
34|35
Não
vou aqui investigar
a etimologia
ou mesmo
o sentido
jurídico da palava. Nem
tampouco
Decidimos
apontar
vetores
da arte
contemporânea
brasileitentar descobrir o motivo de tanto interesse por parte do público neste tema. A idéia é inra em detrimento de tendências. Optamos por assumir o ristensificar o debate a cerca das curadorias, especificamente a que gerou a Fiat Mostra Brasil.
co de
naquilo
que está
à margem
do circuiAntes
de apostar
mais nadatambém
é preciso pensar
a produção
artística
contemporânea
como
to território
da artemóvel,
contemporânea
aí galerias,
museus,
um
uma plataforma(incluindo-se
movediça que desliza
incessantemente
enfestivais
tradicionais
e
inserção
midiática).
Para
os
curatre os mais diversos e complexos agenciamentos sociais,9 culturais, políticos e
econômicos
se assemelha
em nadacumpre
a um discurso
concluído,
dores do entre
Fiat outros.
MostraNão
Brasil,
esse prêmio
um papel
de
mas
sim
a
um
tatear
constante,
uma
inundação
de
dúvidas
vindas
da
produção
evidenciar possibilidades em aberto, que podem se consoliedar
da reflexão
artísticas
realizadas no sobretudo,
domínio do tempo
presente.territórios.
Múltiplas liou
não.
Interessou-nos,
liquidificar
nhas de força caracterizam estas atividades que sempre atuam nesta urgência.
Esquecemos,
a ordem
das previsibilidades
Situações
diversas intencionalmente,
e em movimento constante.
Arte contemporânea
talvez seja
e do supostamente
coerente
com otermos
mercado
arte e seus
isto.
Se pensarmos
nestes mesmos
sobrede
a produção
ar-
implacáveis
Não se
aqui se
dedesdobrar,
conferir ainda
uma
tística
brasileira,trends.
talvez seja
vertrata
o território
9 possível
mais,
ampliando-se
em novas
e direçõespor
queum
inevitavelmenespécie
de ISO 9000
das situações
artes, atestado
grupo de
tecuradores.
passam pelos
inúmeros
e sociais
enfrentados
Trata-se,
ao problemas
contrário,políticos
de investir
no arrojo,
nos
hoje
em
dia,
que
refletem,
de
uma
forma
ou
de
outra,
nos
modos
conceitos e no debate. 9 Investimos, neste momento, em
de
produção,
exibição,
conservação
e refletir:
fomento da produção
artística.
idéias
e
projetos
que
pudessem
a)
Compromisso
9
A situção, aqui sim, é de extrema urgência. Questões curatoriais em
com pesquisa.
Politização
dosaumentam
meios, das
formas e de
9 b)como
situações
tão extremas
as do Brasil
a complexidade
seus
resultados.
c)
Postura
crítica
em
relação
ao
que
“con9
da produção e da reflexão
artística.
Em uma série de
pequenos
vémdeser”
arte.
que falarBALTIC
de futuro
é jogar
coma
livros
bolso
o Centro
de Arte Contemporânea
, da Inglaterra
ligado
9 Resolvemos
Universidade
de New Castle,
publicou
a transcrição de encontros
curadores
probabilidades,
incorrer,
circunstancialmente,
ementre
erros
para
epermitir
artistas. A resultados
conversa, apesar
de
amistosa,
mostra
a
tensões
típicas
do
sistema
não projetados. Interessou-nos chamar a
da
arte contemporânea.
Em e
uma dos
debates
a ex-curadora
do P.S.1,
espaço vinatenção
para
a
idéia
prática
dos
processos,
encampando
culado ao Moma e dedicado a arte contemporânea, Carolyn Cristov-Bakargiev
todassuas
as dúvidas
vicissitudes
que essa
decisão
implica.
Curadores
aponta
nos processos
curatoriais
e afirma
se sentir9 mais
confortável
docuradorias
Fiat Mostra
Brasil.
(“blogarte”,
nas
para exposições
individuais
do que em 22.09.06,
coletivas, já que11h44)
acredita
Tenho várias uma
perguntas
o critério
de oseleção.
1) “Vetores
estar desenvolvendo
espécie sobre
de monografia
sobre
artista . Esta
analogia
desenvolvida
aproximando
as curadorias
de monografias
da arte” é por
umCristov-Bakargiev
nome mais bonito
para novas
tendências?
2) O queé
interessante
para vermos
muitas
possibilidades de
de desenvolvimento
curatorial
vocês quiseram
dizer ascom
“liquidificação
territórios”? (“mouse”,
A22.09.06,
idéia de desenvolver
uma
curadoria
como
espaço
de
reflexão
e
de
debate
parece
aproximar
as
12h16)
Interessante o projeto. Pena que será exibido
idéias de Cristov-Bakargiev das de Jean-Christophe Royoux, experiente crítico de arte e curador
num porão feio e escuro, numa cidade farta de opções de arte, e não aqui em
francês que em uma mesa redonda durante jornada de debates da 26ª Bienal de São Paulo em
Belo apontou
Horizonte,
na Casa
Fiat oucomo
nos um
espaços
cidadejunto
carente
mostras
2004,
o trabalho
do curador
geradordesta
de discursos
com ode
artista.
Para
importantes.
(“romina”,
24.09.06,
7h21) da crítica dePensamos
emconstitui
“vetores”
Royoux:
“o exercício
da curadoria
é uma extensão
arte, e portanto
uma
me animou a postura generosa dos fomentadores do Fiat Mostra Brasil de respaldar a idéia de apostar no pouco conhecido,
no pouco inserido, no pouco “badalado”; além da autonomia
dada à curadoria, formada por brasileiros de norte a sul do país
e mais comprometidos com a educação e o fomento artístico
do que com o glamouroso mainstream. (Marcos Hill, 27.09.06,
8h56)
Existem trabalhos selecionados que estão envol-
vidos em processos intensos de pesquisa e nem por isso são tecnológicos. Às vezes estão ligados a processos artísticos que não se
pautam por qualquer questão tecnológica, como performance ou
pintura. E qual o problema em se ter formação acadêmica e atuar
como artista? Artistas autodidatas ou com formação acadêmica
estão no mesmo barco e podem, cada um a seu modo, dentro de
suas pesquisas, desenvolver bons trabalhos. (Edu Jesus, 27.09.06,
17h34)
Concordo com o que o Eduardo de Jesus disse. A técnica e a pesquisa
são muito importantes na arte. Sem pesquisa os irmãos Van Dyck não nos trariam a pintura a
óleo e os renascentistas não resgatariam a perspectiva. Se o tempo passa, a arte anda com ele,
e isso acontece graças à busca que o artista faz. Não importa o caminho. (“mouse”, 28.09.06,
7h32)
* Trechos de discussão registrada no Blogarte, espaço virtual criado pelos curadores do Fiat Mostra Brasil e aberto à participação de público, artistas e organizadores. A íntegra dessa discussão está em blogearte.blogspot.com.
porque
os trabalhos
selecionados
representam
fluxos
energia
distin-.
forma
de discurso.
Uma exposição
é um discurso
que um curador
elaborade
junto
com o artista”
As
duas
posições explicitam,
entre outros processos.
pontos, queSobre
alguns“liquidificação
processos de curatos
e representativos
de expressivos
de
doria
se estruturam
na tentativa
dehá
colocar
pensamento
em ação em ebusca
de
territórios”,
constatamos
que
uma ogrande
experimentação
mistusituações
de
confronto
e
de
diálogo
entre
a
produção
artística,
a
vida
social
e
ra de gêneros, demonstrando que temos de observar com atenção ao
campo teórico. Conseguindo com isso provocar no público reflexões e aproximaexpansão
do fazer
para além
dasexperiência
práticas artísticas
consolidadas.
ções
que podem
reverberar
em uma
ampliadora
dos sentidos (Mae do
ria
Ivone,
24.09.06,
8h33)
Qualquer
seleção
dessa
naturepensamento. A minha experiência na curadoria da Fiat Mostra Brasil, apesar de
zaum
sempre
contará
inclusive
a subjetividade de
quem seleciona.
ser
exposição
coletiva,
seguiucom
esta direção.
Encontramos
diver-
sidade,
aberturas
e contaminações
de toda
ordem,
Não quero
isentar-me
da possibilidade
de erro
ou desobreposições
alguma miopiae
justaposições
entre
o
global
e
o
local,
pesquisas
com
os
mais diversos
involuntária. Quando assumi a responsabilidade de selecionar
trinta
propostas entre 2800, sabia muito bem dos riscos. Por outro lado,
fiat mostra brasil
blog
fiat mostra brasil
blog
36|37
| Fabiana Wielewicki | Londrina, PR, 1977 | Bacharel em artes plásticas pela Universidade do
Estado de Santa Catarina e mestre em artes visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, produz desde 2000 uma obra na qual utiliza artifícios do dispositivo fotográfico para criar
situações de ficção. Entre 2002 e 2006, participou de coletivas em Curitiba, Belo Horizonte,
Florianópolis e Porto Alegre. Realizou as individuais Paisagem programada (Pinacoteca Barão
de Santo Ângelo, Porto Alegre, 2005), Os segredos da boa fotografia (MASC, Florianópolis,
2003) e Paralaxe (MIS, Florianópolis, 2001). Dá aulas de fotografia e arte contemporânea no
SESC SC. Vive e trabalha em Florianópolis. |
Algumas paisagens idealizadas nos remetem à própria
situação da fotografia: o pôr-do-sol, o mar, as montanhas e outros “temas” registrados incansavelmente parecem se converter
em imagem fotográfica antes mesmo de serem fotografados.
A série foi estruturada a partir do interesse de estabelecer um
confronto entre esses “temas” e a paisagem urbana vista da
janela de um apartamento em Florianópolis. As imagens de
paisagens inseridas nas janelas e na sacada do apartamento
têm como elemento comum o mar. O fato de viver em uma ilha
instigou a artista na escolha e na “invenção” de uma ilha frágil
no 8º andar de um edifício, construída com paisagens de papel
também frágeis – física e conceitualmente. Produzidas a partir
desse confronto, estampas do mar, vistas da cidade e fotografias
resultam em situações de uma segunda natureza.
fabiana wielewicki
fiat mostra brasil
fabiana wielewicki
38|39
sem título
| (da série 2ª natureza: 8º andar) |
fotografia | 0,8 m x 1,05 m | 2006
fiat mostra brasil
fabiana wielewicki
sem título
| (da série 2ª natureza: 8º andar) |
fotografia | 0,8 m x 1,05 m | 2006
sem título
| (da série 2ª natureza: 8º andar) | fotografia | 1,05 m x 0,8 m | 2006
40|41
| Fabíola Tasca | JJuiz de Fora, MG, 1969 | Graduada em psicologia pela Universidade Federal
de Minas Gerais e em artes plásticas pela Escola Guignard, tem mestrado em artes visuais pela
Escola de Belas Artes da UFMG. Iniciou seu percurso artístico por meio de experiências com a
pintura. Atua como professora de crítica de arte na Escola Guignard, onde desenvolve projeto
de pesquisa sobre a produção de site-specifics, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig). Vive e trabalha em Belo Horizonte. |
O interesse pelas dinâmicas de relação autor-leitor,
pelos processos e estratégias de inserção do trabalho no sistema da arte e pela disposição do projeto artístico em relação a
um contexto mais amplo de práticas sociais marca o trabalho
da artista. Escritura é o título de um livro que narra seu encontro com um morador de rua de Diamantina chamado Sabá.
Também é o título do procedimento de circulação do livro que,
desde janeiro de 2003, vem sendo oferecido a leitores determinados. O que se expõe é o resultado do endereçamento de
Escritura: os nomes dos leitores e o período de empréstimo. O
acesso facilitado ao livro visa envolver os interessados, tanto
como usuários quanto como articuladores da história.
fabíola tasca
fiat mostra brasil
fabíola tasca
42|43
escritura
fiat mostra brasil
fabíola tasca
| instalação | 2006
44|45
| Felipe Cohen (foto)| São Paulo, 1976 | É bacharel em artes plásticas pela Fundação Armando
Alvares Penteado. Realiza objetos, instalações, desenhos e vídeos. Participou do programa de
exposições no Centro Cultural São Paulo em 2002. Apresentou individuais na Galeria Virgílio e
no Centro Cultural Maria Antônia, em São Paulo. Vive e trabalha em São Paulo. |
| Daniel Trench | São Paulo, 1978 | Bacharel em artes plásticas pela Fundação Armando Alvares Penteado e mestrando em poéticas visuais pela Escola de Comunicações e Artes da USP,
atua como designer gráfico e artista plástico. Realizou individuais no Ateliê 397 (2006) e Paço
das Artes (2004) e coordenou a instalação Grande linha no SESC Pompéia (2005), São Paulo.
Esteve na coletiva Brasil em cartaz (Chamount, França, 2005) e na Bienal de Design Gráfico
da ADG (2004-05). Participou, como artista convidado, da seção Contemporâneo, da revista
Bravo! (2005). Foi selecionado para o Prêmio Porto Seguro de Fotografia e para o 14º Festival
Na contramão da linguagem do videoclipe, o trabalho
tem vocação contemplativa, característica que parece aproximá-lo da linguagem da pintura. O formato widescreen do
monitor reforça essa vontade: sua horizontalidade nos remete
às clássicas proporções da pintura de paisagem.
Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (2003). Vive e trabalha em São Paulo. |
fiat mostra brasil
felipe cohen e daniel trench
felipe cohen
e daniel trench
46|47
fiat mostra brasil
felipe cohen e daniel trench
o sonho de constantino | videoarte | 2006
| Coletivo formado em 2002 em Salvador pelos artistas visuais e designers Cristiano Piton (Salvador, 1979), Everton Marco Santos (Salvador, 1981), Ludmila Britto (Rio de Janeiro, 1980),
Mark Dayves (Boston, Massachusetts, EUA, 1982), Pedro Marighella (Salvador, 1979) e Tiago
Ribeiro (Conceição do Coité, BA, 1979). Aproximando arte e cotidiano, busca mídias alternativas e formas não-oficiais de disseminar reflexões críticas, propor uma apreensão diferenciada do meio urbano e romper a monotonia anestésica do dia-a-dia. Vivem e trabalham em
Salvador. |
Em suas ações urbanas, o GIA propõe aos passantes experiências
estéticas inesperadas. Apropriando-se da estética do efêmero e do cotidiano
– e lembrando que “O museu é o mundo”, nas palavras de Hélio Oiticica
–, se utiliza de instrumentos da arte contemporânea como performance,
instalação, objetos, ações, intervenções e design gráfico para experimentar
com o corriqueiro. O espaço público torna-se propício a novas experiências
sensitivas e o território de uma arte não-autoral, de situações. O grupo transita
pelas margens do circuito oficial como difusor de operações artísticas efêmeras,
nas quais o espectador tem papel ativo e participativo. Projeta-se à deriva e
caminha por meios nômades, reflexo de sua formação heterogênea.
gia grupo de interferência ambiental
fiat mostra brasil
gia
50|51
O projeto
Projeto de interferências prevê a execução do repertório do grupo
em novos contextos, apropriando-se de situações cotidianas para
maximizar as possibilidades de interação e imersão do público. Resulta
de um método que o grupo desenvolveu para executar seus trabalhos
em diferentes contextos, conservando características originais (estrutura
material e tática) e adaptando-as às novas imposições e possibilidades.
A intenção é garantir os estágios que inspiram os processos coletivos
e permitem a inclusão dos transeuntes no universo reinventado pelo
grupo, como co-autores de uma obra que somente assim se completa.
A proposta é construir ambientes efêmeros e móveis (Caramujos)
que circularão pela cidade servindo de base de apoio ao grupo.
Nos ambientes, público, amigos e convidados serão estimulados a
reproduzir o itinerário de trabalhos do grupo ou fazer propostas.
Acontecimentos relevantes e os trabalhos serão registrados. As
imagens serão expostas no Caramujo, ao lado de mapas e objetos
que componham um diário e sirvam de sinalização e agenda para o
público.
Os procedimentos previstos para guiar as situações são:
Estágio 1 – Abertura dos trabalhos (Samba do GIA)
Criação do Caramujo em locais de acesso irrestrito. Os integrantes
do grupo iniciam uma roda de samba e fornecem instrumentos a
pessoas que aparecerem e convidados. O acontecimento servirá como
apresentação das intenções e pedido simbólico de licença do grupo à
cidade.
Estágio 2 – Execução do repertório
Os trabalhos deverão ser executados ao longo de quinze dias, com
intervalo de um dia entre as interferências. Serão realizadas nove:
Caramujo, Balões, A fila, Pipoca, Não-propaganda, A cama, Régua,
Pic-nic e Presente.
ação 1: caramujo
| O Caramujo é uma tenda de lona amarela (cor que representa
o grupo) cuja função é questionar a própria função: as pessoas são convidadas a interagir com
ela e atribuir-lhe a utilidade que lhes for conveniente. “A estrutura questiona a função primária
do abrigo, a ocupação de um lugar, o processo de territorialização e expectativa de um espaço
sem imagem (a fachada representativa), sem forma e sem função (a planta distributiva de usos
e divisões do espaço) pré-estabelecidas.” (Alejandra Muñoz) | Largo São Francisco, dia 07 de
novembro.
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ação 4: pipoca
| Pipoqueiros profissionais convidados vão
distribuir mil sacos de pipoca carimbados com mensagens de impacto criadas pelo GIA. | Spa da artes, Recife PE - dia 12 de outubro de
2005 (dia das crianças).
ação 5: não-propaganda
| Criticar o consumismo e a submissão do cidadão aos veículos publici-
tários que tomam o espaço público. Em alguma localidade movimentada de São Paulo, serão distribuídos panfletos amarelos e um “homem-sanduíche” circulará carregando uma placa amarela, sem propaganda ou mensagem.
| Dia 13 de novembro
ação 2: balões
| Em 2003, durante a guerra do Iraque, foram
soltos dezenas de balões vermelhos de um edifício alto de Salvador.
Nos balões, as pessoas liam em tiras de papel: “E se fosse uma arma
química?” ou “E se fosse terrorismo?” A obra propõe uma bela imagem
e questiona a vulnerabilidade das pessoas diante de uma realidade
aparentemente distante, num ato de protesto.
Na versão adaptada, serão soltos mil balões de um edifício alto, com
dizeres que estabeleçam um diálogo com um acontecimento da época.
| Av. Paulista, dia 17 de novembro. Ação concebida em parceria com o
grupo PORO (Belo Horizonte/MG).
ação 3: a fila
| Consiste em formar uma fila desnecessária em
frente a algum lugar inusitado. Propõe reflexões sobre a organização
do ambiente e a alienação da vida cotidiana. Remete a espera, regras,
respeito, democracia. | Praça da República. Dia 14 de novembro.
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ação 7: régua
| Uma cama será posicionada em algum ponto de São Paulo, de preferência perto de
moradores de rua. O objetivo é questionar a condição dessas pessoas, que a sociedade já se acostumou a ver
espalhadas pelas ruas. | Banheiros de butecos do centro da cidade, dia 09 de novembro.
ação 6: a cama
| Uma cama será posicionada em algum ponto de São Paulo, de preferência perto de
moradores de rua. O objetivo é questionar a condição dessas pessoas, que a sociedade já se acostumou a ver
espalhadas pelas ruas. | Cruzamento da Av. Paulista com a Consolação, dia 16 de novembro.
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ação 9: presente
| O grupo posiciona um “presente” em algum
ponto da cidade, deixando o pacote à mercê das possibilidades. O objetivo
é instigar a curiosidade do passante diante da possibilidade de haver algo
valioso no pacote. | Metrô Vila Mariana dia 11 e Higienópolis, dia 16 de
novembro.
ação 8: pic-nic
| Consiste em montar um piquenique (toalha,
cesta com alimentos etc.) em algum local da cidade em que desigualdades
sociais sejam visíveis, e convidar moradores de rua para participar. Traz à
tona a questão da fome e da pobreza generalizada que assola o país. |
Viaduto do Chá, Vale do Anhangabaú, dia 15 de novembro.
agradecimentos
| Grupo EmpreZa, Riachão, André Mesquita, Fernanda Albu-
querque, Marco Antônio Silva dos Santos, Dona Ivone Lara, Alexandre Fehr, Zeca Ferraz,
Marcos Kiyoto, EIA, Paloma, moradores de rua de São Paulo(principalmente Sandro) e todos
aqueles que ajudaram para a concretização das intervenções...
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| Coletivo composto pelos artistas plásticos Alexandre Pereira (Goiânia; vive em Macapá), Babidu (Teresina; vive em Goiânia), Bia Miranda (Goiânia; vive em Goiânia), Christiane Frauzino
(Goiânia; vive em Goiânia), Fabio Tremonte (São Paulo; vive em São Paulo), Fernando Peixoto
(Goiânia; vive em Goiânia), Keith Richard (Goiânia; vive em Goiânia), Mariana Marcassa (Bragança Paulista, SP; vive em São Paulo), Paulo Veiga Jordão (Cidade de Goiás, GO; vive em Goiânia). Formado em Goiânia em 2001, se dedica ao estudo e à prática da performance e de outras
linguagens experimentais. O corpo e seus desdobramentos servem de eixo poético à maioria
das ações, que operam com questões como corpo individual e coletivo, corpo privado e público, corpo natural e cultural, e questiona como o corpo se situa nos substratos da realidade.|
Em três videoperformances registradas e exibidas
simultaneamente, o grupo bebe e interage com a câmera
diante do Monumento do Ipiranga, enquanto assiste ao filme
Independência ou morte, e nos festejos do Dia da Pátria, na
Esplanada dos Ministérios. A obra sugere um embate entre o
microrritual horizontal do manuseio coletivo da garrafa e os
ritos espetaculares e hierárquicos da manipulação do poder e
da história. Projetados simultaneamente, os vídeos provocam
vertigem no espectador. Sucessivas e progressivas alterações
nas paisagens criam um ritmo que reproduz a sensação de
embriaguez.
grupo EmpreZa
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grupo empreza
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O projeto
Convidados pela Fiat a pensar no Brasil e no futuro, o Grupo EmpreZa
pensa que Salve, salve! traduz alguns aspectos de sua visão sobre o
tema, vendo de forma crítica, lírica, romântica, satírica, mas sempre
política, os liames temporais e históricos que fazem com que os
conflitos do passado se arrastem, indefinidamente reciclados, para o
presente. Esta seria, talvez, uma forma inteligente de se começar a
pensar no futuro.
Salve, salve! é uma videoinstalação que se compõe da exibição
simultânea, em sala fechada, de três videoperformances. Os atos
serão realizados em dias e locais diferentes, mas constituem-se
da mesma ação básica, dialogando mutuamente e criando uma
trama de significados sobre o seu tema comum: representações da
Independência do Brasil.
A primeira videoperformance ocorreu no Parque do Ipiranga, em
São Paulo, diante do Monumento ao Centenário da Independência,
em 7 de julho de 2006. A câmera foi fixada enquadrando o topo do
monumento e, diante da lente, foi colocada uma garrafa cheia de
cachaça, o que resultou numa deformação da paisagem enquadrada.
Os membros do Grupo EmpreZa iniciaram, então, a ação: beber a
cachaça, aos poucos, até o fim, sempre buscando e devolvendo a
garrafa para a frente da lente da câmera. Assim, ora o vídeo mostra
a paisagem sem interferências (quando a garrafa não esta lá), ora
a mostra filtrada e distorcida pelo vidro e pelo líquido. O resultado
plástico é surpreendentemente pictórico.
A segunda videoperformance, ainda a ser executada, se dará diante
de um aparelho de televisão. A câmera enquadrará exatamente a tela
de um televisor, onde estará passando, em looping, uma seqüência do
filme Independência ou morte (direção de Carlos Coimbra, 1972, com
Tarcísio Meira no papel de D. Pedro I). Novamente, uma garrafa com
cachaça será colocada entre a câmera e o televisor, e os membros do
Grupo EmpreZa irão beber seu conteúdo, sempre devolvendo-a para
a sua marcação em frente à lente da câmera, enquanto conversam e
assistem ao filme.
A terceira videoperformance ocorre durante o desfile do Sete de
Setembro, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. O Grupo EmpreZa
irá para a capital federal e assistirá ao desfile. A câmera estará fixa,
enquadrando o espetáculo. Pela terceira vez, os membros do Grupo
EmpreZa irão destilar a paisagem, filtrando-a através de uma garrafa de
cachaça que será lentamente consumida, enquanto acontece o desfile.
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salve salve
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| vídeoinstalação e performance | 2006
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Como está a produção das artes no Brasil? Qual é o contexto de criação da arte brasileira? Como
Um projeto como
ele influencia a produção? (“blogarte”, 03.07.06, 11h43)
este, que pretende revelar talentos, dará conta de se sobressair por uma
forma antiquada de revelação? Levemos para a galeria os “novos artistas brasileiros” e, depois, como isso se sustentará? Qual a importância
disso para o “contexto de produção” das artes brasileiras? (Carla AndraEssa temática me traz duas questões: a
de, 04.07.06, 10h15)
diversidade de uma produção que em raros momentos consegue
ser visualizada de forma significativa e um sistema de arte que não
dialoga com as necessidades do meio artístico. Quando falamos
em contexto de produção, estamos tratando de algo mais amplo.
Como produzem nossos artistas? Como veiculam seus resultados?
O artista tem hoje de se posicionar não só como realizador, mas
como gerenciador da produção. Elaborando portfólios, estudando
leis e instituições para compreender onde investir seu tempo e dinheiro sem ser enganado. Por outro lado, as instituições buscam
políticas que preservem seus interesses e novos formatos de estímulo à produção. Ainda temos um eixo Rio-São Paulo que responde pela “cara” da arte brasileira, e escolas de arte que parecem não
acompanhar essas discussões. Não vejo soluções claras. Creio que
devem vir dos artistas e de suas ações. (Járed Domício, 08.07.06,
10h41)
Concordo que levar novos artistas para uma exposição não é suficiente. Para dar conta do problema dos museus e espaços
expositivos públicos sem recursos para sustentar uma programação,
temos de admitir que muitas coisas se dão fora da ordem. Como mapear essa produção que se dá na informalidade e se manifesta nas mais
Como a arte sodiversas formas? (Maria Ivone, 08.07.06, 16h39)
brevive no Brasil, senão por iniciativa de artistas informais, que recorrem ao próprio substrato
urbano, de ruas e viadutos, como suporte e galeria? A produção contemporânea de arte consegue se preservar na medida em que se compromete com a sua informalidade. (“für gestaltung”,
A produção de arte no Brasil vem se destacando
09.07.06, 22h58)
em regiões das quais antes não ouvíamos falar. Independentemente do
contexto do mercado, a produção artística difunde suas manobras de
Como exisinserção no circuito. (“traplev”, 11.07.06, 7h56)
surgem por todo país. Precisamos de mecanismos eficientes
para dar voz a essas estratégias. (Járed Domício, 12.07.06,
17h17) Em São Paulo, vi cartazes colados sobre grafites de
gente conhecida. Não eram cartazes de shows ou coisa que o
valha, mas cartazes relativos ao trabalho de Marcia X censurado por uma instituição. Então a arte sai do circuitão denunciando censura e censurando outros artistas! Que ironia. (Paulo Ito,
27.07.06, 12h51)
Desde 1990 os artistas têm buscado construir suas
próprias estratégias de visibilidade fora de um programa visando à legitimação de um
sistema. Como contraponto, emergem as iniciativas privadas, ligadas à distribuição de
lucros de empresas, que entenderam que a atividade artística é, para utilizar um termo
do comércio, “um valor agregado”. Ao abordar contexto e produção da arte temos de
colocar na balança estas várias realidades. Uma primeira questão se apresenta: como
criar condições para que a produção artística possa ser um valor em si? (Maria Ivone,
O contexto de produção no Brasil se tra01.08.06, 5h25)
duz em três questões: recursos, público e fomento. Faltam recursos para pesquisa em arte. É difícil levar a obra de arte ao público.
O governo não tem linha de fomento para as artes visuais. Mas
nós, artistas, seguimos criando. Se não, a vida não vale a pena.
