0 universidade estadual de santa cruz gardênia tereza jardim
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0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ GARDÊNIA TEREZA JARDIM PEREIRA PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E DESENVOLVIMENTO DO TURISMO CULTURAL: um estudo sobre Mucugê – Chapada Diamantina – Bahia ILHÉUS – BA 2010 GARDÊNIA TEREZA JARDIM PEREIRA PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E DESENVOLVIMENTO DO TURISMO CULTURAL: um estudo sobre Mucugê – Chapada Diamantina – Bahia Dissertação apresentada, para obtenção do título de Mestre em Cultura & Turismo, pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Linha de Pesquisa: planejamento, configuração de produtos, serviços e destinos turísticos. Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Ávila. Co-orientador: Prof. Dr. Walter Fagundes Morales. ILHÉUS – BA 2010 P436 Pereira, Gardênia Tereza Jardim. Patrimônio arquitetônico e desenvolvimento do turismo cultural: um estudo sobre Mucugê – Chapada Diamantina - Bahia / Gardênia Tereza Jardim Pereira. – Ilhéus, BA: UESC, 2010. xiv, 154f. : il. Orientador: Marco Aurélio Ávila. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Santa Cruz, Programa de Pós - Graduação em Cultura e Turismo. Inclui bibliografia e apêndice. 1. Turismo cultural. 2. Patrimônio cultural. 3. Turismo – Planejamento – Mucugê (BA). I. Título. CDD 338.479181 GARDÊNIA TEREZA JARDIM PEREIRA PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO E DESENVOLVIMENTO DO TURISMO CULTURAL: um estudo sobre Mucugê – Chapada Diamantina – Bahia Ilhéus – BA, 26/07/2010 ____________________________________ Marco Aurélio Ávila – Profº. Drº. UESC - BA (Orientador) ____________________________________ Walter Fagundes Morales – Profº Drº. UESC - BA (Co-orientador) ____________________________________ Sênia Regina Bastos – Profª. Drª ANHEMBI MORUMBI - SP DEDICATÓRIA A Deus, força suprema, Ao Mestre Jesus, amigo e irmão de todas as vidas, Aos bons espíritos pelo estímulo, Ao meu anjo da guarda pela vigilância constante. AGRADECIMENTOS A minha família por acreditar na capacidade de superação, vivendo comigo cada segundo desse sonho-realidade. Ao meu para sempre Márcio, companheiro, amor de toda vida, que não só acreditou nesse momento, mas ajudou a torná-lo possível... A hoje amiga, e não só ex-professora, Silvana Toledo de Oliveira, a ela a possibilidade, a busca e a conquista. As amigas, Kátia e Leyliane pela fidelidade, pelo carinho, pelo apoio. Aos meus colegas de turma (2008-2010), ao meu calo amado Luciano, a Fabíola, a Rosijane, Mércia, Saul... Tantos momentos inesquecíveis. Em especial a Luiza Edmeé (coração), por ter compartilhado lágrimas, sorrisos, expectativas, inseguranças e aprendizado desde o começo. A João Felipe Seborella, o psicólogo no processo seletivo... A CAPES pelo apoio financeiro tão fundamental. Ao meu Orientador Profº Dr. Marco Aurélio Ávila por acreditar sempre que eu poderia ir além e ao meu co-orientador Profº Dr. Walter Fagundes Morales pelo incentivo na corrida contra o tempo. Agradeço também, ao ex- Secretário de Turismo e Meio Ambiente de Mucugê, Oremildes Alves de Oliveira, que com total disponibilidade forneceu material necessário e se fez presente durante todas as etapas desenvolvidas. A querida Valdeci, a Welighton Camarandoba, Euvaldo Ribeiro e Ailton Silva, moradores de Mucugê pelo auxílio e disponibilidade constante, bem como a todos os moradores que concederam as entrevistas durante a pesquisa de campo. vii RESUMO Atualmente a busca por novos produtos turísticos e a inserção dos mesmos no mercado com o objetivo de atrair maior demanda e/ou satisfazer uma demanda existente, é uma necessidade. Esse estudo, denominado “Patrimônio arquitetônico e desenvolvimento do turismo cultural: um estudo sobre Mucugê – Chapada Diamantina – Bahia”, objetivou identificar a importância do patrimônio arquitetônico do município para os moradores e para a iniciativa pública. Especificamente, buscou-se identificar as edificações mais relevantes a partir do seu valor histórico e turístico, podendo assim ser utilizadas para o turismo cultural. Foram enfatizadas questões relevantes como o ciclo do diamante, escravidão e o coronelismo, pois acredita-se que a história do lugar agrega valor a atividade turística do município. A coleta de dados com os moradores líderes de opinião e com a iniciativa pública se deu através de registros de entrevistas semi-estruturadas. A partir de então se elencou as edificações relevantes e em bom estado de conservação, contribuindo assim para tomadas de decisões locais no âmbito do planejamento visando à possível implementação do turismo cultural. Percebeu-se que os moradores, além de compreender o patrimônio arquitetônico do município como de grande valor histórico, reconhecem a possibilidade de esse recurso agregar valor ao turismo local se for utilizado de maneira planejada e dentro de medidas preservacionistas. No que se refere à iniciativa pública, a pesquisa identificou ausência de representatividade, bem como, divergências no que se refere ao planejamento turístico para o município. Palavras-Chave: Patrimônio Arquitetônico. Turismo Cultural. Planejamento. Desenvolvimento. Mucugê – Chapada da Diamantina. Bahia. viii ABSTRACT Currently, the search for new touristic products and the introduction of them in the marketing with the goal of attracting a better demand and/or satisfy the existent one is a necessity. This study, called “Architectural property and cultural tourism development: a study about Mucugê - Chapada Diamantina - Bahia”, aimed at identifying the importance of the municipal architectural property to the city residents and to the public enterprise. It was the specific objective of this study to identify the most relevant buildings from their historical and cultural value, for their usage in cultural tourism. Relevant questions were emphasized as the diamond cycle, slavery and the “coronelismo” (local political farm owners), because it is believed that the history of the place adds value to the touristic activity of the county. The data research with the opinion leader residents and with the public enterprise was done through semi structured interview records, immediately afterwards the relevant and well preserved buildings were casted in order to contribute for local decisions in the scope of planning to aim for the possible cultural tourism implementation. It was detected that the county residents comprehend the great historical value of the county architectural property as well as recognize the possibility of this resource bring value to the local tourism since it is used in a well planned manner and inside preservation steps. On the other hand, the research identified the absence of representativeness by public enterprise as well as divergences referring to touristic planning for the county. Key-word: Architectural property. Cultural tourism. Planning. Development. Mucugê - Chapada Diamantina. Bahia. ix LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional – Chapada Diamantina ... 16 Figura 2 - Buquê de Sempre Viva .................................................................................. 57 Figura 3 - Atual prédio Biblioteca Municipal ................................................................... 58 Figura 4 - Atual sobrado Sr. Carlos Machado ................................................................ 58 Figura 5 - Atual casa de D. Laçimi ................................................................................ 59 Figura 6 - Atual casa do Sr. Fugêncio ............................................................................ 59 Figura 7 - Atual pousada Jardim da Estalagem.............................................................. 60 Figura 8 - Igreja de Santa Izabel .................................................................................... 60 Figura 9 - Atual pousada Mucugê .................................................................................. 60 Figura 10 - Atual sobrado da Profª Elice ....................................................................... 60 Figura 11 - Fundo da prefeitura ..................................................................................... 61 Figura 12 - Cemitério Bizantino ...................................................................................... 61 Figura 13 - Família do Cel. Reginaldo Landulpho da Rocha Medrado ........................... 65 Figura 14 - Mapa da Regionalização Turística da Bahia ................................................ 72 Figura 15 - Mapa das cidades que compõem o Pólo Turístico Chapada Diamantina ..... 73 Figura 16 - Toca em alvenaria ....................................................................................... 80 Figura 17 - Sede do museu de acervo permanente ....................................................... 81 Figura 18 - Peças utilizadas no garimpo ........................................................................ 82 Figura 19 - Visitante no museu ...................................................................................... 82 Figura 20 - Carbonato – Pedra que indicava diamantes ................................................ 82 Figura 21 - Encenação as margens do Rio Mucugê ...................................................... 83 Figura 22 - Vista aérea da cidade .................................................................................. 85 Figura 23 - Vista da Rua Direita do Comércio ................................................................ 85 Figura 24 - Vista frontal do Cemitério Bizantino ............................................................. 90 Figura 25 - Vista da parte baixa do cemitério ................................................................. 91 Figura 26 - Vista da rampa de acesso a parte alta ......................................................... 92 Figura 27 - Mausoléu de Douca Medrado ....................................................................... 93 Figura 28 - Mausoléu de sua esposa Gertrudes ............................................................. 93 Figura 29 - Mausoléu de Anatalino Medrado.....................................................................94 x Figura 30 - Vista da Prefeitura ........................................................................................ 132 Figura 31 - Centro de Cultura ......................................................................................... 133 Figura 32 – Acervo permanente do museu ..................................................................... 134 Figura 33 - Arquivo Público Municipal ............................................................................. 134 Figura 34 - Sobrado D. Elice ........................................................................................... 135 Figura 35 - Sobrado do Srº Carlos Machado................................................................... 137 Figura 36 - Chalé da Família Medrado (atual prefeito) .................................................... 138 Figura 37 - Casa do Sr. Tarso......................................................................................... 139 Figura 38 - Pousada Casa da Roça ................................................................................ 139 Figura 39 - Restaurante Sabor & Arte ............................................................................ 140 Figura 40 - Casa da Família de D. Laçimi ....................................................................... 141 Figura 41 - Cabaré do Fecha Nunca ............................................................................... 142 Figura 42 – Casa do Sr. Fugêncio .................................................................................. 143 Figura 43 - Estalagem Jardim do Edem .......................................................................... 144 Figura 44 - Casa de D. Elice ........................................................................................... 144 Figura 45 - Pousada Mucugê .......................................................................................... 145 Figura 46 - Igreja Matriz Santa Izabel ............................................................................. 146 Figura 47 - Igreja de Santo Antônio ................................................................................ 149 Figura 48 – Vista do cemitério Bizantino ......................................................................... 150 Figura 49 - Detalhes de um mausoléu ............................................................................ 151 Figura 50 - Adornos neoclássicos ................................................................................... 151 Figura 51 - Detalhe de um pináculo...................................................................................151 xi LISTA DE TABELAS Tabela 01 - Estabelecimentos de Alimentos e Bebidas de Mucugê ................................ 75 Tabela 02 - Estabelecimentos de Meios de Hospedagem de Mucugê ............................ 75 Tabela 03 - Perfil do visitante de Mucugê ....................................................................... 77 Tabela 04 - Edificações de valor histórico ....................................................................... 107 Tabela 05 - Edificações de valor turístico........................................................................ 109 Tabela 06 - Edificações em bom estado de conservação ............................................... 110 xii LISTA DE QUADROS Quadro 01 - Tipos de medidas preservacionistas ........................................................... 45 Quadro 02 - Composição dos sujeitos da pesquisa ........................................................ 96 xiii LISTA DE SIGLAS, ABREVEATURAS E SÍMBOLOS IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional OEA – Organização dos Estados Americanos OMT – Organização Mundial de Turismo IBC – Instituto Brasileiro do Café CONCID – Conselho (Turístico) Circuito do Diamante PDITS – Plano Estratégico de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável PED – Projetos de Execução Descentralizada ACVM – Associação de Condutores de Visitantes de Mucugê UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz ICOM – International Council of Museum APMM – Arquivo Público Municipal de Mucugê xiv SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................... vii ABSTRACT .............................................................................................................. viii LISTA DE FIGURAS .................................................................................................. ix LISTA DE TABELAS .................................................................................................. xi LISTA DE QUADROS ............................................................................................... xii LISTA DE SIGLAS, ABREVIATURAS E SÍMBOLOS ............................................... xiii 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15 1. CAPÍTULO I: legado cultural e atividade turística ................................................. 22 1.1 Turismo, turismo cultural e cultura......................................................... 29 1.2 A arquitetura das cidades enquanto patrimônio cultural ........................ 37 1.3 Patrimônio cultural: a necessidade de preservação .............................. 41 1.4 A importância do planejamento sustentável .......................................... 47 2.CAPÍTULO II: De Vila Isabel do Paraguaçu a Mucugê: a história como atrativo turístico ...................................................................................................................... 52 2.1“Ué! Estrelas de dia? Não! Eram Diamantes...” exploração, exportação e decadência do diamante ..................................................................................... 54 2.2 Entre as Serras, o poder do coronelismo .............................................. 62 2.3 Escravidão na Vila de Santa Isabel do Paraguaçu ................................ 68 3 CAPÍTULO III: Turismo em Mucugê ....................................................................... 72 3.1 De objeto museavel a atrativo turístico: o Museu Vivo do Garimpo ...... 78 3.2 A partir da rua direita, neoclássico e neogótico se encontram... ........... 84 3.3 Vultos na história: o Cemitério Bizantino ............................................... 88 4. CAPÍTULO IV: Procedimentos metodológicos ...................................................... 95 4.1 Caracterização da pesquisa .................................................................. 95 4.2 Coleta e sistematização dos dados ....................................................... 95 5. CAPÍTULO V: Resultados e discussões ............................................................. 100 5.1 A iniciativa pública ............................................................................... 118 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 125 7. REFERÊNCIAS ................................................................................................... 127 8 . APÊNDICE A – Edificações mais apontadas na pesquisa de campo. ............... 132 APÊNDICE B - ROTEIROS PARA ENTREVISTAS .................................. 150 15 1. INTRODUÇÃO A Serra do Sincorá está localizada na borda centro-oriental da Chapada Diamantina. É nesta região que se localizam os municípios de Lençóis, Palmeiras, Andaraí, Mucugê e Barra da Estiva (BRITO, 2005). Quanto à designação Chapada Diamantina, pode-se dizer que a palavra refere-se à ampla faixa de terreno plano ou pouco ondulado, elevado, cortado por vales neles ajustados (AURÉLIO, 1986), e ao contexto sócio-econômico decorrente da exploração baseada na extração de diamantes. Fato é que a atividade lavrista foi responsável por dinâmicas migratórias de várias pessoas que vieram trabalhar no garimpo alimentando sonhos de fortuna e sorte. A história e a formação econômica desta região estão intimamente associadas à exploração dilapidadora, ao comércio dos seus recursos naturais, e à passagem de significativos fluxos migratórios intra e extra-estaduais formados também por bandeirantes, garimpeiros e fazendeiros de variadas origens (BRITO, 2005). Do final do século XIX até meados do século XX, o garimpo definiu toda a estrutura sócio-política e econômica das cidades da Chapada Diamantina. Da mãode-obra escrava até o trabalho manual dos garimpeiros, as cidades tomaram forma e ergueram-se no sertão semi-árido da Bahia em meio à riqueza, ambições e esperanças de melhoria de vida. A Chapada Diamantina chama a atenção de um grande número de visitantes por conta de um conjunto de atrativos; natureza exuberante, histórias de garimpo e coronéis, casarios antigos e culinária típica. Patrimônios tangíveis e intangíveis que vêm despertando a motivação de visitantes que procuram desde um passeio ecológico a experiências culturais. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (2008), o Parque Nacional da Chapada possui aproximadamente 152 mil hectares. Dessa área, 52% pertence ao município de Mucugê, que se localiza no semi-árido baiano, na mesorregião do Centro-Sul e na microrregião SEABRA, a 441 km de Salvador e possui uma área territorial de 2.482 Km². Situa-se a uma altitude média de 986 metros acima do nível do mar e possui temperatura média anual de 19,8ºC, sendo que, no inverno, a temperatura chega a atingir 7ºC. Possui população aproximada de 14.131 habitantes (CENSO - IBGE, 2007), sendo 5.017 habitantes na zona urbana, (que praticamente se restringe ao centro histórico, ou seja, a toda área tombada pelo 16 Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional - IPHAN) e 9.114 habitantes na zona rural. Abaixo mapa ilustra a localização geográfica do município, bem como os demais municípios da Chapada Diamantina, onde o diamante foi encontrado. Figura 1 - Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional – Região Chapada Diamantina. Fonte: Sapucaia, (1995) 17 Apesar de a atividade turística no município ter seu início significativo apenas a partir da década de 1990, vem sendo vista como uma alternativa importante tanto para a comunidade, quanto para a iniciativa pública e privada. Isso porque, além de uma infra-estrutura em melhoria, a cidade está próxima dos principais atrativos naturais da Chapada Diamantina, tais como Cachoeira da Fumaça, Cachoeira do Tiburtino, Mar da Espanha, Projeto Sempre Viva, além do Poço Encantado, Poço Azul, Cachoeira do Buracão, e Vale do Paty. Esse fator é também um dos motivos para a permanência do visitante na cidade, uma vez que a hospedagem em Mucugê possibilita maior mobilidade ao visitante que pretende conhecer esses atrativos. Neste contexto pode-se afirmar que, inicialmente, Mucugê atrai visitantes por possuir uma das áreas naturais mais bem preservadas do Parque Nacional da Chapada Diamantina, e, por estar tradicionalmente associada a atrativos naturais, a prática do ecoturismo e do turismo de aventura vem se tornando uma constante na região. Entretanto, a cidade possui mais do que cachoeiras, vales, fauna e flora endêmica. Existe grande potencial no que se refere ao patrimônio cultural, sendo priorizado, neste estudo, o patrimônio arquitetônico, por sua representatividade para valorização da identidade e da memória local. Ainda que a dinâmica de hoje não seja a mesma de meados do século XIX, tem-se a sensação, ao chegar a Mucugê, que a cidade “parou no tempo”, ora pelo casario bem preservado, ora pelas narrativas de garimpo presentes nas esquinas do lugar. No município encontram-se preservadas igrejas do século XIX, sobrados, museus, casas térreas, além da arquitetura funerária dos mausoléus do Cemitério Santa Isabel (Cemitério Bizantino) e as tocas e locas em alvenaria, que serviram de habitação para os garimpeiros durante o auge da extração do diamante. Pode-se afirmar, então, que, em meio a um cenário peculiar, a atividade turística se desenvolve. Por um lado, patrimônio natural, sem dúvida a principal motivação dos visitantes que ali chegam, por outro, uma cidade antiga que viveu do minério e sofreu as conseqüências da existência e exploração deste. Uma história materializada por meio de um patrimônio imóvel e ainda não explorada pelo turismo local. Deste modo, através do patrimônio arquitetônico de Mucugê, o leque de produtos ofertados pela atividade turística do município pode ser ampliado e o turismo cultural pode vir a tornar-se uma atividade complementar. Autores como Dias (2005) e Ávila (2009), acrescentam que esta segmentação é um dos tipos de 18 turismo que, devido à grande diversidade de recursos a serem explorados, possui maior capacidade de lucratividade, podendo tornar-se importante complemento a outras formas de turismo tradicionais. Acredita-se também que a prática do turismo cultural possa estimular o resgate à memória por parte dos moradores do lugar, pois cada visitante que busca essa segmentação subtende em uma oportunidade para o morador do destino turístico de divulgação da história local e enaltecimento do seu patrimônio, o que implica em um exercício constante, onde a memória torna-se o principal elo de aproximação com o passado. Esse patrimônio arquitetônico será convertido em atrativo turístico a partir do momento em que se transformar em espaço dotado de infra-estrutura turística capaz de estimular a visitação e estiver sustentado por políticas de promoção e marketing específicas para bens culturais. Conseqüentemente, à medida que esse patrimônio passar a ser utilizado pela atividade turística, haverá necessidade ainda maior de cuidado específico, uma vez que o uso indevido desses bens pelo turismo pode gerar degradação até mesmo irreversível. Importante ressaltar também, que: O desenvolvimento do turismo cultural pode variar em função de vários aspectos, como importância, perspectiva e reflexos da atividade na comunidade, empresários, gestores e visitantes. Potencialidade, grau de autenticidade, nível de visitação e estado de conservação dos atrativos, além das questões ao alcance da proteção legal (ÁVILA, 2009 p.46). Ou seja, vários fatores podem ser vistos como limitantes para implementação dessa segmentação. Questões que devem ser discutidas como, por exemplo, o que realmente é importante para o turismo, partindo do pressuposto que os moradores são fundamentais nesse processo de identificação, uma vez que se não há importância para o morador, conseqüentemente não haverá valor para o turismo. Perspectivas com relação ao ciclo de vida desses bens, já que se trata de patrimônio material que necessita sempre de manutenção e muitas vezes não há recurso financeiro para tal. É importante considerar também os reflexos positivos e negativos que o uso desses bens pode gerar diante Dos moradores e do trade como um todo. Nesse sentido ressaltam-se os benefícios financeiros e discute-se o grau de autenticidade desses bens materiais. 19 Sobre essa questão, cabem cuidados, já que o turismo tem a capacidade de modificar e assim atribuir valores, características, elementos que muitas vezes não condizem de fato ao patrimônio. Mudanças que às vezes ocorrem para adequar o bem a uma “necessidade” turística fundamentada apenas por interesses capitalistas, o que pode levar o próprio visitante a questionar a autenticidade do atrativo e ao morador a perda de elementos que caracterizavam esses bens como seu. Assim, enfatiza-se a necessidade de buscar compreender a opinião dos atores sociais envolvidos com a atividade turística no que tange a esse patrimônio arquitetônico, pois subtende que a conversão desse recurso em atrativo turístico por meio do turismo cultural, possa de fato contribuir para o desenvolvimento da economia local e para sensibilização da comunidade em relação à importância do seu patrimônio arquitetônico e de sua memória. Assim, esta pesquisa levanta e discute questões relacionadas ao turismo em Mucugê, buscando responder a seguinte questão: teria o patrimônio arquitetônico de Mucugê potencialidade para estimular o desenvolvimento do turismo cultural? O objetivo desta dissertação é o de compreender a importância do patrimônio arquitetônico de Mucugê para os moradores e para os gestores públicos enquanto recurso capaz de fomentar o turismo cultural. Como objetivos específicos, foram estabelecidos os seguintes: identificar as edificações mais significativas para os moradores a partir de valores históricos e estéticos; identificar as edificações mais importantes para a iniciativa pública, a partir do valor turístico; registrar as edificações apontadas na pesquisa como relevantes para os moradores e interessante para a atividade turística, por meio de fotografias. A pesquisa foi delimitada em quatro capítulos; o primeiro capítulo, intitulado de “legado cultural e atividade turística” está dividido em quatro tópicos. O primeiro traz reflexões sobre o conceito de cultura e a apropriação de bens culturais pelo turismo cultural. Já o segundo tópico apresenta ponderações sobre a arquitetura das cidades enquanto patrimônio cultural. O terceiro tópico traça o cenário das atuais políticas de preservação, enfatizando a necessidade de preservação do patrimônio cultural e o quarto tópico enfatiza a importância de políticas de planejamento como ferramenta para a sustentabilidade da atividade turística. O segundo capítulo, intitulado de “Vila Isabel do Paraguaçu a Mucugê: a história como atrativo turístico” tem como elementos centrais o contexto histórico de Mucugê e a importância da história do lugar enquanto atrativo turístico. Esta parte foi 20 dividida em quatro tópicos iniciando com uma descrição sobre o município e considerações a respeito da fundação da cidade ainda com o nome de Santa Isabel do Paraguaçu. No segundo tópico, reflexões a respeito do ciclo diamantífero: exploração, exportação e declínio. No terceiro tópico, ressalta-se o coronelismo enquanto fenômeno sócio-político, e para fechar esse capítulo, a presença de escravos no município configura-se como quarto tópico. O terceiro capítulo intitulado “turismo em Mucugê” traz no primeiro tópico, uma panorâmica da atividade turística do município no que se refere não somente aos recursos existentes, mas também aos demais produtos que compõem a infraestrutura turística e as políticas de planejamento adotadas pela atual Secretaria de Turismo. Já no segundo tópico, considerações acerca do museu enquanto lugar de apelo turístico em uma abordagem sobre o Museu Vivo do Garimpo, por se tratar de espaço de memória e saber e por estar localizado em uma toca de alvenaria; arquitetura primitiva que servia de habitação para os garimpeiros. O terceiro tópico deste capítulo, intitulado a partir da rua direita, neoclássico e neogótico se encontram, apresenta uma abordagem acerca do patrimônio arquitetônico do centro histórico. O quarto tópico aborda questões a respeito do Cemitério Bizantino, sua dinâmica enquanto espaço de memória e de rituais, a exemplo da Lamentação das Almas, enfatizando a importância desse patrimônio arquitetônico para a atividade turística. Os procedimentos metodológicos são mencionados no terceiro capítulo. Foi subdividido em dois tópicos: no primeiro comenta-se a respeito da caracterização da pesquisa, onde se aponta o perímetro onde a pesquisa de campo foi realizada e o tipo de pesquisa utilizada. No segundo tópico, menciona-se a coleta e sistematização dos dados com explicações acerca da amostra e sujeitos da pesquisa, dos instrumentos utilizados e detalhamentos das etapas realizadas em campo, explícita também, as variáveis e a análise dos dados. O quarto capítulo apresenta os resultados e discussões com base nas entrevistas realizadas e no referencial teórico. Neste momento, a partir das transcrições das entrevistas, são apresentados conceitos de patrimônio a partir da perspectiva dos sujeitos da pesquisa e a importância do patrimônio arquitetônico do município para os mesmos. As edificações mais apontadas na pesquisa pelos sujeitos são apresentadas a partir do valor histórico, turístico e do estado de conservação. O último tópico desse capítulo configura-se nas entrevistas concedidas 21 pela iniciativa pública a fim de relatar a opinião da Secretaria de Turismo do município e da Bahiatursa com relação ao patrimônio em questão. Na última parte são apresentadas as considerações finais, limites e perspectivas do estudo. 22 1. CAPÍTULO I: legado cultural e atividade turística Considerando a amplitude do conceito de legado cultural, já que este se refere a tudo que é transmitido para gerações futuras, sabe-se que o turismo, com base no legado cultural, é aquele que tem como principal atrativo o patrimônio cultural (BARRETTO, 2000). Este patrimônio, por sua vez, compreende desde edificações de pedra e cal, como até as mais variadas formas do fazer humano, tangíveis e intangíveis. Segundo Simmel, (apud BARRETTO, 2000 p. 43), a respeito de legado cultural: “mantém a continuidade cultural, são um nexo dos povos com o seu passado”. E essa continuação, essa proximidade com o passado produzem certezas, permite saber ou ter ao menos uma noção de quem somos e de onde viemos, ou seja, que tenhamos identidade. Para Funari e Pinsky (2003), além de contribuir para o conhecimento do passado, por meio do legado cultural é possível também que um homem possa lembrar e ampliar o seu sentimento de pertencer a um mesmo espaço e a uma cultura comum a outras pessoas, fortalecendo, assim, o sentido de grupo e compondo a identidade coletiva. No que se refere à motivação por atrativos culturais, esta pode ter como foco a história, o cotidiano, o artesanato, as edificações, os museus ou qualquer outro de inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange. As pessoas viajam em busca de particularidades, em busca da diferença e as encontram no cotidiano do outro. “O turista é uma espécie de peregrino contemporâneo, procurando autenticidade em outras ‘épocas’ e em outros ‘lugares’ distanciados de sua vida cotidiana [...]” (URRY, 1990, p. 24-25). O contato com essa multiplicidade, com essa diferença promove a sensação de bem estar porque essa experiência foge à rotina do visitante. Banducci e Barretto (2001, p. 19), comentam que: O contato entre turistas e residentes, entre a cultura do turista e a cultura do residente, desencadeia um processo pleno de contradições, tensões e questionamentos, mas que, sincrônica ou diacronicamente, provoca o fortalecimento da identidade e da cultura dos indivíduos e da sociedade receptora e, muitas vezes, o fortalecimento do próprio turista que, na alteridade, se redescobre. 23 Considerando que esse trabalho volta-se para o legado edificado, ressalta-se que as cidades históricas, como são mais conhecidas, os sítios arquitetônicos protegidos por lei no Brasil e no mundo “tratam-se de um conjunto de ambientes construídos em diferentes tempos históricos, cujas necessidades humanas eram bem distintas das atuais” (PORTUGUEZ, 2004 p. 03). Ou seja, nas cidades históricas é possível, a depender do grau de preservação, identificar hábitos, modos de vidas comuns há um tempo que necessariamente não se faz significativo nos dias atuais. Quintais extensos para cultivo de hortas, alcovas grandes por se tratar geralmente de famílias numerosas, mirantes como necessidade de espaço para armazenar pertences e melhor visualização da cidade – necessidade de proteção. “Ir a um sítio histórico representa uma viagem no tempo, que permite ao contemplador da paisagem uma experiência [...] que remonta seu passado, dando mais sentido à história de sua vida” (PORTUGUEZ, 2004 p. 04). Em Mucugê, a Rua Direita, as casas de grandes quintais coladas umas nas outras e de pequenas calçadas a frente, o próprio início do povoamento marcado pela igreja matriz, o calçamento ainda em pedra, é fruto de dado contexto histórico. Esse contraste entre tempo e necessidades é percebido ao analisar a parte tombada, no caso o centro histórico, e a parte contemporânea da cidade fora desse perímetro. O contraste da arquitetura antiga com a arquitetura contemporânea chama atenção, ora pelo estilo funcional dessas edificações, ora pelos mais variados elementos construtivos utilizados. A arquitetura do lugar torna-se interessante pela beleza, pelas mais variadas formas de construção realizadas pelo homem, mesmo em um tempo onde os recursos não eram tão numerosos e eficientes como os atuais. A partir de formas arquitetônicas antigas, da singularidade desses espaços muitas vezes turísticos, podem-se fazer muitas leituras a respeito dos grupos sociais que os construíram, que ali viveram (PORTUGUEZ, 2004). O turismo como “ponte” entre passado e presente de acordo com Banducci e Barreto (2001, p. 16), Passa, nesse caso, a ser um dos fatores que desencadeiam o processo aproximação entre passado e presente. [...] acaba penetrando interstícios do tecido social e transformando-se em movimento cultural presente com interesse genuíno na valorização e no conhecimento próprio passado. de os do do 24 Segundo Vinuesa (apud PORTUGUEZ, 2004 p. 34-35) “no limiar do século XXI, as cidades históricas se encontram cada dia mais associadas ao turismo. Sua função turística vem-se reforçando [...], aumentando a simbiose entre cidade e turismo”. Devido essa motivação de visitantes por edificações antigas, autores como Portuguez (2004, p. 04) garante que “o crescimento do interesse dos operadores do turismo interno pelos sítios históricos brasileiros remontam os anos 60” do século passado. Todavia, é importante esclarecer que: [...] não são todos os tipos de heranças que despertam o interesse do fluxo turístico. São muitos os sítios históricos que apresentam construções de belezas únicas. No entanto, o aspecto estético e a conservação do patrimônio não se têm mostrado suficientes para assegurar a presença e a permanência dos turistas. Determinados sítios históricos representam muito para comunidades específicas, de acordo com o elenco de fatores que deram origem aos processos responsáveis por sua existência. (PORTUGUEZ, 2004 p. 05). Ou seja, o belo não é pré-requisito para garantir um fluxo significativo e constante de visitação. Quando o imóvel não é possuidor de outros valores, valores esses, bem particulares, capaz de identificar e/ou representar o coletivo ou o individual, faz com que sua importância passe a ser questionada para o turismo. Percebe-se, então, a necessidade de refletir sobre o conjunto de fatores que definem um determinado produto ou lugar enquanto possuidor de potencial turístico, pois se sabe que, na atualidade, quando pensamos em potencial, devemos atentar para questões relacionadas à demanda turística por determinado produto, e principalmente, a uma série de fatores que vão além da beleza, elemento extremamente vulnerável, dado seu caráter particular e sua fragilidade perante determinadas ações. Devem-se observar também as questões que envolvem, por exemplo, a conservação desse patrimônio, quais sejam: acesso, mão-de-obra qualificada que possa transmitir a história oficial e a pluralidade de narrativas das memórias sobre essas edificações, bem como a interferência de fatores externos como climáticos, econômicos, conflitos civis, epidemias, etc., pode comprometer a demanda por esses bens culturais. O que deve ser considerado quando se pensa no turismo em cidades com grande legado histórico e conseqüentemente, interesse turístico, é “a fragilidade da cidade histórica e sua complexidade funcional” (VINUESA apud PORTUGUEZ, 25 2004, p. 34), uma vez que não é simples dotar de infra-estrutura turística uma cidade histórica. Neste caso as restrições são muitas, e os cuidados devem ser ainda mais latentes no que se refere à preservação em destinos turísticos que se enquadram como patrimônio histórico. Uma cidade histórica, além de um espaço receptor de turistas, é um lugar onde se vive, um centro de negócios, uma zona de compras e onde estão localizadas as funções administrativas. Trata-se, em suma, de uma realidade multifuncional, onde uma excessiva pressão turística pode introduzir desequilíbrio, sendo necessário dotar-se de um planejamento urbanístico que ajude a dar respostas às novas demandas funcionais e propicie estratégias qualitativas de multifuncionalidade (VINUESA, apud PORTUGUEZ 2004, p. 39). Essa realidade sugere provocações em relação à maneira de conduzir os fluxos turísticos, o planejamento urbanístico, a proteção do patrimônio, a acessibilidade e mobilidade ao meio ambiente urbano. Tais considerações são relevantes, uma vez que a capacidade de carga desse patrimônio arquitetônico é limitada, seja pela própria condição física da edificação, em se tratando do espaço e de condições estruturais, seja por questões de conflitos entre visitantes e visitados, na medida em que o fluxo é maior que o suportável ou, até mesmo pela ênfase exacerbada sobre esse bem, no sentido de uma banalização da cultura local (OLIVEIRA, 2003). Os elementos que devem ser considerados para transformar um determinado patrimônio arquitetônico antigo em produto turístico devem ancorar-se na perspectiva de pensar os sítios históricos, de modo a perceber além das formas arquitetônicas, compreendendo o processo histórico que se fez imprimir nessas edificações (PIRES, 2002). Para autores como François, (apud BARRETTO 2000, p. 47), há críticas sobre a transformação do legado cultural em bens de consumo: O legado cultural, assim transformado em produto para o consumo, perde seu significado, deixa de ser importante para a comunidade, por sua própria história e passa a ser importante por que simplesmente torna-se mais uma fonte de renda em meio a busca pela sobrevivência. 