Habilidades Cognitivas desenvolvidas na pratica do Parkour
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Habilidades Cognitivas desenvolvidas na pratica do Parkour
HABILIDADES MENTAIS DESENVOLVIDAS NA PRÁTICA DO PARKOUR1 Nilton Campos Morais2 Resumo O Parkour se trata basicamente de uma atividade física de origem francesa, onde o principal objetivo é transpor obstáculos da forma mais fluente e natural, utilizando somente movimentos naturais do ser humano, como saltar, correr ou escalar. Este artigo busca desvendar se existe algum impacto entre a corporeidade na formação psíquica do sujeito e depois destacar quais são essas mudanças mentais. Para entender e solucionar essas questões, utilizei uma entrevista estruturada com oito perguntas, abordando de forma qualitativa, nove sujeitos que praticam a atividade. Os resultados apresentados nesse trabalho me fizeram refletir sobre o quanto questões emocionais, sociais e cognitivas sofreram uma influência pela prática do Parkour, ressaltando a conexão mente/corpo na produção de impactos psicológicos. Palavras chave: Cognição. Parkour. Subjetividade Abstract Parkour it is basically a physical activity of French origin, where the main objective is to overcome the obstacles more fluent and natural way using only natural movements of the human being, such as jumping, running or climbing. This article seeks to discover whether there is any impact between corporeality in the psychological makeup of the subject and then highlight what these mental changes. To understand and resolve these issues, used a structured interview with eight questions, addressing qualitatively nine subjects who practice the activity. The results presented in this study made me reflect on how much emotional, social and cognitive issues suffered an influence by Parkour practice, emphasizing the mind / body connection in producing psychological impacts. Keywords: Cognition. Parkour. Subjectivity 1 Trabalho de conclusão de curso de Psicologia, orientado pela Prof. Dra. Larissa Guimarães Martins Abrão e apresentado em sessão de defesa pública no primeiro semestre de 2014 2 Graduando/a do curso de Psicologia da Faculdade Pitágoras-Unidade Uberlândia. E-mail: [email protected] 1 INTRODUÇÃO Atividade física é sempre uma escolha do ser humano pra atingir um bem estar físico, além de ser recomendado também como um auxiliar para a saúde mental. São várias as opções para se chegar a esses resultados: desde atividades físicas leves à esportes que exigem grande esforço físico e mental dos praticantes, alguns desses sendo considerados como “esportes radicais”. Esses esportes, cada vez mais, crescem em adeptos e número de atividades. Eles continuam sendo inventados e reinventados e, com isso, surgem variadas nomenclaturas ou terminologias. Para Pereira e Carceroni (2005) e Freire e Schwartz (2005), o crescimento dessas práticas é tão significativo que muitas pessoas acreditam nelas como possibilidades educacionais e formadoras dos cidadãos. (I. ARMBRUST e F. A. A. LAURO, 2010, P. 801) A partir desse conceito, as pessoas despertam interesse à esses aspectos e se tornam adeptos às atividades consideradas radicais ou fora do comum. Este por exemplo, é o caso do Parkour, a atividade física que abordarei nesse trabalho. O Parkour é uma atividade física francesa, onde o principal objetivo é transpor obstáculos urbanos da forma mais natural possível, usando somente habilidades do corpo humano e alguns recursos mentais. Seu criador é David Belle, um deportista francês que utilizou de métodos de sobrevivências naturais e técnicas de treinamento de bombeiros para criar a disciplina. É uma atividade sem restrições, praticada por homens ou mulheres que estejam ao dispor de treinar. O Le Parkour é caracterizado pela prática de ações eficientes que utilizam o deslocamento do corpo de um ponto a outro, transpondo obstáculos urbanos ou naturais de uma maneira fluida e com a mínima interrupção do movimento, viabilizando o desenvolvimento integral do corpo e da mente. Pode ser considerado esporte, arte, filosofia, tendo como motivação a necessidade do homem em escapar de situações de risco, utilizando técnicas que buscam durante a progressão o máximo de economia no movimento