Olhando o outro lado, seria
(“isabel”, 22.08.06, 15h36)
interessante observar como se dá a gestão pública na área da
cultura. Como se constituem os programas em aplicação nos
museus públicos? A cena nacional não poderia se reconfigurar com a troca de experiências entre instituições? Como é a
constituição funcional de nossos museus? De que forma os
acervos públicos se formam? (Maria Ivone, 01.09.06, 9h34)
Percebemos que num país onde aspectos básicos de vida
ainda são problema, a arte consegue pairar como elemento vivo
e crescente da cultura. Pode não ser valorizada economicamente
como muitos gostariam, mas é inegável sua boa aceitação sempre que proposta. (Marcos Andruchak, 17.09.06, 13h20)
tir no circuito de arte? Não basta produzir. É necessário articular
o pensamento sobre a produção e se fazer presente. Não percebo que “certas regiões” centralizam apenas o mercado de arte,
mas também grandes possibilidades (para poucos) de produção
e pensamento sobre arte. Acredito nas ações independentes que
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blog
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| Henrique Oliveira | Ourinhos, SP, 1973 | Formado pela Universidade de São Paulo e mestrando em poéticas visuais pela Escola de Comunicações e Artes, desenvolve uma produção visual
focada na pintura e na relação suporte pictórico/espaço arquitetônico. Integrou o estúdioresidência Atelier Amarelo, em São Paulo. Foi um dos ganhadores do Prêmio Projéteis Funarte
de Arte Contemporânea (2005). Participou do Programa de Exposições do Centro Cultural São
Paulo (2006), do 5º Salão Nacional de Arte de Goiás (2005), do Projetéis Funarte na França
(2005) e da 9ª Bienal de Artes Visuais de Santos (2004). Realizou individual na Galeria Baró
Cruz, São Paulo (2006). Tem obras em coleções particulares e no acervo do Itaú Cultural (São
Paulo). Vive e trabalha em São Paulo. |
Desenhados para esconder e proteger o crescimento
da cidade, os tapumes se transformam em índices de deterioração da própria paisagem metropolitana. Suas camadas de
lâminas, ao se despregar e apodrecer, revelam o orgânico submetido à indústria. Também criam uma proximidade mais do
que alegórica com a pintura modernista, sempre ocupada com
os problemas da materialidade do pigmento, da superfície, do
procedimento. A arte sempre dispôs de meios para representar
a cidade. Aqui, a cidade fornece o corpo capaz de sugerir a
representação de uma idéia de arte.
henrique oliveira
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henrique oliveira
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tapumes
| site specifc |
18,4 m (largura) x 4 m (altura) x
1,2 m (espessura) | 2006
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artistas
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Katia Prates | Porto Alegre, 1964 | É mestre em poéticas visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização em arte e tecnologia pela School
of the Art Institute of Chicago, EUA. Produz séries fechadas em técnicas e materiais diversos,
que mostrou em individuais como Árvores, paisagens, horizontes (Galeria dos Arcos, Porto
Alegre, 2006) e Paisagens (Centro Cultural São Paulo, 2003). Expôs em coletivas no MARGS e
no Museu de Arte Contemporânea, em Porto Alegre, na Funarte (Rio de Janeiro) e nas mostras
Rumos Visuais do Itaú Cultural (São Paulo) e Mostra Rioarte Contemporânea (MAM-RJ). Vive
e trabalha em Porto Alegre. |
O trabalho é constituído por imagens de um único
elemento, focalizado em cena de natureza. São fotografias
que surgem do cruzamento de dois eixos: a busca pela mais
comum das cenas e a aplicação de um corte não-usual ao
gênero da paisagem. O resultado acontece em imagens do
céu diurno. Frente a elas, estamos diante de uma impossível solidez da atmosfera, resultado da bidimensionalidade
fotográfica, e de uma emanação de cor que parece expandirse no campo visual. A obra propõe um olhar que investiga
o contraste entre o visto e o retratado, entre o retratado e o
reconhecido, entre o convencionado e o que ainda escapa à
convenção na paisagem.
katia prates
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katia prates
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paisagens: dia 1
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katia prates
| fotografia analógica | 3 m x 1,8 m cada imagem | 2004
paisagens: dia 2
| fotografia analógica | 3 m x 1,8 m cada imagem | 2004
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| Leonora Weissmann | Belo Horizonte, 1982 | Bacharel em pintura pela Universidade Federal
de Minas Gerais, é artista plástica e cantora, além de professora da mesma instituição. Utilizando principalmente pintura, desenho e objeto, participou de individuais e coletivas no país
e no exterior. Integra o grupo de música Quebrapedra, o grupo cênico-musical Voz & Cia e
a Misturada Orquestra, com os quais conquistou prêmio no projeto Telemig Conexão Celular
2005 e outros. Vive e trabalha em Belo Horizonte. |
A paixão pelo poder de persuasão da imagem e o interesse pela
liberdade de escolha de elementos e processos de criação, como a palavra, a
cor e a música, movem a série Corpos-paisagem. São auto-retratos e retratos em proporção real de amigos e parentes, feitos em tinta a óleo e/ou
acrílica sobre tela. Todos encaram o espectador e têm as costas viradas para
a paisagem que os envolve. Esse díptico retrata Dudu Nicácio e Leopoldina,
músicos parceiros e amigos. Seus corpos se estruturam na pintura a partir de
uma paisagem lúdica, que finge ser a mesma, mas que, ao se tornar pintura,
duplica-se. Ambos se fazem pintura, corpos e paisagens, e ambos são paisagem, pintura e corpos. O espectador externo é responsável por esse infinito e
o torna possível: só ele vê paisagem e figura como uma imagem só.
leonora weissmann
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leonora weissmann
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nome da obra
retratos de leopoldina e dudu nicácio sobre a
mesma paisagem | díptico | pintura | 1,5 m x 2 m | 2004
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| objeto
Xerostrud doluptat la feum vel el ea feugiamet, quat
numsandre venit vent in velenis eugait autat. Ut acilla
coreriusci exer.
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| Luiz Roque Filho | Cachoeira do Sul, RS, 1979 | Trabalha com vídeo, cinema e fotografia.
Participou de coletivas como Mapeamento (Porto Alegre, 2005), Territórios (São Paulo, 2005),
Cinema digital (Recife, 2004), Contemporão (Porto Alegre, 2004) e 45th Competition for Film
and Video on Japan (Tóquio, Japão, 2001). Recebeu bolsa do SPA das Artes/MAMAM de Recife
para realizar a intervenção urbana Amor na Praia de Boa Viagem (2004). Foi premiado no 36º
Anual de Artes da FAAP (São Paulo, 2004) e um dos realizadores sul-americanos selecionados
para o Talent Campus, workshop do Festival de Cinema de Berlim (2005) na Universidad del
Cine em Buenos Aires, Argentina. Organizou a mostra Cinema de artista para o festival Cineesquemanovo (Porto Alegre, 2006). Seu Projeto vermelho foi exibido no 25º Festival de Cinema e
Vídeo Experimental de Zagreb (Croácia, 2006) e no 9º Salão Victor Meirelles, em Florianópolis.
Vive e trabalha em Porto Alegre. |
Projeto vermelho lida com a representação da paisagem,
um dos mais antigos temas da história da arte. A fumaça é utilizada como forma de quebrar o aparente naturalismo das imagens.
Inicia-se, com ela, um processo de artificialização de espaços naturais que leva o espectador a apreciar o filme como obra de ficção,
e não mera representação da natureza.
luiz roque filho
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luiz roque filho
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projeto vermelho
| vídeo-instalação | 2006 |
Direção, roteiro e produção: Luiz Roque Filho | Fotografia e câmera:
Gustavo Jahn | Montagem e som: Letícia Ramos | Aparição: Morgana
Rissinger | Realização: Fazenda Roque Ramos |
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| Marcelo Moscheta | São José do Rio Preto, SP, 1976) | Bacharel em artes plásticas e mestre em artes visuais pela Universidade Estadual de Campinas, suas pesquisas têm foco no
desenho e sua relação com a fotografia. Realizou as individuais Schemata (CCSP, 2006),
Desabitados (Fundação Joaquim Nabuco, Recife, 2006), Notícias da existência do mundo
(Fundação Jaime Câmara, Goiânia, 2005) e Sobre tudo o que se deve guardar (MAC Campinas, SP, 2004). Foi premiado na coletiva do Centro Cultural São Paulo (2006), no 12º Salão
da Bahia (2005), no 4º Salão Nacional de Arte de Goiás (2004) e no Edital do MAC Campinas
(2003). Finalista da edição 2006/2007 do Prêmio CNI/SESI Marcantônio Vilaça, possui obras
em coleções particulares e acervos públicos, como Coleção Gilberto Chateaubriand/MAM-RJ
e Casa de Las Américas, Havana, Cuba. Integra o Centro de Pesquisa em Gravura da Unicamp.
Vive e trabalha em Campinas, SP. | www.marcelomoscheta.art.br |
A idéia do trabalho é a (re)construção de paisagens
retiradas de velhos cartões-postais e de fotos de lugares onde
o avô do artista (que ele nunca conheceu) nasceu e esteve antes de imigrar para o Brasil, em 1921. Propondo a análise do
próprio processo de construção e representação de uma obra,
o artista usa a gravura como meio para discutir as relações de
escala real com o espectador e de distância geográfica e temporal, além de questões sobre sua multiplicidade e seu diálogo
com o universo fragmentado atual e virtual.
marcelo moscheta
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marcelo moscheta
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refeitório
| Gravura em metal sobre poliestireno | 4 m x 2 m | 2006
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marcelo moscheta
Ao longo de nossa discussão neste blog, vemos que o teor predominante nos temas foi muito
o mercado das artes. A figura do curador também é importante nessa discussão. Qual é a sua
função nos dias de hoje? Ele é apenas um filtro ou figura determinante de tendências? (“bloAcho que o curador é uma invenção que
garte”, 12.08.06, 12h48)
pode ser descartada. Os curadores são pouco atrevidos e se escondem
em temas e experiências já incorporadas. Ter o domínio da liturgia, da
oralidade, não garante nada. O curador precisa de conteúdo, conhecimento de arte. Essa questão do curador no Brasil é importante só
para as instituições que precisam deles. (“alexis”, 10.08.06, 17h14)
Na acepção que nos dá Teixeira Coelho no seu Dicionário crítico
de política cultural, curadoria define-se como: “tomar emprestado
algo e com ele construir outra coisa”. Por outro lado, assume um
aspecto pejorativo. A primeira opção diz respeito ao que fazemos
com o que vemos e de que forma o agenciamos. A segunda, a um
poder que nos é outorgado para decidir por alguém “incapaz”.
As duas formas coexistem no nosso sistema de artes. Assumo a
curadoria como uma tarefa de olhar, no horizonte do visível, possibilidades de conversa com um artista. Pensar que uma seleção
não acaba na escolha, mas continua na forma como a exposição se dará. (Maria Ivone, 10.08.06, 21h30)
(No Mostra
Fiat Brasil), vários artistas farão envio de obras para a inscrição e serão
submetidos a uma avaliação por “curadores” que também deveriam
desenvolver mais o seu perfil. Gostaria de abrir um salão para avaliação dos curadores, onde possamos ver a relevância dos seus trabalhos.
Além da dimensão conceitual, o
(“alexis”, 11.08.06, 12h01)
assunto da curadoria tem uma dimensão histórica e política que
paira sobre o circuito artístico sem nunca merecer um tratamento
crítico mais esclarecedor. Não se trata de ignorar ou querer eliminar o curador e a curadoria. Não importando qual seja a “torcida”, curador e curadoria são realidades já bastante intrínsecas ao
universo da arte. (...) Vocês lembram da música que diz: “O sonho
acabou. Quem não dormiu no sleeping bag nem sequer sonhou”?
Pois é. Aquele sonho das neovanguardas dos anos 1950, 1960 e
1970 de, através de um processo revolucionário socialista explícito, combater a injustiça social, acabou mesmo. E, certamente,
o curador surge de modo profundamente comprometido com as
necessidades que as corporações internacionais passam a ter de
capitalizar, em seu proveito próprio, todo e qualquer tipo de manifestação cultural e artística. Notem que, a partir dessa considefiat mostra brasil
blog
ração histórica, as responsabilidades políticas dos artistas e
dos curadores de hoje são algo muito complicado e devem
ser analisadas caso a caso. Há artistas e artistas, e curadores
e curadores. (Marcos Hill, 14.08.06, 8h)
Sem artista
não existe curador ou curadoria. Sem curador ou curadoria, a
arte vai continuar existente. Isso está na cara de todos. (“nave”,
20.08.06, 5h31)
Todo mundo no Rio de Janeiro é artista e curador. Arquitetamos e promovemos nossas próprias mostras. O que precisa de curadoria é a macroescala, senão a Bienal de São Paulo seria um feirão de doer. Mas, no dia-a-dia, o curador é
totalmente dispensável. (“isabel”, 22.08.06, 15h44)
Nossa, é um alívio
saber que pelo menos parte dos curadores dessa Mostra tem
a incrível generosidade de discutir no campo mais democrático possível questões tão delicadas e nas quais seu próprio
trabalho e ideais artísticos são questionados. (Bruno Gularte
Barreto, 28.08.06, 21h36)
Curadores são como os deuses
no Olimpo das artes. Aqueles que escrevem os dez mandamentos
e decretam a destruição de Sodoma e Gomorra. O que farei para
ser abençoado nesse universo??? (anônimo, 11.09.06, 7h19)
Tenho notado que os curadores vêem a arte contemporânea apenas sob a ótica conceitual. O artista que não tem linguagem conceitual não é selecionado. (anônimo, 19.09.06,
No caso do Mostra FIAT, seria muito saudável a rotati11h40)
vidade dos curadores nas próximas edições, para que não se crie
uma “identidade” fixa, e para que ocorra renovação das cabeças
pensantes que escolhem quem participa. (anônimo, 22.09.06,
18h39)
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| Marcus Bastos | Bauru, SP, 1974 | É doutor em comunicação e semiótica e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Seus projetos em novas mídias incluem os banners e
vídeos para painel eletrônico usados na infiltração na mídia Calhau (2006), o DVD Minha terra
tem palms (2005) e os sites circ-lular (2004), com o grupo Preguiça Febril, O livro dos cacos
(2002) e Webpaisagem0 (2002), com Giselle Beiguelman e Rafael Marchetti, único trabalho
brasileiro indicado para o international/media/art/award 2003 (ZKM). Foi selecionado para o
Prêmio Sergio Motta de Arte e Tecnologia 2005-2006 com o ensaio audiovisual dez (ou mais?)
minutos de liberdade. Traduziu para o português The Thoughtbody Interface Environment,
de Bill Seaman e Otto Roesler, e o poema Talk You, parte da instalação Text Rain, de Camilla
Utterback e Romy Achituv. Vive e trabalha em São Paulo. |
Vídeo interativo em que os gestos sobre uma tela
touch screen permitem controlar a opacidade de suas
várias camadas audiovisuais. O trabalho reúne fragmentos
de entrevistas, filmes e sons sobre os temas “liberdades”,
“imagens” e “ruídos”. Os depoimentos foram colhidos em
2006, com intelectuais e anônimos que falam sobre utopias
libertárias, formas de interdição e sua relação com as imagens
e sons que compõem a paisagem contemporânea. São dez
fragmentos que surgem como clusters audiovisuais fora de
controle. Ao navegar pelo projeto, o interator ajusta o foco de
determinadas imagens e sons. Ao fazê-lo, modela da forma
que deseja o conteúdo, em processo que faz do agenciamento
do interator um mecanismo de exercício do pensamento crítico.
Os diferentes temas misturam-se, sem delimitar fronteiras
claras entre um e outro.
marcus bastos
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marcus bastos
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O projeto
Não há diferença entre aquilo de que um livro fala e a maneira como é feito.
Um livro tampouco tem objeto. Considerado como agenciamento, ele está
somente em conexão com outros agenciamentos.
(Gilles Deleuze e Félix Guattari, Mil Platôs)
Em Interface disforme, janelas de vídeo sobrepostas compõem um cluster
que o interator controla por meio de botões que ajustam o volume dos sons
e a opacidade das imagens. O movimento do mouse sobre a tela permite
reorganizar os fragmentos disponíveis.
O projeto explora temas relacionados à cultura digital: pirataria, utopias
libertárias estimuladas pela internet, práticas de vigilância em rede. Construído
a partir de entrevistas e remixes, aproxima o processo de sampleagem dos
agenciamentos de sentido. O sampler entendido como forma de polifonia,
trama de outros que surgem enquanto alguém fala.
Interface disforme estimula a atenção para a voz do outro, para a alteridade,
cada vez mais rara na cultura contemporânea, mundializada, homogênea.
A interface oferecida ao usuário é fluida, mas opaca. “É empresa difícil, e
mais árdua do que parece, acompanhar o andar do espírito, penetrar-lhe as
profundezas opacas e os ocultos recantos” (Montaigne).
Só pelo exercício de buscar as imagens e sons disponíveis, o interator
consegue fruir esse pequeno ensaio em que tudo surge quase ao mesmo
tempo e raramente desaparece (memória invertida em tempos de excesso de
informação). Os volumes de som e as freqüências revelam surpresas audíveis
conforme as combinações são experimentadas.
O desenvolvimento do projeto será feito a partir de pesquisa multimídia
(no acervo da TV Cultura, da TV PUC e na internet) e de gravações de
áudio e vídeo, em locação e estúdio. A pesquisa foi iniciada antes, para
desenvolvimento do projeto dez (ou mais?) minutos de liberdade, que recebeu
Menção Honrosa no 6º Prêmio Cultural Sérgio Motta, e do curta-metragem
radicais livre/os, em desenvolvimento pelo programa Petrobras Cultural
2006/2007.
interface disforme
| web arte | 2006 | Direção e desenvolvimento: Marcus Bastos; Tecnologia: Jim Andrews (DIALs for Adobe Director); Produção: Marta Scheider;
Músicas: Dudu Tsuda; Pesquisa e captação de vídeo: Marcus Bastos e Rodrigo Gontijo; Locução: Daniel Daibem e Joana Ceccato. Agradecimentos: Cicero Inácio da Silva, Daniela
Castro, influenza, Jane de Almeida, Joca Reiners Terron, Lucas Bambozzi, Marcelino Freire, mm não é confete, Natália Mallo e Nelma Salomão. A gravação de 1973 da conversa
doméstica entre Inês Knaut e Flávio Porto foi gentilmente cedida por Joana Ceccato, filha do casal.
fiat mostra brasil
marcus bastos
92|93
| Mariana Silva da Silva | Porto Alegre, 1978 | Graduada e mestre em poéticas visuais pelo
Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é artista plástica e professora
da Universidade de Caxias de Sul. Trabalha com fotografia, vídeo e livro de artista, e centra
sua pesquisa nos conceitos de contato e superfície. Participou das coletivas Pequena distância
(Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2006), 9º Salão Victor Meirelles (Museu de Arte de Santa
Catarina, Florianópolis, 2006) e 8èmes Rencontres Internationales Paris/Berlin (Grande Halle
de la Villette, Paris, França, 2004), e realizou as individuais Litoral (Museu Victor Meirelles,
Florianópolis, 2004) e Pontos de contato (Instituto Goethe, Porto Alegre, 2001). Em 2004,
publicou o livreto de artista Para preencher um buraco, a partir de intervenção realizada em
Porto Alegre. Vive em Porto Alegre e trabalha em Caxias do Sul, RS. |
O trabalho nasce de uma investigação a respeito
das fronteiras do corpo e sua permeabilidade ao exterior.
Tenta-se mapear uma situação de fronteiras em contato por
meio de sua apresentação fotográfica. Tocar as fronteiras
com a ponta dos dedos, com as palmas das mãos, capturar esse contato: momentaneamente os cabelos adquirem
movimento, flutuam por uma carga elétrica permeável a um
corpo exterior.
mariana silva da silva
fiat mostra brasil
mariana silva da silva
94|95
à distância (elétrico)
fiat mostra brasil
mariana silva da silva
| fotografia | 0,40 m x 0,60 m cada | 2003/04
96|97
| Mariane Rotter | Ijuí, RS, 1975 | Formada em artes plásticas pelo Instituto de Artes da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e mestranda em artes pela mesma instituição, dá
continuidade ao projeto de graduação Meu ponto de vista, que consiste em fotografar o próprio cotidiano com enquadramento fixo, na altura do horizonte dos olhos, a 1,30 m do chão.
Vive e trabalha em Porto Alegre. |
Um livro-objeto com seqüências de fotografias que criam
diálogos entre imagens do cotidiano da artista em Porto Alegre e em
São Paulo. Esse diálogo toma outra dimensão no arranjo das imagens
e no contato com o público, que poderá folhear o livro e relacionar
seu próprio cotidiano àquele captado pela artista, como que
compartilhando de uma intimidade comum. Impresso em formato
de bolso, o livro passa por um processo de dispersão e disseminação:
será exposto, trocado, doado e esquecido em pontos da cidade.
mariane rotter
fiat mostra brasil
mariane rotter
98|99
O projeto
“Fotografando com uma câmera portátil digital, tenho agilidade para capturar
imagens no dia-a-dia. Revendo fotografias produzidas desde 2003, reúno-as
em pares, dípticos de imagens que se relacionam. Reagrupadas, tomam novo
sentido.
Muitas vezes pensei minhas fotografias como uma seqüência de gestos, de
detalhes revelados pelo corte.
Este projeto quer romper com a lógica do uso banal da imagem no contexto
do cotidiano. Ele questiona o uso indiscriminado da imagem que não reclama
sentido, valoração e ética em meio à proliferação de cenas reais e objetivas do
mundo contemporâneo.
Minha proposta é produzir pequenos livros, seqüências de fotografias,
diálogos em que imagens do projeto meu ponto de vista: indutor de
percepção cotidiana formarão dípticos com as novas imagens captadas
durante minha estadia em São Paulo.
Os livros serão confeccionados em tamanho de bolso e impressos em uma
tiragem que permita disseminá-los: distribuí-los, deixá-los em bibliotecas,
esquecê-los em bancos de praças, trocá-los com artistas e expor exemplares
para que sejam manuseados.
As ações serão registradas em imagem, fazendo parte do projeto.”
indutor de percepção cotidiana
fiat mostra brasil
mariane rotter
| Fotografia/livro | 2006
98|99
| Marta Neves | Belo Horizonte, 1964 | É formada em desenho e cinema de animação e mestre em artes plásticas pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais. Participou de eventos e coletivas no Brasil e no exterior. Expôs individualmente na Léo Bahia Arte
Contemporânea (Belo Horizonte, 2004), Galeria Circo Bonfim (Belo Horizonte, 2001) e Galeria
Baró Senna (São Paulo, 2001). Dá aulas de estética na UFMG, no Unicentro Newton Paiva e na
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Vive e trabalha em Belo Horizonte. |
A artista descreve sua atividade como uma “tentativa de ironia
e jogo com o seriíssimo ridículo cotidiano”. As 12 tarefas exemplifica sua
aproximação com o kitsch, “visitado, revisitado, abraçado”. A obra é o
registro em vídeo de uma visita guiada por Elke Maravilha a uma exposição de
arte contemporânea no Centro Cultural São Paulo, em outubro de 2006. Os
visitantes são recrutados entre transeuntes da praça da Sé. Durante o passeio,
Elke usa os signos do zodíaco para relacionar arte e vida. As reações das
pessoas e os comentários filosóficos são surpreendentes.
marta neves
fiat mostra brasil
marta neves
102|103
O projeto
“Quem iria a um museu se fosse convidado? Quem se interessaria ou se
atreveria a olhar e julgar livremente as peças expostas? O diálogo da arte com
o grande público terá se tornado uma utopia? Que relação o público tem
(tem?) com a arte dentro dos museus e galerias? Para que, afinal, eles servem?
E a grande palavra ARTE? Dá para fazer alguma coisa com ela?
A partir dessas dúvidas surgiu a idéia de fazer um jogo com o público
potencial de uma mostra efêmera.
Talvez uma celebridade de unanimidade não burra, como Elke Maravilha,
como body artist e performer que é (óbvio que o público não sabe desses
conceitos acadêmicos, embora, ao ver sua figura, intua muito bem do que
se trata), pudesse ser suficientemente convincente para seduzir umas tantas
pessoas a entrar numa van e passar alguns minutos numa exposição.
Dentro do projeto proposto, numa tarde de sábado ou domingo, um grupo
de pessoas sairá com Elke Maravilha para visitar uma pequena exposição,
montada de maneira simples, de forma a não impor gastos à instituição nem
danos às obras. A artista funcionará como monitora da mostra.
Cada obra será apresentada conforme texto que me foi mostrado pela própria
Elke Maravilha, As doze tarefas, em que fala, de maneira singular e sedutora,
dos signos do zodíaco. Cada trabalho torna-se um signo.
Como se vê, não temos aí uma monitoria de caráter didático: Elke, embora
possa mencionar título e artista de cada trabalho apresentado, não discursará
sobre a história do mesmo ou as intenções de seu criador, nem se atreverá a se
apropriar de textos da crítica especializada. A ponte entre as obras de arte e o
público é casual como a circunstância, ou como a própria vida e sua ausência
de roteiros.
Um professor argumentaria: e o que se lucra com uma coisa dessas? Nenhum
conhecimento, nenhuma informação sobre arte, nada foi ‘ensinado’. Só encenado.
Não creio de fato que, numa tarde somente, alguém vá ‘aprender a ver
cultura’. Não é essa a intenção. Mas por que não dizer a essas poucas pessoas
alguma coisa sobre a vida, sobre as doze tarefas dos signos de todos nós que
estamos por aí, presentes nas criações humanas, espelho – embora às vezes
estranho e de difícil aproximação – de nossas mentes, projetos, rejeitos, o que
for? Afinal de contas, não seria mais agradável, menos presunçoso (embora
talvez utópico) mostrar-lhes que, a despeito da esquisitice das obras (e não
menos dos artistas, curadores e afins), das faixas de segurança, dos avisos de
‘favor não tocar’, do deleuzismo (e eu gosto do filósofo, viu?) dos discursos
especializados, o fio condutor entre a arte e a vida ainda não se desfez?
Tarefa difícil, mas agradável. E não uma só: mas doze.”
2|3
fiat mostra brasil
marta neves
as 12 tarefas
fiat mostra brasil
marta neves
| performance | 2006
106|107
| Martha Gabriel | São Paulo, 1962 | Engenheira graduada pela Universidade Estadual de
Campinas, tem pós-graduação em comunicação de marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo e em design gráfico pelo Centro Universitário Belas Artes
de São Paulo. É mestre em artes pela Escola de Comunicações e Artes da USP. Professora e
coordenadora na Universidade Anhembi Morumbi, é diretora de tecnologia da NMD (New Media Developers) e crítica da LEA (Leonardo Electronic Almanac), publicação do Massachusetts
Institute of Technology, EUA. Seus trabalhos e pesquisas na área de arte, ciência e tecnologia
foram apresentados em congressos e exposições internacionais como SIGGRAPH (Los Angeles)
e Consciousness Reframed (Plymouth), EUA. Vive e trabalha em São Paulo. | www.martha.
com.br |
| Martin Dahlström-Heuser | convidado | Finlândia, 1979 | Graduou-se em composição pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2004. Teve composições apresentadas em
recitais públicos no Brasil, incluindo a XV Bienal de Música Brasileira Contemporânea, no Rio
de Janeiro (2003). Vive na Finlândia. | br.geocities.com/maaaaaaaaaartin/ |
O trabalho faz convergir voz e imagem em um
mosaico visual/aural na web. Pessoas que interagem por
telefone, de qualquer lugar do planeta, integram ao mosaico
suas próprias vozes e escolhem as cores das pastilhas que o
compõem. A interface acessada via telefone usa síntese de
fala e reconhecimento de voz. Cada ligação gera uma pastilha
do mosaico. As interações visuais e sonoras que geram a obra
representam uma dissolução de fronteiras e uma convergência
da mais antiga rede de comunicação global (o telefone) com a
maior rede computacional do mundo (a internet).
martha gabriel
fiat mostra brasil
martha gabriel
108|109
mosaico de vozes
fiat mostra brasil
| web arte | 2004
martha gabriel
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Como o mercado influi nas artes e a “rua” influi nas “galerias”?
A arte pode ter seus rumos ditados somente pelo mercado? Até
que ponto a arte brasileira é orientada pelo mercado das artes?
(“blogarte”, 17.07.06, 7h59)
É fatal que o mercado mande
nas artes. Acho que as galerias só se dão conta da “rua” quando essa é
apropriada pelo mercado. Caso de Basquiat e Keith Haring. (“mouse”,
Creio que é meio demais falar que o mercado MANDA
17.07.06, 10h54)
na produção artística. O que vejo é o mercado se configurando como uma poderosa linha de
força, sobretudo no sentido de dar visibilidade. No entanto, não creio que toda a produção artística esteja ligada ao mercado. Acredito que as estratégias artísticas contemporâneas tensionam
essa linha de força. Numa sociedade como a nossa, as lógicas de produção dificilmente se desvinculam do modo de operação do capital, mas algumas vezes artistas importantes conseguem
explorar e subverter essa lógica em trabalhos reveladores do estado atual da arte e dos modos
de subjetivação. (Edu Jesus, 17.07.06, 15h56)
Não preciso comprar arte para ter referências. Preciso só ser eu mesmo. De forma alguma o mercado dita os rumos da arte. Arte não é
moda, é algo que somente quem faz sabe o que é. (...) (“charleysilva”,
Essa divisão mercado / rua é bem estrei19.07.06, 15h59)
ta para que pensemos a arte atual. Tem arte de rua chegando na
galeria. Tem galeria legitimando os trabalhos de rua. Talvez devêssemos ampliar o pensamento sobre o que estamos chamando de
mercado de arte para compreender como se sustenta a produção
artística no Brasil. Não seriam as instituições culturais uma outra
parcela desse mercado? Muitos artistas bancam seus próprios trabalhos. Não seria essa também uma parcela desse mercado? Na
maior parte do país sequer existe esse mercado de arte no formato tradicional. Mas o que assusta é o poder de legitimação que foi
conferido às galerias. Tão forte que não se compara a nenhuma
estratégia de divulgação da maioria dos artistas. Mesmo o papel
dos curadores de muitas exposições fica sujeito ao seu mando.
