Revista chicos cataletras
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Revista chicos cataletras
Vicente Costa Chicos 23 Novembro 2009 Ano do centenário de Francisco Inácio Peixoto Um dedim de prosa Passeio aflito, Tantos amigos Já granito O haicai aí de cima é de Millôr Fernandes, com ele, neste mês em que se venera todos os mortos, homenageamos os nossos. Apresentamos com o poema – Epitáfio - Francesc Vicenç Garcia, poeta e padre tido como a maior expressão do barroco catalão. Sua obra popularizou-se muito no século XVIII. O Rector de Vallfogona (como também era conhecido) por conta disto chegou a tornar-se um personagem novelesco, mítico e cômico no imaginário popular. Outro poeta que volta às nossas páginas é Gustavo Rosendo, argentino da província de Buenos Aires, que esteve na Guerra das Malvinas. Nosso querido Emanuel Medeiros nos propõem uma reflexão nestes tempos de “vale tudo” em seu ótimo “Memória e linguagem”. Centenário de Chico Peixoto Dedicatória quase nênia *Francisco Inácio Peixoto É teu aniversário, Cataguases. Dizer que os anos te trouxeram louçanias e que por isso é mais ardente meu amor por ti – mentira. Vales para mim pelo que eras na tua velhice, pois o tempo remoça as cidades, enferrujando os homens e suas almas. Assim, ofertando-te agora um ramo descolorido, verás que o que nele te oferto são, antes, coisas minhas, e passadas. Se te prefiro como eras antigamente, quero-me como hoje sou: comedido, embora rude, no meu jeito de bem-querer. Por exemplo, aborrece-me esse ar meio fátuo, meio arrivista de que te pavoneias. Ouve e perdoa o reparo inoportuno, pois aqui estou só para louvar-te e agradecer aquilo que me deste, um pouco da terra onde nasci e um pouco do céu onde me perdi. No mais, é bom considerar que também aqui trafegam determinadas criaturas, cujo comércio é fundamental, e certos fantasmas intransferíveis, que praticamos, não a horas mortas, como é de praxe, mas em todas, principalmente naquelas em que nos sentimos mais sós e desamparados. Bastaria isso para que calasse ressentimentos e te celebrasse. Digo e vou-me por teus sítios mais antigos, o que é uma forma de reviver desconsolado amor. As ruas, mesmo as velhas, têm outros nomes, pois os prefeitos e vereadores – sobretudo nos últimos tempos – são extremamente gentis e comemorativos, porfiando em trocá-los. (É necessário homenagear). Se não reconheço os transeuntes, nem por isso procuro aumentar meu deserto. Cresceste, Cataguases, ampliando teus limites, e tua gente se multiplicou. Tenho a certeza, porém, de que todos nasceram aqui ou, na pior das hipóteses, sua cidadania já foi garantida por leis e decretos. Somos todos, pois concidadãos. E, às vezes, beneméritos. Vou-me: aqui é a Rua do Sobe-e-Desce. De três casas, às janelas, assomam três moças (ou serão quatro?). Nela, tantas vezes minha alma ora subiu em êxtases, ora desceu em tormentos de amor. Agora a Rua do Pomba, de magnólias feridas e aleijadas, mas que ainda se dão em flores que perfumam as noites. Retorno, apressado; na Rua da Estação, sentados a uma mesa do Bar Fonseca, Fusco e Guilhermino me esperam para fazer uma comunicação urgente. Quem me espera porém, na Vila, é Elsa. Não te lembras dela? Marcamos encontro na Chácara do João Carroceiro. Mas onde a chácara, onde buscar as negras jabuticabas, se até o nome se perdeu? Na Rua dos Velhacos, desapareceram os velhacos, que eles agora não se escondem mais. Revejo as praças. Dali, só resta o encanto de tuas moças, por quem torna a suspirar meu coração. Nem são suspiros, juro, são saudades de outras que nelas se mudaram. Ai, Rio pomba de minha infância, outras são tuas águas, mas espelho ainda de coisas extintas. Ai que passeio mais triste, que imensa solidão! Francisco Inácio Peixoto (05.04. 