LEVANTAMENTO DE PESO EM VIÇOSA/MG: QUATRO DÉCADAS

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LEVANTAMENTO DE PESO EM VIÇOSA/MG: QUATRO DÉCADAS
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LEVANTAMENTO DE PESO EM VIÇOSA/MG:
QUATRO DÉCADAS DE RELAÇÃO ESPORTE-CIDADE, INFLUÊNCIAS MÚTUAS,
AVANÇOS E LIMITES.
Carlos Nazareno Ferreira Borges
Simone Magalhães Lopes/CNPq
Denia Paula Gomes
Universidade Federal de Viçosa
RESUMO
Esse texto é originado de um estudo que visa encontrar e compreender as relações de auxílio recíproco
entre dois objetos sociologicamente e contemporaneamente próximos: o esporte e a cidade. Fazemos
um recorte tomando como foco a cidade de Viçosa/MG e a modalidade Levantamento Olímpico. Há
evidências empíricas indicando relações de crescimento recíproco entre esporte e cidade, quando
tomados exemplos recentes de modalidades olímpicas presentes em cidades brasileiras de pequeno
porte. Acreditamos que um levantamento histórico da relação Levantamento Olímpico X Viçosa, ao
longo das últimas quatro décadas, pode permitir o encontro de possíveis pontos de auxílio recíproco
entre os mesmos.
Palavras-chave: Esporte, cidade, história.
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TRABALHO COMPLETO
Estamos quase todos convencidos de que a História não é uma ciência como as outras – sem
contar com aqueles que não a consideram ciência. Falar de História não é fácil, mas estas dificuldades
de linguagem introduzem-nos no próprio âmago das ambigüidades da História (Le Goff, 1988). Se um
quadro de dificuldades se apresenta assim quando nos referimos à História em sua amplitude enquanto
área do conhecimento, muito mais vamos encontrar quando tratamos de especificidades de estudos em
sub áreas como a História da Educação e mais ainda na História da Educação Física.
O que vem em mente quando pensamos em EDUCAÇÃO FÍSICA? Esporte, performance,
busca do corpo perfeito, saúde, energia, movimento, academia, competições, fisiologia, enfim,
podemos elencar uma série de termos com as quais a Educação Física poderá ter alguma relação, no
entanto, é raro encontrar alguém que ao voltar suas idéias a esse campo de trabalho, interrelacione-o
com as Ciências Sociais.
A Educação Física tem sido considerada por muitos como uma ciência biológica, por outro
lado, tem sido também considerada por outros como uma ciência humana. Indiferente ao debate da
cientificidade ou não da Educação Física, para nós é bastante considerar que o profissional da área lida
o tempo todo com pessoas, interage com elas, transmite-lhes conhecimentos e, conseqüentemente,
pode intervir de algum modo em suas vidas como indivíduos e como seres sociais, o que em última
instância implica mesmo em uma interferência na sociedade.
Quando lançamos um breve olhar sobre a História da Educação Física, é comum observarmos
uma inter-relação de influências recíprocas entre Educação Física e sociedade, desde âmbitos locais
até o âmbito mundial. A título de ilustração basta lembrarmos, como exemplo, o advento dos métodos
ginásticos: alemão, sueco, francês e austríaco. Os estudos centrados na investigação desses métodos e
suas influências nas sociedades do século XIX e XX têm apontado para questões relacionadas com o
higienismo e a preparação militar entre outros elementos que se caracterizaram e ainda se caracterizam
como fatores de intervenção do Estado no estilo de vida da sociedade, via o mecanismo de incentivo à
prática de atividades físicas. São muitas dessas práticas de atividades físicas, outrora chamadas de
ginástica, que em determinado momento ganham status de institucionalização, universalização de
regras e o caráter competitivo, ou seja, todas as características que nos permitirão observar a gênese de
um dos componentes mais específico e fenomênico da Educação Física: o esporte.