Mesmo assim acredito na postura dos artistas que acabam por
subverter essas relações e propor novos caminhos. (Járed Domício, 23.07.2006, 14h49)
(...) Penso que o termo “circuito de
Mercado de arte? Uma linha de produção de obras que ilustrem as conveniências dos
curadores. O que importa aos curadores é a viagem que possam fazer na escolha, e que
garanta a harmonia de seus próprios projetos. Eles têm o perfil e o tempo para garantir a
montagem do Tríptico Contemporâneo: dinheiro, instituição e artista institucional. (anôniConcordo com o comentário acima.(...) Arte
mo, 09.08.06, 15h35) verdadeira, AQUELA que só os grandes criadores sabem fazer, é somente pra quem tem cacife para entender o que é. O que se vê hoje
é uma parafernália sem eira nem beira, gente que não tem a mínima
noção do que a arte representa para o desenvolvimento humano.
Uma das nossas posições é
(anônimo, 06.09.06, 13h30)
a seguinte: buscamos questionar o establishment, mas não
pretendemos fazer isso de fora, no anonimato. Queremos
nosso espaço para criação e discussão inclusivas! (“adriana
e bruna”, 14.10.06, 17h13)
Estamos fazendo arte na
nossa relação com o mundo, na forma de estabelecer contato
com todas as instâncias nas quais gravitamos. Tanto o mercado
quanto a rua são espaços possíveis, mas não únicos. A questão
é saber transitar. A estrutura acadêmica e o recente e crescente
maior engajamento de artistas nesse meio está propiciando um
trânsito, uma mescla e uma comunhão de artistas e teóricos, discussões descentralizadas, encontros interessantes!!!!!!!!!! Como
criar estratégias de atuação social no meio em que se está inserido? Como perceber as brechas de inserção, atuação, visibilidade
e subsistência? Como construir um meio alternativo ao instituído,
que dialogue, que subsista, mas que também questione? Como
trabalhar paralelo com os grandes centros, construindo outras
histórias, outras vivências, outras experiências? Esse é o movimento... (“adriana e bruna”, 20.10.06, 20h30)
arte” pode ser bem interessante. Existem muitas propostas que circulam e encontram seus pares pela internet, universidades, correios etc.,
e que não necessariamente passam pelo mercado de galeria. O que a
arte na rua está trazendo, a meu ver, é um alargamento do circuito,
uma busca de autonomia: a galeria não é canal obrigatório entre artista, obra, público e outros artistas. (“ariel”, 31.07.06, 14h33)
fiat mostra brasil
blog
112|113
| Milena Travassos | Recife, 1976 | Formada em artes plásticas e filosofia, produz objetos,
instalações e vídeos que pesquisam a transparência, o corpo e a descontextualização. Expôs
nas individuais Um lugar fora dele (Galeria do Alpendre - Casa de Arte, Pesquisa e Produção,
Fortaleza, 2006), O mergulho e ligações (Centro Cultural Banco do Nordeste, Fortaleza, 2006 e
2003), no 12º Salão da Bahia (Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador, 2005), na 25ª Arte
Pará (Museu do Estado do Pará, Belém, 2006) e na coletiva Projéteis de arte contemporânea
(Galeria do Palácio Gustavo Capanema, Rio de Janeiro, 2006). É coordenadora de artes visuais
da Fundação de Cultura da Prefeitura de Fortaleza e do Núcleo de Artes Visuais do Alpendre
- Casa de Arte, Pesquisa e Produção, em Fortaleza, onde vive e trabalha. |
TRATA-SE DE UMA VÍDEO-INSTALAÇÃO QUE ENCONTRA-SE
em meio a uma pesquisa artística intitulada Um lugar fora
dele. Vertigem aponta questões acerca do corpo, do lugar, do
deslocado, do risco; propõem uma outra apreensão do tempo
e do sentido. Ressalta um lugar e um corpo que se tornam
mais sutis e afetáveis pelo fora, predispostos a um deslocamento de sentido. Paisagens e ações que funcionam como indicações de um tempo expandido em um território recortado
de seu uso convencional. O corpo e suas ações são pensados
para subverter um locus previamente escolhido e propõem
uma outra apreensão da paisagem, por apresentarem uma
ação executada em um território ou contexto improvável.
milena travassos
fiat mostra brasil
milena travassos
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vertigem
| videoinstalação | 2006
fiat mostra brasil
milena travassos
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| Mariana K | São Paulo, 1981 | é formada em cinema. | Milena SZ | São Paulo, 1977 |, em
processamento de dados, arquitetura e urbanismo. Juntas, desenvolvem ações de intervenção
pública que podem envolver artes gráficas, vídeos, música, VJing com software livre, camisetas, instalações e performances, além de estruturas midiáticas interativas que permitem a participação de amigos e do público. Criaram o projeto VJ itinerante, com mixagens e projeções
ao vivo e em tempo real em construções em São Paulo (2005), participaram com performances
do iRAP-Nokia Trends (São Paulo, 2005) e do 404 - Festival Internacional de Arte Eletrônica
(Argentina, 2004). Expuseram no MAM-RJ (2004-2005). Vivem e trabalham em São Paulo. |
O carrinho de camelô, objeto característico da cultura
popular de centros urbanos, transforma-se em ilha audiovisual
móvel, estrutura midiática que capta e transmite, em tempo
real, depoimentos audiovisuais colhidos nas ruas de São Paulo. A
publicação dos depoimentos na internet (streaming) apresenta a
rede também como uma espécie de “espaço público” de “mentes
coletivas”. O material colhido na rua é base para uma performance
audiovisual na qual a audiência pode ser tão ativa-participativa
quanto os emissores das mensagens. Nesta relação social mediada
por sons e imagens, a Sociedade da Vigilância se alia à Sociedade do
Espetáculo.
mm não é confete
fiat mostra brasil
mm não é confete
118|119
O projeto
“Este trabalho faz parte de nosso work in progress The Everydayness
Manifesto, desenvolvido a partir de pesquisas sobre as flaneries do século
XIX (‘As ruas são a moradia coletiva. O coletivo é uma essência incansável e
eternamente movediça; entre as fachadas dos edifícios, suporta, experimenta,
aprende e sente tanto quanto indivíduos dentro da proteção de suas quatro
paredes’, Walter Benjamin) e de estudos que inter-relacionam a Sociedade da
Vigilância e a Sociedade do Espetáculo: ‘O espetáculo não é um conjunto de
imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens’ (Guy
Debord, 1967).
A estrutura midiática será levada a espaços públicos de grande contingência
populacional itinerante, como um canal aberto de manifestação para captação
e transmissão de depoimentos audiovisuais para interação online. Na última
semana da exposição, apresentaremos a performance.”
manisfeste-se 2.0
fiat mostra brasil
mm não é confete
| Intervenção urbana & live performance | 2006
120|121
fiat mostra brasil
mm não é confete
122|123
| Nydia Negromonte | Lima, Peru, 1965 – naturalizada brasileira | Graduada em desenho pela
Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, tem especialização em gravura
pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona. Foi artista residente no Atelier
HANGAR, de Barcelona, Espanha, em 1999. Participou da ARCO Feria Internacional de Arte
Contemporáneo (Madri) e das coletivas Corpo seco (Galeria Sicart, Barcelona) e Urbild (Galeria
Antonio de Barnola, Barcelona). No Brasil, realizou individuais na Galeria Thomas Cohn (Rio de
Janeiro, 2005), na Galeria Manoel Macedo (Belo Horizonte, 2004), no Torreão (Porto Alegre,
2003), no Centro Universitário Maria Antonia (São Paulo, 2000) e na Valu Oria Galeria de Arte
(São Paulo, 1995). Vive e trabalha em Belo Horizonte. |
Em regime de retroalimentação, a obra proporciona a imersão de fluxos contínuos, catalisados pela extração e
distribuição de sucos de frutas variadas. O sistema se move a partir de um eixo central: uma caixa d’água que,
sustentada pela verticalidade da torre de trabalho (espécie de coluna dorsal), alimenta e dá suporte à ação. Dela,
migram três mesas retangulares, dispostas em hélice, cada uma com seu tanque, liquidificador e acessórios. Como
extensão, gôndolas-fruteiras, dispostas na parede, são abastecidas periodicamente, convidando o público a tomar
partido do sistema rotativo. O núcleo extrator de sucos, misto de zona de trabalho e espaço de convívio, expõe
modos de abastecimento, armazenamento e escoamento, sedimentados por meio de relações estabelecidas e
liquidificadas.
As ações que integram a instalação constituem um grande sistema, que se desenvolverá em regime de
retroalimentaçao. As imagens e o mobiliário utilizados na obra resultam de uma pesquisa sobre modos de fazer e
incluem resíduos de funcionamento de locais semelhantes. A obra consiste em:
1. Pólo de extração de suco de frutas: estação de preparo e distribuição de suco de frutas.
2. Audiovisual: exibição de imagens da ação, registradas ao longo do período da exposição, em dois plasmas.
3. Gôndolas: mobiliário para o armazenamento das frutas e utensílios nas paredes, com espelhos e lixeira.
nydia negromonte
fiat mostra brasil
nydia negromonte
124|125
casa das vitaminas II | Ação/instalação | 2006
colaboradores | Fernando Maculan,
Marcelo Drumond, Marconi Drummond,
Francilins, João Castilho e Pedro David
124|125
fiat mostra brasil
nydia negromonte
fiat mostra brasil
artistas
126|127
| Raquel Stolf | Indaial, SC, 1975 | Artista plástica e escritora, é mestre em poéticas visuais pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de artes plásticas na Universidade do
Estado de Santa Catarina. Investiga intersecções, ressonâncias e estranhamentos entre palavra
e silêncio em fotografias, objetos, instalações, vídeos, desenhos, livros de artista, proposições
sonoras e intervenções. Realizou as individuais Projeto secreto [estadias instáveis] (Criciúma,
SC, 2005), Fora [do art] (Florianópolis, 2004) e Céu regravável (Florianópolis, 2003) e participou de coletivas como Entorno de operações mentais (Belém, 2006) e Panorama da Arte Brasileira (São Paulo, 2005). Esteve no 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (São
Paulo, 2005) e no 61º Salão Paranaense (Curitiba, 2005). Coordena a publicação experimental
Sofá e o Projeto de Extensão Membrana, na Udesc. Vive e trabalha em Florianópolis. |
A microintervenção sonora consiste em veicular
o áudio de um grilo entre contextos específicos da cidade,
por meio de carros de som ou de bicicletas que circulam em
diferentes trajetos. Nesse conceito de proposição artística, situações sonoras são propostas em espaços e tempos habitadospercorridos por alguém, ora explorando relações de imersão e
inserção nos múltiplos sons dos espaços urbanos, ora suscitando interrupções ou pausas sonoras mínimas.
raquel stolf
fiat mostra brasil
raquel stolf
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grilo
| intervenção sonora | 2006
fiat mostra brasil
raquel stolf
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| Ricardo Cristofaro | Juiz de Fora, MG, 1964 | É graduado em artes visuais pela Universidade
Federal de Juiz de Fora, mestre em arte e tecnologia da imagem pela Universidade de Brasília e
doutorando em artes visuais pelo Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul. Participou do 15º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil (2005), do Festival
Internacional de Vídeo y Artes Eletrônicas (Cidade do México, 2005), do File - Electronic Language International Festival (São Paulo, 2004) e do 404 Festival Internacional de Arte Electronica (Rosário, Argentina, 2004). Esteve na mostra Cinético digital, no Itaú Cultural (São Paulo,
2005). Recebeu o 1º Prêmio no Festival de Arte Eletrônica INCUBA, na Argentina (2005) e o
Prêmio Pesquisa no setor Artemídia do projeto Rumos Itaú Cultural (2003). Em 2006 realiza
estágio de doutorado no laboratório ATI - Arts et Technologies de l’Image da Université Paris 8.
É professor do Instituto de Artes e Design da UFJF. Vive e trabalha em Juiz de Fora, MG. |
O artista investiga estruturas de realidade virtual em
sistemas como internet, CD-ROM e videoinstalação, demarcando e explorando ambientes de percepção tridimensional. Sua
“arte objetual numérica” é construída a partir da apropriação,
deslocamento e ressignificação de matérias-primas coletadas
na internet. Trabalhando com modelagem 3D, edição de
imagens e animação, ele reagrupa fragmentos de objetos cotidianos, texturas e sons em estruturas cinéticas insólitas, que
valorizam e contrariam os contextos de percepção. Aqui, dois
objetos numéricos fazem movimentos de expansão, retração
e rotação, construindo, em diálogos constantes, um processo
de reconhecimento das relações físicas, matéricas, formais e
funcionais entre eles. Uma performance de incongruências,
redefinições e indecisões.
ricardo cristofaro
fiat mostra brasil
ricardo cristofaro
134|135
objetos ansiosos
fiat mostra brasil
ricardo cristofaro
| videoinstalação/animação numérica | 2005
136|137
Com base na matéria publicada pela Folha de S.Paulo no dia 18 de julho, discutiremos neste tópico as diferenças entre arte digital e arte contemporânea. Até que ponto “a arte digital
está no pára-choque da arte contemporânea?” Como está a participação da arte digital no
mercado? (“blogarte”, 25.07.06, 9h30)
Por que arte digital não é arte
contemporânea? Contemporâneo não é o atual?? (Monique Scarazzi,
Para mim isso não importa nem um
25.07.06, 13h51)
pouco. Lógico que os artistas plásticos irão defender a arte tradicional e ridicularizar a arte digital e as “facilidades” das técnicas
criadas pelos softwares. Sou mais aquela história: “o meio (não) é
a mensagem”. (anônimo, 27.07.06, 11h17)
Realmente
essas divisões existem. Talvez seja o mesmo que aconteceu com o vídeo, que precisou de alguns anos para entrar no circuito e no mercado
das artes. Antes, estava sempre fora, em anexos, como o inflável que
abrigava videoinstalações na 22a. Bienal de São Paulo (ao contrário do
que seria razoável, para citar a Giselle: “Do cubo branco à caixa preta,
mais propícia para projeções”). Lembro-me de uma complexa instalação interativa de Paul Garrin (White Devil), que funcionava aos trancos e barrancos e já anunciava essa interatividade possibilitada pela
interface maquínica, bastante diferenciada daquilo que Lygia Clark e
Oiticica genialmente anunciaram. A raiz talvez seja a mesma, o que
Cuchot chama de corrente participacionista. Creio que essas separações sejam parte de um processo de desenvolvimento. Brevemente, os
artistas vão incorporar procedimentos tecnológicos e/ou científicos a
suas obras, o que vai servir para diminuir essa estranha barreira entre
a arte contemporânea e digital. (Edu Jesus, 28.07.06, 12h12)
A computação gráfica é apenas uma ferramenta. Como um pincel ou um buril. O que se faz com
essas ferramentas é que é arte ou não. (Ruy Souza, 28.07.06, 20h16)
Gosto muito
Mas que ela existe, existe. Como las brujas. (“avaliadordearte”, 02.08.06, 7h46)
Gostei muito das considerações do
Ariel. “Se artistas que trabalham com computadores reclamam da
senilidade institucional, bem-vindos ao time!” No caso da artemídia (termo mais adequado para dar conta dos desdobramentos
das práticas artísticas que usam dispositivos e técnicas digitais
e/ou maquínicas), as exposições são caras e o circuito, restrito.
Creio que a artemídia vai precisar de um novo conjunto teórico,
que certamente vem de um embaraçamento complexo entre o
que já existe e as atualizações. Ruptura e, ao mesmo tempo, continuidade. (Edu Jesus, 05.08.06, 5h49)
Ainda que a arte digital
seja também contemporânea, o auxílio de uma ferramenta que trabalha de acordo com
algoritmos pré-elaborados e que executa milhões de processos não deve estar no mesmo
nível de um pincel que se limita a armazenar algumas gotas de tinta. Da mesma forma, um
desenho em grafite é diferenciado de um acrílico sobre tela. Um não é melhor ou pior que
o outro, mas são diferentes. (Marcos Andruchak, 17.09.06, 22h41)
O que
mais me chamou atenção nessa matéria da Folha foi a questão do
artista que não domina o software e por isso é dominado por ele.
Trabalho com grandes nomes da media art que não conseguem
abrir um e-mail, não conhecem a diferença entre NTSC e PAL, não
conseguem fazer um post em um blog. Imagina, então, conseguir
saber como funcionam os algoritmos, os modelos 3Ds, os efeitos
(tão abusados pelos que são “dominados” pelo software). Acho
que a arte digital, com mídia eletrônica, é em geral fraca, cheia
de clichês técnicos, burocrática e bruta. Não existem olhos para a
sutileza. Existem olhos de quem quer fazer melhor sem realmente
mergulhar no mar escuro... (“f.w.”, 28.09.06, 2h15)
do Eduardo Kac, não apenas porque ele trabalha com tecnologia, mas
porque discute questões éticas, estéticas, sociais, filosóficas, artísticas.
O trabalho de Kac não é atual simplesmente porque é tecnológico. Por
que segmentações e nichos que restringem discussões mais amplas?
Se artistas que trabalham com computadores reclamam da senilidade
institucional, bem-vindos ao time! (“ariel”, 31.07.06, 15h48)
Existe uma programação visual muito elaborada dentro da estratégia de marketing do novo produto da área digital... E nem por
isso podemos chamá-lo de arte. Enquanto isso, a arte contemporânea pode usar algum meio digital para melhor expressão de sua
idéia criativa. Acho bem tênue a linha que separa uma da outra.
fiat mostra brasil
blog
138|139
| Rodrigo Borges | Governador Valadares, MG, 1974 | Mestre em artes visuais pela Escola de
Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, tem na prática do desenho seu campo
de pesquisa, e desenvolve trabalhos que buscam uma espacialidade capaz de articular novos
sentidos de envolvimento do espectador. Realizou mostra individual no programa de exposições 2005 do Centro Cultural São Paulo e participou das coletivas Geometrias impuras (Projeto
Amplificadores, Recife, 2006), Disposição (Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2005) e Rumos
da nova arte contemporânea brasileira (Palácio das Artes, Belo Horizonte, 2002). Professor da
EBA/UFMG, vive e trabalha em Belo Horizonte. |
A obra é composta por fitas adesivas de cores
e larguras variadas, estendidas no espaço e fixadas na arquitetura. Articula-se através do contato da superfície das fitas com
a superfície do chão, da parede e de elementos estruturais do
lugar de instalação, como vigas e colunas. Sua conformação
espacial busca envolver o espectador em uma experiência
sensual, abstrata e mais alargada do espaço, atuando nas
relações entre material (fita adesiva) e lugar onde se instala,
guardando uma autonomia que lhe permite aderir-se a outros
(novos) espaços.
rodrigo borges
fiat mostra brasil
rodrigo borges
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entre tem ar | site-specific/instalação |
5,10 m x 3,5 m x 4 m | 2006
fiat mostra brasil
artistas
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| Rodrigo Freitas | Franca, SP, 1983 | Graduado pela Escola de Belas Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais com habilitação em pintura, desenvolve trabalhos plásticos usando
desenho, gravura e pintura em têmpera de grande formato. Suas imagens, que evocam paisagens do cotidiano, surgem da sobreposição de outras, desenhadas, fotografadas ou escritas.
Cursa gravura na EBA-UFMG. Vive e trabalha em Belo Horizonte. |
Parte de série de pinturas sobre o espaço urbano,
as obras são paisagens pintadas que nascem de percursos
pela cidade. No caderno, linhas e manchas se fazem pontes,
prédios, praças. No ateliê, a cidade real se funde com outras,
fotografadas, escritas, gravadas, compondo o registro dos lugares conhecidos nos trajetos diários. Assim, a cidade pintada
se constrói no incansável jogo de apresentar-se e ocultar-se
sob as camadas de tinta, como a cidade real, construída no
ininterrupto ciclo de demolição e reconstrução ao longo do
tempo. As cidades pintadas representam uma tentativa de
apreensão do espaço urbano por meio de seus arquétipos possíveis e propõe a edificação de novos lugares da memória.
rodrigo freitas
fiat mostra brasil
rodrigo freitas
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sem título | Pintura, têmpera sobre compensado | 2,2 m x 1,6 m | 2005
fiat mostra brasil
rodrigo freitas
sem título | Pintura, têmpera sobre tela | 2,2 m x 1,5 m | 2005
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| Thais Ueda | São Paulo, 1977 | É ilustradora e designer gráfica, de web e de objetos. Suas
ilustrações são produzidas principalmente no computador, mas também faz uso do látex para
a pintura de telas e murais, e do kiri-ê, técnica de ilustração japonesa baseada em recortes de
papel. Vive e trabalha em São Paulo. | www.hana-bi.net/home.htm |
Utopédia visa agrupar, na web, os sete principais
macroverbetes de uma enciclopédia de utopias que se
encaixam, de maneira que formem um todo, uma rede
de idéias e informações. Ao convergir, essas informações
compõem um túnel do tempo capaz de nos levar ao futuro:
sonhos e visões coletados em texto, vídeo e áudio.
thais ueda
fiat mostra brasil
thais ueda
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O projeto
Home: os macroverbetes são agrupados de forma circular. No mouse-over,
a seta acende a cor que identifica o macroverbete, enquanto uma foto ou
imagem ilustra a ação. Quando se clica no macroverbete, três submenus se
abrem no centro, formando um túnel para novos verbetes. Um botão com o
sinal + indica que há mais informações disponíveis para quem clicá-lo. Uma
animação em círculos mostra uma segunda leva de verbetes; ao se clicar o
botão mais uma vez, surge uma terceira leva, e assim por diante, até que a
primeira leva apareça novamente.
Página-verbete: as páginas seguirão o mesmo padrão, mas serão identificadas
por cores ao macroverbete ao qual pertencem. Nessa página-template, são
considerados: mini slide show de imagens, link para vídeo, link para o áudio
(entrevista ou som relacionado).
Busca: por palavra-chave ou avançada.
utopédia
fiat mostra brasil
thais ueda
| web arte | 2006
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| Vera Bighetti | São Paulo, 1946 | Mestre e doutoranda em mídias digitais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, migrou das belas artes para a pesquisa em tecnologia digital
em 1998. Desde então, vem desenvolvendo projetos em arte tecnológica e processos com rotinas autogenerativas. Participou da Bienal de Havana, Cuba, do Festival WebArt da Iugoslávia e
do Diesel New Art Competition da Suécia e Dinamarca, além de eventos em museus e centros
de novas mídias como Ruccas.org, Soundtoys.net, Generative.net, Rhizome.org, Hipersônica
de São Paulo, International Arts and Technology Festival, International Conference Information
Visualization. Vive e trabalha em São Paulo. | www.artzero.net |
O computador aprisiona o observador pela estética,
pela interação, pelas possibilidades de manipulação em tempo
real. A interface e sua relação visual permitem um olhar original.
O processo de rotinas autogenerativas é seu próprio índice,
capaz de transportar a visualização dos meios não-verbais. Parte
desta experiência está no prazer de sentir e ver algo que traz um
sentido de inusitado. As obras demandam um leitor ergódico,
capaz de operar uma configuração física e mental para se deixar
interiorizar pela imagem-acontecimento e compreender as
regras de interação com o objeto.
vera bighetti
fiat mostra brasil
vera bighetti
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full fil fulness
fiat mostra brasil
vera bighetti
| web arte | 2006
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| Vulgo é uma marca de suprimentos culturais. Dedica-se à convergência entre o design, a
comunicação de massa e a ecologia para a produção e disponibilização de cultura nos mais
diversos modos: objetos, imagens, espaços, livros, paisagens, eventos, vídeos, serviços, multimídia etc. | Criada por Simone Cortezão (Timóteo, MG, 1983) e Wellington Cançado (Belo
Horizonte, 1974) em 2006, lançou a série de screen-savers para download Relógios de parede
(parceria com TANDE), produziu o livro Paisagens engarrafadas. Atualmente desenvolve um
projeto para piscinas públicas em Belo Horizonte. Vivem e trabalham em Belo Horizonte. |
www.vulgosite.com |
Rotativos é um piloto de ocupação transitória e
móvel de espaços públicos. Uma frota de arquiteturas ambulantes que, libertadas da inércia tectônica, veiculam programas
variados de acesso público. Veículos utilitários são transformados em ambientes interiores e paisagens sobre rodas e
organizados em espaços para descanso, reflexão, diversão e
serviços variados. Configuram um sistema de agenciamento de
atividades culturais e cotidianas, que oferece cinema, galeria
de arte, restaurante e terraços-jardim, além de produzir, expor
e disponibilizar vídeos, publicações independentes, trabalhos
de artistas e designers, informações, imagens, sabores, objetos
e outros suprimentos culturais. O projeto age na ocupação
de vagas rotativas em horário comercial em regiões urbanas
centrais, durante cinco dias corridos, por meio da aquisição de
aproximadamente 350 cartões de Zona Azul.
vulgo
fiat mostra brasil
vulgo
(wellington cançado e simone cortezão)
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O projeto
No contexto atual das cidades baseadas na mobilidade e em regras de ocupação urbana diversas, Rotativos surge como uma
infiltração que atua nos limites impostos por essas regras. Se as cidades são pensadas e desenhadas pelas vias de tráfego, que
desenham os vetores por onde se circula sem parar, Rotativos é uma tática de utilização de espaços urbanos privatizados. Uma
área pública enorme, destinada ao estacionamento cronometrado, à permanência limitada, à ocupação vigiada e paga. Esse
contrato de utilização (aluguel? licenciamento?) é feito mediante a compra de um documento que legitima a presença, em um
dado intervalo de tempo (uma, duas ou cinco horas), naquele lugar.
Praticamente todas as capitais brasileiras têm um sistema de estacionamento pago para vagas públicas. Conhecido com Rotativo
em várias cidades, Zona Azul em São Paulo, Faixa-azul em Belo Horizonte, esses espaços são administrados em sua maioria por
empresas privadas que detêm concessões e têm como objetivo declarado promover o aumento da oferta de vagas, melhorar a
fluidez do tráfego, disciplinar o uso do espaço público, aumentar a circulação de pessoas em determinadas áreas e gerar receita
aos cofres do município.
Belo Horizonte, por exemplo, tem 475 quarteirões regulamentados, aproximadamente 60 mil vagas de Faixa-azul. São mais ou
menos 70 mil metros quadrados de área ou setenta hectares destinados a vagas pagas, somente na região delimitada da avenida
do Contorno, parte planejada da cidade. O Parque Municipal, muita área verde central da cidade, que originalmente possuía 62
hectares, hoje está reduzido a 18,2 (quase um quarto da área do Faixa-azul. Grande parte dessa área pública foi gradativamente
substituída, ao longo de um século, por empreendimentos privados, mas principalmente por vias de tráfego, avenidas e
fiat mostra brasil
vulgo
estacionamentos. Esse processo fulminante de substituição dos espaços públicos por domínios privados e da supremacia da
engenharia de tráfego, entretanto, não é específico de nenhuma cidade, tendo sido regra geral em várias regiões metropolitanas).
O projeto de intervenção Rotativos parte do pressuposto de que as áreas públicas devem ser utilizadas para atividades coletivas
de interesse público, sejam elas serviços ou jardins. Para tanto, Rotativos propõe o aluguel e a ocupação de vagas em horário
comercial nas regiões centrais, durante sete dias corridos, para uma frota de cinco arquiteturas ambulantes, através da compra
de aproximadamente 350 cartões de estacionamento rotativo. Os veículos terão, obrigatoriamente, de circular pela cidade,
cumprindo os prazos máximos de ocupação de cada vaga. No último dia, a frota se encontrará em algum ponto da cidade, de
acordo com a disponibilidade de vagas contíguas, para uma ocupação coletiva e articulada que resultará num equipamento
público e numa praça linear suspensa, formados pelo acoplamento dos cinco veículos.
O projeto prevê a transformação dos veículos utilitários em espaços adaptados aos programas propostos (cinema, galeria de arte,
terraço-jardim etc.).
A intervenção deverá ser completada pelo trabalho de colaboradores convidados (videoartistas, músicos, chefs de cozinha,
empresários, cabeleireiros, escritores, fotógrafos, artistas multimídia, paisagistas e jardineiros, designers, arquitetos), que poderão
disponibilizar trabalhos próprios ou contribuir com a construção.
Todo o processo de construção, os sete dias de intervenção e seus desdobramentos serão documentados e registrados em vídeo,
fotografia e (carto)graficamente.
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rotativos
| intervenção urbana | 2006 |
Colaboradores: Dellani Lima [cinema]; Leonardo Cançado [restaurante]; Marcelo Maia [circuito TV]; Renata Marquez [galeria de arte];
Albert Moreira; Felipe Nuno; Milene Nelson; Viviane Spaco. Artistas participantes: Alexandre Milagres, Bruno Mitih, Carlo Sansolo, Carlos
Magno, Cezar Migliorin, Christian Caselli, Cinema de Poesia, Cláudio Santos, Dellani Lima, Erika Frankel, Fábio Carvalho, Gabras, Gui
Castor, Guiwhi Santos, Joacélio Batista, João Manoel Feliciano, Kleber Mendonça Filho, Louise Ganz, Marcellvs L., Marcelo Ikeda, Nilson
Primitivo, P. Bastos, Petter Baiestorf, Thiago Arruda, xplastic.net [CINEMA]; Adriana Galuppo, André de Souza, Andrea Costa Gomes, Breno
Thadeu, Cássia Macieira, Cícero Menezes, design 1/1 [Eduardo Campos e Ramilson Noronha], Fernando Maculan, Frederico Pessoa, Guilherme Machado, Guto Lacaz, Isabela Prado, Josana Matedi, Lorena Costa Souza, Louise Ganz, Marina Noronha, Marlon dos Santos, Maurício Leonard, Renata Márquez, Ronaldo Macedo, superfície.org [Leandro Araújo e Roberto Andrés], Susana Bastos [GALERIA DE ARTE].
