manual de construção com terra
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manual de construção com terra
MANUAL DE CONSTRUÇÃO COM TERRA - UMA ARQUITETURA SUSTENTÁVEL - Gernot Minke B4 Editores 2015 ÍNDICE 1 – Introdução 1.1 – A terra como material de construção 1.2 – Pequena história da construção com terra 1.3 – O que devemos saber sobre a terra como material de construção 1.4 - Melhorando a temperatura ambiente 1.4.1– Generalidades 1.4.2 – Umidade do ar e a saúde 1.4.3 – A influência do intercâmbio do ar na umidade do ar 1.4.4 – O efeito do barro no equilíbrio da umidade 1.5 – Prejuízos contra terra como material de construção 2 – Propriedades da terra como material de construção 2.1 – Composição 2.1.1 – Generalidades 2.1.2 – Argila 2.1.3 – Silte, areia e cascalho 2.1.4 – Distribuição granulométrica 2.1.5 – Elementos orgânicos 2.1.6 – Água 2.1.7 – Porosidade 2.1.8 – Superfície específica 2.1.9 – Densidade 2.1.10 – Compactabilidade 2.2 – Testes para avaliar a composição do barro 2.2.1 – Generalidades 2.2.2 – Análise combinada por peneiração e sedimentação 2.2.3 – Conteúdo da água 2.2.4 – Testes de campo 2.3 – Efeitos da água 2.3.1 – Generalidades 2.3.2 – Expansão e retração 2.3.3 – Determinando a retração linear 2.3.4 – Plasticidade 2.3.5 – Ação de capilaridade 2.3.6 – Estabilidade em água estática 2.3.7 – Resistência ao corrimento da água 2.3.8 – Erosão pela chuva e congelamento 2.3.9 – Período de seca 2.4 – Efeito do vapor 2.4.1 – Generalidades 2.4.2 – Difusão do vapor 2.4.3 – Equilíbrio do conteúdo de umidade 2.4.4 – Condensação 2.5 – Influência do calor 2.5.1 – Generalidades 2.5.2 – Condutividade térmica 2.5.3 – Calor específico 2.5.4 – Capacidade térmica 2.5.5 – Perda e ganância térmica 2.5.6 – Decréscimo e retrocesso térmico 2.5.7 – Expansão térmica 2.5.8 – Comportamento em relação ao fogo 2.6 – Resistência 2.6.1 – Coesividade 2.6.2 – Resistência à compressão 2.6.3 – Resistência à tração 2.6.4 – Resistência à flexão 2.6.5 – Adesão 2.6.6 – Resistência à abrasão 2.6.7 – Módulo de elasticidade 2.7 – Valor pH 2.8 – Radiatividade 2.9 – Proteção das ondas eletromagnéticas de alta frequência 2.10 – Conteúdo Primário de Energia (CPE) 3 – Preparação do barro 3.1 – Generalidades 3.2 – Umedecimento, trituração e mistura 3.3 – Peneiração 3.4 – Dissolver o barro 3.5 – Curado 3.6 – Redução do conteúdo de argila 4 – Melhoramentos das características do barro através de tratamentos especiais e aditivos 4.1 – Generalidades 4.2.2 – Rebaixado com agregados 4.2.3 – Rebaixado com líquidos 4.2.4 – Adição de fibras 4.2.5 – Medidas estruturais 4.3– Estabilização contra a água 4.3.1 – Generalidades 4.3.2 – Estabilizadores minerais 4.3.3 – Produtos animais 4.3.4 – Produtos animais e minerais 4.3.5 – Produtos vegetais 4.3.6 – Emulsão asfáltica 4.3.7 – Estabilizadores sintéticos 4.4 – Incremento da coesão 4.4.1 – Generalidades 4.4.2 – Misturado e curado 4.4.3 – Incremento do conteúdo de argila 4.4.4 – Aditivos 4.5 – Incremento da resistência à compressão 4.5.1 – Generalidades 4.5.2 – Preparação 4.5.3 – Compactação 4.5.4 – Aditivos minerais 4.5.5 – Aditivos orgânicos 4.5.6 – Adição de fibras 4.6 – Resistência à abrasão 4.7 – Incremento do isolamento térmico 4.7.1 – Generalidades 4.7.2 – Barro acrescentado com palha 4.7.3 – Barro acrescentado 4.7.4 – Barro acrescentado com madeira 5 – Terra pisada (taipa) 5.1 – Generalidades 5.2 – Encofrados 5.3 – Ferramentas 5.4 – Processo de construção 5.5 – Execução de vãos 5.6 – Novas técnicas de construção de muros 5.6.1 – Painéis de taipa 5.6.2 – Técnicas altamente mecanizadas 5.6.3 – Estrutura entramada de taipa 5.6.4 – Construções com cofragem perdida 5.7 – Cúpulas de taipa 5.8 – Processo de secagem 