e o mínimo de interrupção. Esse método surgiu na França na década de 80 e foi utilizado como base para o treinamento militar internacional, permitindo o uso racional de energia, com ganho de tempo e economia de esforço, ao enfrentar os obstáculos inerentes às adversidades no combate ou no salvamento. (LEITE et al., 2011, P. 198) 2 Tendo o Parkour como exemplo de beneficiador físico e mental, quero discutir e apresentar os tais benefícios de ordem cognitiva desenvolvidos em sua prática, possibilitando para a sociedade um conhecimento teórico sobre essa atividade como um possível gerador de bem estar. Os estudos sobre a psicologia do esporte ainda são muito precárias e carentes de conhecimento. Existem algumas pesquisas sobre essa área e a que mais aproxima do meu tema, fala sobre preparação mental em esportes radicais. LUCAS, é um Psicólogo licenciado pelo Instituto Superior de Línguas e Administração Leiria, trabalha com preparação mental de atletas e também é autor da “Escola Psicologia”. Ele diz que os esportistas radicais desenvolvem algumas características mentais como: Imagens mentais, força mental e foco atencional. Para Lucas, “as imagens mentais podem ser definidas como uma experiência sensorial simbólica que poderá ocorrer de um modo sensitivo. Ver-se e sentir-se a executar certos movimentos ou estratégias é uma prática comum na preparação mental dos atletas” (LUCAS, 2009). A segunda característica mental dos esportistas que ele defende é a “Força mental”: Por exemplo, nos treinos estes alpinistas falavam frequentemente em aumentar os seus limites físicos e o nível do seu desconforto. Eles acreditavam que se se puxassem física e mentalmente permitir-lhes-ia ganhar força emocional, e como resultado disso desenvolver a tenacidade mental necessária para o desafio de subir o Evereste. (LUCAS, 2009). Por último, ele acredita que é desenvolvido o “foco atencional”: O foco atencional inclui entrar na Zona de Óptima Performance, ter atenção à respiração, o controlo da sua velocidade de escalada, dirigir a sua energia física e mental para o desafio imediato à sua frente, e dirigir a sua atenção para a tarefa em mãos. O seu foco era muito compenetrado no processo passo a passo. A elevada concentração permitiu a estes alpinistas eliminar as distracções, manterem-se focados na tarefa em mãos, e atingir os seus objectivos momento a momento, no seu dia-a-dia de atletas praticantes de desportos radicais. (LUCAS, 2009). Emoções e comportamentos como prazer, sentido de onipresença, auto-orgulho (Superar ou sobreviver às atividades ou de suas habilidades), sentimento de 3 competitividade, desejo de repetição, ligação a própria experiência, são típicas dos atletas que procuram os desportos de risco. (LUCAS, 2009). O principal interesse desse trabalho foi especificar os aspectos psicológicos que o Parkour proporciona e assim contribuir o campo da psicologia com os resultados da pesquisa. Conseguinte, este estudo procurou levantar algumas habilidades mentais que podem ser desenvolvidas na atividade do Parkour segundo a percepção dos praticantes e analisá-las a partir de teorias psicológicas. Para isso optei por desenvolver uma entrevista com oito questões, onde coletará as percepções dos sujeitos em como se viam antes e depois de começar a praticar, também questionei algumas das dificuldades enfrentadas, além disso, como conheceu e pra quem indica a prática. O SURGIMENTO DO PARKOUR Para que exista uma familiarização com o assunto, um melhor entendimento sobre o que é o Parkour e conseguir defender os tópicos anteriores, abordarei informações importantes, usando-as como referencial teórico. A atividade física em questão possui uma série de filosofias, histórias, objetivos e significações envolvidas, que serão apresentadas a seguir. A origem da fundação do Parkour tem uma influência muito forte de Georges Hebert (1875 – 1957), ex-oficial da marinha francesa, que criou o método natural, uma inspiração para a criação do Parkour. O Método Natural baseia-se na ideia de que é importante trabalhar movimentos que atualmente o ser humano deixa de realizar. Para combater o sedentarismo, George Hébert criou um sistema no qual o ser humano reproduz movimentos utilizados para se locomover