Cadernos BDMG - Ed. 14

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Cadernos BDMG - Ed. 14
CADERNOS BDMG
Publicação do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais
Departamento de Planejamento e Programas
Nº 14 | ABRIL | 2007
Belo Horizonte
Periodicidade Semestral
ISSN 1806-3187
Cad. BDMG
Belo Horizonte
n. 14
p. 1-130
abr
2007
CADERNOS BDMG
Revista semestral editada pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A. – BDMG
BDMG
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É PERMITIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU
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DESDE QUE CITADA A FONTE.
CADERNOS BDMG.- n. 1 (mar.) 1968Belo Horizonte: Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais \
Departamento de Planejamento e Programas, 1968Semestral
1. Economia - Brasil - Minas Gerais - Periódicos. 2. Desenvolvimento
Regional – Periódicos. I. Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais,
Departamento de Planejamento e Programas.
ISSN 1806-3187
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CDU 330.34(05)
APRESENTAÇÃO
Como importante instrumento do governo para a promoção do crescimento econômico e
social de Minas, o BDMG procura embasar suas ações no profundo conhecimento da realidade
econômica e social do Estado, elaborando de modo sistemático estudos e pesquisas setoriais e
regionais e também apoiando outras iniciativas que favoreçam o alargamento do pensamento
econômico mineiro. Orientado pelas indicações fornecidas por estes estudos, o Banco articula
sua estratégia de ação e estrutura seus programas de apoio aos empreendedores de todos os
portes em todas as regiões mineiras.
Neste contexto, o Banco relançou, em 2002, a revista Cadernos BDMG, que, nesta décima
quarta edição, comemora o quinto ano de publicação. Abrangente e plural, os Cadernos
BDMG abordaram neste qüinqüênio uma ampla gama de temas e opiniões de todos os matizes
acerca das complexidades inerentes ao processo de desenvolvimento econômico. Nesta
edição, são publicados três artigos que versam sobre dois temas fundamentais para a
instituição: o desenvolvimento tecnológico e a economia regional.
O primeiro artigo “O Pólo de Tecnologia da Informação de Belo Horizonte” foi elaborado
pelos economistas Karina Pereira Vieira, mestranda do Cedeplar – Centro de Desenvolvimento
e Planejamento Regional da UFMG, por Fabiana Santos, Diretora Executiva do Parque
Tecnológico de Belo Horizonte e Pesquisadora Associada do Cedeplar-UFMG, e por Francisco
Horácio P. Oliveira, Gestor de C&T do Parque Tecnológico de Belo Horizonte e Professor do
Departamento de Economia da UFMG. O texto avalia as características locais que fazem de
Belo Horizonte um pólo de tecnologias da informação, sistematizando os principais aspectos
da aglomeração de empresas de informática, com ênfase na estrutura de governança, na
existência de cooperação, no tamanho e no número de firmas, como também no dinamismo e
no acesso ao mercado externo. Adicionalmente, avalia como se processa a relação
universidade-empresa dentro da aglomeração e qual a sua importância para a estruturação da
mesma, bem como a existência ou não de outros tipos de vínculos multilaterais institucionais,
tais como o relacionamento das empresas com associações e com o poder público.
O segundo artigo “Desenvolvimento Desigual em Minas Gerais”, de autoria do economista
Pedro Vasconcelos Maia do Amaral, foi laureado com o segundo lugar da categoria
Universitário no XVIII Prêmio Minas de Economia. O trabalho analisa o processo de
desenvolvimento de Minas Gerais nas últimas três décadas, com enfoque nas disparidades
regionais deste processo e nas características socioeconômicas dos municípios mineiros. Para
tanto, o autor agrupa espacialmente os municípios com base na similaridade de seu processo
de desenvolvimento, numa perspectiva multidimensional que contempla simultaneamente
indicadores econômicos, sociais e demográficos. As regiões homogêneas obtidas pela
metodologia aplicada permitiram mapear tanto a coesão territorial de algumas regiões
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mineiras, onde o desenvolvimento se espalhou no todo regional, quanto a fragmentação
territorial de áreas fortemente heterogêneas e com baixa integração produtiva, contribuindo
para a melhor compreensão da realidade socioeconômica de Minas.
O terceiro artigo “Atividade Tecnológica de Municípios de Minas Gerais” de autoria de
Eduardo Gonçalves, Professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade
Federal de Juiz de Fora (FEA/UFJF) e Doutor em Economia Regional e Urbana pelo CedeplarUFMG, foi o vencedor da categoria profissional do XVIII Prêmio Minas de Economia.
Utilizando uma base de dados de patentes do Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI), referente ao período 1999-2001, o estudo tem por objetivo identificar os principais
fatores determinantes da inovação nos municípios mineiros a partir dos fatores considerados
relevantes pela literatura internacional e nacional; determinar a relação que existe entre a
estrutura urbana do Estado e a inovação; revelar padrões de associação espaciais e identificar
agrupamentos espaciais significativos de produção tecnológica; e, também, verificar a
ocorrência de transbordamentos tecnológicos intermunicipais. O trabalho constata uma forte
concentração espacial da atividade tecnológica ao redor da área metropolitana de Belo
Horizonte e um baixo grau de transbordamentos de conhecimento entre os municípios
mineiros, uma vez que a maior parte das cidades do Estado não possui escala urbana e
densidade econômica que atendam aos requisitos da inovação.
Estes trabalhos apresentaram vários argumentos que confirmam a essencialidade do
desenvolvimento tecnológico das empresas mineiras para a modernidade e a competitividade
do Estado. Atento à importância do fortalecimento do Sistema Estadual de Inovação, o BDMG
trabalha intensamente no fomento à inovação tecnológica no Estado, por meio de
financiamento direto aos empresários inovadores e de representação institucional no Conselho
Estadual de Ciência e Tecnologia (Conecit), no Conselho de Administração do Parque
Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec) e na Câmara Setorial de Tecnologia da Informação do
Estado de Minas Gerais.
Paulo de Tarso Almeida Paiva
Presidente
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA
INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
KARINA PEREIRA VIEIRA*
FABIANA SANTOS**
FRANCISCO HORÁCIO P. OLIVEIRA***
*
Mestranda do curso de Economia do CEDEPLAR-UFMG.
**
Diretora Executiva do Parque Tecnológico de Belo Horizonte e Pesquisadora Associada do CEDEPLARUFMG.
*** Gestor de C&T do Parque Tecnológico de Belo Horizonte e Professor do Departamento de Economia da
UFMG.
• Texto apresentado no XII Seminário sobre a Economia Mineira – 2006, em Diamantina.
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
1. A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO E DOS ARRANJOS PRODUTIVOS
LOCAIS
1.1. O papel da inovação no desenvolvimento econômico
A transição para a Economia do Conhecimento, consolidada na segunda metade do século
XX, redirecionou o foco do processo produtivo, que se centrava nos recursos naturais (base da
teoria das vantagens comparativas estáticas), para a busca intencional de vantagens construídas
através de novos conhecimentos e inovações tecnológicas. Vale dizer, atualmente os governos
dos países centrais, em conjunto com as empresas, buscam novas tecnologias de uma maneira
sistemática ao invés de deixar a emergência de novas gerações de tecnologias ao acaso.
Na literatura econômica, a importância das inovações tecnológicas, bem como a dinâmica
segundo a qual as mesmas se processam, foram descritas por Schumpeter. Schumpeter foi o
primeiro economista a desafiar a economia clássica que buscava a otimização dos recursos
existentes numa economia estável e em equilíbrio. O seu processo de “destruição criativa”
significava que uma economia normal encontrava-se sempre em estado de desequilíbrio
devido às forças endógenas de mudanças – as inovações. Esta perspectiva se contrapunha
radicalmente à idéia neoclássica de “choques exógenos” ao sistema. Para ele, a atividade
econômica evoluía em ciclos econômicos (ondas longas) de 40-50 anos, determinados pela
introdução de clusters de inovações que eram capazes de promover verdadeiras revoluções
industriais. Por exemplo, à época da morte de Schumpeter, em 1950, a “onda longa” baseada
na eletricidade, química, motor à combustão já havia praticamente se esgotado e estava tendo
início a “quarta onda”, baseada na petroquímica, eletrônica, aviação e produção em massa.
Herdeiros da tradição Schumpteriana, os economistas evolucionários – comumente
conhecidos como “neoschumpterianos” – argumentam que a “quinta onda”, ou como
preferem, um novo paradigma tecnológico estaria em curso. Este seria baseado na
microeletrônica, fibra ótica, genética, software. A “Era do Conhecimento”, como se
convencionou chamar, se diferencia das demais em alguns aspectos. De um lado, nem mesmo
grandes empresas são capazes de sustentar o desenvolvimento de inovações em alguns setores,
dados os elevados custos e riscos de seu desenvolvimento (veja, por exemplo, os casos da
Airbus que envolve não só alianças estratégicas entre empresas, mas também entre governos;
ou ainda os casos da indústria militar norte-americana e indústrias farmacêuticas). Nestes
casos, alianças estratégicas entre empresas e parcerias público-privadas – que envolvem não
somente o governo, mas também as universidades e centros de pesquisa – são necessárias à
continuidade do processo inovador. Em outras palavras, à medida que o processo inovativo se
torna mais complexo, mais intensivo em ciência e que as firmas tornam-se mais especializadas,
a geração de inovações passa a depender crescentemente de “redes cooperativas” e arranjos
institucionais de apoio. O conceito de “Sistema de Inovação” pretende capturar esta dimensão
do processo inovativo, que depende de um conjunto de instituições e mecanismos cujas
interações determinam o desempenho inovador.
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De outro lado, o crescente conteúdo científico das inovações – i.e. em biotecnologia,
nanotecnologia, tecnologias da informação, etc. – mudam o padrão de desenvolvimento de
inovações, onde pequenas firmas, normalmente resultantes de transbordamentos de atividades
de pesquisa científica em universidades e centros de P&D, tornam-se importantes veículos
(veja os casos bem sucedidos de clusters de pequenas e médias empresas de base tecnológica
do Silicon Valley e Boston, nos Estados Unidos, e da Região de Cambridge, na Inglaterra).
Neste caso, os países tecnologicamente atrasados podem se aproveitar das janelas de
oportunidade abertas por estas novas tecnologias, através da criação de instrumentos que
promovam a cooperação entre universidades-empresas-poder público, para a potencialização
do crescimento de empresas de base tecnológica.
Torna-se, portanto, interessante analisar as condições de entrada no “mercado de tecnologia”. Perez e Soete (1988) argumentam que no transcorrer do ciclo de vida de uma
tecnologia, as barreiras à entrada que um país pode encontrar variam, influenciando a sua
capacidade de aproveitar janelas de oportunidade e ingressar nas diferentes fases de
maturidade tecnológica. Na fase de “protótipo” – a de menor grau de maturidade da
tecnologia, dado que a tecnologia está ainda pouco codificada em seus procedimentos e
rotinas – o nível de conhecimento científico exigido constitui a principal barreira à entrada. À
medida que o grau de maturidade tecnológica se eleva, surgem barreiras associadas ao capital
social mínimo básico necessário ao processo de aprendizagem; à criação de barreiras à difusão
baseadas, por exemplo, em segredos comerciais e patentes; à expansão de mercados; aos
ganhos de escala na produção; à solidificação da marca e, finalmente, ao alcance do ápice do
know-how pelas empresas, exigindo investimentos iniciais cada vez maiores. Entretanto, à
medida que o conhecimento se torna codificado e é incorporado ao capital fixo, as
externalidades de difusão podem ser mais facilmente apropriadas pelos países retardatários
com capital social básico mínimo.
À primeira vista, a entrada no mercado de tecnologia já “maduro” seria a única alternativa
disponível para dar início ao processo de desenvolvimento. Contudo, nesta fase, o dinamismo
tecnológico já está exaurido e pode significar que o país ficará preso em padrão de
desenvolvimento de baixos salários, produtividade e crescimento. Assim, a entrada deve se
realizar no momento certo, para que o país possa realizar o catching up1. É particularmente
relevante observar que a entrada na etapa inicial de introdução de inovações requer, em geral,
a disponibilidade de conhecimento público gerado nas universidades e de um sistema de
ciência e tecnologia minimamente desenvolvido. Neste caso, janelas de oportunidade são
abertas para a entrada relativamente autônoma em novos produtos e processos por pequenas
firmas fundadas por empreendedores com avançado treinamento universitário, como têm sido
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Abramovitz (1986) descreve a relação inversa entre a produtividade inicial do capital e a taxa de crescimento
da mesma, o que tornaria possível a realização do “catching up” por países seguidores, visto que os mesmos
não teriam que arcar com os custos de deslocamento da fronteira de conhecimento tecno-científico. Entretanto
para que ocorra o catching up, o custo de absorção de conhecimentos deve ser pequeno e os países devem
possuir capacitações sociais.
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os casos da realização de inovações em tecnologias da informação e biotecnologia fora do
eixo dos países avançados.
Como destacado por Diniz et al. (2005), a luta competitiva e o processo de inovação
abrem “janelas de oportunidade”, que são também “janelas locacionais” (Storper e Walker,
1989), “no sentido de que os agentes produtivos e sua vinculação territorial geram efeitos de
diferenciação regional ou local de desenvolvimento”. A vantagem competitiva (dinâmica) é,
portanto, criada e recriada através de um processo altamente localizado. Nas palavras de
Porter (1990): “diferenças nas estruturas econômicas, valores, culturas, instituições e histórias
nacionais contribuem profundamente para o sucesso competitivo”. As interações formais e
informais de agentes e instituições, socialmente enraizada no ambiente local, estabelecem
redes de cooperação que favorecem o processo de aprendizagem e de inovação. A natureza
territorialmente concentrada do processo de inovação, determinada pela importância da
proximidade geográfica e cognitiva nos processos de transmissão de conhecimentos tácitos,
não-codificados, é empiricamente demonstrada pelas aglomerações de empresas de base
tecnológica, tais como o Silicon Valley (US), Route 128 (US), Cambridge (UK), Ille de France
(França), dentre outras. Ou seja, a interação localizada territorialmente gera externalidades;
realimenta os fluxos de conhecimento, aprendizado e inovação; reduz os custos de circulação
e de coleta de informações; socializa o aprendizado, a cooperação e os riscos; e favorece os
contatos face-a-face (Rallet e Torre, 1999).
Conforme apontado por Santos et al (2002), o grau de importância que os retornos de
escala, o aprendizado e a interação entre os agentes adquirem dentro do espaço localizado
sofre influência de aspectos regionais, históricos e institucionais específicos não-reproduzíveis,
que determinam a sua inserção na divisão inter-regional do trabalho. Vale dizer, algumas
regiões continuarão especializadas em bens tradicionais, enquanto outras serão capazes de se
inserir na produção de bens de última geração. Ambas podem ser capazes de sustentar a sua
competitividade dinâmica, na medida em que a aprendizagem via interação eleve a eficiência
coletiva e ocorra a apropriação de externalidades em função dos atributos e ativos locais. Esta
perspectiva é desenvolvida na teoria do desenvolvimento local que se dedica à análise de
arranjos produtivos locais, objeto da próxima seção.
1.2. Desenvolvimento local e arranjos produtivos locais – contextualização e conceito
Em meados da década de 1970, num contexto de globalização da economia e de transição
da “Era Industrial” para a “Era do Conhecimento”, as tecnologias de informação e
comunicação (TIC’s) passaram a ocupar um lugar de destaque nas estratégias empresariais e
estimularam a reestruturação do processo produtivo em direção a técnicas mais flexíveis.
Simultaneamente, no novo paradigma tecnológico, a competitividade das empresas e mesmo
dos países passa a ser crescentemente determinada pela capacidade de incorporação de
conhecimento. Como visto anteriormente, a transmissão do conhecimento e sua incorporação,
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dada a sua dimensão tácita, não-codificável, exigem não só processos de aprendizagem
(learning), mas também proximidade física (geográfica) e cognitiva. Some-se a isto o resgate das
contribuições de Alfred Marshall sobre ganhos pecuniários e tecnológicos associados às
economias externas provenientes da proximidade entre firmas. Assim, flexibilidade,
conhecimento, aprendizagem, proximidade e economia externas tornam-se os fundamentos da
capacidade de desenvolvimento e sustentação de vantagens competitivas. Empiricamente,
estudos clássicos de Piore e Sabel (1984) e Best (1990) apontavam para os Distritos Industriais
Italianos como a comprovação das vantagens competitivas associadas à aglomeração
geográfica de empresas ou clusters. Desde então, escolas de pensamento econômico têm
explorado, de forma diferenciada, os condicionantes do desenvolvimento local. Não é de
surpreender, portanto, que, na literatura econômica, a definição de cluster seja bastante
diversa, variando desde conceitos relativamente simples até considerações mais complexas e
elaboradas. Por exemplo, Nadvi e Schmitz (1999) definem cluster simplesmente como uma
concentração setorial e espacial de firmas. Já Crocco et al (2003, p.67) ressaltam que o
conceito abrange elementos que vão muito além da concentração física:
Podemos descrever clusters e distritos industriais como arranjos produtivos
nos quais alguns aspectos, em maior ou menor escala, se fazem presentes: i)
forte cooperação entre os agentes; ii) identidade sociocultural; iii)ambiente
institucional; iv) atmosfera industrial; v)apoio das autoridades locais; vi)
existência de instituições de coordenação; vii) índice de sobrevivência de
empresas elevado; viii) dinamismo e competitividade industrial; ix) fatores
locacionais favoráveis (recursos naturais, recursos humanos, logística, infraestrutura; x) fortes ligações econômicas entre os agentes.
De fato, como discutido na seção seguinte, os enfoques teóricos sobre clusters, apesar de
sua derivação comum na Tríade Marshalliana, diferenciam-se de acordo com a ênfase dada a
cada um dos “fundamentos” ou “condicionantes” e no tratamento a eles dispensados.
1.3. Arranjos produtivos locais – enfoque teórico
O primeiro autor a abordar a questão das economias de aglomeração, inserindo o conceito
de distritos industriais, foi Alfred Marshall, em sua obra Principles of Economics (1920), ao
apresentar o conceito de economias de escala internas e externas, para explicar a melhora do
desempenho das firmas localizadas em distritos industriais.
Segundo Marshall, o crescimento da produção industrial que resulta dos incrementos de
capital físico e humano dentro de cada empresa, é o que se pode chamar de economias
internas. Este conceito enfatiza a importância das inovações de maquinaria, da aquisição de
novas técnicas produtivas pelos próprios trabalhadores (fruto da divisão do trabalho, descrita
por Adam Smith), bem como da capacitação intelectual da mão-de-obra, acentuada pela
necessidade de se operar máquinas cada vez mais complexas, para uma organização eficiente
da firma.
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Entretanto, o crescimento e a prosperidade da indústria não são decorrentes apenas da
melhoria interna e individual de cada uma das empresas que a compõem. Produtores
diferentes de produtos semelhantes ou complementares podem auferir muitas vantagens,
concentrando suas empresas em uma mesma localidade. Esses ganhos proporcionados pela
aglomeração constituem as chamadas economias externas de escala, as quais tornam-se
possíveis devido ao livre fluxo de informações dentro dos distritos industriais, bem como à
presença massiva de mão-de-obra especializada, num mesmo local, e à atração de
fornecedores de insumos para a mesma região, diminuindo os custos para as firmas. Em
conjunto, esses elementos constituiriam a famosa “tríade Marshalliana”.
A existência de muitas empresas de uma mesma indústria cria demanda por um tipo
específico de mão-de-obra qualificada para as atividades de trabalho daquela indústria e, deste
modo, trabalhadores especializados são atraídos para o local, na esperança de melhores
empregos e salários. A presença de mão-de-obra especializada concentrada em um mesmo
local cria um ambiente de constante aprendizado de novas técnicas e, em alguns arranjos,
pode propiciar o surgimento de inovações que transbordem para as demais empresas.