5.9 – Mão de obra 5.10 – Isolamento térmico 5.11 – Tratamento da superfície 6 – Construções com adobe 6.1 – Generalidades 6.2 – História 6.3 – Elaboração de adobes 6.4 – Dosificação da mistura 6.5 – Execução de paredes 6.6 – Tratamento de superfície 6.7 – Fixação de elementos nas paredes 7 – Adobes e painéis pré-fabricados 7.1 – Generalidades 7.2 – Adobes 7.3 – Painéis pré-fabricados para paredes 7.4 – Elementos 7.5 – Adobes para optimizar a acústica 7.6 – Pisos 8 – Modelado direto com barro plástico 8.1 – Generalidades 8.2 – Técnicas tradicionais com barro úmido 8.3 – Painéis de barro 8.4 – Técnicas de Stranglehm 8.4.1 – Generalidades 8.4.2 – Elaboração dos elementos de Stranglehm 8.4.3 – Preparação da mistura 8.4.4 – Colocação de elementos 9 – Entramados com barro plástico 9.1 – Generalidades 9.2 – Pau a pique 9.3 – Barro projetado 9.4 – Estacas e garrafas de barro 9.5 – Entramados com barro 9.6 – Rellenos com barro 10 – Técnicas para compactar, verter e bombear barro 10.1 – Generalidades 10.2 – Encofrados 10.3 – Paredes de taipa de barro com palha 10.4 – Paredes de barro com madeira 10.5 – Paredes de barro bombeado com aditivos naturais 10.5.1 – Generalidades 10.5.2 – Paredes compactadas 10.5.3 – Paredes de barro vertido 10 .5.4 – Paredes bombeadas 10.5.5 – Tratamento de superfície 10.6 – Pisos de barro bombeado 10.7 – Blocos de barro 10.8 – Mangueras de barro 11 – Blocos de barro 11.1 – Generalidades 11.2 – Preparação de superfície 11.3 – Composição 11.3.1 – Generalidades 11.3.2 – Exteriores 11.3.3 – Interiores 11.4 – Regras para aplicação 11.5 – Barro projetado 11.6 – Reboco de barro 11.7 – Reboco lançado 11.8 – Reboco em paredes de fardos de palha 11.9 – Modelados de reboco de barro em estado úmido 11.10 – Proteção de quinas 11.11 – Rebocos exteriores estabilizados 12 – Proteção de superfícies de barro contra as inclemências do tempo 12.1 – Generalidades 12.2 – Consolidação da superfície 12. 3 – Pinturas 12.3.1 – Generalidades 12.3.2 – Preparação da superfície 12.3.3 – Misturas recomendadas para pintura 12.3.4 – Difusão de vapor 12.3.5 – Penetração de água 12.4 – Como fazer superfícies hidrófobas 12.4.1 – Aditivos hidrófobos 12.4.2 – Aplicação de aditivos hidrófobos 12.4.3 – Testes 12.5 – Rebocos de cal 12.5.1 – Generalidades 12.5.2 – Preparação da superfície 12.5.3 – Reforço 12.5.4 – Composição 12.5.5 – Aplicação 12.5.6 – Efeito sobre a difusão de vapor 12.6 – Ripas e outras coberturas 12.7 – Métodos estruturais 12.7.1 – Proteção contra chuva 12.7.2 – Proteção contra a umidade ascendente 12.7.3 – Proteção contra a inundação 13 – Reparação de elementos de barro 13.1 – Generalidades 13.2 – Danos nas construções de barro 13.3 – Reparação de brechas e juntas com barro 13.3.1 – Generalidades 13.3.2 – Misturas 13.4 – Reparação de brechas e juntas com outros materiais 13.4.1 – Generalidades 13.4.2 – Misturas 13.5 – Reparação de danos maiores 13.5.1 – Reparação com barro 13.5.2 – Pinturas 13.6 – Melhoramento posterior do isolamento térmico com barro 13.6.1 – Generalidades 13.6.2 – Condensação 13.6.3 – Isolamento térmico 13.6.4 – Revestimento de barro como isolamento interior 13.6.5 – Elementos pré-fabricados 14 – Construções antissísmicas 14.1 – Generalidades 14.2 – Requisitos construtivos e de desenho 14.3 – Vãos de portas e janelas 14.4 – Paredes de taipa reforçadas com bambu 14.5 – Cúpulas 14.6 – Abóbadas 14.7 – Paredes de barro 15 – Desenho de elementos construtivos especiais 15.1 – Juntas 15.2 – Desenhos especiais de paredes 15.2.1 – Paredes de barro com alto isolamento térmico 15.2.2 – Paredes com barro 15.2.3 – paredes com barro 15.3 – Entrepisos de barro 15.3.1 – Entrepisos tradicionais de barro 15.3.2 – Entrepisos