Embora a prática de atividades físicas com ênfases competitivas tenha sido observada ao
longo da história desde a antiguidade, muitas fontes históricas, como os estudos de Elias (1995) nos
mostram que as práticas de atividades físicas com características daquilo que passou a se denominar
de esporte, somente teve início na Inglaterra do século XIX1. O esporte, como tal, foi introduzido no
Brasil no final do século XIX, início do século XIX com a vinda da corte portuguesa para o Rio de
Janeiro. Lucena (2001), diz que ao contrário da Inglaterra, o esporte no Brasil não surgiu de um
amadurecimento de ações simples, mas sim, por uma ação deliberada e dirigida para determinados
setores da elite brasileira. O mesmo autor diz ainda que desde sua introdução no Brasil, o esporte tem
sido reflexo do comportamento da sociedade brasileira que desde então, passou a desprezar e tratar
como primitiva e insalubre a prática dos jogos populares - tal como o entrudo – para gozar de uma
prática muito mais “civilizada”, centrada em regras, ao molde europeu: a prática esportiva.
Contemporaneamente, quando escutamos a expressão: “vivemos no País de Futebol”, fica
fácil perceber a influência que o esporte tem no cotidiano dos brasileiros. Tem sido um consenso a
percepção de que em época de Copa do Mundo de futebol (campeonato mundial de seleções
nacionais), o país pára para ver a seleção jogar. O esporte é instrumento até mesmo para encobrir
tragédias políticas, corrupções e falcatruas do governo. A mídia enlouquece a população
bombardeando de informações durante esse e outros eventos esportivos, promovendo a chamada
manipulação de massas. Enfim, o esporte afeta o país em proporções políticas, sociais e econômicas.
Desse modo, não parece deixar dúvidas de que a Educação Física ao longo dos anos,
sobretudo por meio do esporte, incidiu e ainda incide de maneira direta e indireta na sociedade.
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O Sociólogo Nobert Elias se refere ao processo civilizatório na Inglaterra, sobre o que, o autor afirma que o
futebol teve influência significativa em função de sua proximidade lógica com a organização política da
sociedade inglesa.
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O presente trabalho representa justamente um esforço de contribuição no campo da História da
Educação Física, qual seja o de estudar como se constrói uma trajetória histórica da relação entre
esporte e cidade. Sentimos a grandeza dessa tarefa e, para dar conta de um estudo consistente dessa
relação, optamos por fazer um recorte que considere as aproximações e influências mútuas entre
apenas uma modalidade esportiva em específico, no nosso caso o Levantamento de Peso; e uma cidade
brasileira: Viçosa, no Estado de Minas Gerais.
Desde 1926 que se pode observar a proximidade entre duas realidades diferentes que por
motivos intencionais e contingentes passaram a coexistir em um pedaço de terra da zona da mata
mineira e desde então vêm mantendo uma relação de interdependência, apesar da autonomia jurídica
de cada uma, assim como da função social que cada qual desempenha. Estamos falando da relação
entre a cidade de Viçosa e a Instituição de Ensino Superior ali instalada: a atual Universidade Federal
de Viçosa (UFV).
No âmbito das tentativas de construção historiográfica em linhas de pesquisa que abordam
questões alusivas às instituições, já temos estudos que objetivam descrever e analisar a participação da
cidade de Viçosa no desenvolvimento da UFV, assim como o itinerário inverso da segunda em relação
à primeira. O presente estudo, pensado a partir de matrizes históricas e sociológicas, pretende se
inserir no grupo de trabalhos que analisam a relação biunívoca de auxílio entre a cidade e a
universidade, contudo, tomando um novo elemento, o qual poderá servir de ferramenta que nos
possibilite abrir outra “caixa preta” de investigação: o esporte.
Tomado como fenômeno social, acreditamos que o esporte possa nos ajudar a perceber a (in)
existência de relações diferenciadas de auxílio entre cidade e universidade, como também nos fornecer
elementos que demonstrem como ambas respondem de forma semelhante ou diferenciada a algum tipo
de contribuição ao crescimento do próprio esporte enquanto dimensão da vida social.
Como já dissemos, estamos tomando uma modalidade esportiva que tem sido um significativo
mediador na relação Viçosa X UFV: o Levantamento de Peso. Esta escolha deu-se por diferentes e
importantes fatores, entre os quais: o esporte em questão ser uma modalidade olímpica; ser uma
modalidade que mantém a entidade máxima de representação nacional (Confederação Brasileira de
Levantamento de Peso – CBLP2) com sede na cidade de Viçosa; bem como, por manter uma seleção
nacional (de diversas categorias) permanente na mesma cidade.