26 Contudo, a afirmativa que o legado cultural deixa de ser importante, porque passa a ser utilizado pelo turismo, porque se torna “somente” uma possibilidade de aquisição de renda, é algo a ser discutido; a idéia de pertencimento e, por conseguinte, a perspectiva de preservação seja por meio da perpetuação de um bem por gerações em gerações, ou por meio de práticas legais (principalmente a nível internacional) é algo bastante antigo, que inclusive, antecede ao surgimento do turismo enquanto atividade organizada. Portanto, não se pretende neste capítulo julgar a eficácia dos meios de preservação de bens culturais de destinos turísticos, mas é evidente que preservar, de uma maneira ou de outra, independente dos métodos, dos porquês, é algo intrínseco ao homem, pois às vezes é feito até inconscientemente ao se guardar e cuidar de determinado bem, muitas vezes, apenas por afetividade. Nesse sentido, além de não se aconselhar uma generalização, acredita-se que a preservação, a partir de interesses turísticos, merece reflexões, afinal, o que teria sido, por exemplo, o futuro de cidades históricas como Tiradentes, Ouro Preto e Mariana? O que seria de suas edificações antigas se não tivessem sido transformadas em atrativo turístico? (PORTUGUEZ, 2004). Acredita-se que somente o apreço da comunidade em relação a esses imóveis não seria suficiente para manutenção, bem como o não uso, ou o pouco uso apenas dos prédios públicos, como é de costume, poderia caracterizar como abandono e conseqüentemente desgaste físico. Seria leviano afirmar que de alguma maneira a transformação desse patrimônio arquitetônico em atrativo turístico não traz benefícios para o mesmo no que tange a preservação. Muitas vezes, financiamentos para restauração e manutenção desses imóveis, bem como, políticas de sensibilização para proteção ocorrem justamente por conta do interesse turístico. Sempre haverá essa discussão em se tratando da finalidade da preservação, seja decorrente de interesse turístico, no patrimônio enquanto produto, ou na relação morador e sua motivação para preservar por conta da afetividade para com esses bens. Antes de questionarmos o porquê preservar, deve-se lembrar que todas as cidades apesar de serem históricas - fato é que todas as cidades são históricas, tem história - muitas vezes cuidam de seus bens independentemente de serem turísticas, até porque, necessariamente nem todas as cidades históricas, apesar de terem história, de terem recursos, são turísticas. 27 O que ocorre é que o turismo pode sim, ser uma motivação a mais para preservação, tanto pelo desejo de enaltecer esse patrimônio para o visitante como pelas facilidades financeiras que podem viabilizar a preservação. Em verdade, o ideal seria que a consciência de valorização e preservação do legado cultural viesse antes do turismo, por meio de educação patrimonial, todavia, indubitavelmente, não se pode esperar que aqui haja o mesmo cuidado com o patrimônio cultural como nos países europeus, nos quais, essa questão sempre esteve agregada, antes de tudo, ao grau de patriotismo daquele povo. Ocorre que a Europa durante todos esses séculos vem fazendo com que essa questão patrimonial seja uma de suas prioridades, principalmente por meio da educação difundida nas escolas desde os primeiros anos (LEMOS, 2004). Para que uma cidade seja transformada em destino turístico é preciso muito mais que recursos, daí acredita-se que a idéia de que a desvalorização de determinado legado cultural por parte de sua comunidade não necessariamente ocorre a partir do turismo ou por culpa da atividade turística. Como foi citado anteriormente, essa noção de pertencimento na Europa antecede ao turismo, os bens culturais que hoje são enaltecidos pelo mundo afora já eram valorizados pelos donos da casa. Ao pensar na interferência do turismo sobre bens culturais, deve-se corroborar com a idéia de que as culturas não são estáticas, e, por conta dessa mobilidade, a identidade dos povos e das pessoas se modifica ao longo do tempo. Valores são agregados, outros se perdem no esquecimento, outros deixam de fazer sentido, e assim percebe-se que nada nem ninguém permanece absolutamente idêntico a si mesmo para sempre. Por isso, acredita-se que tentar manter a identidade local, no sentido de engessá-la, é tentar impedir que a cultura flua, que aconteça de forma a permitir o envolvimento das sociedades nesse processo. Porém, é importante ressaltar que a antropologia, ao estudar as relações simbólicas que ocorrem a partir do contato entre visitante e visitadas, aponta impactos, muitas vezes negativos, oriundos dessa relação, e que podem caracterizar a atividade turística como vilã. Isso ocorre, sobretudo, em países em desenvolvimento, onde o acontecer turístico é tido como salvação econômica. Nesse sentido, as poucas medidas de planejamento empreendidas visam apenas o lucro em curto prazo, não se preocupando com os impactos negativos que podem vir a 28 comprometer definitivamente o ciclo de vida dos atrativos turísticos, e a estreitar os laços entre visitantes e visitados. Certo que, antes mesmo do turismo ser visto como o vilão que permite transformações negativas ao legado cultural de determinada comunidade, deve-se ter a compreensão de que mudanças ocorrem independentes do turismo, e, sobretudo que a atividade turística planejada permite que se mantenham vivos aspectos relevantes que deu origem a essa comunidade, contribuindo também para que ela, de alguma forma, engaje-se no processo de recuperação da memória coletiva e de reconstrução da história. Por meio do turismo, muitas vezes, muitos membros dessa comunidade adquirem, pela primeira vez, consciência do papel que sua cidade representou em determinado cenário, e em determinada época. Nesta discussão entre os benefícios e malefícios provenientes da atividade turística, Barreto e Banducci (2001) rotulam o turismo a partir de plataformas. Na primeira, nomeada como plataforma de defesa, agrupa-se o caráter positivo do empreendimento turístico: fonte de riqueza, trabalho e renda. Já a segunda, conhecida como plataforma de advertência, caracteriza-se por uma postura extremamente crítica, aponta vários problemas sociais decorrentes da atividade; prostituição, dependência econômica, desestruturação de valores e degradação de ambientes naturais. A plataforma de adaptação questiona se todo tipo de turismo tem o mesmo efeito devastador sobre as comunidades em que opera, conforme indicam os estágios do período. São apontadas formas alternativas de turismo que podem ter impacto menor que o turismo de massa. Por fim, “a plataforma de conhecimento” cujo objetivo principal é a formação de um corpo científico de conhecimento acerca do turismo, visando estudar não só os impactos ou forma, mas o turismo como todo. Ao pensar em turismo, é imprescindível entender a fundo tal atividade sob o âmbito social e, por conseguinte, cultural, bem como, a importância da identidade e da diversidade enquanto fator de motivação para visitação. Deve-se pensar no planejamento e na promoção das potencialidades para que a atividade proporcione todos os benefícios econômicos e sociais possíveis. O turismo, quando planejado, constitui numa ferramenta importante para a economia de muitas cidades históricas, contribuindo, muitas vezes, para estimular a recuperação e manutenção urbana. Por isso, há um desafio em adaptar o legado cultural de forma tal que, conservando seus valores e singularidades, a função 29 turística se integre harmoniosamente, convertendo-se em uma aliada na recuperação e no desenvolvimento urbano. 1.1 Turismo, turismo cultural e cultura O turismo vem conseguindo ao longo dos anos, ainda que de forma tímida, lograr espaço nas discussões acadêmicas onde tem passado a ser visto não somente como deslocamento e permanência de um indivíduo em um determinado lugar, sejam pelas mais variadas motivações, o que implicaria em lucratividade, mas, como uma atividade antes de tudo social, onde as mais diferentes relações se fazem presentes. Moesch (2002, p. 12) critica o tratamento teórico do turismo apenas como indústria. Sua perspectiva vai muito além de “índices estatísticos, projeções de crescimento, planos e projetos em nível macro e micro, estudos de demandas, viabilidade econômica de investimento, custo-benefício entre produção e consumo” – o que limitaria os estudos voltados para o turismo a uma “análise aparente do fenômeno”. O turismo é, antes de tudo, um fenômeno cultural que ocorre em dado contexto social. Sobre a atividade turística Andrade (2004, p. 66) acrescenta que: [...] o turismo como vetor social busca raízes na nova reconfiguração da sociedade contemporânea, onde a busca pelo prazer e de reflexões cotidianas se revelam no ato de viajar e no sentido de transcender para dar vazão aos sentimentos e ao imaginário. Além de buscar atender os apelos econômicos e meramente estruturais, o turismo também é responsável pelos anseios, expectativas e impressões onde traduz ensaios culturais no processo cambiante de construção do ser social. Todavia, é necessário que a atividade turística seja tratada como mais um modo de produção econômica, onde impactos positivos e negativos fazem parte de todo o processo, deixando de lado a visão romântica e utópica do turismo como o “salvador da pátria” ou extremista de grande vilão. Trigo (2004, p. 98) se posiciona diante a realidade da atividade turística quando diz: 30 Vários problemas precisam ser enfrentados. Um deles é acabar com o “discurso triunfalista ingênuo” que só vê qualidades no turismo e condena os críticos como se fossem “aves agourentas” e não pessoas com visão estratégica. Outro problema é a “tradição” anômala e perversa de não preparar as comunidades e diferentes setores para discutir em conjunto e se co-responsabilizar pelos projetos políticos. Confrontado a outras atividades econômicas, o turismo revela-se como uma alternativa de recuperação e valorização de áreas degradadas, já que se torna difícil o sucesso da atividade onde não há um cenário adequado. Nesse sentido, a possibilidade de conservar mais o que se consome é um dos pré-requisitos quando se pensa em atrativos e infra-estrutura turística. Yázigi (2002, p. 09) coloca que Se for verdade que o turismo pode facilmente deteriorar lugares desavisados de planejamento e força política, em momentos posteriores torna a sua recuperação uma exigência. Daí ser melhor prevenir, por meio do planejamento, do que remediar. Aliás, considerado entre outras formas de exploração econômica (mineração, indústria, etc.), o turismo, quando sabiamente conduzido é o que menos danifica a paisagem: ele tem de viver e sobreviver com níveis de excelência. Neste sentido, o turismo cultural seria a segmentação que mais “foge” a idéia errônea da atividade turística meramente lucrativa. O diferencial estaria na possibilidade de compreender a atividade como algo maior do que a dinâmica operacional que a envolve. Pensar em turismo cultural é nos atentar para o valor atribuído a uma viagem no sentido de trocas culturais, nas relações construídas entre visitante e visitado e nas experiências vivenciadas por estes. Para a Organização Mundial de Turismo (2001), o turismo cultural seria caracterizado pela procura por estudos, cultura, artes cênicas, festivais, monumentos, sítios históricos ou arqueológicos, manifestações folclóricas ou peregrinações. Na Carta de Turismo Cultural do ICOMOS (1976), o turismo cultural é definido como um fato social, humano, econômico e cultural que tem como objetivo central a ciência de monumentos, sítios históricos e artísticos ou qualquer elemento do patrimônio cultural. Ele desempenha um efeito positivo sobre estes porque contribui para a sua conservação, mas também corremos riscos de provocar efeitos 31 negativos que devem ser evitados por meio da educação e de medidas políticas concretas. E como a cultura de um determinado povo, seja imaterial ou material, apresenta-se como elemento principal dessa segmentação, faz-se necessário esclarecer questões referentes ao seu conceito. No século XVI os franceses concebiam o conceito de cultura como parâmetro de civilização, associando a idéia de refinamento e progresso material. Já no século XVIII os alemães concebiam a cultura ou Kultur como sinônimo de autenticidade, tradição e valor espiritual (SAHLINS, 1998). Nesse curso, em função da complexidade do tema, o conceito de cultura continua a sofrer modificações. Muitos antropólogos estudaram a cultura e suas implicações, a exemplo de Claude LéviStrauss, Franz Boas, Bronislaw Malinowski e Clifford Geertz. Dentre estes, acreditase que Geertz, ao criar a teoria interpretativa que considera a cultura como um “sistema simbólico”, e afirmar que “estudar a cultura é estudar um código de símbolos partilhados pelos membros dessa cultura” (LARAIA, 2005 p. 63), tenha sido o responsável por um conceito de cultura mais amplo, onde o homem por si só é o principal artefato dessa cultura. Para a antropologia moderna de Geertz (1989, p. 56), é preciso desconstruir alguns conceitos sobre cultura e apresentar novos, mesmo que seja difícil sair da condição tranqüila, do conceito confortável de cultura proveniente da visão iluminista, preso a uma natureza humana clara e simples. É melhor compreender a cultura “não como complexos de padrões concretos de comportamentos – costumes, usos, tradições, feixes de hábitos [...] mas como um conjunto de mecanismo de controle – planos, receitas, regras, instruções [...] para governar o comportamento.” Ou seja, a cultura deve ser vista como um modo de pensar para sobreviver, não um modo simplista, mas como, uma maneira de viver que dá sentido ao individual e/ao coletivo. Segundo o autor, a idéia de que o homem precisa, anseia por esse conjunto de regras, chamado mecanismo de controle para sobreviver, é outra questão que deve ser considerada, pois o ser humano é “o animal mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle, extra genéticos, fora da pele, como se fossem programas culturais, necessária para ordenar seu comportamento” (GEERTZ, 1989 p. 56-57). Na perspectiva acima, o ambiente natural do homem é a casa, a praça da cidade, o mercado, a escola, o trabalho e as relações que são construídas nestes 32 espaços, e tais mecanismos de controle seriam todas as palavras, gestos, desenhos, sons musicais ou objetos que sejam usados porque dão significado às experiências vividas por esses indivíduos. Geertz (1989, p. 61) acrescenta ainda que “somos animais incompletos e inacabados que nos completamos e acabamos através da cultura – não através da cultura geral, mas através de formas altamente particulares de cultura: dobuana, javanesa, [...], classe alta e classe baixa, acadêmica e comercial [...]”. Para o autor, o homem nasce inacabado, e sua cultura começa a ser construída a partir de experiências no meio social, tendo como princípio a família e posteriormente a escola, o trabalho, e assim todos os outros ramos da sociedade vão se encarregando de moldar o homem. Ao conceber a cultura como mecanismo de controle, entender-se-á como modo de pensar para sobreviver. Para Geertz (1989, p. 63): Nossas idéias, nossos valores, nossos atos, até mesmo nossas emoções são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos manufaturados a partir de tendências, capacidades e disposições com as quais nascemos, e não obstante, manufaturados. Chartes é feita de pedra e vidro, mas não é apenas de pedra e vidro, é uma catedral, e não somente uma catedral, mas uma catedral particular, construída num tempo particular por certos membros de uma sociedade particular. Para compreender o que isso significa, para perceber o que isso é exatamente, você precisa conhecer mais do que as propriedades genéricas da pedra e do vidro e bem mais do que é comum a todas catedrais. Você precisa compreender também – e, em minha opinião, da forma mais crítica – os conceitos específicos das relações entre Deus, homem e a arquitetura que ela incorpora, uma vez que foram eles que governaram a sua criação. Não é diferente com os homens: eles também, até o último deles, são artefatos culturais. Isso mostra que conceber a cultura como algo estático, definitivo e simplista é um grande erro. Apesar da evolução do conceito de cultura e de hoje esta já ser compreendida como toda produção humana que resulta do seu modo de viver, é preciso mais que isso, pois não há um único jeito de se viver. Para compreender a catedral de Chartes foi necessário muito mais que conhecer sua tipologia arquitetônica, ou quem a construiu, mas, como afirmou o autor, as mais variadas relações que se materializaram (e se materializam) naquela edificação. 33 Além de perceber a pluralidade que envolve o conceito de cultura, faz-se necessário parafrasear Sahlins (1998, p. 01), quando o autor difunde a idéia de que pensar que a cultura (ou culturas) irá desaparecer, seria praticar um “suicídio epistemológico”. Segundo o autor, ainda que a cultura ao longo do tempo tenha perdido aquele caráter natural “primitivo” proveniente de ideologia positivista, é notório que esta ainda é a única ferramenta capaz de tornar compreensível as experiências e as ações dos homens através dos símbolos. A cultura vem passando por processos de mudanças no sentido de que o próprio curso da história, o próprio dia-a-dia do homem, as relações pessoais, profissionais, individuais ou coletivas, sofrem modificações, o que não quer dizer que tais modificações estão dizimando com as raízes, com os hábitos, costumes, com o modo de viver de todas as comunidades de forma catastrófica, como se isso fosse gerar um processo de “aculturação”, ainda que esse termo não seja o mais adequado. Na pós-modernidade, em um primeiro momento, tem-se a sensação de que tudo se tornará igual, uma só cultura, uma só civilização. Mas, apesar da globalização permitir a idéia de homogeneidade cultural, Lévi- Strauss (apud SAHLINS, 1998 p. 11) afirma que “existem sempre tendências operando em direções contrárias – por outro lado, em direção a homogeneização e por outro, em direção as novas distinções”. Considerando a aparente homogeneidade x heterogeneidade da cultura, uma vez que ao pensar a cultura de um determinado povo, devemos lembrar que dentro dessa cultura aparentemente homogênea, há sempre particularidades – diferenças. Percebe-se que de fato essas particularidades se freqüentam, pois não há toda uma verdade absoluta. Dentro de uma dada cultura existem diferenças que apontam uma heterogeneidade dentro dessa suposta homogeneidade cultural. As tendências da arquitetura neoclássica de Mucugê, por exemplo, endossam essa afirmativa, na medida em que, nessa arquitetura, podem-se encontrar elementos advindos de outros períodos, bem como algumas edificações que receberam acréscimos a gosto de seus proprietários e de acordo com o contexto cultural da própria cidade. É então, possível que a cultura se apresente de várias formas, em vários lugares, de forma contínua, porém susceptível a modificações e a alterações num 34 processo aberto e flexível de constante alimentação, o que garante sua sobrevivência. Refletir sobre cultura material, mais especificamente as edificações de pedra e cal, pensar num casarão do século XVIII é pensar na história contida nessa edificação, seus moradores, as relações que mantinham com o lugar, com os espaços daquela casa, é pensar na representação, no significado daquela edificação de tempos tão remotos, muitas vezes em contraste com o moderno e com costumes bem diferentes do século XVIII. Ao considerar que não existe um jeito único de ser mulher, homem, criança, idoso, ou ainda um único jeito de ser brasileiro, baiano, ou mucugeense, pode-se afirmar também que não há uma única arquitetura, ainda que, num conjunto, elas sejam todas neoclássicas, ou neogóticas, num centro histórico com essas características, as casas, por mais parecidas que sejam, serão sempre diferentes, terão sempre particularidades que a fazem especiais e únicas. Todas essas considerações nos levam a tomar certo cuidado ao julgar o que venha a ser ou não cultura, a intensidade do termo, quem a possui ou não, diante de um universo pluralizado. O garimpeiro, o coronel, a casa simples de estilo colonial, o casarão com tri-beira, a cultura flui e se manifesta no cotidiano muitas vezes sem perceber seu curso. Por conta dessa indissociabilidade entre homem e cultura, acredita-se que toda atividade turística, se for considerado, o espaço, os símbolos, as particularidades do meio e as relações do homem com este, entre, neste, e ainda as relações entre os próprios homens e demais seres vivos, possui caráter cultural. Sobre relação entre homem e cultura, Barretto (2000, p. 46) afirma também que: A cultura está diretamente ligada à identidade. O homem precisa destes dois elementos para saber e afirmar quem ele é, e diante deste contexto da modernidade encontrar um caminho norteador para sua vida, baseado na sua história e nas experiências vividas para que se perpetue o legado cultural que recebeu. Manter algum tipo de identidade – étnica, local ou regional – parece ser essencial para que as pessoas se sintam seguras, unidas por laços extemporâneos a seus antepassados, a um local, a uma terra, a costumes e hábitos que lhe dão segurança, que lhes informam quem são e de onde vêm, enfim, para que não se percam no turbilhão de informações, mudanças repentinas e quantidade de estímulos que o mundo atual oferece. 35 A identidade do homem é composta por fatos históricos e experiências pessoais, mas também, e principalmente, a identidade pessoal é construída por componentes coletivos que abrangem fatos históricos, monumentos, manifestações folclóricas e costumes marcantes e peculiares. Essas expressões são criação e aceitação de um povo, a partir da sua cultura tradicional ou do recolhimento de elementos de outras culturas e são consolidadas através da aceitação coletiva. Nesse sentido, o indivíduo, por sua vez, precisa recorrer a essa memória coletiva quando quer saber de fatos que não testemunhou, mas que fazem parte de seu passado e de sua comunidade. Barretto (2000, p. 45), a respeito da “manutenção” dessa identidade, comenta: Nesta conjuntura, para manter a identidade, o homem hoje tem que lidar com questões próprias da época em que vive; a reconfiguração do mundo que está sendo chamado de pós-moderno. A dinâmica da vida pós-moderna é marcada por diferentes identidades em uma só pessoa e em função disso, a atuação do homem na sociedade é feita de forma isolada, com pequenas performances que não precisam estar interligadas, porém são muito diversificadas. Banducci e Barretto (2001, p. 19) teorizam que “no pensamento pós-moderno, a identidade é vista como algo móvel, sempre em construção, que vai sendo moldado no contato com o outro e na releitura permanente do universo circundante”. A identidade estaria num processo contínuo de lapidação, pois uma pessoa desenvolve diversos costumes e comportamentos ao longo de sua vida, que são convenientes, em muitos casos, de forma inconsciente, como resposta a um estímulo, às necessidades internas e externas. De acordo com Urry (1990), apesar de vivermos numa sociedade pósmoderna, há uma tendência de uma atração nostálgica pelo patrimônio cultural, enquanto representação simbólica da cultura, sendo esta uma das motivações mais fortes para a prática do turismo cultural. O antropólogo Delgado (2000, p. 37), afirma que: [...] El turismo cultural se ha constituido en lugar privilegiado en el que operar análisis acerca de cómo las sociedades humanas se presentan ante otras sociedades y ante si mismas [...] el turismo cultural es una industria cuya materia prima es la representación dramatizada y en extremo realista, de cualidades que se consideran de algún modo inmanentes a determinadas agrupaciones humanas de base territorial – ciudades, regiones, países-, reificación radical de lo que de permanente y substantivo pueda presumir una entidad colectiva cualquiera. 36 Além disso, outro antropólogo, Clifford (1999, p. 88-98), fala do turismo cultural, não sob a perspectiva dos produtores e dos produtos, mas do ponto de vista dos consumidores e do consumo. Clifford entende este como uma forma específica de viajar: El viaje abarca una variedad de prácticas más o menos voluntaristas de abandonar `el hogar´ para ir a `otro lugar´. El desplazamiento ocurre con un propósito de ganancia: material, espiritual, científica. Entraña obtener conocimiento y/o tener una “experiencia” excitante, edificante, placentera, de extrañamiento y de ampliación de conocimientos... El viaje denota prácticas más o menos voluntarias de abandono del terreno familiar, en busca de la diferencia, la sabiduría, el poder, la aventura o una perspectiva modificada. Entende-se também o turismo cultural como uma visita fugidia à alteridade, uma fuga às rotinas onde se busca experiência decorrente do contato com produções culturais; artes visuais, artes manuais, festivais, festividades, e com patrimônio cultural; sítios históricos, paisagens, arquiteturas (BONIFACE, 1995). De modo geral, pode-se dizer que o perfil do visitante, que procura por turismo cultural, esta relacionada à busca por uma relação mais aprofundada com o patrimônio cultural. Geralmente, costumam antes mesmo de viajar ter o hábito de procurar conhecer o próprio território que habitam. São pessoas com ganhos acima da média, pessoas que gastam mais, é mais provável que se alojem em hotéis, é e mais presumível que sejam mulheres jovens que procuram experiências culturais intensas e pouco estereotipadas (PÉREZ, s/d). À medida que essas particularidades são consideradas, o que resumidamente perpassa o viés do planejamento, alguns autores como Barretto (2000), afirmam que a atividade turística que tem como principal atrativo o legado cultural, vem contribuindo para manter vivos prédios, bairros e até cidades. Se planejado, o turismo cultural gera sensibilização no que se refere à preservação, pois esse tipo de turismo pode possibilitar o engajamento dos moradores em um processo de salvaguarda da memória coletiva, adquirindo, muitas vezes pela primeira vez, consciência do papel que sua cidade representou em determinada época. Além disso, no que se refere aos impactos econômicos, a segmentação é uma ferramenta importante para que se torne financeiramente viável qualquer medida de preservação. 37 Tendo em vista que o turismo cultural tem como principal produto a cultura de determinada comunidade, e essa cultura compreende um universo tanto intangível quanto tangível, coletivo quanto individual. De acordo com o artigo 216 da Carta Magna (BRASIL, 2008) pode ser considerado patrimônio cultural brasileiro e possivelmente recurso turístico: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. O turista cultural é movido pelo desejo de conhecer particularidades de determinados grupos sociais, principalmente aquelas manifestações, aqueles objetos, edificações, pertences distintos dos seus e pouco comuns em seu cotidiano. Dessa forma, percebe-se que esses grandes números de recursos culturais são a principal motivação da viagem. Às vezes, os visitantes se aproximam desses recursos de forma aleatória, por meio do simples contato com os moradores do destino turístico e com os próprios atrativos, ou através da visita aos museus, ao patrimônio arquitetônico do lugar, da participação em festas populares, do acesso à gastronomia do local, dos inúmeros tipos de eventos e de tantas outras maneiras que a cultura se manifesta, sem necessariamente, estar acompanhado de um guia, ou em meio a uma excursão organizada. 1.2 A arquitetura das cidades enquanto patrimônio cultural Acredita-se que há um consenso quando se pensa em arquitetura: está sempre ligada à construção. Porém, nem todos entendem como se entrelaçam os significados que envolvem uma determinada construção. A falta de percepção sobre o que pode estar entre as pilhas de concreto de uma edificação ocorre inicialmente porque as pessoas às vezes buscam na arquitetura apenas o belo, a aparência. Certo que é difícil imaginar construções levantadas, sem que tenha havido um 38 mínimo de desejo primário em se fazer algo bonito, dentro de uma estética, rudimentar que seja. Por isso, é preciso perceber mais que os valores estéticos e as formas técnicas, “[...] a arquitetura é assim, inseparável da formação da civilização e é um fato permanente, universal e necessário [...]” (ROSSI, 1995 p. 01). Ou seja, é algo que vai muito além do visual, é necessário e inseparável das civilizações. Sendo assim, é notório o valor dos bens imóveis enquanto patrimônio cultural. A arquitetura da cidade diz muito a respeito da população que ali reside, “denuncia” todo o seu processo de crescimento urbano, as atividades econômicas que o moveu, as influências culturais que sofreu decorrentes muitas vezes de fluxos migratórios. Reafirma o poder de classes sociais, demonstra a miséria de outras comunidades, encanta pela suntuosidade, choca pela simplicidade. No Brasil em particular é possível perceber o quanto a arquitetura é representativa, os ciclos econômicos no início da colonização brasileira demonstram os mais variados estilos decorrentes de influências portuguesas, africanas, e já no século XIX principalmente no sul do país as edificações trazem quando não a cerne da cultura alemã, holandesa e polonesa, elementos característicos dessas regiões. Uma mistura de tipos, elementos, estilos arquitetônicos estão espalhados pelo país. Essa miscelânea nos leva a perceber que a arquitetura por si só equivale à cultura, e se assim pode ser definida, compreende também em patrimônio. Uma construção não se resume apenas a camadas de cimento e adornos de decoração. A arquitetura apresenta uma função social a partir do momento em que sua intervenção no meio ambiente objetiva criar novos espaços para atender as necessidades imediatas ou as expectativas programadas, de acordo com um dado contexto que a impulsiona (ZEVI, 1996). As igrejas barrocas quando envolvidas por adornos, tinham o objetivo do dualismo em função de uma necessidade católica de reafirmar poder e “aproximar” o indivíduo de Deus, portanto, da própria igreja. Possuem portas longas também propositalmente. Havia sim necessidade de mostrar ao homem sua inferioridade diante do celestial. No auge do café em São Paulo, bem como do cacau na Bahia, as dependências de empregadas eram fora das casas, em áreas isoladas das sedes das fazendas. Essa atitude demonstrava uma clara divisão econômica e social. Baseado então nas diferenças culturais que moldam a arquitetura compreende-se que “não há possibilidade de repetições ou de identidades 39 absolutas. Queira-se ou não, cada povo, em cada região, terá a sua própria arquitetura (LEMOS, 2004 p. 40)”. Cada edifício caracteriza-se por um pluralismo de valores: econômicos, sociais, técnicos, funcionais, artísticos, espaciais e decorativos, e cada um têm a liberdade de escrever histórias econômicas da arquitetura, histórias sociais, técnicas, volumétricas. Cada um destes contextos tem a capacidade de possibilitar que a realidade de cada edifício seja única. Viollet-le-duc (apud ROSSI, 1995 p. 138), concebe a arte da arquitetura como uma criação humana. O arquiteto francês adiciona que “essa criação humana, não é, pois, na verdade, nada mais que uma aplicação de princípios que nasceram fora de nós e de que nos apropriamos por observação”. Tais princípios encontram-se representados nas cidades que, por sua vez, possuem nas casas a representação do que melhor caracteriza os costumes, os gostos e os usos de um povo. Ao se atentar para a condição da arquitetura enquanto fazer humano, enquanto artefato cultural compreende-se que edificações não são apenas lugares de condição humana, mas, uma parte desta que se representa na cidade, em seus monumentos, nos bairros, nas residências, em todos os acontecimentos urbanos que surgem do espaço vivido. Neste sentido, Rolnik (1995, p. 18) compreende que a arquitetura da cidade é [...] ao mesmo tempo continente e registro da vida social e é essa dimensão que permite que o próprio espaço da cidade se encarregue de contar sua historia. A consciência desta dimensão na arquitetura levou a que hoje se fale muito em preservação da memória coletiva, através da conservação de bens arquitetônicos, isto é, da não demolição de construções antigas. Tratase de impedir muitas vezes, que acabem por servir apenas à contemplação, morrendo assim para a cidade que pulsa viva, ao redor. Sendo a própria cidade a memória coletiva dos povos e estando essa memória ligada a fatos e a lugares, Barretto (2000, p. 47) acrescenta que “a recuperação da memória leva ao conhecimento do patrimônio e este, à sua valorização por parte dos próprios habitantes do local”. Uma edificação dificilmente será alvo de depredação, por exemplo, por parte de alguém que sabe seu significado, que reconhece o que ele representa para sua própria história enquanto cidadão, simplesmente porque se identificará com aquele prédio. Assim entendida, a memória torna-se o fio condutor de toda a complexa estrutura; nisso a arquitetura dos fatos urbanos se destaca da arte enquanto elemento que existe por si mesmo; até os maiores monumentos da arquitetura estão 40 intimamente ligados à cidade. De tal modo, a união entre o passado e o futuro está na própria idéia de cidade, que a percorre tal como a memória percorre a vida de uma pessoa para concretizar-se nela. Ao pensar em patrimônio deve-se lembrar que esta palavra é utilizada corriqueiramente, empregada em seus mais variados sentidos, atrelada seja a finanças, considerando o contexto material, seja ao simbólico, seja do individual ao coletivo. Ultimamente há um consentimento de que a noção de patrimônio cultural é muito mais ampla, que inclui não apenas os bens tangíveis como também intangíveis, não só as manifestações artísticas, mas também o que concebe a cultura dos menos favorecidos. Dentre os vários significados da palavra patrimônio, Barretto (2000, p. 09), justifica que: O mais comum é conjunto de bens que uma pessoa ou uma entidade possuem. Transportado a um determinado território, o patrimônio passa a ser o conjunto de bens que estão dentro de seus limites de competência administrativa. Assim, patrimônio nacional, por exemplo, é o conjunto de bens que pertencem a determinado país. Independentemente do corte territorial, que implica a delimitação do patrimônio dentro de fronteiras geopolíticas, há outros cortes pelos quais o patrimônio pode ser analisado. Alfonso (2003, p. 100) acrescenta: Patrimônio é aquilo que identifica os grupos humanos, aquilo pelo qual se diferenciam etnias distintas, e inclui aspectos tão diferentes como arquitetura, lendas, técnicas de trabalho, textos históricos ou que nos falam da tecnologia atual; também a música, a poesia ou o vestido, assim como os conhecimentos que se tem sobre as formas de produzir. Sobre essa idéia de patrimônio enquanto conjunto de bens legados pela coletividade sabe-se que, até a primeira metade do século XVIII, o conceito de patrimônio cultural era sempre associado a obras monumentais, luxuosas, consagradas como arte elitizada e associada às classes dominantes, seja da sociedade política ou civil. Os imóveis avaliados como dignos de cuidados especiais e exposição eram os antigos palácios, as residências de nobres, os locais onde aconteceram fatos relevantes para a história política de determinado local, além da arquitetura religiosa. Por volta de 1980, no Brasil a concepção de patrimônio estava associada a lugar de memória social. Esta visão mais ampla propiciou a inclusão de bens 41 materiais, não tão abastados quanto os casarões e as igrejas barrocas, mas tão imensamente importantes em se tratando do fazer humano. Desse modo, fábricas e residências operárias, imóveis rurais, por exemplo, passaram a fazer parte do rol de patrimônio nacional pela suas histórias e particularidades. Nessa perspectiva, ao considerar a arquitetura como patrimônio, passa-se a compreender edificação como muito mais que um amontoado de concreto. Contudo, é necessário que quem a veja considere a junção da fachada com o seu espaço interior, tanto no sentido físico quanto simbólico. Pensar arquitetonicamente é compreender a edificação como um todo e identificar os elementos que tornam cada construção única. Todavia, enfatiza-se que o reconhecimento da arquitetura enquanto patrimônio cultural ultrapassa essas considerações. É preciso que a edificação contenha valores históricos, sociais e culturais, o que não é difícil, pois o homem é, sem dúvida, o principal “elemento” da arquitetura, e o principal agente da história. Ele começa a construir as primeiras histórias no momento em que pensa a construção, seja ele homem-arquiteto, homem mestre-de-obras, ou homemhabitante, os homens se encarregam de cultivar história nesses lugares. 