Folha de S.Paulo - Câmara dos EUA mira Tríplice

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Folha de S.Paulo - Câmara dos EUA mira Tríplice
São Paulo, segunda-feira, 17 de julho de 2006
Câmara dos EUA mira Tríplice
Fronteira
Deputados aprovam moção de republicana que exorta
Bush a pedir na OEA criação de força-tarefa antiterror
na região
Em justificativa, deputada diz que ex-líder da Al Qaeda
no Iraque instrui terroristas a vir para o Brasil e tentar
entrar nos EUA via México
SÉRGIO DÁVILA
DE WASHINGTON
A Câmara dos Representantes dos EUA, o equivalente local
à Camara dos Deputados brasileira, aprovou moção para que
George W. Bush peça a formação de força-tarefa para atuar
contra o terrorismo no hemisfério ocidental, especialmente
na zona da Tríplice Fronteira. A resolução pede ainda que
Bush exija que os países-membros da Organização dos
Estados Americanos (OEA) reconheçam o Hizbollah e o
Hamas como organizações terroristas.
O alvo de ambos os pedidos é o Brasil: é o mais citado nas
justificativas da moção como palco das supostas atividades
terroristas na fronteira com a Argentina e o Paraguai e é o
mais importante dos países-membros da OEA que não
aceitam o conceito de organização terrorista -para o
Itamaraty, há apenas atos terroristas. A moção causou
indignação na Embaixada do Brasil em Washington e, se
aprovada pelo Senado, pode atrapalhar a relação entre os
dois países.
A proposta foi apresentada pela republicana Ileana
Ros-Lehtinen, da Flórida, que em seu discurso de defesa na
Câmara diz que o terrorista Abu Musab al Zarqawi, principal
líder da Al Qaeda no Iraque, morto pelas tropas americanas
no dia 7 de junho, teria pedido que membros de sua
organização fossem ao Brasil com a missão de usar o país
para chegar ao México -e, uma vez lá, entrar nos EUA com
objetivo de promover ataques terroristas.
"Antes de Abu Musab al Zarqawi ter sido eliminado como
uma ameaça, há relatos de que ele tenha instruído membros
da Al Qaeda no Iraque a ir ao Brasil, com o objetivo de
entrar nos EUA pelo México e aqui cometer atos de terror",
disse ela no Congresso. Na semana passada, a Folha tentou
ouvir a congressista sobre a origem dos "relatos" citados
como argumentação para sua moção, já que nunca houve
menção oficial de tal ordem entre os governos americano e
brasileiro.
Localizada em seu escritório político em Miami, na Flórida,
ela afirmou via porta-voz que precisaria das perguntas por
escrito para atender à reportagem. As questões enviadas
foram: 1. Por que essa moção agora? A representante
contava com dados novos que justificassem tal ação? 2. Qual
a origem dos relatos que dão conta da suposta ordem de Al
Zarqawi? 3. E se ela não temia que tal moção fosse
prejudicar as relações entre Brasil e EUA.
Menos de dez minutos depois de receber as perguntas, o
assessor de Ros-Lehtinen respondeu à Folha que,
"infelizmente, Ileana não está disponível para entrevistas".
Não é a primeira polêmica em relação a um país da América
do Sul em que se envolve a política. De origem cubana e
ultraconservadora, a congressista já foi acusada por Hugo
Chávez, da Venezuela, de ter ajudado na tentativa de golpe
contra seu governo em 2002.
Assinada por 29 outros congressistas, entre eles o
republicano Tom Tancredo (Colorado), conhecido por suas
posições radicais contra os imigrantes, mas também por
cinco democratas, a Resolução 338 foi aprovada sem
alterações há 20 dias e enviada ao Senado, que a repassou ao
Comitê de Relações Exteriores, cujo presidente é o
republicano Richard Lugar (Indiana), que mantém bom
diálogo com o Brasil e promete examinar o texto com
cuidado.
"Desconforto"
A Folha apurou que o embaixador do Brasil nos EUA,
Roberto Abdenur, manifestou "profundo desconforto" ao
Departamento de Estado americano e escreveu cartas de
protesto a todos os signatários da moção. Seu argumento é o
de que o texto está em descompasso com a Casa Branca, que
reconhece não haver atividades de terrorismo operativo na
região. O diplomata lembrou também que todo dado novo de
inteligência que os EUA disponham sobre o assunto tem de
ser compartilhado com o Brasil segundo o que reza
comunicado do grupo 3 + 1 (Brasil-Argentina-Paraguai +
EUA).
Não é a primeira vez neste ano que a questão da Tríplice
Fronteira causa tensão entre os dois países. Em abril, o
Departamento de Estado disse em seu relatório anual sobre o
terrorismo que suspeitos de apoiar grupos extremistas
islâmicos aproveitam aquele território "pouco vigiado e a
proximidade com comunidades islâmicas" para levantar
fundos e promover atividades ilegais.

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