Apelação Cível 0113105-98.2010.8.19.0001 Apte.: BRADESCO

Transcrição

Apelação Cível 0113105-98.2010.8.19.0001 Apte.: BRADESCO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível 0113105-98.2010.8.19.0001
Apte.: BRADESCO SAÚDE S.A.
Apdo.: JUARES BENITO E OUTRA
Relator: Des. Fernando Foch
Processo originário: 0113105-98.2010.8.19.0001
Juízo de Direito da 34.ª Vara Cível da Comarca da Capital
DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL.
SEGURO-SAÚDE. INTERPRETAÇÃO DAS CLÁUSULAS
CONTRATUAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO.
EXEGESE MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR.
RECUSA
DE
COBERTURA
DE
CUSTEIO
DE
TRATAMENTO DE CÂNCER. ILICITUDE. DANO MORAL
IN RE IPSA.
APLICAÇÃO DA SÚMULA 75, IN
FINE, DO TJRJ. PREJUÍZO MATERIAL. DEVER DE
INDENIZAR. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA DA
INDENIZAÇÃO DE PREJUÍZO PATRIMONIAL. TERMOS
INICIAIS. Ação proposta por casal de consumidores
em face de seguradora que se recusa a custear
tratamento de câncer do virago ao argumento de
que a droga prescrita é experimental. Sentença de
procedência que a condena a custear a terapia, a
indenizar dano material (custeio pago com dinheiro
tomado por empréstimo pelo varão) e a reparar dano
moral.
1. Entender que o medicamento prescrito, de
utilização nova contra câncer, seja experimental,
com base em cláusula a excluir cobertura de
“tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos
sob o aspecto médico, bem como exames e
medicamentos não reconhecidos pelos órgãos
governamentais competentes nem por sociedades
médico-científicas
brasileiras”,
é
lhe
dar
interpretação menos benéfica ao consumidor, o que
contraria o art. 47 do CDC.
2.
Ainda que isso tivesse restado provado que a
bula do medicamento, registrada na ANVISA, não
indica emprego contra câncer, tampouco se poderia,
pela mesma razão, considerar que o cuidado
burocrático estejaRoR subsumido na disposição
contratual recém-mencionada.
3. Em tais circunstâncias é ilícita a recusa ao
custeio do tratamento, contratualmente previsto,
certo que tal conduta causa dano moral in re ipsa,
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tanto mais grave quanto maior foi a gravidade do
mal.
4. Tal negativa configura defeito do serviço, sendo
objetiva a responsabilidade do prestador, para cujo
dever de indenizar, portanto, é irrelevante que não
tenha agido com culpa e, muito menos, com má-fé.
5. Os juros de mora da indenização do dano
material, em caso de responsabilidade contratual,
contam-se da data da citação, na falta de
notificação; a correção monetária incide no dia da
distribuição da ação.
6. Recurso ao qual se nega seguimento na forma
do art. 557, caput, do CPC.
DECISÃO
JUAREZ BENITO e sua mulher ARELI ARMINDA DE ALMEIDA,
ambos beneficiários de contrato de seguro-saúde ajustado entre
BRADESCO SAÚDE S.A. e Linde Gases Ltda., do qual o primeiro é
empregado, ajuizaram em face da seguradora ação cognitiva de
procedimento comum sumário porque esta se recusa a custear o
tratamento da esposa a quem, por ser portadora de adenocarcinoma de
ovário, foi prescrito o medicamento Avastin, entendendo a ré que tal
droga não é habitualmente ministrada em tais casos, com o que
concordam os demandantes, os quais obtemperam que tal utilização é
recente, sendo dever do médico buscar alternativas.
Pretendem os autores a condenação de a demandada
indenizar o prejuízo material que causou, já que o demandante pagou o
medicamento com dinheiro que tomou por empréstimo, reparar dano
moral e proceder ao custeio, sendo irrecorridamente antecipado este
último provimento, o qual viria a ser confirmado em sentença, que, dando
pela procedência, também condenou a demandada a indenizar com R$
40.169,00 o prejuízo patrimonial e o extrapatrimonial com R$ 13.000,00
para cada qual dos autores, estas verbas com juros de mora de 1% ao
mês desde a citação e correção monetária a contar da data do referido
ato (fls. 104/6).
Em apelo, a ré bisa a tese exposta na contestação, qual seja a
de que há cláusula de expressa exclusão de tratamentos experimentais e
de medicamentos, cujas indicações não constem da bula registrada na
ANVISA, como é de sua Resolução Normativas 167 (art. 13, I), o que
afasta o dano moral (fls. 108/14).
Além disso, não houve má-fé, “suposto inadimplemento de
obrigação pecuniária não enseja o pagamento de danos morais” e, como