modernos 15.4 – Pisos de barro 15.4.1 – Generalidades 15.4.2 – Pisos tradicionais 15.4.3 – Pisos modernos 15.5 – Telhados tradicionais com coberturas de barro 15.6 – Coberturas de barro impermeável 15.7 – Abóbadas e cúpulas de adobe 15.7.1 – Generalidades 15.7.2 – Geometria 15.7.3 – Comportamento estrutural 15.7.4 – Abóbadas núbias 15.7.5 – Cúpulas afegãs e persas 15.7.6 – Cúpulas núbias 15.7.7 – Cúpulas estruturalmente optimizadas 15.7.8 – Cúpulas e abóbadas em cofragem 15.7.9 – Cúpulas de barro 15.7.10 – Exemplos modernos 15.8 – Parede de armazenamento térmico 15.9 – Utilização de barro em banheiros 15.10 – Construção de mobiliário e artefatos sanitários com barro 15.11 – cozinhas de barro 15.11.1 – Cozinhas com baixo consumo de madeira 15.11.2 – Cozinha integrada com cama 15.11.3 – Forno para pão e pizza 16 – Exemplos de construções modernas com terra 16.1 – Generalidades 16.2 – Residência em Turku, Finlândia 16.3 – Residência em Tucson, Arizona, EUA 16.4 – Residência, Villa de Leiva, Colômbia 16.5 – Residência, La Paz, Bolívia 16.6 – Residência, Des Montes, NM, EUA 16.7 – Casa de Campo, São Pedro, São Paulo, Brasil 16.8 – Vivenda Ezeiza, Buenos Aires, Argentina 16.9 – Casa de campo, Maldonado, Uruguai 16.10 – Residência Nuaanarpoq, Taos, Novo México 16.11 – Residência com estúdio, Kassel, Alemanha 16.12 – Residências , Kassel, Alemanha 16.13 – Condomínio (casa para três famílias), Stein in Rhin, Suíça 16.14 – Residência em Helensville, Nova Zelândia 16.15 – Residência rural, Rio Negro, Argentina 16.16 – Residência, El Bosón, Argentina 16.17 – Finca, Wazipur, Haryana, Índia 16.18 – Oficina, Nova Delhi, Índia 16.19 – Infantil, Oranienburg-Eden, Alemanha 16.20 – Infantil, Sorsum, Alemanha 16.21 – Residência, Córdoba, Argentina 16.22 – Escola em Rudrapur, Bangladesh 16.23 – Sala de usos múltiplos em Picada Café, Rio Grande do Sul, Basil 16.24 – Escola Solvig, Järna, Suécia 17 – Perspectivas futuras 18 – Referências bibliográficas 19 – Créditos fotográficos PREFÁCIO Escrito como resposta a um crescente interesse em todo o mundo pela construção com terra, o livro discorre sobre esse material, e proporciona a análise em torno das suas aplicações e técnicas de construção, incluindo dados físicos pertinentes, explicando ainda suas propriedades específicas e as possibilidades de otimizá-las. Nenhum livro de teoria pode substituir a experiência prática que envolve a construção com terra. Os dados, as experiências e exemplos específicos de construção com terra contidos neste volume podem ser utilizados como base para uma multiplicidade de processos de construção e possíveis aplicações por engenheiros, arquitetos, empresários, artesãos e os criadores de políticas públicas que queiram construir utilizando como material mais antigo da humanidade, a terra. A terra como material de construção apresenta milhares de composições distintas, e podem ser processadas de diferentes maneiras. O barro ou solo argiloso, tem diferentes nomes quando utilizados em aplicações distintas, por exemplo, a taipa, blocos de terra, lama, tijolos ou adobe. Este livro documenta os resultados dos experimentos e pesquisas desenvolvidos continuamente no Forschungslabor für Experimentelles Bauen (Building Research Institute) na Universidade de Kassel, na Alemanha, desde 1978. Além disso, a presente edição apresenta as técnicas especializadas que o autor desenvolveu e as experiências práticas da construção do Planungsbüro für Ökologisches Bauen, Kassel ( o estúdio do autor). Este volume tem por base a edição em espanhol, Manual de construcción con tierra (BRC Ediciones, 2001). A edição foi revista e atualizada para satisfazer um público maior. Algumas seções foram