Embora a prática da modalidade esportiva em questão seja realizada nas dependências do
Departamento de Educação Física da UFV (DES-UFV), ela não se caracteriza como uma iniciativa
direta da instituição (sob a forma de projeto de extensão). Na verdade, consideramos importante esse
fator, pelo qual tomamos o Levantamento de Peso como modalidade esportiva escolhida para esse
estudo, a ponto de deslocarmos o foco de investigação inicial da relação cidade x universidade, para a
relação esporte x cidade. A partir dessas considerações, entendemos que o estudo passa a ser dos
impactos diretos que o Levantamento de Peso e a cidade de Viçosa geram (ou não) entre si ou de
como essa relação tem sido construída de modo que nos possibilite entender mais essa natureza
sociológica do esporte como fenômeno social e cultural.
Queremos deixar evidente que nosso trabalho está para além de pretender ser uma extensa
obra de descrição historiográfica, nem tampouco queremos mostrar a evolução linear de relação entre
os três objetos citados – agora cidade e esporte, com mediação da universidade. Por isso, na tentativa
de fazer um exercício de sociologia histórica, nos propomos lançar um olhar a partir de um fato que, a
nosso ver, adquire significativa relevância acadêmica para interpretações da tríplice relação: a
implementação da prática do Levantamento de Peso3 na cidade de Viçosa, mais especificamente no
Campus da Universidade. Com isso, deixamos claro nossa intenção de trabalhar na plataforma de duas
limitações para o estudo: a) a temporalidade, tomada no decorrer de quatro décadas, uma vez que o
Levantamento de Peso está instalado em Viçosa desde a década de setenta; e, b) a especificidade de
uma modalidade esportiva, com seu mérito de classificação como modalidade olímpica além do status
2
Fundada em 30 de maio de 1979 filiada ao Comitê Olímpico Brasileiro – COB, à International Weightlifting
Federation – IWF, à Confederacion Panamericana de Levantamento de Pesas – CPLP, e à Confederacion
Sudamericana de Levantamiento de Pesas – CSLP.
3
O Levantamento de Peso, enquanto modalidade olímpica recebe a denominação de levantamento olímpico, mas
também é denominado de halterofilismo, nome esse com o qual comumente se faz referência à Federação
Internacional IWF (International Weightlifting Federation).
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cuo da concentração de performance e institucionalização nacionais máximas instaladas na cidade, já
que aí treinam a Seleção Brasileira e também está abrigada a sede da CBLP.
Parece oportuno que mostremos as questões que deram partida a esse estudo, no que diz
respeito à tríplice relação abordada: Como se tornou possível o desenvolvimento do Levantamento de
Peso em proporções de alto rendimento na cidade de Viçosa, considerando suas características
geográficas, sociais, econômicas e políticas? Qual o impacto da implementação e funcionamento de
uma estrutura de performance esportiva sobre a cidade de Viçosa? Que relações de aproximação
existem entre a prática do levantamento olímpico e a tradição de vida esportivo-recreativa
desenvolvida pela Universidade?
As indagações levantadas tornaram-se apenas a ponta do iceberg dessa investigação que
considera transversais discussões como: amadorismo, gênero, dom esportivo (talentos) e mobilidade
social; temáticas essas que poderão vir a se constituir em aprofundamentos desse estudo.
Descobrindo perspectivas de investigação da relação esporte X cidade
Viçosa é uma cidade da Zona da Mata Mineira que conta com aproximadamente 70 mil
habitantes. Assim como na maioria dos municípios brasileiros, temos uma cidade que comporta toda
sorte de problemas administrativos em função da onda de municipalização a qual foram submetidas a
maioria das cidades brasileiras em 19964. No entanto, muitas cidades parecem ter uma certa “vocação”
econômica, isto é, parecem ter também algum fator econômico que garanta a maior parte da
sustentabilidade do município. Em geral, esse fator econômico, no Brasil, é garantido nas pequenas
cidades pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), recurso de impostos repassados pelo
governo federal e pelos governos estaduais, ou mesmo, pela movimentação financeira gerada pelos
comércios locais. No entanto, Viçosa tem uma particularidade que poucas cidades brasileiras têm: é
uma cidade universitária, ou seja, é uma cidade cujo cotidiano gira em torno de uma grande
universidade federal, além de outras instituições de nível superior de menor porte ali também
instaladas. Essa particularidade representa um grande impacto sobre a economia da cidade, que passa a
girar preponderantemente em torno da vida universitária.