O enfoque da eficiência coletiva, descrito por Schmitz, também na década de 1990,
conserva a importância da presença de economias externas para a aglomeração de firmas, e
acrescenta o papel relevante da ação articulada entre os agentes, em especialização,
desverticalização do processo produtivo e capacitação de mão-de-obra, para uma melhor
performance das pequenas e médias empresas (PME’s) dos países em desenvolvimento.
Embora o reconhecimento da cooperação entre firmas como uma ferramenta essencial ao
desenvolvimento do arranjo produtivo local (APL) constitua um importante avanço à temática,
o enfoque da eficiência coletiva não basta para descrever os diferentes casos de APL’s dos
países em desenvolvimento, visto que não consegue capturar de maneira satisfatória linkages
externos, bem como a necessidade de, muitas vezes, haver elementos agindo complementarmente à ação articulada e às economias externas, como a ação do governo local, através de
incentivos às exportações, da criação de órgãos de controle de qualidade dos produtos, e da
melhoria da infra-estrutura local para explicar o sucesso ou não de distintas experiências de
clustering (SCHMITZ & NADVI, 1999).
Em países em desenvolvimento é comum a presença de Physical clustering, que são
aglomerações de firmas de um mesmo setor entre as quais não ocorre interação. No entanto,
há que se aproveitar o fator proximidade física, no sentido de buscar desenvolver estes clusters,
por meio de ações do setor público que estimulem a reciprocidade dos agentes internos ao
aglomerado, tendo em conta o grau de desenvolvimento de cada país e da região em que se
localiza o cluster potencial (UNCTAD, 1998). Dessa forma, torna-se essencial conhecer as
características sócio-culturais e econômicas da região em que se localiza o aglomerado de
firmas, bem como de se fazer um estudo detalhado sobre a estrutura de mercado da indústria
interna e externamente ao cluster potencial, a fim de que estratégias viáveis de desenvolvimento do APL possam ser aplicadas. É importante, também, despertar o interesse de
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empresários e autoridades locais, mostrando-lhes os benefícios do engajamento em formação
de parcerias público-privadas e da interação entre as empresas, com a finalidade de se
desenvolver planos conjuntos de ação como, por exemplo, para a qualificação da mão-deobra, para a capacitação empresarial e para a aquisição de insumos e distribuição e marketing
de produtos, além da relação das firmas com as universidades e outros centros de produção de
conhecimento e tecnologia (Ruiz, 2004).
A participação do Estado e das universidades, oferecendo incentivos políticos e suporte
científico às empresas locais, complementa as economias externas, possibilitando uma visão
mais completa dos fatores que favorecem o sucesso do APL.
Como afirmam Suzigan et al. (2003, p.72),
As possibilidades de desenvolvimento do sistema local dependem, em
grande parte, das formas de governança, pública ou privada, do sistema. A
extração de benefícios da aglomeração, além das economias externas
incidentais, depende da existência de formas de governança do sistema
produtivo local que estimulem a manutenção de relações cooperativas entre
os agentes, levando ao estabelecimento de ações conjuntas entre eles e ao
incremento da competitividade do conjunto dos produtores.
Quando se trata de um APL de base tecnológica, o seu desenvolvimento tem como pilar a
existência de um sistema local de inovação fortalecido com instituições de pesquisa e universidades atuantes no processo de desenvolvimento tecno-científico, um sistema educacional
que propicie a qualificação da mão-de-obra local e a interação entre as empresas, universidades,
poder público e demais instituições locais. No caso de um setor como o de software, a análise
deve ter uma visão multidimensional e, portanto, devem-se considerar as peculiaridades deste
tipo de aglomeração, a fim de captar os principais aspectos relacionados à participação dos
atores locais no desenvolvimento do APL, como o relacionamento entre produtor e cliente, a
capacidade das instituições públicas de pesquisa interagirem com a indústria e a existência de
cooperação inter-firmas, verificando suas fortalezas e seus pontos de estrangulamento.
2. O CRESCIMENTO DA INDÚSTRIA DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO E O SEGMENTO DE SOFTWARE
2.1. A indústria de TI no contexto internacional – a relevância do software
Nas últimas décadas do século XX, observou-se o crescimento acelerado e considerável da
indústria de Tecnologia da Informação e Conhecimento (TIC), que envolve atividades
relacionadas ao desenvolvimento de hardware, software e prestação de serviços. A contínua
expansão dessa indústria, desde então, ampliou, como nunca antes visto, o acesso à
informação e às novas tecnologias em todo o mundo, transformando as formas de interação e
competição entre os agentes econômicos.
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Além do seu acelerado crescimento, observou-se, nos últimos anos, uma transformação
vivida pelas TICs na busca de redução dos custos de produção e de ampliação do acesso à
mão-de-obra qualificada, tendendo a elevar a competitividade entres as firmas do setor.
Empresas tradicionalmente especializadas na produção de hardware têm-se direcionado
também para o mercado de software, que se mostra mais lucrativo que o de hardware, a fim de
aumentar suas vendas. Este é o caso da IBM, que tem cada vez mais focado sua estratégia de
expansão no desenvolvimento e comercialização de software.2
Esta expansão da indústria de software em todo o mundo explica-se, principalmente, pelo
seu papel estratégico à promoção do crescimento e do desenvolvimento da economia, haja
vista a natureza transversal de sua aplicação. Veloso et al .(2002, p.4) explica a importância
para um país de apoiar o desenvolvimento da sua indústria de software:
The software industry is important because of its potential direct economic
impact, but its value for an economy can go much beyond that. Software is a
critical leverage for innovation across virtually every area of activity, and
plays a major role at level of intra and inter organizational learning (Schware,
1992; Quinn et al. 1997, Dertouzos, 1997). Having a sophisticated group of
software firms that work with the local industry to leverage national and
foreign software tools can have important productivity inducement effects
throughout the entire industrial base of a country. In fact, most developing nations
that are actively fostering the development of the software industry are aiming at
using the industry to ‘leapfrog’ the economy into more knowledge-based firms
and industrial capabilities, hopefully generating high value added exports.
Dados da Organização Mundial de Comércio (OMC) mostram que, em 1998, o comércio
do setor de TI, em todo o mundo, aproximou-se de US$ 680 bilhões, com tendência de
crescimento3. Na década de 1990, os gastos internacionais com TI cresceram aproximadamente 10% ao ano, um crescimento bem maior que a média da economia mundial. Em 2002,
pela primeira vez na história, esse mercado excedeu a marca de US$ 1 trilhão, projetando para
o final de 2005 um faturamento mundial de US$ 1,4 trilhão4 . A indústria de TI também vem
demonstrando altos índices de geração de empregos. Um estudo realizado pelo instituto de
pesquisas de mercado IDC, envolvendo 28 países de todo o mundo, revelou que 18 deles
tiveram seus índices de geração de empregos em TI aumentados em 50%, de 1995 a 2002. Só
na China, o setor de TI foi responsável pela criação de mais de 1,16 milhão de empregos locais.
Entre 1995 e 2002, foram constituídas quase 200 mil empresas do setor no mundo todo.5
A partir de 2001, os gastos com software cresceram 3,6 % a.a., aumentando de US$ 76.9
bilhões em 2002, para US$ 81,8 bilhões, em 2003. Estima-se que o mercado mundial de
2
Estimativas da IBM revelam que cerca de 58% dos lucros da indústria de TI, em 2005, devam ser provenientes
de software, serviços e consultorias. Em 2003, o segmento de software era responsável por 55% das
movimentações de vendas da IBM.
3
Dados da OMC, citados em Arbache et al. (2002).
4
Fonte: Microsoft. Disponível em: www.microsoft.com. Acesso em 24 de novembro de 2005.
5
Fonte: Microsoft. Disponível em: www.microsoft.com. Acesso em 24 de novembro de 2005.
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software e serviços relacionados deva atingir US$ 900 bilhões, em 2008 (MIT, 2003)6. Um
estudo realizado pelo instituto de pesquisas de mercado IDC para a Microsoft avalia que o
crescimento do segmento de software será de aproximadamente 15% a.a., na primeira metade
da década de 2000, devendo ultrapassar, em âmbito global, os US$ 335 bilhões, já no ano de
2005.
Neste contexto de perspectiva de crescimento do setor, muitos países em desenvolvimento
vêem a oportunidade de obter ganhos para a sua economia, através do investimento em
atividades de TI, principalmente software, porque este se utiliza intensivamente de capital
intelectual, relativamente mais barato nestes locais, podendo constituir uma vantagem
comparativa. Países como Índia, Irlanda e Israel são exemplos de sucesso entre os grandes
exportadores de software e serviços relacionados, embora a maioria da produção de software
de pacote em todo o mundo ainda se concentre em países da Organização para a Cooperação
e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE). 7 O principal motivo desta tendência de
concentração das atividades de TI em determinadas regiões geográficas está relacionado à
possibilidade de aumento dos ganhos de escala, através do favorecimento à padronização de
produtos, bem como pelas economias externas propiciadas pela interação das firmas (MDIC,
2005).
O Brasil vem apresentando um bom desempenho como produtor de software e serviços
correlatos. Entre 1991 e 2001, o mercado brasileiro de TI cresceu a uma taxa média de 13%
a.a.. No mesmo período, o segmento de software aumentou sua participação no PIB nacional
de 0,27% para 0,71%. Em 2001, o mercado brasileiro de software já se encontrava entre os
sete maiores do mundo, com vendas de US$ 7,8 bilhões. Os ganhos de escala, decorrentes da
grande demanda interna principalmente por serviços, podem constituir importante vantagem
competitiva, no caso brasileiro, podendo elevar o potencial do país como exportador de
software. O GRAF. 1 apresenta uma comparação dos mercados de software da Índia, grande
potência exportadora de software e serviços relacionados, da China, promessa de enorme
mercado consumidor para a indústria internacional, e do Brasil.
O mercado interno, tanto no Brasil como na China, foi o grande absorvedor de software,
com demandas equivalentes a US$ 7,8 e US$ 7,9 bilhões no mesmo ano, enquanto o mercado
interno indiano apresentou demanda de apenas US$ 2 bilhões. Tal fato, nos casos chinês e
brasileiro, demonstra a importância de uma estrutura industrial diversificada como demandante
do setor, o que constitui uma vantagem competitiva para o segmento de TI. No entanto, as
exportações das indústrias brasileira e chinesa de software estiveram muito aquém das
significativas exportações de software indiano.
6
7
14
Dados da IBM. (citados em MIT; 2003)
Segundo OECD (2001) em MIT (2003), em 2003, 95% do software produzido era originado de países da
OCDE.
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GRÁFICO 1
A indústria de software no Brasil, na China e na Índia, em 2001
Fonte: MIT/SOFTEX (2002).
O Quadro 1 mostra que do total de vendas de software brasileiro, em 2001, apenas 1,5%
foram destinadas à exportação, sugerindo uma deficiência da indústria de software nacional
quanto a vendas e projeção no exterior. Apesar das exportações superiores às brasileiras, a
China, com exportações de 5,5% do total das vendas de software, ainda ficou muito atrás da
Índia. Neste país, existe claramente uma especialização em serviços de software, associado
com um rápido processo de “offshore IT outsourcing”8 e, por isso, destinados, em sua maioria,
à exportação. Brasil e China, por sua vez, apresentam uma composição de mercado
relativamente mais equilibrada entre software-produto e serviços de software. Outro ponto que
chama a atenção é que, apesar de a quantidade de firmas de software no Brasil (5.400) e na
China (5.700) serem praticamente o dobro do número de empresas de software na Índia,
quando se observa o número de empregos diretos gerados pelo setor, nos três países, a situação
se inverte. Isto sugere que, na Índia, as empresas sejam maiores que nos outros dois países, em
decorrência de um processo de concentração de firmas resultante da cooperação mais intensa
entre a firmas, que estimulou as fusões e o crescimento.
8
O “Offshore Outsourcing model” é baseado em múltiplas unidades de negócio espalhadas pelo mundo que
subcontratam serviços de TI (por exemplo, a inovação de produto é realizada no país central enquanto o seu
desenvolvimento é realizado offshore, onde a mão de obra é mais barata e possui a capacitação necessária).
15
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QUADRO 1
Estrutura de mercado de software no Brasil, na China e na Índia, em 2001
Estrutura/Países
Foco de mercados – Vendas (%)
Serviços
Produtos
Exportações
Firmas com atividades de software
Firmas de software
Empregos
Brasil
China
Índia
56
44
1,5
58
42
5,5
80
20
76
10.700
5.400
158.000
10.000
5.700
186.000
–
2.800
350.000
Fonte: Elaboração própria a partir de Veloso et al.,2002.
Tais observações permitem que se conclua que, embora se tratem de mercados muito
grandes e de indústrias bastante promissoras, que se destacam pelo elevado padrão tecnológico
e pelo potencial inovador, há que se levar em conta o papel das especificidades inerentes ao
contexto de cada país.
2.2. Um caso de sucesso internacional – a indústria de TI de Bangalore
O sucesso da indústria de TI da Índia, localizada na cidade de Bangalore, chama a atenção
principalmente por se tratar de um setor que opera com constantes inovações, bem como por
representar a projeção significativa de um país em desenvolvimento em um mercado
fortemente dominado por países desenvolvidos.
No caso da Índia, a existência de mão-de-obra qualificada e barata e o domínio da língua
inglesa constituíram importantes vantagens competitivas, favorecendo a obtenção de ganhos
de escala na produção de software, o que associado ao processo de concentração de empresas
e de especialização produtiva, amplamente incentivadas pelo Estado, promoveram o
desenvolvimento de um cluster competitivo e com diversas particularidades.
No caso particular de Bangalore, o governo central, a partir da década de 1940, agrupou
estrategicamente grandes empresas públicas no local. Elas deveriam funcionar como
incubadoras, promovendo a qualificação e o treinamento progressivo de engenheiros e
técnicos em informação e, dessa forma contribuir para atração de empresas privadas com base
neste pool de mão-de-obra altamente capacitada e relativamente barata que estava sendo
formada (NADVI, 1995).
Ademais, como descreve Amsden et al (2002, p.3), a adoção de estratégias protecionistas
para o software pelo governo indiano foi de grande importância para o catching up:
16
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By closing off the Indian market to foreign investments, the Indian government
held back foreign investments and technology transfers. However, (…), the act
of closure was also accompanied by the formation of local firm level technical
capabilities. (…) the development of these technical capabilities were
consistent with “original design and development” capabilities, particularly in
hardware, and case histories of leading software firms such as Wipro, PCS,
HCL (which built the first computers and systems in India) indicate that they
got their first good start in this protectionist period.
As pequenas e médias empresas que, até a década de 1970, mantinham-se diretamente
ligadas às grandes empresas, sob a forma de unidades subordinadas, tornaram-se
independentes, passando a ofertar serviços especializados, tendo as grandes firmas como seus
principais clientes. Nos anos de 1980, com o processo de abertura comercial da Índia, a
preocupação com a competitividade levou a uma maior interação entre as próprias firmas, em
prol da qualidade, com ênfase na diferenciação de produto.
A presença de mão-de-obra altamente capacitada e a especialização da produção em
software atraíram o interesse de grandes empresas internacionais de TI pelo software de Bangalore, movidas pelo grande potencial inovador e pelo baixo preço relativo do capital intelectual.
Esta projeção no mercado internacional aumentou a demanda das firmas por trabalhadores
especializados, por investimentos em treinamento, em fornecimento de serviços técnicos e
ampliou as relações inter-firmas. Tornou-se bastante comum o financiamento e o auxílio
estrutural de PME’s por firmas maiores que, demandantes de elevada quantidade de alguns
produtos específicos, optaram por esta forma peculiar de terceirização. Em geral, o enfoque das
PME´s foi qualidade e preço baixo, havendo muito pouco de desenvolvimento tecnológico na
produção das pequenas firmas.
O oferecimento de serviços e produtos específicos das PME’s às grandes firmas, conforme a
demanda destas, a concentração de P&D, a inovação tanto em design como em componentes,
dentro das grandes empresas, caracterizaram o processo de reestruturação do cluster, que
passou a exigir também das PME’s certa estruturação tecnológica, visto que o padrão
internacional de qualidade exigia, por exemplo, o acesso ao comando numérico
computadorizado (CNC).9 Dada esta necessidade, as empresas empenharam-se em contratar
mais engenheiros, seja para o desenvolvimento de novos maquinários, seja para copiar bens de
capital já existentes, e algumas utilizaram até mesmo a engenharia reversa.
Ao final dos anos de 1990, foi criada no país a NASSCOM (National Association of Software
and Services Companies), com o intuito de fomentar a exportação de software pelas empresas
indianas, através de incentivos às atividades de capacitação de mão-de-obra e à obtenção de
certificações internacionais de qualidade, como CMM e CMMI; e treinamentos e promoção da
interação das firmas. O governo local, por sua vez, forneceu uma série de subsídios ao setor,
além de promover o desenvolvimento de infra-estrutura de telecomunicações (SAUR, 2004).
9
Mais detalhes em Amsden (2002).
17
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As estratégias de investimento e de conquista de mercados adotadas pelas firmas foram
essenciais ao desenvolvimento e à valorização dos produtos. Entre as principais estratégias de
negócios destacam-se os elevados investimentos em processos complexos de desenvolvimento
de software avançado, que buscavam o aprimoramento do produto, ouvindo opiniões de
profissionais e consumidores, e sanando os problemas presentes, associados a mudanças nas
relações entre as firmas e seus trabalhadores e na estrutura organizacional (Arora et al., 2000).
Entretanto, as restrições de recursos fizeram com que muitos dos produtores optassem pelo
fornecimento de serviços como uma das formas de financiamento de suas empresas, visto que
a prestação de serviços opera a custos bastante inferiores ao de desenvolvimento de produto
(Amsden et al., 2002).10
Sem dúvida, a presença de instituições sólidas, o sistema educacional forte em tecnologia,
o incentivo ao treinamento de profissionais, a existência da NASSCOM, como incentivadora do
relacionamento das empresas entre si e com potenciais fornecedores, e a inserção no mercado
externo foram de importância fundamental para o desenvolvimento do cluster de Bangalore e
para sua sustentabilidade e projeção internacional. Estudos recentes mostram que, apesar das
restrições de financiamento, o gap entre as empresas nacionais indianas e as multinacionais
está diminuindo rapidamente.
Em conjunto com a empresa de consultoria McKinsey, a NASSCOM desenvolveu um
estudo que projeta a participação da Índia no mercado mundial de serviços de software. Esse
prevê que a receita global de serviços indianos de TI evoluirá de US$ 4 bilhões, em 1998, para
algo em torno de US$ 87 bilhões, em 2008. O setor de software deverá gerar mais de 2,2
milhões empregos até 2008. O estudo ainda aponta que provavelmente a Índia alcançará o
status de centro mundial do processo e do serviço, capturando 2,6 % do mercado mundial de
software nos próximos três anos11.
3. A INDÚSTRIA DE INFORMÁTICA BRASILEIRA – DESENVOLVIMENTO E
PARTICULARIDADES
3.1. A fase do protecionismo no contexto de substituição de importações
Entre os anos 1970 e 1980, a economia brasileira encontrava-se bastante fechada ao
comércio internacional e amplamente regulamentada, com restrições à entrada de produtos
importados, caracterizando a estratégia da industrialização por substituição de importações.
No caso das TIs, tratadas como “indústrias-nascentes” e, por isso, sujeitas a uma série de
incentivos fiscais e creditícios a partir dos anos 1980, as principais beneficiadas foram as
10
11
18
O que se revelou bastante importante também no caso das indústrias brasileiras e chinesas (MIT, 2003).
Fonte: Disponível em : <www.nasscom.org.> Acesso em 1º dez. 2005.
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empresas de hardware e, em segundo plano, as empresas de software. De fato, o estímulo do
Estado ao crescimento e à inovação das empresas nacionais, através da reserva de mercado,
propiciou a expansão interna das empresas de informática brasileiras, que, em alguns casos,
alcançaram significantes resultados em atividades relacionadas à P&D (MIT, 2003). A TAB. 1
mostra as dimensões do mercado por tipo de empresas de software brasileiras, no período da
reserva de mercado.