1.3 Patrimônio cultural: a necessidade de preservação Segundo Santos (1996), o Serviço do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (SPHAN), hoje Iphan, foi criado na década de 1930 por intelectuais, com o objetivo de salvaguardar os bens imóveis do país, a partir de categorias de patrimônio. Podese perceber que, desde o início de sua fundação, a instituição foi responsável por um conjunto de representações, a fim de atingir certa universalidade no que viria, então, a ser tido como patrimônio a partir do instituto do tombamento. Esta universalidade visava estabelecer um conceito de identidade nacional para o Brasil baseado no conceito de nação. Por hora foi um passo importante, o poder público se atentou para o patrimônio cultural do país, todavia, Santos (1996, p. 78) chama a atenção para o fato de a instituição ter nascido ancorada numa idéia que objetivava dar uma “cara ao Brasil”, uma “cara universal”, uma identidade brasileira. Houve muitas críticas e questionamentos, já que a idéia de “unificar” a cultura brasileira acabaria por perder 42 ou desconsiderar a imensidão, e, portanto, as particularidades do que viria a ser o Brasil, em se tratando de culturas. Constitucionalmente, no Brasil, a promulgação do Decreto – Lei nº 25, de 30 de Novembro de 1937 organizou o patrimônio histórico e artístico e instituiu o instrumento do tombamento por meio dos livros do tombo: belas artes, histórico, paisagístico e arqueológico. Nesse sentido, a concepção de patrimônio histórico e artístico nacional passava a ser delineada a partir de categorias: passado, cultura, civilização, estética. Gonçalves (apud ABREU, 2003) afirma que essa categoria de patrimônio provém do século XVIII, junto com a formação dos Estados Nacionais, todavia, ressalta seu caráter milenar desde o período clássico e, porque não dizer, das sociedades tribais. Subtende-se, então, que a categoria de patrimônio existe a partir do momento em que consideramos o homem e sua existência. Ainda que não tenha sido com essa nomenclatura e que não seja, como na modernidade com tantas faces, a idéia de patrimônio está diretamente associada a algo pertencente ao ser humano. Hoje é possível perceber que a idéia de dar uma “cara” ao Brasil estava ancorada por ideais políticos e pelo discurso de nação que surgiu na década de 1920, cujo objetivo era criar uma identidade nacional, principalmente por conta da grande extensão territorial do país. Em meio a todas as questões levantadas pelo então Sphan, no sentido do que viria ou não a ser patrimônio e conseqüentemente, o que deveria ou não ser digno de tombamento, surgem discussões ainda maiores sobre como tais bens deveriam ser preservados. Além disso, questionava-se como a restauração, uma das técnicas preservacionistas, deveria ser empreendida, e a partir de que valores essas intervenções aconteceriam, como por exemplo, valor artístico, de uso, de artes, de antiguidade, dentre outros. Santos (1996) comenta também que a latente valorização dos bens imóveis na década de 1930 é explicada pelo grande número de arquitetos de linhagem modernista presentes no corpo da instituição, e a estes atribui uma das mais importantes estratégias utilizadas com o objetivo de salvaguarda: o Conselho Consultivo (1937). A este órgão coube o ato do tombamento, respectivas inscrições dos bens nos livros dos tombos e, conseqüentemente, a nomeação oficial como monumento. Contudo, a autora questiona o caráter técnico do órgão e a própria 43 erudição humanista universalista, proveniente do corpo que, na ocasião, compunha o conselho. Verdade é que a concepção limitada do que viria ou não a ser patrimônio, permitiu que, por muito tempo, a imagem de bens culturais estivesse presa ao material, mais precisamente aos bens imóveis. A compreensão de que bens imateriais, como exemplo, as formas de fazer e saber, deveriam ser valorizados e preservados, bem como ações com esse propósito, surgiu apenas a partir de 1998. A própria inclusão dos bens imateriais no livro do tombo, assim como demais políticas por parte do Iphan, são bem recentes. Funari e Pinsky (2003) informam que essa perspectiva de preservação por meio do poder público a bens protegidos por lei começou na França, através da ação de órgãos de proteção ainda no século XVIII. Simão (2001, p. 15) elucida que: O cuidado sobre bens culturais caracteriza-se, crescentemente, como uma tendência da contemporaneidade. A valorização das coisas locais, em contraposição à globalização, reveste de importância a manutenção de identidades específicas que garantam às pessoas as referências do seu lugar. O passado e suas referências assinalados no território, as manifestações culturais habituais, as formas de fazer, objetos, alimentos, festas, voltam na virada do milênio, a ser valorizados. Começa-se a sentir, novamente, necessidade de entender o passado como um referencial para a construção do futuro. Deve-se, então, de qualquer maneira, garantir a compreensão de nossa memória social preservando o que for significativo dentro do nosso vasto repertório de elementos componentes de patrimônio cultural. E, para que se possam compreender as memórias coletivas são necessário artefatos materiais e imateriais, que remetam ao passado por meio de sua simbologia, que faça presentificados momentos que marcaram a história de uma comunidade, de uma cidade, de um estado, de um país; momentos que se tornaram relevantes, não só pela probabilidade de se conhecer e compreender o presente, mas também, pela perspectiva de se pensar no futuro das próximas gerações. Nesse sentido e por isso, essa é a principal justificativa do por que preservar. Quando se pensa em preservação em nível nacional, deve-se ressaltar, antes de qualquer coisa, que, no Brasil, diferentemente dos países europeus, a preocupação preservadora por parte do governo é relativamente nova. Certo que casos isolados, espontaneamente e sem uma política de preservação específica, aconteceram no curso da história do país, como é o caso do pioneirismo do Conde 44 de Galveias, em meados do século XVII. “Em 5 de Abril de 1742, escreveu uma carta lamentando o projeto que transformou o palácio das Duas torres, construído pelo Conde de Nassau, em quartel de tropas locais” (LEMOS, 2004 p. 34). Essa correspondência seria destinada ao então governador de Pernambuco, Luis Ferreira Pereira de Andrade. Hoje, por conta dessa nova compreensão do que venha a ser patrimônio, a idéia do que preservar não está limitada aos bens imóveis, ainda que estes sejam os mais beneficiados em se tratando de recursos do Estado para tais medidas preservacionistas. Fato é que, se comparamos o patrimônio material tangível com o intangível, mesmo que muitas edificações estejam em estado de calamidade, compreende-se que preservar a arquitetura de um lugar, muitas vezes é mais “fácil” do que preservar o intangível. O material, o palpável, por meio de intervenções, a princípio, parece mais simples de se resguardar, enquanto que os bens intangíveis perpassam por questões que vão desde o seu acesso, à maneira menos evasiva de guardá-los, em se tratando de fatores antropológicos. Em suma, atualmente já existe a concepção de que se deve preservar tudo que for representativo para uma determinada comunidade, independente de questões elitistas, da estética, ou do seu valor por ser material ou imaterial. Tem-se a perspectiva de que é necessário preservar todos os bens coletivos e individuais, que estão relacionados a uma história, a partir, não só da sua história oficial, mas da relação desses bens com seus proprietários. Dentre as mais variadas maneiras de preservar, Lemos (2004, p. 29) acrescenta que: Preservar não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha. Preservar também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivos, mesmo que alterados, usos e costumes populares. É fazer, também, levantamentos, levantamentos de qualquer natureza, de sítios variados, de cidades, de bairros, de quarteirões significativos dentro do contexto urbano. É fazer levantamento de construções, especialmente aquelas sabidamente condenadas ao desaparecimento decorrente da especulação imobiliária. Adverso à idéia de congelar um imóvel para que este seja herdado em “perfeito” estado por futuras gerações, quando se pensa em bens arquitetônicos o primeiro preceito de procedimento associado ao “como preservar” é manter o bem cultural, especialmente o edifício, em uso constante e, sempre que possível, 45 satisfazendo a programas originais. Mas isso não é fácil, principalmente porque os movimentos preservacionistas já encontram as construções de interesse arruinadas, mutiladas, descaracterizadas e muitas vezes irrecuperáveis, até porque, além das questões relacionadas ao custo para manter um imóvel em condições de uso, há outros problemas, como os conflitos entre o proprietário do imóvel e dos órgãos competentes, o próprio desinteresse por parte do proprietário em manter o imóvel, ou a falta de recurso para tal, além da especulação imobiliária. Quando se pensa em preservação, Pires (2002, p. 56) afirma que é uma intervenção legal no bem histórico. “Aquilo que, em princípio foi julgado importante a ponto de justificar sua permanência à posteridade recebe, [...], proteção, integrando o inventário dos bens que, [...] consista no livro do tombo”. Neste sentido, pode ser considerada sinônimo de tombamento. Dentre as medidas preservacionistas, a conservação e restauração, segundo os artigos 6º e 9º da Carta de Veneza (1964), são essencialmente, atividades interdisciplinares que recorrem “para todas as ciências e todas as técnicas capazes de contribuir para o estudo e salvaguarda do patrimônio nacional [...]”. O auxílio de técnicos vai desde a participação de historiadores, artistas plásticos e arqueólogos, na identificação correta do bem cultural, até, por exemplo, peritos em mecânica dos solos. Por meio do quadro (01) abaixo, pretende-se mostrar os conceitos de algumas medidas preservacionistas de acordo com Pires (2002): Conservação Deslocamento Replica Reconstrução Reutilização É uma intervenção mais leve, realizada em geral diuturnamente com o propósito de afastar do bem tudo que possa de alguma maneira, prejudicá-lo. É a remoção de bens históricos do local em que originalmente foram construídos ou gerados. É a reprodução de um original no qual se respalda. * Ainda que o original venha a se perder, a cópia, ou cópias, mesmo assumindo “o lugar” do original, permanecerá com o nome de réplica. É a recriação de um bem histórico já desaparecido no local onde se encontrava o original. *Isso se justifica no caso de fatos importantes para uma localidade ou nação terem ocorrido nesse bem histórico. Reaproveitamento de edificações e artefatos para usos diversos daqueles para os quais foram originalmente concebidos. Quadro 1 - Descrição de alguns tipos de medidas preservacionistas. Fonte: adaptado de Pires (2002). 46 A conservação de bens culturais estará sempre condicionada aos processos de revitalização de monumentos e à adequação do uso do espaço disponível. “Vemos, portanto, que não é fácil a previsão de um programa que venha a ser útil a sociedade para um edifício antigo e disponível depois de ter sido declarado monumento” (LEMOS, 2004 p. 51-53). Percebe-se que a medida preservacionista empreendida vai variar de acordo a função atribuída ao imóvel após as ações, ao seu valor de uso. É possível estabelecer um padrão para preservação e adotá-lo em todos os casos. Cada necessidade de uso requererá um procedimento específico. Contudo, mesmo empreendendo medidas específicas, é impossível um completo retorno às condições iniciais do edifício restaurado. Além disso, por mais que se consiga aproximar a edificação de seu original, o tempo permite que outros valores sejam acrescentados nessa edificação, um prédio do século XVII, em pleno século XXI, subtende um novo contexto. Trata-se então de uma edificação com feição antiga, envolta num processo recorrente, tal como é a história do homem e, por conseguinte, da cultura. É de extremo interesse o texto da Carta de Veneza, sendo importante aqui ressaltar suas determinações. Em resumo, ela expõe e sugere no seu artigo 7º que “o monumento é inseparável do meio onde de encontra situado, bem assim, da história da qual é testemunho” (IPHAN, 2008 p. 02-03). Procura-se, então, relacionar o bem cultural (o monumento que, inclusive, pode ser uma obra modesta) com o seu meio ambiente, com sua área envoltória, com o seu contexto sócio econômico, recusando-se a encará-lo como trabalho isolado no espaço. Para Simão (2001, p. 17) a preservação do patrimônio cultural nacional, Extrapola, hoje, os limites da história e da memória, uma vez que começa a cumprir um papel econômico e social. Assim, pesquisar sobre preservação cultural e compreendê-la implica em desvendar não somente as características culturais, mas, sobretudo, em avaliar possibilidades de ampliar o leque de atividade econômicas dos núcleos urbanos possuidores de acervo cultural. No que se refere à aproximação entre a atividade turística e o patrimônio cultural. Sabe-se que tal fato se deu a partir de 1964, quando o departamento de assuntos culturais da Organização dos Estados Americanos (OEA) promoveu um encontro no Equador, do qual resultou num documento, assinado pelos países participantes, inclusive o Brasil: a carta de Quito. 47 Nela se recomendava que os projetos de valorização do patrimônio fizessem parte dos planos de desenvolvimento nacional e fossem valorizados simultaneamente com o equipamento turístico das regiões envolvidas. A valorização turística do patrimônio já era eficaz em outros países, possibilitando também a manipulação de um universo simbólico de considerável importância para o reforço do civismo. No Brasil, segundo Funari e Pinsky (2003) o turismo, porém, não contaria nos anos de 1960, com plenas condições de aproveitamento do patrimônio, cujo estado de conservação, em geral, deixava a desejar. Além disso, alguns elementos fundamentais na composição da estrutura turística, como pessoal especializado, apenas começavam a ser formados. O patrimônio alimenta o turismo e, nesse sentido, não há outra alternativa senão, a preservação. Sem dúvida, a base correta do “como preservar” está na elucidação popular, na educação sistemática, que difunda entre toda a população, a começar pelas crianças ainda em processo de aprendizagem nas escolas, aos adultos, bem como, aos dirigentes federais, estaduais e municipais, o interesse maior que há na salvaguarda de bens culturais. 1.4 A importância do planejamento sustentável “Planejar” é um verbo que faz parte do cotidiano do homem, seja de forma empírica ou cientificista, afinal, todo indivíduo, de uma maneira ou de outra, sempre é induzido a direcionar e organizar seus interesses. Todavia, planejar, definitivamente, não é algo simples. Segundo Chiavenato (2000, p. 16) o planejamento está relacionado ao ato de administrar: “é o ponto de ligação entre a situação atual e situação desejada”. É necessário também compreender que as intervenções feitas no presente devem ser constantemente reavaliadas, de modo a corrigir possíveis desvios de objetivos, alcançando, assim, êxito. Dias (2005) relata que apesar do planejamento, ter a flexibilidade de ser definido de várias maneiras, todas estas remetem à organização do futuro. De acordo com a Organização Mundial de Turismo (OMT, 2001), o crescimento da busca por planejamento está diretamente relacionado à necessidade 48 de se criar produtos competitivos em detrimento de produtos medíocres, e ao conceito de qualidade total tão difundido pela Europa. Por isso, a melhoria dos serviços turísticos vem sendo cada vez mais desejada por empresários e por governantes. Neste sentido, o planejamento é apresentado como o caminho mais seguro para conquistar um lugar garantido no mercado. Ruschmann e Widmer (2001, p. 67) afirmam que: O planejamento é fundamental e indispensável para o desenvolvimento de um turismo equilibrado, também chamado de turismo sustentável, ou seja, aquele que ocorre em harmonia com os recursos naturais, culturais e sociais das regiões turísticas receptoras, preservando-os para as gerações futuras. Para Barretto (2000), quando se trabalha com conceitos referentes às leis sociais, tem-se várias definições de planejamento. Sendo assim, percebe-se que os estudos realizados acerca do planejamento remetem aos mais variados enfoques, a muitos conceitos. Holanda (1985, p. 36) nos apresenta um dos conceitos mais utilizados proveniente da teoria geral da administração: Planejamento é a formulação sistemática de um conjunto de decisões, devidamente integrado, que expressa os propósitos de uma empresa e condiciona os meios de alcançá-los. Um planejamento consiste na definição dos objetivos, na ordenação dos recursos materiais e humanos, na determinação dos métodos e formas de organização, no estabelecimento das medidas de tempo, quantidade, de qualidade, na localização espacial das atividades e outras especificações necessárias para canalizar racionalmente a conduta de uma pessoa ou grupo. Devido à amplitude desse universo, poder-se-ia dizer que outros conceitos equivalentes se complementam. Molina acrescenta que o planejamento voltado para a atividade turística contém valores ainda mais específicos: O planejamento do turismo é um processo racional cujo objetivo maior consiste em assegurar o crescimento e desenvolvimento turístico. Este processo implica vincular os aspectos relacionados com a oferta, a demanda e, em suma, todos os subsistemas turísticos, em concordância com as orientações dos demais setores de um país (MOLINA, 2005 p. 46). Segundo a OMT (2001) pensar em planejamento como forma de gestão é reconhecer a necessidade de efetuá-lo de forma adequada, caso se deseje que um determinado espaço, município ou região possa chegar a um valor importante como 49 produto turístico e, por conseguinte, possa ser relevante para economia local. Dessa maneira, a melhor adequação dos recursos disponíveis no território em questão, a definição de um plano de trabalho que saiba unir e coordenar as diferentes variáveis, que intervêm no desenvolvimento turístico e, sobretudo o planejamento adequado das estratégias do produto e comercialização do mesmo, podem obter a diferença entre um produto competitivo e um medíocre que tende a desaparecer com o tempo (NERES; PEREIRA, 2008). Ruschmann (1997, p. 162) acrescenta: [...] um planejamento adequado determinará medidas que conduzirão a qualidade ideal do produto turístico, que interessa tanto a população residente quanto como aos turistas. Um crescimento desordenado agride e descaracteriza o meio natural e urbano, fazendo com que os turistas busquem outras localidades, nas quais a originalidade das paisagens e a autenticidade das tradições ainda não foram afetadas pela sua adequação aos interesses comerciais da atividade e do traçado urbano. Segundo Molina (2005), o planejamento do turismo na América latina, infelizmente, ainda tem sido setorial, ou seja, a atividade tem sido organizada e conduzida de maneira independente dos demais setores da sociedade. Até o presente momento não se impulsionou nem se desenvolveu um processo de planejamento integral do turismo que considere as variáveis ideológicas, políticas, econômicas, sociais, psicológicas, antropológicas e físico-ambientais. Além disso, por muito tempo o planejamento do turismo teve um enfoque apenas econômico, dirigido especialmente para regularizar os investimentos. Esta visão restrita desembocou em urbanizações de uso turístico, em vez de verdadeiros pólos turísticos, longe, portanto, de gerar o efeito multiplicador tão citado pela literatura. Sobre essa questão, Ávila (2009, p.11) afirma: O planejamento turístico, balizado apenas por teorias econômicoadministrativas, principalmente em países subdesenvolvidos, não tem dado conta do desenvolvimento adequado da atividade e os resultados são preocupantes. Esse panorama errôneo do turismo como instrumento de poder, capaz de salvar a economia de cidades e até mesmo de países, vem se desmoronando à medida que assumimos a falta de um planejamento multidisplicinar e que tenha seu enfoque em todos os atores envolvidos, fugindo do caráter reducionista do planejamento tradicional. 50 Ainda para Ruschmann (1997), outra questão relevante perpassa pela necessidade de interação entre o planejador e a realidade planejada. Não basta ser um estudioso do assunto, é necessário estar inserido na realidade planejada, fazendo parte do processo, e isso é o que podemos chamar de planejamento integral. Como todo procedimento que necessita do uso de múltiplos enfoques, o ato de planejar enfrenta problemas de várias naturezas para sua implantação. Dentro da atividade turística, algumas experiências nacionais e internacionais mostram que os mecanismos de planejamento não funcionam por si mesmos, exigem uma vontade política que os põe em andamento, apoiado de ações paralelas por meio de reformas administrativas. Como resposta às barreiras impostas pelo planejamento, Dias (2005, p. 36), enfatiza que: Não há planejamento perfeito; ao contrário, todo planejamento deve ser revisto periodicamente, pois a realidade está mudando permanentemente, e devem ser consideradas novas variáveis, novas situações, novos arranjos, e assim por diante. Os problemas identificados na aplicabilidade de políticas de planejamento ocorrem especialmente, por conta da descontinuidade nas políticas de crescimento, que são bastante freqüentes, principalmente na iniciativa pública. Neste contexto, as políticas públicas podem ficar fragilizadas, por exemplo, caso as mudanças de governo impliquem alta rotação de profissionais encarregados de conduzir o processo do planejamento. Tais profissionais não podem ser facilmente substituídos, a partir do ponto de vista técnico, pois já estão imbuídos no projeto que está sendo buscado, além de terem conseguido maturidade e experiência. Mudanças como estas geralmente variam as diretrizes que orientam o crescimento, modificando, portanto o conteúdo dos planos e programas (MOLINA, 2005). Outro fator que acaba por prejudicar o planejamento é a escassez de informação estatística ou a presença de informações deficientes, além de falhas no setor público e baixo índice de profissionais capacitados para geri-lo. Esses problemas impedem que os resultados do planejamento se concretizem e se 51 consolidem, pois são necessários prazos, que geralmente vão além do que o disponível pelo grupo político que está no poder. Acredita-se numa tendência onde as políticas de planejamento buscarão um enfoque de planificação turística variado, que considere as necessidades das empresas, moradores e visitantes. Não se pensa mais o turismo a partir de interesses unicamente públicos, pois as políticas de planejamento vêm tentando trabalhar em parcerias, o que corresponde a criar estratégias que beneficie a iniciativa privada, por exemplo, através da isenção de impostos, os moradores por meio da criação de empregos e do envolvimento no planejamento do turismo e os visitantes na viabilização de produtos diversificados de qualidade e preço mais acessíveis. É importante enfatizar que o papel do Estado não enfraqueceu, e não há previsão de que isso ocorra, ainda que haja uma tendência de participação mais efetiva das empresas e dos municípios (MOLINA, 2005). Outra visão equivocada é que o planejamento setorial tenda a perder forças, pois a atividade turística, cada vez mais, apresenta a necessidade de ser organizada e conduzida de maneira conjunta aos demais setores da sociedade. Também há perspectiva de que a busca contínua pela participação de especialistas formados em diversas áreas, considerando a multidisciplinaridade do turismo, cresça. Assim, pode-se considerar como uma das novas tendências o planejamento participativo, caracterizado pela relação entre vários grupos de indivíduos, quais sejam: empregados, clientes, fornecedores, governantes e membros da comunidade, num esforço para envolver a todos no processo de tomada de decisão. Acredita-se que a necessidade de ampliar o âmbito do planejamento do turismo, transcenda a busca meramente econômica, pois, cada vez mais, necessidades de um compromisso mais sério com os aspectos ambientais e socioculturais vêm sendo sinalizadas. 52 2.CAPÍTULO II: De Vila Isabel do Paraguaçu a Mucugê: a história como atrativo turístico A Chapada Diamantina é um lugar onde a própria paisagem se encarrega de narrar sua história. As pedras que calçaram e até hoje cobrem as ruas das principais cidades do ciclo diamantífero da Bahia são alicerces dos tempos áureos por onde passaram homens poderosos sobre o lombo de animais, bem como escravos, e famílias de outros estados e até países. O processo de ocupação socioeconômica da Chapada Diamantina data do início do século XVIII. A princípio foi motivado pela busca do ouro para outras partes do interior do país, depois pela atividade pecuária praticada ao longo do Rio São Francisco e, mais tarde, pela exploração diamantífera (BRITO, 2005). Mucugê é a cidade mais antiga das lavras diamantinas. Inicialmente, de acordo com a Lei provincial 271, de 17 de maio de 1847, surgia como a Vila Santa Isabel do Paraguassu1, depois São João do Paraguassu. Recebeu o nome de Mucugê, mais tarde, pela Lei estadual nº 1.556, de 23 de agosto de 1917 (IBGE, 2008). Sobre o povoamento de Mucugê Medrado (2000, p. 27) relata: Sabe-se que seu núcleo original foi à fazenda de criação de gado Riachão do Mucugê, de propriedade de Reginaldo Landulfo da Rocha Medrado. Justamente nesse local, nas proximidades do rio Mucugê foram encontradas as primeiras pedras preciosas transformando-se em um centro urbano de quase 3.000 habitantes. Primeiro era conhecida como povoado de Mucugê da Chapada Diamantina, mais tarde Vila de Santa Isabel do Paraguassu em homenagem a Santa Isabel padroeira da cidade e ao rio Paraguassu e só em 1917 com a emancipação do município voltara a ser chamada de Mucugê em homenagem dessa vez ao riacho Mucugê e a uma fruta típica da região. Autores como Sales (1994); Brito (2005), afirmam que o primeiro diamante da Chapada Diamantina não só teria sido encontrado em Mucugê, como também o fato teria acontecido ainda em 1844, antes mesmo do surgimento da Vila de Santa Isabel do Paraguaçu. Sobre o achado oficial do então garimpeiro Cazuza do Prado, os versos do poema “Descobrimento”, assim registram o fato: 1 Acredita-se que Paraguassu com dois SS, como foi encontrado em alguns textos, faz referência à maneira antiga de escrita. Enquanto que Paraguaçu, com Ç, refere-se ao Rio Paraguaçu, maior rio genuinamente baiano que percorre toda região de Mucugê. 53 Cazuzinha do Prado mergulhou a mão em concha nas águas tranqüilas do córrego e viu no fundo, onde o céu se refletia claramente, estrelas brilhando, cintilantes... - Ué! Estrelas de dia? Não. Eram diamantes... (Roteiro Sentimental das Lavras Diamantinas apud SALES, 1994 p. 31) Moraes (1991, p. 33) ainda acrescenta que As descobertas dos garimpos do rio Mucugê em 1844 cuja concentração de diamantes superava em muito os garimpos existentes nas vizinhanças, deixaram em secundários os serviços de mineração de pedras preciosas do Gentio do Ouro, da Chapada Grande, da Chapada Velha e adjacências. Ainda sobre a descoberta de diamantes, há relatos de que, antes mesmo do achado da primeira pedra bruta, dois pesquisadores naturalistas alemães de nomes Spix e Martius em 1818 reconheceram, pela formação geológica dos terrenos e pela natureza das chapadas, a existência do carbonato, um tipo de pedra que viria a ser um indicador da existência de diamantes e revelaram o fato ao sargento-mor Francisco José da Rocha Medrado, proprietário de vastos terrenos nestes lugares (BRITO, 2005). Na medida em que sucediam outros achados, um número cada vez maior de pessoas ia se deslocando da capital do Estado da Bahia, de Minas Gerais, e da redondeza em direção à Chapada Diamantina, ocasionando, assim, a expansão da área de diamantes, aumentando o número de garimpos, contribuindo para retirar da estagnação vilas como Rio de Contas e Barra da Estiva, e proporcionar a criação de diversos povoados que, não só constituíram os municípios de Mucugê, Andaraí (1884), Lençóis (1856) e Palmeiras (1890), como também estabeleceriam os limites da região que passou a ser caracterizada como Chapada Diamantina. Sobre a origem desses imigrantes, Moraes (1991, p. 35) esclarece que: [...] provinham, sobretudo do Tejuco (atual Diamantina) e Grão Mogol, em Minas Gerais, do Recôncavo e de outras áreas do estado da Bahia. Eram formados por pessoas que vieram em busca de uma melhor condição de vida, passando por aventureiros, desejosos de enriquecimento rápido, todo o tipo de malfeitores, até homens de qualidade abastados e de condição econômica e social elevada que se deslocavam para Lençóis com seus haveres, com todos os seus bichos, com todos os seus escravos [...] que constituíram, incontestavelmente, a aristocracia lavrista. Sendo assim, Mucugê foi tomada por um grande contingente de pessoas e entre essa população flutuante estavam homens abastados, conhecidos por 54 coronéis que, ao chegar, apossavam-se das terras, mandavam demarcá-las, providenciavam o registro e colocavam fim na livre garimpagem (ROSA, 1973). Junto com essa população flutuante “também vieram para a Chapada Diamantina vários estrangeiros, a exemplo dos árabes, judeus, franceses, ingleses e (raros) africanos chegados na condição de escravos, livres ou libertos” (SENNA, 2002, p. 229). Nesse período a população do município chegou a 12.000 pessoas, número que se justapõe hoje à população atual, o que assegura a importância das lavras diamantinas em determinado período da história econômica do município. O trabalho acumulado pelo garimpo do século XIX até meados do século XX resultou em um direcionamento econômico, em uma organização espacial com novas exigências de mercado que passaram a reestruturar esse espaço. Percebe-se então que a organização sócio-espacial que passou a existir nas cidades da Chapada Diamantina é resultado do processo de garimpagem, que constituiu numa exploração individual e nômade, fazendo passar a existir as lavras diamantinas. 2.1“Ué! Estrelas de dia? Não! Eram Diamantes...” exploração, exportação e decadência do diamante Seduzidos pela perspectiva de uma vida melhor acondicionada à extração de diamantes, no final do século XIX, mineradores provenientes de outras regiões brasileiras onde a extração e o comércio de pedras preciosas já não prometiam grandes lucros, desbravaram o sertão semi-árido da Bahia e, ao ficarem nessas terras férteis fizeram de Mucugê, Andaraí, Palmeiras e Lençóis os principais cenários de extração e comércio diamantífero do estado. “A sociedade lavrista se plasmou, caldeada, toda ela, pela febre da aventura e da ambição desmedida de fortuna fácil” (MORAES, 1991 p. 31). No romance Maria Dusá, Rocha (1980, p. 44), comenta as riquezas provenientes do garimpo: Eis por que em todas as minas de diamantes, por grandes que sejam suas riquezas, gira com rapidez maior que em qualquer outra indústria, a roda da fortuna e ninguém sabe ao justo, quando se abatem os muros e levam-se os monturos, acontecendo ainda que aquele que se abate hoje, levanta-se amanhã, e assim sucessivamente. 