É notório que a UFV, desde a sua implementação tenha sido a grande propulsora, não somente
para a economia do município, como para seu próprio crescimento demográfico, geográfico e urbano.
Isso pode ser comprovado em um breve apanhado do desenvolvimento histórico da cidade e da
universidade.
A cidade surgiu como um povoado aglomerado em 1800 em torno de uma capela, e recebeu o
nome de Santa Rita do Turvo (nome relacionado ao rio que cortava a cidade). Depois de se tornar um
pequeno vilarejo elevado à condição de município em 1871, sendo que em 1876 recebeu o nome de
Viçosa de Santa Rita, em homenagem ao bispo de Mariana da época, que se chamava Dom Antônio
Ferreira Viçoso. Somente em 1911, a cidade adquiriu o seu nome atual.
Entre tantos personagens que constroem uma cidade, encontram-se aqueles que marcam sua
história, em função da contribuição significativa para o seu desenvolvimento. Foi assim, que graças à
naturalidade viçosense de Arthur Bernardes, Presidente do Estado de Minas (1918) e depois presidente
do Brasil (1922), implantou-se em Viçosa a Escola Superior de Agricultura e Veterinária (ESAV)5,
sob justificativa da necessidade de estimular o desenvolvimento da cultura agropecuária na região.
Baia (2004), conta-nos que a saída do curso de veterinária, transferido para a Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), em 1942, fizeram com que a ESAV se transformasse na Escola Superior de
Agricultura (ESA)6, vindo posteriormente a se constituir na Universidade Rural do Estado de Minas
Gerais (UREMG),e mais tarde, teria a denominação atual (UFV).
Baia (2004) ao estudar a vida recreativa e esportiva da universidade, verificou que desde sua
implementação enquanto ESAV - provavelmente devido à composição do corpo docente ser
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É a descentralização administrativa promovida pelo governo FHC em 1996, que estimulava a criação de
municípios em virtude da melhor repartição do “bolo” orçamentário. Com o tempo variamos que isso era uma
falácia.
5
Embora a ESAV tenha sido criada em 1922, pelo decreto 6.053, suas atividades somente iniciaram em 1926
(data oficial de nascimento da atual universidade)
6
Baia (2004), diz ainda que a ESA foi instituída pelo Decreto-lei n. 824 de 20/01/1942, e que a UREMG foi
criada pelo da Lei n.272 de 13/11/1948, sendo que a UFV foi criada pelo Decreto 64.825 de 15/07/1969.
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constituído de muitos professores estrangeiros - a recreação e o esporte estiveram constantemente
atrelados às atividades da instituição. São muitas as fontes que este autor utiliza para mostrar
indicativos de uma vida esportiva ativa no âmbito da UFV.
No contexto dessa trajetória de vida esportiva, no final da década de setenta, o professor David
Monteiro Gomes, colombiano naturalizado brasileiro, instalado na UFV como arquiteto responsável
pela construção de prédios, aproveitou de materiais excedentes das empreiteiras para construir uma
sala de Levantamento de Pesos. É que o referido professor, enquanto estudante no Rio de Janeiro,
também havia se desenvolvido na prática dessa modalidade esportiva. Desse modo, considerando suas
credenciais na modalidade, o professor começou a treinar atletas atraídos para a cidade, e isto chamou
a atenção do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). A cidade passou, então, a ser um centro de práticas
do Levantamento de Peso, sendo que atualmente, abriga a sede da Confederação Brasileira de
Levantamento de Peso (CBLP), assim como a seleção brasileira permanente.
Nesse momento, chamamos atenção para um fenômeno comum em cidades que sediam a
prática de uma modalidade esportiva de referência nacional. Estamos nos referindo às cidades que não
se configuram como capitais de Estado, onde se instala um clube, associação desportiva ou seleção
permanente de alguma modalidade esportiva e onde freqüentemente tal estabelecimento gera uma
ligação forte entre população e a equipe ali instalada, fazendo com que a vida esportiva da cidade,
direta ou indiretamente, esteja vinculada àquela representação esportiva. Entre outros exemplos,
podemos citar os casos do Esporte Clube Corinthians, equipe de basquetebol que se instalou na cidade
de Santa cruz do Sul/RS; a equipe de Futsal do Carlos Barbosa, instalada na cidade mesmo nome no
Rio Grande do Sul; a equipe de basquetebol do Uberlândia, instalada na cidade mesmo nome no
interior de Minas Gerais; a Seleção Brasileira Panamericana de Box, que esteve instalada antes do Pan
de 2003 na cidade de Belém, e mais recentemente, a equipe de voleibol do São Bernardo, instalada na
cidade do mesmo nome em São Paulo e que se tornou Campeã nacional em 2005. O que esses casos
têm em comum, é o fato de que a instalação de uma equipe em uma cidade altera os sentidos de
pertencimento, fazendo com que os habitantes se relacionem com a equipe e a modalidade, como se
essas fossem expressão da cidade, ou ainda, fazendo com que esses fatos sociais tomem centralidade
no cotidiano da cidade. Por sua vez, a equipe ou a modalidade, incidem na vida da cidade, sob o ponto
de vista econômico, educacional, social, entre outros.