1909 – 08.01.1986) Autor de Meia Pataca, com Guilhermino César - Dona Flor, Passaporte proibido, A janela, Erótica e Chamada geral 1 Tecidos e letras *Emerson Teixeira 2009 decorridos já dois terços de seu curso, traz no seu bojo uma gama de acontecimentos que contribuiria substancialmente, lá por volta de dezembro, com farto material para sua retrospectiva. Surpresas diversas no capítulo da política, sucessos na medicina anunciante de novas tecnologias e pelo menos um fato inédito – a gripe suína, ainda não claramente esclarecida – no que pode significar ameaça à saúde pública. Todos esses fatos estão ou estiveram na pauta das discussões, num raio de duzentos metros que compreende o espaço do início do calçadão, até os arredores da Praça Rui Barbosa, onde estão o Bar Molambo, a Lanchonete Quatro Estações, a Sorveteria Sol e Neve, locais aparentemente mais apropriados à discussão e avaliação dos mesmos. Religiosamente, como não poderia deixar de ser, regados pelo cafezinho, servido pelo chinês, pelo Antônio, ou por uma das beldades desse último estabelecimento, mais central e mais centrado nos produtos destinados a nos aliviar dos rigores do verão que este ano vai “bombar”, como, aliás, acontece ainda no início de dezembro. O que a TV mostrará na sua retrospectiva é aqui mesmo, ruminado e digerido cotidianamente no melhor estilo cataguasense (há priscas era) desde que o cinematográfico maureano ainda grassava na modorrenta província os verdes intelectos esperavam o trem que traziam atrasados as notícias que repercutiam na capital a novidade de suas poesias. Cataguases, em suma, será isso mesmo: uma cidade aberta, um tanto soberba, é verdade, mas sempre atenta às notícias, à moda, ao progresso, vindos, principalmente, do Rio, como alguém já observou. A imprensa chegou por aqui em 1905, depois da câmara receber em pagamento uma tipografia do Major Rebeldino José Batista e , neste mesmo ano, foi inaugurada as primeiras fábricas. Esses dois dados, mais que coincidentes, podem nos levar, inevitavelmente, a pensar numa relação mais estreita entre sua vocação industrial e sua propensão às letras, aliás, etimologicamente, o termo “têxtil” e “texto” tem o mesmo sentido. No emaranhado de notícias que hoje mais velozes chegam até aqui via tevê, jornal ou internet, um observador mais atento mais atento ou mais sensível poderá dizer diante de suas belezas topográficas: – De que tecido é Cataguases? *Emerson Teixeira Cardoso (Cataguases – MG) Memória e Linguagem *Emanuel Medeiros Quero falar da memória não como algo mecânico, mas como base de toda a identidade. Memória como instrumento de justiça e de misericórdia. Não por acaso, na mitologia grega, Mnemosina, a memória, é a mãe das Musas, ou seja, de todas as artes, do que dá forma e sentido à vida. Sim, ela protege a vida do nada e do esquecimento. A literatura não deixa de ser (também) um instrumento de transfiguração de um momento (eternizar a memória). Uma busca de perenizar o instante para convertê-lo em sempre. O ato da lembrança é ao mesmo tempo caridade e justiça para as vítimas do mal e do esquecimento. Muitas vezes, indivíduos e povos desapareceram no silêncio e na escuridão. Muitos devem se lembrar das ditaduras que, apagando as fotografias dos banidos querem, em verdade, apagar a sua memória. A memória é resistência a um tipo de violência: àquela infligida às vítimas do esquecimento. A memória é o fundamento de toda identidade, individual e coletiva. Guardiã e testemunha, a memória é também garantia da liberdade. 