em ambientes naturais, como em uma pedra, árvore, lugares baixos que exigem o uso da quadrupedia, locomovendo-se, carregando objetos pesados, agarrando-se em algo ou até mesmo rastejando. (2003 apud STRAMANDINOLI, REMONTE E MARCHETTI, 2012, P. 17). Essa teoria foi usada por Raymond Belle, bombeiro que adotou as técnicas do método natural para treinamento de bombeiros franceses usarem em situações de emergência e perigo (DJORDJEVIC, 2006). Seu filho, David Belle, natural de Fécamp, Normandia (SERIKAWA, 2006) é um desportista francês e praticava atividades como atletismo, ginástica olímpica e artes marciais e defendia muito a prática de atividades físicas (PARKOUR WORD ASSOCIATION). 4 Com a influência dos treinamentos militares de Raymond, David Belle misturou o instinto de salvamento e sobrevivência, com os movimentos esportistas que tinha experiência. Assim nasce o Parkour. VISÃO GERAL DO PARKOUR A nomeclatura “Parkour” é uma derivação da palavra “Parcours” (língua francesa), que é traduzida para “Percurso” (língua portuguesa). Segundo os praticantes do grupo Le Parkour Brasil, a inspiração desse nome veio da expressão de Georges Hebert: “Parcours Du Combattant”, parte de sua teoria sobre “Método natural” de educação física. Essa modalidade foi usada pelo exército francês, realizando resgate de soldados em guerras. Já os praticantes de Parkour, foram definidos por gênero: “Traceurs” são os praticantes do sexo masculino da atividade e “Traceuse”, as praticantes do sexo feminino (DJORDJEVIC, 2006). A palavra francesa “Tracer”, significa “Traçar” ou “ir rápido”, então os termos “Traceur” e “Traceuse” derivam desse verbo, que seriam alguém que traça o caminho rapidamente (BIANCHI, 2008). Para os traceurs, existe uma preparação física antes de se treinar o Parkour, tudo para evitar lesões e para que reduzam possíveis desconfortos musculares ou nas articulações. Os praticantes que seguem essa metodologia evitam também os bloqueios emocionais decorrentes as quedas, machucados ou desconfortos que ocorrem por não se prepararem adequadamente antes da prática bruta. Os métodos usados para essa preparação, geralmente são uma série de alongamentos e aquecimentos musculares. A primeira coisa que se faz antes de iniciar o treino, seria o aquecimento muscular. Para Weineck, o objetivo central do aquecimento geral ativo é obter aumento da temperatura corporal e da musculatura, bem como preparar o sistema cardiovascular e pulmonar para a atividade e para o desempenho motor. Atividades de aquecimento são necessárias para preparar o corpo para a atividade física vigorosa porque aumentam o desempenho e diminuem o risco de lesão muscular. (2003 apud ALENCAR e MATIAS, 2010, P. 231) Após essa tarefa, o traceur costuma-se fazer o alongamento dos músculos. Alongamento é o termo usado para descrever os exercícios físicos que aumentam o comprimento das estruturas constituídas de tecidos moles e, consequentemente, a flexibilidade. Entende-se por flexibilidade a 5 capacidade física responsável pela execução voluntária de um movimento de amplitude angular máxima, superiores às originais, porém dentro dos limites morfológicos. (ALENCAR e MATIAS, 2010, P. 232) Então depois de estar preparado fisicamente, o atleta começa a treinar especificamente movimentos do Parkour, como saltos de precisão, técnicas de amortecimento, movimentos para ultrapassar obstáculos, etc. Pinheiro (2006) ressalta que no Parkour, não existem “Manobras, mas sim “Movimentos”. Esses movimentos básicos serão descritos a seguir, alguns deles com ilustração para facilitar a visualização: 1) Pouso, 2) Equilíbrio do gato (equilibrar-se com os quatro membros, como um quadrúpede), 3) Tic Tac (Impulsão com uma perna em superfície vertical, geralmente pra o lado oposto), 4) Sault de fond (Salto de uma superfície alta sem corrida), 5) Sault de détente (Salto de uma superfície alta com corrida), 6) Passar muro (Corrida seguida de impulsão para cima com a perna em uma superfície vertical), 7) Salto de Precisão (Salto de um ponto específico pra um outro ponto, geralmente uma borda ou lugar pequeno), 8) Salto de braço (Salto feito para se fixar em um lugar pendurando com as mãos), 6 9) Soltar ( Se soltar de algum lugar), 10) Planche (Subida em um lugar usando as mãos, como o exercício de barra), etc. (PINHEIRO, 2006, extraído do site http://parkournatal.wordpress.com/2006/10/11/nome-dos-movmentos/, acesso em 4 de dezembro de 2013). O conceito do Parkour pode ser muito subjetivo, cada pessoa (que pratica ou não), pode dar um significado diferente. Angel (2011), conceitua o Parkour como uma disciplina que nos faz ir até onde nosso corpo permite . Para a Parkour Word Association (2005), a atividade nos faz sermos capazes de superar os obstáculos que aparecerem pela frente de forma eficaz. A ideia do Parkour é a de traçar um percurso ou objetivo e, por meios próprios, alcançá-lo independentemente dos obstáculos que surgirem no caminho. Durante esse deslocamento o praticante aprende a fazer uso de artifícios que vão desde a exploração da sua condição física ao 7 discernimento de quais métodos de transposição oferecem menor risco ou maior eficiência durante esse trajeto (WAINER, 2009), além de interagir com o envolvimento humano (CARVALHO, 2008), ou ainda é a maneira rápida, útil e eficaz de nos deslocarmos em qualquer ambiente, seja ele urbano ou natureza, pelos nossos próprios meios (GAMA, 2008c). Assis (2007) cita, ainda, que a prática do Parkour explora diversas qualidades físicas: força, flexibilidade, coordenação motora, equilíbrio, velocidade, agilidade, entre outras. (2007-2009 apud STRAMANDINOLI, REMONTE E MARCHETTI, 2012, P. 15) No Parkour, além de superar os obstáculos físicos, ajuda também o praticante superar os obstáculos emocionais, psicológicos e sociais (BIANCHI,2008). Posso considerar que o Parkour é uma atividade completa, pois além de melhorar o condicionamento e a saúde física, estimula também o desenvolvimento de processos mentais, promovendo também o bem estar psíquico. E para chegar nessa estrutura, o Parkour teve que adotar traços de algumas teorias e práticas, por meio de pesquisa e por meio da utilidade benéfica que essas técnicas tinham para determinados públicos. Então o Parkour não é só uma prática completa, mas de forma indireta, pode ser considerado também como uma pequena ciência ou disciplina, por causa do modo que foi criado e por haver técnicas, metodologias, filosofia, etc. Os benefícios psicológicos adquiridos pela prática do Parkour podem ser vistos de diferentes formas, dependem muito da subjetividade do praticante. Traceurs de toda parte do mundo costumam se expressar pela internet sobre os benefícios sentidos individualmente na hora de praticar a atividade. No Brasil, Eberton Cetein (2013), diz que o Parkour só é entendido verdadeiramente por quem o pratica. Para ele, o Parkour nos muda psicologicamente, nos preparando para várias situações do cotidiano que exigem esforço e superação. Ele diz também que a alteração na forma de pensar seria mais intensa do que em uma “aulinha de auto-ajuda”. “Depois de conviver com o parkour por alguns anos, me acostumei a treinar e não consigo mais me imaginar parado. O corpo automaticamente anseia pela vontade de ser usado para fazer arte”. (EBERTON CETEIN, 2013, retirado do site http://estantedojoao.blogspot.com.br/2013/03/parkour-relato-de-um- praticante.html, acesso em 17 de dezembro de 2013) David Belle, o francês “pai” do Parkour, inspirou centenas de praticantes em alguns documentários postados na internet, quando trouxe alguns relatos cheios de riqueza sobre sua experiência no Parkour. 8 Mas hoje em dia eu só escuto: “Tome cuidado, você vai se machucar”. Eu tenho a impressão de que o medo é transferido, você pode inspirar coragem, mas também pode inspirar muito medo. E nós estamos em uma sociedade... Hoje todos vivem com medo, todo mundo tranca suas portas, todos se estressam. Todo mundo é... Como poderemos confiar em pessoas assim? E se hoje a nova geração tiver exemplos onde elas aprendam a ter um pouco de coragem e confiança a si mesmos, eles serão os pais de amanhã”. (BELLE, 2009 – Documentario Eu salto de telhado em telhado, aos 10’19”). Outra consideração importante de BELLE (2009), foi quando ele fala que treina pra ser capaz de enfrentar um problema quando o encontra. E crê que o resultado final do Parkour, seria a autonomia total de nossas vidas, sermos capazes de fazer as coisas por nós mesmos. O praticante