Fireworks - Zipper Galeria

Transcrição

Fireworks - Zipper Galeria
Fireworks
É cena marcante na narrativa de Cópia Fiel. James (William
Shimell) vislumbra os telhados e torres do pequeno casario e
do conjunto de edificações de Arezzo, pelo enquadramento da
janela do hotel onde revive (ou encena, mas a dúvida, decisiva,
persiste e é chave no caráter aberto do filme do iraniano Abbas
Kiarostami) história de amor com a personagem cujo nome
não sabemos, interpretada por Juliette Binoche. As construções
opacas, em cor de terra, carregam intimismo, resultam de uma
visada por detrás e sintetizam, nas superfícies desgastadas,
afetos intensos, memória histórica e até um embate de câmera
do cineasta frente a um novo território fílmico – é a estreia em
rodagem do diretor na Itália.
E é intrincadamente empregando janelas de poética silenciosa,
nada ostensiva e sem sobressaltos que a paulistana Carolina Paz
constroi a individual Íntima Ação, dentro do projeto Zip´Up, na
Zipper Galeria. A artista lança mão da pintura, do vídeo e do
desenho para levar o observador a um terreno mais desacelerado, onde diminutos detalhes, ligados por elos de existência
precária, mas, ao mesmo tempo, potentes, sugerem experiências
singulares, de ritmo cadenciado, serial, pontuadas por uma persistência que beira o obsessivo.
As janelas tecidas cuidadosamente por Paz têm suportes
variados e tratam, em comum,
do fragmento, do estilhaço,
do caco. Por vezes ela utiliza
a dilatação temporal tão característica da videoarte – um
dos trabalhos tem 72 minutos
de duração; Confinadas (2011)
transcorre por 22. Contudo,
também em apenas um minuto a artista é bem-sucedida em
condensar sua proposição de
apreender o que é fugidio no
vídeo da série A Feia Que Não
Sabe Que É Tão Feia (2011).
Nele, o inexpressivo movimento do ar sobre uma superfície de padronagem doméstica e banal é quem conduz a
cena, captada por uma câmera fixa, quase um anticinema
– ao menos se visto como a
atual prática hegemônica de
tal linguagem, pautada mais
pelo frenesi narrativo e pelas
pirotecnias visuais. “A janela
pictórica abre para o mundo:
sempre no mesmo sentido. O
cinema multiplica as janelas,
as atravessa, faz delas o lugar
do mistério e do in-visto, mas
também as imobiliza em sobrequadro.”2
O teórico francês Jacques Aumont, em O Olho Interminável,
aproximando a pintura do cinema (e, em alguns momentos, da
videoarte), cria o conceito de quadro-janela, essencial na sua
análise de tais artes. “Enfim, interessemo-nos, já é tempo, pelo
que representa a imagem, por esse mundo imaginário ‘que se
afina com nossos desejos’. Uma imagem, talvez não seja supérfluo dizê-lo após Lacan, é, a um só tempo, gato por lebre, a ótica
e o imaginário. Ela é feita para que nós nos percamos nela. […]
Fazer uma imagem é, portanto, sempre apresentar o equivalente
de um certo campo – campo visual e campo fantasmático, e os Paz habilmente situa suas peças audiovisuais perto das bordois a um só tempo, indivisivelmente”1, destaca o ensaísta.
das narrativas, testando a capacidade de adesão desprovida de
pressa do espectador. Nos 22 minutos de Confinadas, os planos
se desdobram a partir de uma superfície em negro que, bem
pouco a pouco, se vê preenchida por flores de diversas matizes,
delicadamente costuradas pela artista. Os 72 minutos de vídeo
sem título são ainda mais exasperantes: vão de uma inicial mesa
encapada por uma toalha laranja de motivos decorativos triviais,
com uma xícara ao centro, para, por fim, transmutar-se em uma
branquidão total, em razão do açúcar que invade o cenário, lentamente, de colherada em colherada. Uma paisagem nevada,
algo lunar, recriada sobre um mobiliário corriqueiro, feita a partir de uma ação repetitiva.