TABELA 1
Mercado brasileiro de software – 1980/90
TIPOS DE EMPRESA
Empresas de Software
Brasileira de Capital Nacional
Brasileira
Outras Empresas
TOTAL
US$ MILHÕES
%
1988
1989
1990
1988
1989
1990
178.682
322.314
276.686
74,2
82,9
78,8
50.810
136.419
77.154
21,1
35,1
22,0
127.872
185.895
199.532
53,1
47,8
56,8
62.208
66.397
74.413
25,8
17,1
21,2
240.890
388.711
351.099
100,0
100,0
100,0
Fonte: MCT, (1993).
Apesar de a reserva de mercado ter capacitado industrial e tecnologicamente o setor de
informática brasileiro – o que foi importante para o posterior fortalecimento da indústria de
software – os incentivos do Estado à inovação não levaram à capacitação tecnológica das
empresas, muitas das quais eram obsoletas em termos internacionais. Sem dúvida, a falta de
definição e exigência de padrões técnicos e de inovação para as empresas em troca dos
benefícios oferecidos, a falta de seletividade das ações e o isolamento do mercado
internacional prejudicaram o desenvolvimento da indústria naqueles anos e condicionariam o
seu dinamismo na fase seguinte. Entretanto, é importante reconhecer que sem o apoio decisivo
do Estado, a indústria de TI não teria sido internalizada no país da maneira como foi.12
12
Além disso, deve-se lembrar o impulso que os processos de automação bancária e softwares embarcados
sofreram durante o período de aceleração inflacionária.
19
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3.2. A abertura comercial – a reestruturação da indústria
Na década de 1990, com a abertura comercial e financeira iniciada durante o governo
Collor, intensificou-se a inserção do Brasil no processo de globalização. Com o fim dos
controles quantitativos de importações e a queda das tarifas, a entrada de produtos estrangeiros
tinha a intenção de dar um choque de competitividade na economia, ao mesmo tempo em que
contribuiria para o controle da inflação, através da mudança nos preços relativos.
Particularmente relevante neste contexto foi o impacto da abertura sobre as PME’s
nacionais com menor resistência financeira e técnica para suportar a concorrência de outros
países desenvolvidos e/ou emergentes, comprovadamente nos setores tradicionais (como
têxteis e calçados) e naqueles em que a abertura foi dramática (autopeças, por exemplo),
levando a um rápido processo de transferência de propriedade ou, em casos extremos, à
destruição de capital. A rapidez e a profundidade da abertura impôs sérios desafios às empresas
domésticas, notadamente industriais, que buscaram acelerar os ganhos de produtividade
através de uma reestruturação conservadora (redução do emprego, adoção de inovações
organizacionais e gerenciais e reposição de equipamentos defasados).
No caso da indústria de informática, a abertura do mercado iniciou-se em 1992, induzida
tanto pelo objetivo de melhoria da competitividade interna e externa do setor, como por
pressões internacionais, principalmente norte-americanas, sob ameaças de possíveis retaliações
comerciais ao Brasil.
Com o fim das alíquotas de importação e a garantia do direito de propriedade intelectual
aos produtores, pela Lei 7.646/87 (Lei de Software), de 1992, o governo brasileiro passou a
estimular as empresas multinacionais de informática a produzirem no Brasil, objetivando
melhorar o saldo comercial brasileiro. Com isso, as empresas nacionais do setor viram-se, de
certa forma, ameaçadas pela entrada de grandes nomes da informática, passando a buscar
formas alternativas de sobrevivência, tais como novos nichos de mercado e ampliação de
parcerias com instituições de pesquisa científica e tecnológica.
Temendo que a indústria nacional não suportasse a competição estrangeira e perdesse
consideravelmente a capacidade construída durante os anos de reserva de mercado, o
Governo Federal implementou a Lei 8.248/91, em 1993, dando isenção de IPI às empresas
nacionais de informática que aplicassem no mínimo 5% do faturamento bruto de suas
comercializações de bens e serviços em atividades de P&D realizadas no Brasil, sendo que,
deste total, 2% deveria estar comprometido com entidades e centros de pesquisa
reconhecidos oficialmente.
Entre 1993 e 2001, a Lei 8.248/91 beneficiou cerca de 428 empresas, gerando recursos
destinados a P&D da ordem de R$ 2,9 bilhões. No mesmo período, aproximadamente 25% do
total de benefícios foram aplicados no desenvolvimento de software. No ano 2000, a indústria
de TI, no Brasil, destinou US$ 530 bilhões a atividades de P&D (MIT, 2003).
20
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Ao contrário do segmento de hardware, em que poucas empresas conseguiram sobreviver
à concorrência internacional, o setor de software nacional pôde prosperar e aproveitar os
incentivos governamentais.
Neste período, foi implementado o Programa Softex (Sociedade para Promoção do
Software Brasileiro), sob coordenação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), a fim de
promover a geração e a comercialização de software pelas empresas nacionais, apoiando o
desenvolvimento de atividades de capacitação e financiamento, em instâncias regionais, para
aumentar a competitividade dos produtos nacionais.13 Tal iniciativa possibilitou à indústria de
software nacional obter importantes conquistas, como a formação de uma rede nacional de
agentes, a criação, no BNDES, de uma linha de financiamento exclusiva para empresas de
software e a ampliação da participação em eventos internacionais, além do considerável aumento
das exportações de US$ 1 milhão em 1990 para US$ 100 milhões em 2001 (MIT, 2003).
Em 2002, o Brasil já era o sétimo mercado de software do mundo, apresentando taxa
média de crescimento anual igual a 11%, a maior do setor de TI. As empresas de software
brasileiras já se concentravam, em sua maioria, nas regiões Sul (24%) e Sudeste (62%), e eram
responsáveis por elevados percentuais de geração de empregos em relação às demais
atividades de TI, com destaque para as regiões Sudeste (54%) e Centro-Oeste (23%).14 De 1995
a 2002, o setor de TI criou no país cerca 100 mil postos de trabalho, e o número de empresas
de TI cresceu 30%, gerando uma receita de US$ 10,6 bilhões. Deste total, US$ 5,7 bilhões
referem-se a hardware; US$ 3,5 bilhões a serviços de software e US$ 1,4 bilhão a software
comercial15. Estima-se que até o final de 2005 mais de 80 mil novos empregos serão criados no
mercado brasileiro, e a receita de TI deve crescer a uma média anual de 8,3%.16
A indústria de software brasileira, atualmente, apresenta boa performance, tendo como
principais diferenciais, em sua estrutura competitiva, o tamanho e a sofisticação do mercado.
Saur (2004) ressalta que o Brasil possui grande capacidade de geração de tecnologia de ponta,
em vários segmentos da indústria de software, a qual pode ser observada pela infra-estrutura de
transações eletrônicas (destaque para as compensações bancárias), pela abrangência do
comércio eletrônico no país e pela informatização das eleições (com o uso de software
desenvolvido aqui). A criatividade e alta qualificação da mão-de-obra, que imprimem grande
capacidade inovativa às empresas, são também aspectos bastante favoráveis. As empresas
ainda contam com boa infra-estrutura instalada, estrutura de telecomunicações bastante
desenvolvida e facilidade de transporte aéreo.
13
Fonte: Ministério da Ciência e Tecnologia
14
Dados do MCT (citados em MIT, 2003).
15
Segundo Hexsel (2002), software comercial é o software desenvolvido por uma empresa com o objetivo de
lucrar com sua utilização.
16
Fonte: Microsoft. Disponível em: www.microsoft.com. Acesso em 25 de novembro de 2005.
21
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Os maiores desafios encontrados pelas empresas brasileiras do setor de software referemse, de um lado, à fragmentação do mercado interno – que dificulta a adoção de uma estratégia
mais focalizada e a obtenção de ganhos de escala – e às restrições ao financiamento. De outro
lado, a forte concentração do mercado nas mãos de um grupo restrito de países e a pouca
projeção do software brasileiro no exterior são impeditivos ao seu pleno desenvolvimento
(MIT/SOFTEX, 2002).
A Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior17 (PITCE), implementada em 2004,
pelo Governo Lula, tem como objetivo primordial à expansão do mercado internacional do
software brasileiro, cujos maiores compradores são os países do Mercosul e os EUA. Ao
direcionar-se exatamente para a promoção do setor de TI, estimulando a atração de
investimentos, com prioridade para o setor de software e produtos correlatos, o Governo Brasileiro entende que esta atividade envolve elementos essenciais ao desenvolvimento do país.
Entre os agentes de promoção da PITCE, pode-se destacar, de um lado, os governos
estaduais e locais, que agem de forma a estimular, por meio de incentivos, a fixação de
empresas do setor em uma determinada região; e, de outro lado, o próprio Softex, que atua
através de repartições regionais e procura estimular a realização de ações conjuntas das empresas locais, a fim de torná-las mais competitivas e mais integradas ao mercado externo. Da mesma
forma, a adesão das empresas e das instituições locais representativas das mesmas é essencial
ao bom desempenho das exportações da indústria e da sua participação no mercado interno.
Embora seja cedo para avaliar os resultados da PITCE, cabe destacar aqui que a presença
da indústria de software nacional entre os quatro setores de exportação prioritários para a
mesma demonstra a preocupação do Estado brasileiro com a promoção de indústrias de base
tecnológica complexa e com elevada agregação de valor. No caso do software, deve-se dizer
ainda que o setor, além de apresentar crescente participação na indústria nacional, interfere
direta e indiretamente sobre a produtividade de outros setores e possui um grande potencial
inovativo, essencial ao desenvolvimento local.
4. O APL DE INFORMÁTICA DE BELO HORIZONTE
A seguir, é realizado um diagnóstico do APL de Informática, de Belo Horizonte, levantando
seus principais aspectos, como estrutura de governança e seus principais atores, existência de
cooperação, tamanho e número de firmas, dinamismo e acesso ao mercado externo. Buscou-se
também avaliar como se processa a relação universidade-empresa dentro do aglomerado de
firmas e qual o seu grau de importância para as mesmas, bem como vínculos multilaterais
(relacionamento das empresas com associações e poder público).
17
22
Fonte: Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior.
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4.1. Metodologia
Inicialmente, pretende-se comprovar empiricamente, com base em dados secundários, a
existência ou não de uma clara especialização de Belo Horizonte no setor de informática. Para
tal, é utilizada a metodologia de identificação de APLs, desenvolvida pelo Centro de
Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG (Crocco et al., 2003). Esta metodologia
desenvolveu o chamado Índice de Concentração Normalizado (ICn) que permite identificar
APLs potenciais, como descrito a seguir. Mas antes, apresenta-se uma breve descrição das
fontes de dados utilizadas.
4.1.1. Fontes de dados
Foram utilizados dados referentes ao número de empregados do setor de informática e
número total de empregados, em Belo Horizonte e no Brasil, obtidos da base de dados da RAIS
de 2002, para cálculo do indicador ICn. Dados de emprego do setor de informática da RAIS,
do período de 1998-2002, também foram utilizados a fim de descrever a evolução do setor em
Belo Horizonte, comparando-o aos dados referentes a outras capitais brasileiras que são
reconhecidas como pólos de TI – Recife, Brasília e Florianópolis.
Também foi formada uma base de dados, a partir do Censo de 2004 do Diretório dos
Grupos de Pesquisa Registrados no CNPq, com informações sobre grupos de pesquisa, em
Minas Gerais, da área de Ciências Exatas, especificamente Ciências da Computação, que
possuam alguma forma de interação produtiva com empresas do setor de informática.
Foram aplicadas entrevistas junto a instituições locais, como a Fumsoft (Sociedade Mineira
de Software, agente do Softex em Minas Gerais), o Sindicato das Empresas de Processamento
de Dados, Informática, Software e Serviços em Tecnologia da Informação de Minas Gerais
(Sindinfor) e o Sebrae-MG, além das 5 maiores empresas do setor em Belo Horizonte. Outra
importante fonte de dados foi um estudo cedido pelo CEINFOR (Conselho de Empresas de
Informática de Minas Gerais) e Sebrae-MG, realizado entre 2004 e 2005. Este estudo envolveu
815 empresas que desenvolvem software de pacote, software embarcado e serviços de software
do município, 7 universidades, 285 empresas de Belo Horizonte compradoras de software,
além das instituições citadas acima.
4.1.2. O Índice de Concentração Normalizado (ICn )
O indicador ICn de arranjos produtivos locais, descrito por Crocco et al (2003), possibilita a
captação de importantes características referentes à especificidade do setor em termos
regionais, a importância do setor no contexto nacional, a sua significância dentro da estrutura
industrial da região analisada e a escala desta indústria.
23
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Para conseguir captar estes fatores aglomerativos, o cálculo do Índice de Concentração
Normalizado utiliza uma combinação linear de outros três indicadores:
ICnij = θ1QLnij + θ2PRnij + θ3HHnij
i
QL = (E
PR = (E
j
i
j
(1)
/ Ej) / (E i BR / EBR)
(2)
/ E i BR )
(3)
HHm = (Ej i / E i BR) – (Ej / EBR)
(4)
Sendo:
E j i: número de empregados do setor i na região j;
Ej: quantidade total de empregados na indústria na região j;
Ei BR: número de empregados do setor i, no Brasil;
EBR: emprego industrial total no Brasil
Os parâmetros θ’s são os pesos dados a cada um destes indicadores no cálculo do ICn,
obtidos a partir da técnica de análise multivariada denominada Componentes Principais. Como
não é o objetivo principal deste trabalho mensurar com exatidão o ICn para o setor de
informática na cidade de Belo Horizonte, utilizaremos a seguinte aproximação:
ICnij = (1/3) QLnij + (1/3) PRnij + (1/3) HHnij
(5)
O indicador QL consegue captar bastante bem a especialização produtiva na região,
entretanto pode apresentar algumas distorções devido às disparidades regionais existentes no
Brasil. A utilização do indicador Hirschman-Herfindahl modificado (HHm) procura diminuir
eventuais distorções que possam constar no QL, pois é capaz de captar a verdadeira
significância do setor analisado para a indústria local. E, por fim, o indicador PR mede a
participação da região neste setor da indústria a nível nacional. (Crocco et al., 2003).
4.2. A indústria de informática de Minas Gerais
Entre 1998 e 2002, a RAIS registrou um crescimento médio anual do número de empregos
formais do setor de informática, em Minas Gerais, da ordem de 2,1%, passando de um total
absoluto de 13.525 para 16.698 empregos. As atividades de consultoria e elaboração de
programas de informática cresceram, em média, 8,7% ao ano, no mesmo período,
apresentando elevação do número de empregos de 14% entre 2001-2002. Estimativas feitas, a
partir de dados da RAIS de 2002, sugerem a presença de aproximadamente 2.264
estabelecimentos de informática em Minas Gerais, em 2002. Dados recentes do Sindinfor
revelam que, em 2005, são cerca de 5.000 empresas deste setor no Estado.
24
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Levantamento realizado, entre 2004 e 2005, pela Assespro-MG (Associação das Empresas
Brasileiras de Tecnologia da Informação de Minas Gerais) junto às 68 maiores empresas do
setor de informática mineiro registrou um faturamento total de R$ 850 milhões. A taxa média
de crescimento do faturamento destas empresas foi igual a 35% e o número médio de
empregados por empresa de 160. Entre as 68 empresas entrevistadas, o número total de
funcionários empregados era igual a 10.880, tendo aumentado 21,53% em relação a 2003.
TABELA 2
Empregos no setor de informática em Minas Gerais, 1998-2002
Sub-segmentos do setor
1998
1999
2000
2001
2002
Consultoria em hardware
862
752
1.325
1.989
1.881
Consultoria em software
3.118
2.729
3.204
4.045
2.379
Processamento de dados
4.405
3.691
3.331
3.683
5.080
Atividades relacionadas com banco de dados
e distribuição on-line de conteúdo eletrônico
198
193
136
201
348
Manutenção e reparação de máquinas de
escritório, de contabilidade
917
1.075
1.662
1.991
2.398
4.025
3.923
5.020
2.727
4.612
Outras atividades de informática, não
especificadas anteriormente
Total
13.525
12.363 14.678
14.636 16.698
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da RAIS
O GRAF. 2 classifica as 68 empresas por faturamento, evidenciando que, mesmo entre as
maiores do setor, predominam as empresas com faturamento inferior a R$ 5 milhões. De fato,
das 68 empresas, as quatro maiores concentram 30% do faturamento total. O faturamento total
com desenvolvimento de software aproximou-se de R$ 99 milhões, em 2004, sendo que:
11,1% das empresas apresentaram faturamento com software de até R$ 100 mil; 44,4%
faturaram com software entre R$ 100 mil e R$ 500 mil; e 11% apresentaram faturamento de
software superior a R$ 10 milhões (GRAF. 3). Vale observar que uma única empresa de
software foi responsável por 17% do faturamento total da amostra.
Das 68 empresas, apenas 2 têm como core business o desenvolvimento de hardware (3,3%
do faturamento total), enquanto 8 têm como core business “software” (11,6% do faturamento
total) e as demais têm core business em “serviços” (85,2% do faturamento total). Ademais,
empresas prestadoras de serviços têm dificuldade de fazer a transição para software, ao passo
que as de software são prestadoras de serviços. Note-se que a diversificação de atividades pelas
25
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
empresas é bastante comum. Apesar de apenas 2 empresas terem seu core business em
hardware, outras 10 também desenvolvem produtos deste segmento. Deve-se enfatizar que o
baixo percentual do faturamento total atribuído a hardware corrobora a análise anterior sobre a
pouca importância deste segmento na indústria de informática brasileira.
GRÁFICO 2
Faturamento total das empresas de informática de MG, 2004
(R$ mil)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Assespro-MG.
GRÁFICO 3
Faturamento de software em MG, 2004
(R$ mil)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Assespro-MG.
26
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
No segmento de serviços, o faturamento das empresas mineiras foi da ordem de R$ 724
milhões (85,2% do faturamento total) no mesmo ano, revelando uma tendência à
especialização das 68 maiores empresas em consultorias e desenvolvimento de software
personalizado. O GRAF. 4 mostra que, em 2004, mais de 40% das empresas de serviços de
software de Minas Gerais tiveram faturamento de até R$ 1 milhão; 27,9% faturaram entre R$ 1
milhão e R$ 5 milhões; cerca de 20% apresentaram faturamento com serviços entre R$ 10
milhões e R$ 50 milhões; e 8,9% tiveram faturamento superior a R$ 50 milhões.
No que se refere ao mercado externo, dados da Fumsoft (Sociedade Mineira de Software)
mostram que, atualmente, o estado de Minas Gerais exporta aproximadamente US$ 25 milhões
em software. Entre as cidades mineiras com maior concentração de empresas do setor de
software, destacam-se Belo Horizonte, Juiz de Fora e Uberlândia.
GRÁFICO 4
Faturamento de serviços de software em MG, 2004
(R$ mil)
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da Assespro-MG.
4.3. Belo Horizonte – um APL potencial e suas principais características
Belo Horizonte concentrou, em 2002, 58% do total do emprego formal no setor de
informática em Minas Gerais, depois de chegar a representar quase 70% em 1998. Isto parece
indicar a ocorrência de uma certa descontração espacial de algumas atividades, notadamente
nos segmentos de processamento de dados, atividades de bancos de dados e manutenção de
máquinas e equipamentos. Em apenas um segmento, consultoria em software, Belo Horizonte
elevou a sua participação relativa no Estado. Note-se, entretanto, que mesmo com esta perda
relativa de emprego, Belo Horizonte continua liderando o setor no Estado.
27
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De acordo com a TAB. 3, entre 1998 e 2002, houve um aumento de 5% no número de
empregos do setor de informática em Belo Horizonte. As atividades de consultoria de software,
processamento de dados e distribuição on-line de conteúdo eletrônico e assistência técnica
juntas, em 2002, foram responsáveis por 5.494 dos 9.682 empregos do setor no município,
representando 56,74% do total. Em média, os empregos do setor de informática, em Belo
Horizonte, representaram 63,5% dos empregos do setor em Minas Gerais, no mesmo período.