Motoristas: Gilberto Resende; José Almeida; José dos Santos. Agradecimentos: IED - Istituto Europeu de Design, Podium Som e Design.
fiat mostra brasil
artistas
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marcos hill
é professor de história da arte dos cursos de graduação e pós-graduação da Escola de Belas
Artes da Universidade Federal de Minas Gerais e coordenador do Centro de Experimentação
e Informação de Arte (Ceia), de Belo Horizonte. Artista plástico, estudioso e investigador
da imagem, é autor de diversos artigos e livros sobre arte contemporânea, como O visível
e invisível na arte (2003) e Manifestação internacional de performance (2005), terreno no
qual se firma como um dos mais importantes pesquisadores do país. É bacharel em gravura,
mestre em história da arte e doutorando em história pela Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da UFMG.
eduardo de jesus
m a r i a ivo n e d o s s a n t o s
é graduado em comunicação social pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
é artista plástica e pesquisadora nas áreas de fotografia e escultura, com ênfase para a ação
(1991), mestre em comunicação social pela Universidade Federal de Minas Gerais (2001)
artística no espaço público. Professora do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio
e doutorando da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Professor
Grande do Sul, coordena desde 1999 o programa de extensão Formas de Pensar a Escultura
da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC-MG, integra a comissão de programação do
(www.ufrgs.br/artes/escultura), que discute a produção artística contemporânea e as relações
Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil. Editou a publicação on-line FF>>Dossier
da arte com o espaço público, e a Galeria da Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (www.ufrgs.
(www.videobrasil.org.br), foi um dos organizadores do livro Cultura em fluxo (PUC-MG,
br/galeria/), que exibe a produção da comunidade ligada ao Departamento de Artes Visuais e
2004), com André Brasil, Carlos Falci e Geane Alzamora, e é autor de um panorama da produção brasileira contemporânea de artemídia publicado pela Intersociety for the Electronic
ao Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFRGS. Co-organizou o livro A fotografia nos processos artísticos contemporâneos (2004).
Arts (www.isea-web.org/inl/inl100.html) em 2005.
giselle beiguelman
é artista e pesquisadora. Seus projetos, disponíveis no www.desvirtual.com.br, envolvem
dispositivos de comunicação móvel, como em Wop Art (2001), e o acesso público a painéis
eletrônicos via web, SMS e MMS, como em egoscópio (2002), Poétrica (2003) e esc for escape (2004). Apresentou trabalhos na 25a. Bienal de São Paulo (2002), Arte/Cidade (2002),
Net_Condition (Alemanha, 1999), el final del eclipse (Espanha, 2001) e Algorithmic Revolution (Alemanha, 2005). É professora da pós-graduação em comunicação e semiótica da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, editora da seção Novo Mundo da revista eletrônica Trópico. Publicou O livro depois do livro (2002) e Link-se (2005) e, como co-autora, New
marisa mokarzel
é diretora e curadora do Espaço Cultural Casa das Onze Janelas, espaço dedicado à arte
contemporânea e às mostras experimentais em Belém (PA). Foi curadora do programa Rumos
Visuais (2005/2006), do Itaú Cultural, e da mostra Carne/Terra, de Berna Reale, na Galeria
Kunsthaus, em Wiesbaden, Alemanha (2004). Tem atuado como curadora para exposições
de jovens artistas do Pará. Mestre em história da arte pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro e doutora em sociologia pela Universidade Federal do Ceará, é professora de história
da arte no curso de Artes Visuais e Tecnologia da Imagem da Universidade da Amazônia.
Media Poetics (MIT Press, 2006). Criou o net.art (netart.incubadora.fapesp.br), plataforma de
discussão sobre cultura de rede e net arte.
jàred domício
é artista. Conhecido por suas instalações e intervenções arquitônicas, participou da mostra
Vizinhos, conexões entre artistas do Brasil, no Museumsquartier, Viena (2006); do Salão Nacional de Arte Contemporânea do Paraná, no MAC-Curitiba (2005); do programa de exposições do Centro Cultural São Paulo (2004); da Bolsa Pampulha, em Minas Gerais (2003-2004);
do projeto Rumos Visuais, do Itaú Cultural (2001-2003); e da Bienal Ceará América de Ponta
Cabeça (2002). Graduado em ciências sociais pela Universidade Estadual do Ceará (2001), foi
coordenador de artes visuais da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza entre
2005 e 2006.
fiat mostra brasil
curadores
stéphane huchet
é formado em história da arte e doutor pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em
Paris. Lecionou na Universidade de Paris VIII entre 1991 e 1995, quando ganhou bolsa do
Ministério das Relações Exteriores da França para pesquisar a arte contemporânea brasileira.
Foi professor visitante na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo
(1996). Publicou Le Tableau du Monde. Une théorie de l’art des années 1920 (Paris, 1999)
e artigos para Art Press e Beaux-Arts. Foi curador das exposições O contato (Paço das Artes,
São Paulo, 2002) e Contato (Castelo do Flamengo, Rio, 2004). Pesquisador do CNPQ, é professor da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais desde 1988.
162|163
Diferenças e alteridades |
Marcos Hill
“Nosso objetivo deve ser sempre o de aprimorar o consumidor, espiritual e
intelectualmente.” | Ivo Mesquita
Há
um certo tempo, em evento ocorrido na cidade de Belo Horizonte, o
curador Ivo Mesquita insistiu na diferença entre ações assistencialistas
e filantrópicas, propondo uma reflexão crítica sobre os modos de atuação de
instituições e iniciativas no campo da arte.
Como o próprio curador assinalou, há hoje uma tão acentuada mobilização de
patrocinadores e consumidores que museus, exposições e bienais tornaram-se
importantes estratégias financeiras na manutenção de certos programas, instituições e mesmo administrações, públicas ou privadas.
No decorrer de sua fala, Mesquita constatou a forte tendência assistencialista
no contexto político e cultural brasileiro, apontando a possibilidade de neutralizá-la por meio de propostas que priorizem uma circulação mais efetiva de
informações, propiciando oportunidades emancipadoras e fugindo à regra de
apoios que, dissimuladamente, visam manter seus beneficiários em estado de
contínua dependência.
O que pude absorver do pensamento de Mesquita está ressoando no momento
em que escrevo estas linhas, pois todo o processo no qual me envolvi, ao longo
da consolidação do projeto Fiat Mostra Brasil, me possibilitou maior convivência com uma produção cultural patrocinada pelo capital corporativo.
A experiência foi interessante na medida em que, longe de qualquer unilateralidade assistencialista ou filantrópica, estabeleceu-se um diálogo no qual as
partes envolvidas dispuseram-se espontaneamente a contribuir com o melhor
para o êxito do projeto.
Tal disponibilidade deve servir como prova de que é possível estabelecer, no delicado campo da arte e da cultura, parcerias frutíferas entre artistas, produtores
culturais e a iniciativa privada.
Sendo assim, enquanto profissional diretamente envolvido com o evento Fiat
Mostra Brasil, pude usufruir de suficiente liberdade para, junto com uma valiosa
equipe, definir diretrizes cuja motivação principal era a vontade de estimular a
potência criativa e crítica de seus participantes.
Nesse sentido, o projeto se destaca, definindo procedimentos pouco comuns
em eventos dessa natureza. Entre eles, podemos citar a distribuição de um generoso prêmio de igual valor aos trinta artistas selecionados.
Por outro lado, a inclusão de nove vagas para projetos a ser executados com o apoio
material da Mostra visou respaldar a pesquisa em arte, priorizando o desenvolvimento de processos em detrimento da usual supervalorização dos resultados.
fiat mostra brasil
1 | Seminário Políticas
Institucionais, Práticas
Curatoriais, organização
de Rodrigo Moura,
Museu de Arte da Pampulha, 2004.
2 | MESQUITA, Ivo,
“Longe daqui, aqui
mesmo: Museus, silêncio
e contemplação” IN:
MOURA, Rodrigo (org.),
Políticas institucionais,
práticas curatoriais, Belo
Horizonte, Museu de
Arte da Pampulha, 2004,
p. 64.
curadores
164|165
Ainda relativizando valores vigentes no circuito da
arte, optou-se por ressarcir profissionalmente os curadores convidados com o mesmo montante oferecido
aos artistas selecionados.
Considero esse um bom começo para um projeto de
artes visuais que, mantendo sua periodicidade, pode
vir a ampliar práticas de fomento mais efetivas, definidas por bolsas-residência para artistas brasileiros, sob
a mediação de artistas, curadores, críticos e teóricos
que, convidados, se disponham a estabelecer interlocuções motivadoras, animadas por uma itinerância
estendida a todo o território nacional.
Se, por um lado, a dimensão nacional do projeto Fiat
Mostra Brasil não é inovadora, por outro, sua intencional abrangência vem reiterar a necessidade sempre
atual de buscar conexões proveitosas com a abundante produção artística brasileira.
Desde os anos 1980, a prática do “mapeamento” está
presente nos modos de pensar a arte, veiculando questões da expressão humana tanto no âmbito local quanto no global. Em meio à mundialização determinada
pelo advento da informática, várias estratégias emergiram, aproximando mercado, produção cultural e artística e interesses políticos de ordem muito variada.
Além do aumento de uma produção crítica e teórica
mais voltada para os processos, a internacionalização
da arte, no Brasil, reforçou o interesse em se inventariar a produção artística no âmbito nacional.
Há décadas estabelecido, o próprio eixo Rio-São Paulo
reconheceu a necessidade desse rastreamento territorial como possibilidade estratégica de realimentação
de um circuito instigado a ampliar mundialmente sua
visibilidade.
Sem desconsiderar a importância histórica de projetos
institucionais que já realizam leituras abrangentes do
território artístico brasileiro, o surgimento dessa nova
iniciativa revitaliza o desejo de conectar-se com o desconhecido próximo, superando tendências centralizadoras das quais nosso contexto cultural nunca esteve
totalmente a salvo.
3 | www.blogearte.
blogspot.com
Desse modo, a Fiat Mostra Brasil desobrigou-se de
cumprir protocolos já bem estabelecidos no circuito,
fiat mostra brasil
curadores
interessando-se mais pela produção de artistas que,
independentemente da idade e do “tempo de estrada”, demonstraram compromisso objetivo com a pesquisa, permitindo-lhes assim, para além da visibilidade
e do glamour, a materialização de suas boas idéias.
Os critérios definidos pelos sete curadores indicam
com clareza um direcionamento alternativo, evitando
tendências recorrentes no grand monde do contemporâneo e apostando na inteligência de práticas com
postura crítica diante do que “convém ser” arte.
No blog, a perspicácia das focalizações permitiu não
somente um confronto mais imediato com questões
cruciais da arte, como possibilitou aos interlocutores
uma intensa troca de pontos de vista e informações.
Assuntos tais como o que é a arte contemporânea, o
contexto da produção artística no Brasil ou a controversa figura do curador serviram como provocações
para discussões que configuraram a urgência de mais
diálogo.
Outro investimento motivador foi a inclusão do máximo de categorias midiáticas no edital. Longe de
querer esgotar ou indexar possibilidades, o reconhecimento de dezoito linguagens valoriza a fértil permeabilidade técnica da qual se serve a produção artística
contemporânea.
A falta de repertório por parte de muitos visitantes
remeteu-nos a preocupações anteriormente tratadas
pelo curador Mesquita: até que ponto eventos como
a Fiat Mostra Brasil podem contribuir para a formação
de um público mais preparado, uma população mais
educada visualmente e sensível à experiência do olhar
como forma de conhecimento?
Esse extenso inventário de linguagens pode inclusive
constituir-se em pretexto para uma salutar reflexão
sobre a inventividade humana alinhada ao tempo presente. Hoje, antigas e novas tecnologias confirmam
suas especificidades, em conversas que desconstroem
os fundamentos de uma “pureza” estética comprovadamente desnecessária.
Refletir sobre “o que é a arte contemporânea” faz
emergir um debate importante que precisa ser mantido vivo. Pois os conteúdos por ele evocados não dizem apenas respeito ao artístico. Surgido como uma
urgência ética vivenciada pela geração sobrevivente à
Segunda Guerra Mundial, o ímpeto de diluir os limites
entre vida e arte continua atualíssimo.
Tiram proveito dessa oportuna desconstrução os artistas que, sem a preocupação de aprovar ou combater
qualquer linguagem, usufruem de todas, praticando
estimulantes graus de contaminação entre os meios.
De lá para cá, os impactos causados pela imposição
de um sistema financeiro ávido de lucros especulativos geraram problemas que nos afetam diariamente,
tais com os desastres ecológicos, a migração de povos
espoliados pela miséria e pelas guerras localizadas,
a exclusão social, a violência urbana, o fanatismo religioso, a corrupção estatal, o crime organizado e o
terrorismo.
Sendo assim, pinturas, gravuras, fotografias, colagens,
objetos, instalações, vídeos, performances, artes digitais e intervenções urbanas promovem, na Fiat Mostra
Brasil, uma instigante aproximação entre alteridades,
tensionando os tradicionais conceitos de obra e espaço expositivo.
Visou-se, com isso, a valorização de dimensões éticas
intrínsecas ao artístico que, apesar de já vigorarem em
discursos circulantes, ainda aparecem como novidade
para a grande maioria dos observadores.
Nesse contexto, propostas artísticas mais sintonizadas
com o cotidiano passaram a instigar a sociedade planetária no sentido de expandir sua consciência sobre
si mesma. A aproximação entre arte e vida, fazendoas muitas vezes coincidir, tornou-se então o indicador
de transformações perceptivas para as quais a simples
contemplação estética já não tem mais sentido.
Enfrentando o recorrente problema de um público
pouco preparado e visualmente pouco educado para a
experiência do olhar, o blogearte da Mostra constituise numa das principais interfaces do projeto, estabelecendo uma direta interlocução com seus visitantes.
Estamos falando de mudanças provocadas não só pela
aceleração do tempo, mas também pelos movimentos
de questionamento e desconstrução da tradição, das
grandes narrativas e das categorias que antes organizavam o conhecimento.
É exatamente esse lastro sobre o qual se fundamenta
a produção contemporânea de arte que precisa ser
mais bem divulgado ao grande público, desde que o
desejo seja o de criar, no campo da arte e da cultura,
as tais dinâmicas emancipadoras.
Mais acessíveis, elas podem neutralizar a alienante
aceleração do consumo, aproveitando o que de melhor o mundo globalizado pode nos oferecer: uma
nova concepção de nós mesmos por meio de experiências de diferenças e alteridades.
A falta de repertório foi igualmente detectada durante
a análise dos mais de 2.800 portfólios inscritos. Ao
longo do processo seletivo, os curadores constataram
inúmeras dificuldades de entendimento do que é arte,
desde suas noções mais básicas.
Enquanto rastreadores de boas propostas, deparamonos com situações dilemáticas pontuadas em meio ao
volumoso número de inscrições. Diversos sintomas
emergiram. Em muitos casos, foi detectado certo “encurralamento” entre o peso ainda atuante de uma tradição acadêmica mal compreendida e os ditames do
que é “contemporâneo” para o circuito, impedindo o
artista de desenvolver sua própria força expressiva.
Apesar de não constituir nenhuma novidade, a concentração de poder político e econômico nas principais capitais brasileiras foi reiterada, não apenas pelos
diferentes graus de articulação do discurso artístico,
mas igualmente pela verificação de diferentes níveis
de familiaridade com as novas tecnologias.
Uma avaliação crítica dessa concentração aponta para
a já conhecida precariedade em que vive uma importante parcela de brasileiros, no que concerne à redistribuição de bens culturais que permitam uma melhor
consciência perceptiva.
E isso inclui não apenas a falta de acesso a informações mais pulsantes como também uma série de deficiências do sistema de ensino da arte, que lida com
dificuldades para melhor preparar consumidores e
profissionais desejosos de atuar nesta área.
O problema da formação do artista é crucial porque
envolve questões impregnadas de valores dúbios. Convencionalmente, ser artista é, no melhor dos casos, ser
4 | Idem, ibdem, p.56.
166|167
especial, ter sucesso e surpreender. Na pior das hipóteses, é ser irresponsável, vagabundo e marginal.
Estou tratando aqui de construções moralistas por
demais arraigadas nas diversas instituições da sociedade contemporânea brasileira. Mesmo no caso das
escolas de arte com melhores condições estruturais,
a consolidação do campo da arte como um campo
de produção de conhecimento é dificultada por um
modelo acadêmico restritivo.
Nele vigora a hegemonia das Ciências Tecnológicas,
impondo às outras áreas critérios tecnocráticos de
avaliação. Critérios que, sendo pouco adequados ao
universo artístico, não contribuem para uma formação na qual rigor técnico e competência na elaboração de conteúdos possam convergir.
Apurando a leitura crítica, é importante ressaltar que,
dentro das mesmas escolas, existem iniciativas coletivas e individuais corajosas. Trata-se de professores que,
confrontando a inércia institucional, procuram resgatar
o que de aproveitável este ensino ainda pode oferecer.
Diante da visão ampliada provocada pela Fiat Mostra
Brasil, ficam claros o insuficiente aproveitamento de
potenciais inerentes a pessoas desejosas de produzir
arte e a impotência das estruturas de ensino frente à
burocracia acadêmica.
A oportunidade que tivemos de esboçar diagnósticos
nos reaproximou de problemáticas que, longe de serem desestimulantes, nos instigam a continuar trabalhando como educadores, teóricos e fomentadores de
agenciamentos condutores de conhecimento.
No Brasil, não há dúvidas: estamos lidando com um
solo fertilíssimo no que tange à produção artística. É o
que se conclui de uma experiência como essa.
Talvez a Fiat Mostra Brasil sirva, desde já, como um
indicador convincente do tanto que, atenuando os impactos da lógica especulativa, investimentos culturais
privados podem viabilizar ações artísticas e culturais
capazes de resgatar a qualidade de vida tão necessária
a todos os habitantes do nosso planeta.
fiat mostra brasil
curadores
Coordenadas em movimento |
Eduardo de Jesus1
Assim, o contemporâneo é, de determinada perspectiva, um período de desordem informativa, uma condição de
perfeita entropia estética. Hoje não há mais qualquer limite histórico. Tudo é permitido. | Arthur C. Dantho
No
blog em que iniciamos uma série de debates após a divulgação do
edital da Fiat Mostra Brasil, em junho de 2006, uma das questões
dizia respeito ao processo curatorial. A discussão que se seguiu foi bastante
produtiva, até porque o anonimato permitido pelas interfaces da comunicação
on-line parece ter possibilitado maior abertura e radicalismo nos comentários. É
no mínimo sintomático que este tenha sido o segundo tópico mais comentado
entre todos.
Não vou aqui investigar a etimologia ou mesmo o sentido jurídico da palavra
curadoria. Tampouco tentar descobrir o motivo de tanto interesse por parte do
público neste tema. A idéia é intensificar o debate acerca das curadorias, especificamente a que gerou a Fiat Mostra Brasil.
Antes de mais nada, é preciso pensar a produção artística contemporânea como
um território móvel, uma plataforma movediça que desliza incessantemente
entre os mais diversos e complexos agenciamentos sociais, culturais, políticos e
econômicos, entre outros. Algo que não se assemelha em nada a um discurso
concluído, mas sim a um tatear constante, uma inundação de dúvidas vindas
da produção e da reflexão artísticas realizadas no domínio do tempo presente. Múltiplas linhas de força caracterizam essas atividades, além de uma certa
urgência. Situações diversas e em movimento constante. Arte contemporânea
talvez seja isso.
Se pensarmos nestes mesmos termos sobre a produção artística brasileira, talvez seja possível ver o território se desdobrar ainda mais, ampliando-se em novas situações e direções que inevitavelmente passam pelos inúmeros problemas
políticos e sociais que enfrentamos hoje, e que se refletem, de uma forma ou de
outra, nos modos de produção, exibição, conservação e fomento à produção
artística. A situação, aqui sim, é de urgência. Situações extremas, como as que
vivemos no Brasil, complexificam ainda mais a produção e a reflexão artística
– e, por conseqüência, as questões curatoriais.
Em uma série de livros de bolso, o Centro de Arte Contemporânea BALTIC, ligado à Universidade de Newcastle, na Inglaterra, publicou transcrições de encontros entre curadores e artistas. As conversas, apesar de amistosas, mostram as
tensões típicas do sistema da arte contemporânea. Em um dos debates, Carolyn
Cristov-Bakargiev, ex-curadora do P.S.1, espaço vinculado ao MoMA de Nova
York e dedicado à arte contemporânea, aponta suas dúvidas sobre os processos
curatoriais e afirma se sentir mais confortável em curadorias de exposições individuais do que de coletivas, já que, nas primeiras, acredita estar desenvolvendo
uma espécie de monografia sobre o artista. A analogia é interessante para
examinarmos as muitas possibilidades de desenvolvimento curatorial.
1 | www.blogearte.
blogspot.com
2 | www.balticmill.
com/visit/index.php
3 | HILLER, Susan e
MARTIN, Sarah, The
Producers: Contemporary
Curators in Conversation,
Gateshead, BALTIC,
2002.
170|171
A idéia de desenvolver uma curadoria como espaço
de reflexão e de debate parece aproximar as idéias de
Cristov-Bakargiev das de Jean-Christophe Royoux, experiente crítico de arte e curador francês que, durante
a jornada de debates da 26a. Bienal de São Paulo,
em 2004, definiu o curador como alguém que gera
discursos em conjunto com o artista. Para Royoux:
“O exercício da curadoria é uma extensão da crítica
de arte e, portanto, constitui uma forma de discurso.
Uma exposição é um discurso que um curador elabora
junto com o artista.”
Confrontos e trocas
As duas posições explicitam, entre outros pontos, que
alguns processos de curadoria se estruturam na tentativa de colocar o pensamento em ação em busca de
situações de confronto e de diálogo entre a produção
artística, a vida social e o campo teórico. Com isso,
provocam no público reflexões e aproximações que
podem reverberar em uma experiência ampliadora
dos sentidos e do pensamento. Minha experiência na
curadoria da Fiat Mostra Brasil seguiu essa direção.
Ver as obras, ler os projetos, assistir aos vídeos e interagir com os trabalhos foi sobretudo um exercício
de compreensão das muitas práticas e estratégias que
povoam a produção artística brasileira contemporânea. Encontramos diversidade, aberturas e contaminações de toda ordem, sobreposições e justaposições
entre o global e o local, pesquisas com os mais variados sentidos e profundidades, em um território ao
mesmo tempo pulsante e caótico.
5 | BRAGA, Paula, O
curador e a instituição
de arte. Disponível em:
www.forumpermanente.
incubadora.fapesp.
br/portal/.painel/palestras/document.2004-1005.8927372279.
Trabalhos das mais diversas intensidades, com múltiplas possibilidades de reconhecimento e articulação,
revelaram a existência de circuitos artísticos de pequena escala e de atuação local, mas que configuram uma certa situação da arte brasileira e um certo
pensamento artístico e crítico. Coordenadas em movimento desenham um espaço expandido do qual fazem parte todos esses procedimentos. Propostas que
vão da total inocência e distanciamento em relação às
questões que experimentamos agora até aquelas que
se alinham em torno de tentativas densas de diálogo
com os muitos aspectos da realidade brasileira. As linhas de fronteira dos campos artísticos se abrem, por
fiat mostra brasil
curadores
4 | A cobertura destes
debates está disponível no site do Fórum
Permanente: Museus
de Arte; entre o público
e o privado (www.
forumpermanente.incubadora.fapesp.br/portal/.
painel/palestras).
meio de fricções, para situações híbridas nas quais,
freqüentemente, a possível especificidade do suporte
dá lugar aos procedimentos experimentais.
ência, nas práticas preexistentes, elas se hibridizam,
reforçando seu estilhaçamento e sua renovação, não
sem desencandear certos efeitos perversos.”
Foi dentro desse panorama que a seleção dos trabalhos aconteceu. Um processo coletivo, para o qual
cada um dos curadores convidados trouxe em sua bagagem distintas visões e experiências teóricas e práticas de contato com a produção artística atual. Um
confronto cheio de trocas dentro de uma diversidade
de pensamentos acabou, por meio de intenso debate,
por configurar a Fiat Mostra Brasil. Como resultado, a
exposição aponta para uma certa situação, e não para
uma certeza ou tendência. Aposta em uma circulação de idéias para mostrar os enfrentamentos entre
os discursos da arte, as práticas artísticas solidificadas,
o rompimento de barreiras entre suportes e mídias, o
campo teórico e a aproximação com os diversos espaços de convívio que experimentamos na vida contemporânea.
No caso específico do vídeo, apesar da trajetória histórica mais longa, o meio ainda acaba seduzindo os
mais desavisados com seus frágeis e fáceis efeitos que,
algumas vezes, ocultam a inconsistência das propostas
artísticas e, em outras, apenas enfatizam um profundo
conhecimento técnico. Relacionar-se com as imagens
em movimento, ao contrário do que muitos pensam,
vem se tornando cada vez mais difícil, sobretudo pelo
fato de o real estar tomado de imagens, reforçando o
que afirmava Serge Daney: “filmar é ver ao quadrado”.
Neste colapsado circuito de imagens, é importante
que a multiplicidade dos tempos e as possibilidades
de criação valorizem uma imagem capaz de resistir às
facilidades dos procedimentos técnicos, garantindo
outros sentidos para a imagem em movimento.
Estilhaçamento e renovação
Gostaria de chamar a atenção para duas modalidades
artísticas dentro do processo curatorial. Os trabalhos
em mídias digitais (interativos) e vídeo demonstram
como essas plataformas têm se tornado cada vez mais
comuns entre os suportes de desenvolvimento e criação artística. No entanto, no caso das mídias digitais,
é fundamental que se procure um caminho próprio,
que ao mesmo tempo dialogue com a tradição artística e saiba retirar das especificidades de cada meio o
que têm de próprio e instigante. A interatividade precisa se contaminar de processos poéticos que abram
alguma possibilidade de fruição para além do simples
domínio técnico e, com isso, novas possibilidades de
produção e outras formas de percepção, como observa Couchot:
Rede de subjetividades
O que houve de mais importante em todo o processo de concepção da Fiat Mostra Brasil foi uma reflexão, que acredito ter atravessado todos os curadores,
sobre a arte brasileira atual e sobre nosso papel na
configuração final da exposição. Fugindo da posição
de avaliadores da qualidade ou de “certificadores do
ISO 9000 das artes”, como enfatizamos no texto sobre a seleção dos trabalhos, os curadores buscaram
uma reflexão e uma aposta na expansão dos limites
da prática artística para além dos já estabelecidos e
consolidados. Nessa perspectiva, possibilidades de
contaminação de toda ordem abrem espaço para outras abordagens das questões sociais ou tecnológicas
que se aproximam da produção artística brasileira. O
próprio limite do espaço expositivo também foi ampliado com uma série de obras que dialogam intensamente com a cidade e seus fluxos. Possibilidades de
ampliação do fenômeno artístico para além do próprio espaço expositivo.
Agora podemos confrontar o resultado desta mostra,
buscando nos situar sobre uma pequena e significativa parcela da produção artística nacional. Mesmo
que a Fiat Mostra Brasil não esteja organizada em representações estaduais, que explicitem as bordas do
território físico, acaba sendo o resultado dos múltiplos
agenciamentos neste espaço imaginário e real que é
o Brasil. Uma complexa rede de subjetividades em
uma cena social entremeada de confrontos e tensões.
Nesse contexto, a exposição pode revelar, mesmo que
com distintas intensidades, uma produção artística
que surpreende ao conseguir criar possibilidades de
diálogo, de interlocuções e de reflexões que nos permitem alcançar novos modos de perceber a vida.
6 | COUCHOT, Edmond,
A tecnologia na arte – da
fotografia à realidade
virtual, Porto Alegre,
Editora da UFRGS, 2003,
p. 266.
“Longe de introduzir uma ruptura estraçalhadora na
continuidade da arte, e permanecendo bastante frágil, o numérico apenas fornece-lhe os meios tecnológicos que lhe convêm. Bem utilizado, submetido a um
projeto estético coerente, todo modelo lógico-matemático pode ser desviado de suas funções originalmente científicas (tornar o real inteligível). As práticas
artísticas numéricas não se dispersam, em conseqü-
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Nos espaços moventes da arte |
Marisa Mokarzel1
Em
exposições é comum o visitante locomover-se em várias direções
para olhar, perceber e se relacionar com o objeto que, organizado
no espaço, se articula com outras obras, permitindo, ou não, distinguir um conceito. As relações que se estabelecem são de várias ordens, podendo ocorrer
entre o visitante, o espaço e a obra ou entre os próprios visitantes. Moventes
desenhos se formam, fornecendo uma dinâmica por onde percorrem sensações, sentimentos, formulações de pensamento e deslocamentos físicos.