Na montagem pouco ruidosa de Íntima Ação, a paulistana coloca em relevo, dentro de sua produção pictórica, a pequena escala
e a finalização de tom passadista. Nada a ver com uma fetichização vintage, porém com uma ênfase na reinserção contemporânea de elementos a priori anacrônicos, no deslocamento e na
ressignificação de objetos originários de ambientes particulares
para serem exibidos segundo os códigos da arte de hoje e na
marcante valorização do vestígio e do impermanente. Então,
Silêncio (2012) e Ascensão (2012) são colocadas lado a lado e retratam partes do corpo da artista, mas sob um olhar de relance,
que capta quase que um frame de ato rotineiro. Revelação (2011)
também segue tal leitura. Já Pó (2012) remete à clássica temática
do vanitas e é posta em parede da sala expositiva que ostenta
janelas retangulares, a receber frequente luz.
conceito. Os traços precisos que retratam trechos de molduras
(reutilizadas?), cujas formas apenas são completadas na mente
de quem as assiste agora, dentro de um espaço expositivo, fazem
com que a obra da paulistana tenha um efeito similar de, por
exemplo, fogos de artifício já em queda, depois dos rompantes
de segundos de luz e cor. Rastros de existência efêmera, também
se assemelham à luz corrida, desfeita e indicial dos vaga-lumes.
“Para conhecer os vaga-lumes, é preciso observá-los no presente
de sua sobrevivência: é preciso vê-los dançar vivos no meio da
noite, ainda que essa noite seja varrida por alguns ferozes projetores. […] Não há comunidade viva sem uma fenomenologia
da apresentação em que cada indivíduo afronta – atrai ou repele, deseja ou devora, olha ou evita – o outro. Os vaga-lumes se
apresentam a seus congêneres por uma espécie de gesto mímico
que tem a particularidade extraordinária de ser apenas um traço
de luz intermitente, um sinal, um gesto”3. Assim, Carolina Paz
opta por uma corajosa transitoriedade, uma vital incerteza, em
meio a um mundo novidadeiro e de ansiedades quase histéricas.
Íntima Ação, vista em conjunto quase como uma instalação Mario GioIa
constituída de distintos suportes em aproximações fecundas,
Graduado pela ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
ecoa influências de Karen Kiliminik e Joseph Cornell, por Paulo), foi o curador de Ela Caminha em Direção à Fronteira, de Ana Mazzei, primeira
exemplo. Talvez o momento que ateste a inquieta poética de individual da série de exposições Zip’Up em 2012, o segundo ano do projeto na Zipper
(neste ano, também já houve Lugar do Outro, de Julia Kater, e Transmission,
Paz seja os dois desenhos da série Relíquia (2011-12) expostos, Galeria
de Geraldo Marcolini). Em 2012, também fez as curadorias de Miragem, de Romy Poambos grafite sobre papel jornal. Sabe-se que a materialidade cztaruk; e Distante Presente, de Gordana Manic (Galeria Ímpar). Em 2011, inaugurou
das duas peças vai passar por intensas transformações. A de- o projeto Zip’Up com a coletiva Presenças, destinado a novos artistas (que teve como
outras mostras Já Vou, de Alessandra Duarte, Aéreos, de Fabio Flaks, Perto Longe, de
corrente fragilização do que antes se impõe como uma obra de Aline van Langendonck, Paragem, de Laura Gorski, Hotel Tropical, de João Castilho,
arte mais estanque e visível só destaca a importância da ideia, do e a coletiva Território de Caça, com a mesma curadoria). Em 2010, fez Incompletu-
des (Galeria Virgilio), Mediações (Galeria
Motor) e Espacialidades (Galeria Central),
além de ter realizado acompanhamento
crítico de Ateliê Fidalga no Paço das Artes. Em 2009, fez as curadorias de Obra
Menor (Ateliê 397) e Lugar Sim e Não (Galeria Eduardo Fernandes). Foi repórter e
redator de artes e arquitetura no caderno
Ilustrada, no jornal Folha de S.Paulo, de
2005 a 2009, e atualmente colabora para
diversos veículos, como a revista Bravo e
o portal UOL, além da revista espanhola
Dardo e da italiana Interni. É coautor de
Roberto Mícoli (Bei Editora) e faz parte do
grupo de críticos do Paço das Artes, instituição na qual fez o acompanhamento
crítico de Black Market (2012), de Paulo
Almeida, e A Riscar (2011), de Daniela
Seixas.