Dados preliminares da RAIS 2004 (CAGED Estatístico) apontam um crescimento de 12% no
número de trabalhadores formais no setor de informática em Belo Horizonte em relação a
2002. Considerando o número de estabelecimentos de informática, estimativas realizadas a
partir da RAIS de 2002 indicam que, no referido ano, havia cerca de 920 empresas do setor em
Belo Horizonte. Segundo dados do Sindinfor, em 2005, deve haver cerca de 1.000 empresas de
informática no município.
TABELA 3
Empregos no setor de informática, no município de Belo Horizonte, 1998-2002
1998
1999
2000
2001
2002
566
486
964
1.317
1.089
Consultoria em software
1.924
1.833
2.285
2.993
1.844
Processamento de dados
3.452
2.611
2.223
1.973
2.543
Atividades de banco de dados e distribuição
on-line de conteúdo eletrônico
185
162
90
142
231
Manutenção e reparação de maquinas de
escritório e de informática
557
559
720
930
1.107
Outras atividades de informática, não
especificadas anteriormente
2.573
2.343
3.104
1.747
2.868
Total
9.257
7.994
9.386
9.102
9.682
Subsegmentos do setor
Consultoria em hardware
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da RAIS
Albuquerque (2001), utilizando dados da RAIS de 1997 para o setor de informática de Belo
Horizonte, mostrou que à época, o município já apresentava elevado índice de especialização
em informática, principalmente em atividades de bancos de dados, cujo indicador QL
encontrado foi igual a 4,44, revelando-se superior ao de todas as demais capitais brasileiras,
chegando a ultrapassar Recife, considerada o centro de referência nacional em Tecnologias da
Informação.
28
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
Neste trabalho, utilizaram-se dados da RAIS de 2002 para calcular o Índice de Concentração (IC) para o setor de informática em Belo Horizonte. O valor encontrado foi 1,07, o que
sugere a existência de um APL potencial de informática no município18, com forte tendência à
especialização no segmento de software. O indicador QL (coeficiente locacional) encontrado
foi igual a 3,14, o que indica uma participação relativa do setor no município superior à nacional.
A TAB. 4 mostra a evolução do número de empregos formais em outras três capitais
brasileiras, no período de 1998 a 2002. Comparativamente às demais capitais mencionadas,
Belo Horizonte apresenta grande potencial de geração de empregos formais no setor e
permanece, ao longo do período, na segunda posição com maior número de empregos formais
do setor de informática, ficando apenas atrás de Brasília. Nesta capital, a produção é
fortemente estimulada pela demanda do setor público, principalmente por consultorias,
desenvolvimento e personalização de plataformas de software livre. Entretanto, Belo Horizonte
apresentou, entre 1998-2002, uma média de crescimento dos empregos formais inferior à das
demais capitais (8,7% ao ano), aproximando-se da de Recife (9,7% a.a.). Novamente, Brasília
apareceu em primeiro lugar, com crescimento nos empregos formais do setor de, em média,
23,54% ao ano, seguida por Florianópolis (12% a.a.).
TABELA 4
Total de empregados no setor de informática, nas capitais selecionadas, 1998-2002
Cidades
1998
1999
2000
2001
2002
Recife
3.867
4.106
4.385
4.851
5.598
Belo Horizonte
9.257
7.994
9.386
9.102
9.682
Florianópolis
4.854
4.985
7.468
3.474
5.181
Brasília
11.447
13.565
16.436
22.797
26.401
Total
29.425
30.650
37.675
40.224
46.862
Fonte: Elaboração própria a partir de dados da RAIS.
A existência de uma forte concentração de firmas de informática, com destaque para
software e produtos correlatos, indica que Belo Horizonte apresenta grande potencial como
arranjo produtivo deste setor. Entretanto, conforme descrito anteriormente, a simples
aglomeração de empresas em um determinado local não é suficiente para o sucesso de um
cluster. Este deve contar com o apoio de instituições que tenham como objetivo incentivar
ações de cooperação, facilitar a interação das empresas com as universidades e propiciar-lhes
18
Conforme descrito por Crocco et al. (2003), a média do IC é zero e, portanto, um IC acima de 1 representa
uma aglomeração significativa de empresas no setor, principalmente em se tratando de uma área
metropolitana, onde as aglomerações são mais difíceis de serem captadas.
29
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
uma maior representatividade junto ao setor público que, por sua vez, deve atuar subsidiando
as atividades do setor e fomentando a atuação das universidades como geradoras de tecnologia
e mão-de-obra qualificada. Assim, faz-se necessário analisar a atuação das instituições de
governança local do pólo tecnológico de Belo Horizonte e verificar a existência ou não de
relações cooperativas locais.
4.4. Governança local e as entidades relacionadas ao setor
A indústria de software de Belo Horizonte conta com uma série de instituições representativas dos seus interesses, dentre as quais deve-se destacar a Fumsoft, a Assespro-MG e o
Sindinfor-MG. O Sebrae-MG, embora não seja uma entidade exclusivamente voltada para o
setor de informática, também pode ser incluído entre as entidades que privilegiam o setor, em
função de seu amplo apoio às micro e pequenas empresas de informática de Belo Horizonte.
As instituições representativas do setor de software em Belo Horizonte têm tentado, nos
últimos anos, construir uma agenda comum e, para isto, organizaram-se em um órgão único, o
CEINFOR (Conselho de Empresas de Informática de Minas Gerais). É interessante notar que
existe, em Belo Horizonte, uma espécie de rotatividade entre as pessoas que ocupam os
principais cargos nas entidades representativas do setor, o que garante proximidade e
conhecimento das instituições entre si, sendo um ponto muito positivo no que se refere à
coordenação das ações das mesmas em prol do crescimento setorial.
As atividades realizadas por estas entidades envolvem: projetos de pré-incubação e
incubação de empresas (Incubadora Insoft), treinamento, capacitação em gestão empresarial,
assistência jurídica, fornecimento de infra-estrutura e instalações para realização de reuniões,
palestras e conferências. Além dessas, podem ser incluídas ainda o agendamento de
participação em feiras, exposições e seminários de interesse das empresas; e o apoio
estratégico e institucional para obtenção de linhas de financiamento, para participação em
projetos conjuntos e para participação em Rodas de Negócios e importantes eventos de TI. As
empresas associadas a estas entidades também podem ter acesso a uma ampla rede de
relacionamentos, a estudos e pesquisas de mercado, nacionais e internacionais, e a
informações específicas para o segmento, incluindo eventos e oportunidades de negócios, no
caso da Fumsoft, ampliação da atuação das empresas no mercado externo.
Entre as entidades entrevistadas houve consenso em relação à ascensão do mercado
mineiro de software. A importância do papel das universidades como formadoras de mão-deobra altamente qualificada foi apontada como o principal ponto forte de Belo Horizonte, tendo
motivado, inclusive, a compra da empresa mineira Akwan pela Google, que pretende localizar
seu centro de P&D da América Latina no município19.
19
30
Maiores detalhes em Destscher, J., Renault, T. & Ziviani, N., (2005).
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
De acordo com estas instituições, embora seja um diferencial positivo para Belo Horizonte,
a mão-de-obra qualificada que sai das universidades, na maioria das vezes, não possui o perfil
demandado pelo mercado, o que faz com que as empresas tenham que alocar recursos em
treinamento e capacitação gerencial. As entidades enfatizam que o problema da mão-de-obra
não incide sobre o potencial de desenvolvimento de tecnologia, mas sim sobre a sua pouca
habilidade de lidar com questões práticas de organização e gerenciamento. Outras dificuldades
que as entidades do setor apontam são a pulverização do mercado, a concorrência predatória –
baseada principalmente na redução de preços – a demora para lançar novos produtos no
mercado, a falta de certificação das empresas e a dificuldade de acesso ao crédito. No que se
refere a esta última, existem linhas de financiamento no BDMG, na Finep e no BNDES. O
maior problema das empresas é o de fornecer garantias reais para os empréstimos. No caso do
Prosoft/BNDES, que não exige garantias reais, a maior dificuldade é a de elaborar um bom
plano de negócios e de vencer a burocracia do processo.
Os incentivos do setor público revelam a preocupação do governo com o desenvolvimento
do setor. Entre as formas de apoio concedidas, pode-se citar: incentivos fiscais, como a redução
da alíquota do ISS, concedidos pela Prefeitura de Belo Horizonte ao setor de informática, com
o objetivo de fixar empresas de desenvolvimento de software no município; a atuação do
Governo do Estado, através da Fapemig (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
Minas Gerais), aportando recursos para a criação do Centro de Competência em CMMI e
MPSBr 20, para a certificação das empresas locais; o lançamento de editais, com recursos
não reembolsáveis para projetos de TI, pelo Governo Federal, através da Finep e do CNPq;
e a criação da Câmara Setorial de Tecnologia da Informação de Minas Gerais pelo Governo
do Estado, em 2004.21
Todas estas medidas constituem um importante passo da indústria mineira de TI, já que
possibilitam a maior interação das empresas com o setor público, ampliando o diálogo entre
ambos, de forma a direcionar de maneira melhor as políticas estaduais e municipais de
incentivos ao setor. Um fator negativo apontado pelo SindInfor-MG em relação aos incentivos
do governo local às empresas de informática refere-se ao fato de que, na prática, os
empresários, particularmente os da área de software, não se beneficiam de uma política de
incentivos do setor público, muitas vezes pelo fato de desconhecerem tais medidas e também
porque muitas das políticas de incentivo privilegiam a produção de equipamentos.
20
21
Capability Maturity Model Integration (CMMI) e Melhoria de Processos de Software Brasileiro (MPSBr) são
certificados de qualidade internacional e nacional, respectivamente.
Comparativamente a Bangalore, onde o papel do Estado, incentivando a aglomeração e o crescimento das
empresas estatais, foi fundamental ao desenvolvimento do setor, pode-se dizer que a indústria de TI em Belo
Horizonte, segundo os empresários locais, não conta com o apoio intensivo do estado, embora o mesmo não
lhe seja totalmente indiferente. Entre as ações públicas no sentido de promover o setor, pode-se destacar a
criação das Câmaras de TI Estadual e Municipal, a fim de ampliar o diálogo entre empresas e setor-público,
para um melhor direcionamento das políticas de incentivo ao setor.
31
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
Embora existam tantas dificuldades, as entidades enxergam de maneira positiva o
desenvolvimento do setor em Belo Horizonte e realizam diversos programas de apoio às
empresas.22 Entre estes programas, pode-se citar: a Insoft (Incubadora de Empresas de Base
Tecnológica em Informática de Belo Horizonte) que atua fortemente na motivação ao
empreendedorismo e na pré-incubação de empresas, tendo como foco a natalidade e a
perenidade de empresas; o PSI-SW (Programa Setorial Integrado para Exportação de Software)
apoiado pela Fumsoft, pela APEX e pelo SOFTEX nacional, que objetiva o gerenciamento da
participação de empresas no mercado, para a promoção da exportação de produtos e serviços
de TI; a Fábrica Mineira de Software, que é um programa que planeja criar a cultura de
trabalho cooperado entre as empresas de TI mineiras, elaborando modelos de operação, de
controle e de produção com as áreas pública e privada. Esta estrutura contará com a gestão da
Fumsoft e será composta por suas associadas, para prestação de serviços de desenvolvimento
de software para os mercados nacional e internacional.
A criação do Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec) foi unanimemente apontada
pelas instituições locais como sendo de grande importância à consolidação e competitividade
do setor. O BH-Tec tem como objetivo estimular a interação universidade-empresa, promovendo atividades como o desenvolvimento conjunto de P&D e a transferência de tecnologia.
Em outra iniciativa, o Sebrae-MG vem coordenando o Projeto de Desenvolvimento e
Fortalecimento da Indústria de Software em Belo Horizonte, que reúne todas as entidades
representativas do setor de software, tendo como público-alvo empresas de software,
principalmente micro e pequenas empresas. O objetivo é aumentar o faturamento e a
rentabilidade das empresas de software em cerca de 17% até o final de 2007, e ampliar o seu
acesso aos mercados nacional e internacional, além de elevar em 20% a contratação de mãode-obra qualificada (com ensino superior na área de informática).
Vale ressaltar, finalmente, que as grandes empresas locais também exercem certa influência
na governança local, através do envolvimento de seus dirigentes nas entidades representativas.
4.5. As empresas e a relação inter-firmas
Segundo o Sindinfor-MG, em 2005, foram cadastradas, em Minas Gerais, 5.000 empresas
de Tecnologia da Informação. Cerca de 1.000 localizam-se em Belo Horizonte e 50% destas
dedicam-se ao desenvolvimento de software. Uma característica marcante do mercado mineiro
de software é a sua pulverização.
22
32
Em Belo Horizonte nota-se que a participação ativa de instituições representativas do setor tem sido mais
engajada em promover o desenvolvimento do pólo que o Estado em si, sendo fundamentais para que as
empresas locais comecem a pensar em atuar de forma cooperativa, a exemplo de Bangalore, onde as empresas
optaram por não concorrer em preço, para assumir um papel cooperador, com as empresas grandes
trabalhando em conjunto com as micro e pequenas, para que as mesmas pudessem lhes oferecer suporte
técnico de qualidade para o desenvolvimento de novas tecnologias.
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
Observando dados do Sebrae-MG e da CEINFOR, entre 2004 e 2005, estima-se que 80%
das empresas do setor, em Belo Horizonte, sejam de porte micro, pequeno ou médio, sendo
que 68% possuem no máximo 9 empregados. Quanto ao faturamento anual, 40% das
empresas de Belo Horizonte fatura aproximadamente R$ 100 mil, 60% tem faturamento anual
menor ou igual a R$ 250 mil, 10% fatura mais que R$ 1 milhão e 1,5% possui faturamento
superior a R$ 12 milhões. O nível de sobrevivência destas empresas no mercado tem-se mostrado relativamente alto: cerca de 55% das empresas do setor estão no mercado a mais de cinco
anos, enquanto as dez maiores empresas do setor estão no mercado, em média, há 20 anos.
O GRAF. 5 mostra o percentual de empresas que se dedicam à prestação de serviços,
desenvolvimento de produtos e sistemas e criação de portais e softwares para Internet.23
As empresas, em sua maioria, não cooperam. Segundo o SindInfor e a Fumsoft, poucas
empresas procuram essas instituições com este tipo de demanda. Conforme afirmam as
instituições, isto se deve, em muitos casos, ao pouco conhecimento por parte das empresas,
sobretudo as de micro e pequeno porte, a respeito das vantagens de manterem ações
cooperativas. Entre as empresas de grande porte, é comum a existência de atividades como o
intercâmbio de conhecimento, desenvolvimento conjunto de tecnologia, consultorias para
obtenção de certificações e parcerias em vendas.
GRÁFICO 5
Principais atividades das empresas de software de Belo Horizonte, 2005
Fonte: Elaboração própria, dados Sebrae-MG/CEINFOR.
23
Segundo levantamento do Sebrae-MG e da CEINFOR estas são as principais atividades às quais se dedicam as
empresas do setor, no município.
33
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4.5.1. Acesso ao mercado
O principal mercado das empresas são firmas do próprio município e, segundo dados do
Sebrae-MG, apenas 35% vendem seus produtos para outros estados do Brasil. Segundo as
próprias empresas, corroborando o que já fora dito pelas instituições, o acesso ao mercado
externo é quase inexistente. Apenas 5% das empresas exportam seus produtos. Entre as
empresas entrevistadas, os mercados apontados como preferenciais são os países da América
Latina e os países de língua portuguesa.
Segundo as instituições, embora conte com produtos de ótima qualidade, existe uma certa
resistência do empresariado local à exportação de seus produtos. Esta dificuldade de acesso ao
mercado externo é decorrente de fatores como: a dificuldade das empresas de obterem crédito
para a realização de seus projetos, a reduzida escala de produção das mesmas no mercado
interno que, associada à falta de cooperação, torna os produtos das empresas de Belo
Horizonte pouco competitivos. O acesso ao mercado externo também fica limitado devido à
falta de certificações internacionais de qualidade pelas empresas, como CMM e CMMI.
Aproximadamente 85% das empresas de software de Belo Horizonte não possuem
certificações internacionais de qualidade e, destas, apenas 58,1% declaram ter interesse na
obtenção ou estar em processo de certificação. As empresas, em sua maioria, afirmam que,
embora tenham interesse em exportar seus produtos, tropeçam no excesso de burocracia e na
desinformação sobre o mercado internacional.
4.5.2. Clientes
As empresas de software de Belo Horizonte têm como seus principais clientes empresas do
setor bancário, comércio, educação, telecomunicações, sendo que grande parte do software
demandado direciona-se especialmente para o processo produtivo e para o setor administrativo
das empresas compradoras. Segundo os clientes, os critérios fundamentais de decisão no
momento da compra são as tendências do mercado, o atendimento às necessidades da
empresa, o preço e a confiança no fornecedor.
Estudo do Sebrae-MG e do CEINFOR aponta que dentre as 285 empresas consumidoras de
software consultadas em Belo Horizonte, entre 2004 e 2005, 36% revelaram ter a intenção de
expandir seus investimentos em produtos e serviços de software nos próximos anos, o que
reafirma as expectativas positivas das empresas e das entidades relacionadas ao setor sobre o
crescimento do mesmo. Entretanto, muitas empresas, principalmente as de pequeno porte, não
possuem uma cultura de cooperação e de busca pelo conhecimento das necessidades do
cliente e, desta forma, perdem a oportunidade de desenvolverem produtos mais adequados à
demanda. Entre as grandes empresas, esta preocupação mostrou-se mais freqüente,
principalmente através do desenvolvimento conjunto de produtos, fabricação sob encomenda
e assistência técnica personalizada.
34
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Os clientes encaram esta interação de forma bastante positiva, porém muitos reclamam
que as empresas seguem exageradamente os lançamentos internacionais no mercado,
deixando às vezes de desenvolver produtos inovadores, não por falta de capacidade
tecnológica, mas por insistirem em esperar que as novidades venham de fora.
4.5.3. Relacionamento com as entidades representativas do setor
Pelo GRAF. 6, pode-se observar que, entre as principais demandas das empresas de
software em Belo Horizonte, ao procurar as instituições representativas do setor, destacam-se a
promoção de pesquisas e debates para o desenvolvimento do mesmo, a capacitação
profissional e gerencial e a facilitação do acesso ao crédito. Segundo as entidades
representativas, a falta de organização gerencial das empresas é o seu principal empecilho na
obtenção de financiamento, já que muitos empresários não são capazes de apresentar um
plano de negócios consistente aos financiadores. A promoção da interação com empresários
do setor e com as universidades e centros de pesquisa não constituem uma das demandas
primordiais da maioria das empresas junto às instituições representativas.
35
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GRÁFICO 6
Principais ações recomendadas a associações e entidades do setor
Fonte: Sebrae-MG/ CEINFOR, 2005.
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4.6. Interação das empresas com as universidades
As empresas estão, em geral, satisfeitas com a qualificação da mão-de-obra que sai das
universidades de Belo Horizonte, ressaltando apenas a necessidade de que os alunos tenham
acesso a noções gerenciais práticas para lidarem melhor com as questões empresariais.
Embora considerem importante a interação com as universidades e centros de pesquisa, a
maioria das empresas não procura ter um contato direto com estas instituições, restringindo-se
à contratação de alunos das universidades e, em alguns casos, ao relacionamento indireto
proporcionado por programas da Fumsoft. Mesmo entre as grandes empresas do setor
entrevistadas, a contratação de projetos de pesquisa junto às universidades ainda não é uma
prática comum. As empresas que praticam esta forma de interação afirmam que a morosidade
e a burocracia por parte das universidades constituem grandes empecilhos ao relacionamento.
Atento a esta questão, o Departamento de Ciência da Computação da UFMG (DCC/
UFMG) realiza diversas formas de interação com empresas, como o desenvolvimento conjunto
de P&D, a contratação de P&D externo, entre outras. O DCC/UFMG procura levar seus
produtos e tecnologias ao conhecimento das empresas, através dos escritórios de transferência
de tecnologia, além de abrigar incubadoras de empresas de alto potencial tecnológico,
assumindo um caráter empreendedor, também a fim de captar financiamento para as empresas
nascentes, para a realização de start ups.