melhoradas, incluíramse outros projetos e ilustrações. O capítulo 1 é uma introdução sobre a terra como material de construção . Descreve também, o papel histórico e futuro da terra como material de construção. Em seguida um resumo sobre a história da arquitetura com terra. Listam-se ainda de todos os significados e características que distinguem a terra dos materiais de construção comuns e os industrializados. A descoberta recente de que a terra pode ser usada para equilibrar a temperatura interior, é explicada com detalhes. No capítulo 2 se informa sobre os dados do comportamento físico e estrutural do material, a maioria deles só recentemente pesquisados, e tendo em conta que diferentes misturas de terra produzem diversos resultados. Os capítulos 3 e 4 apresentam métodos sobre como obter um material de construção com verdadeira aplicação a partir de um solo natural, e como se pode modificar a mistura. Os capítulos 5 a 11 descrevem técnicas utilizadas para construir diferentes elementos e componentes construtivos de terra. O capítulo 12 explica como proteger os componentes de terra das inclemências do tempo. O capítulo 13ensina como reparar construções de terra. O capítulo 14 lista uma variedade de soluções para construções antissísmicas. O capítulo 15 mostra a variedade de aplicações de componentes de terra optimizados e inclui técnicas inovadoras para a construção de abóbadas e cúpulas, problemas de desenho, desenho sismo-resistente e aplicações na construção de mobiliário, artefatos sanitários e fornos. O capítulo 16 elenca construções representativas de inúmeros países. O livro encerra com alguns comentários sobre o futuro da construção com terra e a bibliografia utilizada. AGRADECIMENTOS O autor deseja agradecer a todos os estudantes e colegas que contribuíram na investigação e desenvolvimento de projetos na Alemanha, Chile, Guatemala, Equador, Hungria e Índia. Graça a tais esforços que este livro contém informação sobre experiências práticas. Agradecimentos especiais aos assistentes de investigação h. G. Merz, Ulrich Merz, Klaus Eckart, Ulla Lustig-Rössler, kiran Mukerji, Ulrich Boemans, Uwe Jaensch, Dittmar Hecken, Friedemann Mahlke, Saskia Skaley e Frank Millies, o técnico que construiu a maioria dos equipamentos de teste para construção. Gerrnot Minke Kassel, novembro de 2008. 1 – Introdução 1.1 – A terra como material de construção Em quase todos os climas quentes, áridos ou temperados, a terra sempre prevaleceu como material de construção. Mesmo hoje, um terço da população habita em casas de terra. Nos países em desenvolvimento este número é mais do que a metade. Isto prova que, nestes países, é impossível cumprir as exigências, e construir casas com materiais industriais de construção, ou seja, tijolo, concreto e ferro, tampouco utilizar técnicas industriais de construção. Nenhuma região do mundo está dotada com a capacidade de produção ou recursos financeiros necessários para satisfazer esta demanda. Nos países em desenvolvimento, as necessidades de moradia só podem ser atendidas com a utilização de materiais de construção locais e técnicas de autoconstrução. A terra é o material de construção natural mais importante, abundante, e que está disponível em grande parte das regiões do mundo. É obtido com frequência diretamente no local de construção, ao escavar as fundações ou poços. Nos países industrializados, a exploração descuidada de recursos e capital, combinados com a produção intensiva de energia, não é apenas desperdício, acaba por poluir o ambiente e aumenta o desemprego. Nestes países, a terra está voltando a ser usada como material de construção. Cada vez mais, as pessoas que constroem suas casas procuram edificações