Se voltarmos nosso olhar para a cidade de Viçosa, e a instalação ali de uma seleção brasileira
permanente, treinando para competições importantes no cenário esportivo internacional, como os
Jogos Panamericanos e os Jogos olímpicos, poderíamos nos questionar: qual o impacto da presença da
equipe brasileira permanente de Levantamento de Pesos sobre a cidade de Viçosa? E quanto a
presença da sede da CBLP?
Em busca de suportes teóricos
Lucena (2001), Gomes (1995), Baia (2004), são alguns dos nossos autores brasileiros que
seguindo passos de grandes sociólogos internacionais, dentre os quais não podemos deixar de destacar
a grandeza do Elias (1995), têm tratado das relações de proximidade e distanciamento entre os objetos
cidade e esporte. O ponto de partida mais recomendável para abordarmos essas relações parece ser
mais uma vez o da trajetória histórica, isto é, de como tem se construído os elos que não somente
fazem com que o esporte influencie na vida das cidades, como também possam mostrar de que formas
as cidades respondem com algum tipo de influência sobre o desenvolvimento de um esporte.
Como já dissemos, esse estudo não pretende se construir como descrição historiográfica,
portanto, não vamos recorrer à linearidade histórica para mostrar as relações entre cidade e esporte.
Contudo, é preciso dizer que tais relações vêm sendo estudadas. A título de exemplo, Lucena (2001),
tomou o início do século XX para estudar e mostrar o que significou para as cidades brasileiras, no
caso específico do seu trabalho, a cidade do Rio de Janeiro, o fato do esporte passar a fazer parte do
cotidiano das pessoas. O trabalho do autor deixa bem claro que transformações nas condições
específicas de caráter físico, político e social, associadas ao aumento de concentração populacional e
aumento de inter-relação entre as pessoas, contribuíram para que o esporte fosse introduzido no
cotidiano das pessoas, e a partir daí, começar um processo cada vez crescente de influências nesse
cotidiano. O trabalho de Lucena segue mostrando que o caminho inverso foi realizado também, isto é,
também o modo como a cidade se desenvolveu relacionada com o esporte também contribuiu em
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alguma medida com o desenvolvimento do mesmo, evidentemente que em dimensões diferenciadas
quanto às modalidades e quanto à projeção em nível local, nacional e internacional.
Quando tomamos a transformação da condição social enquanto apenas um dos elementos
apontados por Lucena entre os que influenciaram no cotidiano das pessoas do Rio de Janeiro do início
do século XX, temos que recorrer aos estudos de Gomes (1995) para entender mais ou menos como se
processa esse mecanismo. A autora nos diz que o esporte tomas as faces de uma metáfora da
sociedade, porque nele é possível encontrar características da sociedade na qual ele está inserido. Uma
das muitas características apontadas no estudo, é o fomento da idéia de que todas as pessoas têm as
mesmas oportunidades de sucesso no esporte, assim como na vida, bastando para isso o esforço
individual, e essa passa a ser uma verdade bastante evidenciada pelo mito da fabricação de heróis e
ídolos que alcançaram tal sucesso e que, por isso mesmo, tornam-se modelos a ser seguidos.
O esforço do qual falamos acima, por muitas vezes é tão intenso, tão generalizado, e tão
alimentado, que alguma influência passa a ser identificada no desenvolvimento do próprio esporte.