A fim de tentar medir a interação das empresas de software de Belo Horizonte e as
universidades mineiras, captando as principais formas segundo as quais a mesma se processa,
foi feita uma breve análise a partir de dados obtidos no censo de 2004 do Diretório de Grupos
de Pesquisa do CNPq referentes aos grupos de pesquisa na área de ciência da computação que
interagem com empresas de informática do município. Foram cadastrados naquele censo
19.470 grupos de pesquisa, em todo o Brasil. Deste total, em Minas Gerais, foram cadastrados
1.694 grupos de pesquisas, sendo que, destes, 226 declararam possuir alguma forma de
interação com as empresas24. Dos 226 grupos de pesquisa mineiros que interagem com
empresas, 91 deles, ou seja, 40,2 % desenvolvem pesquisa na área de ciências exatas, sendo
que, neste universo, 61 grupos, ou 67%, desenvolvem pesquisas em ciência da computação.
As principais formas de interação dos grupos de pesquisa em ciência da computação de
Minas Gerais com as empresas de informática são o desenvolvimento conjunto de software,
atividade realizada por 36% dos grupos; o desenvolvimento de pesquisa para fins de uso
imediato (29% dos grupos); a realização de transferência de tecnologia desenvolvida pelo
grupo para a empresa parceira (26,9% dos grupos) e a capacitação de pessoal para as
empresas, através de treinamentos (8,1% dos grupos).
24
Maiores detalhes em Righi (2005) e Rapini et al (2006).
37
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As empresas de informática de Belo Horizonte representam aproximadamente 57% do total de
empresas do setor que interagem com universidades mineiras. Da demanda total de empresas
de setor por desenvolvimento de software em conjunto com grupos de pesquisa de Minas
Gerais, 63,6% é proveniente de empresas de informática localizadas em Belo Horizonte. Com
relação à transferência de tecnologia, 50% da demanda por este tipo de atividade junto aos
grupos de pesquisa em ciência da computação mineiros vem de empresas de Belo Horizonte.
As formas principais de interação entre os grupos de pesquisa de ciência da computação
de universidades mineiras e empresas de informática de Belo Horizonte são descritas no GRAF. 7.
GRÁFICO 7
Interação dos grupos de pesquisa de ciência da computação de universidades mineiras
com empresas de informática de Belo Horizonte, 2004
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq.
Dos 31 grupos de pesquisa em ciência da computação que interagem com empresas de
informática de Belo Horizonte, 45,16% realizam atividades de desenvolvimento conjunto de
software, 25,81% transferem tecnologia às empresas parceiras, 22,58% desenvolvem pesquisa
para uso imediato e 0,03% realizam treinamento.
Como se pode ver, a atuação das empresas de informática de Belo Horizonte no processo
de interação com as universidades é relativamente elevada quando comparada às empresas do
setor no restante do Estado, porém, em valor absoluto, a quantidade de empresas que busca as
universidades como fonte de informação e tecnologia ainda é muito pequena. Esta realidade
demonstra que muitos empresários não fazem idéia do potencial de geração de conhecimento
e tecnologia das universidades mineiras e sua contribuição para a solução de problemas
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
tecnológicos encontrados, o que é um grande problema em se tratando de um setor que
necessita de avanços tecnológicos constantes para que as empresas estejam à frente das outras
no mercado, não incorrendo apenas em competições predatórias baseadas exclusivamente em
preço. Além disso, a cooperação universidade-empresa pode também vir a abrir novas
oportunidades tecnológicas para as universidades.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Belo Horizonte vem mostrando um considerável potencial para sua consolidação como
pólo de tecnologia de informação. O Quociente Locacional (QL) e o Índice de Concentração
(ICn) encontrados para o setor sugerem uma possível especialização do município na produção
de software e correlatos, e a existência de um potencial APL de TI.
Além da alta concentração de empresas do setor no município, a presença de uma grande
universidade, como a UFMG, atuando não apenas no sentido de formar profissionais altamente
qualificados, mas também como fonte geradora de tecnologias avançadas, através do
Departamento de Ciência da Computação, é uma fonte de vantagem competitiva para o
desenvolvimento do pólo. Sob este aspecto, observa-se uma séria limitação do diálogo entre as
universidades e as empresas do município, o que certamente incide de forma negativa sobre o
dinamismo tecnológico das últimas, comprometendo possivelmente objetivos de consolidação
de um papel de liderança no mercado. A coordenação da interação universidade-empresa a ser
exercida pelo Parque Tecnológico de Belo Horizonte torna-se, portanto, fundamental ao
desenvolvimento do pólo, já que tal relacionamento é fundamental e necessita de um agente
que auxilie o fluxo de conhecimento da universidade para as empresas de forma satisfatória e
adequada à demanda das mesmas.
Outro ponto que merece ser lembrado refere-se à falta de um relacionamento cooperativo
sólido entre as empresas. Apenas entre algumas das grandes empresas pode-se dizer que exista
algum diálogo. Apesar de haver duas grandes empresas públicas, em Belo Horizonte – a
PRODEMGE e a PRODABEL – entre as dez maiores empresas do município, elas não exercem
papel de liderança no desenvolvimento de capacitações tecnológicas das empresas menores
através de parcerias, a exemplo do que ocorreu em Bangalore. Muitas empresas ignoram a
importância da atuação conjunta entre si e com as universidades, esperando por um
“paternalismo” por parte do poder público que é inconsistente com a competitividade autosustentável das mesmas no mercado. Este tipo de postura, talvez proveniente de protecionismo
das décadas anteriores, faz com que a cooperação e outras medidas de busca pela
competitividade sejam inseridas muito lentamente entre as prioridades das empresas.
Ademais, é de fundamental importância o desenvolvimento dos processos de certificação
internacional; o fortalecimento de ações cooperativas entre as micro e pequenas empresas –
por exemplo, através da constituição da fábrica de softwares – de forma a superar as
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O PÓLO DE TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE
desvantagens associadas ao tamanho, notadamente no que se refere ao acesso aos mercados
internacionais; e atrair fundos de venture capital de forma a mitigar os problemas de
financiamento das empresas.
Sem duvida, tanto pelo lado das empresas, quanto das instituições públicas e privadas,
nota-se que há interesse em promover o crescimento e desenvolvimento tecnológico do APL.
Sob este aspecto, o APL de Tecnologia da Informação deve ser apoiado de maneira integrada
pelas instituições representativas do setor e pelo governo local. Elas devem procurar definir
mais precisamente as reais necessidades das empresas locais, para que estas possam
potencializar as vantagens existentes no APL, de forma a sedimentar suas fortalezas (existência
de governança local, envolvimento do setor público em ações para o setor, potencial
tecnológico das universidades e qualificação de mão-de-obra) e sanar os gargalos (dificuldade
de ganhos de escala, baixa capacitação gerencial, restrição de financiamento e acesso restrito
aos mercados interno e externo).
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL
EM MINAS GERAIS
PEDRO VASCONCELOS MAIA DO AMARAL*
* Mestrando do curso de Economia do CEDEPLAR-UFMG.
2º lugar do Prêmio Minas de Economia 2006 – Categoria Universitário.
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CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
1. INTRODUÇÃO
A literatura de economia regional tem discutido ao longo dos anos a disparidade do
desenvolvimento entre as regiões. “We may take it for granted that economic progress does not
appear everywhere at the same time and that once it has appeared powerful forces make for a
spatial concentration of economic growth” (HIRSCHMAN, 1958, p. 183). A assertiva de
Hirschman nos apresenta um ponto central desta disparidade: a concentração espacial do
desenvolvimento. A evolução do capitalismo, desde seus primórdios, tem sido marcada por
uma constante e permanente redistribuição espacial das atividades econômicas, com tendência
à centralização, que “consiste no desenvolvimento desigual dos centros urbanos” (LEMOS,
1988, p. 217). Se manifestada em limites geográficos, esta tendência resulta na divisão do
mundo em países desenvolvidos e subdesenvolvidos, e separam um país em regiões
progressistas e atrasadas. (HIRSCHMAN, 1958).
O desenvolvimento desigual entre as regiões brasileiras teve sua dinâmica modificada
durante o processo de industrialização após os anos 70, quando os padrões de distribuição
espacial da indústria brasileira foram fortemente alterados. Enquanto perdiam importância as
tradicionais regiões produtivas de São Paulo e Rio de Janeiro, outros estados como Minas
Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina começavam a desenvolver suas bases
industriais (DINIZ & CROCCO, 1996). Tal desconcentração se deu não só pela pressão de
custos da Região Metropolitana de São Paulo, mas também pela infra-estrutura e economias de
aglomeração de outras regiões que propiciavam melhores condições locacionais para as novas
indústrias. Investimentos em transporte, energia e telecomunicações unificaram o mercado brasileiro e possibilitaram o desenvolvimento também de cidades de médio porte. (DINIZ, 1993)
Paradoxalmente, o aumento da demanda industrial impulsionou o crescimento da
produção agrícola e mineral e, concomitantemente, os maiores ganhos salariais da indústria
atraíram mão-de-obra do campo para as cidades, redesenhando o perfil urbano do país.
Minas Gerais, que havia desenvolvido uma economia integrada à de São Paulo,
aproveitou-se do processo de desconcentração econômica. O Estado se encontra no que Diniz
(1993) chamou de polígono de desenvolvimento, que teria como vértices Belo Horizonte,
Uberlândia, Londrina, Maringá, Porto Alegre, Florianópolis e São José dos Campos. Mas, como
demonstra o autor, apenas uma parte do Triângulo, Centro e Sul de Minas se encontram nesse
polígono, o que acentuou as desigualdades regionais dentro do Estado. Cabe, portanto, sob a
luz das teorias do desenvolvimento, uma caracterização da desigualdade regional no processo
de desenvolvimento em Minas Gerais, intensificada após a década dos 70.
Para tanto, foi feita uma regionalização do Estado baseada em atributos municipais sócioeconômicos referentes ao período de 1970 a 2000. Com base nessa regionalização, foi possível
caracterizar o processo de desenvolvimento e identificar algumas disparidades regionais neste
processo.
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CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Para facilitar seu entendimento, este trabalho foi dividido em três capítulos, além desta introdução. O primeiro é reservado ao referencial teórico que sustenta todo o estudo, sendo dividido em
três seções: na primeira são apresentadas teorias sobre economias de aglomeração e centralidade urbana, a segunda trata de teorias sobre o desenvolvimento balanceado e a última aborda
o desenvolvimento desbalanceado. O segundo capítulo, dividido em quatro seções, trata da metodologia e base de dados utilizadas. Já o terceiro capítulo é reservado à discussão dos resultados
obtidos e foi dividido em três seções: a regionalização de Minas Gerais; a ordenação das
regiões segundo seu nível de desenvolvimento; e a caracterização socioeconômica intraregional do processo de desenvolvimento. Seguem-se a essa última seção algumas
considerações finais.
2. O DESENVOLVIMENTO CONCENTRADO
Conforme apresentado na introdução deste trabalho, a distribuição das atividades
econômicas e do capital no espaço tende à concentração. O resultado da interação de fatores
aglomerativos e desaglomerativos, por sua vez, interfere na determinação do valor de serviços
urbanos e no molde da rede urbana e dinâmicas regionais. O entendimento de conceitos como
economias de aglomeração e centralidade urbana é, portanto, fundamental para a
compreensão do processo de desenvolvimento.
2.1. Economias de aglomeração e centralidade urbana
A concentração de uma determinada atividade econômica no espaço se dá quando existe
neste lócus alguma vantagem comparativa em relação aos demais. As vantagens aglomerativas
podem reduzir os custos de produção de um bem ou serviço ou aumentar a possibilidade de
lucro com sua produção e são divididas em três grupos distintos: economias internas de escala,
economias de localização e economias de urbanização.
As economias internas de escala são oriundas do aumento da produção de determinada
firma, considerada individualmente. Esse aumento na produção, ou especialização, levaria à
elevação na produtividade e, consequentemente, à queda dos custos unitários de produção,
possibilitando ao empreendedor auferir maiores lucros. (MARSHALL, 1985)
As economias de localização, ou economias externas, são derivadas do desenvolvimento
da indústria como um todo, aglomerada espacialmente. Marshall (1985) considera estas
economias no contexto industrial, mas seus conceitos também se aplicam a outros setores.
Segundo o autor, a concentração leva à criação de uma “atmosfera” que favorece ainda mais a
atividade, com a criação de uma mão-de-obra afeita às necessidades produtivas e um ambiente
mais propício à criação, difusão e aperfeiçoamento de novas idéias. A aglomeração por si
própria funciona então de modo a atrair para seu entorno atividades complementares,
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
reduzindo o custo de transporte dos insumos, matérias-primas e instrumentos. Deste modo
tem-se não só uma maior organização e divisão do trabalho como também pode vir a
acontecer economia de materiais resultante de sinergias na cadeia produtiva.
Fujita e Thisse (2002) ressaltam que as economias de aglomeração são externalidades
locais, que afetam principalmente os agentes pertencentes ao mesmo espaço geográfico. They
do not spread over other regions or, more precisely, their impact on distant regions may be
considered negligible”. (FUJITA & THISSE, 2002, p. 267)
Já as economias de urbanização “estão relacionadas à disponibilidade de serviços e fatores
como mercado de trabalho, serviços financeiros, comerciais, educacionais, entre outros”
(DINIZ, 1991, p.31). Jacobs (1969) argumenta que a diversificação econômica favorece a
inovação, e esta leva ao crescimento da produtividade do trabalho. Ainda segundo a autora, a diversificação econômica, mais especificamente a substituição de importações, é um processo capaz de
gerar crescimento a taxas explosivas. “Episodes of explosive growth can recur again and again
during the life of a city as new different imports are earned, then replaced”. (JACOBS, 1969, p. 146)
Regiões cujo espaço urbano é plenamente diversificado e que detêm vantagens
comparativas em relação às demais funcionam como um lócus eminentemente urbano, com
capacidade ilimitada de crescimento em função de sua capacidade ilimitada de diversificação,
podendo então ser consideradas como um centro. (LEMOS, 1988)
Mesmo entre regiões centrais, tem-se que a diferente complexidade dos bens e serviços
oferecidos nos permite estabelecer uma hierarquização econômica das relações inter-regionais,
estabelecendo assim uma rede urbana, de acordo com a Teoria do Lugar Central
(CHRISTÄLLER, 1966). O centro, ou lugar central, possui então o papel de provedor de bens e
serviços necessários à sobrevivência de seu entorno, ou região complementar. Assim, “a idéia
de lugar central (central place) aparece a partir desse conceito de centro de uma região onde a
densidade de localização da população e das atividades econômicas é maior que na região
complementar” (ABLAS, 1978, p.25). Quanto mais especializados os bens e serviços ofertados
pelo lugar central, maior a necessidade de um mercado mínimo para seu consumo e, portanto,
mais alto o seu nível de centralidade.
As cidades se organizam em redes de tamanho diferentes, com áreas de mercado
sobrepostas (LÖSCH, 1967), e sua importância dentro dessa rede é determinada pelas funções
por elas desenvolvidas. Quanto maior o alcance dos bens e serviços, ou seja, a distância que o
consumidor está disposto a percorrer para adquiri-lo, mais central o bem, e maior a importância da cidade para a região. Assim, a rede urbana é caracterizada pelo conjunto de lugares
centrais com propriedades distintas segundo seu tamanho e funções que determinam sua área
de influência, que por sua vez se estruturam de modo hierárquico. (FERRER REGALES, 1992)
Uma vez compreendidos os conceitos de economias de aglomeração e centros urbanos,
podemos apresentar sucintamente a teoria do desenvolvimento desigual, que aqui é dividida
em teorias do desenvolvimento balanceado e desbalanceado. Cabe ressaltar, como mostra
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CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Higgins (1968), que o desenvolvimento balanceado ou igualitário deve ser considerado como
meta e objetivo de qualquer estratégia de desenvolvimento, mesmo que se considere
necessária a criação de desbalanços ou disparidades ex-ante, visando o subseqüente
balanceamento ex post em um nível superior de desenvolvimento. “Once we recognize that
we are not dealing with an ‘either-or’ proposition, we can stop talking about balanced and
unbalanced growth altogether”. (HIGGINS, 1968, p. 342)
2.2. Desenvolvimento balanceado
As origens da teoria do desenvolvimento podem ser encontradas em um artigo de
Rosenstein-Rodan, publicado em 1943. Segundo o próprio Rosenstein-Rodan (1963), sua teoria
do Grande Impulso apresenta três grandes vantagens em relação às teorias de equilíbrio
estático. A primeira seria devida ao fato de sua teoria se basear em hipóteses mais realistas
como a existência de certas indivisibilidades, que gerariam retornos crescentes e economias
externas. Em segundo lugar, sua teoria se concentra em examinar o caminho que leva ao
equilíbrio do desenvolvimento, não as condições desse equilíbrio. Em terceiro, o autor
considera a imperfeição dos mercados que afetam a decisão de investir.
As indivisibilidades podem ser divididas em três grupos: indivisibilidade na função de
produção, na demanda e na oferta de poupança. No que se refere à primeira, o autor enfatiza
especialmente a infra-estrutura. Energia, transporte, comunicação, dentre outros, são os
principais responsáveis pelas indivisibilidades e economias externas, pois geram oportunidades
de investimento em diversas indústrias. E mais, geralmente requerem um grande montante de
investimento, de modo que seria inevitável a geração de capacidade ociosa em países
subdesenvolvidos. (HIGGINS, 1968)
Quanto à segunda, o autor ressalta a ineficácia da lei de Say para mercados de pequeno
porte. Uma única fábrica per se jamais seria capaz de gerar mercado consumidor para seus
produtos. Todavia, centenas de fábricas e unidades produtivas certamente teriam essa
capacidade, uma vez que os produtores serão também fregueses uns dos outros, conforme a lei
de Say.
A terceira indivisibilidade viria do alto volume de poupança necessário para viabilizar um
alto quantum mínimo de investimentos. Volume esse que dificilmente pode ser encontrado em
países subdesenvolvidos e de baixa renda.
O autor conclui que “there is a minimum level of resources that must be devoted to […] a
development program if it is to have any chance of success” (ROSENSTEIN-RODAN, 1963, p.
57). O desenvolvimento de um país seria semelhante à decolagem de um avião. Existe uma
velocidade crítica que deve ser ultrapassada antes que a aeronave alcance vôo. Da mesma
forma, um nível mínimo de investimento é condição necessária, embora não seja suficiente,
para o desenvolvimento.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Celso Furtado ainda completa:
“Assim sendo, se uma economia estacionária subdesenvolvida pretende se
desenvolver, um forte impulso inicial – um grande impulso – se faz
necessário, e o volume inicial de investimento requerido é tanto que
dificilmente pode-se esperar que seja realizado espontaneamente e com base
em poupança doméstica. [...] Conseqüentemente, o grande impulso é
incompatível com laissez-faire”. (FURTADO, 1963, p. 68, tradução do autor)
Como Celso Furtado, Nurkse (1953) também acredita que a solução para o desenvolvimento não se encontra no investidor individual. Segundo o autor, os incentivos ao investimento
são limitados pelo tamanho do mercado. Os mercados domésticos de pequeno porte encontrados em países de baixa renda podem ser considerados verdadeiros obstáculos para a aplicação de capital por uma firma individual ou indústria que produza para este mercado. “In this
sense, the small domestic market is an obstacle to development generally”. (NURKSE, 1953, p. 8)
Nurkse afirma que o tamanho do mercado é determinado principalmente pela escala de
produção (NURKSE, 1953). Além disso, segundo o autor, capacidade de comprar significa
capacidade de produzir, e a produtividade depende em grande parte, embora não totalmente,
da taxa de capital utilizada na produção. Produzir com maior taxa de capital por unidade de
produto implica, geralmente, em produzir com maior escala, no sentido de se ter uma maior
produção por planta. Considerando o pequeno porte do mercado, qualquer tipo de
investimento que tenha como resultado o acréscimo da produção seria então desencorajado.