Na Fiat Mostra Brasil, como em outras situações expositivas semelhantes, as
relações começam a ser tecidas bem antes, seja no período organizacional,
seja no momento da seleção. No caso específico desta mostra, há uma relação
visível que ocorre entre lugares e entre eventos. Trata-se de um espaço compartilhado por dois grandes acontecimentos artísticos: um que há anos firma-se
como um importante evento nacional, e outro que foi recentemente criado. Em
ambos se é partícipe de um olhar que se insere na contemporaneidade, revelando as tramas de uma complexa sociedade em que redes culturais, artísticas
e econômicas conjugam-se em fluxos dos quais emergem poderes políticos e
hegemônicas forças se impõem.
O convívio é firmado em um campo de tensão, na incerta trilha em que instabilidades se instalam e pode-se perguntar “como viver junto”? Nesta pergunta
encontra-se o fio que interliga lugares, espaços e eventos. O princípio questionador proposto por Roland Barthes e adotado pela 27a. Bienal de São Paulo
confere o tom de aproximação entre arte e vida. A linguagem promove o processo comunicador e institui o lugar da sociabilidade, onde vida coletiva e vida
individual tentam conciliar-se, pontuando o espaço da afetividade e também
da animosidade.
Entre as observações que Barthes faz sobre o Viver-junto, encontra-se a afirmação de que “não é contraditório querer viver só e querer viver junto” e que
esta convivência pode ser tomada “como fato essencialmente espacial (viver
num mesmo lugar)”. Esclarece, porém que “em estado bruto, o Viver-junto é
também temporal [...]”. Na Fiat Mostra Brasil, propostas de caráter mais individual e subjetivo, que interpretam o mundo por meio de uma poética intimista,
convivem com outras cujo tom interpretativo provém do coletivo e ocupa não
somente o espaço da exposição, mas se expande além dele, assimilando a vizinhança, estabelecendo relações com a Bienal, com o Parque Ibirapuera e com
a própria cidade de São Paulo.
Em uma reflexão sobre o cotidiano e a cidade, Michel de Certeau procura delimitar um campo, propondo uma distinção entre lugar e espaço. Para o autor,
“um lugar é a ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem elementos nas
fiat mostra brasil
1 | Este conjunto de afirmativas de Roland Barthes integra o livro Como
viver junto: Simulações
romanescas de alguns
espaços cotidianos, São
Paulo, Martins Fontes,
2003. O livro recebe o
mesmo título do curso
realizado no Collège
de France. Os trechos
citados correspondem à
aula de 12 de janeiro de
1977, referem-se mais
precisamente ao item
fantasia e podem ser
encontrados nas páginas
9 a 11.
curadores
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relações de coexistência” e esses elementos estão dispostos lado a lado, sendo que cada um se situa em um
lugar próprio. Um lugar significa “portanto uma configuração instantânea de posições. Implica uma indicação de estabilidade”. No que concerne ao espaço,
considera que este existe “sempre que se tomam em
conta vetores de direção, quantidades de velocidade e
a variável tempo. O espaço é um cruzamento de mó
veis”. Para De Certeau, as ruas são geometricamente
definidas por um traçado urbano que é transformado
em espaço pelo pedestre e é neste espaço que se desdobra um conjunto de movimentos.
2 | As afirmações de
Michel de Certeau são
provenientes do capítulo
IX, “Relato de espaço”
IN: A invenção do
cotidiano, v. 1 Artes de
fazer, Petrópolis, Rio de
Janeiro, Editora Vozes,
2001, p. 201.
3 | dem, p. 202.
4 | Comentário de
Ligia Canongia sobre os
artistas neoconcretos IN:
O legado dos anos 60 e
70, Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Ed., 2005, p. 39.
5 | Hélio Oiticica apresentou estas questões
durante o seminário
Propostas 66. O texto
“Situação da vanguarda
no Brasil” foi publicado
em São Paulo pela Arte
em revista, ano I, n° 2,
maio-agosto de 1979,
p. 31.
6 | Mesmo que este termo possa ser substituído
por outros e ainda seja
bastante questionado,
utilizo-o baseada em
vários autores que
também o aplicam,
como Andréas Huyssen,
Frederic Jamenson, David
Harvey, Jean-François
Lyotard e Perry Anderson.
Nas colocações sobre
o termo pós-moderno,
selecionei especificamente as considerações de
David Harvey, Condição
pós-moderna, São Paulo,
Edições Loyola, 1992; e
de Perry Anderson, As
origens da pós-modernidade, Rio de Janeiro,
Jorge Zahar, 1999.
fiat mostra brasil
Percebe-se que a arte contemporânea não mais se
restringe aos espaços institucionais, ao contrário, lança-se nos espaços urbanos em um processo distante
dos monumentos oficiais que, existentes há séculos,
demarcam feitos e homenageiam heróis. A arte formata hoje geografias, descreve e traça percursos. Cenas cotidianas, cenas imaginárias circulam, fixam-se
temporariamente em algum lugar, construindo pares
substantivos que se desdobram em múltiplas camadas, deixando visível um estado latente onde transitam
a vida, a fantasia. Ficção e realidade misturam-se, promovem, ou não, narrativas, muitas vezes desprovidas
de uma seqüência lógica, propositoras de inúmeras
entradas e saídas. Entrecruzam-se procedimentos que
reverberam além das paredes, absorvem a hibridez e,
muitas vezes, infiltram-se em campos digitais, navegando labirintos que interligam o próximo e o distante.
Altas tecnologias convivem com produções artesanais,
com técnicas milenares, com o refugo. Neste entrelaçar cabe o mundo e neste mundo situa-se a trama da
arte. A participação do público ocorre junto a performances, intervenções urbanas, obras eletrônicas ou de
outra natureza qualquer. São interações que se processam instaurando atitudes já existentes no percurso
da arte, apontadas no futurismo e dadaísmo e enfatizadas nas décadas de 1960, 1970. No Brasil, Hélio
Oiticica e Lygia Clark propõem levar “o objeto de arte
para o espaço do vivido, espaço compartilhado pelo
artista e pelo espectador”. Na verdade, como agente
da experiência, o público troca o lugar de espectador
pelo de participante. O eixo arte-vida emerge com
mais força, ganham visibilidade as “vivências”.
Como bem diz Oiticica, “não se trata mais de impor
um acervo de idéias e estruturas acabadas [...]”, mas de
curadores
procurar descentralizar a arte, por meio do seu deslocamento. A proposta é transferir o “campo intelectual
racional para o da proposição criativa vivencial”, dando ao indivíduo “a possibilidade de ‘experimentar a
criação’, de descobrir pela participação, esta de diversas ordens, algo que para ele possua significado”. No
século XXI, o pensamento do artista ainda encontra
ecos no processo participativo da arte, mas assume
esta postura sob outras roupagens. Afinal, houve um
deslocamento de tempo e o mundo presenciou troca
de valores, queda das crenças universais.
A busca pelo significado da arte ou da vida, neste
momento labiríntico, dilui-se nos vários lugares, nos
múltiplos espaços em que a incessante movimentação
permite poucas condições para que algo mais substancial se fixe e forneça estabilidade. Depara-se com
os excessos que provocam o cálculo virtual em que
as somatórias de possibilidades e impossibilidades
podem se anular e devolver o caos. É nesse estado
ilimitado e indefinido que a ordem pode se instalar a
qualquer instante, uma vez que se prenuncia e propicia o nascimento de algo, de uma nova realidade.
Resta saber, no entanto, que tipo de ordem será restabelecida e quais valores serão assimilados.
Os valores instáveis, a desconfiança dos discursos universais e totalizantes, a afirmação de um mercado globalizado e a flexibilização da economia que reverbera
em outras áreas, inclusive da arte, apontam para a
condição pós-moderna que estava presente bem antes, encontrando ressonância nas artes visuais em meados dos anos 1950, com a Pop Art. De acordo com
Perry Anderson, essa condição, todavia, começa a se
difundir de forma mais ampla a partir dos anos 1970.
Desde então, encontramo-nos num campo indefinido,
em que o próprio nome pós-moderno implica uma relação entre o moderno e o prefixo que lhe agrega outro significado, podendo dar margem à compreensão
de algo que acontece depois, quando uma condição
anterior encontra-se de certa forma esgotada.
a fragmentação, o hibridismo, a indeterminação e o
transitório. Todas essas condições remetem-me a um
romance inacabado que se passa em 1913. Em determinado momento da narrativa, o personagem Ulrich
pressente que “nenhuma coisa, nenhum eu, nenhuma forma, nenhum princípio é certo, tudo se encontra
numa transformação invisível e incessante, no instável
há mais futuro que no estável, e o presente não é senão uma hipótese que ainda não superamos”.
Com este argumento, construído no começo do século XX, pode-se acreditar que talvez haja mais proximidade entre a condição moderna e a pós-moderna do
que se possa imaginar. O imediatismo e a instabilidade que atualmente nos lançam às incertezas do futuro
e à provável inviabilidade de projetos em longo prazo
são condições que já despontavam há tempo, mesmo
que se acreditasse nas forças redentoras e se pautasse por grandes ideais. “O que é singular na incerteza
hoje é que ela existe sem qualquer desastre histórico
iminente; ao contrário, está entremeada nas práticas cotidianas de um vigoroso capitalismo”. A arte
situa-se nesse contexto em que estratégias mundiais
são elaboradas por meio de valores condizentes com
o consumo exacerbado. A cultura e a arte transitam
em um campo movediço, coabitando com algo que é
alheio a sua natureza e por isso mesmo pode arremessá-las a um universo de contradições e paradoxos.
A meu ver, nesse estado de tensão a arte resiste e,
apesar de toda instabilidade que a cerca, pode não sucumbir às estratégias de forças hegemônicas que tendem a diluir subjetividades e a nivelar todos os seres
e coisas pelo consumismo advindo de um “vigoroso
capitalismo” cujos efeitos se alastram em questão de
segundos. O tempo, na verdade, torna-se o signo da
nossa época e, contraindo-se cada vez mais, se revela
na rapidez incessante, na impossibilidade de fixar coisas, na sobreposição do próprio espaço.
No lado oposto, um outro tempo, como um tabuleiro de xadrez, aguarda lentamente a movimentação
das peças, indispondo-se contra os lugares que são
ocupados pela agilidade dos corpos e se transformam
em incontroláveis espaços moventes. Precisa-se agora
de um tempo estendido que permita pensar sem a
incansável corrida em direção a um novo produto, à
informação acumulativa que transborda, não produz
conhecimento e se distancia da arte.
Em meio a tessituras de ordem tão impositiva, a arte
busca reordenar seus próprios valores, uma vez que
é irredutível à economia e se constitui dentro de suas
especificidades, ainda que estas estejam contaminadas pelos alicerces do capital. A arte, mesmo assim,
encontra brechas para realizar sua poética e interpretar o mundo. O estratagema de Viver-junto encaixa-se
em uma vontade de enfrentamento, em uma contracorrente que enfatiza as relações humanas e faz com
que desemboquem no processo artístico.
A Fiat Mostra Brasil é uma das tentativas de fazer circular um potencial da arte que gera propostas e poéticas visuais que, inseridas em seu tempo, podem ultrapassar a complexa dinâmica de um período de poucas
delicadezas e muitos excessos. Como se vive a fluidez
de uma época que nos conduz às incertezas, poucas
condições apresentam-se para a formulação de assertivas. Com a Mostra, disponibiliza-se ao público um
conjunto de obras que pode projetar-se além-muros.
Todas, contudo, estão expostas a diversos olhares e
pensamentos, sujeitas a diferentes interpretações.
7 | Romance que revela
o contexto político,
social, artístico e cultural
da Áustria do começo
do século XX. Escrito
por Robert Musil, teve o
primeiro volume publicado em 1931. O homem
sem qualidades, Rio de
Janeiro, Nova Fronteira,
1989, p. 181.
8 | Pensamento de Richard Sennet encontrado
no livro A corrosão do
caráter: conseqüências
pessoais do trabalho no
novo capitalismo, Rio de
Janeiro, Record, 2000,
p. 33.
David Harvey, por outro lado, interpreta o termo pósmodernismo como uma espécie de reação ou afastamento do modernismo. Considera que há uma coexistência, estabelecendo um processo relacional, uma
vez que a condição moderna ainda existe quando a
outra condição se configura. O pós-modernismo termina por revelar uma circunstância que potencializa
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curadores
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O risco como estratégia |
Járed Domício 1
É
do ato simples de rabiscar um papel que muitas idéias podem ganhar corpo até chegar à concretização. O olhar do artista percebe a força daqueles
traços iniciais e investe naquele pequeno esboço, consciente de que essa etapa
inicial é de vital importância para o seu processo criativo. Correr o risco de dar
atenção a idéias aparentemente simples pode ser uma atitude estratégica para
estabelecer a densidade das questões que o trabalho apresentará no futuro.
Sendo essa etapa fundamental para o desenvolvimento de uma poética, o ato
de criar torna-se uma aposta em cada nova idéia e põe o artista numa situação
de tensão permanente.
Cada artista e cada obra tem um tempo particular, no qual a maturação da
proposta e suas respectivas conseqüências vão se construindo a partir das informações que se agregam ao processo e à vivência cotidiana do trabalho. É nesse
tempo de concepção, que vamos (no ímpeto da criação) nomear momentoateliê, que o artista consegue exercer plena liberdade sobre suas intenções para
com a obra a ser desenvolvida. Pode ser que tal obra não atinja seus propósitos
ou que nunca seja executada, mas é nesse tempo de êxtase criativo que o artista se põe a imaginar que riscos está disposto a correr para pôr suas idéias em
prática. Não se trata de propor o risco como estratégia de construção da arte,
mas de afirmar que toda obra de arte pressupõe a necessidade de arriscar, caso
contrário observaremos somente a repetição de procedimentos e atitudes que
resultam em trabalhos isentos do embate criativo.
Analisar uma idéia embrionária e tentar, a partir daqueles poucos elementos,
tomar uma série de decisões que vão construindo paralelamente o trabalho
e o artista – que, tal qual o esboço de linhas simples, vai também assumindo
formas mais precisas no que diz respeito a sua postura com relação ao seu processo de criação e ao encaminhamento do seu trabalho, no confronto com as
diferentes etapas (criação, produção, veiculação e comercialização), que podem
ser assimiladas ou não, segundo seus ideais. É esse o momento de definição das
parcerias que se deseja, de perceber quais as possibilidades do trabalho. Pontuar dúvidas e traçar metas. O que não significa que, ao longo do caminho, as decisões não se alterem. Arriscar pressupõe dizer que algumas das regras que vêm
sendo seguidas podem ser quebradas a qualquer tempo. Regras dos modos de
fazer e pensar arte são reestruturadas para dar margem a outros caminhos, nos
quais o ato de criar e recriar passa a ser um exercício natural ao artista.
Esse momento-ateliê, que não raro provoca angústia em muitos artistas, êxtase
em outros ou, ainda, um misto das duas sensações, é de fundamental importância e ainda pouco entendido e pouco assistido por grande parte das estruturas de incentivo à produção artística, devido a seu caráter íntimo e invisível.
Assemelha-se a ficar horas na cozinha preparando um delicioso prato. Quem
degusta não sabe a maré de odores, sabores, temperaturas e um sem-fim de
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delicadas percepções que são experimentadas antes
que o prato seja posto à mesa para ser consumido. A
experiência do artista de observar, sentir, propor, definir materiais, situações, imagens, formas e relações
exige tempo para compreender as conexões que podem ser estabelecidas dentro dos critérios da poética
a ser construída.
E, afinal, o que estamos chamando de artes visuais?
Será que essa designação ainda nos serve? Depois de
observar tudo que foi experimentado por Lygia Clark
e Hélio Oiticica, é interessante imaginar a distância entre a produção contemporânea de arte e sua absorção
por parte do público e de muitos profissionais ligados
a esse campo. Já ultrapassamos alguns códigos e terminologias e ainda assim não soubemos criar outros
que pudessem acompanhar de forma coerente essas
manifestações da atualidade. O embate da relação entre o público e as manifestações contemporâneas de
arte tornou-se assunto constante entre as instituições
de cultura e de educação.
O fato é que a história da arte caminhou à parte das
nossas estruturas educacionais e o trabalho de aproximação depois de tanto tempo só realça o estranhamento já contido na maioria das obras. A cada exposição
visitada, o público parece abrir um baú de surpresas,
no qual essa “nova” condição da produção artística literalmente invade os espaços e cria circunstâncias inusitadas para aqueles cujo imaginário de arte ainda está
ligado às questões clássicas da pintura e escultura.
Estas novas relações com a arte são construídas a partir
do contato direto com as obras expostas aos olhares
que se dispuserem a vasculhar os detalhes de cada uma
delas. O risco, aqui, é estar diante de muitos universos
diferentes e ter de enfrentar alguns tabus, situações
de tensão e questionamentos sobre nossas convicções
aparentemente tão bem estabelecidas nos papéis sociais que exercemos no dia-a-dia. O público da arte não
é somente aquele que aprecia, mas aquele que se atreve. Para gostar de arte é necessário QUERER ver arte.
E arte nem sempre é aquilo que queremos ver. Portanto, cabe ao público arriscar o convívio com essas manifestações, que podem lhe trazer experiências particulares de entendimento sobre o mundo em todos os
seus aspectos. As informações da produção artística
que neste momento ocupam os espaços expositivos
fiat mostra brasil
curadores
acabam por se infiltrar em muitas áreas. A arte alimenta muitas fontes. O design das nossas roupas, relógios, carros, as imagens da publicidade, a aparência
dos softwares e dos computadores... A informação
produzida por artistas, depois de assimilada, é incorporada em tudo que nos cerca e chega ao cotidiano
sem que possamos perceber como essa aproximação
acontece. Para um público acostumado à velocidade
da televisão, parar e observar o que está acontecendo
é uma tarefa árdua.
As dimensões do Brasil trazem uma série de conseqüências para essas formas de organização. Cada local
acaba por ter peculiaridades que passam a determinar
certas condições de produção. Para alguns artistas, a
presença das condições adversas gera uma produção
que se desenvolve com mais desenvoltura e grande liberdade de experimentação. O lugar alternativo tornase lugar de fato. A idéia de instituição passa a ser aquela
resultante de uma organização espontânea em busca de
outras maneiras de visibilidade das ações em arte.
O diálogo entre público e espaços de arte tem ganhado cada vez mais atenção e as instituições, por meio
de trabalhos educativos, oferecem aos visitantes algumas informações essenciais para apreciação das obras
de arte. É de fundamental importância colaborar para
que uma exposição possa de fato gerar uma discussão sobre suas temáticas, seja por meio de conversas
com artistas e teóricos da arte, seja com monitorias,
oficinas ou publicações. Caso contrário, teremos exposições que não geram conhecimento nem deixam
marcas do trabalho realizado. Embora seja um processo lento, o trabalho de instigar o público de arte
pode ser extremamente favorável ao desenvolvimento
de um cidadão mais crítico e maleável com as diferenças culturais tão comuns ao nosso país. E quando isso
ocorrer, provavelmente teremos criado um público
ainda mais assíduo e entusiasmado pelas artes.
Produzir arte no Brasil significa saber adaptar-se às
condições dadas, renovando-as e dialogando com a
produção nacional a partir de códigos gerais e particulares. Movimentações como as dos dois coletivos
selecionados para a Fiat Mostra Brasil – Grupo Empreza (GO) e Gia, Grupo de Intervenção Ambiental
(BA) – são exemplos de uma produção para a qual a
relação com as instituições tradicionais é apenas um
dos elementos que podem contribuir para a continuidade dos seus trabalhos, e que parte da certeza de
possuir toda autonomia para agir nos mais variados
contextos.
Nossas instituições culturais têm tido um papel de
destaque como propulsoras da cultura. É inegável o
trabalho que realizam e as estruturas que possuem
para abrigar as exposições e acervos. Mas a produção
de arte brasileira é muito maior do que o número de
espaços existentes para absorvê-la. Precisamos então
olhar para um formato de instituição mais elementar
e de atuação mais silenciosa do que aquele das grandes corporações, pois nem todos os artistas circulam
das formas ou pelos lugares convencionais. Para que
algumas organizações de artistas possam garantir sua
existência e ter liberdade de se posicionar como questionadoras dos organismos gerenciadores da cultura,
existem outros circuitos de arte que não estão nos jornais, nem na televisão, mas que funcionam de forma
eficiente, em iniciativas que têm na internet seu maior
instrumento de divulgação e possuem uma imensa
capacidade de agir em rede, acionando os coletivos
de várias localidades.
Existem por todo Brasil muitas dessas iniciativas independentes e que respondem por uma boa parcela
do que se produz de significativo em arte aqui. Essa
postura dos artistas traz uma provocação às formas
tradicionais de incentivo cultural. A crítica ao formato
exaurido dos salões de arte tornou-se lugar-comum,
assim como a ansiosa busca por outros formatos. Vide
as ações da Bolsa Pampulha (MG), o Salão de Artes
Plásticas de Pernambuco (que, apesar de conservar o
termo “salão”, premia artistas com bolsas) e a Bolsa
Marcantonio Vilaça do CNI/SESI, talvez uma das ações
de maior repercussão nesse sentido. Tais iniciativas
investem no processo de formação dos artistas, ao
contrário dos formatos tradicionais que focavam sua
atenção no evento.
Apesar do formato ainda próximo dos salões tradicionais, o edital da Fiat Mostra Brasil trouxe uma série
de mudanças e muitas questões. Tanto para os artistas, confusos com as novas regras, quanto para toda a
equipe de produção, que buscava se adaptar às novas
demandas. Ter o risco como estratégia pressupõe um
olhar aberto e atento ao grande acúmulo de informações contidas nos mais de 2.800 portfólios analisados. A tarefa de avaliar todo aquele material em busca
de artistas que pudessem compor um olhar sobre a
arte brasileira era, de antemão, bastante pretensiosa.
A diversidade de idéias deixava bem claro que poderíamos selecionar muito mais do que trinta artistas
representativos e construir vários tipos de percepção
sobre nossa produção.
Mas, então, conseguimos chegar a uma representação real do que se produz na arte brasileira? Sim, mas
não a única, e nem definitiva. Apenas um olhar sobre
a produção nacional a partir de artistas que não são
grandes nomes das artes, provavelmente não estão
vinculados a grandes galerias e, em alguns casos, possuem obras com características que dificultam sua inserção no mercado de arte. São obras e artistas que,
por um meio ou outro, escolheram ter o risco como
estratégia. Seja um risco com tom de delicadeza, como
nos trabalhos de Mariana Silva da Silva, Felipe Cohen e
Daniel Trench, Luis Roque, Raquel Stolf, Fabiana Wielewicki, Katia Prates e Milena Travassos; seja por uma
tendência natural ao risco como processo, como nas
obras de Bruno Faria, dos coletivos Gia e Grupo Empreza, de Martha Neves, e das artistas Adriana Barreto
e Bruna Mansani.
Nos projetos a ser executados, a atitude não é só apostar na idéia, mas no indivíduo que vai executá-la. Suas
intenções e a seriedade com que vem desenvolvendo
suas obras. Trabalhos como as esculturas de Henrique
Oliveira, que parecem engolir os espaços expositivos,
ou o pequeno livro de fotos de Mariane Rotter são
bons exemplos dessas apostas.
A tecnologia, entendida como suporte das poéticas
artísticas, é utilizada em trabalhos instigantes como
o “objeto ansioso” de Ricardo Cristofaro ou nas obras
de Vera Bighetti, Martha Gabriel, Marcus Bastos e Andrei Thomaz. As gravuras do artista Marcelo Moscheta, as pinturas de Leonora Weissmann e as de Rodrigo
Freitas convivem com a performance de Nydia Negromonte, com as “pinturas” de Daniel Escobar e com as
instalações de Fabíola Tasca e de Rodrigo Borges.
Alguns outros apostam no embate direto com o meio
urbano, como nas obras dos coletivos mm não é confete e Vulgo, e de Cristiano Lenhardt. Temos ainda Thais
Ueda, selecionada na categoria utopédia (uma das novidades do edital). Todos compondo uma exposição que
ousa ser uma amostra da potência da arte brasileira.
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curadores
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Osíris contemporâneo |
Stéphane Huchet
É
habitual exigir da arte que ela inove. Uma grande maioria dos editais de
mostras e salões que estabelecem regras e critérios para a recepção e a
seleção de trabalhos artísticos também privilegia a noção de novidade – sem,
aliás, nunca dizer o que a define.
Muitas vezes, a lista das tecnologias mais avançadas de produção artística faz
ofício de critério. Agora, entregar apenas o cerne do “novo” às categorias técnicas reduz a questão a seus aspectos práticos e leva a uma operação de captura
e de ofuscamento da dimensão temporal, histórica e crítica mais complexa com
a qual toda obra de arte se relaciona inevitavelmente. Pensar que o “novo” depende do uso de recursos tecnológicos mais recentes para ser averiguado não
resolve o teor da inovação, que é, a nosso ver, muito mais de ordem do simbólico e de uma concepção crítica das relações criadas pelo trabalho.
No fundo, a exigência ainda obsessiva do “novo” reflete uma situação sintomática, na qual a diminuição real da inovação na arte geraria um misto de relutância e de indisposição ao fato de a criteriologia clara e evidente promulgada pelo
modernismo – a história é a história das rupturas – ter perdido sua pertinência
hoje. De seis em seis meses, aparece uma chamada de novos rumos, manifestando a espécie de “pânico” subconsciente que toma conta de certas instâncias
curatoriais frente à inexistência real de inovações que revolucionariam o cenário
da arte. Hoje, muitas vezes o chamado “novo” não o é e só parece sê-lo porque
existe um esquecimento rapidíssimo da produção recente e menos recente. Trata-se da geração quase institucional de um palimpsesto que esvazia a memória
para melhor preencher na hora seus vazios.
Ao mesmo tempo, é da natureza da arte criar propostas visuais e plásticas para
fazer cintilar algo na noite do sentido. A situação é complexa porque o conceito
esvaziado de “novo” não dá conta de preencher um outro conceito, o de “arte”,
ele mesmo submetido desde os anos 1960 a turbulências incessantes. Estas,
hoje, não são em nada rupturas ou quebras, mas configurações produtivas
paradoxais. Com efeito, tal ou tal proposta artística, sua eventual capacidade
de aparição e de convicção – capacidade que representa um desafio no meio
da proliferação das práticas idiossincráticas e do grande caleidoscópio artístico
hodierno – podem muito bem sustentar visualidades e manifestações impactantes, mas raramente conseguem apagar o sentimento de não terem mais o
poder de se destacarem irredutivelmente das camadas mais letais do espaço da
arte no qual se inserem. “Letal”, o grande platô da arte – platô da coabitação e
da justaposição das práticas e dos veículos, platô verdadeiramente assumido e
consumado do multimídia técnico, no qual cabem todas as categorias propostas no edital da Fiat Mostra Brasil, platô no qual as operações artísticas, e as modificações que realizam, não podem remover o subsolo hipersaturado da arte.
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Usamos o termo “modificações” artísticas porque envolve melhor a idéia de que as diversas propostas hoje
em ação no cenário da arte dividem e compartilham
um mesmo solo histórico sobre o qual decidem como
inventar e criar modos de diferenciação que permitam
configurar um ac-cidente simbólico, um evento territorial. Por ac-cidente (conservando o sufixo latino),
não queremos sugerir a não-necessidade da arte, mas
o fato de que ela procede hoje à instituição de uma dinâmica mais breve e telegráfica, na forma – privilegiada desde o romantismo alemão e reinaugurada pela
colagem e pela montagem nas vanguardas do início
do século XX – do fragmento cru(el) e crucial. A arte
não é mais capaz de estruturar uma visão sintética do
mundo. Ela se mostra muito mais interessada em criar
cir-cun-stâncias... A arte cerne, circunscreve, circunda;
cria ritmos icônicos, intervalos críticos, (in)stâncias. O
que caracteriza a arte contemporânea é uma pulsão
performática que procura fazer da proposta artística
uma maneira móvel de ocorrer. Agora, resta saber se
a arte de hoje, por mais próxima que pareça ser das
dinâmicas ressaltadas por Jean-François Lyotard na
grande época das experimentações artísticas – “e se
devêssemos levar a sério não a apresentação, mas a
mera produção; não o apagamento (representativo),
mas a inscrição; [...] não a significação, mas a energética [...], a imediateza de produzir em qualquer lugar;
não a localização, mas a deslocalização perpétua?”
– não as mimetizaria em seu vigor para melhor reterritorializá-las, confirmando que o desafio hoje fica
por parte o mesmo, a força atrativa do subsolo tendo
aumentado muito desde 1972...
1 | LYOTARD, JeanFrançois, “Capitalisme
énergumène” IN: Des
dispositifs pulsionnels,
Paris, Christian Bourgois
Editeur, 1980, p. 9.
2 | Ficou claro que
esses “proponentes”,
através de seus objetos,
logravam gritar para
serem ouvidos. Gritos
usando de recursos formais, imaginários visuais
demonstrando uma total
ausência de cultura no
campo da história da
arte, uma ausência de
distanciamento crítico,
a adoção de referenciais
formais totalmente
obsoletos.
fiat mostra brasil
A arte se propõe também a fazer irrupção na teia das
relações sociais, no sentido amplo do termo, articulando as várias redes que elas desenham. Aqui, poderia
entrar em jogo a lista infinita dos substantivos, adjetivos e atributos que a arte tem por vocação interrogar,
investigar, diferenciar e espelhar: todas as noções da
semântica humana.