eficientes econômica e energeticamente, dando maior valor à saúde e à temperatura interior equilibrada. Estão começando a perceber que a terra, como material de construção natural, é superior aos materiais de construção industriais como o concreto, tijolo e cal-arenito. Foram desenvolvidas recentemente, novas técnicas de construção com terra para demonstrar o seu valor não só na autoconstrução, mas também na construção em larga escala envolvendo empreiteiros. Esta obra apresenta dados e bases teóricas relativos a este material, além de fornecer as orientações necessárias, baseadas em investigação científica e experiência prática. 1.2 Pequena história da construção com terra As técnicas de construção com terra são conhecidas há mais de 9000 anos. Foram descobertas no Turquistão casas que datam do período 6000/8000 a.C. (Pumpelly, 1908). Fundações de taipa datadas de 5000 a.C, foram descobertas na Síria. A terra foi usada como o material de construção em todas as culturas antigas, não apenas em casas, mas também em edifícios religiosos como vemos A ilustração 1.2-1 mostra abóbadas do túmulo de Ramsés II, em Gourna, Egito, construído com tijolos de barro há mais de 3.000 anos. Na cidadela de Bam, no Irã (il. 1.2-2), existem construções com mais de 2.500 anos; uma cidade fortificada no vale de Draa, em Marrocos, foi construída com terra no século XVIII (ver il. 1.2-3). A Grande Muralha da China foi construída há mais de 4000 anos, originalmente erguida de taipa, com uma cobertura, e posteriormente pedras e tijolos criaram a aparência de uma muralha de pedra. O núcleo da Pirâmide do Sol, em Teotihuacán, no México, foi construída entre os anos 300-900 , e é composto por cerca de 2 milhões de toneladas de terra. Há muitos séculos, em zonas de clima seco onde a madeira é escassa, foram desenvolvidas técnicas de construção em que os edifícios foram cobertos com abóbadas de tijolos de barro, cúpulas sem cofragem ou apoio durante a construção. A il. 1.2-6 mostra o “bazar” de Sirdjan, no Irã, coberto com este tipo de cúpulas e abóbodas. Na China, vinte milhões de pessoas vivem em casas subterrâneas ou cavernas que foram escavadas no solo argiloso. Descobertas provenientes da Idade do Bronze, estabeleceram que na Alemanha a terra foi usada como revestimento em casas com estrutura de madeira ou paredes de vedação feitas a partir de troncos de árvores. O pau a pique também foi usado em muitos países europeus. O exemplo mais antigo de utilização de tijolos de barro, encontra-se no norte da Europa, em Heuneberg, próximo ao Lago Constança, na Alemanha (il. 1.2-8) e remonta ao século VI a.C. Na África, quase todas as mesquitas foram construídas com terra. A il. 1.29 apresenta uma do século IX em Nando, Mali; as ilustrações 1.2-4 e 1.25, outras no Mali e no Irã. Sabemos, segundo textos antigos de Plínio, que na Espanha existiram fortificações construídas com terra batida, no final de 100 a.C. No México, na América Central e na América do Sul, encontramos construções de adobe em quase todas as culturas pré-colombianas. A técnica de taipa também era conhecida em várias regiões, segundo outros autores, foi trazida pelos conquistadores espanhóis. A il.1.2-7, mostra um exemplo de construção com taipa, no estado de São Paulo, Brasil, com 250 anos. Muitas igrejas e propriedades de taipa, na América Latina e no Brasil, têm mais de 300 anos. No período medieval (séculos XIII a XVII), a terra foi utilizada em todo o centro da Europa como revestimento de edifícios com estrutura de madeira, bem como para cobrir tetos de palha tornando-os mais resistentes ao fogo. Na França, a técnica de taipa conhecida como pisé terre, se generalizou a partir dos séculos