inglês, Daniel Ilabaca, também publicou um documentário chamado “Choose not to fall” se expressando sobre a prática que faz, dizendo que encontrou no Parkour, o que sempre procurava, que seria a parte de relacionamentos. Sente que deve ter responsabilidade na posição que tem na comunidade do Parkour, então deve ser um bom modelo e passar tudo que aprendeu através dos anos para as pessoas. Ele diz também que a confiança é conquistada quando você se dá conta que escolhe seu próprio caminho, pois você escolhe por cair ou não cair. (ILABACA, 2009). Mais alguns grupos brasileiros de Parkour ainda arriscaram demonstrar os benefícios psicológicos em sua prática, como fez o “GAP Parkour”: Aspectos mentais estão diretamente relacionados com essa mudança de conduta do praticante. Ao conhecer novas possibilidades do seu corpo, fatores como o medo começam a anular suas ações como uma forma de proteção. O controle do medo está em entender até que ponto essa emoção é uma forma de proteção, ou um bloqueio na superação de desafios. Outro aspecto, a disciplina, leva o praticante a entender que seu treinamento gera um maior conhecimento de si mesmo e suas limitações, ampliando assim suas possibilidades. Esse autoconhecimento ajuda na superação de medos e traumas, fazendo com que os desafios encontrados pelo caminho sejam superados, não só nos treinos, mas na vida como um todo. (GAP PARKOUR, retirado do site http://www.aulasdeparkour.com.br/oparkour/beneficios/ acesso em 17 de dezembro de 2013). MÉTODO 9 A pesquisa foi realizada a partir da metodologia qualitativa, onde tive como técnica uma entrevista estruturada com oito perguntas para se coletar os dados necessários. O público entrevistado foram nove jovens do sexo masculino, da faixa etária de 17 à 23 anos de idade. São de diferentes naturalidades: 2 são de Uberlândia-MG, 1 de Goiatuba-GO, 2 da Argentina, 1 de Betim e 3 de Belo Horizonte-MG. Para conseguir realizar a pesquisa abrangendo diferentes naturalidades, entrei em contato com algumas pessoas do meu próprio convívio, onde os selecionei de forma estratégica, levando em conta o tempo de prática que fosse superior a um ano. Também participei de um encontro mineiro de Parkour realizado em Belo Horizonte-MG, que foi organizado pelo grupo brasileiro PKTD PARKOUR em dezembro de 2013, lá estiveram praticantes de várias partes do Brasil, além de Argentinos e Holandeses, nessa etapa já fui mais flexível na questão de tempo de prática e quis explorar mais a diversidade nacional e internacional. Entrevistados Nome Fictício Idade Tempo de Prática Cidade Traceur 1 21 anos 3 anos e 9 meses Uberlândia-Mg Traceur 2 22 anos 3 anos Uberlândia-Mg Traceur 3 23 anos 4 anos Goiatuba-Go Traceur 4 17 anos 3 anos e 6 meses Betim-Mg Traceur 5 20 anos 5 anos Belo Horizonte-Mg Traceur 6 20 anos 3 anos Belo Horizonte-Mg Traceur 7 19 anos 11 meses Buenos Aires-Argentina Traceur 8 19 anos 3 anos Buenos Aires - Argentina Traceur 9 22 anos 7 anos Belo Horizonte-Mg APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Questionei primeiramente sobre como os indivíduos tiveram o primeiro contato com o Parkour e a maioria dos sujeitos (cerca de cinco dos entrevistados) responderam 10 que foi através de amigos. Os outros já conheceram o Parkour assistindo o filme B-13 e também a outros vídeos na internet que demonstram cenas da atividade. Uma boa parte (quatro) dos entrevistados também apresentou outros dados em comum na questão de como se viam antes de começar os treinos, disseram que se viam como “pessoas normais” e sedentárias. Além disso, um dos entrevistados relata que antes de treinar, apresentava “comportamentos hiperativos” dentro do ambiente escolar: Cara, eu sempre fui uma pessoa com bastante dislexia e com bastante déficit de atenção, então eu não conseguia ficar dentro da sala de aula. Eu era um “mau aluno, bom aluno, sei lá! Fechava as notas, mas não ficava dentro da sala de aula, eu não gostava. E eu sempre fui muito hiperativo, então eu tinha muita dificuldade em ficar parado, ficar quieto no lugar. (TRACEUR 5) Interessante também o relato do TRACEUR 6, que se denominou como “Meio Frangão, magrelo e bem cagão”, quando se lembrou de como era antes de treinar Parkour. Eles relataram que