Um fato contemporâneo que mostra esse fenômeno pode ser apresentado na recente relação que a
mídia brasileira vem fazendo entre as trajetórias de vida esportiva de “Ronaldinho gaúcho” e
Anderson, ambos atletas vinculado ao Grêmio de Futebol Porto-alegrense (Rio Grande do Sul). O
primeiro foi atleta revelado pelo clube, e o segundo também, onde ainda se encontra. O fato de se
mostrar trajetórias esportivas parecidas incentiva a procura pelas divisões de base do clube, o que
aumenta a possibilidade de surgimento dos talentos, por sua vez deixando em evidência um certo
crescimento atribuído ao futebol das divisões de base daquele clube. Ou ainda, a recente conquista da
Equipe do volta Redonda - propagada pela mídia nacional - da Taça Guanabara (primeiro turno do
campeonato do rio de Janeiro). Quantos garotos aderem às escolinhas do clube, quanto aumento na
possibilidade de crescimento do futebol dentro do clube, e como a cidade de Volta Redonda contribui
em várias dimensões para que isso aconteça.
É esse tipo de fenômeno que estamos querendo estudar na relação Viçosa X Levantamento de
Peso. Acreditamos que o estudo das influências recíprocas entre os dois objetos, talvez muito próximo
do que acontece em muitas outras cidades e com outras modalidades esportivas, possa nos ajudar a
compreender como acontece essa relação e como os atores sociais envolvidos contribuem para que o
processo se desenvolva.
Outrossim, pensamos ser um estudo importante, na medida que ajuda a subsidiar o debate que
venha a propor políticas de fomento ao crescimento do esporte, da qualidade de vida nas cidades, da
possibilidade de crescimento real das cidades, em especial de Viçosa (envolvida no estudo), vantagens
essas que adquirem grande possibilidade de se viabilizar mediante o tratamento adequado da produção
do conhecimento necessário para tal.
Por último, gostaríamos de comentar o porquê da escolha de Viçosa, e o porquê da escolha do
Levantamento de Peso. Na verdade, ambas as escolhas estão relacionadas, vindo a caracterizar uma
única escolha, e essa se deve ao fato da projeção, ainda que modesta, conseguida pela cidade em
conseqüência da modalidade. Um dos fatos mais marcantes dessa projeção aconteceu durante os Jogos
Olímpicos de Sidney em 2000. Havia uma única representante brasileira no Levantamento de Peso,
Maria Elizabeth Jorge, natural de Viçosa, revelada na cidade, e onde também reside e treina. Isso fez
com que durante algum tempo Viçosa permanecesse na mídia nacional e internacional, mostrando para
o Brasil e o mundo uma cidade pequena do interior mineiro, até então somente conhecida pela sua
relação com a UFV, instituição de grande tradição educacional, sobretudo na área agrária. Da mesma
forma, a cidade tem contribuído em alguma medida com o Levantamento de Peso, embora não
possamos mensurar essa contribuição. Os elementos possíveis de inter-relação entre Viçosa e o
Levantamento de Peso parecem ser suficientes para justificar um estudo sobre os dois objetos e os
achados do estudo podem vir a contribuir de forma significativa na relação a partir do fornecimento de
possíveis indicadores de melhora na qualidade da influência recíproca.
Caminhos a percorrer
O estudo que ora estamos desenvolvendo, caracteriza-se como sendo preponderantemente
qualitativo, por isso, acreditamos na necessária revisão de literatura suficientemente ampla para que
possa permitir as futuras análises dos dados que estamos levantando. Embora a revisão de literatura
seja algo pressuposto em qualquer trabalho acadêmico-científico, essa investigação diversifica sua
revisão, no sentido de demonstrar várias dimensões da modalidade Levantamento de Peso que ainda
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são insipientes no âmbito da produção acadêmica. Nesse sentido, estamos montando uma apresentação
da modalidade, enquanto, descrição de sua natureza, características, trajetória histórica, principais
regras, além da situação do Brasil dentro do cenário histórico e contemporâneo desse esporte.
Outrossim, um estudo do fenômeno esportivo e seu impacto sobre a cultura, sobretudo sobre o
cotidiano de vida das pessoas nas cidades tem se mostrado imprescindível, para que assim possamos
encontrar bases sólidas do entendimento do fato social representado pela relação esporte X cidade.