XV até o XIX. Próximo a Lyon, existem vários edifícios com mais de 300 anos que ainda são habitados. Entre 1790/91, Francois Cointreaux publicou quatro livretos sobre esta técnica, e que foram traduzidos para o alemão dois anos mais tarde (Cointreaux, 1793). A técnica ficou conhecida em toda a Alemanha e nos países vizinhos através de Cointeraux e de David Gilly, que escreveu o famoso Handbuch der Lehmbaukunst (Gilly,1787), que descreve a técnica com taipa como um método mais vantajoso de construção. Na Alemanha, a mais antiga casa habitada com paredes de taipa data de 1795 (1.2-10). Seu proprietário era o diretor do corpo de bombeiros, que afirmou que tais casas são mais resistentes ao fogo, e que poderiam ser construídas de forma mais econômica, utilizando esta técnica, em oposição à habitual. O prédio mais alto feito de terra, na Europa, está em Weilburg, Alemanha. Concluído em 1828, ele ainda está de pé (il.1.2-11). Todos os tetos e a estrutura do telhado foram feitos de terra batida, com 75 cm de espessura no piso inferior e 40 cm de espessura no piso superior (a força de compressão na parte inferior atinge 7,5 kg / cm2). A ilustração 1.2-12 mostra as fachadas de taipa de casas em Weilburg, construídas por volta de 1830. Após a Primeira e a Segunda guerra Mundial, quando os materiais se tornaram escassos na Alemanha, se constriuíram milhares de casas e edifícios usando tijolos de terra ou taipa (Günzel, 1986, p. 156). Ver il. 1.2-13. 1. 3 O que devemos saber sobre a terra como material de construção O barro quando utilizado como material de construção, muitas vezes recebe nomes diferentes. Comumente referenciada em termos científicos como barro, é uma mistura de argila, silte (areia muito fina), areia, e agregados maiores, como cascalho ou pedras. Quando se fala de blocos de terra argilosa feitos a mão, se empregam os termos “tijolos de barro” ou “adobes”; quando se fala de blocos compactados se emprega o termo “tijolo de terra”; quando extruídos numa alvenaria e não são cozidos, se emprega o termo “tijolo cru”. O barro tem três desvantagens quando comparado com a construção que utiliza materiais industriais: 1 – A terra não é um material de construção estandardizado Dependendo do local onde o barro é escavado, será composto por diferentes quantidades e tipos de argila, silte, areia e agregados. Por conseguinte, as suas características podem diferir de um local para outro, e a preparação da mistura correta para uma aplicação específica, também pode ser diferente. É preciso saber a composição específica da terra para poder avaliar as suas características e alterá-las, quando for preciso, pela aplicação de aditivos, caso seja necessário. 2 – O barro se contrai quando seca Devido à evaporação da água utilizada para preparar a mistura (a umidade é exigida para activar a sua força de ligação e para poder ser trabalhada), poderão ocorrer fissuras. A relação do encolhimento linear é normalmente entre 3% e 12% em técnicas de terra úmida (tais como aquelas utilizadas para argamassa e blocos de barro), e entre 0,4% e 2% com misturas secas (utilizadas para taipa ou blocos compactados). A retração pode diminuir reduzindo a quantidade de água e argila, optimizando a composição granulométrica, ou mediante o emprego de aditivos. (Ver parte 4.2) 3 – O barro não é impermeável O barro deve ser protegido da chuva e da geada, especialmente quando estiver ainda úmido. Paredes de terra podem ser protegidas por beirais no telhado, barreiras impermeabilizantes, revestimentos de superfície adequados etc. (ver partes 4.3 e 12). Por outro lado, o barro tem muitas vantagens em comparação com os materiais de construção industrializados: 1 – O barro