começaram a treinar a atividade por que achavam a movimentação bonita e interessante, algo novo que os desafiavam. E depois de algum tempo de treino, afirmam que percebem a superação da condição normal das pessoas, tanto fisicamente e psicológicamente. Levam a atividade como um estilo de vida (modo de pensar, enfrentamento de problemas cotidianos), o que pode ser percebido na fala do Traceur 4: Olha, relaxa bastante para esquecer os problemas e eu levo o parkour como não só como um esporte, mas como uma filosofia de vida, como eu acho que todos os traceurs levam. Eu uso o parkour como se eu ultrapasso um obstáculo no parkour, eu também consigo ultrapassar na vida. (TRACEUR 4) Além de ajudar no controle da hiperatividade citada pelo traceur 3 e também na autoestima rebaixada do outro entrevistado. As questões como a ansiedade, medo, autocontrole e autoconhecimento foram trabalhadas por eles durante a prática. Interessante notar que, de fato estamos diante de uma integração entre corpo e mente, pois os resultados de uma atividade física mobilizadora, como o Parkour, apresentam impactos psicológicos significativos. 11 Apesar de terem superado essas questões, elas foram umas das maiores dificuldades enfrentadas por eles, como o medo, a dificuldade inicial de realizar os movimentos e algumas lesões sofridas. Praticamente todos entrevistados indicam o parkour para todo o tipo de público, pois consideram como um treinamento físico e mental saudável para todos. Tiveram algumas indicações mais específicas, como para idosos, sendo justificado pelo sujeito por ser uma atividade que tem a função de desbloquear os bloqueios mentais, algo que o público como crianças não teriam tanto. Outra indicação diferente foi do TRACEUR 6 que afirmou que seria interessante a prática para crianças, pois terão mais experiência no Parkour quando estiverem mais velhos, do que alguém que começa a praticar depois da infância. São interessantes as mudanças psicológicas ocorridas nesses sujeitos, nenhum não se vê da mesma forma de quando não treinavam parkour e demonstravam plena consciência disso. Ilustra bem isso a fala do praticante: Eu vejo muito a mudança psicológica, tem alguns caras que podem provar que quando eu comecei a fazer parkour, eu era um cara muito chato porque justamente pela hiperatividade, eu ficava enchendo o saco o tempo inteiro no treino, então eu sempre atrapalhava a galera. E sinto que hoje eu sou mais centrado, eu consigo ter um pouco mais de foco do que eu estou fazendo. (TRACEUR 5) É literalmente uma habilidade que ele não tinha e passou a ter depois de algum tempo de treino. Outras habilidades de ordem mental que podem ser destacadas são a auto-estima, superação ou controle do medo, autoconfiança, autocontrole emocional e ansiedade. O Parkour, então, aparece nas falas dos entrevistados como uma atividade provocadora de transformações de outra ordem que não só a física, vão além disso: os benefícios se ampliam para uma melhor e otimista visão de si mesmo, demonstrando uma pré-confiança no que fazem e o reforço disso quando conseguem realizar o movimento. O conhecimento de si mesmo é dado como importante por várias pessoas no mundo, esse é um árduo objetivo que às vezes não é conseguido mesmo com anos de psicoterapia. E pelo Parkour, existe uma possibilidade enorme de se alcançar isso, o processo não deixa de ser sofrido, pois esse contato consigo mesmo provoca 12 desprazeres em algumas situações (como as quedas e medos citados pelos sujeitos). Porém essa conquista parece superar as angústias. A gratificação de poder se perceber, conhecer seu próprio funcionamento físico e mental é um atrativo. As mudanças continuam sendo intensas quando aparecem nos indivíduos, um modo diferente de ver o mundo, então envolve tudo o que eles vivem no dia-a-dia, em como passam a simbolizar, nomear, perceber os objetos e estímulos em sua volta, como se fosse, grotescamente comparando, uma estrutura psíquica moldada pelo Parkour. Conseguem associar a superação de um obstáculo físico com o enfrentamento também de obstáculos psicológicos e sociais, sendo que essa metaforização é utilizada pelos traceurs em qualquer situação onde sentirem necessidade. Se eles aprenderam a alcançar distâncias