55 Ainda sobre a estrutura social das cidades que compunham o ciclo diamantífero, Brito (2005) afirma que a classe dominante era composta por aqueles cujo poder sucedia da propriedade das terras mais férteis e dos garimpos mais produtivos e pelos grandes comerciantes de diamantes, ou “pedristas”. Este grupo representava a chamada nobreza lavrista (o coronel), e era possuidor tanto do poder econômico como do poder político local. Abaixo, dependentes desses chefes de poder, e acalentando sonhos de uma mobilidade social cada vez mais improvável, observa-se a presença de campangueiros (termo da região que designava comerciantes de diamantes) e funcionários municipais cujo azar ou sorte estava no grau de lealdade devotado aos coronéis. Na base da pirâmide encontra-se o garimpeiro. “Sempre o velho garimpeiro, o incorrigível sonhador das bandeiras e entradas de aventureiros, vivendo romanticamente, nutrido moralmente por um ideal de riquezas inexauríveis” (ROCHA, 1980 p. 44), obrigado a se sujeitar a toda sorte de exploração dos donos dos garimpos, motivado pela esperança de encontrar a pedra da abastança que viesse a lhe proporcionar dias melhores, mesmo certo de que, por mais valiosa que fosse a pedra, a esse garimpeiro jamais seria possibilitado o alcance àqueles que já detinham, legal e/ ou ilegalmente, uma grande quantidade de terras, de garimpos, de pedras acumuladas. Após o achado da primeira pedra “a garimpagem se tornou intensa e o povoamento se fez com rapidez” (SALES, 1994 p. 34). Porém, este crescimento desordenado causou diversos problemas e dificuldades sociais e, na tentativa de controlar o caos da concentração urbana, os “detentores do poder” da região reuniam-se para discutir regras de crescimento e convívio social. Em nome do enriquecimento valia a lei das armas e do dinheiro; jagunços matavam a mando de seus senhores, sempre em busca de mais terra, escravos e, conseqüentemente, diamantes. Por conta do comércio intenso, muitos coronéis viajavam para o exterior a fim de tratar diretamente sobre a venda das pedras. A respeito desse comércio para o exterior, Pereira (1907), comenta que de 1851 a 1864, os principais receptores em nível de exportação foram os países da Europa: Inglaterra, França, Alemanha e Portugal. 56 Contudo, após um período de quase um quarto de século, o que parece pouco tempo, mas que foi suficiente para propiciar uma nova organização espacial na Chapada Diamantina, a exploração do diamante inicia o seu declínio em 1871. As causas dizem respeito à utilização de métodos extrativos arcaicos impeditivos à exploração e à perda de competitividade para as jazidas da África do Sul. A crise que iniciara em 1871 veio para detectar a queda da economia mineral nas lavras diamantinas. Porém, a súbita valorização do carbonato proporcionou uma sobrevida à derrocada final do diamante. Esta pedra que até então era jogada fora por se desconhecer seu valor comercial (MORAES, 1991), passa a ser utilizada, de maneira crescente, na fabricação de brocas de perfuratrizes de rochas, muito requisitadas pelos trabalhos do Canal do Panamá, em 1880, nas obras como o metrô de Londres e para a Petrobrás, quando a empresa começou a abrir postos de petróleo. O carbonato contribuiu, dessa maneira, para o processo de revolução tecnológica industrial em nível mundial. Com o fim do garimpo, a Chapada Diamantina, que experimentava um período de prosperidade, passa a enfrentar sucessivas crises econômicas, às quais vieram se juntar a crise política, decorrente das lutas travadas pelos coronéis e da redução deste poder político oligárquico, ocorrida a partir da revolução de 1930. Fato é que o fim da mineração e também do comércio de carbonato levou Mucugê a grande êxodo a partir de 1930, o que reduziu a população a pouco mais de 300 pessoas. A solução imediata foi o comércio da Sempre Viva, a Syngonanthus Mucugensis Giulietti, planta endêmica do município de Mucugê que chegou a ser exportada em grandes quantidades para Europa, Japão e Estada Unidos e principalmente para dois estados brasileiros; Santa Catarina e Minas Gerais. A mesma era utilizada em decoração por conta da sua durabilidade (SEMPRE VIVA, 2008). Para a população, a atividade consistia na colheita e comercialização da flor, para fins de exportação. Em torno desse objetivo, toda uma infra-estrutura interna permitiu a emissão de grandes quantidades da flor altamente valorizada, devido à sua beleza e durabilidade, para a Europa, para os Estados Unidos A ilustração abaixo se refere a um buquê de Sempre Viva. 57 Figura 2 – Buquê de Sempre Viva Fonte: Disponível em: http://downloads.caixa.gov.br/_arquivos/melhorespraticas/praticas_premiadas_2005_2006/Sempre_vi va.pdf. Acesso: 10/JAN/2010. Maria Fernanda Vomero, numa publicação à revista Superinteressante (2000, p.18), narra a importância da Sempre-Viva para Mucugê: Houve um tempo em que Mucugê, na Bahia, ficou conhecida como a cidade da sempre-viva, uma florzinha pequena, de uso ornamental que pode durar décadas depois de seca. Na região do município da Chapada Diamantina, os platôs eram repletos de tufas de flores. Nos meses de maio a julho, época em que a sempre viva atinge o ápice da florescência, havia uma febre na cidade. Muita gente montava acampamentos na serra para coletar quilos e quilos da flor. A venda de sempre viva completava a renda da população, ou sofria com a decadência do garimpo. Não necessariamente acredita-se numa relação de causa e efeito: fim do garimpo e o comércio da sempre-viva. Porém, fato é que o declínio das larvas permitiu que a população se atentasse para o valor econômico da planta. Para sustentar o novo comércio que começava a se estabelecer, a infraestrutura citada anteriormente, envolvia quatro tipos de trabalhadores: os coletadores, a camada mais numerosa, composta por ex-garimpeiros que, assim como nas lavras, chegavam cedo aos campos e até dormiam por lá; os subcompradores, aqueles que possuíam “vendinhas” (estabelecimentos) e também colhiam, com o papel de comprar as flores dos coletadores e repassá-las aos compradores oficiais, sendo estes homens de certa estabilidade econômica, 58 possuidores de casas comerciais e responsáveis pelas extrações; e os prestadores de serviço, que auxiliavam nas demais necessidades decorrentes do comércio. Mas, como acontece nas culturas exploratórias em que o homem não se preocupa em repor o que extrai da natureza, o que era abundante ficou raro. Com a ameaça de extinção da planta, a proibição da colheita e, conseqüentemente, o fim do comércio em 1980, tornou-se fato. As crises econômicas que começaram em 1930 com o fim do diamante, somadas às crises decorrentes do fim do comércio da Sempre Viva culminaram novamente em êxodo urbano. A população começou a buscar meios de sobrevivência na capital, no norte de Minas Gerais e em São Paulo. As edificações em ruínas denunciam o aspecto de abandono, como é possível perceber nas imagens abaixo. Figura 3 - Atual biblioteca Municipal Figura 4 - Atual sobrado Sr. Carlos Machado Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) É importante esclarecer que paralelo ao fim do comércio da planta em 1980 teve início o tombamento por parte do Iphan. A cidade começou a perder o aspecto de abandono e a esperança por novas possibilidades de recomeço foram surgindo para os moradores a partir do renascimento urbanístico propiciado pelo órgão. Essa medida poder ser considerada como primeiro passo para viabilizar o surgimento do turismo no município. Ressaltar que a edificação da figura 3, o casarão do antigo Snoocker bar, pertenceu a família Medrado e atualmente, além de ser um dos pontos turísticos 59 mais visitados da cidade, é bastante frequentado pela comunidade local pela sua função enquanto Secretaria de Educação e biblioteca no primeiro andar, arquivo público e museu na lateral da parte térrea. Já o sobrado ilustrado na figura 4, de propriedade particular, vem sendo reformado pelos próprios proprietários. Não há aqui política de restauro, as ações empreendidas limitam-se sim, à reforma. Faz-se importante visualizar o mau estado em que se encontrava, desde as janelas com vidros quebrados à quantidade e grandes rachaduras internas. Figura 5 - Atual casa de D. Laçimi Figura 6 - Atual casa do Sr. Fugêncio Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Já as ilustrações 5 e 6, referem-se a residências particulares. A primeira encontra-se fechada, os atuais proprietários não residem na cidade. Já a segunda, encontra-se a venda e o atual proprietário alega que um dos motivos em comercializar o imóvel é a necessidade de restauro que não é apoiada pelo orgão competente responsável. 60 Figura 7 - Atual pousada J. da Estalagem Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Figura 8 - Igreja de Santa Izabel Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) A figura 7, além de residência do Sr. Aloísio Paraguaçu, é também meio de hospedagem. Funciona como pousada de custo acessível. Geralmente a demanda por esse meio de hospedagem parte de visitantes conhecidos como “mochileiros”, pessoas que tentam viajar a baixo custo. Figura 9 - Atual pousada Mucugê Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves(1980) Figura 10 - Atual sobrado da Profª Elice Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves(1980) Nas ilustrações acima, respectivamente, a pousada Mucugê é um dos meios de hospedagem mais procurados pelos visitantes, possuindo também número 61 siginificativo de leitos e uma das melhores infra-estrutura da cidade. No que se refere ao sobrado da profª Elice, está em reforma pelo Banco Espírito Santo. Figura 11 - Atual fundo da prefeitura Figura 12 - Cemitério Bizantino Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Fonte: Arquivo particular Oremildes Alves (1980) Nas imagens acima, é notório a problemática do uso de cal como revestimento em edificações. No Cemitério Bizantino, percebe-se a total inexistência de tinta no topo dos mausoléus. Tal situação é ainda mais agravada pelo acúmulo de mofo e lodo. Passado o período de declínio do diamante e com o fim do comércio da Sempre Viva, o turismo, passou a ser visto pela gestão pública como mais uma alternativa para alavancar a economia local. Contudo, mesmo tendo o turismo como uma nova possibilidade de incremento na economia do município, o renascimento econômico do local só foi marcado na década de 1980 pelo Instituto Brasileiro do Café (IBC), quando, de fato, o município parecia dar os primeiros passos rumo à recuperação. Todavia, é importante frisar que essa nova perspectiva econômica a princípio foi vista com restrição por alguns moradores. Sobre as críticas a essa nova atividade econômica, Brito (2005, p. 94) ressalta: [...] os técnicos do Instituto Brasileiro do Café – IBC cientes do potencial dos solos e das condições climáticas propícias decidiram fomentar o cultivo do café nestes e nos outros municípios da região. Os técnicos que viam a implantação da cultura do café como uma alternativa econômica e de melhoria das condições de vida, através da geração de emprego e renda, ficaram surpresos quando foram a Mucugê e fizeram a proposta para os proprietários de terras, herdeiros dos falecidos coronéis. 62 Isso porque houve oposição por parte dos herdeiros de coronéis em investir na agricultura. Era uma mentalidade de apego ao passado que impossibilitava a esses homens enxergar novos caminhos. Para esses herdeiros, o passado era reverenciado constantemente, o presente surgia como lamentação pelo fim das minas e o futuro era algo longo, obscuro, e inexistente enquanto projeto (SENNA, 2002). Entretanto, Brito (2005, p. 94) conta que: Após a resistência inicial, os descendentes dos coronéis Douca Medrado e Horácio de Matos que se alternavam no poder, modernizaram-se e passaram a assumir, sobretudo, a partir da segunda metade dos anos 80, o papel de mudança local aproveitando todas as iniciativas de diversificação econômica apresentadas ao município, dedicando-se em suas fazendas ao plantio do café, à horticultura irrigada e à bovinocultura em confinamento. Inseriram-se também na atividade turística, tornando-se proprietário de pousadas e um de seus membros viria a tornar-se o presidente do Conselho (Turístico) Circuito do Diamante – CONCID. As saídas para as tocas e locas que serviam de refúgio durante o garimpo, os dias e noites entre os leitos dos rios e entre as rochas foi substituído pelo caminhar em direção a zona rural, rumo às fazendas para o plantio e cultivo do café. Os instrumentos, como a bateia, foram substituídos, ainda que com resistência, pela enxada, por ferramentas e pela tecnologia que auxilia o trabalho agrícola. O espaço, que primeiramente era cenário de extração de diamantes, passou pelo comércio da floricultura e, a partir da década de 1990, depois de uma agricultura consolidada, passa a ter no turismo, atividade baseada nos serviços de bens de consumo, uma nova reconfiguração espacial constituindo uma nova apropriação do espaço, em que o patrimônio natural, que por muito tempo enriqueceu os coronéis ávidos por diamantes, continuava fazendo parte do sistema mercadológico através da comercialização de bens materiais e imateriais, do uso do patrimônio do município pela atividade turística. 2.2 Entre as Serras, o poder do coronelismo Configurou-se no Brasil, no período de 1889 a 1930, uma clara distinção social onde os representantes da classe dominante eram identificados pela patente 63 de militar, enquanto que os dominados pelo coronel recebiam identificação genérica de “gente” ou “cria” (CHAGAS, 1996). O coronelismo teve seu auge de influência contundente do período que se estende desde a Presidência de Campo Salles às vésperas, e por que não dizer, mesmo após a “revolução” de 1930 (DANTAS, 2006). Segundo a concepção de Leal (1993, p. 20), “o ‘coronelismo’ é, sobretudo, um compromisso, uma troca de proveitos entre o poder público [...], e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras”. Todavia, por mais restritos que fossem os poderes dessas figuras, ainda assim, “a cobrança de impostos, a conquista de novos territórios, a exploração de riquezas, o assegurar de uma boa votação, sedimentava essa simbiose entre chefes soberanos e chefes menores” (DANTAS, 2006 p. 15). Esses, por sua vez, passavam a ser vistos em seus clãs como lideranças inquestionáveis e únicas, capazes de decidir sobre os destinos do povo. Ao pensar em uma tipologia social do coronel, Teixeira, citado por Dantas, (2006, p.16), ressalta que, na Bahia, o coronel da Chapada Diamantina apresentava algumas particularidades: “O coronel da Chapada queria distância e paralelismo de poder com o Estado”. Segundo o autor, o comportamento do Coronel Horácio de Matos, de Lençóis, por exemplo, não é de antagonismo ou de aproximação com o Estado, como ocorre com os coronéis do nordeste. É um comportamento de chefe de Estado; ele tratava o governador de igual para igual. Tratava as demais autoridades da República como se fosse (e foi de fato) o chefe de um Estado encravado dentro do próprio Estado. Sabe-se também que o coronelismo nunca foi um sistema pacífico. A própria natureza do tipo de denominação que ele exercitava implicava adoção de métodos coercitivos, ameaçadores, quando não criminosos. O cenário era marcado por contundentes diferenças sociais e pela concentração de renda. A Chapada Diamantina afigurou-se da segunda metade do século XIX até 1930, como fronte de batalhas pelo poder de mando disputado pelos homens-coronéis (DANTAS, 2006). Chagas (1996) conta que, no início do garimpo, as serras eram devolutas, o que significava liberdade para os garimpeiros trabalharem onde bem quisessem, sem qualquer interferência. A cobrança de impostos só passou a ocorrer quando vieram as medições dos terrenos diamantíferos, assim, os proprietários desses lotes (coronéis) passaram a cobrar o “quinto”, o que significava (20%) da produção. Nesse sentido, percebendo que o garimpo poderia ser um bom negócio não somente para 64 quem achasse pedras, os proprietários de açudes e de regos que banhavam os garimpos, passaram a cobrar também o “quinto” pelo fornecimento de água para lavagem do cascalho. A respeito da rotina dos garimpeiros nas lavras e a cobrança de impostos, o autor comenta: Os garimpeiros moram em ranchos de palha ou se abrigavam em tocas e lapas nas serras e comiam às vezes em conjunto nos calumbés, ou até mesmo sobre os lajedos que lhes serviram de prato e de mesa. Muitos deles eram assalariados pelos donos de garimpos ricos e outros trabalham de sociedade com os patrões que custeavam a despesa das catas; mas havia ainda um grande número que não tinha padrões e andava pedindo grande auxílio nos dias de feira para fazerem o saco, prometendo ao fornecedor a meia (50%) ou um quarto (25%) do que pegassem no garimpo (CHAGAS, 1996 p. 18). Diante de tantas cobranças sob a produção e a fim de não pagarem mais os tributos, “o comércio de pedras preciosas, que antes era feito à luz do dia, beneficiando a todos, tornou-se depois meio secreto” (CHAGAS, 1996 p. 20). Os garimpeiros começaram a fazer buscas às escondidas, o que propiciou o surgimento de um comércio clandestino, gerando fortuna rápida para muitos compradores improvisados. E para voltar ao que era, seria necessário a força de um dispositivo legal que viesse reduzir a tributação ou tornar novamente as serras devolutas. O poder e a influência dos coronéis sobre a população era tão forte que os homens influentes da cidade encontravam-se para tratar do bem público e para discutir sobre as melhorias para a mesma. Dentre esses assuntos, um dos muito comentados foi a possibilidade de transferência da capital de Salvador, para Mucugê por conta da importância econômica angariada pelo ciclo diamantífero e do poder dos coronéis. O coronelismo em Mucugê, sem dúvida, teve em seu cenário uma família imponente e que até hoje se encontra no poder político; os Medrado. Segundo Medrado (2000), em meados do século XVIII, já se tinha notícia de membros da família Medrado, donos e senhores de muitas terras em minas do Rio de Contas. 65 Figura 13 - Família do Cel. Reginaldo Landulpho da Rocha Medrado. O patriarca no lado esquerdo da figura, com duas das suas filhas ao lado. Fonte: http://www.cidadeshistoricas.art.br/mucuge/muc_his_p.php. Acesso: 13/FEV/2010 Pereira (1907, p. 64) fala um pouco mais sobre o patriarca da família Medrado: A política ali era chefiada ora pelo coronel Reginaldo Landulfo Medrado, ora pelo coronel Francisco José da Rocha Medrado. Como “irmãos viviam bem e revezavam no poder sem grandes abalos, e muito bem se entendiam quanto à política”. Só se separando quando a proclamação da república. O comendador Francisco José era educado e digno de respeito. Esse eu conheci muito bem. Enérgico e de ação, e sobretudo amigo opinioso e altivo de bom coração. Era leal e amigo de toda família. Criou-se para o governo em Mucugê, novas obrigações sobre o poder patriarcal do Cel. Reginaldo Landulfo (SALES, 2004). Nesse período de grande riqueza, também para os Medrado “não havia nenhuma preocupação com o futuro, pois o presente era sempre muito bem resolvido” (MEDRADO, 2000 p. 25). Os coronéis preocupavam-se apenas em sugar as minas, e usufruir dos bens que os diamantes poderiam oferecer, dentre eles; roupas que seguiam a moda francesa, porcelanas chinesas, conforto, tudo que o diamante pudesse comprar. Na sucessão do coronel Reginaldo passou a governar seu filho, Antônio Landulfo da Rocha Medrado, vulgo Douca Medrado, homem que estabeleceu ali uma dinastia política. “[...] Mucugê foi governada por um chefe, um coronel, que tinha nas mãos inúmeros poderes. Douca Medrado tornou-se o mais conhecido pelo longo tempo em que esteve com o poder em mão”. (SALES, 2004 p. 197). Nasceu 66 numa das fazendas da família em 1857. Homem de muitos filhos abandonou o curso de medicina para assumir os negócios depois da morte do pai e casar-se com a prima Gertrudes Maria Landulfo Pina. Fato relevante que ocorreu durante o coronelismo e que é narrado com orgulho pelos moradores de Mucugê foi a passagem da Coluna Prestes pelo município. Em 26 de fevereiro de 1926, a Coluna Prestes penetrava na Bahia com aproximadamente 1200 homens e alguns animais de carga, iniciando a travessia de uma região deserta, de vegetação raquítica, emaranhada e eriçada de espinhos. Várias cidades, distritos e vilas foram saqueados, mesmo com a tentativa de boicote pelas diversas forças representadas pelos coronéis que ali existiam. Chagas (1996, p. 198) lembra que: A velocidade da Coluna Prestes revolucionou tudo o que se conhecia em matéria de guerrilhas, pondo por terra a antiga tática de Horácio de Matos: a guerra de cerco. Antes de chegar a notícia da passagem dos revoltosos por algum lugar, já apareciam eles de surpresa em toda parte, numa extensão de muitas léguas, arrebanhando animais e correndo as casas, em busca de armas, dinheiro e roupas, sem dar tempo aos habitantes de organizar ou planejar qualquer defesa. No dia 26 de abril de 1926 seguiram os revoltosos rumo a Serra do Sincorá, chegando a Barra da Estiva, cidade vizinha a Mucugê, no dia seguinte. Foi nas imediações da Fazenda Sumidouro, uma das propriedades do Cel. Douca Medrado, então governador de Mucugê, que seu filho, Anatalino Medrado, foi aprisionado pelos revoltosos. Ao ter notícias do ocorrido, de que um dos seus filhos estava aprisionado pelos revoltosos, o Cel. recolheu-se nesta mesma propriedade, que fica a 6 km de Mucugê e recomendou ao povo da cidade que não resistisse (CHAGAS, 1996). “Anatalino faz um bilhete para o pai contando que estava com a Coluna e que ele, o pai, deveria receber os revoltosos amistosamente, com comida e acomodações” (MEDRADO, 2000 p. 87)2. No dia 07 de Maio, a maior parte da Coluna seguiu para Guiné de Cima, distrito de Mucugê, ficando um revoltoso de nome Djalma Dutra, com mais 250 homens, encarregado de passar por Mucugê, com o então refém Anatalino para facilitar a entrada na cidade. “À frente vinha, na manhã daquele dia, a vanguarda de 2 A ausência de outras referências sobre a família Medrado nos limitou a utilizar apenas o autor da própria família. 67 50 homens [...], margeando pela esquerda do Paraguaçu e depois de atravessar o rio, penetrou no boqueirão em direção a Mucugê” (CHAGAS, 1996 p. 206). Ainda comenta Chagas (1996, p. 207) que: Quando a “coluna da morte” se aproximou das primeiras casas, alguns indivíduos, desobedecendo às ordens do chefe, fizeram fogo, acorrendo logo muita gente armada em defesa da cidade e generalizou-se o tiroteio que durou o dia todo, da manhã à noite. Fator que contribuiu para sorte desses indivíduos foi o mau tempo. Durante o tiroteio, a metralhadora que os revoltosos assentaram não surtiu o efeito desejado, pois a cidade estava quase toda encoberta por serração, atingindo somente a parte desabitada conhecida na época como boqueirão, onde fica o Cemitério Bizantino. Como não estavam bem municiados, mandaram os principais organizadores da resistência, entre eles um representante da família Medrado. Auto Medrado pediu ajuda ao coronel de Andaraí, Aurélio Gondim, este enviou 300 homens que subiram a Serra de Mucugê, tendo o primeiro grupo alcançado ainda os rebeldes em retirada, na batalha do boqueirão (CHAGAS, 2006). Ao cair da noite retrocederam os revoltosos, com várias baixas, para Guiné de Cima, onde se juntaram ao grosso das tropas. Nunca se soube ao certo o número de baixas que tiveram os revoltosos na batalha de Mucugê, pois eles levaram consigo todos os mortos e feridos. Para Chagas (1996, p. 208) “Anatalino Medrado, que não contava com a resistência de Mucugê, teve a sorte de ter caído no gosto do Estado-Maior e seguiu com a coluna Prestes até Monte Alegre, onde foi posto em liberdade”. O filho do coronel ficou em permanência da Coluna Prestes de 26 de Junho a 18 de julho de 1926. Há dúvidas sobre a condição de Anatalino perante os revoltosos. Tanto a história oficial quanto a história contada de geração em geração é contraditória. Há afirmativas de que ele fora seqüestrado e estava junto aos revoltosos por pressão, e há também relatos de que o caçula de Douca Medrado havia tomado gosto pelos ideais dos revoltos e seguiu com eles por opção. Medrado afirma que no diário do secretário da Coluna Prestes, Moreira Lima, sua narrativa não deixa dúvidas: “[...] encontramos o rapaz nos Gerais”. E no dia 18 de julho de 1926 Moreira Lima volta a 68 dizer; “hoje libertamos Anatalino Medrado” (MEDRADO, 2000 p. 84). Ou seja, para a autora, o descendente dos Medrado teria realmente sido levado à força. O resquício do coronelismo em Mucugê, a passagem na Coluna Prestes em 1926, tais fatos estão vivos na memória da comunidade e por meio do seu patrimônio material, seja através dos casarões destes coronéis, dos monumentos em homenagem aos mesmos ou na literatura do lugar. A importância que tal fenômeno teve e a repercussão disso até os dias atuais é evidente. Vestígios de coronelismo são encontrados em todas as partes, não que ainda haja um sistema político baseado na força, mas sim, pela materialização em pertences do acervo permanente do museu, nos mausoléus dessas famílias no Cemitério Bizantino, nos nomes das ruas e praças como, por exemplo, a Praça Cel. Douca Medrado, na narrativa dos moradores do município e nas construções. 2.3 Escravidão na Vila de Santa Isabel do Paraguaçu A decisão por trazer nesse capítulo considerações acerca da escravidão em Mucugê, se dá pela importância dos escravos no garimpo de toda região. Sendo este um acontecimento que marcou a história do lugar, subtende a importância desse contexto para a atividade turística. É comum encontrar menção em documentos como, por exemplo, os inventários dos grandes coronéis onde há registro de posse e comércio de escravos. A comunidade narra também à presença dos escravos na construção das principais edificações da cidade como a Igreja de Santa Isabel e a Prefeitura Municipal, demonstrando assim a importância da mãode-obra escrava. Sobre a sociedade escravista, Machado (1987, p.17) a considera como “produtora de uma rede de controle social, capaz de combinar o argumento da força com outros mecanismos de dominação”. Juízes, padres, feitores, camaradas, agregados e outros se tornaram atores importantes nesse cenário, pois, ao manipular diferentes mecanismos de dominação, tornaram o sistema funcional e legítimo aos olhos dos contemporâneos. De modo geral, quando se fala em escravidão na Chapada Diamantina, sabese que antes mesmo dos diamantes, a Chapada já abrigava escravos. “Sua força 69 de trabalho era empreendida então na pecuária e na lavoura. Outros vieram acompanhando comerciantes, garimpeiros, e até mesmo, em alguns casos, libertos proprietários de escravos” (PINA, 2000 p. 182). Com relação ao fluxo de migrantes, em direção ao interior baiano, destaca-se que “muitos libertos que vegetavam a margem do sistema em Salvador, no Recôncavo ou mesmo no alto do sertão, viram a riqueza do diamante como uma possibilidade de integração e também de ascensão social” (SILVA, 1997 p. 32). Nesse sentido, registrou-se na Vila Isabel do Paraguaçu, atual Mucugê, um fluxo significativo de escravos. Pina (2000, p. 180) enfatiza: O escravo se fez presente no cotidiano da vila construindo moradia, relações de trabalho, família, burlando o controle policial, diversificando suas funções, buscando alforria, construindo assim, um sentido próprio agregando especificidade a escravidão. Todavia, segundo Neves (1998), era na pecuária que o trabalho cativo predominava. Todavia, a autora acrescenta que o número de escravos por proprietário era pequeno. E em contradição a essa afirmativa, os viajantes Spix e Martius relatavam em seus diários que uma fazenda na região da Chapada Diamantina chegou a ter 160 cativos, o que para Neves (1998) não passava de uma exceção, pois afirma que ainda que um proprietário tivesse esse número significativo de cativos, estes seriam distribuídos por várias fazendas. O autor enfatiza também que havia uma relação de proximidade entre o senhor e escravo. Essa relação era tida como freqüente, por conta da carência de feitores e do número pequeno de animais para se cuidar nas fazendas, o que facilitava o controle do escravo e também a negociação entre as partes. Para Pina (2000, p. 190) a confiança entre estes era fundamental: A atividade mineradora necessitava, para sua reprodução de uma relação de confiança, por mínima que fosse entre escravo e senhor. O escravo tinha que procurar o diamante, lavrar o cascalho e, só depois, entregar a pedra. Nem sempre o dono do garimpo estava por perto e, para evitar o roubo, outras estratégias de controle eram necessárias. Numa vila pequena como Santa Isabel era muito difícil para um escravo passar adiante diamantes roubados. Para isso, dependeria necessariamente da ajuda de pessoas livres, pois, do contrário, não teria como vender ou usufruir desse dinheiro sem ser notado. 70 Pina (2000), a partir de levantamento em inventários do século XIX (1844 – 1885), na Vila de Santa Isabel, percebeu que, no que se refere à mão-de-obra escrava, não só havia um número significativo de escravos nessas companhias de mineração como também foram encontradas as escrituras de compra de escravos por essas companhias. Esses inventários ainda demonstravam que a maioria das companhias de mineração apresentava, no geral, de dois a três escravos. Muitas vezes, havia proprietários de escravos que não possuía nenhum bem além destes escravos. Em relação ás funções exercidas pelos escravos nas lavras diamantinas, sabe-se que, apesar de esses inventários nem sempre apresentarem declarações de ocupação quando elas aparecem, fica evidente a diversidade de atividades devolvidas. “Encontramos escravos vaqueiros, armeiros, garimpeiros (ou do serviço de mineração), pedreiros, do serviço doméstico, de lavoura, ferreiros, com uma predominância de ocupação ligada na agricultura e na pecuária” (PINA, 2000, p. 183). Nesse sentido, a autora enfatiza o valor mercadológico do escravo enquanto produto, e um produto caro. Tão caro que havia proprietários de escravos sem qualquer outro tipo de posse. Essa situação demonstra a sua serventia e as várias funções que estes exerciam. Pina (2000), a partir da análise do Livro de Posturas, da seção do Legislativo da Vila Isabel do Paraguaçu, de 1856, esclarece que havia grande preocupação quanto à circulação das pessoas pela cidade. Isso porque “ao circularem na cidade, envolvidos em suas tarefas diárias, os negros estreitavam seu relacionamento com os mais diversos indivíduos, forros, brancos e escravos como eles” (ALGRANTI, 1988, p. 97). E, para manter a disciplina, o autor sugere um cuidado especial para com a circulação de escravos e libertos. Algumas ações eram proibidas sob pena de multa: dar tiros, perturbar o sossego público, palavras ofensivas à moral pública, danças lascivas e jogos nas tabernas. Quanto à perspectiva de liberdade desses escravos, Pina (2000) acrescenta que nos testamentos de Vila Isabel, a intenção de libertar um escravo ou, até mesmo, a declaração de sua liberdade. Mas, geralmente, tais declarações eram acompanhadas de condições, como por exemplo, a subserviência que o escravo deveria destinar ao declarante até a sua morte. Há também casos de relatos acerca da significativa quantidade de compra de alforria por parte dos próprios escravos, 71 um indício de que eles obtinham dinheiro, por certo, não apenas por meio dos garimpos, mas também de outros serviços oferecidos pelo ambiente urbano. A alforria – ou apenas a expectativa em obtê-la – pode ter fornecido uma das motivações para que o escravo se mantivesse na escravidão, evitando a alternativa de fuga. É possível que uma das estratégias utilizadas pelos escravos numa região de mineração como Santa Isabel tenha sido a aposta no diamante, isto é, na esperança em encontrar uma pedra e com ela sua alforria. Assim, podemos pensar que o próprio diamante portava em si, um elemento decisivo para manutenção do escravo no interior do território da escravidão (PINA, 2000 p.195). Outra referência sobre a alforria em Vila de Santa Isabel diz respeito à Lei dos Sexagenários. Em 16 de fevereiro de 1888, o juiz de órfãos de Santa Isabel do Paraguaçu enviou ao presidente da província, um mapa contendo o número de libertos em função da idade no ano anterior. A escravidão se fez presente em Mucugê e foi responsável por movimentar a economia local, e estabelecer as mais variadas redes sociais. Como foi explicitado acima, o escravo não tinha sua mão de obra limitada ao trabalho nas minas de diamante, mas, certamente, este o atraiu como probabilidade de busca pela alforria. O processo de escravidão em Mucugê pode ser contado através de grande número de documentos disponíveis no arquivo público da cidade, aberto a visitação, bem como, por meio de fotografias no Museu do Centro de Cultura e pela história associada, por exemplo, ao casarão onde hoje funciona a prefeitura, que no século XIX era uma casa de câmara e cadeia. 