2 A linguagem é edificada para a construção dos textos que querem eternizar nossa brevidade, a nossa finitude. Como observa a filósofa e historiadora, Regina Schöpke, “quanto mais inconsciente ou subliminar é a linguagem, mais fortemente ela age sobre nós, mais ela nos domina e nos dirige.” Os filósofos e filólogos sabem disso. Estes últimos, veem nela não apenas uma ferramenta da razão para dar conta do mundo, mas, sobretudo, uma segunda natureza. “Algo que, de certa forma, produz o mundo, e não apenas o representa”, como observa a autora citada. Os gregos já enfrentavam a questão. Nietzsche – que além de filósofo era também filólogo – chamava esse universo da linguagem de “duplo afastamento do real”, de “segunda metáfora”. Porque aí os homens lidavam com conceitos e não apenas com o mundo em si. A linguagem pode ser instrumento de dominação, estimulando um preconceito racial, como fizeram os nazistas, alimentando o fanatismo e o preconceito, gerando um horror como raramente (ou nunca) se viu na História. Todo sistema com ambições totalitárias, como detectou a pensadora, tem necessidade de produzir um discurso, uma mitologia e palavras de ordem. O que é a publicidade que só pensa em vender, sem nenhum compromisso ético? É um exercício mental doloroso, mas assim a gente pode entender como uma cultura que produziu tanta beleza com Goethe, Beethoven, Nietzsche, Hegel, Wagner e outros, tenha mergulhado, com o nazismo, na mais profunda irracionalidade, onde o Mal apareceu com toda a sua força, ou melhor, em toda a sua plenitude. Tento meditar sobre esses assuntos, entre outras razões, porque a falta do estudo da filosofia para quem tem menos de 60 anos, criou um tremendo vácuo cultural. Fundou-se o universo utilitário, da posse imediata. Só vale o que tem valor contábil. Faço minha a proclamação de Michel Foucault: “Não se apaixone pelo poder.” *Emanuel Medeiros Vieira (Brasília –DF) No breu da noite *José Antonio Pereira Faz muito tempo que Jandir tornou-se uma ave noturna. Noite após noite, numa rotina exasperante repete-se sem parar, sai de casa sempre no mesmo horário retornando antes do sol nascer. Por volta de meia noite senta-se no mesmo bar na mesma mesa onde com uma ligeira variação de cadeiras encontra-se com Laura, ela chega sempre no mesmo horário que ele. Laura é uma espécie de alterego de Jandir, ele vê nela tudo que não admite em si. E a recíproca é absurdamente verdadeira. São exatamente iguais. Como em todas as noites quentes, outra rotina, esta por conta da cidade. Eles sentam-se no seu silêncio dark. Os dois parecem em eterna busca de um colo quente que aqueça suas almas geladas. Jandir já aceitou a impossibilidade de tal colo, mas Laura ainda é uma duvida, mas é só uma questão de tempo e ambos serão uma só pessoa dividida em dois corpos. Passam horas, numa espécie de introspectiva autopsia de suas almas. Onde se dilaceraram mais uma vez, os dois saem como dois ofídios, frios e silenciosos. Mais uma noite entre várias sem uma só palavra. Outra noite, quente é claro, Laura chega antes pede um campari. Surge Jandir e enfim: Laura! Estas montanhas mineiras achatam minha existência, me prendem claustrofobicamente entre vales rasos. Ela redundando o espírito dele: Aqui não há horizonte. Mas somente um serpentear de cansativas curvas. E um sol miseravelmente quente. – Os dias são eternos. – As horas intermináveis. – O tempo parece caminhar numa escala de mil; um minuto