Tem-se como conseqüência um círculo vicioso em que o pequeno mercado doméstico implica
em baixa produtividade, que por sua vez implica em um pequeno mercado doméstico.
A saída deste círculo vicioso somente seria possível através de uma aplicação
razoavelmente sincronizada de investimentos em um grande número de diferentes indústrias.
Este grande impulso em diferentes atividades produtivas resultaria em alargamento do
mercado, uma vez que, conforme a lei de Say, as novas atividades produtivas seriam capazes
de gerar sua própria demanda, ou seja, a complementaridade das indústrias geraria mercado
consumidor para sua produção. Entretanto, o autor ressalta que a lei de Say só é válida uma
vez que consideramos um grande número de indústrias complementares.
As descontinuidades técnicas demandam um grande impulso no nível de produção,
entretanto, a pouca e inelástica demanda dos países de baixa renda tende a tornar tais impulsos
muito arriscados e não-promissores. Nesse sentido, as dificuldades e empecilhos que o
mercado coloca ao investidor individual são removidos, ou pelo menos atenuados, através de
uma grande onda de investimento de capital em diferentes indústrias (NURKSE, 1953, p. 14).
No entanto, Singer (1958) é contrário a essa idéia. Segundo o autor, as teorias de
desenvolvimento balanceado seriam falhas por não considerarem o verdadeiro problema dos
países subdesenvolvidos, que é a falta de recursos. Assim, a alternativa proposta por Singer nos
serve de ponte para a próxima seção deste capítulo, relativa à teoria do desenvolvimento
desbalanceado: concentrar os recursos disponíveis em investimentos capazes de aumentar a
elasticidade da economia seria uma melhor estratégia.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
2.3. Desenvolvimento desbalanceado
A partir da concepção do sistema econômico como algo eminentemente instável, Myrdal
(1957) apresenta a idéia de causação circular de um processo acumulativo. Tal processo
resultaria na concentração espacial das atividades econômicas e, uma vez iniciado, se tornaria
tendencialmente incontrolável.
Segundo o autor, trabalho e capital são atraídos por oportunidades de expansão. Assim, o
estabelecimento de uma nova empresa ou expansão de uma já instalada abre mercado para
outras, bem como geralmente o fazem elevações na renda ou na demanda. Renda mais alta
possibilita maior poupança, mas ao mesmo tempo os investimentos seriam elevados ainda
mais, puxando novamente os níveis de demanda e renda. Deste modo, o processo de expansão
gera economias externas favoráveis para sustentar sua continuação.
A origem do processo de acumulação seria apenas um acidente histórico, algum fato
fortuito que ocorreu em determinada localidade, e não em inúmeros outros lugares onde
poderia ter ocorrido com êxito semelhante ou até superior (MYRDAL, 1957). O movimento de
trabalhadores, capital, bens e serviços gerados pela expansão de determinada localidade teriam
“efeitos regressivos” sobre as demais, em uma tendência natural à desigualdade regional. As
regiões onde a atividade econômica se expande atraem imigrantes de outras partes do país.
Como essa migração é sempre seletiva, pelo menos no que tange à idade dos imigrantes, esse
movimento por si só tende a favorecer as comunidades de crescimento acelerado,
desfavorecendo as demais.
Capital e comércio operam fundamentalmente com o mesmo viés em favor das regiões
mais ricas e de maior progresso. As vantagens comparativas dos centros de expansão já
estabelecidos, que geralmente funcionam sob retornos crescentes, atrairiam até mesmo as
atividades que anteriormente existiam em outras regiões.
Assim, se tudo fosse deixado às forças do mercado, livres de qualquer interferência
política, a produção industrial, o comércio, os bancos, os seguros, a navegação e, de fato,
praticamente todas as atividades econômicas para quais uma economia em desenvolvimento
tende a gerar retornos acima da média, seriam agrupadas em certas localidades e regiões,
deixando as demais relativamente atrasadas. Tal fato ocorreria também com as ciências, arte,
literatura, educação e cultura em geral. (MYRDAL, 1957).
De modo antagônico aos “efeitos regressivos”, existem efeitos centrífugos de expansão e
desenvolvimento dos centros para as demais regiões. É natural pensar que o aumento de
produção e avanços tecnológicos de um centro traga vantagens também para seu entorno.
Caso as demais regiões se beneficiem destes “efeitos propulsores”, de modo que superem os
“efeitos regressivos”, também elas podem iniciar um processo de causação circular de
desenvolvimento. (MYRDAL, 1957)
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Existem, todavia, forças que podem interferir no processo de causação circular, o
enfraquecendo ou até pondo-lhe um fim. Entre tais forças estão as “deseconomias externas”,
que são fatores inerentes à situação do centro de expansão, como elevação dos custos, dos
salários e demais remuneração de fatores produtivos, da poluição, violência, dentre outros, que
tendem a retardar ou até mesmo reverter o processo de causação circular acumulativa.
Cabe ressaltar a ênfase que o autor dá à instabilidade do processo de desenvolvimento.
Segundo Myrdal, o balanço das forças pró e contra a causação circular acumulativa não
podem em nenhuma circunstância induzir a análises de equilíbrio estável, pois qualquer
alteração nestas forças dará início a um movimento acumulativo, positivo ou negativo.
A visão de Myrdal muito se aproxima de Hirschman no que tange à concentração do desenvolvimento. Conforme o próprio Hirschman (1958) afirma, seus conceitos de “polarização” e
“gotejamento” correspondem exatamente aos “efeitos regressivos” e “progressivos” de Myrdal.
Uma das divergências entre ambos é o fato de Hirschman considerar que as disparidades
entre o desenvolvimento das regiões é condição inevitável para o crescimento de qualquer
localidade (HIRSCHMAN, 1958). A necessidade da existência de pontos ou pólos de
crescimento no curso do processo de desenvolvimento indica que a desigualdade internacional
ou inter-regional é condição inevitável para o crescimento. “Thus, in geographical sense,
growth is necessarily unbalanced”. (HIRSCHMAN, 1958, p. 184)
Segundo o autor, em acréscimo às vantagens locacionais oferecidas pelos centros
existentes, outras advêm da proximidade ao centro de crescimento onde se instalou uma
“atmosfera industrial”, com sua receptividade especial a inovações e empreendimentos. Ou
seja, a proximidade ao centro de progresso também seria capaz de gerar economias externas.
Assim, ao analisar o processo de desenvolvimento desbalanceado, seria sempre possível
constatar que os avanços em determinado ponto geram tensões, pressões que compelem o
crescimento em um ponto subseqüente.
Chamando de “Norte” a região desenvolvida e “Sul” a atrasada, o autor afirma que o
crescimento do Norte terá várias repercussões econômicas sobre o Sul, algumas favoráveis,
outras desfavoráveis. Os efeitos favoráveis consistem no “gotejamento” do progresso do Norte,
sendo o aumento da demanda e investimentos nortistas no Sul o maior deles.
Todavia, vários efeitos desfavoráveis ou de “polarização” também podem ocorrer.
Relativamente ineficientes ainda que lucrativas, algumas atividades no Sul podem ser
suprimidas pela concorrência com o Norte. Além disso, assim como Myrdal, Hirschman
considera a migração seletiva de trabalhadores qualificados do Sul para o Norte.
(HIRSCHMAN, 1958, p. 188-189)
Diferentemente de Myrdal, Hirschman considera que os efeitos de gotejamento são em
geral superiores aos de polarização. O autor concebe três conseqüências, em ordem
decrescente de efetividade, possíveis para o desenvolvimento do Sul: 1) a elevação dos preços
51
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
causada pela demanda do Norte levaria a um aumento efetivo na produção do Sul; 2) a
redução do crescimento no Norte devido à elevação nos custos de mão-de-obra e matériaprima; 3) a alteração no modo como o Norte satisfaz sua demanda por matéria-prima e mãode-obra. Com a elevação nos preços do Sul, o Norte poderia suprir sua demanda com
importações externas ou produzindo por si próprio os insumos de que precisa. Caso isso
ocorra, o “gotejamento” não aconteceria e os efeitos de “polarização” poderiam levar a região
a um estágio de desenvolvimento inferior ao que se encontrava previamente, como é o caso do
Nordeste brasileiro, exemplo utilizado pelo próprio Hirschman (1958).
Sob a luz destas teorias, iremos analisar o desenvolvimento recente de Minas Gerais, mais
precisamente no período entre 1970 e 2000. O capítulo a seguir apresenta a metodologia e
base de dados utilizadas neste trabalho.
3. METODOLOGIA E BASE DE DADOS
Como o desenvolvimento é um conceito multidimensional e dinâmico, sua definição e,
principalmente, sua mensuração, são de grande dificuldade. Caracterizar a disparidade no
desenvolvimento regional de Minas Gerais requer alguma saída para esse problema. Quais
seriam então as características que determinam o nível de desenvolvimento ou quão
desenvolvida ou subdesenvolvida é uma região em algum ponto do tempo? Uma vez que
“nenhum pequeno grupo de variáveis é capaz de capturar a complexa natureza do processo de
desenvolvimento” (RAY, 1998, p.9, tradução do autor), deve-se buscar algum conjunto de
variáveis que se correlacionem com o processo multifacetado do desenvolvimento.
Assim, consideradas como uma aproximação, não uma definição de desenvolvimento,
foram utilizadas variáveis de diversas dimensões, semelhantes às definidas por Chein et al
(2005): 1) dimensão populacional; 2) maturidade da população; 3) urbanização; 4)
escolaridade; 5) conclusão de graus de ensino; 6) educação infantil; 7) estrutura familiar; 8)
condições de moradia; 9) infra-estrutura domiciliar; 10) acesso a bens de consumo duráveis;
11) desigualdade; 12) condições gerais do mercado de trabalho; 13) qualidade dos postos de
trabalho; 14) massa de rendimentos totais; 15) rendimentos médio / per capita; 16) estrutura
ocupacional e 17) estrutura produtiva.
Para o levantamento de dados secundários para a composição das dezessete dimensões
foram utilizados os micro-dados dos Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000,
realizados pelo IBGE. Desse modo, tem-se abrangência nacional de dados municipais. Cabe
ressaltar que a metodologia aplicada nessas pesquisas se alterou ao longo dos anos, sendo
necessária a compatibilização de suas variáveis censitárias disponíveis.
Visando mitigar esse problema, foi utilizado como referência o Censo Demográfico de
1970, reduzindo-se assim o nível de detalhamento ou desagregação das variáveis dos censos
subseqüentes. Além disso, as malhas municipais sofreram alterações desde 1970, de modo que
52
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
se fez necessária também uma compatibilização dessas malhas em unidades territoriais de
análise. Para tal, foi utilizada a proposta de compatibilização das malhas municipais para os
Censos Demográficos de 1970, 1980, 1991 e 2000 de Chein et al (2005). Dessa forma, tornouse possível agregar os 853 municípios mineiros existentes no ano 2000 em 722 unidades
territoriais de análise.
3.1. Análise de componentes principais
A análise de 58 variáveis em cada um dos quatro últimos anos censitários, num total de
232 variáveis, é extremamente complexa e exaustiva, demandando a utilização de técnicas de
análise multivariada, que podem tornar esse grande conjunto de dados mais inteligíveis. Foi
então utilizada a Análise de Componentes Principais (ACP) com o objetivo de gerar novos
atributos que representem as dezessete dimensões de desenvolvimento apresentadas na seção
anterior. Segundo Lemos et al (2001), a vantagem do uso desta técnica está no fato de que ela
prescinde de um modelo apriorístico. Assim, não é necessária a definição prévia de um tipo de
distribuição, como a normal, ou relações de causalidade.
O método encontra combinações lineares de p variáveis X 1, X 2,...,X p, produzindo
componentes Z1, Z2,...,Zp ortogonais não correlacionados (MANLY, 1986). Cada componente
explica determinado percentual da variância do sistema, em ordem decrescente, ou seja, o
primeiro componente explica um percentual maior que o segundo, que por sua vez explica um
percentual maior que o terceiro, e segue-se assim até o componente Zp,, de modo que o
somatório dos percentuais de variância explicados por todos os componentes seja igual 100%.
Uma vez que são p variáveis, o método pode chegar até a p componentes. No entanto,
quando há correlação entre tais variáveis, o número de componentes necessários à explicação
da totalidade ou maior parte da variância pode ser menor que p. Isto é, quanto maior a
correlação entre as variáveis – de forma positiva ou negativa – menor tende a ser a quantidade
de componentes.
Para encontrar tanto as variâncias associadas a cada componente, bem como os
coeficientes das combinações lineares, o método dos componentes principais utiliza a matriz
de covariância ou correlação das variáveis. Neste trabalho, devido às diferentes escalas das
variáveis, a matriz de correlação foi escolhida. Os autovalores desta matriz são as variâncias
dos componentes calculados, e o valor dos componentes é dado por seus autovetores
associados. A matriz de correlação (C) é simétrica e possui a seguinte forma:
(1)
53
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Como o somatório dos autovalores corresponde ao traço da matriz, tem-se:
λ1 + λ2 + ... + λp = c11 + c22 + ... + cpp
(2)
em que λi são os autovalores, ou variância, de cada um dos i componentes.
Uma vez que cii é a variância de Xi, e λi a dos Zi, tem-se que a soma das variâncias de
todas as variáveis originais é igual à de todos os componentes, o que garante que os
componentes respondem por toda a variância do sistema original. Os vetores, as variáveis que
os compõem, os componentes resultantes selecionados e o percentual de variância explicada
por eles são apresentados no QUADRO A1, do Anexo.
3.2. Identificação de regiões homogêneas: o método da árvore geradora mínima
Para facilitar a análise das disparidades no processo de desenvolvimento em Minas Gerais,
o Estado foi dividido em quatorze regiões. Os componentes resultantes da ACP, apresentada na
seção anterior, foram então utilizados para a delimitação de regiões homogêneas. Foi realizado
um agrupamento das unidades territoriais de análise de modo que as unidades pertencentes a
um mesmo grupo fossem semelhantes entre si e diferentes das demais. Essa similaridade foi
medida de acordo com os atributos de cada unidade territorial, ou seja, de acordo com os
valores de seus componentes produzidos pela ACP.
Como o objetivo é a definição de regiões homogêneas, cabe primeiramente uma pequena
conceituação do termo região, conforme adotado nesse trabalho. Segundo Boudeville (1965),
existe uma clara distinção entre espaço econômico e regiões econômicas. O primeiro seria
constituído pela intercessão da abstração das relações econômicas com a concretude dos
espaços geográficos, independente de sua localização ou proximidade. Já uma região
econômica seriam “espaços” com fronteiras comuns, ou seja, “espaços” contíguos.
Para o autor, a definição de uma região pode ser baseada em três características: i) homogeneidade, referente aos atributos descritivos do espaço-região; ii) interdependência, referente
à funcionalidade ou complementaridade desse espaço; iii) região-programa, que seria um
espaço econômico contíguo onde se concentram determinadas decisões ou programas, públicos ou privados. Cunha et al (2005) ressaltam ainda que, em uma regionalização cujo objetivo
é analisar/avaliar/estudar/entender qualquer processo natural/político/econômico/social, região
é tudo aquilo que considera-se como tal, de acordo com o objetivo que norteia a segmentação
do território. Considerando nesse trabalho região sob a ótica da homogeneidade do desenvolvimento regional, faz-se necessária para a regionalização do espaço mineiro a utilização de
alguma técnica de agrupamento restrito à contigüidade geográfica das unidades territoriais.
Portanto, o método utilizado para a regionalização foi a Árvore Geradora Mínima
(ASSUNÇÃO, LAGE & REIS 2002). Pelo método, o mapa de Minas Gerais é transformado em
54
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
um grafo em que o centróide de cada unidade territorial de análise é ligado aos centróides de
seus vizinhos (unidades com fronteira geográfica comum) por arestas e, à cada aresta, é
associado um custo, baseado no vetor de atributos das unidades de análise. Em seguida, para
se obter a árvore geradora mínima, são selecionadas as arestas de menor custo, até que o
número de arestas selecionadas seja igual ao número de nós (unidades de análise) menos 1, no
nosso caso, é preciso selecionar 721 arestas.
Aqui, o custo de cada aresta é dado por:
(3)
Custo (i,k) =
Em que j é o vetor de atributos resultante da ACP.
Para partição da árvore, ou melhor, definição dos conglomerados, são escolhidas e
eliminadas k-1 arestas, para se definir k regiões. Como o objetivo é obter regiões o mais
homogêneas possível, isto é feito com base na dissimilaridade entre as regiões, que é medida
pela soma dos quadrados dos desvios no espaço das variáveis selecionadas (SSDT).
(4)
em que:
(5)
Sendo:
xij = unidade territorial de análise;
xj = unidades territoriais vizinhas;
m = total de unidades territoriais;
n = quantidade de vizinhos.
3.3. Hierarquização do desenvolvimento
Para a análise inter-regional do desenvolvimento, sob a premissa de desigualdade regional,
a ACP foi mais uma vez aplicada. Entretanto, algumas das dimensões utilizadas para a
definição das regiões homogêneas não podem ser diretamente relacionadas ao desenvolvimento no sentido de quanto maiores (ou menores) seus valores, maior seja o nível de
desenvolvimento de determinada localidade. Atributos como tamanho da população, estrutura
etária, condições do mercado e dos postos de trabalho, estrutura familiar, desigualdade e
estruturas ocupacionais e produtivas possuem relações bem mais complexas com o nível de
desenvolvimento, de modo que, apesar de serem consideradas como características deste, não
podem ser levadas em conta em sua hierarquização, ainda que em termos relativos. Assim, o
55
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
comportamento das regiões mais e menos desenvolvidas em relação a tais atributos foi
considerado posteriormente à hierarquização, na Seção 4.2. Visando obter a posição relativa
do desenvolvimento de cada região homogênea em cada ponto do tempo de análise – 1970,
1980, 1991 e 2000 –, a ACP foi utilizada com base nas variáveis municipais que compõem
os vetores 1 de urbanização, educação I e II, infra-estrutura domiciliar, acesso a bens de
consumo duráveis, rendimento total e rendimentos médios, para cada um dos períodos de
análise, de modo a obtermos um componente para cada ano que respondesse por grande
parte da variância de todo o sistema.
Como os componentes foram gerados para as unidades territoriais de análise, foi
calculada sua média para cada região, ponderada pela população das unidades territoriais
respectivas ao período do tempo em questão. Desse modo, foram obtidos quatro
componentes, referentes a 1970, 1980, 1991 e 2000, para cada região homogênea. A
classificação do nível de desenvolvimento das regiões foi feita pela ordenação destes
componentes. Pretendeu-se assim identificar e caracterizar dissimilaridades entre as regiões
que podem ser resultantes de desigualdade em seus respectivos processos de desenvolvimento no período de análise.
3.4. Análise intra-regional: o método Partitioning Around Medoids
Já a análise intra-regional foi realizada principalmente através de uma caracterização
econômica das regiões, suas dinâmicas urbanas e setoriais sob o contexto de hierarquias
urbanas e aglomerações ou especializações setoriais. Para isso, foi utilizado outro método de
agrupamento, o Partitioning Around Medoids (PAM), que não possui a restrição de
contigüidade imposta pela Árvore Geradora Mínima. Este método de agregação, como
qualquer outro, busca agrupar objetos com alto grau de similaridade, de modo que os
semelhantes se encontrem em um mesmo grupo e os dessemelhantes em grupos diferentes.
O algoritmo utilizado pelo método se baseia na definição de k objetos representativos, em
que k é a quantidade de grupos que deve ser definida previamente. Uma vez definidos os k
objetos representativos, são criados k grupos, designando os demais objetos para os grupos dos
representativos com que possuam maiores similaridades (KAUFMAN & ROUSSEEUW, 1990).
Dessa forma, tem-se a minimização da dissimilaridade média interna de cada grupo.