Quais são os objetos da arte hoje? A resposta poderia corresponder à ficção borgesiana de um mapa – a
resposta ideal – que recobriria por inteiro os territórios que mapeia, seus relevos, seus vales, seus rios,
suas cidades, suas eminências e suas depressões etc.,
ou caber simplesmente na seguinte frase: toda a experiência humana (e, inclusive, a sobre-humana ou a
não-humana). Quais objetos, quais dispositivos, quais
curadores
propostas os artistas põem em circulação? Os Fragmentos do Grande Espelho do Mundo... Neles, o público pode (se) ver, isto é, enxergar o que já conhece, o
que diz já saber ou pretender saber do mundo. Tratase de simulacros. No entanto, o público pode ter um
outro tipo de contato com os múltiplos pedaços desse
Espelho fragmentado: se os conhecer por seus perfis
simbólicos cortantes, experimentará seu teor dilacerador. O público, como também os críticos e curadores,
podem preferir o reflexo como simulacro ou o perfil
dilacerador que queima a recepção. São os artistas
que decidem investir mais um ou outro aspecto. É o
que acontece com os artistas da Fiat Mostra Brasil.
O que interessou à equipe curadora foram as possibilidades de mesclar as situações e as especificidades
a partir de um material artístico constituído pela porcentagem maior de trabalhos que, durante o processo
da escolha, se mostraram em condição de se sustentarem, contrastando com uma multidão assustadora
de propostas oriundas daquilo que os franceses chamam de peintres du dimanche. Durante o processo
de seleção, cada curador teve a oportunidade de ser
confrontado com a questão de definir o que é arte
ou não. A hegemonia do kitsch e das fantasias mais
escabrosas em 95% dos dossiês mostrou como as
monstruosas e fascinantes entranhas do inconsciente pequeno-burguês – quando este deseja superar o
nível reles da existência e a imediatice do sensível, e
inventar alguma simbolicidade – não têm a mínima
condição de ser depuradas num processo formal e
“linguagético”, porque lhes falta, para isso, a cultura
artística e histórica necessária. Não entraremos aqui
na questão abissal de saber o que é arte – ninguém
mais responde a essa pergunta –, mas é evidente que
cada um de nós precisa pré-solucioná-la para poder
começar a trabalhar como historiador ou crítico.
Os artistas da Fiat Mostra Brasil participam todos de um
outro meio da arte, isto é, uma microssociedade que
tem consciência do que a produção artística significa
em termos de desafios e de jogos de linguagem com
um certo referencial histórico-crítico. É nessa consciência que todos se encontram e convergem. Também
é por essa razão que, além das disjunções entre propostas para o espaço da exposição e propostas para
o espaço externo, os artistas da Fiat Mostra Brasil só
distribuem suas diferenças dentro de um sistema da
arte. As tentativas de expansão fora dele nunca conse-
guem destruí-lo: o sistema vive também delas e gosta
dos “filhos pródigos” que esticam o cordão umbilical
ao extremo sem se decidirem a desamarrá-lo definitivamente de seu nó inicial. Na verdade, o fato de a
“dissolução da arte na vida” quase nunca ser realizada
pelos artistas tem a ver com a lógica artística. Essa
diluição apagaria inteiramente o rastro da passagem.
Esta última deixaria de existir e de se manter minimamente visível. O filósofo Jacques Rancière demonstrou
muito bem que a arte, para gerar impacto criativo e
produtivo na realidade e na vida, não pode renunciar
à sua autonomia como espaço experimental e laboratorial. A essência da operação artística é de pro-duzir
uma mínima visualidade, de per-formar uma mínima
visibilidade, de in-stalar uma mínima aparência, de
modular uma mínima aparição e expressão para que a
proposta consista, insista e persista.
As práticas de grupos e coletivos, as intervenções ditas urbanas, as performances na margem do tempo
tectônico, as ações interativas, as derivas neo-situacionistas, as fascinantes e apaixonantes táticas de
reinvenção do cotidiano etc. parecem articular suas
lógicas e definir parâmetros que ajuntariam, como
pano de fundo, tanto a recente “estética relacional”
de Nicolas Bourriaud (anos 2000) quanto as “artes do
fazer” de Michel de Certeau (1980), isto é, a articulação da “linguagem ordinária” e do “lugar-comum”, do
“cada um” e do “ninguém”. Constituem encenações
que convocam implicitamente o conceito de “arte
política”, categoria muito complexa à qual, por falta
de espaço, não podemos aqui consagrar as devidas
considerações. Na história da arte recente – sem regredirmos até o bufão dadaísta – o movimento Fluxus
representa sem dúvida uma das mais importantes experiências de criação, dos “modelos” de ação artística ao caráter “político”. É o que lembra o historiador
Walter Zanini quando, ressaltando a “atualidade de
Fluxus”, cita Ken Friedmann. Este declara que “Fluxus
[tinha] mais valor como idéia e como potencial para
a mudança social do que como grupo concreto de
pessoas ou como coleção de objetos”, acrescentando
que “a visão que Fluxus [tinha] da globalidade íntegra um enfoque democrático da cultura e da vida”. É
fascinante ver que tais motivações, características dos
anos 1960, são hoje ainda particularmente presentes
no mundo da arte. No entanto, devemos perguntar se
esse caráter “político” é monopólio desse tipo de prática. Com efeito, será que, frente às instalações in situ,
às instalações que investem na interespecificidade dos
mediums (pintura/escultura, pintura/fotografia etc.), à
presença de resquícios aparentemente irredutíveis de
patterns icônicos de origem pictórica e gráfica em certos trabalhos digitais – precipitados ao mesmo tempo
neo-arcaicos e tecnológicos do cromatismo abstrato
–, às não-narrativas de algumas fotografias e de alguns vídeos, às suas estéticas da desaceleração, da
suspensão do tempo e da contemplação e às modalidades visuais e semióticas do conceitualismo etc., não
poderíamos perguntar se e por que esses trabalhos,
expostos dentro do cubo branco, seriam finalmente
menos “políticos” ou teriam intencionalidades menos
“políticas”? É sempre importante refletir se, em certos
trabalhos artísticos, o “político” não existiria também
na própria articulação dos signos, sem depender de
uma situação aparentemente mais próxima do conceito em questão, por exemplo, um contexto como
a cidade, uma comunidade ou uma coletividade. Em
nome de que negaríamos o caráter de serem também
“políticos” à lentidão, à afirmação da imagem como
correlato de uma contemplação, à transformação da
imagem em suporte de meditação? Em nosso mundo, toda imagem da desaceleração veicula uma intencionalidade política, porque já corta o fluxo veloz da
mercadoria e os mecanismos violentos de condicionamento e da alienação.
No conjunto das propostas e das situações, trata-se,
portanto, de diferenças e de uma “política” intra-artística. A Fiat Mostra Brasil participa do mundo e do
meio da arte, com a confirmação de que o deslocamento não escapa à regulação institucional, tanto no
sentido do continente quanto no sentido de que cada
proposta institui algo. Para mover o grande corpus da
arte, é preciso haver múltiplas táticas locais suscetíveis. O mundo complexo e amplo da arte instituiu de
maneira tão bem azeitada suas funções sistêmicas que
só resta espaço, na intensidade das propostas eventuais das quais falamos acima, para movimentos micrológicos. Micrologias de uma microssociedade cuja
particularidade é ser constituída por seres que direcionam seu trabalho para o exercício crítico da liberdade.
Saudável exercício. Saudável capacidade de articular
propostas, de pensar seu filtro formal e processual, de
não baseá-las apenas na imediatice da sensibilidade,
realizando o devir-consciente necessário ao ato artístico dentro de um conhecimento da cultura material
que a história da arte é.
3 | Ludwig Wittgenstein
confessava que suas
investigações filosóficas
da linguagem ordinária
– a “prosa do mundo”
– lhe davam o sentimento de se transformar em
“selvagem” entendendo
equivocadamente a
maneira de se exprimir
de homens civilizados.
De Certeau comenta:
essa posição “é aquela
que consiste em ser um
estrangeiro em casa,
um ‘selvagem’ no meio
da cultura ordinária,
perdido na complexidade
do bem-entendido e do
bem-entender comum. E
como não se ‘sai’ dessa
linguagem, que não se
pode encontrar um outro
lugar de onde interpretála, que, portanto, não
existem interpretações
falsas e outras verdadeiras, mas somente
interpretações ilusórias,
que, em suma, não há
saída, resta o fato de ser
estrangeiro dentro mas
sem fora e, na linguagem
corriqueira, de ‘esbarrar
contra seus limites’ (…)”,
L’invention du quotidien.
1. Arts de faire, Paris,
Gallimard, col. Folio/Essais, 1990, pp. 29-30.
Qual a relação do artista
com a prosa do mundo?
Será que o artista, quando se transforma em
analista de certas práticas
ordinárias, não almejaria
mimetizar (de) dentro
da arte o “selvagem”
analítico?
4 | Citado por ZANINI,
Walter, “A atualidade de
Fluxus”, ARS, revista do
Departamento de Artes
Plásticas, ECA/USP, ano 4,
nº 3, 2004, p. 18.
190|191
O grande corpus da arte vive precisamente de seus deslocamentos internos, o corpus global acolhendo perfeitamente as movimentações internas. O sistema da arte
é como um grande mecanismo de gravitação universal
que pode ser de certa maneira manejado se as tentativas de “voar” nele almejarem um tipo de andadura e de
energia programáticas ainda próximas – sim – daquelas
que Lyotard definia em 1972 quando dizia: “o tempo
está chegando de servir e encorajar as divagações, errando sobre todas as superfícies e fendas imediatas,
enchentes de corpo, de história, de terra, de linguagem...” A arte contemporânea parece com o corpo de
Osíris – o deus egípcio que renasce de seus fragmentos
e da noite – flutuando entre as águas dos sentidos e o
céu da análise como a jangada da medusa.
5 | LYOTARD, Jean-François, op. cit., p. 10.
2|3
fiat mostra brasil
curadores
Para além do plug and play |
Giselle Beiguelman
A
popularização dos meios digitais na produção artística impôs a reflexão,
cara ao filósofo Bruno Latour, sobre a necessidade de pensar novos formatos políticos capazes de lidar com o transitório e os arranjos momentâneos; colocou em destaque as estratégias de compartilhamento, em detrimento
das relações interativas; fomentou o debate sobre a desmaterialização da arte
– mas teve alguns efeitos perversos.
Por meio do termo “novas mídias”, revalidou um paradigma incômodo das chamadas “vanguardas” modernistas: a noção de novidade como parâmetro crítico de análise. Absorvendo sem critério nomenclaturas fáceis provenientes de
releases “prêt-à-porter”, mistificou o binômio arte/tecnologia, conferindo-lhe
um atributo de marco da contemporaneidade.
Fala-se em “novas mídias” como se o adjetivo “novo” fosse capaz de definir um
repertório ou uma modalidade de criação. Toda mídia, quando surge, é nova. E
não é sua novidade o que implica mudança ou transformações culturais, epistemológicas e estéticas, mas sim, como evidenciou Guattari, os graus de complexidade e pluralidade simbólica que agenciam na relação homem/máquina.
No que diz respeito ao binômio arte/tecnologia, como suficiente para identificar uma determinada produção contemporânea, é preciso ignorar pelo menos
quinhentos anos de história e esquecer que a problematização da tecnologia no
campo da arte remonta às “máquinas perspécticas” do século XVI e, portanto,
em nada é tributária ao advento da informática e seus desdobramentos.
Diversos projetos presentes na Fiat Mostra Brasil parecem confrontar essas noções. Ao não ceder ao vazio de nomenclaturas do tipo “novas mídias” ou “arte/
tecnologia”, obrigam-nos a pensar que esses termos escondem a dificuldade
do sistema de arte contemporâneo em absorver a cultura de rede e a digitalização do cotidiano nas suas expressões mais radicais. Afinal, são definições
que pouco se prestam a uma atividade reflexiva que ponha em questão os
translimites da interface, as estratégias táticas, as práticas de sampleagem e
compartilhamento e os desafios da arte generativa.
Interface disforme, de Marcus Bastos, é um ponto de partida para essas discussões. Trata-se de um vídeo interativo que disponibiliza em um terminal sons e
imagens distribuídos por camadas sobrepostas, num “cluster” audiovisual em
que os fragmentos reunidos resultam num todo irregular.
São entrevistas, remixes, arquivos copiados da internet e gravações de vídeo
digital, além de sons criados a partir de fragmentos de fala, ruído ambiente,
locuções e texturas produzidos a partir de frases de intelectuais e anônimos. fiat mostra brasil
1 | LATOUR, B., “From
Realpolitik to Dingpolitik – Or How to Make
Things Public” IN: Bruno
Latour & Peter Weibel
orgs., Making Things
Public - Atmospheres of
Democracy, ZKM/MIT
Press, 2005, pp. 4-32.
2 | GUATTARI, F.,
Caosmose – Um novo
paradigma estético, trad.
Ana Lúcia Oliveira e Lúcia
Cláudia Leão, São Paulo,
editora 34, 1992, pp.
45-71.
3 | MANOVICH, L.,
“The Automation of
Sight: From Photography
to Computer Vision”
IN: Timothy Druckery,
org., Electronic Culture
– Technology and Visual
Representation, Ontario,
Aperture Foundation,
1996, pp. 229-239.
curadores
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Ao mover o mouse sobre a tela, o interator ativa a
“selva” de camadas midiáticas ali depositadas, obrigando-nos a lidar com o caos resultante de práticas
diversas e simultâneas como a pirataria, as utopias
libertárias, as modalidades de rastreamento e a saturação de informações.
Impõe-se aí um conjunto de ambientes de fronteiras
difusas que, ao permitir a navegação por sons e vídeos
sobre “territórios”, “interdições”, “liberdade” e “ruídos”,
desafia-nos a explorar formas de alterar e combinar
imagem e som que estejam além das rotineiras experiências relacionadas ao uso do sampler por DJs e VJs.
Isso porque o projeto estimula a atenção à voz e ao
olhar do outro. Ao construir uma trama de falas e
imagens em movimento, apaga o registro autoral, em
favor da pluralidade de perspectivas. Bastos comenta:
“O acúmulo de elementos no espaço produz seu
estilhaçamento (simultaneidade ao invés da seqüência — avesso dos livros: página, página, página; avesso dos filmes: frame, frame, frame). É
pelo girar de botões e pelo rastro do cursor que
percorre a tela que o interator frui este ensaio em
que tudo surge e desaparece de maneira inesperada. Ou, como diria Jorge Luis Borges: ‘Não tem
fim. Sabemos, sim, que houve um dia’.”
E, com esse comentário, evidencia a fragilidade de
pensar que é possível refletir sobre os meios, supondo que teriam algo a nos dizer porque são “novos”,
redirecionando a discussão para a interrogação sobre
as particularidades ou o estatuto distinto das mídias
digitais em relação às mídias analógicas.
4 | LUNENFELD, P., “Art
Pos-History – Digital
Photography & Electronic
Semiotics” IN: Photography after Photography:
Memory and Representation in the Digital Age,
Amsterdam: G+B Arts,
1996, pp. 92-98.
5 | CRITICAL ART ENSEMBLE, Plágio utópico,
hipertextualidade e produção cultural eletrônica.
Distúrbio eletrônico, São
Paulo, Conrad, 2001, pp.
83-100.
fiat mostra brasil
Uma primeira distinção reside no fato de que as mídias digitais lidam com originais de segunda geração.
Não há perda (de definição, qualidade, aura) entre o
original e a cópia.
Salve um mesmo arquivo com dois nomes no seu computador. Qual é original? Qual é a cópia. Nenhum, ou
melhor: ambos.
A informática em si é tecnologia de replicação, clonagem.
Ao mesmo tempo em que permite a produção de idênti-
curadores
cos múltiplos pela cópia do código, engendra o fenômeno cultural e estético do “original de segunda geração”.
Não existe perda de autenticidade no campo da arte
digital, e a arte produzida para a internet leva essa
afirmação ao limite extremo. O “aqui e agora” se faz
pelo fluxo, no deslocamento dos arquivos pela rede.
A obra efetiva-se pela linkagem, perde a precisão de
seus limites. O plágio transforma-se em uma estratégia recombinatória. Põe em curso uma chamada, para
que se abra a base de dados cultural, a fim de deixar
que a tecnologia de produção textual, sonora e visual
seja usada até sua potência máxima.
Nesse sentido, restaura a deriva dinâmica do significado que o jogo ideológico do mercado oculta sob
o domínio da citação autorizada, arremessando essa
dinâmica em uma rede de multiusuários e colocando
agora as estratégias de recombinação e reciclagem
como condição de uma “epistemologia anárquica”
(Idem, ibidem).
Não se trata de uma apologia da barbárie, da apropriação pura e simples, mas da revalidação da autoria
para além de seus nexos biológicos e ontológicos, e
de estratégias de redirecionamento das condições de
fomento à criação e circulação do conhecimento.
Esta é a pauta que está em jogo em intervenções
como Manifeste-se 2.0, da dupla Milena SZ e Mariana
K, conhecida como mm não é confete, e Delivery: coleção particular, de Bruno Faria.
Manifeste-se 2.0 assume o lugar das redes como espaço público e procura evidenciar suas relações com o
espaço urbano. As “mms” constroem, no mesmo intuito, uma ilha audiovisual móvel para interação com
o público nas ruas, utilizando um carrinho de camelô, que tomam como objeto característico da cultura
popular de centros metropolitanos. Essa ilha móvel
funciona também como um aparelho de infiltração
no tecido das telecomunicações, uma vez que todo
o conteúdo das contestações públicas é transmitido e
veiculado na internet.
Em Delivery: coleção particular, Bruno Faria enfoca a
contramão dos espaços de circulação da cultura e põe
em evidência a banalização da arte transformada em
signo de consumo. Ele propõe aplicar seu prêmio na
compra de “obras de arte” (sic) vendidas em “teleleilões” e gravar sua negociação em vídeo, para expor,
no Porão das Artes da Bienal de São Paulo, as obras
adquiridas e o registro de sua negociação.
Sem concessões, ironiza o mercado de arte em todos os seus níveis (fetichismo da obra, dos valores de
premiação, dos lugares de exposição, das formas de
consumo e circulação), refrescando o que mídia tática,
para além do hype, significa.
Se mídia tática é o uso da mídia e de seu potencial até
o limite extremo, a incorporação intencional de seus
protocolos, em um nível tão radical que leva à própria quebra desses protocolos, conforme definiu Alex
Galloway, então sua certidão de nascimento precede
o artivismo em algumas décadas, deve muito a Orson Welles e tem em Bruno Faria um de seus nomes
emergentes mais expressivos.
Orson Welles, para quem não lembra, entrou para a
história do cinema com Cidadão Kane, mas ficou famoso com A guerra dos mundos, um exercício de radiodramaturgia baseado no romance homônimo de
H. G. Wells, publicado em 1898.
Era véspera de Halloween, 30 de outubro de 1938, e os
prenúncios da eclosão da 2ª Guerra Mundial, fundados
no pacto de Munique, firmado um mês antes, criavam
um cenário de tensão nada desprezível. Afinal, Inglaterra e França entregavam a Tchecoslováquia a Hitler e
vários analistas do período alertavam que esse acordo
não estancaria o expansionismo nazista. As notícias sobre a situação européia interrompiam a programação
das rádios continuamente e a incerteza sobre a postura
norte-americana deixava apreensivos os ouvintes.
Nesse contexto é que o grupo de teatro Mercury, liderado por Welles, então com 23 anos, entrou no ar e
levou ao pânico mais de 1 milhão de pessoas nos EUA,
provocando fugas, abandonos de lares e umas tantas
quebradeiras.
Welles virou notícia no país todo e, diante das pressões e resultados, declarou que nada havia sido intencional. Em 1955, contudo, em um especial da BBC
(Orson Welles Sketchbook), assumiria que o programa
não foi tão inocente assim.
O mundo lhe parecia ser alimentado por tudo que saía
daquela “caixa mágica” (o rádio, a tal da nova mídia
de então) e nesse sentido a transmissão era, nas palavras de Welles, “um assalto à credibilidade daquela
máquina” e um alerta para que as pessoas deixassem
de se orientar por opiniões pré-formatadas, “viessem
elas do rádio ou não”.
Em sua ação tática, Bruno, tão jovem quanto Welles
na época de A guerra dos mundos, decide deixar nus
alguns mecanismos perversos do circuito da arte contemporânea, revalidando o “Who Is Who”, o “dom”, a
originalidade e fazendo picadinho (não há outro termo mais nobre) das estratégias de curadoria, premiação, inserção e recepção das obras.
Em oposição à ironia guerrilheira dessa tendência, Ricardo Cristofaro pede-nos que deixemos estar. Sussurra, cheio de delicadezas, que há muitos silêncios
ainda por escutar. Com seus Objetos ansiosos, releganos a uma imobilidade do não-agir.
Ricardo desafia-nos a ser capazes de ler a Caosmose,
de Félix Guattari, demandando um espectro semiótico
ampliado, no qual a subjetividade é produzida não só
psicológica, social e psiquicamente, mas também por
diferentes enunciados não-humanos, em módulos de
intensidade variada.
Ele nos pede, num murmúrio muito audível: NÃO parem
as máquinas! Escutem. Elas, por vezes, têm algo a dizer.
Como no Mosaico de vozes de Martha Carrer Cruz Gabriel (ou moZaico de voSes, como ela prefere).
Trata-se de um Website cuja homepage é produzida
pela ação dos participantes que, ao enviarem mensagens por telefone, são adicionados à página. Cada
pastilha no mosaico representa uma pessoa. É possível escutar as mensagens gravadas pelas pessoas que
formam o mosaico e localizá-las pelo número do telefone de onde elas gravaram as mensagens. A busca
permite que se encontre não só a própria mensagem,
mas também todas as pessoas de uma mesma área,
fazendo a pesquisa apenas pelo DDD (e deixando o
número do telefone em branco).
O resultado, sempre movediço, dessa ação disforme é
um corpo remoto difuso que tece outro corpo, num
6 | GALLOWAY, A. P.,
Protocol: How Control
Exists after Decentralization, Cambridge/Mass.,
MIT Press, 2004.
7 | BEIGUELMAN, G., “O
pai da mídia tática” IN:
Link-se (arte/mídia/política/cibercultura), São
Paulo, Peirópolis, 2005,
pp. 112-115.
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tricô de incontáveis alteridades, que se expressam e se
conjugam, ou não, num mosaico capaz de lidar com
as interrupções e a lógica do intervalo.
tessitura de cada linha melódica, se tornam cada vez
menos reconhecidos individualmente à medida que a
obra se desenrola.
Lógica do intervalo que aparece no livro mágico de
Andrei Thomaz, arquiteto de interfaces labirínticas
que não presumem pontos de partida nem chegada.
Na segunda parte do trabalho, temos o desaparecimento gradual das palavras da página, e a entrada
em cena de novos círculos, acompanhados por novos
sons. À medida que as palavras somem, o percurso
dos círculos torna-se mais visível, e os sons são trocados gradualmente. Por fim, temos a opção de revelar
novamente a página inicial, sem sons, à espera da intervenção do usuário, para que o trabalho recomece.
Seu Labirintos exibe uma das páginas de um texto seminal na história da crítica de arte digital (“The Language of New Media”, de Lev Manovich). A página,
escaneada, é dada na superfície da tela a uma leitura
táctil-visual, que permite percorrê-la por meio de diversos pequenos círculos vermelhos.
Cada círculo é acompanhado por um som em loop,
sendo que a duração do loop corresponde à duração
dos movimentos dos círculos (cada um possui seu próprio tempo de animação), explica-me Andrei.
A leitura que era, no início, exercício táctil-visual, ganha volume. A página torna-se escritura. À medida
que os círculos vão entrando em cena, novos loops de
som são executados, traçando caminhos inusitados
entre as linhas, conclamando, sem desenhar, a imagem da elipse que Derrida escolheu como sinônimo
do processo de leitura/concretude da escritura.
Dizia o filósofo:
8 | DERRIDA, J., “Elipse”
IN: A escritura e a diferença, trad. Maria Beatriz
Nizza da Silva, São Paulo,
Perspectiva, 1971, pp.
73-83.
9 | AARSETH, E.,
Cybertext – Perspectives
on Ergodic Literature,
Baltimore, The Johns
Hopkins University Press,
1997.
10 | GIANETTI, C.,
Endo-Aesthetics (From
ontological discourse
to systemic argumentation), 2004. Disponível
em: netart.incubadora.
fapesp.br/portal/referencias/endoaesthetics.
pdf/file_view.
“Aqui ou ali, discernimos a escritura: uma partilha sem simetria desenhava de um lado o fechamento do livro, do outro a abertura do texto.
De um lado a enciclopédia teológica e, segundo
o seu modelo, o livro do homem. Do outro, uma
rede de traços marcando o desaparecimento de
um Deus extenuado ou de um homem eliminado. A questão da escritura só se poderia iniciar com o livro fechado. A alegre errância do
‘graphein’ era então impossível. A abertura do
texto era a aventura, o gasto sem reserva.”
11 | BAUDRILLARD, J.,
O sistema dos objetos,
trad. Zulmira Ribeiro
Tavares, 4ª ed., São
Paulo, Perspectiva, 2002,
p. 119.
Visualmente, o trabalho tenta revelar o desenho formado pelos espaços em branco entre as palavras de
uma página de texto, desenho que é um tanto labiríntico, e parecido com os mapas urbanos. O trabalho
com o som pretende reforçar esta experiência labiríntica, ao apresentar sons que no início possuem estrutura reconhecível, mas que, devido à proximidade de
fiat mostra brasil
curadores
Tudo sem interação. Apenas colocando em pauta um
gasto de energia, que demanda um leitor capaz de
operar um investimento de configuração física e mental, que se deixa levar pela própria imagem-acontecimento e compreende as regras do objeto com o qual
se relaciona.
“O automatismo é assim como que um fechamento, uma redundância funcional que expulsa
o homem em uma irresponsabi-lidade espectadora. É o sonho de um mundo dominado, de
uma tecnicidade formalmente executada a serviço de uma humanidade inerte e sonhadora.”
E, nesse não-acontecimento, iluminam-se o vazio da
imagem e a aglomeração humana, o infundado do
“tempo real”, entre outras variáveis que explicitam os
regimes de espetacularização do cotidiano, fomentados pelo consumo de câmeras e distribuição massiva
de imagens.
Inércia que Cristiano Lenhardt põe em questão com
a instalação Ao vivo, constituída por um vídeo com o
registro de uma bandeira. A bandeira está hasteada
sobre o Copan (um dos edifícios-símbolo de São Paulo, mas também um condomínio pelo qual transitam
milhares de pessoas todos os dias, entre moradores
e passantes) e nela se lê a inscrição “Ao Vivo”. Nada
mais acontece.
Nesse contexto, em que tudo parece ser fabricado
para registrar, maquiar e tornar público, os pseudofatos se multiplicam, desenhando uma arquitetura
overmidiática, que Cristiano enquadra sutilmente. E
com essa sutileza, faz lembrar uma chamada – que se
torna urgente – feita há alguns anos pela crítica Ivana
Bentes:12 é hora de iniciar a Guerrilha do Sofá. A trilha
aberta por esses artistas pode ser um bom começo.
12 | BENTES, I.,
Guerrilha de sofá ou a
imagem é o novo capital,
2002. Disponível em:
http://www.bocc.ubi.
pt/pag/bentes-ivana-televisao-guerrilha.pdf.
Como na obra de arte generativa Full Fil Fulness, de
Vera Bighetti. A arte generativa baseia-se em instruções matemáticas que agenciam rotinas, no caso de
Vera, visuais, que podem correr autonomamente, ou
ser alteradas pela presença do interator.
A artista aposta nessa tendência mais complexa, exigindo o desempenho de um “endoespectador”, aquele que se integra a um sistema como observador interno,10 dotado de olhos em distintas partes do corpo,
que se configura e se dá ao trabalho de ser formatado
para uma experiência passageira.
Para compreender suas geometrias instáveis, é preciso deixar-se levar por um mundo sem figuras e sem
palavras, imergir, submergir e emergir de um estado
de torpor que põe em xeque a anestesia dos portais e
seus infindáveis “clique aqui para isso e aquilo”.
É preciso ainda tornar-se cúmplice da máquina e ceder
à lógica das parcerias que jogam com a alteridade de
papéis de criador e criatura, enfrentando as ambivalências entre o visível e o invisível, o lugar do código
e o lugar da imagem, sem concessões aos repertórios
meramente automáticos.