regula a umidade do ambiente O barro é capaz de absorver e desabsorver a umidade mais rápido e numa maior extensão do que qualquer outro material de construção, o que lhe permite equilibrar a temperatura interior. As experiências realizadas no Laboratório de Construções Experimentais - Forschungslabor für Experimentelles Bauen (Building Research Laboratory, ou BRL) da Universidade de Kassel, Alemanha, demonstraram que, quando a umidade relativa em uma sala for entre 50% e 80%, tijolos não cozidos foram capazes de absorver 30vezes mais umidade, num período de um ou dois dias, do que tijolos cozidos. Mesmo quando dispostos numa câmara climática a 95% de umidade para seis meses, os adobes não se umidificaram nem perderam a sua estabilidade. Experiências realizadas em uma casa recém-construída na Alemanha, ao longo de oito anos, cujas paredes interiores e exteriores foram erguidas com barro, demonstraram que a umidade relativa do ar nesta construção rondou constantemente 50% durante todo o ano. Ela só oscilou entre 5-10%, produzindo-se assim uma condição de vida saudável. (Para mais detalhes, ver parte 15). 2 – O barro armazena calor Como todos os materiais densos, o barro armazena o calor. Em zonas climáticas onde as diferenças de temperaturas são amplas, tornando-se necessário armazenar o calor solar por meios passivos, o barro é capaz de equilibrar o clima interior de um ambiente. 3 – O barro ajuda a poupar energia e diminui a poluição ambiental O barro praticamente não produz poluição ambiental em relação a outros materiais de uso frequente. A preparação, transporte e manuseio de barro numa obra requer apenas 1% da energia necessária para a produção, o transporte de tijolos cozidos ou concreto armado. 4 – O barro é reutilizável O barro pode ser reciclado inúmeras vezes durante um período extremamente longo. O barro seco pode ser reutilizado após imersão em água, por isso nunca se torna um material residual que prejudica o meio ambiente. 5 – O barro economiza material e os custos de transporte O solo argiloso é frequentemente encontrado no local de uma obra, de maneira que o solo escavado para as fundações podem ser utilizados em seguida para a construção. Se não contiver argila suficiente, esta deve ser acrescentada; se contiver muita argila, mais areia deverá ser acrescentada, modificando assim sua composição. Em comparação com outros materiais de construção, podem-se diminuir os custos ao se utilizar o barro escavado. Mesmo que seja transportado de outros lugares, continuará a ser mais econômico do que os materiais industriais. 6- O barro é ideal para autoconstrução Desde que o processo de construção seja supervisionado por uma pessoa com experiência, as técnicas de construção com terra podem ser geralmente executadas por não profissionais. Como os processos envolvidos são de trabalho intensivo e requerem apenas ferramentas baratas e máquinas, são ideais para a autoconstrução. 7 – O barro preserva a madeira e outros materiais orgânicos Devido ao baixo teor de umidade, de 0,4 a 6% em peso, e a sua elevada capilaridade, o barro conserva os elementos da madeira, que permanecem em contato com os mesmos mantendo-os secos. Os fungos e os insetos não danificarão essa madeira, já que os insetos precisam de um mínimo de 14% a 18% de umidade para manter a vida, e os fungos mais do que 20% (Möhler 1978, p. 18). Da mesma maneira, o barro consegue preservar pequenas quantidades de palha quando misturadas a ele. No entanto, se for misturado ao barro palha leve, com uma densidade de menos de 500 a 600 kg /m3, então o barro poderá perder sua capacidade de conservação, devido a elevada capilaridade da palha e quando utilizada nestas proporçõe