72 3. CAPÍTULO III: Turismo em Mucugê Dentro da regionalização turística proposta pela Bahiatursa, a Chapada Diamantina constitui um importante pólo de investimento e desenvolvimento do destino Bahia. Foram desenhados quatro grandes Pólos Turísticos distribuídos em sete Zonas Turísticas. A área de planejamento do Pólo Turístico Chapada Diamantina é composta por 28 municípios da região central do Estado da Bahia, abrangendo uma área total de 40.246,2 km² situados a cerca de 400 km de Salvador, 1100 km de Brasília e 1.800 km de São Paulo que, atualmente, são os maiores pólos emissores de turistas para a região (PDITIS, 2004). O “Circuito do Diamante” congrega as cidades que têm a sua história ligada ao mineral que dá nome ao trajeto. Baseando-se nos recursos naturais e culturais da Bahia, o mapa turístico (Fig. 14) se desenha. Figura 14 - Regionalização Turística da Bahia Fonte: www.seplan.ba.gov.br Disponível em: <http://www.seplan.ba.gov.br/arquivos/rev_2003_2006/eco_turismo.htm>Acesso em 28/09/2009. O Pólo Turístico da Chapada Diamantina se divide entre: Circuito Chapada Norte, composto pelos municípios de Bonito, Utinga e Wagner. Circuito do Diamante, abrangendo Andaraí, Ibicoara, Iraquara, Barra da Estiva, Lençóis, Mucugê, Nova Redenção, Palmeiras e Seabra. E Circuito do Ouro, composto por 73 Abaíra, Érico Cardoso, Jussiape, Boquira, Botuporã, Paramirim, Piatã, Rio de Contas e Rio do Pires como expõem o mapa abaixo. Figura 15 - Mapa das cidades que compõem o Pólo Turístico Chapada Diamantina Fonte: Secretaria de Turismo do Estado da Bahia Disponívelem:<http://www.setur.ba.gov.br/imagens/zonas/mapas/Chapada-Diamantina.jpg > Acesso 20/JAN/2010. O desenvolvimento da atividade turística na Chapada Diamantina tem como um dos seus marcos o tombamento do patrimônio histórico e arquitetônico de Lençóis, no início dos anos de 1970. A partir daí iniciou-se a estruturação do setor turístico – inclusive com o apoio do Estado, que chegou a construir duas pousadas na região, dado o surgimento de uma oferta técnica, ainda incipiente, formada, basicamente, por empreendedores, que viam no turismo uma oportunidade econômica (PDITIS, 2004). No final da década de 1990, com o projeto do Governo do Estado de pavimentar as estradas ligando Mucugê às cidades de Rio de Contas e Palmeiras, o município tornou-se o ponto mais próximo da maioria das atrações do Circuito do Diamante e do Ouro. Surgiram então, investimentos públicos e privados, que fizeram de Mucugê o segundo destino mais visitado da Chapada Diamantina, seguido de Lençóis (SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO E MEIO AMBIENTE DE MUCUGÊ, 2008). Na ocasião, um número significativo de recursos naturais se converteu em atrativos turísticos, à medida que foram dotados de infra-estrutura e, posteriormente, utilizados através da prática do ecoturismo e do turismo de 74 aventura. Porém, ainda não há, no município, lei específica para o turismo. Apenas alguns mecanismos de disciplina e controle estão contemplados no Plano Diretor Urbano. Este existe porque Mucugê faz parte de uma região estratégica, no caso a Chapada Diamantina. Em entrevista concedida a Pereira (2008), o então ex-secretário de Turismo de Mucugê, Oremildes Oliveira, ressaltou que as medidas de fomento da atividade turística não dependem somente das leis específicas, mas também do Plano Estratégico de Desenvolvimento Integrado do Turismo Sustentável instituído e aprovado pelo Ministério do Turismo para o Pólo Chapada Diamantina - PDITS. Para Oliveira, o turismo de forma planejada requer em primeira instância, a participação da iniciativa pública, principalmente a ação do governo federal e estadual. Dentre os atrativos mais visitados em Mucugê encontra-se o Projeto Sempre Viva, que é o mais bem sucedido projeto da linha Projetos de Execução Descentralizada - PED, firmado pelo convênio MM/PNMA/PED 96CV 00027/96, que, integrou várias esferas do poder público na construção de tecnologias e infraestrutura para gestão de recursos naturais, com parceria dos seguintes órgãos: o Ministério do Meio Ambiente, Governo do Estado da Bahia, Universidade Católica de Salvador, Universidade Estadual de Feira de Santana gerido pela Prefeitura Municipal de Mucugê, que visa, basicamente, preservar a variedade da flor (SEMPRE VIVA, 2008). Com relação à infra – estrutura para o turismo na cidade pode-se afirmar que, considerando o fluxo turístico que ainda apresenta demanda em crescimento, e conseqüentemente, questões como sazonalidade, no que se refere ao setor de meio de hospedagem e alimentos e bebidas, ambos são satisfatórios, ou seja, atendem a demanda atual. A seguir, tabela (01) para maior compreensão desses setores no que tange ao tipo e ao número de serviço prestado. Tabela 01 - Estabelecimentos de Alimentos e Bebidas de Mucugê Nome do Estabelecimento Point da Chapada Todo Sabor Pizzaria da Mama Sabor e Arte Restaurante da Roça Nº de funcionários Nº de Mesas Até 10 Até 10 Até 10 Até 10 Até 10 De 21 a 30 De 21 a 30 Até 10 De 21 a 30 Até 10 Tipo de Estabelecimento Pizzaria Restaurante Pizzaria Restaurante Restaurante 75 Pesquisa realizada em estabelecimentos de alimentos e bebidas de Mucugê em 2007, para trabalho de conclusão de curso em Turismo pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Fonte: Elaboração própria (2007). Com relação ao setor de meio de hospedagem, segue a tabela (02) com definições sobre o tipo de hospedagem e número de leitos disponíveis: Tabela 02 - Estabelecimentos de Meios de Hospedagem de Mucugê Nome do estabelecimento Nº de Nº de U.H’S funcionários (unidade habitacional) Tipo de estabelecimento Tempo de permanência Pousada Mucugê Alpina Resort Pousada Casa da Roça Estalagem Jardim do Éden Pousada Pé de Serra Pousada Monte Azul Pousada Recanto da Chapada Pousada Santo Antônio Até 10 De 11 a 20 Até 10 De 21 a 30 Acima de 30 Até 10 Pousada Resort Pousada Até 3 dias Até 3 dias Até 3 dias Até 10 Até 10 Pousada Até 3 dias Até 10 Até 10 Pousada Até 3 dias Até 10 Até 20 Pousada Até 3 dias Até 10 Até 10 Pousada Até 3 dias Até 10 Até 10 Pousada Até 3 dias Pesquisa realizada em estabelecimentos de hospedagem em Mucugê em 2007 (no prelo), para trabalho de conclusão de curso em Turismo pela Faculdade de Tecnologia e Ciências. Fonte: Elaboração própria (2007). Para lidar com a sazonalidade, o poder público vem tentando consolidar um calendário de eventos para os meses de abril, maio, agosto, setembro e outubro, meses em que o fluxo de visitantes diminui consideravelmente deixando a rede hoteleira ociosa e conseqüentemente os condutores de visitantes e demais moradores que contam com a renda advinda do turismo em situação difícil. Ainda no que se refere à infra-estrutura, há uma agência de viagem, a KM Turismo, que presta serviços de vendas de bilhetes para duas empresas de ônibus interestaduais, passagens aéreas e oferece serviço de locação de carros. Outro serviço importante ao visitante é o trabalho desenvolvido pela Associação de Condutores de Visitantes de Mucugê (ACVM), entidade jurídica sem fins lucrativos, fundada desde 1999, que tem como objetivo o fortalecimento da atividade de ecoturismo. A associação atua, principalmente, na capacitação dos 76 seus associados para a condução de visitantes do Município de Mucugê, promovendo a inclusão social dos moradores do município, principalmente sensibilizando o trade turístico local no desenvolvimento de um turismo mais centrado no comprometimento social e ambiental e na consolidação de um turismo sustentável. É importante ressaltar também que a associação, além de proporcionar todo esse trabalho voltado para a atividade turística por meio da condução de visitantes, contribui significadamente, para a economia local, uma vez que emprega pessoas do próprio município, possibilitando que o efeito multiplicador do turismo aconteça, levando benefícios à população, desde os financeiros ao aprendizado (ASSOCIAÇÃO DE CONDUTORES E VISITANTES DE MUCUGÊ, 2008). A ACVM participa ativamente do Conselho do Parque Nacional da Chapada Diamantina, do Conselho do Prodetur Nordeste II e do Comitê da Bacia do Rio Paraguaçu. Trabalha em parceria com a Prefeitura e com o Ministério Público local. Sobre demanda turística no município, Pereira (2008) enfatiza que é composta, em sua maioria, por jovens, solteiros, do sexo masculino, estudantes oriundos do próprio estado e que se encontram satisfeitos com a visita ao destino turístico em questão. Contudo, foi possível identificar também que existe demanda para turismo cultural (tabela 03), ainda que as operadoras de viagem e a Secretaria Municipal de Turismo enfatizem apenas o patrimônio natural por meio de associações à prática do ecoturismo e turismo de aventura. Ou seja, o percentual correspondente à demanda por turismo cultural nos leva a perceber que as perspectivas são positivas e ao mesmo tempo, preocupantes. Até o momento a infra-estrutura existente atende as necessidades dos visitantes sem por em condição menos importante o morador. Porém, a partir do momento em que o turismo cultural se consolidar, haverá uma preocupação com questões relacionadas à capacidade de carga. Exemplo disso são os dados de uma pesquisa realizada por Oliveira e Ribeiro (2007, no prelo); foi constatado que Mucugê recebeu no ano de 2006 aproximadamente 14.150 visitantes3. Ou seja, no 3 Estima-se que esse número seja maior, pois essa pesquisa ocorreu nas imediações do Projeto Sempre Viva que fica localizado no acesso a cidade, ainda na BA 142. Devido a esta localização, nem sempre o visitante que se hospeda em Mucugê em curta permanência chega a visitar o projeto. E, por se localizar na rodovia, pode ocorrer, ainda, de o visitante conhecer o Projeto e seguir viagem sem entrar na cidade. Porém, por tratar-se da única fonte estatística sobre o fluxo turístico do município, considera-se que seja válido enfatizá-la. 77 mesmo ano, o número de visitantes chegou a ser superior ao número de habitantes do município. Tal fato nos leva a perceber a necessidade de compreender de que maneira o turismo se desenvolve no município. Faz-se necessário questionar até que ponto a infra-estrutura turística comportou esse fluxo, já que essa população flutuante se concentrou na área urbana, que apresenta pequena extensão territorial. Abaixo a tabela (03) aponta dados referentes à demanda por turismo cultural no município. Tabela 03 - Perfil do visitante de Mucugê Sexo Idade Masculino de 52,24% 16 a 25 Solteiros anos 61,19% 44,78% 26 a 35 Casados anos 32,84% 16,42% Estudantes 40% 36 a 45 Outros anos 20, 5,97% 09 % Outros 25,00% Feminino 47,76% Estado Civil Ocupação Origem profissional do visitante Bahia 77,61% Profissionais São Paulo liberais 10,45% 35,00% Acima de 42 anos 17,91% 5,05 % Brasília Minas Gerais 2,89% Outros 4,00% Interesse por turismo cultural 82,09% Nível de satisfação com a visita Muito satisfeito 58,21% Satisfeitos 40,03% Não souberam responder 1,49% Dados extraídos de pesquisa realizada em 2007. Fonte: PEREIRA, G.T.J. Demanda turística e turismo cultural: considerações acerca do perfil do visitante de Mucugê – Bahia. In: XIV Seminário de Iniciação Científica da UESC. PROP 2008. Quando a questão é capacidade de carga, é necessário entender a infraestrutura turística não somente enquanto alimentos e bebidas e meio de hospedagem. Faz-se necessário também questionar outros produtos importantes como água, energia, segurança pública e assistência médica, considerando que se há uma busca pela melhoria do turismo no município, esse fluxo poderá ocorrer em outros anos e ainda em maior número. A atividade turística de Mucugê se desenha nas ruas e becos, nas antigas casas, sob a forma de pousadas e restaurantes, e no modo de vida de alguns moradores, que já atrelam sua ocupação financeira à atividade. Uma teia de 78 relações se fia em torno do que se configura como potencial econômico local. Acredita-se que a o turismo cultural pode vir a ser uma nova alternativa de lazer para o visitante e uma nova fonte de renda para a economia local. Porém, para isso, é necessário políticas de planejamento que venham a converter esse recurso cultural em atrativo turístico, satisfazendo assim os anseios desse visitante e atendendo as expectativas econômicas que serão suscitadas nos moradores. Longe de fazer qualquer tipo de analogia entre as atividades econômicas turismo e garimpo, o que seria, no mínimo, injusto, se considerando a proporção em se tratando de impacto econômico que as atividades ocasionaram, pode-se afirmar que ambas encontram-se na sobrevivência e na apropriação de um mesmo espaço, porém, hoje, possuidor de outro valor. Durante séculos a atividade do garimpo foi a mola propulsora do município, quando o turismo ainda se apresentava tímido e representava uma fatia ainda pequena na geração de renda, principalmente para os moradores, que não estão diretamente envolvidos com a atividade. 3.1 De objeto museavel a atrativo turístico: o Museu Vivo do Garimpo Segundo a definição da ICOM4 (apud GODOY, 2000) museu é uma instituição permanente de fins não lucrativos, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire e conserva, pesquisa, comunica e expõe com finalidade de estudo, educação e entretenimento a evidência material do homem e de seu ambiente. Para Godoy (2000, p. 20), “durante largo período de tempo, o elemento mais importante dos museus foi o objeto. O homem, quando considerado, era também, sobre a ótica de homem/objeto”. A nova tendência da museologia não é o objeto, seja ele qual for, mas o homem/sujeito, criador, mantenedor e transformador dos objetos. Nesse sentido, pensar museologicamente é esbarrar na necessidade de praticidade, de romper com a imagem do museu como depósito de antiguidade, 4 International Council of Museums) Conselho Internacional de Museus, órgão pertencente a UNESCO, (Organização das nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). 79 usando da interdisciplinaridade para aproximar a comunidade da instituição, bem como, fazer uso da mesma para formação profissional. Por isso, o processo de evolução no qual a museologia está imersa, nos permite, na contemporaneidade, a escolha de tornar os museus objetos de luxo ou de necessidade, pois “uma política cultural que idolatre a memória enquanto memória ou que oculte as memórias sob uma única memória oficial, está irremediavelmente comprometida com as formas presentes de dominação [...]” (CHAUÍ, 1992 p.37). Sobre essa nova perspectiva dos museus, Pires (2002, p. 37) ressalta: Não há dúvidas de que os museus modificaram bastante, agregando atividades antes sequer imaginadas. Posturas novas foram implantadas com o objetivo de integrar a comunidade ao museu, mediante visitas guiadas, levando-se em conta o interesse dos visitantes, com aulas de pintura, decoração, teatro, exposições de obras de autores da própria localidade e muito mais. Uma nova concepção o transformou em um espaço de educação extraclasse, contribuindo para o cumprimento de uma das suas grandes metas: a pedagogia. Por isso, atualmente acredita-se que há uma preocupação funcional e que a mentalidade colecionante de muitas instituições vem sendo questionada. Nesse sentido, o Museu Vivo do Garimpo, ao contar a história, não só do garimpo, mas também do garimpeiro, nos remete à “cultura alma coletiva” (GUATARRI, 1986), pois é vista como conceito democrático, no sentido de que todo mundo tem cultura, o que se aproxima de uma museologia mais popular, ao considerar que a cultura não é fruto apenas de um meio elitista. O Museu Vivo do Garimpo merece destaque pelo trabalho diferenciado que proporciona à comunidade e aos visitantes, encaixando-se perfeitamente dentro dos padrões difundidos e valorizados pela museologia moderna. Apresenta um ambiente multidisciplinar, onde muitas áreas de estudo se encontram: o valor histórico do acervo, as particularidades das ciências biológicas, considerações sobre geologia. Percebe-se que a ambientação de base histórica do museu não é apenas mais um atrativo turístico, mas um elemento que pode contribuir na estratégia mercadológica da destinação turística. A visitação ao Museu Vivo do Garimpo se inicia pelo acesso a uma “toca”, que serve de instalação para o Projeto Sempre Viva como pode ser identificada na figura abaixo. 80 Figura 16 - Toca em alvenaria. Fonte: Disponível em: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.projetosempreviva.com.br/images/museu/marc a_museuvivo.jpg&imgrefurl=http://www.projetosempreviva.com.br/museu.html&usg=__U3OiwGKhdp3 jwj9Q8OU2vjbygnc=&h=201&w=200&sz=12&hl=pt-BR&start=6&um=1&itbs=1&tbnid=iKB_sDa2PlP9M:&tbnh=104&tbnw=103&prev=/images%3Fq%3DMUSEU%2BVIVO%2BDO%2BGARIMPO%26um %3D1%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26tbs%3Disch:1 Acesso: 20/JAN/2010. Esclarece-se que esse tipo de arquitetura chamada popularmente de “tocas” ou “locas” em alvenaria é visto fora do perímetro urbano e em várias áreas do Parque Nacional da Chapada Diamantina. São casas de pedra que serviram de moradia para garimpeiros durante o auge da exploração do diamante e que hoje são mencionadas para o visitante durante a visitação ao destino turístico. Sobre essa arquitetura o relatório do Ipac (1997, p. 20), enfatiza: Da maior importância é a arquitetura vernácula da região, constituída por locas ou tocas e ranchos de alvenaria de pedra seca, recobertos por palha de coqueiro. Estes dois tipos de habitação estão entre os mais primitivos existentes no país. [...] é um tipo de habitação rupestre do mesmo gênero das habitações trogloditas encontradas na Ásia, Europa e América do Norte, embora as encontradas na Chapada Diamantina detêm a segunda metade do século passado. As locas ou tocas da região são grutas naturais com edições, transformadas em habitações temporárias, à margem dos garimpos. Ao entrar no projeto Sempre Viva, o condutor de visitantes fornece informações sobre a planta, sobre o ecossistema do Parque Nacional da Chapada Diamantina e a necessidade de preservação ambiental. Após as explicações fornecidas o visitante é conduzido à outra “toca”, onde funciona o acervo 81 permanente do Museu Vivo do Garimpo, cuja composição é de peças que eram utilizadas nos garimpos (bateias, peneiras, enxadas, utensílios para alimentação, dentre outros), assim como as próprias amostras dos carbonatos que sinalizavam a existência de diamantes. Figura 17 - Sede do museu de acervo permanente. Fonte: Foto da autora (2007). O acervo é composto por peças que eram utilizadas nos garimpos; bateias, peneiras, enxadas, utensílios para alimentação durante a estada nos garimpos, (fig. 17) assim como próprias amostra do tipo de carbonato que era encontrado na região (fig. 20) Figura 18 - Peças utilizadas no garimpo. Figura 19 - Visitantes no museu. 82 Fonte: Foto da autora (2007). Fonte: Foto da autora (2007). Há também grandes painéis com fotos e textos que contam toda a história dos diamantes: da descoberta à exploração e, por conseqüência, o declínio do minério (fig. 20). Figura 20 - Carbonato – Pedra que indicava diamantes. Fonte: Foto da autora (2007). Depois do acesso ao acervo permanente, os visitantes são conduzidos para a área externa às margens do Rio Mucugê, onde presenciam a encenação de todo processo da garimpagem: catra (processo de escavação), bateagem (método para separar e tirar o cascalho grosso), ralagem (onde o minério era lavado) e, por último, a cata (escolha manual da pedra). Oliveira (2008, p. 20), explica de forma detalhada o processo de extração do diamante: Catra ou cata é o processo de escavação de buracos, no seco ou no leito do rio, para posterior lavagem do cascalho e da retirada do diamante. Bateagem é o método pelo qual se lava o cascalho no rio com a bateia, separando e retirando o cascalho grosso. O garimpeiro tem o cuidado de não deixar escapar qualquer grão negro, que pode ser carbonato. Depois do processo de bateagem, o cascalho isento de argila é lavado e concentrado na peneira ou no ralo. Cata – escolha manual. Entorna-se o ralo ou peneira numa superfície lisa – tabua, chapa de ferro ou laje de pedra -, onde os diamantes “estrelam” na superfície do cascalho. 83 Abaixo na ilustração 21, o morador encena o processo de bateagem diante visitantes. Figura 21 - Encenação as margens do Rio Mucugê. Fontes: Disponível em: http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.projetosempreviva.com.br/images/museu/marc a_museuvivo.jpg&imgrefurl=http://www.projetosempreviva.com.br/museu.html&usg=__U3OiwGKhdp3 jwj9Q8OU2vjbygnc=&h=201&w=200&sz=12&hl=pt-BR&start=6&um=1&itbs=1&tbnid=iKB_sDa2PlP9M:&tbnh=104&tbnw=103&prev=/images%3Fq%3DMUSEU%2BVIVO%2BDO%2BGARIMPO%26um %3D1%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DN%26tbs%3Disch:1 Acesso: 20/JAN/2010. Segundo a Secretaria de Turismo do Município (2008), quando um visitante chega a Mucugê, a ACVM sugere um roteiro que contemple, em primeiro lugar, a visitação ao Museu Vivo do Garimpo e ao Projeto Sempre Viva, ora pela localização, pois muitas trilhas possuem acesso a partir do Museu; ora pela necessidade de sensibilizar o visitante por meio das palestras e exposição de documentários que relatam os recursos naturais da região. Nesse sentido, a educação patrimonial e ambiental faz-se presente por meio do Museu Vivo do Garimpo. Considerando as ressalvas sobre a importância dos museus enquanto espaços de lazer, mas não só de lazer, e também de memória e de pesquisa, e a possibilidade de desmistificar a idéia dos museus apenas como guardiões do passado, o Museu Vivo do Garimpo se enquadra nessa nova museologia, pois ele vai além de um conjunto de artefatos envolvidos por concreto. A própria dinâmica de como o acervo é exposto e o acesso do visitante a esses objetos já foge à museologia tradicional, que dificilmente permite contato direto do visitante com o objeto. Essa falta de interação talvez seja o principal motivo de os museus ainda serem vistos como “lugar de coisas velhas”, que se perderam no tempo. 84 Manter viva essas edificações, sensibilizar o visitante para que haja de forma responsável diante o patrimônio que o cerca e conservar a riqueza natural de Mucugê são objetivos do Museu Vivo do Garimpo que, por meio de uma museologia mais participativa, considera ser mais importante que o objeto museável, o homem, seu principal idealizador. Assim, o museu é o espaço físico que abriga os objetos e as atividades museológicas. Ele tem o papel de organizar e expor o acervo, além de escrever uma função cultural e educativa para com a sociedade. Sendo lugar de memória, colocarão em destaque os testemunhos da realidade apresentada e será um cenário onde o fato museológico se evidencia. 3.2 A partir da rua direita, neoclássico e neogótico se encontram... De acordo com o Inventário do IPAC (1997), a cidade está localizada em um vale amplo e desenvolveu-se seguindo uma matriz em L, em cujas extremidades estão situadas a igreja matriz de Santa Isabel e a Igreja de Santo Antônio, sendo que uma das pernas do L é a Rua Direita do Comércio. A urbe teve, como área de expansão, faixas de terrenos planos, imprensados entre o núcleo original e, as cercas de pedra seca e escarpa, onde se localiza o Cemitério Bizantino. Próximo ao cemitério fui construído novas residências e também prédios de serviços públicos que não puderam ser instalados nos imóveis tombados. 85 Figura 22 – Vista aérea da cidade. Fonte: SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO E MEIO AMBIENTE DE MUCUGÊ. Disponível em: < http://www.mucuge/teste.gov.br >. Acesso em 02/Nov/2008. Seria então, a Rua Direita, o segundo núcleo de povoação de uma cidade colonial, uma vez que elas costumam ter seus núcleos originais junto à igreja matriz. Em Mucugê, o maior número de estabelecimentos comerciais do centro histórico se encontra na Rua Direta e dentre estes existem comércios que estão no mesmo ramo desde 1970 como, por exemplo, o restaurante de D. Nena, a Farmácia de D. Laura e a venda do Sr. Carlos Machado. Figura 23 - Vista da Rua Direita do Comércio. Fonte: Foto da autora (2007). A partir de dados obtidos junto ao Iphan (2001), Mucugê foi tombada como patrimônio nacional em 1980 no livro arqueológico, etnográfico e paisagístico - LAEP sendo que a área tombada refere-se a todo o perímetro urbano e ao Cemitério Bizantino. Atualmente, o acervo arquitetônico do centro histórico de Mucugê é constituído por aproximadamente 300 casas térreas e 10 sobrados edificados, na maioria dos casos, em adobe ou pedra. “O casario, a época do povoamento, em sua maioria era feito de pau-a-pique. As paredes com enchimento de torrões de barro eram pouco rebocadas” (SALES, 1994 p. 48). Tais edificações marcam de meados do século XVIII a final do século XIX e apresentam influências, ora do neoclássico, ora do neogótico, que ali se difundiu muito cedo. 86 De acordo com Dias (2008) a arquitetura brasileira foi bastante influenciada pela chegada da Família Real Portuguesa em 1808, e foi ela que trouxe de Portugal, dentre outros estilos, o neogótico e o neoclássico. Segundo Castro (1987, p. 213), no Brasil, o estilo neogótico: Surgiu timidamente nas ogivas das janelas de algumas casas. Sendo também aplicado em igrejas, tais como os telhados íngremes, pináculos e torre axial única. Dentre as reduções formais do vocabulário da velha arquitetura gótica impostas à construção residencial, apareciam as platibandas ritmadas por merlões e ameias, além de vergas com tímpanos contornados por arcos ogivais ou lobulados. Vasconcellos (2002, p. 25), define a arquitetura neo-clássica [...] pela clareza construtiva e pela simplicidade de formas. O esquema geral das fachadas consistia em uma ordem monumental de pilastras sobre alto entablamento e platibanda e coroada por frontão triangular. As pilastras marcavam as linhas básicas da composição. O frontão triangular, pontudo ou achatado, transformou-se num dos elementos mais característicos desta época. Este tipo de arquitetura pode ser observado tanto nas construções civis quanto nas religiosas, apresentam características que seguem o modelo dos templos greco-romanos ou das edificações do renascimento italiano. Em Mucugê os dois estilos se encontram. Em contrapartida ao estilo mais “rebuscado” do neogótico, a casa de porão alto, em estilo neo-clássico representa uma transição entre os velhos sobrados e as casas térreas. Longe do comércio, nos bairros de caráter residencial, a nova fórmula de implantação permitiria aproximar as residências à rua. A respeito das residências em Mucugê, Sales (1994, p. 49) acrescenta: As casas, de um modo geral, de um só pavimento, apresentavam-se com porta e até duas janelas, reunindo em um só cômodo, salas de visita e de jantar, dois e três quartos e cozinha, onde normalmente as refeições eram servidas. As casas dos mais abastados, dispondo de planta diferente, ofereciam três e até quatro janelas de cada lado da porta, corredor a distribuir entradas aos cômodos internos - amplos e ventilados, e com o chamado “quartinho” ao fundo, funcionando como banheiro. À noite, os vasos noturnos tinham a sua utilização. Algumas dessas casas, até tinham alpendre com balanço de redes. Seus moradores, evidentemente que gozavam de relativo conforto. Nos quintais, quase sempre extensos, erguiam-se ao lado da horta, senzala, depósitos de lenha e de material, galinheiro e chiqueiro de porcos. 87 Percebe-se então que o status social das residências dos mais abastados se afirma, pelas dimensões e número de pisos das mesmas. A maioria destas construções é de uso exclusivamente residencial, sendo que as residências mais ricas possuem pisos assoalhados sobre porões altos e forros de tábuas ou lona, janelas guarnecidas de treliças, vidros ou venezianas, e fachadas emolduradas por cunhais e frisos decorados. Casas modestas têm piso de lajota de barro cozido ou terra batida, janelas cegas e não possuem forros nem decoração. Dentre estas edificações, um número pequeno era utilizado como comércio. Provavelmente porque a principal atividade econômica do município acontecia fora da área urbana. Os comércios que ali existiam em sua maioria vendiam produtos do ramo alimentício, praticamente de subsistência. Com relação às casas comerciais, Sales (1994, p. 64) afirma que: [...] via-de-regra, mantinham comunicação com a residência do negociante, quase sempre ao lado ou mesmo no fundo pelos comerciantes locais. À tarde, quando o sol descambava para o poente, era comum o prosear de figurões representativos da vila, quase sempre sentados a porta da farmácia, da coletoria e de algumas lojas, ali permanecendo até o toque do ângelus, quando despediam, dirigindo as respectivas casas. É a mesma cidade de meados do século XIX, preservada em suas legítimas afirmações culturais, mesmo não sendo tarefa fácil o cumprimento da ingente atribuição de defender e preservar os bens culturais do país. O belo casario de Mucugê permanece harmonioso e preservado. É uma característica marcante do início da implantação de um dos mais belos instantes da história socioeconômica da Bahia: a descoberta e povoamento das lavras diamantinas ou Chapada Diamantina (SALES, 1994). Percorrer as ruas de Mucugê e ter acesso à cultura do lugar, à um pouco de sua história por meio da visitação às edificações e museus possibilita experiências para o visitante que anseia por conhecimentos diferentes do seu cotidiano. As marcas históricas deixadas nos casarões, nas ruas, nos hábitos dos moradores, bem como as modificações sofridas na paisagem do lugar, sejam elas por meio da extração do garimpo, ou da dinâmica da vida na cidade, são fortes indicativos de um lugar especial que, além da paisagem cênica, traz nas entrelinhas aspectos de uma 88 cultura moldada pelos personagens que hoje tornam a memória presentificada a partir das histórias contadas. Através do conjunto arquitetônico do centro histórico de Mucugê, que ainda conserva características artísticas representativas do gosto construtivo predominante no século XIX, é construída uma forte ligação entre o passado e o presente na cultura e história do município. Ao mesmo tempo, a atividade turística local tem nesse conjunto um atrativo de destaque para o desenvolvimiento do turismo cultural. 3.3 Vultos na história: o Cemitério Bizantino Atualmente, é comum encontrar roteiros turísticos onde cemitérios são atrativos. Isso se dá ora pelas mais variadas formas arquitetônicas, ora pela história que esses espaços guardam, ou até mesmo pelo inerente ar de mistério. A cidade dos mortos é o inverso da sociedade dos vivos, ou, mais propriamente que o inverso, a sua imagem intemporal. É que os mortos passaram o momento da mudança e os seus monumentos são os sinais visíveis da perenidade da cidade. Assim, o cemitério reconquistou na cidade um lugar, ao mesmo tempo físico e moral, que tinha perdido no início da Idade Média, mas que tinha ocupado durante a Antiguidade. (ÁRIES, 1989 p. 43-54). Ainda de acordo com Áries (1989), na Idade Média não havia o costume de se preocupar com os mortos. Em verdade, pouco importava o local exato da sua sepultura, que, na maior parte dos casos, não era indicada nem por um monumento, nem mesmo por uma simples inscrição. Já na segunda metade do século XVIII mudanças ocorreram; começaram os sepultamentos nas igrejas. Isso ocorria quando se tratava de representantes da própria igreja e de famílias importantes, que faziam doações à mesma. Entretanto, à medida que o sepultamento nas igrejas tornou-se hábito, a acumulação de mortos em seus adros ou pequenos pátios foi ficando intolerável. Nesse momento, além da separação entre vivos e mortos, por meio do surgimento dos cemitérios, percebe-se o crescimento de um comércio, onde se comprava não só o espaço para o sepultamento, mas, com o tempo, os mais variados tipos de mausoléus e de ornamentos. 89 Ribeiro (2005) esclarece que o afastamento dos cemitérios para o entorno das cidades aconteceu no antigo regime e que essa mudança não foi proveniente de legislação urbana, por conta do próprio crescimento das cidades, mas sim, das interferências de médicos higienistas que atribuíam a estes o grande número de doenças contagiosas que, por sua vez, comprometia a saúde pública. Nessa perspectiva, aparecem, então, os cemitérios a céu aberto que se difundiram e passaram a fazer parte da paisagem urbana do século XIX. Rodrigues (1983, p. 130) comenta que, atrelado a essas mudanças, Entre os séculos XV e XVII, a família passou a se apropriar do local da inumação e a reunir os corpos dos parentes mortos em um só lugar. O anonimato foi sendo substituído pelas inscrições sobre as lápides e pelas imagens retratando a figura do morto. Era um processo de personalização do defunto que seria reforçado no século XVII e que desembocaria em importantes práticas contemporâneas. Aos chamados campos-santos, nova função além da estritamente religiosa foi atribuída: a de local privilegiado da perpetuação da memória individual e familiar “imortalizada” em materiais nobres e duradouros como o bronze, o granito e o mármore (RIBEIRO, 2005). A importância do patrimônio construído, no caso, o Cemitério Bizantino de Mucugê para o turismo, se dá não só pela bela arquitetura, mas principalmente pelos nomes que fizeram a história do município e lá estão sepultados e eternizados. O Cemitério Bizantino surgiu a partir de preocupações com a saúde pública. Borges (2008) ressalta que o crescimento urbano descontrolado resultante do ciclo diamantífero e tantos outros problemas sociais que eclodiram, dentre eles a ocorrência da epidemia de Cólera Morbus, e conseqüentemente, grande mortalidade, impulsionaram a construção do cemitério em 1855, pela prefeitura do município. Construído as margens da BA – 142, possivelmente sua arquitetura está em conformidade com a religiosidade popular, e com ornatos facilmente reconhecidos pelas famílias que marcaram o início do povoamento do município. Por conta da referência sacra, proveniente do cemitério, é importante enfatizar que a iniciativa da população local em encaminhar o processo de tombamento foi um avanço para a cultura local, e por que não dizer, enquanto patrimônio nacional, uma vez que, existem poucos cemitérios tombados no país. Abaixo vista frontal do Cemitério Bizantino: 90 Figura 24 - Vista frontal do Cemitério Bizantino. Fonte: Foto da autora (2010). Como pode ser visto na figura (24) à distância, somente os jazigos instalados sobre as pedras são visíveis, ficando a parte térrea sem possível identificação. Eles são edificados de tijolos revestidos de reboco e caiados de branco, decorados com elementos arquitetônicos clássicos e medievais, cognominados pela população local como “bizantinos”. A origem dessa denominação é desconhecida, já que não se pode afirmar que esta edificação tenha influência inteiramente bizantina, porém, é assim que o cemitério consta no processo de tombamento do Iphan e a comunidade o identifica (BORGES, 2008). Abaixo, ilustrações que evidenciam a parte térrea do Cemitério Bizantino, onde há predominância de covas rasas. Importante ressaltar que desde o período de sua construção as covas rasas são destinadas a população menos favorecida. Não há nenhum descendente de coronel, nenhum integrante de família “importante” sepultada nessa área. O fato de a parte alta ser destinada apenas a elite mucugeense é motivo de revolta para alguns moradores que não possuem mausoléus na parte superior. 91 Figura 25 - Vista da parte baixa do cemitério. Fonte: Foto da autora (2010). Na segunda parte do cemitério (figura 25), os jazigos estão sobre o terreno rochoso da encosta da Serra do Sincorá, alinhados horizontalmente, numerados seqüencialmente, voltados para frente da BA-142. Dentro desta visualidade espacial atípica e o impacto do branco entre o verde e cinza evidenciam-se as distinções sociais daqueles que ali repousam em ambas as partes do cemitério. A arquitetura da parte superior nos dá a entender que a parte inferior é o lugar dos garimpeiros, “pessoas comuns” enquanto a parte superior dos coronéis “pessoas importantes”. Pensamento com certeza equivocado, mas que marcou uma época. Ao entrar no Cemitério Bizantino e se deparar com a disparidade arquitetônica da construção, essa é sem dúvidas umas das primeiras leituras que o visitante faz. Na próxima ilustração, vista da rampa em pedra que possibilita o acesso a parte alta do cemitério. 92 Figura 26 - Vista da rampa de acesso a parte alta. Fonte: Foto da autora (2010). Os jazigos são caiados de branco e possuem formatos variados: pirâmides, miniaturas de casas em formas retangulares, quadrados, ovais. Alguns são tão simples e pequenos que passam despercebidos diante dos grandes mausoléus, principalmente os mausoléus das famílias de nome como Medrado, Pina e Paraguaçu. Já as covas rasas são identificadas apenas pelas cruzes de madeira, sem qualquer acabamento, às vezes não é possível nem identificar o nome do indivíduo sepultado. Todas estas sepulturas estão entremeadas por um tipo de vegetação denominada de dracena, conhecida popularmente como “pau d’água”. No cemitério, alguns hábitos religiosos perduram como o ritual da Lamentação das Almas. A manifestação começa na quarta-feira de cinzas e termina na sexta-feira da paixão, a meia-noite. Um grupo restrito de pessoas, mais precisamente de dez participantes, sendo dois homens e oito mulheres saem, em peregrinação pelas ruas batendo as matracas, com o corpo todo coberto de lençóis brancos, deixando descoberto apenas o rosto. Durante a peregrinação do grupo pelas ruas da cidade, a população acompanha entoando os cânticos e segurando velas. No caso de Mucugê, a manifestação inicia-se na porta da Igreja matriz de Santa Izabel e termina no cemitério (SECRETARIA MUNICIPAL DE TURISMO E MEIO AMBIENTE DE MUCUGÊ, 2008). Porém, somente o grupo entra no cemitério onde os cânticos continuam e as 93 orações para os mortos são realizadas. Os componentes do grupo circulam pelo cemitério com a intenção de “abarcar” todos os mortos que ali se encontram. O ritual inicia-se na parte baixa do cemitério, e posteriormente, o grupo segue para a parte alta, onde se encontram os mausoléus. A manifestação das Almas de Mucugê foi criada por Dona Nenzinha, moradora da cidade em 1950. Essas seis décadas fazem desta a mais antiga manifestação da Chapada Diamantina, uma vez que ocorre também em Lençóis e Andaraí. A matriarca já não participa mais das rezas, mas deixou um legado cultural imaterial para a cidade, uma vez que outras gerações não só participam das rezas como reconhecem a importância desse patrimônio imaterial. Ainda que não se tenha dados estatísticos sobre o fluxo de visitantes que procuram pelo cemitério, o próprio relato dos condutores revela que o visitante que pernoita em Mucugê, que tem a oportunidade de conhecer o centro histórico e saber um pouco sobre os moradores dessas edificações e sobre a história do lugar, ao chegar ao Cemitério Bizantino, tem também a curiosidade de conhecer os mausoléus onde esses personagens estão sepultados. Considerando a importância da família Medrado na história do município, e o interesse por parte do visitante em saber onde os restos mortais de seus integrantes estão sepultados, abaixo, ilustrações dos mausoléus de Douca Medrado, sua esposa Gertrudes e o filho do casal, Anatalino Medrado. Figura 27 - Mausóleu de Douca Medrado Fonte: Foto da autora (2010). Figura 28 - Mausóleu de sua esposa Gertrudes Fonte: Foto da autora (2010). 94 Figura 29 - Mausoléu de Anatalino Medrado, o filho de Doca Medrado “capturado” pela Coluna Prestes. Fonte: Foto da autora (2010). É importante ressaltar que por se tratar de recursos turísticos, haja vista que a prática de turismo em cemitérios é uma realidade, esses mausoléus encontram-se carentes de reparo. O mau estado de conservação dificulta até o acesso a informações importantes como ano de nascimento e morte dos sepultados. Apesar de ser um dos atrativos mais procurados pelos visitantes, não existe ainda infra-estrutura adequada. Falta um guia especializado que possa conduzir as visitas, sinalização turística, talvez uma cartilha com informações sobre a construção, sobre os elementos arquitetônicos. Ações relacionadas ao turismo que possa melhorar o produto e satisfazer o visitante. Porém é notório que apesar dessas limitações, trata-se de um espaço secularizado em pleno funcionamento que, além de cumprir sua função maior, que é a de abrigar os restos mortais da sociedade mucugeense, é também patrimônio material possuidor de arquitetura que não segue o padrão estético e topográfico implantado nos demais cemitérios do país. A diferença torna-se então um fator determinante para o estímulo à visitação e para o incremento da atividade turística do município. 