tem mil segundos. – Uma hora tem mil minutos. O tempo paquidérmico parece esmagá-los. Laura – Tento fugir do tempo, mas ele me encurrala. Jandir – Este não terminar dos dias. – Este não passar das horas. Olhando para uma mulher que ao passar apressada quase leva a mesa deles: – Eis mais uma Laura! Correndo contra o tempo, mas ele já lhe tirou o que ela tenta recuperar. Pobre mulher! O tempo não se recupera! – Querido! Damos ao tempo todo o tempo que o tempo tem. – Ih Laura! Anda lendo muito poetinha de merda. Já que é assim. Vamos para a filosofia de boteco. Já que o tempo ao tempo pertence. Eu pertenço a quem? – Meu caro! Apenas o tempo é imortal. – A imortalidade não nos pertence. Por escapismo tentamos subverter o tempo acreditando na vida após a morte. – Menino! Então somos imortais antes da concepção? – Tenho certeza de que não! Me enlouquece esta pueril busca da imortalidade. Laura sorvendo seu campari: – Somos escravos do tempo, somos seus segundos, talvez seus 3 minutos, no máximo duas de suas horas. Jandir: A imortalidade é o horizonte que nunca chega, e por aqui nem se vê. Jandir que ao falar olhava Laura lambendo a borda do copo continua: – Você e esta sua beberagem é vampiresco. – É isto que me fascina nesta bebida. Reza a lenda que os vampiros são imortais. Um homem enorme, ao abrir caminho no bar cheio, com a bunda quase enterrar o nariz de Jandir dentro do copo, a montanha de músculos, olha para os dois como se fosse um deus flanando sobre rastejantes mortais. Laura olha-o como se ele fosse de vidro, amorfo e transparente. Jandir coçando o nariz: É Artes plásticas do terceiro milênio. Cirurgiões plásticos entalham, instrutores de academias moldam corpos em série. Rindo da voz desafinada pelo esfregar do nariz Laura fazendo bico: – Deve ser a tal body art. – Não. É pós body art. Responde a voz irritada ainda fora do tom. Laura: Aquela mulher apressada e este mastodonte nos olharam com um humilhante ar de superioridade e desumana indiferença. Jandir com a voz já recuperada: – A raça humana é assim mesma paradoxal e contraditória. Praticam e exercitam o individualismo narcisista, a indiferença grupal e pregam a solidariedade. Laura: Dizem que mineiro só é solidário no câncer. Ele irritado: É sim! Isto ocorre quando os dois estão internados no mesmo quarto no Oncológico. Laura: Mesmo assim só se forem terminais. Novamente o silêncio se estabelece entre eles, o ambiente que os cercam é de risadas, sons de beijos, vários perfumes, festivo num contraste absurdo com o clima da mesa dos dois, parece existir uma redoma que os isola, todos os fregueses do bar são indiferentes aos dois e eles não notam nada num circulo imaginário em torno da mesa. Depois de horas de silêncio de monastério, o garçom traz mais uma vodca. Laura como se estivesse despertando de uma sessão de hipnótica auto-análise: Jandir! Vistes a lua de hoje? A noite parecia dia! Que incomodo. – Já te disse! Use óculos escuros. É a resposta que vem meio impaciente. O silêncio entre eles brota no meio do burburinho de muitas vozes já embriagadas. Alguns já começam a sair, a noite caminha para seu fim. Jandir vira-se: Laura! Por que os amantes adoram a noite tanto quanto os larápios. Ela secamente: Porque amantes ou ladrões estão sempre traindo ou surrupiando algo de alguém. – Talvez. Só não entendo como quem perde uma jóia ou uma fantasia sinta a mesma amargura no dia seguinte. Levantam-se como dois operários da noite terminando mais um expediente. Ela se desamarrotando: Jandir! O que farás até a noite? – Acho que além do de sempre vou reler