Baudrillard,11 a respeito disso, pontua:
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curadores
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Quem
acompanhou as conversas e diálogos tornados públicos no
espaço do blog criado como ante-sala da Fiat Mostra Brasil
pôde ter uma idéia das inquietações que antecederam o processo seletivo desta Mostra e que seguem ocorrendo.2 Conversamos sobre a produção artística
contemporânea brasileira e seu contexto de difusão (formação do artista e do
público) abordando a complexa situação da arte em nosso país. As políticas
para a área de artes diferem entre os estados, e o sudeste do país concentra um
‘sistema de artes’ (o produtor, o comprador - colecionador ou do aficionado passando pelos críticos, publicitários, curadores, conservadores, as instituições,
os museus...”),3 que não reflete necessariamente a realidade de nossas sensíveis
diferenças locais. Isto faz com que, em distintos estados deste país, tenhamos
cada qual que reagir às nossas realidades e circunstâncias próprias. Observamos que muitas iniciativas extravasam para além de uma lógica mercantilista e
fora do apoio do estado, em ações e expansões do fazer artístico. Algumas logrando ser efetivamente transformadoras e instauradoras de inusitadas formas
de viver a arte e de ‘outros sistemas’.
A atual etapa, e diante das proposições dos trinta artistas escolhidos, nos impõe um trabalho bastante desafiador: observar este conjunto, operar distinções
quando olhamos cada obra, discernindo as passagens entre os meios, assim
como as vias abertas pela informação e por obras veiculadas em rede, aproximando-as das proposições realizadas em colaboração e das ações de coletivos.
Como os artistas elaboram as questões internas, inerentes às suas obras, com
as questões que se relacionam aos contextos de vida e aos modos de organização e difusão de suas produções no Brasil hoje? Na seqüência deste texto darei
continuidade àquelas conversas para expandir e compartilhar a experiência de
curadoria, assim como para compreender o que juntas problematizam.
Processos artísticos como pesquisa
Um texto para um contexto:
Fiat Mostra Brasil |
Maria Ivone dos Santos
Chamaremos de arte como pesquisa o estabelecimento de regras sensíveis e de
objetivos que se apresentam primeiramente como uma necessidade para o artista,
e a situação na qual a análise do que ocorre entre as obras em processo o auxilia
a definir os caminhos para o seu fazer. Isso implica num olhar mais amplo sobre o
que vem a ser a prática artística, levando em conta a movimentação que o artista
produz, as linguagens convocadas e o conjunto de motivações que articula.
Esta exposição traz à cena um recorte significativo da utilização da fotografia
na arte brasileira. As especificidades do meio sendo exploradas pelas potencialidades analíticas da captura são um traço comum a algumas pesquisas que
detalharemos na seqüência.
1 | PEREC, Georges.
Espèce d’espace, Paris,
Galilée, 1974, p.122.
(tradução de Mariana
Silva da Silva).
http://blogearte.blogspot.
com
2 | CAUQUELIN, Anne.
Arte contemporânea: uma
introdução, São Paulo,
Martins, 2005, p. 15.
3 | CAUQUELIN, Anne.
Arte contemporânea: uma
introdução, São Paulo,
Martins, 2005, p. 15.
Vive-se em algum lugar? Em um país, em uma cidade deste país,em um bairro desta cidade, em uma rua deste
bairro, em um apartamento deste prédio.(...)O espaço está em dúvida: é preciso incessantemente que eu o
marque, que o designe; ele nunca é meu, ele nunca me foi dado, é preciso que o conquiste.1 | Arthur C. Dantho
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4 | SILVA DA SILVA,
Mariana. Superfícies
do contato: fronteiras
e espaçamentos.
Dissertação de Mestrado,
Programa de PósGraduação em Artes
Visuais, Instituto de
Artes, UFRGS, Porto
Alegre, 2005.
5 | Wielewicki,
Fabiana. Investigações
fotográficas: paisagem
programada. Dissertação
de Mestrado, Programa
de Pós-Graduação em
Artes Visuais, Instituto
de Artes, UFRGS, Porto
Alegre, 2005.
6 | VINCI, Leonardo Da.
Tratado de la Pintura,
Buenos Aires, Editorial y
Librería Goncourt, 1975.
7 | Monier, Geneviève.
Brève histoire de bleu.
Artstudio, n° 16,
Monocrome, Paris,
1990, p. 36. Neste
texto a autora faz um
apanhado de obras
envolvendo a cor azul,
de Giotto à artistas mais
contemporâneos, como
Yves Klein que patenteou
seu azul IKB.
8 | Projeto vermelho,
de Luis Roque Filho,
instalação produzida
para a exposição
homônima (2006).
Curadoria de Marcos
Sari e Ricardo Barberena,
fiat mostra brasil
Mariana Silva da Silva, com fina propriedade, nos introduz a essa questão com seu trabalho À distância
(Elétrico): “Tocar com a ponta dos dedos e com as palmas das mãos, tocar as fronteiras rarefeitas, contemplá-las e observá-las. Tentar alcançá-las e contatá-las.
Capturar esse contato, apresentá-lo, se possível. Fixar
o volátil? À distância (Elétrico) mapeia o percurso de
uma situação de fronteiras do contato através de sua
apresentação fotográfica. O trabalho consiste de duas
fotografias dispostas lado a lado em uma parede, de
forma que haja uma espécie de movimento de um
mesmo fato”.4 Contemplar esses pontos de contato: a
fotografia como meio de retenção de um instante e de
descrição da diferença sutil entre dois enquadramentos
de uma ação meditada. Quem está por trás da imagem
e que pensamentos e premeditações culminaram nessas tomadas? A artista aqui expõe não somente uma
captação, mas os resultados de um gesto deliberado,
pois protagoniza a ação figurada. Discute com o paradigma do instante decisivo, e demonstra, sem dizê-lo,
a existência de um dispositivo de registro e de um certo
enquadramento. Pratica o contato consciente de que se
encontra ao mesmo tempo dentro e fora do seu fazer.
sentes na prática da arte. Apresenta-nos diante de dois
grandes formatos, Paisagem: dia / Paisagem: dia. Estas
imagens de 2003, cujas ampliações resultam do processo analógico, integram séries fechadas e enquadramentos de céu ou da paisagem. Ampliadas nesse formato monumental, os dois monocromos incitam-nos
igualmente a um sutil jogo de diferenças entre azuis.
São instauradores de um tipo de relação sensível produzido em presença dessa cor. Isso faz com que esqueçamos por instantes que estamos diante de fotografias
e nos perguntemos: o que é o azul? Esta vasta questão
se apresenta novamente, transitando entre meios e linguagens, ao longo da história da arte. Lembremos dos
imensos planos de imaterialidade que tanto motivaram
Giotto(1266-1337), da cor que fugia diante dos olhos
atentos de Da Vinci(1452-1519),6 que tentava em vão
fixar na tela um céu em constante alteração cromática.
Bachelard, citado na ‘Breve história do azul’ de Geneviève Monier, nos esclarece um pouco sobre a emoção
do azul: “Primeiro não há nada, depois vem um nada
profundo, em seguida há uma profundidade azul”.7 A
cor em questão sendo analisada por sua potência enquanto fenômeno. (Detalhe acima a esquerda)
Podemos reconhecer essa mesma atitude investigativa nas proposições de Fabiana Wielewicki. Em 2ª natureza: 8º andar, trabalha seguindo um protocolo. A
fotografia a auxilia, neste caso, a desenvolver a articulação dos temas que lhe são caros: o enquadramento
e a paisagem. Esta série de imagens, colocadas lado
a lado, exibe uma movimentação da artista diante
de sua janela, ora incluindo no enquadramento uma
pintura, ora incluindo outra. Parece demonstrar o que
ocorre neste jogo: uma paisagem idealizada, um lugar
comum da paisagem e a cidade como pano de fundo.
Em um texto recente, Fabiana discorre sobre o que
costuma pautar suas proposições: “Elaborar algumas
diretrizes – pequenas regras – traçadas para organizar
e conduzir etapas”. Segundo ela, essas regras permitem “organizar as etapas de trabalho, mantendo uma
relação intrínseca que estrutura conceitos e soluções
formais no processo artístico”.5 Se pudermos deduzir
o jogo por ela lançado nesta série, veremos que esse
sistema de enquadramentos e de reenvios introduz
também o espectador, virtualmente incluído na cena
no ‘enquadramento’ de uma exposição. (Vide pág. xxx)
Luis Roque, num vídeo realizado na fortaleza de Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul, espaço natural
caracterizado por sua vastidão e silêncio, parece trabalhar também sob o impacto de uma cor8. A instalação Projeto Vermelho mostra o artista acionando um
sinalizador que dispersa uma nuvem de pigmentos
vermelhos na paisagem. O vídeo exibe a magnitude
dessas paragens marcadas pela presença da nuvem de
cor que emerge do centro do enquadramento da imagem pela ação do artista. Luis se insere igualmente no
interior de seu enquadramento e, seguindo a mesma
preocupação de Katia, explora no espaço expositivo a
imersão produzida pela imagem projetada num formato de cinema, que ocupa um plano da instalação.
Centra-se na denotação cultural e simbólica desta cor
e nos coloca, pelo seu gesto de passagem, diante da
potência do vermelho. (Veja acima imagem - Céu)
Katia Prates segue a via de uma fotografia mais analítica, que vai, porém, convocar questões sempre pre-
curadores
Se nos ativermos aos aspectos físicos da cor vermelha, poderemos observar que a mesma possui uma
extensão sobre o plano visual. Segundo Schefer, “O
vermelho da pintura (de quase toda a pintura) não faz
o corpo das coisas vermelhas: ele as faz vir o mais próximo da superfície. De que superfície? Da superfície
que nós nos tornamos quando olhamos o vermelho.
E estas coisas dispostas em vermelho não agem, não
se anunciam, elas dizem: Isto!”9 O efeito sonoro que
acompanha o desenrolar da imagem no vídeo de Luiz
Roque Filho parece colaborar com essa indexação cromática. Entramos em um universo de imagens espaçosas e este trabalho poderia inscrever-se igualmente
em uma ‘história do vermelho na arte brasileira’, da
qual nos vêm rapidamente ao espírito a instalação
Desvio para o vermelho, de Cildo Meireles (1968-84),
as fotografias da Série Vermelha (2001), apropriadas
e ressignificadas pela cor por Rosângela Rennó, assim como outras obras cinematográficas que tanto
alimentam o imaginário de Luis Roque.
semelhava muito ao vídeo. Acima da tenda, um anjo
vem anunciar ao imperador a vitória na guerra caso
ele se converta ao cristianismo. Ou seja, existe aí a
idéia da revelação. A verdade, no caso dessa imagem,
entra pela abertura da tenda. Achei que tinha aí um
paralelo rico com nosso vídeo, no qual algo também é
revelado: uma paisagem.” (Detalhe a direita)
N’O Sonho de Constantino, vídeo de Felipe Cohen realizado em colaboração com Daniel Trench, encontrei
características coincidentes, no plano estético, com
algumas das mencionadas acima. Neste formato de
janela, o vídeo parece induzir a uma parada. Queremos ver o que há atrás dessa cortina, o que nos obriga
a parar diante dela. A imagem é que “nos escolhe”.
Pude entrar nos meandros dessa proposição, cuja lentidão parece contribuir para uma atitude mais contemplativa. Perguntei ao artista como ele via esse aspecto
ligado a uma contemplação do mundo e ao restabelecimento de certa distância de produções mais ruidosas que trabalham a linguagem do vídeo. “Contemplar no sentido filosófico do termo. A paisagem deve
ser entendida como símbolo de algo maior e o sujeito,
alguém que a contempla e procura desvendá-la e decifrá-la. Essa relação com o mundo, ou seja, a variação
de uma postura contemplativa na qual você aceita o
mundo com seus mistérios e contradições. Acho que
é a partir dessa vagareza, desse tempo que não nos
distrai, que a paisagem nos evoca para pensarmos sobre sua presença e principalmente a estranharmos.”10
Fiquei interessada em saber mais sobre a retomada de
um tema tratado por Piero della Francesca, mas deslocado do contexto da pintura. Perguntei ao artista se
seu sonho (e de Daniel) remetia ao figurado naquela
pintura do século XV (Il sogno di Constantino, Piero
della Francesca, Basílica de San Francesco, Arezzo, ca.
1455). “O título da obra veio depois do trabalho. Estava folheando um livro de história da arte quando me
deparei com a imagem da pintura O sonho de Constantino. O que me chamou a atenção primeiro foi a
própria imagem da pintura de Piero della Francesca,
na qual o elemento mais forte é a tenda entreaberta
onde Constantino dorme, e que formalmente se as-
Observamos a recorrência do interesse pelo gênero
retrato e pela paisagem, por meios deliberadamente
mais lentos; a pintura, por exemplo. Leonora Weissmann propõe-nos dois grandes retratos que denomina Retratos de Leopoldina e Dudu Nicácio sobre a
mesma paisagem. Busquei saber mais sobre o envolvimento da artista com a pintura, pois, para muitos,
pintar é “quase” um sinônimo de fazer arte. Obtive a
instigante colocação: “(...) a pintura se transformou e
ganhou nova dimensão, se tornou mais corajosa. Na
verdade, após essa profusão de novas práticas, não é
possível olhar para a pintura na história da arte com os
mesmos olhos. E isso é maravilhoso: o presente modificando nosso olhar para o passado”.
Estas e outras pesquisas aqui apresentadas trabalham
a idéia de suspensão, utilizando a fotografia e o vídeo.
Colocando-se diante do embate com a prática, os artistas apreciam o envolvimento proporcionado por esses meios na construção de suas imagens.
Se considerarmos que ela nos diz na seqüência, que
uma pintura se complementa na outra, vemos como a
prática do ateliê guarda para ela sua potência de laboratório e de oratório. O atelier como lugar de um embate entre o artista, seu cotidiano e seu mundo, numa
ação continuada, física, que encontra, habita e deslocase sobre um suporte e continua em outra pintura. “No
caso dos trabalhos selecionados, isso se torna um pouco mais específico. Dudu Nicácio e Leopoldina, músicos
parceiros e amigos, foram retratados e passaram a fazer
parte dos corpos-paisagem. Seus corpos se estruturam
na pintura a partir de uma paisagem lúdica, que finge
ser a mesma, mas que, quando se torna pintura, multiplica-se. Fico me perguntando: seus corpos estão sobre a mesma paisagem? Seus corpos são a paisagem?
Ambos se fazem pintura, os corpos e as paisagens, e
ambos são paisagem, a pintura e os corpos. O corpo
externo à imagem, que observa, é responsável por esse
infinito, o torna possível. São corpos ilusoriamente eternizados por um ponto de vista que é múltiplo.”
O sonho de Constantino, imagem da pintura de Piero della
Francesca
Galeria da Pinacoteca
Barão de Santo Ângelo,
Instituto de Artes da
UFRGS, Porto Alegre, RS.
Essa exposição reunia
outras proposições
e foi acompanhada
de um ciclo de
palestras discutindo
distintos enfoques
da cor vermelha na
arte contemporânea.
Disponível em: www.
ufrgs.br/galeria/
ANO2006_1.html.
9 | Schefer, J. Louis,
Quelles sont les choses
rouges?, Artstudio, n°
16, Monocrome, Paris,
1990, p. 19.
10 | Dados colhidos em
entrevista que realizei
com o artista em outubro
de 2006.
204|205
11 | As falas dos artistas
trazidas a este texto
foram colhidas através de
entrevistas endereçadas
por e-mail entre os meses
de outubro e novembro,
coincidindo com o
processo de escrita deste
texto que efetivamente
se alimentou dessa
interlocução. Buscaremos
disponibiliza-las na
íntegra no site: www.
ufrgs.br/artes/escultura,
no qual recolho as
informações que
concernem à minha
participação neste
processo de curadoria,
como uma das ações
do Programa Formas
de Pensar a Escultura,
DAV-Instituto de Artes da
UFRGS.
12 | OLIVEIRA, Henrique,
Matéria e imagem, ARS,
Revista do Departamento
de Artes Plásticas, n.
6, ano 3, 2005, pp.
66-77. Neste artigo
recentemente publicado
o artista desenvolve a
existência de um fio
condutor que mostra
a passagem da pintura
por várias provas que
culminam nas novas
ações artísticas. Parece
haver um interesse na
retomada de um olhar
a partir deste gênero
para reposicionar às
questões colocadas pela
diversidade de práticas e
gêneros.
fiat mostra brasil
Rodrigo Freitas recorre aos grandes formatos em suas
pinturas, nas quais organiza um criterioso jogo seletivo de temas retirados do seu cotidiano na grande
cidade (Belo Horizonte), partindo de uma pesquisa
anterior com desenhos e fotografia. “Interessa-me
o fluxo constante da cidade, seu incessante ciclo de
destruição e reconstrução e, conseqüentemente, a
convivência de diferentes tempos (passado e presente) num mesmo local. Comecei a investigar lugares
e elementos urbanos que causavam estranhamento
e distanciamento à maioria das pessoas. O aspecto
sublime da paisagem me interessa. Essas idéias se
tornaram mais consistentes a partir das pinturas que
representam um viaduto e o chão de uma praça. O
processo de feitura da pintura (têmpera em grossas
camadas) de certa forma dialoga com esse ritmo de
construção da própria cidade, em que as camadas de
pigmento se sobrepõem e velam imagens anteriores.
Embora nasçam da fotografia, não busco nas pinturas
uma fidelidade fotográfica. Ao contrário, a fotografia
é um estímulo inicial e as paisagens pictóricas se constroem no próprio fazer, com as sucessivas camadas
de tinta.”
Exalta-se aqui o envolvimento dos artistas em seus
distintos processos de trabalho, cuja revelação tornou
possível sinalizar a recorrência de interesses e temas.11
Vimos que possuem em comum uma pesquisa metódica, que se estende do fazer à exposição e aponta para
uma consciência maior de seu papel. Percebemos que
muitos seguem reatualizando, por distintos meios, temas fundamentais na história da arte: a contemplação
do mundo, a paisagem, as meditações. O espaço de
vida surge como tema e aparece, em algumas obras,
desvendando outras questões problemáticas de seus
cotidianos, como se pôde constatar nas pinturas de
Rodrigo e de Leonora, assim como nos vídeos e fotografias. (Vide pág. xxx)
Passagens entre meios
Os artistas, desde o início da modernidade e do aparecimento das imagens técnicas, vêm produzindo
deslocamentos entre meios e agregando, por meio
desta mobilidade, elementos e diferenças em suas
práticas: da fotografia à pintura; da fotografia para a
gravura; da pintura para a escultura; da escultura para
curadores
a web arte; da pintura para o vídeo e cinema. Para
além do meio escolhido, o que se joga nestes casos
são questões que confirmam as atitudes investigativas
dos artistas, ou seja, a busca de amadurecimento de
uma prática calcada na observação de fenômenos de
passagem. Esses artistas parecem perguntar-se: o que
ocorre quando desloco uma situação de um contexto
a outro? Isso dentro da prática de ateliê ou na passagem de contextos de veiculação.
Os Tapumes que Henrique Oliveira nos apresenta nesta mostra, uma instalação in situ, foram feitos pela
aplicação de camadas de lâminas de madeira compensada sobrepostas no plano modificado da parede
do porão da Bienal. A obra coloca de maneira exemplar a questão da passagem entre meios. A história da
arte do século XX, suas invenções e transgressões, nos
permitem hoje retraçar a ampliação efetiva da prática
artística, questão iniciada pela inclusão de procedimentos alheios à pintura, como as colagens. O muro
que nos propõe Henrique Oliveira expõe as texturas
da matéria utilizada e apresenta efeitos visuais impressionantes, que nos dão a sensação de estarmos diante
de um corpo vivo, que incha e se retrai. O artista discute e se bate com esse “plano” de intervenção, um
plano da pintura, inicialmente. Parece consciente que
está diante de um terceiro termo, mesmo se mostra
apego às referências do gênero do qual partiu e que
lhe serve de parâmetro de análise.12 Tapume convida-nos porém a refletir sobre o que ocorre quando a
obra adere ao espaço expositivo e, por conseqüência,
o transforma. Pede que a analisemos nos contextos
nos quais é apresentada, pois nesse embate parece
ganhar organicidade, aparecendo criticamente ao público como um corpo estranho.
A conjunção da obra com o seu local expositivo é
igualmente colocada por Rodrigo Borges, que dialoga com as características inerentes desse espaço (tipologia, morfologia, fluxos) para com elas desenhar
e demarcar intervalos. Torna cada proposição parte
indissociável dessa arquitetura, acentuada pela tensão
provocada pela fragilidade do material empregado:
fitas adesivas. Ambas as práticas, de Henrique e de
Rodrigo, se fazem a partir da pintura e do lugar específico, dialogando e propondo inusitadas relações
perceptivas, ambicionando e dando continuidade a
uma problemática retomada por inúmeros artistas, da
arte total de Kurt Schwitters, com a sua obra MERZ-
BAU (1920),13 às pontuações de Daniel Buren (1968
até nossos dias).14 (Vide pág. xxx)
O lugar expositivo face aos veículos
da arte
As questões do trânsito entre meios aparece distintamente nos Objetos Ansiosos de Ricardo Cristofaro,
que passa da prática escultórica para a modelagem
digital. Nesta instalação ele propõe a projeção de animações de objetos, onde algumas funções são priorizadas, que guardam aspectos que lembram os objetos
manufaturados.15
Diante da profusão de meios artísticos e de modos
de recepção igualmente variados, parece importante
tratar das distinções que se operam entre as obras no
espaço expositivo. Como cada obra se propõe como
uma zona de compartilhamento e que modos de recepção implica? Como ganham nexo? Se no caso da
instalação, vemos que o artista busca recriar uma
zona de visibilidade para suas imagens mentais, como
em outras práticas da arte contemporânea é reposicionada a questão do contato entre o pensamento do
artista e seu público?
Em Refeitório, Marcelo Moscheta opera a passagem
de uma imagem de um meio para o outro. O artista
observa o que ocorre quando transpõe uma fotografia
apropriada de arquivo para a gravura, pacientemente
analisada no que diz respeito às suas qualidades tonais.
Partindo deste formato portável, busca reencontrar as
dimensões originais da cena. O meio escolhido pelo
artista é a gravura. Quem conhece este procedimento
16
de reprodução pode medir a tarefa. O fazer artístico
aqui tem o seu sistema interno centrado na questão da
passagem e da transcrição da imagem do refeitório e
na devolução da mesma, como uma cena, ao local da
exposição. As pequenas parcelas tonais são montadas
lado a lado, como um mosaico, buscando reconstituir
o efeito tonal da imagem original. Refeitório parece
desvendar uma preocupação do artista em elaborar o
descarte de nossa sociedade em suas mais diversas formas. O que o levaria a passar tanto tempo na realização de uma obra se não o envolvimento com uma certa resistência ao desgaste de imagens abandonadas?
Daniel Escobar apresenta dois grandes formatos – série Perto demais: Permeável I e Permeável II –, inscritos
na categoria pintura. Trama os suportes, resíduos de
outdoors também recuperados de campanhas publicitárias com seus gestos de interferência. Ao perfurar
obsessivamente a superfície desses papéis, produz
costuras visuais, cerziduras e rendas, nas quais as imagens sobrepostas criam outras tramas, fazendo com
que o que está figurado numa camada do fundo apareça na superfície. A delicadeza e a fragilidade destas
folhas são algo incompatível com o imenso painel que
mobiliza nossa atenção. Aqui, uma vez mais, os resíduos de imagens publicitárias são ressemantizados
por um tempo dos gestos lentos, e por um real envolvimento do artista com o seu fazer. A questão técnica
e dos materiais artísticos cede, neste caso, lugar a uma
coreografia de gestos que faz obra. (Vide pág. xxx)
Vejamos como abordar o livro de artista, a web arte,
as ações que agenciam registros de informação e de
difusão e as que tratam da questão ética de tornar
público um trabalho, sem exclusão de meios. Pode-se
detectar nestas atitudes um movimento e uma vontade do artista de abrir outras vias expositivas, contrapondo-se à hegemonia do cultural e ao poder das
mídias da comunicação?
O Brasil apresenta um incremento de aparelhos de
comunicação e de computadores domésticos conectados em rede. Se não podemos ainda medir as conseqüências desta rede para a criação, desmistificação
e democratização do circuito da arte, vemos que os
artistas dela têm se apropriado muito rapidamente.
A internet tem potencializado a energia de trocas de
informação e é hoje também um canal de veiculação
de trabalhos de arte. Abrindo-se para o contrafluxo
de opiniões e de interações, ela segue sendo esse rizomático espaço de conversas e assume-se, em certas
circunstâncias, como lugar expositivo. Poderíamos,
como se aventura Anne Cauquelin, levantar outro
caso, o significado dos Sites artísticos17 como espaços
de trocas entre artistas e como zonas de compartilhamento de suas produções.
Uma expressiva parcela dos selecionados tensiona o
aparato expositivo, o museu e as curadorias, consideradas instâncias de sacralização para a arte. Artistas
que se identificam com o espaço da web, assim como
os que desenvolvem ações em contextos urbanos,
individualmente ou em coletivos, estão interessados
em implicar um outro público. Ampliam consideravelmente a questão sobre os modos de veiculação de
Imagem
Imagem
Daniel,
13 | KLÜSER, Bernd,
HEGEWISCH, Catarina,
(traduzido para o francês
por Denis Trieweiller),
L’Art de la exposition.
Une documentation
sur trente expositions
exemplaires du XXe
siècle, Paris, Edition du
Regard, 1998. No artigo
dedicado a analisar o
espaço dos abstratos de
El Lissitzky, Beatriz Nobis
levanta a importância da
obra de Schwitters que
se aplicava a estabelecer
uma relação obsessiva
com os espaços nos
quais se inscrevia.
14 | DUARTE, Paulo
Sergio (org.), Daniel
Buren: textos e
entrevistas escolhidos
(1967-2000), Rio de
Janeiro, Centro de Arte
Hélio Oiticica, 2001.
15 | http://www.artes.
ufjf.br/cristofaro/
16 | As técnicas, águaforte, água-tinta e da
ponta seca possibilitam
a exploração de nuances
de tom e qualidades
de linha bastante
sofisticadas. Integram o
conhecimento da gravura
em metal. A imagem
final é obtida por
entintagem e impressão
da matriz trabalhada.
17 | CAUQUELIN, Anne.
Arte contemporânea: uma
introdução, São Paulo,
Martins, 2005, p. 159.
“A idéia que está por trás
dessa instalação em rede
é a organização de um
local para o encontro
de artistas, para a troca
interativa de projetos em
curso, para a construção
de uma obra comum, na
qual possam intervir os
‘supostos’ utilizadores,
que acabariam se
tornando os verdadeiros
artistas.”
18 | Depoimento
206|207
fiat mostra brasil
curadores
2|3
colhido por e-mail
datado de 06/10/2006,
respondendo a uma
questão por mim
colocada. MI: “Como
pensar a exposição
dessas proposições,
visto que o objeto está
sinalizado pelos leitores,
mas ausente do contexto
expositivo. O que tu
realmente apresenta?”
FT: “Assim, acho que o
mais importante a ser
fixado seria a questão do
convite, uma vez que isso
está presente em todo
o processo, o convite
ao Sabá, o convite aos
leitores que contatei, o
convite aos visitantes
da galeria. Todos esses
convites implicando em
um trabalho de leitura
daquele que o aceita,
que é também o trabalho
de ter que se deslocar
por Diamantina, ter que
ir ao correio, ter que ir à
biblioteca.”
19 | Extraído do projeto
avaliado pelos curadores
da FMB: Fabíola Tasca,
Escrituras, 2006.
“‘Escritura’ é, portanto,
o título desse livro que
narra o meu encontro
com Sabá, bem como as
situações configuradas
a partir de então.
‘Escritura’ é também o
título do procedimento
de circulação desse livro
que, desde janeiro de
2003, venho oferecendo
a alguns leitores. O livro
segue acompanhado
de uma ficha de leitura
na qual os leitores que
autorizam a exposição
de seus nomes registram
suas assinaturas. (...)”
20 | SILVEIRA, Paulo,
fiat mostra brasil
suas poéticas e em alguns casos retornam ao museu,
pois é a partir desse lugar que se segue produzindo
discursos de discernimento do público. Segundo Andrei Thomaz, um dos artistas selecionados, “os trabalhos de web arte acabam atingindo pessoas que não
fazem parte do público de arte contemporânea. Mas
me preocupa que os trabalhos não sejam percebidos
como produções artísticas. Por mais que alguns artistas considerem o sistema artístico um aparato institucional desnecessário, me parece importante que eles
sejam vistos dentro do contexto da produção artística,
e que pontos de contato com outras produções, sejam
contemporâneas ou de séculos anteriores, possam ser
identificados e estabelecidos pelos fruidores”.
Ao lado de pinturas e obras prontas, encontramos na
exposição proposições e projetos envolvendo registro e
transmissão e implicando outros tipos de deslocamento, virtuais e reais. A função deste espaço se altera. A
exposição torna-se uma zona de compartilhamento da
diversidade, que não anula as diferenças constitutivas
de cada uma das proposições, mas que, ao contrário,
propõe ao visitante um exercício de discernimento. Tal
como está sendo posta a questão, essa compreensão
contribui para entender que o papel de espectador
diante de formatos expositivos mudou muito, pois ali
ele pode ser passivo ou sujeito deliberante. A exposição da arte contemporânea apresentando-se como
um sofisticado sistema de múltiplos modos cognitivos
de recepção. (Vide pág. xxx)
Convocando estes paradoxos, o trabalho de Bruno Faria, Delivery: coleção particular, pontua com fina ironia a situação banalizada pelas mídias, na qual qualquer um pode adquirir uma obra de arte pela televisão
a partir de sua própria casa. Ele adquire uma pintura,
que dispõe lado a lado com o registro videográfico
do lance, para quem quiser conferir. Centra-se no que
efetivamente está querendo mostrar, inscrevendo esse
conjunto de operações, um apontamento político de
uma situação pinçada no cotidiano, no prêmio Fiat
Mostra Brasil.