1.AUMONT, Jacques. O Olho Interminável [Cinema e Pintura]. São Paulo, Cosac
Naify, 2007, p. 114
2. AUMONT, Jacques. Idem, p. 122
3. DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos Vaga-Lumes. Belo Horizonte,
UFMG, 2011, p. 52, 57 e 58
Rua Estados Unidos, 1494
CEP 01427 001
São Paulo – SP – Brasil
+55 [11] 4306 4306
www.zippergaleria.com.br
Fireworks
It’s a striking scene in the plot of Certified Copy. James (William
Shimell) views the rooftops and towers of the small cluster of
houses and buildings of Arezzo through the window of the hotel
where he relives (or stages, but the doubt remains, decisively, and
is a key factor to the open nature of Iranian Abbas Kiarostami’s
movie) love story with the unnamed character played by Juliette
Binoche. The opaque, earth-coloured buildings are loaded with
intimacy, resulting from a view from behind and synthesizing,
on their worn surfaces, intense feelings, a memory of times past
and even a clash of the camera of the filmmaker faced with new
cinematic territory – it is director’s debut shoot in Italy.
It is through such intricate use of artistically-silent windows,
with no ostensible elements jumping out at us that São Paulo
artist Carolina Paz builds her solo exhibition Íntima Ação
(Intimate Action), as part of the Zip’Up project at Zipper
Galeria. Carolina makes use of painting, video and drawing
to lead the spectator to a slower-paced terrain, where minute
details connected by precarious yet powerful links suggest
unique experiences to a cadenced, serial rhythm dotted by a
persistence verging on the obsessive.
The French theoretician Jacques Aumont, in The Endless Eye,
addressing the painting of movies (and, in some instances, of
video art), creates the concept of the window frame, essential
to his analysis of such art forms. “After all, we are interested,
and it’s about time, in what the image represents, through this
imaginary world ‘which resembles our desires’. An image, it may
not be superfluous to say after Lacan, is at once, as a pig in a
poke, the visual and the imaginary. It is made so that we do
not get lost in it. [...] To make an image is, therefore, always to
present the equivalent of a certain field – visual field and ghostly
field, and both at the same time, indivisibly”1, the essayist states.
The
windows
carefully
woven by Paz have varied
supports and deal with, in
common,
the
fragment,
the splinter, the shards. At
times she uses temporal
dilation so characteristic of
video art – one of her works
lasts 72 minutes; Confinadas
(Confined) (2011) runs for
22. However, also in just one
minute the artist successfully
condenses her proposition to
seize the fleeting in the video
of the series A Feia Que Não
Sabe Que É Tão Feia (The Ugly
Girl Who Doesn’t Know That
She’s So Ugly) (2011). There,
the inexpressive movement
of the air on a banal, homelypatterned surface is what
drives the scene, captured by
a fixed, almost anti-cinematic
camera – at least if seen as the
current hegemonic practice
of such language, based more
on the narrative frenzy and
visual pyrotechnics. “The
picture window opens to the
world: always in the same
direction. Cinema multiplies
the windows, crosses them,
makes them into the place
of mystery and in-visto, but
also immobilizes them in
overframe.”2
Paz skillfully situates her audiovisual pieces close to the narrative
edges, testing the spectator’s rush-free capacity of adhesion. In
the 22 minutes of Confinadas, the shots open up from a black
surface that, ever so gradually, is seen filled with flowers of
different hues, delicately sewn together by the artist. The 72
minutes of untitled video are even more exasperating: moving
from an opening shot of a table covered with a commonplace,
decorative orange tablecloth, with a teacup in the middle, to
finally transmute into complete white, caused by the sugar that
slowly invades the scenario, spoonful by spoonful. A snowy,
somewhat lunar landscape, recreated over a dull piece of
furniture from a repeated action.