Considerando d(i,j) a dissimilaridade entre os objetos i e j tem-se que a otimização do
modelo pode ser escrita como:
1
56
Ver QUADRO 2, Apêndice.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
(6)
Sujeito à:
,
,
j = 1, 2, ... , n
(7)
i, j = 1 ,2, ... , n
(8)
,
,
k = número de grupos
(9)
i, j = 1 ,2, ... , n
(10)
em que:
n = número total de objetos;
zij = 1 se objeto j pertence ao grupo representado por i, 0 em caso contrário.
yi = 1 se objeto i é considerado representativo, 0 em caso contrário.
O método PAM possui uma vantagem de grande importância sobre os demais métodos de
agrupamento e classificação. Como mostram Kaufman & Rousseeuw (1990), a definição e
caracterização de um objeto capaz de representar os vários aspectos estruturais do conjunto a
ser investigado torna a análise dos resultados bem mais simples e prática.
As variáveis padronizadas que foram utilizadas para o agrupamento intra-regional das
unidades territoriais de análise encontram-se no QUADRO 1.
57
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QUADRO 1
Variáveis utilizadas para classificação intra-regional e suas fontes
Variáveis Utilizadas - Agropecuária
Base de Dados
Rebanho bovino
Produção agrícola
Emprego setorial (%)
PPM 2003 - IBGE
PAM 2003 - IBGE
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Indústria
Valor da transformação industrial
Emprego setorial (%)
Total rendimentos do trabalho principal no setor industrial
PIA 2002 - IBGE
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Serviços
Arrecadação municipal de ISSQN
Quantidade de agências bancárias
Emprego setorial (%)
FINBRA - MF, 2003
BACEN, 2004
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Demográficas
População
Percentual de população urbana
Percentual de domicílios com acesso à rede geral de escoamento
Escolaridade média
Rendimento médio
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Censo Demográfico 2000 - IBGE
Fonte: Elaboração própria.
4. REGIONALIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DE MINAS GERAIS
(1970-2000)
O presente capítulo apresenta os resultados da caracterização do desenvolvimento
desigual de Minas Gerais. Sob a premissa das disparidades regionais, a primeira seção
apresenta as regiões homogêneas definidas para o Estado, com o objetivo de congregar em
uma mesma região as unidades territoriais de análise cujo processo de desenvolvimento tenha
sido mais semelhante. Com base na compatibilização geográfica apresentada no Cap. 3,
entende-se por “município”, a partir deste ponto do trabalho, as unidades territoriais de análise.
Ou seja, entende-se por município a área geográfica resultante da compatibilização das malhas
municipais no período entre 1970 e 2000. Um exemplo claro é a classificação de Iturama
58
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
como detentor do maior rebanho bovino do Estado2. De acordo com a Pesquisa Agropecuária
Municipal de 2003, o município que possui maior rebanho bovino é Prata, localizado no
Triângulo Mineiro. Entretanto, a unidade territorial de análise chamada Iturama é composta
pelos municípios Iturama, Carneirinho, Limeira do Oeste e União de Minas, que em conjunto
possuem rebanho bovino superior a Prata. Cabe ressaltar que raras foram as distorções oriundas
da compatibilização geográfica como esta em todo o trabalho.
4.1. As regiões homogêneas de Minas Gerais
A segmentação do território mineiro com o objetivo de que fossem formadas regiões cujo
processo de desenvolvimento interno fosse mais semelhante que o de municípios pertencentes
a outras regiões, através do método Árvore Geradora Mínima, apresentado na Seção 3.2,
resultou em quinze regiões, apresentadas na FIG. 1. O método utilizado, entretanto, como
qualquer outro processo puramente estatístico, desconsidera as teorias que norteiam os
objetivos de sua realização, implicando na necessidade de alguns ajustes em seus resultados.
No caso deste trabalho, cabe ressaltar dois municípios considerados pelo método como
uma região homogênea: Datas e Presidente Kubitschek. Cravados no interior da região de
Diamantina, as razões principais que levaram à não incorporação de ambos a esta região pelo
método estatístico são: i) a grande concentração de mão-de-obra em atividades extrativas,
responsáveis por 12,8% do emprego nestes municípios, enquanto na região de Diamantina
esse valor é de apenas 1,2%; ii) o elevado percentual de trabalhadores por conta própria ou
sem remuneração, que atinge 44,7% nestes municípios, enquanto em Diamantina são 32% e
iii) índices menores de desigualdade de renda em todo o período analisado. O índice de Theil
em 2000 era de 0,50 para a região de Diamantina, enquanto para Datas e Pres. Kubitschek era
de apenas 0,38. Apesar destes fatores, ambos municípios não podem ser considerados como
uma região. Considerá-los como tal seria realizar uma regionalização desvinculada de
evidências coesas e fora da realidade em estudo, conforme advertido por Cunha et al (2005).
2
Ver Triângulo Mineiro na Seção 3.3.
59
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FIGURA 1
Regiões homogêneas – Minas Gerais
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
FIGURA 2
Comparação entre as regiões homogêneas e as Regiões de Planejamento
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
60
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As regiões homogêneas são bem diferentes das Regiões de Planejamento, definidas em
1995 pelo Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado. O Estado é segmentado em dez
Regiões de Planejamento, sendo a maior delas a região Norte, assim como em nossas regiões
homogêneas. Entretanto, como mostra a FIG. 2, a divisão de Minas Gerais feita nesse trabalho
inclui na região Norte praticamente todo o Vale do Jequitinhonha/Mucuri e mais alguns
municípios, uma vez que o processo de desenvolvimento de ambas no período analisado é
bem semelhante.
A diferença mais notável cabe à Região de Planejamento Central. Seus municípios foram
distribuídos em nada menos que onze regiões homogêneas, tamanha a desigualdade no
processo de desenvolvimento entre seus componentes. Dentre as regiões homogêneas, o
município de Belo Horizonte compõe sozinho a sua própria região, como era de se esperar. Em
seu entorno, tem-se uma região que se aproxima da Região Metropolitana oficial, composta
por municípios não apenas bem distintos da capital, mas também dos demais da Região
Central, muitos dos quais, por sua vez, possuem mais semelhança territorial com seus vizinhos
de outras Regiões de Planejamento.
As diferenças nas demais regiões, como Rio Doce, Sul de Minas e Zona da Mata são
conseqüências dos diferentes níveis de desenvolvimento encontrados internamente a essas
Regiões de Planejamento, conforme caracterização na Seção 4.3.
Cabe ressaltar que a regionalização apresentada neste trabalho não deve de modo algum
ser considerada como uma proposta de regionalização para pesquisas com quaisquer outros
objetivos que não de estritamente analisar o desenvolvimento regional mineiro, nas dimensões
aqui utilizadas. A definição deste escopo restrito para o delineamento das regiões possui a
vantagem de chegar a resultados mais precisos para o objetivo deste trabalho, mas gera
grandes distorções caso sejam outros os objetivos para os quais a regionalização possa ser
utilizada. O fato de não considerarmos aqui dimensões físicas, políticas, históricas e culturais,
entre outros fatores, deve estar sempre em vista.
4.2. O desenvolvimento comparado
Com o resultado da Análise de Componentes Principais realizada separadamente para
cada um dos anos 1970, 1980, 1991 e 2000 é possível realizarmos uma análise comparativa
do nível de desenvolvimento das regiões homogêneas neste período do tempo. Cabe ressaltar
que os resultados são relativos, não indicando se uma região pode ser de fato considerada
desenvolvida ou não-desenvolvida, mas apenas se a mesma se encontrava em um estágio de
desenvolvimento superior ou inferior às demais, segundo os fatores selecionados para sua
mensuração, em determinado período do tempo. Além disso, os valores dos componentes
principais de um ano podem ser comparados somente a outros do mesmo período, não sendo
possíveis comparações inter-períodos.
61
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
A TAB. 1 apresenta as posições relativas das regiões nos anos selecionados. Como são 14
regiões, a posição 1 indica a região de Minas Gerais que se encontrava mais desenvolvida
enquanto a posição 14 indica a que se encontrava com menor estágio de desenvolvimento. As
regiões estão ordenadas de acordo com sua posição relativa em 2000. As colunas prin70,
prin80, prin91 e prin00, da TAB. 1, apresentam os valores médios do componente principal
para cada região nos anos 1970, 1980, 1991 e 2000.
TABELA 1
Valor médio do componente principal e posição relativa do
desenvolvimento – regiões homogêneas, 1970-2000
Região
Belo Horizonte
Juiz de Fora
Triângulo
Vale do Aço
Centro
Sudoeste
Metropolitana
Sul
Sudeste
Noroeste
Centro-Leste
Leste
Norte
Diamantina
prin70
prin80
5,25
3,27
1,53
2,34
1,90
0,84
1,39
1,16
1,15
0,40
0,21
-0,36
-0,75
-0,73
4,36
2,69
1,82
2,23
1,77
1,04
1,28
1,08
1,05
0,65
0,15
-0,30
-0,63
-0,88
prin91 prin00
4,27
2,65
2,04
1,88
1,52
1,13
1,26
1,09
1,02
0,83
0,02
-0,39
-0,62
-0,84
4,00
2,41
1,92
1,75
1,34
1,16
1,11
1,11
0,98
0,86
0,11
-0,28
-0,65
-0,87
1970
1980
1991
2000
1
2
5
3
4
9
6
7
8
10
11
12
14
13
1
2
4
3
5
9
6
7
8
10
11
12
13
14
1
2
3
4
5
7
6
8
9
10
11
12
13
14
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
Fonte: Elaboração própria.
Como esperado, Belo Horizonte apresentou o maior nível de desenvolvimento do Estado
durante todo o período analisado, com larga vantagem indicada pela diferença entre os
componentes principais da capital e da segunda colocada, a região de Juiz de Fora. Entretanto,
a Região Metropolitana de Belo Horizonte atingiu em 2000 apenas a sétima colocação, o que
indica a grande diferença entre os níveis de desenvolvimento da capital e de seu entorno
imediato. Esta região é composta por 26 municípios e, apesar dos avanços no total de
rendimentos e taxa de conclusão do ensino fundamental (em taxas anualizadas, a elevação foi
de 10,2% e 7,5% entre 1970 e 2000, respectivamente, enquanto a média estadual foi de 7,3%
e 6,6%), ainda se encontra relativamente atrasada no que tange à renda média e remuneração
62
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
média do trabalhador (em taxas anualizadas: 0,8% e 2,9% em contrapartida a 1,7% e 3,9% no
Estado, entre 1970 e 2000), o que indica que apesar do crescimento da renda total ter sido
superior à média do Estado, o crescimento da população também o foi, de modo superior
(GRÁF. 1 e 2).
GRÁFICO 1
Log da média dos rendimentos totais, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
GRÁFICO 2
Renda média (R$), 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
A região de Juiz de Fora, que se manteve na mesma posição relativa durante todo o
período, é composta por apenas 5 municípios, sendo o homônimo responsável por 65,3% de
sua população total. Uma vez que os componentes da região representam os componentes
municipais ponderados por sua população, a cidade de Juiz de Fora é a grande responsável
pela boa colocação de sua região. A boa colocação reflete, na verdade, a profunda
63
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
desigualdade da Região de Planejamento Zona da Mata, decorrente do crônico processo de
fragmentação territorial desde o esgotamento do ciclo do café.
O Triângulo Mineiro aparece na terceira colocação no ano 2000, enquanto em 1970
ocupava a quinta. A explicação neste caso é oposta à da Zona da Mata, já que o seu
dinamismo econômico foi o fator decisivo de sua coesão territorial. Observa-se que o resultado
de nossa regionalização é uma região homogênea de 34 municípios, quase idêntica à
composição da Região de Planejamento da regionalização oficial. A melhora nos indicadores
pode ser explicada principalmente pelo aumento de 408% no total de rendimentos e 108% no
abastecimento de água com rede geral entre 1970 e 1980, contra 325% e 74% em média no
Estado, e também pelo aumento de 46% no total de rendimentos e 87% na taxa de conclusão
do ensino fundamental entre 1980 e 1991, enquanto em Minas Gerais as variações foram de
10% e 75%, respectivamente.
GRÁFICO 3
Log da média dos rendimentos totais, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
GRÁFICO 4
Participação (%) da população com abastecimento por rede geral, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
64
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
A região que mais ganhou posições no período foi a Sudoeste, composta por 157 municípios e que se encontrava em 9º lugar em 1970 e 1980, passando para 6º em 2000, indicando
um aumento de coesão territorial deste extenso segmento da Região Sul de Minas e da quase
totalidade da Região Centro-Oeste. Os principais responsáveis pela melhora relativa do
Sudoeste são a redução em 15% no percentual de crianças que trabalham e aumento nos indicadores de consumo, como por exemplo de automóveis. Em 1970, 7,5% da população possuíam
ao menos um automóvel, já em 2000 eram 42,1%, contra 33% em média no Estado. Além disso, o
aumento de 70% na renda média e 112% no total de rendimentos entre 1991 e 2000, enquanto em
Minas Gerais foram 58% e 77%, também contribuiu para a melhora relativa da região.
GRÁFICO 5
Participação (%) da população com automóvel, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
GRÁFICO 6
Participação (%) de crianças que trabalham, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
65
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Já a região homogênea Sul, que se constitui da parte mais tradicional da Região Sul de
Minas, manteve-se durante todo o período em um nível de desenvolvimento próximo ao do
Sudoeste, ora superior – 1970 e 1980 –, ora inferior – 1991 e 2000. Apesar da proximidade e
complementaridade dessas regiões, o desenvolvimento da região Sul foi inferior principalmente
devido ao pequeno avanço em abastecimento por rede geral e alfabetização, que tiveram um
aumento de 38 e 15 pontos percentuais entre 1970 e 2000, chegando a 78,1% e 79,8%,
enquanto no Estado a variação foi de 51 e 19 p.p., respectivamente, atingindo 81,8% e 78,9%.
Entretanto, a região, que havia apresentado grande aumento no percentual de crianças que
trabalham entre 1970 e 1980, reverteu esse processo atingindo 5,5% em 2000, 1,2 pontos
percentuais a menos que a média estadual.
GRÁFICO 7
Participação (%) da população com abastecimento por rede geral, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
GRÁFICO 8
Participação (%) de crianças que trabalham, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
As últimas colocações são ocupadas pelas regiões Leste, Norte e Diamantina, que, como
mostra a FIG. 1, compõem toda a porção nordeste de Minas Gerais, excetuando-se os três
municípios do Vale do Aço, que se constitui numa região própria.
A região Leste, formada pela parte norte da Zona da Mata e sudeste do Rio Doce, mantevese durante todo o período na 12ª posição, apesar de seus ganhos absolutos significativos.
Destaca-se a melhoria nos índices de consumo e iluminação elétrica. Entre 1970 e 2000, o
percentual da população com acesso a luz elétrica subiu de 24% para 95% e com geladeira
em casa aumentou de 6% para 72%, aproximando-se da média estadual de 96% e 84%,
respectivamente. Entretanto, contrariando a tendência no restante do Estado, o percentual de
crianças que trabalham vem crescendo na região, atingindo em 2000 a marca de 12%,
enquanto a média em Minas Gerais é de 7%, prejudicando também as taxas de conclusão dos
níveis de ensino, principalmente médio e fundamental.
GRÁFICO 9
Participação (%) da população com iluminação elétrica, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
GRÁFICO 10
Participação (%) de crianças que trabalham, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
As regiões Norte e Diamantina revezaram suas posições ao longo dos anos e se encontram
em níveis próximos de desenvolvimento. A região Norte é constituída pelo Norte de Minas,
Jequitinhonha/Mucuri e partes do Noroeste, Rio Doce e Região Central. Alavancada
principalmente pelos municípios de Governador Valadares e Montes Claros, se destaca pelos
seus ganhos absolutos, como o grande esforço de alfabetização e escolarização. Entre 1970 e
1980, a média de anos de estudo da população de 25 anos ou mais cresceu 79%, enquanto no
Estado esse crescimento foi de 52%. Já entre 1991 e 2000, esse crescimento foi de 37%, contra
22% em Minas Gerais, e a taxa de alfabetização na região teve aumento de 10%, enquanto a
média estadual foi de apenas 0,5%. Entretanto, a região ainda se encontra abaixo da média de
Minas Gerais nestes dois quesitos. A escolaridade média da população de 25 anos ou mais no
Norte é de 3,94 anos, e a taxa de alfabetização é 68%, enquanto no Estado tem-se 5,51 anos e
79%, respectivamente. A região se manteve atrasada em relação às demais principalmente
devido a pouca melhora nos índices de consumo, crianças trabalhando e renda média.
GRÁFICO 11
Taxa de alfabetização, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
GRÁFICO 12
Renda média (R$), 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
A região de Diamantina é formada pelo nordeste da Região de Planejamento Central,
noroeste do Rio Doce e Alto Jequitinhonha. Passou por uma grande melhoria de infra-estrutura
entre 1991 e 2000, elevando suas taxas de atendimento de escoamento por rede geral, iluminação elétrica e abastecimento por rede geral em 116%, 48% e 39%, respectivamente, enquanto
em Minas Gerais foram 27%, 12% e 13%, entretanto as melhoras nos níveis de renda, analfabetismo e crianças fora da escola e/ou trabalhando ficaram muito aquém da média estadual.
Cabe ainda ressaltar a proximidade dessa região de Belo Horizonte. O município
Taquaraçu de Minas, pertencente à região de Diamantina, encontra-se a apenas 63 quilômetros
da capital. Tal proximidade entre as regiões de maior e menor desenvolvimento revela as fortes
disparidades regionais em Minas Gerais, inclusive em áreas contíguas ao aglomerado
metropolitano. Um dos principais problemas são os desníveis de infra-estrutura na economia
estadual, acentuados pelo precário sistema de transportes, que limita os efeitos de
espraiamento ou gotejamento do desenvolvimento entre as regiões, fortalecendo ainda mais
sua tendência centralizadora, intensificando as disparidades regionais.
GRÁFICO 13
Participação (%) da população com iluminação elétrica, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
GRÁFICO 14
Participação (%) de crianças que trabalham, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
4.3. Análise intra-regional
A análise intra-regional baseou-se nos resultados obtidos pela análise de componentes
principais, apresentada na Seção 3.1. Buscou-se descrever nessa seção como sendo atributos
regionais característicos aqueles cujos componentes possuíam menor desvio padrão internamente à
região, além daqueles cuja média mais se distanciou de zero, que é a média dos componentes
para todas as regiões. A definição de grupos, ou clusters, realizada pelo método Partioning
Around Medoids, apresentado na Seção 3.4, não possui hierarquização definida pelo modelo.
A classificação do cluster como 1, 2, 3 ou n foi meramente observacional, visando se aproximar da hierarquia urbana local, com base nas Regiões de Influência das Cidades (IBGE, 2000).
Belo Horizonte e seu entorno metropolitano
FIGURA 3
Região de Belo Horizonte e entorno metropolitano
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
Devido à sua dinâmica complementar de conurbação, Belo Horizonte será aqui analisada
em conjunto com seu entorno metropolitano. A Região Metropolitana de Belo Horizonte é a
terceira maior aglomeração urbana do país e a hipercentralidade da capital e sua primazia
urbana são evidenciadas pelas pequenas cidades que caracterizam seu entorno, com poucas
de maior escala e densidade urbanas (LEMOS et al, 2004). Tamanha sua dissimilaridade em
relação a seu entorno, a capital se encontra como indivíduo único de sua região homogênea –
FIG. 1 – e apresentou em 2000 o maior nível de desenvolvimento do Estado, enquanto RMBH
atingiu apenas a sétima colocação.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
O entorno metropolitano aqui apresentado possui poucas diferenças da Região
Metropolitana de Belo Horizonte definida pela Lei Complementar nº 63, de 10 de janeiro de
20023, dentre as quais se destacam a inserção de Itaúna e Pará de Minas, que se encontram no
chamado Colar Metropolitano. Apesar da forte polarização e centralidade exercida por Belo
Horizonte em Minas Gerais, a zona de influência da capital se restringe à porção central e
norte do Estado, ficando o restante sob influência de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília
(LEMOS et al, 2000; IBGE, 2000).