95 4. CAPÍTULO IV: Procedimentos metodológicos 4.1 Caracterização da pesquisa Compreender a opinião dos moradores de Mucugê e dos gestores públicos quanto ao patrimônio arquitetônico e o uso desse recurso pelo turismo cultural constituiu o fio condutor dessa pesquisa que foi realizada no município de Mucugê, que se localiza na mesorregião do centro sul baiano e micro região de Seabra. Todavia, esclarece-se que a investigação limitou-se ao perímetro urbano, mais precisamente ao centro histórico da cidade. Em primeiro momento, trata-se de um estudo de caráter exploratório, a fim de buscar a elaboração de um suporte teórico que permitisse familiarização com o tema e conceitos que viessem a subsidiar a realização do mesmo. Nesse sentido, foi realizada pesquisa bibliográfica em livros, artigos científicos e revistas especializadas (APOLLINÁRIO, 2006), complementada por pesquisa documental no Arquivo Público Municipal de Mucugê (APMM) e em material publicitário sobre turismo no município. A pesquisa documental para Gil (1994, p. 32) “refere-se ao tratamento analítico de documentos conservados em arquivos públicos e instituições privadas”. Trata-se também de uma pesquisa de caráter descritivo. Segundo Sâmara e Barros (1997), a pesquisa descritiva visa descrever certa realidade sem nela interferir. Quanto à natureza da pesquisa, pode ser definida como quali-quantitativa, porém de predominância qualitativa. Apollinário (2006, p. 59), explica que “qualquer pesquisa provavelmente possui elementos tanto quantitativos como qualitativos, tendendo mais para um lado ou para o outro”. 4.2 Coleta e sistematização dos dados Como o objetivo foi o de identificar a opinião dos atores sociais envolvidos na atividade turística do município de Mucugê acerca do patrimônio arquitetônico da 96 área, ressalta-se que os sujeitos da pesquisa de campo são representados por dois universos, sendo o primeiro os moradores líderes de opinião e o segundo, os gestores públicos. Ao optar por esse tipo de amostra, era sabedor que poderia haver coincidências e que entre os líderes de opinião poderiam estar empresários do ramo turístico. Sem a intenção de uma amostra representada apenas por uma elite intelectual e econômica, demonstra-se por meio do quadro abaixo como o conjunto dos sujeitos da pesquisa foi representado. Neste contexto, identificou-se entre os líderes de opinião, empresários do ramo turístico do município, moradores idosos aposentados, representantes de ONGs, associações etc., um total de catorze sujeitos. Para determinar o conjunto de sujeitos foi utilizada amostra não-probabilística intencional que, para Lakatos e Marconi, (2002 p. 52), “o pesquisador não se dirige, portanto a “massa”, isto é, a elementos representativos da população em geral, mas àqueles que, segundo seu entender, pela função desempenhada, cargo ocupado, prestígio social, função de aconselhamento, exercem posição de líderes de opinião na comunidade”. Para maior compreensão sobre os sujeitos da pesquisa e a heterogeneidade que compõem a amostra, foi elaborado quadro explicativo a fim de mostrar informações relevantes no que se refere à idade, profissão e grau de escolaridade dos envolvidos. Quadro 02: composição dos sujeitos da pesquisa – líderes de opinião a partir de dados extraídos das transcrições das entrevistas: Nome do entrevistado Idade Grau escolaridade de Profissão P. R. G. 65 anos 3º grau completo Empresário hoteleira local E. R. Jr 33 anos 2º grau incompleto A. L 40 anos 3º grau incompleto A.P 68 anos 1º grau incompleto Funcionário do Projeto Sempre Viva Empresário - Agência de viagens Aposentado A. S. L. S 68 anos E. R. L. V 87 anos 81 anos W. C 22 anos Ensino fundamental completo Analfabeto Ensino fundamental completo 1º grau completo da rede Aposentada Aposentado Comerciante Condutor de visitante da ACVM 97 J. M A. R. L 36 anos 78 anos E. S. C. A V. G. da S. 60 anos. 3º grau completo Ensino fundamental completo 2º grau completo 2º grau completo F. L. P. O. da S 67 anos 39 anos 2º grau completo 3º grau incompleto Arqueólogo Pedreiro Aposentada Funcionária pública Centro de Cultura. Aposentado Professor – Fonte: elaboração própria (2010). É possível perceber a partir do quadro acima que os relatos extraídos na pesquisa de campo apresentaram opiniões ora mais formatadas, ora mais simplistas. Expressões resultantes de contextos sociais, econômicos e culturais pelos quais estes sujeitos estão inseridos. Opiniões de jovens, idosos, empresários, aposentados, indivíduos com alto grau de escolaridade, outros que não tiverem acesso a educação formal. Relatos particulares e extremamente importantes justamente pela diversidade e pela influência direta que esses sujeitos detêm sobre a comunidade local. No que se refere ao segundo universo, representado pela iniciativa pública acredita-se que a mesma se limitou as três instâncias de poder: municipal, estadual e federal, não havendo mais representações, principalmente, por se tratar de um município onde a atividade turística ainda caminha em busca de consolidação. Tentou-se realizar entrevistas com três sujeitos: Secretária Municipal de Turismo, Secretaria Estadual de Turismo (Bahiatursa) e Iphan. Contudo, sobre o último sujeito, é necessário registrar o insucesso no que se refere à pesquisa de campo. Esclarece-se que até meados de 2009, o município de Mucugê pertencia ao escritório de Lençóis. A partir de então, várias tentativas foram feitas a fim de agendar uma entrevista com o então representante do órgão, Ricardo de Oliveira. Sem sucesso, buscou-se na 7ª superintendência do órgão em Salvador, encontrar um funcionário que pudesse responder pelo patrimônio arquitetônico de Mucugê. Porém a secretaria do então presidente Leonardo Lins, informou que Mucugê já não estava mais sobre a jurisdição de Lençóis, mas sim, de Rio de Contas, sob os cuidados do arquiteto Mateus Almeida. Outros contatos foram feitos através da secretaria do mesmo, mas nenhum com sucesso. Até meados do mês de fevereiro ainda aguardava-se uma resposta, e depois de muitos e-mails e telefonemas 98 chegou-se a conclusão que não seria possível contar com qualquer contribuição advinda do órgão. Ainda no tocante ao levantamento de dados primários, foi adotado o seguinte procedimento metodológico: a coleta dos dados primários foi executada por meio de entrevistas semi-estruturadas. Segundo Matos e Vieira (2001), este instrumento permite que o entrevistado fale sobre tópicos relacionados a um tema específico, definido previamente pelo pesquisador, através de um roteiro que possua uma seqüência lógica de pensamento, sendo, assim, compreensível ao entrevistado, possibilitando a clareza nas respostas e a posterior análise dos dados. Antes da realização das entrevistas foi feito um pré-teste através da amostragem por conveniência (APPOLINÁRIO, 2006), para que se pudesse obter maior confiança sobre a aplicabilidade do mesmo, verificando possíveis falhas no roteiro, clareza das perguntas e o interesse dos respondentes pelos temas abordados. Percebeu-se que algumas perguntas não estavam claras e outras davam margem à dupla interpretação, dificultando assim as respostas e, conseqüentemente, a possibilidade de atingir o objetivo do roteiro de entrevistas. Nesse sentido, os roteiros foram reestruturados. A pesquisa de campo ocorreu perfazendo então o total de 16 entrevistados, que atenderam aos objetivos e às expectativas da pesquisa, sob uma abordagem predominantemente qualitativa. Consideraram-se as seguintes variáveis: (1º) Compreensão do entrevistado sobre o conceito de patrimônio; (2º) Importância do patrimônio arquitetônico da cidade; (3º) Políticas de tombamento como medida de preservação; (4º) Conhecimento sobre a história dessas edificações; (5º) Importância do patrimônio arquitetônico enquanto recurso turístico; (6º) Perspectiva sobre o fomento do turismo cultural A coleta de dados ocorreu entre os meses de março e abril de 2009, sendo o pré-teste dos instrumentos entre 07 e 08 de março e as entrevistas entre 18 a 21 de abril nos turnos matutino (08h00min às 12h00min horas) e vespertino (14:00 às 18:00 horas). No que se referem às fotografias, as imagens foram coletadas em janeiro de 2010, todavia, é importante esclarecer que optou-se por utilizar algumas 99 imagens decorrentes do trabalho monográfico de conclusão de curso realizado em 2007. O corpus foi considerado satisfatório quando as opiniões relacionadas ao patrimônio e ao turismo começaram a se tornar repetitivas. Os depoimentos foram registrados em um gravador digital e transcritos de forma a não perder os detalhes, pausas e inflexões de vozes. Importante registrar que a etapa relacionada à transcrição das entrevistas foi organizada da seguinte forma: primeiramente optou-se por ouvir, sem necessariamente transcrever os relatos dos moradores. Depois, cada pergunta e resposta foram ouvidas por duas vezes à medida que as pausas aconteciam para transcrição. Cada transcrição foi realizada em uma média de três horas. O total das 14 entrevistas dos moradores foi transcrito em aproximadamente quinhentos e quarenta e seis horas, ou seja, aproximadamente 18 dias. Já as transcrições da iniciativa pública como se tratou apenas de dois sujeitos, foram realizadas em setenta e oito horas, aproximadamente três dias. Realizadas as transcrições, a análise desses dados se deu a partir de um diálogo reflexivo com o arcabouço teórico. Fez-se o uso dos métodos descritivos, que “procura descrever fenômenos ou estabelecer relações entre variáveis” (DENCKER, 1998, p. 124), e explicativo, com a finalidade de “identificar os fatores que determinam ou contribuem para a ocorrência dos fenômenos” (DENCKER, 1998, p. 125). 100 5. CAPÍTULO V: Resultados e discussões Na pesquisa de campo a princípio tentou-se identificar a importância do patrimônio arquitetônico de Mucugê enquanto recurso capaz de fomentar o turismo cultural. Partindo desse pressuposto, tornou-se relevante também compreender a opinião dos moradores sobre o patrimônio, se os mesmos sabiam o significado do termo, e se de certa forma, o associavam aos bens culturais do município, mais precisamente, ao patrimônio arquitetônico. Dos catorze moradores entrevistados, apenas um afirmou não saber o significado do termo patrimônio. Os demais entrevistados, ainda que não definissem na íntegra, associavam patrimônio a bens, a pertence coletivo ou individual. “Algum bem sendo apropriado por alguém. Algum bem tangível ou intangível. Costuma-se citar os patrimônios culturais, sejam tangíveis ou intangíveis” comenta o morador e empresário da rede hoteleira, P.R.G, 65 anos. Para o morador, O. A. 39 anos, “patrimônio é tudo que tem valor para uma comunidade, aquilo que de certa forma possui uma utilidade, tem uma ligação onde você se identifica e se sente parte disso. Acho que é tudo que tem valor pra alguém”. Percebe-se então, através dos relatos desses moradores, que há uma compreensão do que venha a ser ou não patrimônio, e mais ainda, que esses moradores conseguem assinalar inclusive que há formas de patrimônio, ou seja, conseguem apontar uma subdivisão entre o que é material e o que é imaterial. Essa percepção, atrelada à concepção de patrimônio enquanto legado, é um passo importante para a inserção de possíveis políticas de preservação, já que entre a comunidade representada por esses líderes de opinião, há uma compreensão a respeito do que seria ou não patrimônio. Outros moradores mostraram não somente conhecimento acerca do termo, mas também, sensibilidade no que se refere a salvaguardar, a fim de legar para outras gerações. E.S.C.A, professora aposentada, define patrimônio como “tudo aquilo que nós conservamos e queremos deixar para alguém, para nossos descendentes”. 101 E.R.J. 33 anos, acrescenta: Patrimônio é tudo que pertence ou foi gerado por um povo, a cultura, a arquitetura, são os conhecimentos. Difícil uma palavra para definir patrimônio... Acho que é tudo que um povo gerou e que cultuou. São as ações e as experiências de um povo. Os moradores líderes de opinião associam o conceito de patrimônio a pertencimento, tal fato leva a crer que há uma relatividade quando se considera o termo, afinal, o que vai decidir se um determinado bem é visto pela coletividade ou pelo individual como patrimônio é justamente a relação de pertença, a importância, o valor simbólico que esse artefato possui. Essa relação simbólica é sem dúvida um ponto importante quando se pensa em atividade turística e na possibilidade de fomento do turismo cultural. A valorização desse patrimônio e cuidado para com este depende em grande parte da importância atribuída pelos moradores do destino turístico. Nesse sentido, acreditase que ter identificado que há conhecimento por parte do morador de Mucugê com relação a esse patrimônio, e que o mesmo reconhece a importância desses bens culturais, torna-se um aspecto imprescindível para o desenvolvimento de qualquer prática de turismo, principalmente o turismo cultural. Quando foi questionado aos moradores sobre a importância do patrimônio arquitetônico de Mucugê, houve uma associação direta com a identidade do lugar. Os entrevistados associavam o patrimônio material do município, a memória, aos fatos históricos que ali ocorreram, atribuindo uma importância significativa. “O patrimônio arquitetônico de Mucugê é uma coisa muito importante porque preserva a antiguidade e as coisas que foram feitas pelas pessoas que a gente não tem mais junto com a gente” relata A.L, 68 anos, empresário da rede hoteleira. Sobre a importância desse legado para a comunidade local, V. G. da S, 60 anos, questiona: Quantos dariam pra ter isso aqui que nós temos? Isso aqui foi legado pelos nossos antepassados, ricos e pobres, porque mesmo a classe baixa aqui tinha suas casinhas, em vez de cerâmica, era pedra seca, e ninguém sabe como eles construíram isso... Hoje pensam em construir mais um estilo moderno e acho que deveria ser preservado, manter o estilo antigo. Quando foi perguntado a outro morador, W. C, 22 anos, sobre a importância do patrimônio arquitetônico do lugar, este acrescentou que o patrimônio 102 arquitetônico é muito importante porque identifica uma cultura. Porém chama a atenção para a necessidade de medidas de preservação mais eficazes. “Precisa de educação para o pessoal não depredar o patrimônio”. Acredita-se que a educação citada pelo morador, ainda que o mesmo não tenha sido tão enfático, trata-se da educação patrimonial, ferramenta importante no processo de preservação de bens culturais. A mesma pode decorrer muitas vezes em parcerias entre o poder público, desde órgãos locais, às esferas que correspondem ao cuidado em âmbito nacional, bem como às ações isoladas e iniciadas por professores do ensino formal, a fim de enfatizar a importância do legado cultural de determinada comunidade. Sobre educação patrimonial Horta et al, (1999, p. 06), a define como: Um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no patrimônio cultural como fonte primária de conhecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho de Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural, capacitando-os para um melhor usufruto desses bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. As escolas podem e devem participar deste processo de apropriação, através de visitas a museus, arquivos e bibliotecas públicas. No caso específico do município de Mucugê existe uma carência nesse tipo de ações, mesmo a iniciativa pública tendo conhecimento sobre a importância da sensibilização dos atores sociais que estão envolvidos com a atividade turística. Oriá (2005, p.2) acrescenta: A educação patrimonial é uma proposta interdisciplinar, já que visa questões referentes ao patrimônio cultural desde a inclusão, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, de temáticas ou de conteúdos programáticos que versem sobre o conhecimento e a conservação do patrimônio histórico, até a realização de cursos de aperfeiçoamento e extensão para os educadores e a comunidade em geral, a fim de lhes propiciar conhecimentos acerca do acervo cultural, de forma a habilitá-los, a despertar nos educandos e na sociedade, o senso de preservação da memória histórica e o conseqüente interesse pelo tema. Quando tratamos de questões relacionadas a tombamento, percebemos que a problemática que se instaura em Mucugê, não é diferente de outras cidades históricas, como por exemplo, Ouro Preto. A maior parte dos moradores não ignora 103 que as revitalizações que ocorreram após a década de 1980, quando o centro histórico foi tombado pelo Iphan, estas foram essenciais para a sobrevivência da arquitetura do local, e conseqüentemente para revitalização urbana. O caos e o abandono que a cidade se encontrava ao fim do ciclo diamantífero, é lembrado pelos moradores, e nesse contexto o papel do Iphan foi visto como uma alternativa capaz de reerguer inclusive a dinâmica social do município. “Se não tivesse sido tombado não teria mais nada disso aqui”, alega W. C, 22 anos. “A gente vê a diferença de Mucugê pra outros lugares que não têm esse tombamento” diz O. A. 39 anos. E. R. J, 33 anos, acrescenta que o papel do Iphan foi de suma importância para preservação dessas edificações, mas, acha que pelo grau de exigência que o órgão controlador impõe, deveria haver uma maior assistência ao patrimônio no que se refere à restauração. Deveria realmente assessorar a população de como fazer, como não fazer. O que a população muito questiona é a ausência de interação entre o órgão preservacionista, a comunidade e o poder público e privado, principalmente quando o assunto são questões relacionadas às intervenções por conta da atividade turística. Sobre a falta de aproximação e conseqüentemente de esclarecimento por parte do órgão, o próprio morador O. A, 39 anos acrescenta: Embora eu ache que às vezes esse tombamento é mal direcionado e que a preservação mal dirigida causa impactos em si mesma porque perde a credibilidade das pessoas. Eu acredito que se tivesse uma sensibilização correta, uma educação correta pra exatamente o que é eu acho que a cidade estaria bem mais preservada do que está. Mas há radicalismo por parte de algumas pessoas que trabalham em determinados órgãos. Elas impõem algumas coisas que muitas vezes não condiz com a questão da preservação. Acho que isso afasta as pessoas do patrimônio, e por revolta, por qualquer outro tipo de sentimento as pessoas acabam rejeitando, resistindo à questão da preservação [...]. Em parte foi benéfico, mas Mucugê seria muito mais preservada se tivesse tido um tipo de preservação mais consciente, não só por parte dos moradores, mas também, por parte do próprio órgão de fomento que às vezes não tem consciência. [...] Se em Mucugê tivesse tido uma sensibilização do porque preservar, do porque tombar o resultado teria sido melhor. Aqui simplesmente chegou um decreto dizendo que estava tombado que a partir desse momento não se podia mais nada. A população não entendia nada até porque existe o direito de propriedade e as pessoas às vezes não preservam não é porque elas não têm consciência, mas porque elas vêm isso como ameaça a esse patrimônio, como se estivesse perdendo esse patrimônio. Então as pessoas acabam às vezes resistindo como prova de que é proprietária e de que elas têm esse direito sobre o patrimônio em questão. 104 Quando o morador fala que “há radicalismo por parte do órgão”, exemplifica comentando a respeito da tentativa da gestão pública anterior em construir a réplica de um sobrado onde funcionou o primeiro Banco do Brasil da cidade na Pça Coronel Propércio. O qual segundo foi demolido por iniciativa dos moradores porque estava prestes a cair e não havia posicionamento por parte do órgão. A proposta era construir uma edificação dentro do padrão das demais, com recursos do município e utilizá-la como uma espécie de “mercado de artesanato” para valorizar o trabalho dos moradores da região. O órgão não consentiu a construção, o que gerou conflitos com a gestão pública e com os próprios moradores, já que estes vislumbraram a possibilidade de incremento na economia local. A área continua vazia e esteticamente falando, poder-se-ia dizer que chega a destoar o ambiente. Percebe - se que a problemática principal não está no reconhecimento da importância do tombamento, isso é fato para a maioria dos moradores. No entanto, o motivo de reprovação é com relação a algumas medidas tomadas pelo órgão e vistas como impositivas e da pouca participação do governo diante isso. Relataram também, a falta de comunicação entre o órgão e a comunidade, a ausência de medidas voltadas para a educação patrimonial e questionaram muito a maneira como algumas questões são impostas pelo órgão. Alguns moradores que tem suas casas tombadas, não podendo assim fazer nenhuma intervenção, afirmam que o órgão apenas mantém medidas impositivas, sem nenhuma forma de diálogo a fim de explicá-los o porquê não é possível modificações. E. R, 87 anos, comenta a respeito: [...] tem umas coisas que eu não concordo, como por exemplo, o Iphan. Ele só quer proibir e não dar uma decisão pra que todo mundo fique satisfeito. Eu acho que é importante preservar, inclusive essa casa, por exemplo, foi feita de pedra e adobe e isso é segurança porque as casas de hoje são todas falsificadas. Mas devemos preservar de acordo com o gosto do dono e não contrariar. [...] as coisas devem ser dentro de um método de conciliação entre o Iphan e dono da casa. Eu sou ignorante, não tenho estudo como eu disse, sou leigo, mas tenho uma compreensão: se o Iphan chega aqui e eu quero fazer uma pintura na minha casa e eu quero pintar de amarelo e ele quer pintar de verde, então o Iphan tem que pintar com a tinta dele... Se eu quem sou dono quero pintar de amarelo e o Iphan quer pintar de verde, então ele que gaste o dinheiro dele, pinte com o dele. Outra coisa que tem que eu não concordo, por exemplo, com alguns funcionários que chegam e dizem que a gente não pode fazer nada, mas não tentam entrar num acordo. O Iphan impediu muito, ele nem faz, nem obriga o dono a fazer. 105 É comum encontrar esse tipo de polêmica em cidades tombadas. Geralmente essa problemática é decorrente da falta de informação, da falta de aproximação entre o Iphan e a comunidade. É inaceitável que o Iphan, órgão que há anos realiza pesquisas e contribui para preservação do patrimônio cultural do país, que aponta a educação patrimonial como principal ferramenta para preservação, não busque alternativas para um “corpo a corpo” com os moradores proprietários desses bens, não incentive palestras, oficinas, ações que mostrem qual a verdadeira função do órgão e a importância dele em nível nacional. Enquanto isso não acontecer, haverá sempre do outro lado, uma sensação de apropriação, de perda, de impotência. Assim, foi percebida a relação entre o órgão e os mucugeenses. Quando perguntamos aos moradores por que o município conquistou o título de Patrimônio Nacional pelo Iphan, a maior parte desses moradores associou tal fato à importância da história do lugar, ao ciclo do diamante, ao poder dos coronéis e acreditam que esses fatos importantes de certa forma estão materializados por meio da arquitetura secular. “Eu acho que esse título é devido à história do passado” afirma o aposentado F. L. P, 67 anos. Em verdade, como já foi visto no capítulo II, por conta do ciclo diamantífero, Mucugê e outros municípios da Chapada Diamantina contribuíram muito para o processo de revolução tecnológica industrial a nível mundial, afinal, a comercialização do diamante não teve impacto somente no Brasil, houve uma proporção mundial. Nesse sentido, “toda essa cultura produzida aqui na época mostra essas riquezas, esses valores culturais, essas riquezas de detalhes, a própria arquitetura da época... Eu acho que isso é singular, não tem outro”. (O. A. 39 anos), P.R. G, 65 anos, acredita que o título de Patrimônio Nacional deva-se “certamente porque há edificações interessantes de serem preservadas. E a definição de patrimônio nacional é uma forma de preservar essas características originais de cada construção”. Já para E. R, 87 anos, alguns bens materiais por conta da arquitetura singular como, por exemplo, o Cemitério Bizantino, contribuíram para que o título fosse dado ao município. Para identificar as edificações mais interessantes para o turismo a partir do que é significativo para os moradores líderes de opinião, foi solicitado que os 106 mesmos apontassem as edificações mais importantes, baseado em valores estéticos, históricos e de afinidade. É importante ressaltar que não foi estabelecido um limite de edificações. O entrevistado teve a liberdade de apontar quantas edificações quisesse e na ordem que julgasse significativo. Para compreender quais as edificações eram mais importantes para os moradores a partir do valor histórico, foi perguntado se o mesmo conhecia a história de alguma das edificações do centro histórico, como por exemplo: proprietário, tipo de construção, quando foi construída. A partir do momento que o morador relatava os fatos históricos como o coronelismo, escravidão e o garimpo começava a associá-los as edificações. E. R. J, 33 anos, diz: A prefeitura municipal e onde hoje é o museu e o Centro de Cultura... Na verdade, aqueles dois principais prédios ali foram dois irmãos que construíram um comendador e o outro sargento mor. A igreja matriz começou a ser construída em 1850, por escravos, uma obra que ficou um pouco inacabada em função do declínio naquela época da principal atividade econômica, o diamante. O próprio Cemitério Bizantino tem uma história muito rica, foi construído em 1855 e sofreu a influência gótica e bizantina na minha visão daquela arquitetura, mas, existem várias versões pra aquilo ali, neogótico, neoclássico... Fato é que há uma história não oficial que é propagada por gerações, e como os registros históricos são escassos, foi difícil captar informações mais precisas. Nesse sentido há uma lacuna quando o assunto é a arquitetura do lugar, o que foi percebido é que o que se sabe está relacionado à história de alguns proprietários dessas edificações. Datas não são afirmadas com precisão, tampouco há conhecimento do porque dos dois estilos que prevalecem no centro histórico serem o neogótico e o neoclássico. Em parte dos relatos sobre a história desses imóveis há associação aos coronéis enquanto proprietários, o que foi confirmado em análises de inventários no Arquivo Público Municipal. Porém, questões como datas e dados sobre a presença de escravos na construção dessas edificações são informações que em sua maioria ainda estão sem respaldo científico. A tabela (04) mostra as edificações mais mencionadas na pesquisa de campo a partir do valor histórico atribuído pelos moradores líderes de opinião: 107 Tabela 04 - Edificações mais apontadas na pesquisa a partir do valor histórico Edificações Indicações 1. Igreja Matriz de Santa Isabel 2. Igreja de Santo Antônio 3. Prédio do Centro de Cultura 4. Prédio da Prefeitura Municipal 5. Casa de D. Laçimi 6. Sobrado da Profª Elice Azevedo 7. Casa térrea da prof. Elice Azevedo 11 11 11 11 11 11 11 10 10 10 10 10 10 10 9 9 9 9 9 9 9 8 8 8 8 8 8 8 7 7 7 7 7 7 7 6 6 6 6 6 6 6 5 5 5 5 5 5 5 4 4 4 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 8. Cabaré do Fecha Nunca – Cabaré do Joinha 9. Casa de Sr. Fugêncio 10. Cemitério Bizantino 11. Chalé da família Medrado 12. Pousada Mucugê 13. Pousada Jardim da Estalagem 14. Casa de Sr. Tarso 15. Sobrado do Sr. Carlos Machado 16. Pousada Casa da Roça 17. Restaurante Sabor e arte 11 11 11 11 11 11 11 11 11 11 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Dados da pesquisa de campo realizada no centro histórico de Mucugê em 2009. Fonte: elaboração própria (2010). As edificações acima foram apontadas pelos moradores como de maior importância na ordem em que se encontram expostas, justificadas ao lado pelo número de indicações. Todas as edificações estão relacionadas diretamente a algum acontecimento histórico que os moradores acreditam ter sido relevante e se faz presente em suas memórias. Por exemplo, o prédio da prefeitura foi apontado em primeiro lugar por ter pertencido ao coronel Reginaldo Landulfo Medrado, o primeiro cidadão mucugeense nomeado coronel e por ter funcionando como casa de câmara e cadeia. A Igreja de Santa Isabel por ter sido o primeiro prédio religioso da cidade construído por mão de obra escrava. As edificações que foram apontadas apenas uma vez, também estão associadas a algum acontecimento histórico como as últimas: sobrado do Sr. Carlos Machado (primeiro comércio da cidade); pousada Casa da Roça (pertenceu a primeira família de imigrantes portugueses que chegou a cidade); Restaurante Sabor e arte (casa de grande latifundiário possuidor de escravos, há relatos que havia uma senzala aos fundos da residência); Chalé da família Medrado (por deter até hoje o poder político do município). 108 Para identificar as edificações mais importantes a partir do valor turístico, foi questionado ao entrevistado se tivesse a oportunidade de sugerir uma visita, ou conduzir um visitante em um passeio pela cidade, quais as edificações este gostaria de mostrar. À medida que os moradores citavam as edificações, justificavam o porquê. As associações entre a história da edificação e o valor estético foram bastante enfatizadas. Para os moradores, o interessante para o turismo são os imóveis tidos como belos e agregados de um contexto histórico relevante. Quando o primeiro aspecto não era evidenciado, os mesmos afirmavam que a escolha do imóvel poderia ser justificada “apenas” pelo contexto histórico. Nenhuma edificação foi apontada na pesquisa somente pelo valor estético. A. P. 68 anos, recomendaria aos visitantes: Cento de cultura, igreja de Santa Isabel, igreja de Santo Antônio, a casa onde hoje é a Comida Caseira. Aquela casa é muito importante na história de Mucugê e na minha também porque aquela casa era de Maria Fulor, era uma senhora de cabedal como se chamava de beira, pessoas ricas que tinham escravos. Ela morreu e os bens dela foram pro leilão e meu avô tava construindo casa pra morar, pra fazer loja, e ai ele arrebatou todos os bens dela, os garimpos, as terras e aquela casa era a casa onde ele morava... Era uma casa com 16 cômodos, uma casa muito grande, então já tinha na casa a moradia para uma família muito grande e loja comercial. Então essa casa é muito importante... Eu sairia na rua, levaria os visitantes pra ver as casas e contava as histórias... Aqui morou fulano de tal que era tal coisa... Que tinha tal coisa... A pessoa que tem história a casa é importante pra ser visitada. A. S. l. S, 68 anos, não menciona sua edificação, mas afirma: Veio uma pessoa aqui outro dia que queria conhecer a casa de Doca Medrado ai eu pedi licença a dona da casa fui lá e mostrei, ... Ah ele viveu aqui? Ela teve a curiosidade de querer ir lá e saber onde o coronel viveu... Dentro da cidade... Mas o museu, né? Também o projeto Sempre Viva que faz parte daqui também, e o cemitério, esses três. O morador A.L, 40 anos, afirma que conduziria o visitante desde a igreja de Santa Izabel a casa do Sr. Pedro de Xodrea, casa antiga dos Jesuítas que hoje é a residência do ex-prefeito da cidade, Sr. Fugêncio Landulfo. Também mostraria o cabaré do Joinha (ou Cabaré do Fecha Nunca), que é na Rua do Caetité, a casa de D. Elice, o próprio chalé do prefeito atual e a casa de D. Lacimi, porque ela é filha de um dos maiores maestros do país, Júlio César. “Ele fez partitura que hoje é 109 conhecida no mundo todo e inclusive as filhas dele tem nome de música, na casa dela tem um piano doado por D. Pedro II, eu acho interessante”. Abaixo as edificações que os moradores acreditam possuir valor turístico. Percebeu-se que as respostas muitas vezes estavam fundamentadas também nas experiências já vividas por esses moradores com os visitantes que passaram por Mucugê. Tabela 05 - Edificações mais apontadas na pesquisa a partir do valor turístico. Edificações Indicações 1. Igreja Matriz de Santa Isabel 2. Igreja de Santo Antônio 3. Prédio do Centro de Cultura 4. Prédio da Prefeitura Municipal 5. Casa de D. Laçimi 6. Sobrado da Profª Elice Azevedo 7. Casa térrea da prof. Elice Azevedo 10 10 10 10 10 10 10 9 9 9 9 9 9 9 8 8 8 8 8 8 8 7 7 7 7 7 7 7 6 6 6 6 6 6 6 5 5 5 5 5 5 5 4 4 4 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 8. Cabaré do Fecha Nunca – Cabaré do Joinha 9. Casa de Sr. Fugêncio 10. Cemitério Bizantino 11. Chalé da família Medrado 12. Pousada Mucugê 13. Pousada Jardim da Estalagem 14. Casa de Sr. Tarso 15. Sobrado do Sr. Carlos Machado 16. Pousada Casa da Roça 17. Restaurante Sabor e arte 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Dados da pesquisa de campo realizada no centro histórico de Mucugê em 2009. Fonte: elaboração própria (2010). Interessante que as duas últimas edificações da tabela não apresentaram nenhuma indicação. Supõe-se que seja em decorrência no caso do Restaurante Sabor e Arte, dos conflitos ocorridos entre a proprietária da edificação e a comunidade uma vez que a edificação foi totalmente modificada e perdeu elementos que perduraram até este século. Apesar de ter sido apontada na tabela anterior como de grande valor histórico, acredita-se que os moradores a despeito de se recordarem de fatos importantes sabem que as transformações que ocorram podem limitar o uso do imóvel pelo turismo. Após apontar as edificações de valor histórico e turístico fez necessário compreender a opinião dos moradores em relação às edificações que de fato estão conservadas ao ponto de receber visitantes. Nesse sentido, foi solicitado aos 110 moradores que dentro das edificações apontadas na tabela anterior como interessantes para o turismo, os mesmo ressaltassem apenas os prédios que se encontram em bom estado de conservação. Tabela 06 - Edificações apontadas na pesquisa a partir do estado de conservação. Edificações Indicações 1. Igreja Matriz de Santa Isabel 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 2. Igreja de Santo Antônio 3. Prédio do Centro de Cultura 4. Prédio da Prefeitura Municipal 5. Casa de D. Laçimi 6. Sobrado da Profª Elice Azevedo 7. Casa térrea da prof. Elice Azevedo 10 10 10 10 10 10 9 9 9 9 9 9 8 8 8 8 8 8 7 7 7 7 7 7 6 6 6 6 6 6 5 5 5 5 5 5 4 4 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 8. Cabaré do Fecha Nunca – Cabaré do Joinha 9. Casa de Sr. Fugêncio 10. Cemitério Bizantino 11. Chalé da família Medrado 12. Pousada Mucugê 13. Pousada Jardim da Estalagem 14. Casa de Sr. Tarso 15. Sobrado do Sr. Carlos Machado 16. Pousada Casa da Roça 17. Restaurante Sabor e arte 10 10 10 10 10 10 10 10 10 10 9 9 9 9 9 9 9 9 9 9 8 8 8 8 8 8 8 8 8 8 7 7 7 7 7 7 7 7 7 7 6 6 6 6 6 6 6 6 6 6 5 5 5 5 5 5 5 5 5 5 4 4 4 4 4 4 4 4 4 4 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Dados da pesquisa de campo realizada no centro histórico de Mucugê em 2009. Fonte: elaboração própria (2010). A opinião do morador no que tange a conservação desses imóveis nos leva a crer que os prédios públicos são os mais bem preservados. Alguns prédios que tiveram apenas uma indicação, como por exemplo, o sobrado da Profª Elice Azevedo, acredita-se que pelo fato do mesmo estar passando por uma reforma, é visto ainda como inadequado para visitação. Na mesma condição encontra-se o sobrado do Sr Carlos Machado. Novamente a edificação onde funciona o Restaurante Sabor e Arte não é apontada. É possível que a não indicação tenha ocorrido justamente pelo morador associar as mudanças que ocorreram com ausência de conservação. Nos relatos de F. L. P. 67 anos, o mesmo vê como negativa as construções novas que surgiram próximo as edificações tombadas, destoando assim à área. O morador acrescenta: “na década de 60 nós tivemos conhecimento de que as pessoas vendiam as casas e o material das casas. Portas, madeira, telhas, até que 111 o poder público tomou conhecimento na época e aí veio o tombamento e foi impedido que assim continuasse”. Já J. M, 36 anos, afirma que as mudanças são visíveis, porém alega que para apontar como positivas ou negativas, é necessário analisar cada edificação de maneira isolada. As mudanças ocorridas no atual prédio da prefeitura, eu achei que descaracterizou... Você entra ali e não tem noção de que ali já foi uma casa de câmara e cadeia. Agora, por exemplo, onde é o centro de cultura, que antes era uma escola de meninos, você percebe que se conservaram as características de um prédio público. Nas residências, pouco se mudou, aquelas que se conservam nas mãos dos herdeiros, pouco mesmo e eles sofrem muito com isso, quando cai chuva forte com raios, as intempéries da natureza deixam os proprietários assombrados afinal, são casas centenárias e você não sabe até quando vão agüentar. As intempéries, a crise do diamante, o abandono de algumas dessas casas as transformaram em ruínas, ruínas de grande valor cultural, que poderia ser utilizada pelo turismo. (J. M, 36 anos) Ao traçarmos um paralelo entre as tabelas (05) e (06), os dados nos mostram principalmente que não existe uma equivalência entre valores. O que é interessante para o turismo pela estética ou pelo valor histórico, necessariamente não pode ser utilizado pela atividade em decorrência do estado de conservação. Seja este pelas limitações físicas e ausência de restauro, seja pelas edificações que foram ou estão sendo modificadas ao ponto de não serem vistas pelos moradores como imóveis conservados para receber o visitante Ainda sobre essas mudanças que ocorreram e muitas vezes ainda ocorrem no patrimônio arquitetônico da cidade, com liberação do próprio Iphan, a percepção dos moradores as definem em alguns casos como inevitáveis e em outros como abusivas e desrespeitosas. E. R. J. 33 anos comenta que: Houve mudanças. Não tem como não haver porque passou por restauração, e por mais minuciosa que seja, acaba perdendo alguma coisa, mas houve também muita preocupação em manter o mais original possível, mas algumas edificações térreas realmente, elas têm mudanças grandes e bruscas lá no centro histórico. Pra mim são mudanças negativas porque acredito que o conjunto teria que ser homogêneo e o mais original possível. Tem por exemplo, casas que estão com recuo, casas que estão com grade na fachada, casas que estão com revestimento de pedra que não existiam, alguns problemas desse tipo. O.A., 39 anos, contrário, percebe as modificações ocorridas ao longo do tempo como positivas: 112 Muitas. Como positivas porque é impossível você preservar, principalmente a arquitetura, preservar o que foi destruído, Mucugê passou por um período de decadência muito grande, era impossível você restaurar sem mudanças... Se você olhar para fotos de 1980, vai ver que era só ruínas. O que eu acho é hoje há mudanças que nem no passado eram permitidas, e por isso eu acho que o Iphan está totalmente equivocado. Não justifica em determinado tempo quando foi tombando, por exemplo, o prédio da casa de Ceçi que estava ameaçando cair e causar acidente, e pela demolição pessoas responderam judicialmente, foram intimadas pela policia federal. Hoje a gente ver coisa muito mais gritante com a permissão dos órgãos. Hoje o patrimônio está sendo degradado com a autorização do próprio órgão Mesmo certa de que nenhuma edificação é a mesma com o passar do tempo, até porque valores são acrescidos, outros perdidos, o próprio contexto social e o espaço geográfico em que o imóvel está inserido contribuem para mudanças subjetivas ou não. O objetivo era tentar entender o que os moradores compreendiam por mudanças e o grau de impacto negativo ou não que pudessem acometer essas edificações. Com relação aos atrativos turísticos da cidade, ao questionar especificamente sobre o Cemitério Bizantino, o objetivo era compreender se os moradores percebem a necessidade de melhorias no que se refere principalmente à infra-estrutura, até porque considerando a ausência de planejamento para o turismo cultural não é possível conceber os recursos turísticos de Mucugê enquanto atrativos turísticos. Há uma diferença latente entre os termos. Só é possível considerar um dado recurso turístico enquanto atrativo se o mesmo possuir infra-estrutura adequada. Nesse sentido, todo o patrimônio arquitetônico de Mucugê deve ser nomeado apenas como recurso turístico. E. R. J, 33 anos, diz que o cemitério está subutilizado; “não enxergo dinheiro acima de tudo, mas eu acredito na sustentabilidade. Acredito que o cemitério deveria ter uma equipe profissional ali cobrando uma taxa de manutenção”. O morador afirma que a receita advinda dessa cobrança poderia ser revestida em melhorias para o recurso, bem como para qualificação profissional, para que assim, os condutores de visitantes pudessem levar informações relevantes sobre a construção como, por exemplo, por quem foi feito, que tipo de arquitetura é aquela, porque um cemitério naquele local. Acrescenta ainda que seria mais uma forma de gerar e distribuir emprego na região, tendo como mão-de-obra pessoas qualificadas. 