gizado no Enunciado 14.4.3 desta corte, “o inadimplemento contratual,
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por si só, não enseja o dano moral, salvo se da infração advém
circunstância que atenta contra a dignidade da parte”.
As contrarrazões também reprisam argumentos já expendidos,
acrescentando a tese de que a cláusula em que se baseia a apelante não
prevê a exclusão da cobertura que foi negada (fls. 118/23).
Relatei, decido.
Estão presentes os pressupostos de admissibilidade do
recurso.
A cláusula em que se baseia a apelante foi por ela transcrita
em suas manifestações e o é agora:
4 – DESPESAS NÃO COBERTAS PELO PLANO
Estão expressamente excluídas da cobertura deste Plano
as despesas médico-hospitalares decorrentes de, ou
realizadas com:
I)
tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob
o aspecto médico, bem como exames e medicamentos não
reconhecidos pelos órgãos governamentais competentes
nem por sociedades médico-científicas brasileiras.
II)
(...)
(...)
Sem qualquer prova nesse sentido, não se pode concluir que o
tratamento prescrito para a litisconsorte seja experimental, subsumindose nessa disposição contratual. Isso seria dar-lhe uma interpretação que
não consoa com o comando do art. 47 do Código de Defesa do
Consumidor: “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira
mais favorável” a este.
Tampouco há prova de que o medicamento prescrito não
conste da respectiva bula registrada na Agência Nacional de Vigilância
Sanitária. Ainda que isso tivesse restado provado, tampouco se poderia,
pela mesma razão, considerar que o cuidado burocrático estivesse
subsumido na disposição contratual recém-mencionada.
Não há negar, portanto, que a ré incorreu em ilicitude ao
interpretar a norma contratual contra o art. 47 do CDC. Soa pueril dizer,
para eximir-se de indenizar danos causados, que nisso não agiu de má-fé.
Sua responsabilidade por dano causado por fato do serviço é objetiva, nos
precisos termos do art. 14 da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do
Consumidor.
O enunciado a que se apega deu origem nesta corte à sua
Súmula 75, em tudo aplicável à espécie:
O simples descumprimento de dever legal ou contratual,
por caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não
configura dano moral, salvo se da infração advém
circunstância que atenta contra a dignidade da parte.
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Com efeito, a situação dos autores se subsume na ressalva.
Como bem consignado na sentença tem-se “presentes os danos morais
diante da situação com que se viu a braços a parte autora com a negativa
de cobertura”, a qual foi “angustiante e frustrante”. Eu acrescentaria
dramaticamente angustiante porque, afinal, não se tratava de combater
uma reles gripe, uma simples virose, mas câncer, mal em que tardança
de horas pode ser o divisor entre a vida e a morte.
Essa cruel incerteza, esse tormento agride a dignidade
humana, um dos fundamentos da República, cuja Constituição, no art.
1.º, III, a converteu em cláusula geral dos direitos da personalidade, a
ampliar consideravelmente o velho conceito de honra subjetiva, direito
fundamental, haja vista a proteção que lhe dá o art. 5.º, X.
Enfim, o recurso é manifestamente improcedente.
A sentença só não é irretocável porque, data venia, não
estabeleceu os termos iniciais da correção monetária da verba
indenizatória do prejuízo patrimonial. Evidentemente a atualização passa
a contar da data da distribuição da ação, 08.4.10 (fl. 2), ex vi do art. 1.º,
§ 2.º, da Lei 6.899/81. Já os juros devem incidir na data da citação,
16.4.10 (fl. 89), ex vi do art. 406 do Código Civil, eis tratar-se de
responsabilidade contratual.
Isto posto, com fulcro no art. 557, caput, do CPC, nego
seguimento ao apelo, ao tempo em que de ofício imprimo pequeno reparo
ao dispositivo da sentença para a ele acrescentar que a correção
monetária e os juros de mora da indenização de dano material fluirão
respectivamente de 08.4.10 e de 16.4.10.
Rio de Janeiro, 03 de março de 2012
Des. Fernando Foch
Relator
Apelação Cível 0113105-98.2010.8.19.0001
Certificado por DES. FERNANDO FOCH LEMOS
A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.
Data: 03/04/2012 19:58:31Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0113105-98.2010.8.19.0001 - Tot. Pag.: 4

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