“Meus trabalhos estão em suportes distintos, começando no desenho, passando pela escultura e migrando para qualquer outro tipo de mídia que seja
necessária. Cada trabalho pede um suporte por uma
necessidade específica. Mas o que os trabalhos têm
em comum é uma reflexão, um questionamento que,
curadores
na maioria das vezes, pode ter uma leitura como um
apontamento político, por querer mostrar alguma situação para o outro, algo que esteja no nosso cotidiano.” O artista aposta no ato de “exposição do sistema”, que permite que uma pintura adquirida em um
leilão televisivo integre uma proposição sua, para com
ela produzir um estranhamento crítico que, por sua
vez, expõe problemas mais amplos. (Vide pág. xxx)
Já Fabíola Tasca exibe numa parede a lista de leitores do livro Escritura, produzido por ela, e fruto de
“uma dinâmica de relações interpessoais”. O livro não
se encontra no espaço expositivo propriamente dito.
Segundo a artista, a experiência da obra ocorre no
deslocamento e no espaço entre dois pontos: “Não
se trata de proceder com vistas a equacionar uma
apreensão completa, totalizante, mas de investir em
salientar a dimensão de incompletude. Daí o deslocamento entre os espaços, entre as etapas às quais o
leitor é conduzido/convidado. Ao convocar estratégias
algo anômalas em relação a uma concepção da arte
como ‘revelação da subjetividade’, talvez o trabalho
diga que isso de subjetividade só existe no entre.” Fabíola pensa no formato “exposição” como lugar para
endereçar um convite, vivendo-o como instância que
“remete” a outra experiência que ela deseja compartilhar: “A galeria e o tempo de exposição funcionam
como um momento de publicização de contatos particulares (quase um outdoor, quem sabe...), enquanto
a biblioteca e o possível encontro do leitor com o livro
funcionariam como uma conversa ao pé do ouvido,
do tipo que se pode ter em uma biblioteca, onde se
supõe que a gente fale baixinho”.18 Ao divulgar o círculo de leitores dessa obra, a exposição torna-se o
lugar desse circuito de relações, ficando ao visitante
a iniciativa de integrar-se ou não a essa comunidade
de leitores.19
Já no caso do trabalho Indutor de percepção cotidiana, de Marianne Rotter, o livro parece ser o lugar do
contato irredutível entre o público e a sua experiência.
Mas ela aposta na estratégia de disseminá-lo anonimamente em alguns pontos de apoio pré-determinados da cidade de São Paulo. Na exposição, ele estará
ao lado de outras proposições, em meio a linguagens,
apontando sobre a irredutibilidade dessa forma de
contato mais intimista e que busca um leitor e uma
posição de leitura. No volume apresentado, ela recolhe e organiza fotografias de seu cotidiano, recortes
de seu dia-a-dia em Porto Alegre. Interessa-lhe trabalhar o agenciamento de narrativas visuais instauradas
pelo encadeamento das imagens fotográficas na página, entre páginas, assim como explorar o gesto de
folheá-lo. Segundo Paulo Silveira, estudioso das narrativas de artistas que utilizam a fotografia no livro, “A
palavra-chave que une livros tão especiais talvez seja
o nexo, que pode ser o vínculo ou a relação de partes
entre si, ou da parte com o todo, ou do evento e sua
circunstância, mesmo que qualquer variável seja abstrata, impalpável. Este nexo, partido de um dado propósito, irá constituir o sistema formador do livro. A fotografia não estará ali passivamente”.20 A questão que
se coloca neste caso é que certas imagens fotográficas
“vivem melhor” na intimidade de um livro do que em
uma exposição, desconectadas de sua ordem.
Para Grilo, de Raquel Stolf, por exemplo, o espaço
expositivo é o lugar literal de estacionamento de bicicletas preparadas para que o “usuário” faça uma deriva pelo Parque do Ibirapuera ou no seu entorno. O
trabalho se dá em movimento e a artista nos propõe
uma imersão poético-crítica, embalada pela sonoridade invocadora do contexto rural. “Esta proposição
integra o projeto FORA [DO AR], desenvolvido desde
2002, constituindo a primeira faixa de um CD-objeto
com proposições sonoras que podem se desdobrar
em intervenções urbanas, microintervenções domésticas, inserções em rádios, instalações, vídeos, objetos, textos e imagens.”21 Raquel introduz um modo
de deslocamento da sua proposição em direção aos
espaços da vida, aos quais, a cada dia mais, os artistas parecem dirigir-se para intervir.22 Como em uma
aventura, continuemos a perseguir a arte pelo caminho que ela nos indica, numa condução cuidadosa
dos fatos, para evitar atropelos em seus fluxos, pois
nesses lugares entramos em outros sistemas, complexos e movediços.
Ações coletivas e o espaço relacional
O que pode a arte?23 Fixo-me particularmente nesta
questão levantada por Suely Rolnik no texto Geopolítica da cafetinagem, pois alguns projetos selecionados para a Fiat Mostra Brasil discutem com propriedade aspectos da realidade social brasileira. Pensemos
juntos sobre a expansão do campo de ação da arte,
para além das mapeadas nesta Mostra, mas tomando
como ponto de partida as proposições coletivas aqui
apresentadas. (Vide pág. xxx)
Observemos de que forma dois coletivos e dois trabalhos
autorais interceptam os funcionamentos da vida social.
As ações públicas do Grupo de Intervenção Ambiental
(GIA) conclamam uma apresentação pormenorizada.
O Caramujo é uma estrutura de base, realizada com
lonas plásticas amarelas, e que se adapta a lugares
e situações as mais inusitadas, podendo ser amarrado a uma grade do passeio, numa calçada ou entre
árvores de um parque. Nesse abrigo, instala-se provisoriamente uma sede de interações com os passantes,
naturalmente atraídos pelo espírito festivo do coletivo. As propostas destes artistas, que vivem, estudam
e trabalham em Salvador, são embaladas por percussões e seguidas pelas máximas publicadas na base de
seus panfletos programáticos: Confie em suas ações.
Fila, por exemplo, é uma proposição um tanto nonsense. O grupo percebe a facilidade com a qual as pessoas entram em condicionamentos sociais ao examinar
como se forma uma fila e o que ela gera como campo
de relações. Colocam-se em linha e rapidamente os
passantes se postam atrás, para ver, por exemplo, o
pôr-do-sol de Salvador. Os artistas observam e apontam suas contradições, divertem-se retirando esses
condicionamentos de sua função para provocar outras cenas em outros contextos.
Em outra proposição, Não é propaganda, organizamse e saem às ruas de Salvador empunhando cartazes
sem mensagem, na sua pureza original de plástico
amarelo. Por meio dessa apropriação dos meios e dispositivos de mídias publicitárias, eles se exibem formando uma festiva manifestação monocromática. Os
retângulos amarelos pontuam o espaço urbano por
onde passam. Ao acercar-me dessa proposição, em
particular, não posso deixar de lembrar a referência
que ela evoca: os Núcleos de Hélio Oiticica e sua máxima, O museu é o mundo. Retive de Pedro, um dos
integrantes do Gia, a seguinte observação: “Os trabalhos não existem sozinhos. Eles só existem com um
contexto”. Em Salvador, o grupo escolhe o contexto
do Carnaval, quando as pessoas estão mais disponíveis e flexíveis.24 Mantém-se como grupo, mas as
formas de inserção de suas proposições lhes deman-
A fotografia e o livro
de artista. In: SANTOS,
Alexandre; DOS
SANTOS, Maria Ivone
(orgs.), A fotografia
nos processos artísticos
contemporâneos, Porto
Alegre, Unidade Editorial
da Secretaria Municipal de
Cultura/Editora da UFRGS,
2004, p. 150.
21 | http://www6.ufrgs.
br/escultura/fsm2005/
intervencoes.htm.
A intervenção sonora
Grilo consistia em veicular
em carro de som o áudio
de um grilo, em fins
de tarde, em trajetos
do centro de algumas
cidades. Foi realizada no
dia 30 de janeiro entre 18
e 20 horas, no entorno
do Parque da Redenção
em Porto Alegre, durante
o V Fórum Social Mundial
de Porto Alegre em
2005. Este trabalho foi
reapresentado com a
versão documentação no
Salão de Joinville e em
outras ocasiões.
22 | HUCHET, Stephanne,
“Osíris contemporâneo”,
em artigo integrante
desta publicação,
apresenta o argumento
de que estas proposições
integram um campo
gerado pela arte, seguindo
um espírito Fluxus.
23 | Rolnik, Suely,
Geopolítica da
cafetinagem. In: Schüler,
Fernando e AXT, Gunter,
Brasil Contemporâneo:
crônicas de um país
incognito, Proto Alegre.
Artes e Ofícios,2006, p.
319-334.
24 | Entrevista de 24
páginas, publicada na
íntegra no criterioso
estudo realizado por
Fernanda Carvalho de
Albuquerque. Dissertação
de mestrado em História
Teoria e Crítica, orientada
pela Profa. Dra. Blanca
Brites e defendida em
julho de 2006, no PPGAV
do Instituto de Artes da
UFRGS em Porto Alegre,
2006, p. 251.
25 | Cocchiarale,
210|211
dam conversas circunstanciadas, conforme a questão
acima enunciada. Na Fiat Mostra Brasil, o Gia enfrenta o desafio de acampar seu caramujo em São Paulo,
testando as diferenças sociais e conjunturais de ocupação de espaços escolhidos na maior metrópole da
América Latina.
O Grupo EMPREZA, por sua vez, negocia com o formato exposição para, nessa instância de visibilidade,
agenciar a instalação de uma ação performático-existencial. Ao escolher como pano de fundo o Monumento da Independência, para dali monitorar a paulatina perda de controle do grupo sobre seus atos após
a ingestão de uma legítima cachaça nacional, e ao
apresentar no espaço expositivo a passagem crítica
desse descontrole, ao lado de outras imagens relacionadas com as datas nacionais, expõem o violento e
incômodo do estado de ânimo de um brasileiro nos
dias de hoje.
Fernando A (outra)
arte contemporânea
brasileira. Arte & Ensaios,
ano X, número 11, Rio
de Janeiro, 2004.
26 | ROSAS, Ricardo.
Hibridismo coletivo no
Brasil: transversalidade
ou cooptação, publicada
no Canal Contemporâneo
da quinta-feira, 22 de
setembro de 2005, às
11h49min.
27 | LEFEBVRE, Henri. A
fiat mostra brasil
Distintos entre si, esses dois grupos têm em comum a
perda da identidade dos integrantes em prol de uma
ação coletiva discutida e meditada. Ao abdicar da autoria, podem pensar nas aglutinações de energia como
forma de proteção mútua e como tática gregária, indo
da diluição da responsabilidade civil à reunião de forças obtidas pelo mutirão e pela prática de discussão
coletiva. Ambos trabalham a noção de pertencer, retirando da energia das trocas e da amizade substratos
para testar os limites de suas zonas de conflito. Como
foi levantado anteriormente por outros estudos, haveria um foco a ser explorado teoricamente que ligaria
alguns desses grupos numa filiação ideológica com
as atitudes político-anárquicas de artistas e de movimentos (Situacionismo internacional e, no Brasil, a
Nova objetividade brasileira). Movimentos que coincidem com o início da arte contemporânea.25 Nos anos
1960 estas posições bastante radicais traziam ânimo
a uma idéia de “um outro mundo”. Vivemos, é certo,
um período no qual as “diluições das certezas” têm
produzido como conseqüência a sensação de um esvaziamento de sentido no campo social, que, por sua
vez parece nutrir um foco de resistência como pauta
da arte. (Vide imagem acima a esquerda)
Nestes grupos, e em consciências operantes, talvez esteja ressurgindo, de forma sorrateira, como nos dizia
Rolnik, uma outra ética para a política e, por conseqüência, as bases para se escrever uma outra história
curadores
da arte. Podemos pensar que a história da arte, principalmente durante o modernismo, pecou ao produzir
algumas opacidades do processo. Focando-se somente sobre a autonomia da obra, sem levar em conta o
contexto dessas produções, o que exaltou a ilusão de
um sistema. Já esta arte de processo, que remonta ao
início da arte contemporânea (anos 60) como recorte
histórico, alastra-se e pede que ousemos prospectar
de forma complexa as passagens transformadoras da
arte nos espaços de vida. Essas passagens apontam,
entre outras coisas, para a ampliação do campo da
arte e, em alguns casos, para o papel social do artista,
ao expor, para além da idéia de obra, os nossos contextos de vida e seus paradoxos.
O Brasil tem assistido à emergência de fenômenos de
coletivos na arte, grupos que tendem a estabelecer
seus próprios sistemas, propondo vias paralelas. Como
tática de sobrevivência à adversidade, parecem reagir
ao caos e à mais completa informalidade propondo
outros espaços de convívio e outras formas de pensar
a vida. Interceptam igualmente o corpo social, respondendo, como ocorre nos casos de outras formas
coletivas que vemos emergir na sociedade brasileira, a
uma demanda interna reprimida. Interessa-nos incluir
estas questões mais polêmicas no debate estético,
pois essas outras “formas de vida” e de redistribuição
de energias, ao agir na diferença e no contato carnal
com o terreno, com o contexto de vida, dialogando
com o entorno, com fluxos e com pessoas reais, restauram possibilidades utópicas e inventivas importantes para pensar o país que vivemos.
“Há inegavelmente uma carga crítica imanente mesmo
em grupos descompromissados com qualquer agenda
política, e isso devido ao fato do surgimento dos coletivos ser algo ainda incompreendido (ou mal-compreendido) nos meios artísticos e culturais e, com certeza,
em sua maioria, alheios a suas instituições. O meio das
artes ainda não compreendeu a questão da coletividade em sua profundidade e multiplicidade, porque a
lógica da produção coletiva segue padrões de criação,
veiculação e fruição totalmente fora dos padrões usuais das instituições artísticas tradicionais.”26
Mesmo se agem nos seus espaços de vida, alguns coletivos podem, em circunstâncias que lhes convenham,
retornar ao campo da arte para tensioná-lo. Qual é
efetivamente o lugar da crítica e da política nestes no-
vos tempos da arte contemporânea do Brasil? Como
essas atitudes provocam e testam a hegemonia da informação e como enfrentam o “campo” de tensões
do espaço urbano? Lembremos das palavras de Henri Lefebvre (1901-1991) nos advertindo de que o espaço urbano não é neutro, mas um espaço político.
Entendemos necessário conceber este termo em sua
acepção ampla, como lugar das negociações apoiadas
pelos que gerem os meios de decisão e tensionadas
pelos que “forçam outros tipos de ocupações”.27 Nessa arena, encontram-se também os artistas.
Para finalizar este bloco de situações, observando as
distinções entre as práticas artísticas que mapeamos
nesta Mostra, lancemos um olhar sobre mais tres
projetos. Rotativos, proposta assinada pelo codinome
Vulgo, interessa-se por problemas urbanos concretos
e investiga a adaptação social face à informalidade
instaurada, mapeada como sintoma de uma transformação interna da sociedade. Essa dupla de artistasarquitetos procede de áreas mais utilitaristas, mas ousam lançar suas propostas em uma arena de discussão
da arte contemporânea. Enfrentando frontalmente os
paradoxos da vida urbana, Rotativos não luta contra a
“ordem fora da ordem da informalidade”, mas propõe
olhá-la através da arte. “A informalidade não é, portanto, um método geral a ser aplicado (assim como
a ‘formalidade’ tem sido para arquitetos em seus
‘datascapes’), mas um campo de ‘formas prospectivas de viver’ disponíveis para os interessados em uma
transformação sensível das relações urbanas.” Observando as táticas do comércio ambulante, os artistas
perguntam-se o que seria assumir essa informalidade
e considerar a mobilidade como uma condição necessária ao Brasil. Imaginem uma caminhonete com uma
horta suspensa – veículos aparelhados com distintas
funções e posicionados em vagas de estacionamento temporário. Estes aparecem como “equipamentos
atuantes” dentro do cenário urbano e evidenciam um
“duplo estacionamento”: na arte e na vida.
O campo da arte os atrai: “O universo da arte, e especialmente da arte contemporânea, parece favorecer processos dinâmicos e potentes de reinvenção das
práticas e procedimentos e se aproxima da arquitetura, desafiando seus limites. Por outro lado (ou do
mesmo?), as empresas movidas pela necessidade de
inovação aplicada e pela busca frenética por novos
consumidores conseguem alcançar rincões jamais to-
cados (e imaginados) por artistas e arquitetos. Então
temos empresas eficientes e poderosamente infiltradas na vida cotidiana por meio de suas marcas e produtos, temos amostras pontuais e ainda elitistas de
reinvenção do mundo pela arte, e temos um enorme
potencial de transformação das rotinas desperdiçado em edifícios pontuais e agendas irrelevantes. É na
potencialização dessas características específicas que
pretendemos atuar, convergindo para uma prática
híbrida, instersticial, mas não marginal”. O ateliê é o
estúdio onde organizam os dados, o lugar onde se
lançam no desenvolvimento de idéias que implicam
o cotidiano, a geografia e o design, a arquitetura e o
urbanismo. Trabalham avaliando poeticamente fluxos
e contextos de ação, buscando contatar seus usuários.
Ao inquiri-los sobre as diferenças entre a prática da
arquitetura e a artística pude constatar o quanto se
tensionam: “Mais do que a ‘possibilidade de inserção
no circuito da arte’, nos interessa na Fiat Mostra Brasil
a possibilidade de testar situações em contextos distintos, conflituosos e também informais, bem como
desvendar os limites de transformação real das rotinas, dos espaços e das práticas. Além disso, a Mostra
apresenta uma qualidade específica, no nosso entendimento, que é se abrir para projetos, além das tradicionais obras prontas dos salões de arte, bem como
contemplar a categoria intervenção urbana. Tanto
projeto quanto intervenção urbana, são, se não questões, termos bastante familiares a arquitetos, urbanistas e outros utilitaristas. Entretanto, os procedimentos de se projetar e intervir no espaço e no cotidiano
urbano parecem, cada vez mais, não só ineficientes,
como agentes de uma brutalização objetiva e mediocrizante da vida, principalmente a coletiva. Para atuar nesse contexto, temos de lidar com a disfunção, o
imprevisível, o tático, o concreto, a pequena escala, a
rotina, muito mais do que com o projeto abstrato do
planejamento institucional”. (Vide pág. xxx)
Pensemos no que implica para os artistas e coletivos
agir sobre o terreno do urbano, enfrentando seus fluxos, num corpo-a-corpo com problemas reais. Pensemos no que significa chegar sem avisar o que é arte,
sem ser apresentado, sem estar sob a égide da experiência estética, tocando num âmbito mais anônimo
e relacional, no qual o artista se funde ao cidadão e
ambos se confundem com o cenário de suas intervenções. Busca-se talvez, por meio da arte, operar pequenas fraturas, propondo modos de viver compartilha-
Imagem do projeto d
revolução urbana, Belo
Horizonte, Ed. UFMG,
1999, p. 47. “O urbano?
Um campo de tensões
altamente complexo;
uma virtualidade, um
possível-impossível que
atrai para si o realizado,
uma presença ausência
sempre renovada, sempre
exigente. A cegueira
consiste em não se ver
a forma do urbano,
os vetores e tensões
inerentes ao campo, sua
lógica e seu movimento
dialético, a exigência
imanente; no fato de só
se ver coisas, operações,
objetos (funcionais e/ou
significantes de uma
maneira plenamente
consumada). No que
concerne ao urbano, há
uma dupla cegueira. Seu
vazio e sua virtualidade
são ocultos pelo
preenchimento. O fato
do seu preenchimento
ter o nome de urbanismo
ofusca o cego mais
cruelmente.”
28 | RANCIÈRE,
212|213
dos, abrindo-se à diferença e questionando modos de
vida regrados por um moto contínuo e por uma rotina
redutora de nossas capacidades críticas. Jacques Rancière, no prólogo do livro A partilha do sensível, nos
diz: “A política ocupa-se do que se vê e do que se
pode dizer sobre o visto, de quem tem competência
para ver e qualidade para dizer, das propriedades do
espaço e dos possíveis tempos. (...) A partilha democrática do sensível faz do trabalhador um ser duplo.
Ela tira o artesão do seu lugar, o espaço doméstico
do trabalho, e lhe dá o ‘tempo’ de estar no espaço
das discussões públicas e na identidade do cidadão
deliberante. (...) Qualquer que seja a especificidade
dos circuitos econômicos nos quais se inserem, as práticas artísticas não constituem uma exceção às outras
práticas. Elas representam e reconfiguram as partilhas
dessas atividades”28. (Vide pág. xxx)
Jacques. A partilha do
sensível. São Paulo: EXO
experimental org; Ed.
34, 2005.
29 | Nydia Negromonte
responde às questões
colocadas por mim por email no dia 19/10/2006.
30 | FERVENZA, Hélio.
Considerações da arte
que não se parece com a
arte. In: MARTINS, Alice
Fátima; COSTA, Edegar;
MOTEIRO, Rosana H.
(orgs.), Cultura visual e
desafios da pesquisa em
arte, Goiânia, ANPAP,
2005, pp. 79, 90.
No cotidiano, a arte, na exposição, a vida: inversamente ao Vulgo, que penetra nas contradições da
vida cotidiana da cidade (Belo Horizonte, São Paulo), a
proposição de Nydia Negromonte parece abandonar
os meios da arte para, nos seus espaços de trânsito específico, pontuar um ciclo de vida e de transformação.
Enunciando a água e a alimentação como fontes da
vida, ela busca situar duas instâncias (sobrevivência e
alimento), unificando-as. Nydia propõe que sua praça
de alimentação fique no espaço expositivo, à disposição, pronta para funcionar. O aparato inclui as frutas,
mesas e demais objetos de uso, para que as pessoas
possam processar sucos e se servir deles. Perguntei à
artista sobre esse aparato, cuja forma helicoidal evoca
a do ato de transformação, seu movimento. Nydia me
respondeu: “A ação pretende abranger todo o funcionamento da praça. Chegada das frutas, lavagem, secagem, preparo e distribuição do suco. A estrutura em
funcionamento é a ação-instalação. É uma estrutura
desenhada, passível de interferência, permeável à participação. Minha intenção é propiciar, dar condições
para que a ação seja disparada. A estrutura é pensada
para facilitar e provocar seu funcionamento”.29
Adriana Barreto e Bruna Mansani, abrem o espaço
expositivo para inusitados encontros e experiências,
ainda sem roteiro e forma. A proposta apresentada
consiste em sortear um bônus dando direito ao‘lugar
ao sol, sendo o prêmio uma viagem de um dia, com
as artistas, para ‘este lugar’ escolhido pelos três. Aqui,
uma vez mais, observa-se um apurado senso de hu-
mor e um destaque para ações imprevistas e para o
espaço das relações. As artistas implementam em seu
processo, estratégias de marqueting para desencadearem processos que integram a pessoa que se dipôs a
jogar o jogo de suas proposições. Isto poderá ser comprovado na documentação fotográfica e nos relatos da
viagem que serão tornados público no espaço a elas
reservado no decorrer da exposição. (Vide pág. xxx)
Diante destas proposições, e pensando nos limites entre arte e vida, trago a esta conversa as questões levantadas por Hélio Fervenza em seu texto “Considerações da arte que não se parece com a arte”: “Até que
ponto uma parcela abrangente da arte que se produz
hoje ainda é identificável como arte? Será que o artista é ainda reconhecível e identificável? E com o quê,
exatamente?” (...) A maneira como a arte que não se
parece com arte se relaciona com a sociedade passa
pela atenção a qualquer aspecto das formas, meios e
situações de vida dessa sociedade. A atuação desse
tipo de arte se produz através da vida social.30
Trouxemos para o nosso horizonte crítico tantas questões e formas de viver a arte na contemporaneidade,
reatualizando temas ou propondo uma ampliação do
campo da própria arte na sua relação com a sociedade. Todo o contexto gerado por essa Mostra podem
ser vistos como um grande laboratório crítico, resultado de um voto de confiança duplo. Foi dada aos curadores e aos artistas, a possibilidade de colocar em visibilidade suas reflexões, obras e projetos. Esta mais do
que conversa, envolvendo a relação intrínseca entre
aspectos constitutivos da nossa arte e suas formas de
contato com o seu público, para a platéia geral, para
artistas e para especialistas que observam a arte, esta
‘nossa arte’ abre igualmente perspectivas de aprofundamento de temas, que darão conta na seqüência dos
desafios do que ‘pode a arte’ no Brasil. Continuemos
praticando juntos ‘outra política das idéias’, que assuma a complexidade que nos caracteriza. Diante dos
fatos aqui apresentados, a Fiat Mostra Brasil responde
a uma questão lançada em um debate ocorrido na
casa Fiat, em Belo Horizonte, em setembro de 2006:
a nossa arte contemporânea é efetivamente contemporânea do Brasil, pois se mostra, sem reducionismo,
capaz de tocar com pertinência em verdades constitutivas dos nossos contextos, exibindo-se como um
processo criativo e crítico, vivo e pulsante.
2|3
fiat mostra brasil
curadores
Serviço Educativo
Coordenação
Coordenadoras
Monitores e Assistentes
Fiat Automóveis
Casa Fiat de Cultura
Diretor Presidente
Diretor Vice-Presidente
Diretor de Relações Institucionais
Diretor Administrativo e Financeiro
Gestora de Cultura
José Eduardo de Lima Pereira
Marco Antônio Lage
Marco Antônio Piquini
Gilson de Oliveira Carvalho
Ana Vilela
Fiat Mostra Brasil
Curadoria
Concepção e Coordenação Geral
Produção Executiva
Consultoria
Cenografia e Coordenação de Montagem
Montagem
Iluminação
fiat mostra brasil
Eduardo de Jesus
Giselle Beiguelman
Járed Domício
Marcos Hill
Maria Ivone dos Santos
Marisa Mokarzel
Stéphane Huchet
Maurílio “Kuru” Lima
Cria! Cultura: Ana Carolina Antunes, Carolina
Macedo, Eduarda Gruppi, Elida Ribeiro, Eliza
Albuquerque, Geraldo Júnior, Julia Moysés,
Marina Gazire, Rodrigo Diniz
CEIA – Centro de Experimentação e Informação
de Arte
Gilberto Todt e Luciana Monte-Mór
Vasco Caldeira Arquitetura
Luís Carlos Nem
IED – Istituto Europeo di Design
Rachel Brumana e Roberta Alvarenga
Albert Luiz Moreira, Ana Abreu, André Giacomucci,
Antonio Marinho, Bianca Verdelone, Carolina
Gasbarro, Cássia Carneiro, Clarissa Cardoso Santos,
Clarissa Mansour, Cleber Vieira, Dante Nicola
Petrarca, Denise Lara, Felipe Nuno Rodrigues, Felipe
Soares, Fernanda Gonçalves, Fernanda Costa,
Fernando Rodorigo, Flávia Brito, Filipe Ferreira,
Giovana Franco, Guilherme Carborich, Gustavo
Albino, Jonas Neto, Juliana Mortari, Juliane de
Souza, Kamila Oliveira, Karoliny Costa, Luana
Augusta da Silva, Lucia Lima, Luciana Haddad,
Maria Clara Moraes, Maria Cristina Bazzo, Mariana
Walter, Marina Elias, Marina Pikel, Mayra Carvalho,
Michele Beltroni, Milene Nelson, Natália Feruzzi,
Nathaly Mattar, Olívia Araújo, Paloma de Oliveira,
Priscila Matsuzaka, Rachel de Moraes, Rafael Taraia,
Rafael Zanotte, Renata Oshiro, Roberto Otaviano,
Rodrigo Azevedo, Rodrigo Gracindo, Tainara Ajaj,
Tâmara da Silva, Tânia von Chrismar, Tereza Cristina
Paião, Viviane Spaco
Catálogo
Coordenação e Produção Editorial
Edição
Direção de Arte
Fotografia
Assistência de Produção Editorial
Assistência de Produção Executiva
Projeto Editorial
Projeto Gráfico
Design e Composição
Arte Final
Revisão
Viviane Gandra
Teté Martinho
Viviane Gandra
João Castilho e Pedro David
Caixa Preta Agência de Fotografia
Exceto foto Marisa Mokarzel (Estúdio Luiz Braga),
ações GIA fora de São Paulo (arquivo do grupo) e
viagem Adriana Barreto, Bruna Mansani e Bruno
Aranha (os próprios artistas)
Paloma Parentoni
Alex Funghi
Teté Martinho e Viviane Gandra
Pedro Miranda, Rodrigo Furtini e Viviane Gandra
Brígida Campbell, Pedro Miranda e Rodrigo Furtini
Pedro Miranda e Viviane Gandra
Regina Stocklen
216|217
A Fiat Automóveis do Brasil agradece a todos
os profissionais que se envolveram direta ou
indiretamente na realização do Fiat Mostra Brasil.
Apresentação
Patrocínio
Apoio
fiat mostra brasil
Realização

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