113 Com relação ao tombamento realizado pelo Iphan, e consequentemente proibição para construção de novos mausoléus, o morador E. R de 87 anos questiona: Desde criança conheço aquele cemitério daquele jeito, mas achei pior depois desse tombamento porque não pode mais construir carneira na parte de cima e olha que tem lugar lá pra quatro carneiras de urnas. Depois do Iphan não pode mais construir... É o cartão postal de Mucugê. Ele é muito bem visitado, sempre eu passo lá tem carro, gente tirando fotos, então o cemitério pra mim é um dos pontos mais visitados de Mucugê. Mas será que o turista ia achar ruim ver outras urnas construídas lá? Se eu não tenho urna lá, não posso construir... Isso não é certo não. Entende-se a postura do Iphan, porém faz-se importante refletir sobre a citação acima já que o cemitério além de seu uso funcional é tido como artefato cultural. E. R, 87 anos, ex-garimpeiro, comenta o privilégio das famílias abastardas que ali se encontram. Deixar de construir mausoléus implica em uma medida de proteção para o Iphan, todavia, moradores como o Sr. E.R. alega que algumas famílias são sepultadas em detrimento de uma maioria que acaba sendo enterrada nas covas rasas. Para o morador que participou ativamente da história do município enquanto garimpeiro, essa limitação é constrangedora e o faz refletir sobre seu sentimento real enquanto cidadão mucugeense. Por um lado, o mesmo possui um imóvel tombado e não tem condições de mantê-lo e realizar intervenções dentro do padrão do Iphan, e de outro por não se tratar de um coronel e não fazer parte de uma elite, não possui lugar para sepultamento entre os tão admirados mausoléus. Sem a intenção de aprofundar discussões sobre essa questão crítica, mas ferrenha, deve ser considerada em relação à perspectiva de não mais permitir sepultamentos no cemitério a partir da construção de outro. Há projeto para construção de outro cemitério, visto que a população vem crescendo, o que é normal. Porém, o que se questiona é a interdição do Cemitério Bizantino e conseqüentemente a limitação do mesmo ao turismo: espetáculo para turista ver? Acredita-se que tal ato seria o mesmo que tentar “frear” a cultura dessa comunidade, tanto para os moradores que já possuem seus jazidos, bem como para aqueles que vão ao cemitério para realização da Lamentação das Almas. Limitá-lo à visitação seria em um primeiro momento privilegiar o visitante em detrimento do 114 morador. Além disso, o que se deve pensar, é que o visitante que busca por turismo cultural espera por experiências reais, sem maquiagem, e saber que aquele cemitério possui uma dinâmica, faz parte da história, da cultura do lugar desde sua fundação é importantíssimo para o visitante que busca por turismo cultural. O ideal seria que o funcional e a atividade turística coexistissem. Para os moradores, o direito de uso da maneira que fosse significativa aos mesmos e para os visitantes, melhora na infra-estrutura turística. O. A, 39 anos, enfatiza: Com relação ao cemitério, ele além de ser um bem material ele traz consigo aspectos imateriais. O fato se sepultar ali é patrimônio imaterial, só há esse cemitério em Mucugê e eu não sou a favor de que se construa outro, que se rompa com a continuidade da cultura de se sepultar ali como já se faz a mais de 160 anos. Há espaço na parte inferior e sem ir contra a lei de patrimônio que é justamente não causar um choque do novo com antigo, isso poderia ser feito. O que foi construído a 160 anos retrata uma época e o que esta sendo construído hoje retrata outra. Nesse ponto de vista, e essa é minha critica com relação ao órgão, sou contra o congelamento, o cemitério não vai suportar 100 anos de crescimento, ele precisa ser ampliado, e isso pode ser feito respeitando o que se foi feito. Não se pode interromper a história, interromper o processo de sepultamento. É querer podar essa cultura imaterial. Assim estaríamos preservando o cemitério em si, a arquitetura que é maravilhosa e o aspecto imaterial do cemitério. Preservaríamos as duas coisas. É difícil conseguir essa junção, mas isso é uma forma de quebrar paradigmas. Antes se enterrava nas igrejas, aqui era assim... Isso determinou a construção do cemitério, era tradição enterrar nas igrejas. Sobre a possibilidade de transformar de fato esse recurso em atrativo turístico, W. C, 22 anos, ressalta: Eu acho que o cemitério ainda cabe uma proteção melhor e pessoas capacitadas para fazer o serviço ali. Precisa de uma reforma, porque, por exemplo, todo ano a prefeitura pinta de cal os mausoléus, e aí há 10 anos, têm ficado uma camada grossa que está modificando o original, porque eles não raspam a tinta anterior. Falta sinalização, placas informando sobre a história do cemitério... J. M, 36 anos, salienta que “a iluminação cênica é interessante, mas falta um guia lá dentro que saiba comentar e apresentar aquele equipamento”. O arqueólogo acrescenta que há material arqueológico no cemitério. O mesmo refere-se ao hábito de um morador já falecido que por problemas mentais durante muitos anos chegou a levar vidro e louças, para o local. “A memória local diz que um menino que tinha doença mental se cortou, e tudo que ele via que poderia cortá-lo de novo, ele levava 115 pro cemitério”. Para o antropólogo seria necessário guias para passar informações relevantes, bem como alguém que pudesse fiscalizar em prol da preservação. “Ontem mesmo tinha dois ônibus estacionados em frente ao cemitério, isso quer dizer aproximadamente 80 pessoas lá dentro, isso não envolve capacidade de carga?” O cemitério precisa acima de qualquer coisa, passar por um processo de restauração, restauração e ampliação porque na parte de baixo que tem o muro pode ser feito outros mausoléus, não impacta tanto de modo a diminuir mais o uso dos mausoléus da parte superior. Usar uma tinta específica para que não precise pintar todo ano com cal como é feito. Lá poderia ter guias que possam passar informações ou pelo menos um preposto da prefeitura que pudesse cuidar, porque fica aberto o dia inteiro. Eu sempre questionei isso porque é um patrimônio muito valioso pra ser deixado totalmente desguarnecido. A qualquer momento alguém até com problema mental pode chegar lá e destruir tudo e não ter mais jeito. Outra coisa é ter uma visita realmente dirigida pra orientar mais o visitante. (O. A, 39 anos). Percebe-se então que os entrevistados são sensíveis a necessidade de intervenções em prol de melhorias turísticas, mas também questionam os benefícios diretos que podem chegar à comunidade, principalmente em se tratando de um bem de grande apreço para os mesmos. Quando o assunto é ausência de um serviço especializado de profissionais capacitados para conduzir um city tour pelo centro histórico, as informações são contraditórias. A maioria dos moradores afirma a não existência de um serviço específico, organizado. Afirmam que os condutores de visitantes não estão aptos para tal função. Sabem pouco da história do lugar, não possuem informações acerca de arquitetura e história da arte, bem como possuem limitações no vocabulário, não somente por dificuldades decorrentes do baixo grau de escolaridade, como ao conhecimento básico de outros idiomas. Até desenvolver habilidades para valorização das relações interpessoais seria fator a ser trabalhado com esses condutores. E.R, 33 anos, afirma que a ACVM tem buscado essa qualificação profissional para satisfazer essa necessidade do visitante que busca o turismo cultural. Porém percebe-se que não há planejamento. Na prática, não há um roteiro turístico que enfoque o patrimônio material, bem como não foi mapeado as necessidades desses condutores e não há nenhum projeto com intuito de disponibilizar recurso para essa capacitação. 116 O. A, 39 anos, comenta com relação à falta de qualificação dos condutores de visitantes: A questão de se trabalhar com cultura e mais precisamente arquitetura, exige um conhecimento muito apurado e não serão os guias da ACVM que talvez façam isso. Pode até serem guias da ACVM, mas no dia que esses guias tiverem com nível de escolaridade maior. Pra se trabalhar com isso requer que a pessoa tenha uma especialização em história ou em museologia, uma pessoa voltada pra essas áreas, de um conhecimento maior. Eles não fazem porque tem dificuldade... Imagina você enquadrar num contexto histórico, artístico, arquitetônico, a nível nacional e mundial, num contexto geral da arte. É preciso conhecer de história da arte, é porque eles se sentem inseguros. Falta capacitação. Embora eu ainda atue como guia, fui secretário de turismo, mas não dá pra gente aprender tudo... É dificuldade mesmo que eles têm de aprender isso. Outra coisa também é que é preciso um trabalho em nível local, estadual, nacional, no sentido de vender a história como atrativo, porque aqui ainda não há um trabalho nesse sentido, o que se vende ainda é o patrimônio natural. Até em nível nacional, por exemplo, vende-se no pelourinho a capoeira, mas vende-se a arte de fazer capoeira, pouco se fala na Bahia da história da capoeira... Assim ocorre aqui, pouco se fala da história do diamante, dessas edificações. Sobre o potencial do destino turístico em relação ao desenvolvimento do turismo cultural os moradores dizem perceber certa curiosidade por parte dos visitantes, ainda que a grande maioria deles procure o destino turístico por conta do patrimônio natural. Claro, com certeza. E acho que é isso que mais o atrai... Apesar de Mucugê ter 52% do Parque Nacional da Chapada Diamantina, é o conjunto arquitetônico que atrai no sentido de valorizar a estada do visitante. Se uma pessoa for optar em ficar em Mucugê e outra cidade que não é tombada, que não tem um conjunto arquitetônico tão rico e preservado na hora de escolher ela vai optar por Mucugê, não tenho duvida disso. Isso é implícito, essa preferência que tem não é tão explicita. Só que a partir do momento que as pessoas entram na cidade e interagem com o conjunto elas já está sentido isso, é que às vezes você precisa de um trabalho direcionando que valorize isso, por exemplo, informações mais específicas pra falar das casas, quando foram construída, quem morou e hoje não há isso. Aqui não tem nenhuma residência que morou alguém conhecido a nível nacional, talvez por isso o interesse do visitante não seja tão latente. Mas quando houver informações mais detalhadas sobre o tipo de arquitetura, isso vai valorizar o patrimônio. Nem o Iphan nunca divulgou isso, eles dizem que o estilo é o neo-gótico, neoclássico, mas não disponibilizam essas informações de forma mais segura. Não foi feito nenhum estudo do patrimônio, já solicitamos várias vezes o livro do tombado mais o Iphan nunca disponibilizou... (O.A, 39 anos). 117 E.S.C. A, adiciona: “eles perguntam sempre. Querem saber quem morava nas casas... Não sei por que não tem um roteiro, não sei se é porque o secretario de turismo não tem assim certo interesse em divulgar... Não sei”. F. L. P, 67 anos proprietário de um dos sobrados da cidade afirma que: Mucugê chama muito atenção dos visitantes, eles dizem gostar muito do estilo da cidade, das construções antigas, da maneira como ela foi edificada, embora tenham pouca coisa do que era antigamente mais o que tem ainda chama muita atenção do visitante. Quanto aos roteiros, talvez por ser pequena, são poucas as casas que podem ser abertas a visitação. E também não teve ainda alguém que tivesse essa iniciativa, mas se isso acontecesse seria bom. Agora, precisava também saber mais sobre a história dessas casas porque cada uma deve ter uma historia mesmo sabendo que todas elas são da época do diamante, mas tem que ter uma história diferenciada da outra e nós perdemos isso, talvez ainda possa resgatar em algumas, mas nem todas vão saber a origem dessas casas. É o meu caso, sei pouco sobre a história da minha casa até porque não pertenceu a vida toda a minha família. Quando questionados sobre a perspectiva de contribuição por parte do turismo cultural em relação à preservação desses imóveis, os moradores se mostraram otimistas, porém bastante realistas ao considerar a necessidade do efeito multiplicador tão comentado na atividade em atingir de fato a comunidade. A gente, o dono do casarão, o dono do prédio para que ele possa desejar cuidar. Ele tem que ganhar alguma coisa com isso... Não posso forçar... Olha dona Maria a senhora tem que cuidar da sua casa porque eu to fazendo city tour aqui e se ela tiver bonitinha eu vou agradar o turista. Mas aí ela cuida da casa e não ganha nada... Ela não vai estar incentivada a fazer isso. Se eu conseguir uma forma de fazer com que ela ganhe algo em troca aí nós iremos conseguir ter uma cidade muito mais bem cuidada, mais preservada e mais preparada para receber o visitante. (E.R, 33 anos). F. L. P, 67 anos também chama atenção para a possibilidade de resistência por parte de alguns moradores em abrir suas casas para serem visitadas. Mesmo assim ele afirma que se a gestão pública atuasse em busca desse propósito por meio da sensibilização com certeza o resultado seria positivo. E. R, 33 anos, alega que outro fator importante deve ser considerado quando se fala na falta em investimento no turismo cultural: “a questão das políticas públicas [...] Ela está voltada apenas para o patrimônio natural porque é isso que inicialmente atrai o visitante pra Mucugê”. Para o morador, o que propiciou o desenvolvimento turístico de Mucugê foi o patrimônio natural e não o cultural. “No cultural não se 118 mantém o dinheiro e isso faz com que não se invista. Já tentamos fazer algo com a cultura, como o Museu Vivo do Garimpo, mas não com o patrimônio arquitetônico”. A falta de estímulo por parte da prefeitura e da própria ACVM, são fatores determinantes. O mesmo esforço que é empreendido na capacitação profissional desses condutores para as atividades relacionadas ao turismo na natureza, deveria voltar-se para os bens imateriais, até porque o próprio trade reconhece a importância dos bens culturais enquanto recurso complementar. O turismo cultural pelo que eu entendo, tanto poderia trazer alguma coisa para o nosso enriquecimento, como também poderia ser algo que eles conhecessem aqui e levassem para outros centros. O turismo cultural poderia vir com mais conhecimento, mais conscientização, aqui precisa muito. Precisava ter mais familiarização, entrosamento, diálogo, mais conversa. Agora isso não é coisa que se faça em curto prazo, deve ser preparado desde a criança na escola até a idade adulta para que ele cresça com uma nova consciência da situação. Cada visitante que chega e diz que aqui é bonito, é lindo, vocês devem preservar, isso vai fortalecendo o nosso raciocínio de que devemos conservar. Isso estimula mais e faz mudar o nosso raciocínio. (F.L. P, 60 anos) Fato é que, quando ocorre qualquer tipo de iniciativa em se tratando de conduzir o visitante por um passeio ao centro histórico, não há infra-estrutura adequada para tal. Não se tem buscado objetos que venham agregar valor a essas visitas como, por exemplo, a venda de souvenires que remetam a esses bens materiais. A falta de incremento, a ausência de um roteiro organizado, tudo isso gera falta de estímulo e até mesmo descrença entre os condutores em conceberem o patrimônio como mais uma alternativa econômica. 5.1 A iniciativa pública Após a coleta de dados com os líderes de opinião, buscaram-se os representantes do poder público. Ao entrevistar o então representante da Secretaria de Turismo e Cultura do município, o arquiteto Sr A. M. S, tentou-se identificar não somente sua opinião sobre a potencialidade do recurso turístico tratado na pesquisa, como também compreender se havia ações consolidadas ou projetos que contribuíssem para o fomento da atividade turística. Importante ressaltar que, quando retornamos para fotografar as edificações, em janeiro de 2010, o Sr A.M.S já não se encontrava no cargo, e não havia ninguém 119 que pudesse responder pela Secretaria de Turismo. Na verdade, houve mudanças questionáveis no período entre a coleta de dados da pesquisa e a coleta das imagens. A princípio, a Secretaria de Turismo e a Secretaria de Meio ambiente eram uma só, as duas instâncias atuavam juntas. Em 2008, com a mudança de gestão, ocorreu uma fusão entre a Secretaria de Turismo e a Secretaria de Cultura. Por motivos de divergências políticas, segundo relatam os moradores, o então secretário Sr. A. M. S teria abandonado o cargo em 2009. Desde então o órgão não possui representante. Sobre a lacuna junto à prefeitura de um representante da Secretaria de Turismo, foi possível perceber que os moradores demonstraram indignação e questionaram bastante tanto a ausência de uma representação voltada para atividade turística como mudanças ocorridas após a última gestão, como por exemplo, o site oficial da prefeitura, que antes se apresentava bem informativo e ilustrativo, com informações relevantes para o turismo e para o visitante do que agora. Porém por se tratar da entrevista conseguida pelo então secretário o único documento representativo do órgão e também de um documento que de certa forma retrata a realizada de um determinado período político-administrativo do lugar, julgase necessário aqui enfatizar. Segundo o Sr A.M.S, o então Secretário de Turismo, no que se refere a importância do patrimônio arquitetônico de Mucugê: Há uma singularidade impressionante. Tem quem o compare ao pelourinho, a Rio de Contas, mas se você se ativer a detalhes você vai verificar que tem peculiaridades que são específicas aqui na cidade. Então é uma arquitetura colonial clássica oitocentista que tem detalhes interessantíssimos que levam exatamente a história do lugar. Embora lutas de coronéis e a intervenção da Coluna Prestes tenham ocorridos em várias cidades da Bahia, aqui você encontra vestígios de tudo que foi feito em se tratando de arquitetura pra dar proteção. Você tem passagens subterrâneas, paredes que são verdadeiras trincheiras, mirantes etc. Bem singular. Ao pedir que apontasse quais as edificações seriam interessantes para o turismo, para um possível city tour, o entrevistado afirmou que todo o conjunto arquitetônico possui potencial, porém, enfatizou: Eu acho que todo o conjunto arquitetônico. O cemitério Bizantino tem sua história especifica, está mais afastado e precisa de cuidados especiais. Há 120 um projeto com vistas a restaurar o cemitério, há iniciativas a fim de solucionar o problema da cal, que depois de camadas sucessivas vem descaracterizando a fase, a superfície dos mausoléus e está removendo as características originais. Cada prédio desses tem sua história específica, cada edificação tem um legado. As casas térreas possuem detalhes que marcam um período de bom gosto em imóveis em contraste com o hoje, o centro histórico mostra um requinte. . Ainda com relação ao cemitério afirma que é um atrativo muito mal aproveitado, pois é carente de ações referentes a paisagismo, a iluminação, ao trabalho de guias que possam esclarecer todas as curiosidades do visitante. Relatou ainda sobre a necessidade de cartilhas explicativas que fale do tipo de arquitetura presente nos mausoléus, dos elementos arquitetônicos que a compõem, período de construção, informações que venham agregar valor ao produto em questão. Afirma também, como já havia sido apontado por alguns moradores sobre a necessidade de cobrança de taxas, para que se possa garantir a manutenção. Ainda sobre infra-estrutura turística, esclarece a necessidade de um estacionamento, uma vez que o próprio visitante acaba ficando sem proteção, já que logo no acesso ao cemitério encontra-se uma rodovia estadual e os automóveis geralmente circulam em alta velocidade. Com relação ao papel do Iphan, desde o tombamento, A.M.S, acrescenta: Se a gente der uma olhada na cidade a gente percebe que se perderam alguns imóveis importantes antes do tombamento. E mesmo depois do tombamento ainda sofremos com dificuldades em preservação, ainda não há uma linha de crédito para recuperação... Estamos esperando algo do Monumenta. Não adianta recuperar um prédio e deixar os outros. Agora mesmo estamos com três edificações precisando urgentemente de reformas. Interessante é identificar com precisão o que se limita a discurso político e o que realmente é possível ser realizado. Percebeu-se não necessariamente por falta de empenho do então secretário, que na prática, as ações para melhoria do turismo ficam embargadas principalmente por conta da falta de articulação do próprio trade. Tem-se a sensação de que não há uma comunhão, um único propósito: a melhoria da atividade turística. O setor de hotelaria caminha sozinho, assim como o de alimentos e bebidas, cada empresário do ramo turístico caminha em busca de seus próprios interesses. Com relação ao fomento do turismo cultural, A.M.S considera que o turismo não pode se dissociar da cultura e que a população e o trade em algum momento, 121 vão se atentar para a importância do melhor uso dos recursos do município. “O que a iniciativa pública quer com certeza é a permanência do visitante na cidade, mas pra isso temos que ter produtos para oferecer, bens materiais e imateriais, serviços para ofertar”. Com a relação à noção de pertencimento dos moradores para com o patrimônio arquitetônico da cidade, A.M.S sinaliza para a necessidade de um trabalho educativo desenvolvido pela secretaria para sensibilizar os moradores da importância desse patrimônio e de esclarecimento de outros bens como por exemplo, tudo que se refere ao patrimônio imaterial do município. Sobre a criação de um roteiro turístico voltado para a questão patrimonial, A. M. S. afirma que essa iniciativa deveria ser subsidiada por uma campanha ostensiva de marketing, uma vez que o divulgado não é a cidade histórica, não são aspectos culturais, ou a cultura mucugeense, mas sim, as atrações naturais, sendo elas então o grande motivo da demanda pelo turismo na região. Para A.M.S, um roteiro voltado para o turismo cultural a curto prazo, pode aumentar a permanência, e somente a logo prazo pode ser um dos ou talvez, o principal motivo de deslocamento do turista, a principal motivação da viagem. “Assim como o turismo cultural é uma grande fonte de renda em muitas cidades que são visitadas em função da sua história, isso é possível em Mucugê, mas precisa de um trabalho específico para que isso ocorra”. No entanto, não concebemos a possibilidade do turismo cultural vir a ser o principal motivo de deslocamento dos visitantes que buscam por Mucugê. Vários fatores contribuem para a perspectiva do turismo cultural enquanto atividade complementar como, por exemplo: número bem menor de recursos em se comparando aos reconhecidos para o turismo em áreas naturais; nem todos os bens imóveis se encontram disponíveis para visitação, seja por condições físicas, ou por restrições dos próprios proprietários, e ainda, o próprio apelo ecológico que a Chapada Diamantina por si só possui. No que se refere ao segundo representante entrevistado da iniciativa pública, no caso, o funcionário da Empresa Baiana de Turismo - Bahiatursa, a responsável pelas respostas foi a Sr. L. A., representante do departamento de marketing da Chapada Diamantina. Questionou-se a funcionária como a instituição percebe as políticas de planejamento e gestão no destino Mucugê. 122 Veja bem, desde a gestão anterior da prefeitura, a gente percebe um empenho maior em busca da consolidação do destino. Porém, por ser o turismo ainda a terceira atividade do município, ainda não há um esforço conjunto. Percebem-se iniciativas muitas vezes isoladas, ora do poder público, ora da iniciativa privada, mas há percepção clara da importância do turismo, a comunidade sabe que a atividade é importante. Entre os pontos positivos podemos citar a presença do município em eventos que provem os destinos como o Salão do Turismo, o município também acompanha o programa de regionalização do ministério do turismo, participa da câmara do turismo, do conselho do pólo, do Prodetur, enfim, as ações ainda são pequenas, mas Mucugê caminha numa pesquisa de planejamento e gestão eficazes (L. A, Representante da Bahiatursa). Sobre a demanda turística por Mucugê, L. A. acredita que ainda é pequena se comparada com demais destinos do Estado e que essa demanda é intra-estadual Para a funcionária da Bahiatursa, para que Mucugê atraia um número maior de visitantes decorrentes de outros estados é necessário marketing e promoção por parte da iniciativa pública. “A Chapada é conhecida (até internacionalmente), mas os municípios não. Muitas pessoas ainda confundem Mucugê com Lençóis, e sozinhos, os municípios não conseguem sobressair”. Afirma ainda que Mucugê poderia ser um destino indutor de desenvolvimento para as regiões de proximidade como, por exemplo, Ibicoara, isso contribuiria para investimentos indiretos em marketing. Outro fator importante enfatizado pela entrevistada é a perspectiva de eventos como estímulo para visitação e como saída para aumentar o fluxo, e conseqüentemente difundir o município. Nesse sentido, eventos relacionados à aventura e natureza por conta do cenário propício, seriam possibilidades reais para a cidade. Mucugê precisa mostrar a cara, o município chegou a ser incluído dentro do programa de turismo do ministério como destino internacional, mas ainda é pouco. Outro evento importante é o São João porque gera demanda. Porém, depende de um esforço de empresários locais, e muitas vezes esses empresários, buscam retorno imediato, e no turismo pouco acontece de forma tão rápida, e quando ocorre, não é duradouro, principalmente se pensarmos a necessidade da melhoria de infra-estrutura. Então a gente se pergunta: só o estado tem obrigação de divulgar? Vejo os empresários de Mucugê como uma classe acomodada que deveria investir firme em promoção. (L. A. responsável pelo departamento de marketing da Bahiatursa - Chapada Diamantina). Com relação à possibilidade de desenvolvimento do turismo cultural no município, L.A afirma que há muitos empecilhos de ordem política. Segundo esta, a Bahiatursa chegou a implementar um programa intitulado Estrada Real, que 123 objetivava fomentar o turismo cultural em áreas dos estados da Bahia, Minas, Rio de Janeiro e São Paulo. Foi investido em capacitação para mão-de-obra pelo governo do Estado visando levar turistas às trilhas por onde passaram comitivas em busca de ouro e diamantes. Todavia, não houve uma continuidade, o governo atual não tem até o momento demonstrado interesse na continuidade do programa. Há pouca veemência por parte do poder público em explorar essa questão, até porque a natureza vende-se mais rápido. Recurso há. A história do lugar é muito interessante, existe grande potencial tanto material como imaterial: as igrejas; o boqueirão (local onde a Coluna Prestes foi cercada e derrotada), as manifestações folclóricas, o próprio cemitério, agora, precisa de um trabalho que destaque o conjunto arquitetônico, enquanto isso não acontecer só o cemitério terá destaque. (L. A. responsável pelo departamento de marketing da Bahiatursa - Chapada Diamantina). Quando questionamos sobre o patrimônio arquitetônico de Mucugê e possibilidades de uso, L.A citou como recurso consolidado o cemitério e afirmou ainda que os roteiros de agências de viagem que vendem Mucugê, como por exemplo, as agências de Lençóis, por mais que mostre o conjunto arquitetônico, o enfoque é sempre maior para o cemitério. Para L. A um roteiro voltado para visitação às edificações antigas da cidade e para o cemitério bizantino, poderia contribuir para aumento do tempo de permanência do visitante. Atividades voltadas nesse sentido como um city tour durante a noite, um programa cultural voltado para terceira idade, isso tudo poderia agregar valor e assim o turismo cultural poderia colaborar para o crescimento do turismo como um todo através da geração de renda. Crescimento na demanda, acredita-se que somente a partir de algo muito bem planejado e em longo prazo. Quando se questionou por que as campanhas publicitárias do órgão, ao comercializarem a Chapada Diamantina, dão pouca ênfase ao legado cultural, L.A justificou: Questão mercadológica, questões relacionadas a políticas públicas. Quem vende patrimônio cultural? Creio que isso é um papel das operadoras, as agências vendem, a Bahiatursa promove. A empresa não vende, ela apenas promove... Veja o caso de Porto Seguro, as agências e as operadoras que vendem o destino trabalham nesse sentido, valorizando os aspectos culturais do lugar. Na Chapada, em Lençóis mais precisamente, as 19 agências de Lençóis, divulgam o patrimônio cultural da Chapada? E a 124 ACVM e a Prefeitura de Mucugê, elas vendem o patrimônio arquitetônico da cidade? Com relação à possibilidade do turismo cultural contribuir para a preservação do patrimônio arquitetônico da cidade, L.A diz: “sim, é claro que é possível. Mas para isso a segmentação precisa estar consolidada porque é comum conservar-se mais o que se consome”. Como exemplo, a representante da Bahiatursa cita a própria pousada Mucugê e afirma que depois da função atribuída ao espaço, ficou mais interessante conservar a edificação. O próprio consumo do produto patrimônio teria estimulado o cuidado, afinal, dificilmente temos interesse em preservar o que é intocável. Em suma, o que se percebe é que o poder público entrevistado reconhece o destino turístico como de grande potencial, porém no caso da Secretaria de Turismo, a mesma parece ficar presa ao empirismo. Planejamento estratégico é um recurso praticamente desconhecido, outro fator que dificulta a consolidação do destino é ausência de profissionais capacitados a frente de cargos diretamente ligados ao turismo. Os representantes do município desejam ter um produto competitivo a Lençóis, mas na prática não conseguem programar medidas eficientes que venham a alcançar tal meta. Já a Bahiatursa, como cuida apenas da promoção turística do destino Bahia como um todo, alega “divulgar” aquilo que é ao órgão transmitido por meio das Secretarias de Turismo e das Agências de viagem. Fica claro mais uma vez que a consolidação do município de Mucugê enquanto destino turístico depende diretamente do trade local; dos pequenos e médios empresários, bem como da comunidade, subsidiados por políticas públicas decorrentes da Secretaria de Turismo juntamente com o poder estadual. Enquanto isso não ocorrer, a Chapada Diamantina continuará sendo representada e/ou compreendida apenas enquanto Lençóis e os recursos difundidos se limitarão aos naturais. Perda de potencial, de possibilidades de incremento na econômica local, de geração de emprego e renda. 