longas em um salto e perceberam que esse desempenho pode melhorar futuramente, não tem nada que impeça esses sujeitos a dar o melhor de si também nas atividades que fazem fora dos treinos, como no trabalho ou estudos. Tudo isso no intuito de chegar mais longe, surge nesse contexto, a ambição de evoluírem socialmente. Em nenhum momento eles se identificam com ladrões, vândalos ou qualquer sujeito que é considerado um distúrbio social. Mesmo que em algumas situações eles sofreram discriminação por algumas pessoas por causa da movimentação aparentemente agressiva, rápida, “invadindo” espaços que geralmente ninguém ocupa, continua presente neles o desejo de treinar, ou seja, o preconceito é ignorado. O traceur tem a consciência da potência que ele mesmo possui, nas possibilidades de uso dos movimentos, sejam para o mal (invasões domiciliares, roubos, fugas policiais, etc) ou para o bem. A atividade faz o sujeito deixar um pouco de lado o egoísmo, pois sabendo dos possíveis ganhos materiais, conseguem pensar no outro também, um exemplo disso é o ensinamento da prática sem cobrança financeira dos participantes. O esporte consegue ser visto com um exemplo biológico, psicológico e social, por causa dessas virtudes, habilidades mentais e físicas, que são aprendidas. Esses são um dos motivos que chamam atenção da sociedade e faz com que o Parkour consiga adeptos que vão aumentando gradativamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS 13 Com este trabalho, percebi o quanto a corporeidade impacta na construção subjetiva e nas alterações do psiquismo dos sujeitos. O modo como você trata do corpo influencia direta ou indiretamente nos processos cognitivos, mostrando que existe uma ligação entre um e outro, o que foi amplamente colocado na fala dos participantes e que considero o assunto mais forte deste estudo. Cabe agora questionar sobre a prática da psicologia que ainda se mantém restrita na maioria das vezes, somente pela fala nos tratamentos psicoterapêuticos. Não se vêem disponíveis atualmente dentro das grades curriculares na formação dos psicólogos, disciplinas que tratam suficientemente desse assunto mente/corpo. A psicologia holística defende muito em definir e trabalhar o sujeito como biológico, psicológico, social e espiritual, o que ainda não engloba tudo sobre o sujeito, ainda falta acrescentar também nessa definição, a parte corporal. Isso mostra que as práticas psicológicas ainda são bastante tradicionais e limitadas, necessitando mais de ampliação extra-consultório e se abrirem para utilização dos diversos instrumentos que o sujeito traz. REFERÊNCIAS ALENCAR, Thiago Ayala Melo di. Princípios Fisiológicos do Aquecimento e Alongamento Muscular na Atividade Esportiva. 2010. 16 v.- Curso de Educação Física, Universidade Estadual de Goiás, Goiânia, 2010. ARMBRUST, Igor. O Skate e possibilidades educacionais. 2009. 16 v. - Curso de Educação Física, Universidade Camilo Castelo Branco, Rio Claro, 2010. BELLE, David. Eu salto de telhado em telhado. 2009. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=myuX_qQATa8>. CETEIN, Eberton. Parkour: relato de um praticante. 2013. Disponível em: <http://estantedojoao.blogspot.com.br/2013/03/parkour-relato-de-um-praticante.html>. Acesso em: 17 dez. 2013. 14 ILABACA, Daniel. Choose not to fall. 2009. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=vOZaxBnpJWU>. LEITE, Neiva. Perfil da Aptidão Física dos Praticantes de Le Parkour. 2011. 17 v. Curso de Educação Física, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. LUCAS, Miguel. Preparação Mental nos Deportos Radicais. 2009. Disponível em: <http://www.escolapsicologia.com/diretorioprofissionais/psicologo/leiria/miguellucas>. Acesso em: 3 set. 2013. PARKOUR, Gap. Benefícios. 2013. Disponível em: <http://www.aulasdeparkour.com.br/o-parkour/beneficios/>. Acesso em: 17 dez. 2013. PINHEIRO, Halan. Nome dos Movimentos. 2006. Disponível em: <http://parkournatal.wordpress.com/2006/10/11/nome-dos-movmentos/>. Acesso em: 4 dez. 2013. STRAMANDINOLI, Ana Luiza Martins. Parkour: História e Conceitos da Modalidade. 2012. 11 v. - Curso de Educação Física, Faculdade de Educação Física de Sorocaba, Sorocaba, 2012. 15
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