In the slightly noisy assembly of Íntima Ação, the paulistana*
highlights, within her pictorial work, the small scale and old
fashioned post-production. Quite unrelated to a vintage
fetishization, however there is an emphasis on the contemporary
reinsertion of a priori anachronic elements, in the displacement
and redefined meaning of objects from particular environments
to be exhibited according to today’s artistic codes and in the
notable value given to the remains and the impermanent. So,
Silêncio (Silence) (2012) and Ascensão (Ascension) (2012) are
placed side by side and portray parts of the artist’s body, but seen
at a glance, capturing almost a frame of a routine act. Revelação
(Revelation) (2011) also follows that reading. Pó (Powder)
(2012) meanwhile refers to the classic theme of the vanitas and
is placed on a gallery wall with rectangular windows providing
frequent sunlight.
visible and watertight work of art only serves to highlight the
importance of the idea, of the concept. The precise lines that
portray parts of (recycled?) picture frames, whose forms are
completed in the minds of those who see them now, within an
exhibition space, afford the artist’s work a similar effect to, for
instance, fireworks falling in the sky after brief bursts of light and
colour. Traces of ephemeral existence, also resemble the quickmoving, dimming light of fireflies. “To know fireflies, one must
observe them in the present of their survival: one must seem
them dance alive at midnight, even if that night is swept by some
ferocious projectors. [...] There is no living community without
a phenomenology of the presentation in which each individual
affronts – attracts or repels, desires or devours, sees or avoids
– the other. The fireflies present themselves to their congeners
by a kind of mimicking gesture which has the extraordinary
trait of being just a strand of intermittent light, a signal, a
gesture.”3 Thus, Carolina Paz opts for a brave transitoriness,
a vital uncertainty, in an intriguing world of almost hysterical
anxieties.
Íntima Ação, seen altogether, almost like an installation composed Mario GioIa
of distinct supports on fertile approximations, echoes the A graduate from the ECA-USP (São Paulo University School of Arts and Communicainfluence of Karen Kiliminik and Joseph Cornell, for example. tion), he curated Ela Caminha em Direção à Fronteira, by Ana Mazzei, the first solo
Perhaps the instances that attest to Paz’s restless artwork are the exhibition of the Zip’Up series in 2012, the project’s second year at Zipper (which has
also exhibited Julia Kater’s Lugar do Outro, and Geraldo Marcolini’s Transmission this
two drawings on show from the series Relíquia (Relic) (2011- year). In 2012, he has also curated Miragem, by Romy Pocztaruk, and Distante Pre12), both in graphite on newspaper. Evidently the materiality sente, by Gordana Manic (Ímpar Gallery). In 2011, he inaugurated the Zip’Up project
with the collective exhibition Presenças, aimed at new artists (which has also included
of these two pieces will undergo intense transformations. The the exhibitions Já Vou, by Alessandra Duarte, Aéreos, by Fabio Flaks, Perto Longe, by
resulting deterioration of what was before presented as a more Aline van Langendonck, Paragem, by Laura Gorski, Hotel Tropical, by João Castilho,
and the collective exhibition Território
de Caça, with the same curatorship). In
2010, he curated Incompletudes (Virgilio
gallery), Mediações (Motor gallery) and
Espacialidades (Central gallery), as well
as reviewing Ateliê Fidalga no Paço das
Artes. In 2009 he curated Obra Menor
(Ateliê 397) and Lugar Sim e Não (Eduardo Fernandes gallery). Mario was a reporter and editor on arts and architecture for
the Ilustrada section of the Folha de São
Paulo newspaper from 2005 to 2009 and
currently contributes to various publications, including the magazine Bravo and
the UOL online portal, as well as the Spanish magazine Dardo and Italian Interni.
He is the coauthor of Roberto Mícoli (Bei
Editora) and a member of the Paço das
Artes critics group, where he reviewed
Black Market (2012), by Paulo Almeida,
and A Riscar (2011), by Daniela Seixas.
1.AUMONT, Jacques. O Olho Interminável [Cinema e Pintura]. São Paulo, Cosac
Naify, 2007, p. 114
2. AUMONT, Jacques. Idem, p. 122
3. DIDI-HUBERMAN, Georges. Sobrevivência dos Vaga-Lumes. Belo Horizonte,
UFMG, 2011, p. 52, 57 e 58
* Translator’s Note: Paulistana = a native
of the city of São Paulo
Rua Estados Unidos, 1494
CEP 01427 001
São Paulo – SP – Brasil
+55 [11] 4306 4306
www.zippergaleria.com.br