quadrinhos. – Boa idéia! Vou ler Rebordosa e você? – Geraldão! Os dois tomam caminhos contrários e somem na noite, pois que a lua também já se foi. *José Antonio Pereira (Cataguases – MG) Esse mundo que é de vida Estou nos fundos da casa extasiado numa varanda que se abre para o céu - Cataguases, mãe, pátria – carrasco!, eis-me aqui de novo, voltei, o que teimo afinal em procurar entre seus ares e brilhos, seus cheiros antigos, suas nuances? Meu olhar passeia, sobe, declina, vagueia... ...mas o que é aquilo?! No alto do morro enxergo a prisão e o cemitério da cidade plantados como cancros na limpíssima pele da tarde que cai, vasta e silenciosa, já quase estrelada. Levo um choque. Que ultraje! Carreguem essa sujeira pra outro lugar! Como podemos gradear e encher de morte esse mundo que é de vida, como podemos nos esgueirar pelos seus cantos com nosso andar pesado e nossas lamentações, como podemos não notá-lo, esse salão de festas que agora na abóbada celeste nos saúda com as luzes da noite, como podemos ser surdos ao seu alegre chamado? Maldita incapacidade a nossa para a alegria! À prisão! Ao cemitério com todos esses zumbis! Brilhai, estrelas, brilhai! *Zeca Junqueira (Cataguases –MG) 4 Mensagem atrasada Gênese *Ronaldo Cagiano *Teresinka Pereira Para Mumia Abul Jamal Busco na palavra sua unção, labirinto de paradoxos em que mergulho como escafandrista num garimpo de (im)possibilidades. Minha mensagem chegará como um pássaro cativo do lado de fora da gaiola, procurando comunicar sua tristeza, mas, em vez disso respeitando a sabedoria de um preso, estala a mensagem com um grito de esperança: Venceremos! Território de invenções, ela me estende a ponte entre o sagrado e o profano Em cada manhã rompe com sua insistência de rio. Meticuloso engenho do verbo que se faz silêncio ou boato Rumino a sua nudez ou desvelo as suas rugas. (Mumia Abul Jamal é um prisioneiro político em EUA) *Teresinka Pereira (Blufton –Ohio EUA) Voz do Sangue *Agostinho Neto Palpitam-me os sons do batuque e os ritmos melancólicos do blue. Ó negro esfarrapado do Harlem ó dançarino de Chicago ó negro servidor do South Ó negro da África negros de todo o mundo eu junto ao vosso magnífico canto a minha pobre voz os meus humildes ritmos. Eu vos acompanho pelas emaranhadas áfricas do nosso Rumo. Eu vos sinto negros de todo o mundo eu vivo a nossa história meus irmãos. Entre a fuga e os deslizes o poema vinga rosa intimorata no asfalto nutre-me do que é mingua recicla-me do que é sangue. *Ronaldo Cagiano (São Paulo SP) Epitáfio *Francesc Vicenç Garcia à sepultura de um grande bebedor de aguardente, que morreu de gota 1948 *António Agostinho Neto (Angola) Aqui jaz o que pensou estar a salvo da gota, porque d’água uma só gota (só ardente) nunca tomou. Por fim a gota o esgotou e o tragou destes conflitos, E por tempos infinitos estará sua epiderme ilesa, pois nenum verme a tomará dos mosquitos. *Francesc Vicenç Garcia, Rector de Vallfogona i Torres (1579 Tortosa – 1623 Vallfogona de Riucorb) poeta barroco e padre catalão Tradução de Fábio Aristimunho Vargas 5 Balada das costureiras esquecidas *Marta Dacosta E agora cómpren mans de muller que enfíen cada un dos teus nomes na agulla da memoria para coser un cobertor desmesurado que abrigue as nosas almas do silencio. Cada noite destecíase a memoria. *Marta Dacosta Alonso (San Miguel – Vigo Espanha) Desde o abrente cosendo bágoas no rodo da saia rota, cosendo a dor de cada golpe contra o peito, contra o peito seco. Remendando. Remendando as feridas das tesoiras azuis nos cabelos mozos, as feridas que no corpo