Quanto as fontes, essas têm se constituído em publicações da imprensa escrita que relatem os
fatos que citamos antes, a respeito das presenças de modalidades e entidades esportivas instaladas em
cidades não metropolitanas, preferencialmente aquelas com população menor de 300.000 habitantes,
as quais tentaremos qualificar como cidades de médio para pequeno porte. As publicações a respeito
da cidade de Viçosa, e da presença do Levantamento de Peso nessa cidade, além das pessoas
envolvidas nessa relação, estão tendo caráter de prioridade, a fim de que possamos coletar materiais
suficientes sobre um fato particular e localizado: a presença de uma entidade de representação máxima
(CBLP) e de uma seleção nacional permanente na cidade. O recorte temporal para a coleta dos dados é
o equivalente à presença do Levantamento de Peso em Viçosa, nesse caso, estamos considerando as
últimas quatro décadas.
Ainda considerando o recorte adotado sobre a cidade de Viçosa, acreditamos que há a
possibilidade de enriquecimento da apresentação dos fatos a partir da confrontação direta das fontes
captadas via imprensa com a versão de atores sociais que estiveram envolvidos com a trajetória de
acontecimentos dos fatos. Dessa forma, estamos também coletando dados a partir da técnica de
entrevistas, sobretudo entrevista de elite com alguns dos principais atores sociais envolvidos nas
quatro décadas referenciadas (entre eles Davi Monteiro e Elizabeth Jorge, citados neste texto), as quais
terão aplicações distintas: Primeiramente, utilizando-nos da história oral7, pretendemos tornar mais
transparente um registro da trajetória do Levantamento de Peso em Viçosa, enquanto uma seção
importante da trajetória dessa modalidade no Brasil. Em segundo lugar, parece-nos importante buscar
formas de perceber informações sobre a relação Levantamento de Peso X Viçosa, mediada pela UFV,
que porventura não estejam presentes em publicações, pois sabemos que não só as fontes dizem algo,
como a ausência delas também é significante. As entrevistas estão sendo realizadas de forma não
estruturada (aberta), tomando como ponto de partida uma simples questão, apresentada ao entrevistado
sob a forma de solicitação, formulada da seguinte maneira: “gostaríamos que nos contasse o que você
sabe sobre a trajetória do Levantamento de Peso em Viçosa e qual a sua participação nessa trajetória”.
Cremos que assim possamos encontrar pistas para entender e explicar nossas questões. Mas, além do
confronto com a literatura, a análise dos dados relativos às entrevistas deverá ser feita à luz dos
referenciais da análise de conteúdo.
Por fim, parece-nos importante frisar que a presente intenção de estudo é caracterizada como
intenção de um trabalho histórico, porém, não pretende prender-se a datas e fatos lineares, mas sim
objetiva concretizar “uma análise que não se esgote em nomes, recordes ou resultados alcançados por
atletas ou equipes, mas que se desenvolva na percepção das configurações forjadas nas relações que se
inauguram”.(LE GOFF, 1924)
Referências Bibliográficas
BAIA, A. O Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Viçosa- A História e As
Histórias. In Revista Mineira de Educação Física – v. 1. Ano XII. Viçosa/MG, 2004
BORGES, C. N. F. Manifestações de Lazer na feira Livre de Viçosa/MG. In Anais do XII Congresso
Brasileiro de Sociologia. Belo Horizonte. FAFICH/UFMG.
ELIAS, N. & DUNNING, E. A busca da excitação. Lisboa: DIFEL, 1995
GOMES, A.C.C.O esporte como metáfora da sociedade. Viçosa/MG
LUCENA, R. O esporte na cidade: aspectos do esforço civilizador brasileiro. Campinas/SP: Autores
Associados, Chancela editorial CBCE, 2001.
7
Sobre os referenciais de História Oral, é mister esclarecer que usaremos as argumentações de Meihy (1996),
segundo o qual devemos tomar esse tipo de metodologia como um recurso de tratamento rigoroso das fontes e
não simplesmente como testemunho oral de indivíduos.
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SOUZA, D.H. et al. O lazer, a cidade de Viçosa/MG e a festa da Republica “Os Largado”: Algumas
Relações. In Coletânea do VI Seminário “O Lazer em Debate”. Belo Horizonte: EEFFTO/ UFMG,
2005.
LE GOFF, J. História e Memória; tradução Bernardo leitão [et al]. 4.ed. campinas/SP, Editora
UNICAMP, 1996
MEIHY, J.C.S.B. Manual de História Oral. Edições Loyola, São Paulo, 1996.