125 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Acredita-se que os objetivos tenham sido alcançados. As entrevistas corroboram que o patrimônio arquitetônico de Mucugê possui grande representatividade para os moradores do município, bem como para a iniciativa pública abordada pela pesquisa. Trata-se de um legado cultural arraigado de valor histórico e estético. Ferramenta importantíssima que pode viabilizar o fomento do turismo cultural. Todavia, diante das barreiras expostas, do limiar entre recurso e atrativo, verifica-se que Mucugê necessita de maior atenção no que tange à oferta de seus recursos turístico-culturais, ainda que essa oferta tenha sido apontada em pesquisa anterior como de grande interesse por parte do visitante que procura por Mucugê. Percebeu-se que apesar das pesquisas sobre o perfil dos turistas representarem um importante indicador da realidade do mercado, no caso particular de Mucugê, ainda é incipiente o interesse por parte dos atores envolvidos no turismo em utilizar-se delas para orientar as estratégias objetivando o desenvolvimento do turismo cultural local e, conseqüentemente, o desenvolvimento do município como um todo. Com relação à necessidade de se indicar alternativas para estrutura de gestão e publicidade para patrimônio cultural de Mucugê, as primeiras ações a serem implementadas devem passar por um trabalho de sensibilização sobre a importância da história de Mucugê e da preservação do patrimônio local, junto às instituições de ensino público e privado, das associações comunitárias, dos órgãos públicos e entidades privadas que trabalham com patrimônio, turismo e cultura. É fundamental que a gestão do patrimônio cultural esteja ancorada em padrões de qualidade que visem não só atender as necessidades dos visitantes, mas também contribuir para sensibilização social dos visitantes e visitados. Cabem então, medidas sócio-educativas a começar nas escolas. Por mais que a pesquisa tenha apontado valorização patrimonial por parte dos moradores, é notório que os mesmos não sabem o que fazer e como fazer quando o assunto é preservação. Ainda não é claro que a elucidação popular é o maior recurso quando se fala em preservação, tão pouco o quanto é necessário que a mesma seja perpetuada para gerações futuras. 126 Longe de fazer qualquer tipo de analogia entre as atividades econômicas turismo e garimpo, o que seria, no mínimo, injusto, se considerando a proporção diferenciada em se tratando de impacto econômico que as atividades ocasionaram, pode-se afirmar que ambas encontram-se na apropriação de um mesmo espaço, porém, hoje, possuidor de outro valor. Durante séculos a atividade do garimpo foi a mola propulsora do município quando o turismo ainda se apresentava tímido e representava uma fatia ainda pequena na geração de renda, principalmente para os moradores, que não estão diretamente envolvidos com a atividade. A inserção da população no processo do acontecer turístico ainda precisa caminhar muito, principalmente no que diz respeito a sua participação. Constatou-se que a maioria dos entrevistados ainda está à margem do processo turístico, principalmente os moradores que nasceram no município. A fatia ainda é insignificante frente ao potencial conjeturado no lugar. Os efeitos positivos provocados pelo turismo, como emprego e renda, ainda não são para muitos, o que preocupa quem está de fora. Diante das análises realizadas, espera-se que o trade turístico, o poder público e os moradores de Mucugê, percebam a relevância da valorização do patrimônio cultural, a necessidade de pesquisas específicas sobre o patrimônio arquitetônico aqui explicitado, dinamizando técnicas de interpretação que possibilitem a melhoria dos recursos existentes no local. Espera-se então que futuramente essa pesquisa possa contribuir como referencial para inserção do turismo cultural no município, pois o turismo como alavanca para o desenvolvimento socioeconômico constitui numa grande alternativa. 127 7. REFERÊNCIAS ABREU, R. Entre a nação e a alma: quando os mortos são comemorados. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 7, n. 14, 2003, p. 205-230. Disponível em: < http:// <http://www.cpdoc.fgv.br/revista/arq/156.pdf >. Acesso em 02/Nov/2008. ÁRIÈS, P. Sobre a história da morte no Ocidente desde a Idade Média. Lisboa,Teorema 1989. ALFONSO, M. J. P. El patrimonio cultural como opción turística. 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Figura 30 - Prefeitura Municipal Localização: Pça Coronel Douca Medrado nº 59 Fonte: Foto da autora (2009) A figura (30) ilustra a Prefeitura Municipal de Mucugê. No que se refere à data de construção dessa edificação, não há registro oficial, todavia acredita-se que suas características tipológicas são do final do século XIX. Funciona como prédio público desde 1994. Pertenceu a Reginaldo Landulfo Medrado, o primeiro coronel de Mucugê. Também há relatos do prédio ter funcionando como casa de câmara e cadeia. O sobrado é desenvolvido em dois pavimentos mais um mirante5, sendo que no térreo, como nos demais casarões da cidade funcionavam o comércio, e nos outros pavimentos se distribuía a residência da família em questão. Do lado direito há uma entrada que conduz ao pátio, onde se encontram dependências de serviço. O corpo principal da casa, assim como o mirante, que são de planta regular possuem cobertura em quatro águas. De acordo com inventário do Ipac (1997) na fachada principal o beiral termina sobre cornija de madeira sendo que nos demais casos apóiam-se sobre 5 Construção sobre a cobertura da edificação em que as paredes circundantes evidenciam-se caracterizando um volume destacado. Nas antigas construções, em geral de menor porte, é também chamado camarinha. 133 cachorrada6. No frontispício existem seis portas no térreo e igual número de janelas no andar superior, cujas folhas externas são do período recente. Apresentam-se ainda, ao nível do mirante, três janelas com esquadrias em guilhotina, sendo uma folha em caixilharia e outra em treliça. Todos os vãos têm vergas retas e cercadura em madeira. Os tabuados do primeiro andar e do mirante são originais, enquanto o piso do térreo, em lajota de barro, foi parcialmente substituído. Em geral, para não pesar sobre a estrutura dos pavimentos inferiores, os mirantes, na região em estudo, são de pau-a-pique7·. Figura 31 - Centro de Cultura Localização: Praça Coronel Propércio Fonte: Foto da autora (2009). Quanto à figura (31), esta edificação também pertenceu à família Medrado. Na parte posterior do sobrado existe um apêndice de serviços com dois pisos, cuja cobertura ruiu em 1978. A fachada principal emoldurada por cunhais8 e cornija é vazada no térreo, por sete portas, e no pavimento superior, por sete janelas rasgadas, com guarda-corpos entalados, em serralheiro, que substituem antigas escadas. Todos os vãos são encimados por arcos plenos. O único forro existente no 6 8 Peça de pedra ou madeira em balanço apoiada no frechal para sustentar o beiral do telhado. Muitas vezes fica aparente no beiral, sendo então freqüentemente recortado, constituindo também em elemento decorativo. 7 Genericamente, qualquer sistema construtivo que utilize gradeados de varas de madeira organizados em sebe, preenchidos em barro. As varras de madeira são chamadas de piques. O mesmo que taipa-de-mão. Dessa técnica resultam paredes leves, com cerca de 15 cm de espessura, pois as paredes de pau-a-pique não recebem, nem também transmitem esforços. Foi o sistema construtivo mais usado no Brasil colonial. Faixas verticais salientes nas extremidades de paredes ou muros externos do edifício. Em geral abrange da base ao coroamento da construção. 134 edifício é novo e localiza-se no salão de frente do pavimento térreo. O piso em lajotas de barro e lajões de pedra foi parcialmente substituído. O acesso ao segundo pavimento, desenvolvido em uma das extremidades da fachada principal é freqüente em Mucugê e pode ser observado em outros sobrados. A segunda escada de serviços, embora posterior, denota a estratificação social dentro de casa. Estes elementos só são encontrados em sobrados maiores e mais requintados. O período da construção é de aproximadamente metade do século XIX. Ressalta-se que quando a pesquisa de campo foi realizada, funcionava nesse prédio o Centro de Cultura, o Arquivo Público Municipal, a Biblioteca da cidade, a ACVM, e o Museu de acervo permanente, todavia, houve mudanças. Atualmente no andar térreo, funciona um restaurante e no primeiro andar a Secretaria de Educação e apenas a Biblioteca Municipal. O museu, bem como o arquivo, foram transferidos para parte de baixo, já na lateral da edificação. Em um dos cômodos funciona a Central de Atendimento ao Turista - CAT, sendo a ACVM transferida para um posto de informações turísticas. Figura 32 - Acervo permante do museu. Fonte: Foto da autora (2010). Figura 33 - Arquivo Público Municipal. Fonte: Foto da autora (2010). O Acervo permanente do museu, é composto de louça, fainça chinesa, instrumentos utilizados na época do gampiro, fotos e pertece dos antigos coronéis, como roupas e objetos residenciais. Quanto ao arquivo, acredita-se que o acervo é pequeno, poucos documentos conseguiram sobreviver ao tempo. O estado de conservação é bom, porém, em se tratando de um município de tamanho valor histórico, pouco há em registros. Percebeu-se a ausência de documentos relacionados ao cemitério, no que tange ao comércio dos mausoléus pela elite local, 135 bem como a documentação sobre os sepultamentos, já que esses dados não constam no arquivo público, mas sim, junto a secretaria de sáude que, por sinal, não tivemos acesso. Figura 34 - Sobrado D. Elice. Localização: Praça Coronel Propércio Fonte: Foto da autora (2010) Sobrado que pertence à família da professora Elice Rocha. Atualmente encontra-se fechado, pois está sendo reformado pelo Banco Espírito Santo, onde irá funcionar como sede do Instituto do Café. Segundo a proprietária, esse sobrado pertence a sua família há 35 anos. Trata-se de uma edificação do século XVIII, onde a fachada está totalmente preservada, todavia, acredita-se que houve intervenções na parte interior. Ainda de acordo ao Ipac (1997) o edifício possui plantas em forma de “L”, e é desenvolvido em dois pisos mais um mirante. No auge do século XVIII, o térreo tinha utilização comercial, enquanto os pavimentos superiores, residencial. O corpo principal e mirante são recobertos por telhados em duas águas9. O apêndice de serviço que possui telhado de meia água10 apresenta, ao nível do primeiro andar, uma estreita varanda com guarda-copo11 em gradil de madeira12 (IPAC, 1997). 9 Cobertura formada por duas faces em declive unidas por uma cumieria central, de modo a formarem uma empena em cada extremidade, também chamado telhado de dois panos e telhado de duas faces 10 Telhado com uma única vertente, cuja extremidade superior é delimitada por um muro ou uma construção maior. 11 Anteparo de proteção em geral de meia altura, aproximadamente 85 cm do piso, usado em alpendres, balcões, escadas e terraços. Pode ser cheio ou vazado. 136 Nas fachadas principais, as portas são enquadradas por cunhais13 e cornija14 de madeira e encontram-se sobrepostas por igual número de janelas rasgadas. Os vãos do frontispício são em arcos plenos. No mirante existem vãos com vergas retas, guarnecidas por caixilharias em guilhotina de três folhas. O interior é simples. Apenas na sala da frente do pavimento superior há forro do tipo “saia e camisa”. O pavimento térreo tem piso em lajões de pedra e lajota de barro cozido15; os pavimentos superiores, em assoalho. Sobrado com tratamento decorativo neoclássico e mirante. Este elemento setecentista sobreviveu na Serra do Sincorá até o final do século XIX. Na região da Chapada Diamantina encontra-se apenas em Mucugê, onde são registrados dois exemplos, sendo este e o prédio da prefeitura municipal. Normalmente os mirantes estão implantados sobre telhados de quatro águas e apresentam cobertura do mesmo tipo. Este é um caso raro de mirante, aberto apenas para dois lados (o que difere do mirante da prefeitura que possui abertura para os quatro lados). Quanto aos materiais utilizados na construção, trata-se de estrutura mista, compreendendo paredes auto-portantes, em alvenaria de pedra com vedação em pau-a-pique, no primeiro andar e mirante. 12 Faixas verticais salientes nas extremidades de paredes ou muros externos do edifício. Em geral abrange da base ao coroamento da construção. 13 Faixas verticais salientes nas extremidades das paredes ou muros externos do edifício. Em geral abrange da base ao coroamento da construção. Ângulo externo e saliente formado pelo encontro de das paredes externas convergentes, servindo de proteção á quina do edifício ou de ornamentação da fachada. Muitas vezes é feito em material diferente do utilizado na alvenaria das paredes. 14 Faixa que se destaca horizontalmente da parede e acentua as suas nervuras horizontais. Faixa que se destaca horizontalmente da parede e acentua as suas nervuras horizontais. 15 Pequena laje de barro usada para revestimento de pisos. As tradicionais são lajotas geralmente menores do que as encontradas atualmente no mercado, às vezes retangulares. Devem apresentar um desgaste natural de uso. 137 Figura 35 – Sobrado de Carlos Machado. Localização: Rua direita do comércio S/N Fonte: Foto da autora (2010). Edificação citada na pesquisa de campo como relevante para a atividade turística por se tratar de um prédio secular, cujo proprietário é o Sr. Carlos Machado, mucugeense de quase 100 anos. Segundo relato dos moradores, a urgência de intervenção se deu por conta do estado preocupante da edificação. Atualmente, encontra-se em recuperação, porém as despesas estão sendo custeadas por conta do próprio proprietário, sem nenhum apoio de órgãos municipais ou federais. A.L, 40 anos, empresário, acrescenta que “esse sobrado tem uma história de vida: foi primeiro uma fábrica de sabão, depois foi uma grande loja que sustentava 4 mil garimpeiros e até hoje essa venda continua no estilo antigo”. 138 Figura 36 - Chalé da Família Medrado (atual prefeito) Localização: Rua Direita do Comércio S/N Fonte: Foto da autora (2010). Esta edificação, em verdade, não pode ser enquadrada nem como neoclássica, nem como neogótica. Há apenas alguns elementos construtivos como telhado, portas e janelas que se aproximam ao neoclássico. Tanto a fachada como interior apresentam estilo rústico. O interior necessariamente possui parede em alvenaria sem qualquer tipo de cobertura em argamassa e pintura. Talvez o que tenha chamado a atenção do morador, tenha sido justamente o estilo “diferente” ao clássico, que aparece nas outras edificações da cidade. Fato relevante é que se trata da casa do atual prefeito Fernando Medrado. Figura 37 – Casa do Sr. Tarso Localização: Rua Direita do Comércio, S/N. Fonte: Foto da autora (2010) Esta edificação apresenta características neoclássicas bastante evidentes como, por exemplo, janelões com vitrais com formas geométricas, beiral e porta com treliças. Segundo relatos dos moradores, o interior encontra-se bastante preservado. Porém, o proprietário não permitiu que o interior da residência fosse fotografado. 139 Figura 38 - Pousada Casa da Roça. Localização: Rua do Amola Faca, s/n. Fonte: Foto da autora (2010). Nessa edificação, só a fachada permanece como era no período de construção. Assim como na casa de Aloísio Paraguaçu, também funciona um meio de hospedagem e houve várias interferências para sua adequação. Ressalta-se também que essa cor não é a original. Na verdade, depois da revitalização realizada pelo Iphan todas as edificações foram pintadas fora do padrão original. Costuma-se associar casas coloniais a tons claros, até porque por volta do século XVIII, nem se pensava em outra perspectiva, usava-se apenas cal. Figura 39 - Restaurante Sabor & Arte. Localização: Rua Rodrigues Lima, S/N Fonte: Foto da autora (2010). Segundo os moradores, durante a reforma, o Ipac chegou a embargar a obra alegando descaracterização do imóvel, haja vista que o interior foi totalmente 140 modificado, acabando inclusive com todo vestígio de material arqueológico encontrado anteriormente. Porém o Iphan autorizou a obra, o que gerou grande revolta na comunidade. A proprietária do restaurante por sua vez, possui tradição no comércio local e não é a primeira vez que seu comércio é instalado em uma edificação tombada. O que se discute aqui não é o uso do imóvel, mas as interferências sofridas pelo mesmo. Acredita-se que se a proprietária tivesse preservado os vestígios arqueológicos, poderia ter ambientado o lugar de maneira a valorizar esse patrimônio, podendo atrair assim um número maior de visitantes que se interessam por arqueologia. Figura 40 – Casa da Família de D. Laçimi. Localização: Praça Coronel Próprio, S/N Fonte: Foto da autora (2007). Edificação que pertence a D. Laçimi, filha do maestro Júlio César. Há nessa residência um piano que teria sido doado por D. Pedro II. A edificação chama atenção pelo número de janelas, um total de oito. Não foi possível fotografar o interior da residência, pois os proprietários não residem mais na cidade. A edificação está construída sobre um porão alto, segundo planta retangular, cujo eixo maior é paralelo à rua. Tem, ao fundo, (IPAC, 1997) um apêndice de serviços, e um quintal com vários tipos de ervas que se abre para um pátio ajardinado. O corpo principal é recoberto por telhado em duas águas, terminando em 141 beiral de cachorrada com guarda-pó16. A fachada principal apresenta porta de ingresso excêntrica e oito janelas de vergas retas, guarnecidas por caixilharia em guilhotina com estreitas bandeiras de ferro. Seu interior se caracteriza pela grande amplitude dos espaços. O corpo principal da casa possui piso assoalhado, exceto o do corredor, atualmente cimentado. No salão de visitas e em três quartos da ala esquerda existem forros originais em tábuas com mata-junta (IPAC, 1997). Este edifício apresenta uma das plantas mais típicas de residências urbanas e rurais da região com três faixas de uso: a anterior, ocupada por salões sociais; a intermediária, constituída por alcovas; e a do fundo, ocupada por salões de uso familiar. Um corredor, relativamente curto, conduz o visitante à porta principal dos salões sociais e de jantar. Não foi possível identificar o ano de construção desta casa. Trata-se provavelmente, do final do século XIX. Figura 41 : Cabaré do fecha nunca. Localização: Rua do Caetité S/N Fonte: Foto da autora (2010). Esta edificação foi apontada na pesquisa não por valores estéticos, mas sim, pelo apelo histórico. Na década de 1920, funcionava como um espaço de lazer e entretenimento, mais popularmente conhecido como bordel. Aqui os coronéis comemoravam os diamantes encontrados com muita bebida, jogos e mulheres. Hoje, está abandonada. O proprietário atual não se encontra na cidade. 16 Forro de tábuas dispostas de forma a recobrirem apenas o ripamento do telhado sobreposto aos caibros e deixando os cachorros à mostra. O guarda-pó também tem a função de camuflar cachorros e lajes. É usado mais freqüentemente nos beirais dos telhados. 142 Não se trata de uma casa dentro dos padrões estéticos neoclássicos, muito menos neogótico. Trata-se de uma edificação em estilo colonial tardio. Figura 42 - Casa do Srº Fugêncio Localização: Rua Rodrigues de Lima S/N Fonte: Foto da autora (2010) A casa do Sr Fugêncio é a edificação que se encontra em melhor estado de conservação. Da construção original datada da metade do século XIX até os dias atuais, poucas interferências foram feitas. Percebe-se que apenas o quintal foi modificado e os próprios proprietários afirmam que ao adquirir essa edificação em 1960, já encontraram com quintal coberto por dependências adicionais. Na obra original, isso não ocorria, até por uma questão cultural, os quintais das casas coloniais eram espaços abertos que davam lugar ao plantio de horta, flores, árvores frutíferas etc. O proprietário atual alega falta de condições em mantê-la. No momento, inclusive, a casa encontra-se à venda. 143 Figura 43 – Estalagem Jardim do Éden. Localização: Praça Coronel Propércio, S/N. Fonte: Foto da autora (2010). Edificação pertencente a Aloísio Paraguaçu, conhecido como Lói. A fachada data de aproximadamente metade do século XIX, porém, todo interior fora modificado, inclusive o quintal. Foi adaptada para funcionar como meio de hospedagem, talvez o que explique as interferências sofridas. Paredes circundantes em taipa se evidenciam, caracterizando um volume destacado. O piso não é o original, bem como há novos elementos no interior na residência, como uma escada, elemento não condizente a uma casa térrea simples como esta. Figura 44 - Casa da profª Elice. Localização: Praça Coronel Propércio Fonte: Foto da autora (2010). 144 Esta residência, desde período do tombamento, 1980, já se encontrava com interior modificado. Somente a fachada pôde ser preservada de acordo a construção inicial durante as intervenções realizadas pelo Iphan. Pertence a D. Elice Rocha, mesma proprietária do Sobrado que está sendo restaurado pelo Banco Espírito Santo. Interessante o número de janelas e os vitrais que a compõem. O portão maior que dá acesso a uma garagem que aponta características mais modernas. Figura 45 - Pousada Mucugê. Localização: R. Dr. Rodrigues Lima, 30 Fonte: Foto da autora (2010). Edificação neoclássica. Acredita-se que se trata do final do século XIX, todavia, só a fachada encontra-se preservada. Nesta edificação funciona a pousada Mucugê, meio de hospedagem com aproximadamente 30 leitos que pertence à família Medrado. No interior, há escadas, rampas e inclusive uma piscina, o que demonstra o grau de interferência que a edificação sofreu. Segundo o Ipac (1997), apresenta planta regular, desenvolvida, sobre porão alto. Sua cobertura é em duas águas, terminando sobre cimalha de madeira na frontearia17 e, em beiral de cachorrada, com guarda-pó, na fachada posterior. À esquerda existe uma entrada lateral que dava acesso ao anexo de serviços, hoje desaparecido. A fachada principal enquadrada entre cunhais e cornija é composta por cinco janelas e duas portas, 17 Arremate emoldurado formando saliência na superfície de uma parede. Em geral situa-se no alto das paredes externas, constituindo uma saliência contínua ao longo de toda a fachada, ou sobre as guarnições de portas e janelas, constituindo uma saliência interrompida. No alto do beiral do telhado, servindo de apoio a este ou sob platibanda. Em geral é feito de massa, pedra ou madeira. Pode ter ornatos, alem de molduras. 145 sendo uma, a entrada social e outra, o acesso ao corredor de serviço. Esta última foi integrada à fachada, recebendo o mesmo tratamento dos demais vãos, sendo coberta, inclusive pelo prolongamento do beiral. Todos os vãos possuem terminações em arco e são guarnecidos por esquadrias com caixilharia em guilhotina (IPAC, 1997). No fundo, alguns vãos são protegidos por gelósias18. No interior já não se encontra o forro primitivo, restando apenas suas vigas e cornijas de madeira em alguns cômodos. O piso em tabuado ainda é o original, porém nada mais resta do mobiliário primitivo. No que se refere aos materiais utilizados na construção, sua estrutura autônoma é em madeira, que suporta a cobertura. Paredes de vedação em taipa de mão19. Figura 46 - Igreja Matriz de Santa Isabel Localização: Praça Santa Isabel, S/N. Fonte: foto da autora (2010). A Igreja de Santa Isabel está implantada sobre pequena elevação, situa-se no extremo nordeste da cidade, na saída para o município de Andaraí. Sua fachada, voltada para a cidade, é precedida de um adro elevado cuja escadaria se projeta sobre rua pavimentada de pedras irregulares. Do adro, onde existe um cruzeiro, 18 Folhas de vão preenchidas por treliças de madeira. Quando basculante tem o nome de rotula. Genericamente, qualquer sistema construtivo que utilize gradeados de varas de madeira organizados em sebe, preenchidos em barro. As varras de madeira são chamadas de piques. O mesmo que taipa-de-mão. Dessa técnica resultam paredes leves, com cerca de 15 cm de espessura, pois as paredes de pau-a-pique não recebem, nem também transmitem esforços. Foi o sistema construtivo mais usado no Brasil colonial. 19 146 avista-se toda a rua Dr. Rodrigues Lima, tendo como fundo o perfil de serras rochosas, recobertas de rala vegetação (IPAC, 1997). Trata-se de um edifício inacabado, em estrutura mista, constituída por uma caixa de paredes auto-portantes de alvenaria de pedra e pilares internos, que suportam o assoalho do coro e a cobertura. Apresenta planta regular, constituída por nave central e lateral, recoberta por telhado de duas águas20, terminando em beiraseveira21. A fachada principal é dividida por pilastras em três partes (IPAC, 1997). O corpo principal apresenta uma portada22, ladeada por duas portas, e ao nível do coro, três janelas, coroa a composição um frontão triangular23 com nicho no centro. Servem de sineiras “espadanas” em “L”, que tentam imitar torres. No interior da igreja destaca-se o coro em forma de “U”, guarnecido por balaústres24 chatos, em madeira. No altar principal destaca-se N. Senhora Das Dores, Santa Isabel, N. Senhora do Carmo, S. Antônio, S. José e S. João Batista. Possui três naves e três sinos e em pedra são confeccionadas as pias batismais e de água benta. As igrejas de três naves difundiram-se na região com o ciclo dos diamantes, possivelmente por influência mineira, onde este tipo de igreja já existia desde a primeira metade do século anterior, na região de Sabará e Mariana. Na chapada, a presente igreja é a primeira cujas naves são balizadas por pilares e colunas (SECRETARIA DE TURISMO E MEIO AMBIENTE DE MUCUGÊ, 2008). Sua fachada apresenta uma interpretação neoclássica. Sobre o período de construção, a Igreja teria sido construída em 1855 e passou a funcionar em 9 de março do mesmo ano. A obra foi construída com apoio financeiro dos moradores e pelo frei Caetano de Troyria, em terreno doado pelo Cel. Reginaldo Landulpho (IPAC, 1997). 20 Cobertura formada por duas faces em declive unidas por uma cumieria central, de modo a formarem uma empena em cada extremidade, também chamado telhado de dois panos e telhado de duas faces. 21 Beirada de telhado cujas telhas externas se apóiam em cimalha de boca-de-telha constituída por duas fiadas de telha engastadas no alto de parede externa. A fiada superior é chamada de beira e a fiada inferior é chamada beira sob-beira, beira sobreira e beira em algeroz. 22 Grande porta de acesso ao edifício, enquadrada por larga moldura, muitas vezes ornamentada e feita com matérias de lei. Às vezes também é chamada de portal. 23 Tem a função de conciliar a longa linha horizontal do telhado com outros elementos verticais. 24 Pequena coluna ou pilar que junto com outros elementos iguais, dispostos em intervalos regulares, uma balaustrada. Constitui-se no elemento de sustentação de travessa ou corrimão. (INBI-SU, 2000) 147 Trata-se na atualidade de uma edificação que durante os dias úteis encontrase fechada, abrindo apenas aos domingos para missas ou celebrações agendadas. Talvez isso ocorra principalmente pelo estado de conservação da mesma. A fachada encontra-se bastante preservada, bem como a parte interior no que se referem as três naves, todavia, há um andar superior em que o piso de madeira encontra-se tomado por cupins, isso implica na degradação do piso não só do primeiro andar como também da escadaria de acesso. Esse ambiente encontra-se interditado para evitar acidentes. O telhado também se encontra carente de reparos. Há no interior da igreja restos mortais de familiares de pessoas influentes que provavelmente contribuíam para manutenção das atividades religiosas como era de costume nesse período. Na parte superior da igreja, onde há uma espécie de sacada tanto na parte fortal em direção ao sino principal como nas laterais direita e esquerda, por conta do mau estado de conservação, não há possibilidade de circulação de pessoas. Há também nesse mesmo espaço grande presença de entulhos. Figura 47 - Igreja de Santo Antônio Localização: Rua do Cruzeiro, S/N. Fonte: Foto da autora (2010). A Igreja está localizada no extremo da Igreja matriz de Santa Isabel, na ponta do L, já na saída da cidade em direção ao Cemitério Bizantino. Não constam registros sobre a data de construção, documentos encontrados relatam apenas que a edificação teria sido construída em meados do século XIX. Em verdade, a Igreja é conhecida como igreja de Santo Antônio, por conta da forte influência da família 148 Medrado, e que segundo a história não oficial o tinha como santo de devoção, mandando então construí-la em sua homenagem. Todavia, a mesma igreja também é conhecida como igreja da Conceição e Igreja do Rosário. Ou seja, pertenceria então a três posseiros. (A. P, 68 anos. Proprietário de meio de hospedagem). Figura 48 - Vista do Cemitério Bizantino Localização: periferia da cidade Fonte: Foto da autora (2010) O Cemitério Bizantino, está dividido em duas partes, uma plana, murada, situada onde estão localizadas covas rasas. Nesta parte térrea quase não há mausoléus e sim sepulturas comuns marcadas apenas por cruzes de madeira e a identificação do indivíduo sepultado. Logo a frente há uma espécie de rampa em cascalho envolvida por paredes rochosas que dá acesso a parte alta do cemitério. Nessa área não há lugar para covas rasas, a própria dinâmica do lugar, todo envolto por rochas, permite apenas sepultamentos em mausoléus. Os mausoléus são em alvenarias de pedra e/ ou tijolos, revestidos de reboco, caiados. Muitos terminam em arcos ornamentais, em cujos fechos existem, quase sempre, pináculos ou cruzes25. Outros são miniaturas de igrejas e capelas. O perfil fragmentado dos mausoléus, a cor branca, os elementos arquitetônico de cada mausoléu aproxima-se de uma necrópole (IPAC, 1997). 25 Arremate ornamentado no coroamento do edifício, usualmente com forma cônica, piramidal ou octogonal. Foi utilizado principalmente em edificações antigas, sobretudo nas igrejas. Nestes casos em geral é feito de pedra. 149 Com relação aos materiais utilizados na construção, o muro que fecha o recinto do cemitério é em alvenaria de adobe, recoberto por telhas, já os mausoléus são em alvenaria de pedra ou mista com arcos ornamentais em tijolos. Figura 49 – Detalhes de um mausóleu Fonte: Foto da autora (2010). Figura 50 - Adornos neoclássicos Fonte: Foto da autora (2010). Figura 51 - Detalhe de pináculo. Fonte: Foto da autora (2010). Todas as edificações demonstradas por meio das fotografias reforçam a pluralidade arquitetônica que compõem o centro histórico de Mucugê e ao mesmo tempo a chama atenção para necessidade de maior aproximação dos profissionais do turismo acerca dessas informações para que o serviço prestado ao visitante seja mais qualificado e capaz de aproximar o visitante das histórias dessas edificações. 150 APÊNDICE B - ROTEIROS PARA ENTREVISTAS Moradores líderes de opinião 1. Qual o seu nome e sua idade? 2. Qual o grau de escolaridade e sua profissão? 3. O que você compreende por patrimônio? 4. Qual a sua opinião sobre o patrimônio arquitetônico da cidade? 5. Porque Mucugê é tida pelo Iphan como Patrimônio Nacional? 6. Você acredita que o tombamento do centro histórico e do cemitério bizantino contribui para a preservação desses patrimônios arquitetônicos? 7. Conhece a história de alguma dessas edificações? Por exemplo: proprietário, tipo de construção, quando foi construída... Comente. 8. Dentre o patrimônio arquitetônico da cidade o que você mais gosta: as casas térreas, os sobrados, as igrejas, o cemitério bizantino? Por quê? E Entre essas tipologias, poderia citar quais são as edificações que mais te agradam? 9. Em sua opinião houve mudanças nessas edificações ao longo do tempo? Se houve você as percebe como positivas ou negativas? Por quê? 10. Percebe que há interesse por parte do visitante em conhecer esse patrimônio arquitetônico? Se sim, por que não há roteiros para patrimônio cultural em Mucugê? 11. Em sua opinião, porque a ACVM (Associação de Condutores e Visitantes de Mucugê) não oferece o serviço de city tour para os visitantes? 12. Se tivesse a oportunidade de sugerir uma visita, ou até mesmo conduzir um visitante em um passeio pela cidade, quais as edificações que gostaria de mostrar? Cite-as. 13. Em sua opinião qual (is) dessas edificações está (ao) preservada ao ponto de receber visitantes? 14. Qual a sua opinião sobre o Cemitério Bizantino, você acredita que este recurso poderia ser mais bem aproveitado pela atividade turística? 15. O turismo cultural pode contribuir para a valorização do patrimônio arquitetônico da cidade? De que maneira? 151 Gestores públicos Secretaria Municipal de Turismo de Mucugê 1. Qual a opinião do órgão sobre o patrimônio arquitetônico da cidade? 2. A Secretaria de Turismo acredita que o patrimônio arquitetônico da cidade pode ser utilizado como atrativo turístico? 3. Dentre o patrimônio arquitetônico da cidade o que mais interessa a iniciativa pública em se tratando possível atrativo turístico: as casas térreas, os sobrados, as igrejas ou o Cemitério Bizantino? 4. Dentre essas tipologias poderia citar quais dessas edificações estão preservadas ao ponto de receber visitação? 5. Qual do órgão sobre o cemitério Bizantino. Você acredita que esse recurso poderia ser mais bem aproveitado pela atividade turística? 6. A Secretaria de Turismo acredita que o tombamento do Centro Histórico e do Cemitério Bizantino por parte do Iphan, contribuiu para preservação desses patrimônios arquitetônicos? 7. Na opinião do órgão, porque a ACVM (Associação de Condutores e Visitantes de Mucugê) não oferece o serviço de city tour para os visitantes? 8. A iniciativa pública percebe interesse por parte da iniciativa privada em fomentar o turismo cultural? 9. Como a Secretaria de Turismo ver a relação dos moradores com o patrimônio arquitetônico da cidade no que se refere à noção de pertencimento? 10. A empresa acredita que um roteiro turístico voltado para a questão patrimonial poderia motivar um aumento na demanda turística do município? 11. A Secretaria de Turismo acredita o turismo cultural pode contribuir para a valorização do patrimônio arquitetônico da cidade? 152 Gestores Públicos Empresa Bahiatursa 1. Considerando a política de descentralização da atividade turística vigente no país, como a empresa percebe as políticas de planejamento e gestão no destino Mucugê? 2. Sendo a Chapada Diamantina um dos destinos mais procurados na Bahia, como essa instituição analisa a demanda turística por Mucugê? 3. Ainda nesse sentido, sabe-se que praticas de turismo relacionado à natureza sobressaem no município de Mucugê. Como a empresa concebe a possibilidade de desenvolvimento do turismo cultural? 4. E no que se refere a recursos, como a empresa percebe o patrimônio arquitetônico da cidade? Acredita que pode ser convertido em atrativo turístico? 5. Dentre o patrimônio arquitetônico de Mucugê: casas térreas, sobrados, igrejas, mausoléus do cemitério bizantino. Quais desses patrimônios seriam interessantes para o turismo? 6. Na opinião da Bahiatursa um roteiro voltado para visitação às edificações antigas da cidade e para o cemitério bizantino, poderá atrair mais visitantes para cidade? 7. Por que as campanhas publicitárias da instituição, ao comercializarem a Chapada Diamantina, dão pouca ênfase ao legado cultural? 8. A empresa acredita que o turismo cultural pode contribuir para a preservação do patrimônio arquitetônico da cidade? 153 Gestores Públicos Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional – IPHAN - Escritório Rio de Contas - BA. 1. Responsável pelas respostas: 2. Cargo / Função: 3. O que você compreende por turismo cultural? 4. Acredita que o patrimônio arquitetônico de Mucugê pode vir a ser um atrativo em potencial para o fomento dessa segmentação? 5. E por se tratar de edificações tombadas, como o Iphan vê a possível transformação desse bem material em “produto” turístico? 6. Considerando o Cemitério Bizantino enquanto importante recurso turístico, como o órgão percebe a prática do turismo nessa área? 7. Dentre essas edificações tombadas, na opinião da instituição, quais seriam interessantes para visitação, considerando o valor histórico? 8. Acredita que o fomento do turismo cultural na cidade, pode contribuir para preservação desse legado cultural? Justifique. 9. Em sua opinião atualmente existe uma valorização desse patrimônio arquitetônico por parte dos moradores da cidade? 10. Sobre preservação, em condições encontram-se essas edificações? 12. Quais as principais dificuldades que o órgão encontra nesse sentido? 13. Sabe da existência de ações de educação patrimonial no município? 154