falan de todo o que destecendo calas, de todo o que calando esqueces, de todo o que amargamente ocultas no fondo da memoria. Porque ás veces fora mellor a morte, mellor que ser derrubada, tronzada, abelaneira derramada que xa non quere dar froito. Cada noite destecíase a memoria e na estadea das viúvas brancas vin o teu rostro calado e esquecido, o teu rostro esquecido, o teu nome esquecido, o teu pesar esquecido. Cada noite destecíase a memoria no silencio e ti antígona anónima procurabas nos foxos da noite os corpos locuaces de todos os que amabas. Rabuñabas a terra, enterrabas os mortos co teu corazón, coa túa vida, afundida nun pozo de sombras ocultado. Porque ás veces fora mellor a morte, mellor có tacto azul e xélido do aceiro, o tacto azul e xélido da man con que te atan, a man coa que arrancan a voz, antes do silencio. Silencio de laverca muda. Todo o que ti teciches esfiouno o esquecemento. Poema *Gustavo Rosendi As casas flamejam porque partiremos para nunca mais voltar Guillaume Apollinaire Cada noite se levantam uniformizados de musgo desde a terra parturiente contemplam as luzes do cais e ainda sonham em regressar algum dia cheirar de novo o bairro e correr até a porta da casa mais triste e entrar como entram os raios de sol pela janela na qual ninguém mais se detém a olhar onde mais ninguém espera a alegria. *Gustavo Caso Rosendi (La Plata, Província de Buenos Aires Arg) Tradução de Ronaldo Cagiano Epitaph für Maiakowki *Bertolt Brecht Den Haien entrann ich Die Tiger erlegte ich Aufgefressen wurde ich Von den Wanzen. Epitáfio Escapei aos tigres Nutri os percevejos Fui devorado Pela mediocridade (Transcriação) de Haroldo de Campos 6 Meus mortos *Wilson Pereira Im(p)unes ao tempo Meus mortos regressam. Interior *Zeca Junqueira De que nuvem vaga, de que nave de brisa eles descem? O relâmpago risca e o trovão ribomba tremendo a tarde na cidadezinha. Uma criança atende, grita e bate lata a meiadistância. A mãe ralha: -- Tem gente morta na capela, seu excomungado. Pára com isso! Os mais velhos apavoram-se e preparam rezas e simpatias para enfrentar o tempo. Escurece. Corisca o relâmpago, explode o trovão, zune o vento, a criança responde, bate de novo a lata, a tempestade desaba, os mais velhos rezam, a mãe em pânico grita: --Tira a roupa do varal! Respeita os mortos! Entra! Penetram leves em meu sono; sem ruídos, sem voz, sem planos vivos, se instalam em meu sonho: serenos fantasmas. Sua paz, seu silêncio me envolvem e me convidam a partir um pouco consigo quando se dissolvem ao menor sopro da vida. *Wilson Pereira (Brasília – DF) Menino abandonado *José Antonio Pereira Na sombria capelinha da igreja o silêncio ensurdece. Na casa, o menino ri e bate a lata. A mãe zanga. Lá fora, na tarde fechada que põe-se a clarear, indiferente a tempestade ruge a sua sinfonia para os vivos e os mortos. *Zeca Junqueira (Cataguases –MG) Aquele menino pobre que arrasta descalço sua solitária tristeza. Leiam os livros da Cataletras: Aquele menino magro que estica a mão nua de amarelada fraqueza. Aquele menino sujo é apenas o fruto da alegria sem preservativos de dois adultos. *José Antonio Pereira (Cataguases – MG) “A Casa da rua Alferes e outras crônicas” dos autores: Emerson Teixeira Cardoso, José Antonio Pereira, José Vecchi de Carvalho e Vanderlei Pequeno. “A Ilha do Horizonte” de Vanderlei Pequeno – Reunião de crônicas publicadas em vários jornais desde de 2002. Se você quer adquirir entre em contato conosco: [email protected] 7 Veja a nossa poesia em: http://chicoscataletras.blogspot.com/ Fale conosco: [email protected]