A região concentra mais de 33% da população e quase 54% de todo o valor da
transformação industrial (VTI) do Estado. Cabe ressaltar a presença do complexo metalmecânico, que em conjunto com a indústria mínero-metalúrgica do Vale do Aço, colocam
Minas Gerais como principal pólo mínero-metal-mecânico do país. A taxa de urbanização do
entorno metropolitano atinge o nível de 95% da população, enquanto toda a população da
capital habita em áreas urbanas. A média de anos de estudo da população de 25 anos ou mais
é também um diferencial da região e atinge 8,05 anos em Belo Horizonte, enquanto a média
estadual é de 5,6 anos de estudo. Além disso, o percentual de crianças fora da escola se
manteve desde os anos 70 abaixo da média estadual, atingindo 2,6% em 2000 enquanto no
restante do Estado 4,5% das crianças estavam fora da escola.
Outros indicadores também possuem grande peso na diferenciação de Belo Horizonte e
seu entorno metropolitano. Na estrutura ocupacional da região destaca-se o elevado percentual
de empregados e empregadores, que respondiam em 2000 por quase 80% da força de
trabalho, enquanto nas demais regiões eram apenas 70%, o que se deve principalmente à
maior quantidade de trabalhadores sem remuneração nestas localidades. Na estrutura
produtiva, a primazia do comércio e serviços sobre as atividades agropecuárias e extrativas
reforça ainda a centralidade urbana da região, onde quase 70% do emprego se encontra no
setor terciário e apenas 2% no setor primário, contra 50% e 27% no restante do Estado,
respectivamente. Além disso, o acesso a bens de consumo duráveis, as taxas de atividade e
ocupação, o tamanho da população e da renda total são determinantes na definição da região.
Apesar da pequena importância do setor agropecuário, destaca-se na região a presença da
Centrais de Abastecimento de Minas Gerais S/A (CeasaMinas) em Contagem, que ocupa o
segundo lugar nacional em vendas de hortigranjeiros e possui papel decisivo na política de
segurança alimentar do Estado.
O parque industrial da região é considerado um dos mais importantes do país e se
concentra principalmente na montagem de veículos automotores, metalurgia básica e em
atividades de refino de petróleo – Refinaria Gabriel Passos. O cinturão industrial de Belo
Horizonte constitui o pólo estruturante do processo de industrialização de Minas Gerais
3
A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi criada em 18 de junho de 1973, pela Lei Federal nº 14, e era
então formada por apenas 14 municípios, sendo alterada em 1989 e depois em 2002, quando foi definida sua
delimitação atual (BDMG, 2002).
71
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
(LEMOS et al, 2004), onde Contagem, maior pólo industrial do Estado, e agora Betim
desempenham os papéis de grandes cidades industriais. Destacam-se ainda setores emergentes
de alta tecnologia como o setor de informática – em particular software –, o setor de
biotecnologia – considerado o mais importante da América Latina (IPEA, 2001) –, fármacos e
química fina, além do setor de controle de automação industrial, apoiados por importantes
instituições públicas de pesquisa (LEMOS et al, 2004).
O Cluster 1, apresentado na FIG. 3, é composto apenas por Belo Horizonte, que também
compõe sozinho sua região homogênea. A capital de Minas Gerais é e foi fundada em 1897
para ser o grande lócus político-administrativo do Estado, e possui 74,7% de seus ocupados em
atividades do setor terciário. A concentração da oferta de serviços na capital, tanto tradicionais
como modernos, é de intensidade tal que o gap de diversificação terciária entre Belo Horizonte
e seu entorno metropolitano repercute negativamente na capacidade de sua inserção na
hierarquia urbana metropolitana brasileira (SIMÕES et al, 2005). Tal concentração e
polarização são ainda refletidas internamente em Belo Horizonte, onde as unidades de
planejamento Centro e Savassi respondiam em 2003 por nada menos que 38,6% da
arrecadação municipal de ISSQN, somando um montante de arrecadação 2,3 vezes maior que
o de Uberlândia, que é o segundo município do Estado em arrecadação de ISSQN.
O Cluster 2, composto pelos municípios de Betim e Contagem, caracteriza-se
principalmente pela alta concentração populacional (somam quase 5% da população do
Estado), elevado grau de urbanização (98,5%) e grande peso da indústria na estrutura produtiva
(20% do emprego). Já o Cluster 3, composto por Itaúna e Pará de Minas, caracteriza-se pelos
elevados índices de urbanização (93%), atendimento sanitário (94,6%) e rendimento médio
(R$ 550,92). A estrutura produtiva destes municípios destaca-se pela convivência entre
atividades agropecuárias, serviços de complexidade intermediária e razoável produção
industrial, concentrada principalmente nas atividades de tecelagem, metalurgia básica,
fabricação de produtos de metal e peças para veículos automotores, complementares ao pólo
metal-mecânico. O Cluster 4 caracteriza-se por alguma produção industrial e grande peso do
setor terciário, que em Sabará reponde por mais de 77% do emprego do município. São
municípios eminentemente dependentes do lugar central metropolitano, considerados como
cidades-dormitório, cujo setor terciário se concentra em serviços pessoais menos complexos,
de centralidade local (SIMÕES et al, 2005). Os demais clusters caracterizam-se ordenadamente
pela perda de importância da indústria na estrutura produtiva, redução no nível de
urbanização, população, anos de estudo e renda média.
Triângulo Mineiro
O Triângulo Mineiro, composto por trinta e quatro municípios, atingiu em 2000 a terceira
colocação em nível de desenvolvimento relativo e o maior nível de coesão territorial deste
estudo, entendido como a combinação de um elevado nível de desenvolvimento relativo com
um grande número de municípios. Se levássemos em conta apenas seu núcleo polarizador
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
(Uberlândia, Uberaba e cidades vizinhas próximas), ficaria apenas abaixo de Belo Horizonte.
Encontra-se na área de influência de São Paulo e tem como município principal Uberlândia,
que exerce centralidade sobre toda a região e mais alguns municípios de Goiás, como
Itumbiara e Catalão, e de São Paulo, como Ituverava (IBGE, 2000). A região, que apresenta
grande coexistência de equipamentos urbanos, industriais e agropecuários, detém 8% da
população do Estado, é responsável por 11% do valor da transformação industrial em Minas
Gerais, 22% do rebanho bovino e 23% da produção agrícola, sendo Uberlândia o município
de maior PIB agropecuário do Estado, com Uberaba e Frutal ocupando o terceiro e quarto
lugares (IPEA, 2001).
Os níveis médios de renda da região se mantêm desde 1970 acima da média estadual,
com a renda per capita e o rendimento por trabalhador atingindo 27,6% e 18,3% acima da
média do Estado em 2000, respectivamente. Além disso, a população da região possui maior
acesso a bens de consumo duráveis e maior nível de escolaridade que a média do Estado –
6,25 anos de estudo, enquanto a média de Minas Gerais é de 5,6 anos. Cabe ainda ressaltar a
diferenciada estrutura familiar da região, onde a proporção de pessoas em famílias de cinco
membros ou mais é 33,6% menor que no restante do Estado e a proporção de moradores em
domicílios com densidade por dormitório maior que dois é 28,3% menor.
O agronegócio é ponto forte em toda a região, que integra a base agropecuária com a
agroindústria e comércio atacadista. A agricultura se baseia principalmente na produção de soja,
abacaxi, tomate, laranja, algodão, milho e cana-de-açúcar. Na pecuária, o município de Iturama
apresenta o maior rebanho bovino e produção leiteira do Estado. Destacam-se ainda a produção
leiteira de Frutal e o rebanho suíno e produção de ovos de galinha da região de Uberlândia.
FIGURA 4
Região do Triângulo Mineiro
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
A produção industrial da região se concentra em Uberlândia, Uberaba e Araxá, que
respondem por 82,7% do valor da transformação industrial do Triângulo Mineiro. A região
também se encontra dentro do polígono de desenvolvimento apresentado por Diniz (1993) e a
aglomeração industrial relevante de Uberlândia teve entre 1970 e 1985 o maior crescimento
do Estado (DINIZ & CROCCO, 1996). Os setores mais importantes são a indústria de produtos
alimentícios e a indústria química, de produtos inorgânicos e defensivos agrícolas. Destacam-se
a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, em Araxá, no setor siderúrgico, a Cargill
Agrícola S/A e a Abc Indústria e Comércio S/A, em Uberlândia, na produção de óleos vegetais,
a Souza Cruz S/A, também em Uberlândia, na indústria do fumo, e a Fosfertil Fertilizantes
Fosfatados S/A, em Uberaba, na produção de produtos químicos inorgânicos.
Uberlândia e Uberaba aparecem sozinhos compondo o Cluster 1 e o Cluster 2,
respectivamente – FIG. 4. Uberlândia é responsável por 62% da arrecadação regional de
ISSQN. Dos mais de 500 mil habitantes do município, 98% vivem em áreas urbanas e também
98% possuem acesso a esgotamento sanitário por rede geral. A escolaridade média no
município é terceira mais alta do Estado, atingindo 7,44 anos, abaixo apenas de Belo
Horizonte e Juiz de Fora. Com o segundo maior número de agências bancárias do Estado, num
total de 53, Uberlândia possui 78% de sua mão-de-obra empregada no setor terciário. Destacase a presença no município da Universidade Federal de Uberlândia e da Escola Agrotécnica
Federal de Uberlândia.
Uberaba, responsável por 17% da arrecadação de ISSQN regional, tem sua economia
baseada na indústria, principalmente química, e na pecuária, sendo pioneira na utilização de
técnicas de aprimoramento do rebanho bovino (IPEA 2001). Dentre os 258 mil habitantes do
município, 97% habita em áreas urbanas e 97% é atendido com esgotamento sanitário por
rede geral. Apesar de apenas 7% da mão-de-obra do município ser empregada em atividades
agropecuárias, sua produção agrícola é quase equivalente à soma da produção das regiões
Centro, Diamantina, Juiz de Fora, Região Metropolitana, Sudeste e Vale do Aço. Cabe ainda
ressaltar a qualidade da infra-estrutura de transportes na região, tanto rodoviário quanto
ferroviário e aéreo.
O Cluster 3 é composto por Araguari, Araxá, Frutal e Ituiutaba. São municípios que se
destacam pela oferta de bons equipamentos urbanos e agropecuária moderna. Apesar de
possuírem em média 15% da mão-de-obra no setor primário, 93% de sua população habita em
áreas urbanas, com taxa de cobertura de escoamento sanitário por rede geral de 91%. A
escolaridade e renda médias atingem os níveis de 6,51 anos e R$ 567,72, respectivamente. Além da
agropecuária, a indústria também é importante, sendo responsável por 11,7% do emprego.
O Cluster 4 possui uma economia diversificada, com os setores primário, secundário e
terciário razoavelmente desenvolvidos. Já o Cluster 5 é composto por municípios cuja
economia se baseia na pecuária intensiva. São responsáveis por 40% do rebanho bovino da
região. O Cluster 6 apresenta municípios com agropecuária menos modernizada e indústria
incipiente.
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Região Noroeste
A região Noroeste é, a partir dos anos setenta, uma extensão da fronteira de ocupação do
cerrado mineiro e incorpora a quase totalidade do Alto Paranaíba e Noroeste oficiais, além do
nordeste da Região Central. Manteve sua posição de décima colocada em nível de
desenvolvimento relativo entre as regiões homogêneas definidas para Minas Gerais nestes
últimos trinta anos e se encontra principalmente sob influência de Belo Horizonte e Uberlândia
(IBGE, 2000). São características do Noroeste os municípios com média de população e total
de rendimentos inferiores à média estadual – 20 mil e 5,1 milhões de reais em relação a 25 mil
e 6,9 milhões de reais no Estado, respectivamente. Entretanto, os habitantes dessa região
possuem maior acesso à infra-estrutura e bens de consumo que a média de Minas Gerais. Além
disso, o percentual de analfabetos e de crianças fora da escola é em média um ponto percentual inferior ao restante do Estado, onde esses índices atingem respectivamente 11,8% e 4%.
A região destaca-se por sua importância na agropecuária mineira. Apesar de responder por
apenas 7,2% da população, concentram-se no Noroeste 23,4% da produção agrícola, 17% do
rebanho bovino e 21,8% da produção leiteira estadual. A região é uma das que mais
modernizaram sua agricultura (IPEA, 2001) e que, além da cultura do café em sua porção do
Alto Paranaíba, possui uma significativa produção de arroz, feijão, milho, soja e tomate. O
rebanho bovino concentra-se em Unaí, João Pinheiro e Paracatu, que respondem por 24% do
total da região, e a produção leiteira localiza-se principalmente em Ibiá, Patos de Minas e
Patrocínio, onde estão 18,9% da produção regional.
FIGURA 5
Região Noroeste
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
A indústria regional é responsável por 13% do emprego. Entretanto, o valor da
transformação industrial no Noroeste possui peso muito pequeno na economia estadual,
respondendo por apenas 4,6% do total. Sete Lagoas, Três Marias e Patos de Minas são
responsáveis por 58,4% do VTI regional. A produção concentra-se nos setores de metalurgia de
metais não-ferrosos – principalmente Cia. Mineira de Metais, em Três Marias –, produção de
gusa – diversas siderúrgicas em Sete Lagoas – e metalurgia de metais preciosos – Rio Paracatu
Mineração S/A, em Paracatu. Estes setores respondem por 41,2% do VTI regional.
Compondo sozinha o Cluster 1 está a cidade de Sete Lagoas, que de fato é bem diferente
do caráter predominantemente agropecuário dos demais clusters. Localizada a 62 km de Belo
Horizonte, Sete Lagoas é um centro regional de forte representatividade (IPEA, 2001). A
atividade siderúrgica é a mais importante no município, que possui 19% de mão-de-obra no
setor industrial. A taxa de urbanização da cidade é de 98%, e o escoamento sanitário por rede
geral atende a 93% da população de 185 mil habitantes. Com uma renda média de R$ 511,79
e 6,78 anos de escolaridade média, Sete Lagoas é responsável por 28% da arrecadação
regional de ISSQN e conta com quinze agências bancárias. Pelo fato de Sete Lagoas apresentar
indicadores de urbanização, desigualdade de renda, infra-estrutura, dentre outros, mais
próximos aos da região Noroeste do que do entorno de Belo Horizonte, a regionalização pela
homogeneidade acabou jogando este município para fora desta região e, pelo critério de
contigüidade, integrando-o ao Noroeste.
Nova Serrana também é única em seu grupo, com uma economia bem diferente de Sete
Lagoas e mais ainda dos demais do Noroeste. O ritmo da cidade é ditado pela indústria
calçadista, que emprega 97% dos trabalhadores industriais no município, o correspondente a
quase 60% da mão-de-obra total do município. A cidade industrial possui 94% de seus 37 mil
habitantes em área urbana. A taxa de atendimento de escoamento sanitário por rede geral
chega a 94% e a renda média atinge R$ 651,36. Entretanto, o VTI em Nova Serrana equivale a
apenas 6% do total regional. Tem-se aqui um processo semelhante ao de Sete Lagoas, em que
atributos mais semelhantes aos do Noroeste e não do Sudoeste forçaram a permanência de
Nova Serrana na primeira região.
O Cluster 3, formado por Patos de Minas, Paracatu e Unaí, apresenta tanto o setor primário
quanto o secundário como atividades de grande importância. Com 93 mil habitantes em média
e 85% de urbanização, os três municípios respondem por 30% da produção agrícola, 21% do
rebanho bovino, 20% do VTI e 31% da arrecadação de ISSQN regional. Cabe ressaltar que,
apesar da similaridade entre os municípios, Patos de Minas possui maior relevância urbana e
industrial, Unaí concentra-se na atividade agropecuária e Paracatu apresenta características
bem peculiares em função de sua longa história de formação econômica no período
minerador, com boa convivência de equipamentos urbanos, industriais e agropecuários.
O Cluster 4 é composto por municípios de pequeno porte, com 85% de urbanização, que
mantêm alguma atividade industrial, mas de pouca relevância. Possuem em média 3,31
agências bancárias e 28 mil habitantes. Os Clusters 5 e 6 são compostos por municípios com
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
poucos equipamentos urbanos em que a atividade agropecuária assume mais importância na
economia local. Entretanto, é uma atividade não-modernizada, descapitalizada, de mão-deobra eminentemente familiar e com fins de subsistência, principalmente no Cluster 6.
Região Sudoeste
A Região Sudoeste é a região que apresenta o maior número de municípios, num total de
cento e cinqüenta e sete. Devido à sua localização geográfica, os três principais municípios da
região – Divinópolis, Poços de Caldas e Varginha – encontram-se sob influência de três pólos
distintos: Belo Horizonte, Campinas e São Paulo, respectivamente (IBGE, 2000). Apesar de sua
rede urbana complexa e mal definida, possui também uma coesão territorial significativa, que
reúne um grande número de municípios relativamente homogêneos e desenvolvidos.
FIGURA 6
Região Sudoeste
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
São características da região as elevadas taxas de atividade e ocupação – em 2000,
respectivamente 60% e 91% contra 56,6% e 85% do restante do Estado – e a estrutura familiar
e domiciliar – apenas 19% das famílias possuíam em 2000 mais de cinco membros e em 25%
77
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
dos domicílios a relação moradores/dormitórios era maior que dois, enquanto no restante do
Estado eram 23% das famílias e 32% dos domicílios. A região teve no café seu principal
elemento de dinamismo e crescimento durante muitos anos (IPEA, 2001). Incluída por Diniz
(1993) no que o autor chamou de polígono do desenvolvimento, aproveitou-se da
desconcentração industrial de São Paulo a partir da década dos 70 e se apresenta hoje como
boa alternativa locacional para a indústria (IPEA, 2001).
A região responde por 14,6% da população de Minas Gerais, e sua estrutura produtiva
possui relevância estadual tanto nos setores primário, secundário e terciário, sendo a
agropecuária o mais relevante. Concentram-se na região 23,5% da produção agrícola, 15,8%
do rebanho bovino, 25% da produção leiteira e 9% do valor da transformação industrial de
Minas Gerais. Na grande maioria dos indicadores de desenvolvimento aqui analisados, o
Sudoeste se encontra ligeiramente acima da média de Minas Gerais.
A Região Sudoeste é detentora da maior produção cafeeira do Estado. Destacam-se ainda
na região a produção de batata inglesa, cana-de-açúcar, laranja, milho. Três Pontas – maior
produtor de café do país –, Tapira e Campestre apresentam os maiores valores de produção
agrícola, concentrada principalmente em café, seguidos de perto por Alfenas e Passos. Formiga
e Passos possuem os maiores rebanhos bovinos da região. Bom Despacho e Luz são os maiores
produtores de leite. Em segundo plano, aparecem as regiões de Oliveira, principalmente pela
produção de laranjas e de Divinópolis, pelo efetivo de aves e produção de ovos (BDMG, 2002).
Na indústria, destacam-se os municípios do Cluster 1, apresentado na FIG. 6. Concentram-se
neste grupo mais de 43% do valor da transformação industrial da região. Em Poços de Caldas
destacam-se os setores de fabricação de resinas termoplásticas, laticínios e metalurgia do
alumínio – vale dizer Rhodia-Ster Fibras e Resinas Ltda, Danone S/A e Alcoa Alumínio S/A. Em
Divinópolis destacam-se a siderurgia – principalmente Gerdau S/A – e a indústria da confecção. Em
Varginha, os principais setores são a indústria da borracha, do café e eletrodomésticos.
A importância dos municípios do Cluster 1 na região não se restringe à indústria. Os três
possuem ainda forte nível de influência e centralidade sobre os demais municípios (IBGE,
2000). São os centros mais populosos (concentram 16,4% da população da região), com maior
grau de urbanização (96%), média de anos de estudo (7,08 anos) e rendimento médio (R$
638,10), e funcionam como principais ofertantes de bens e serviços avançados na região.
O Cluster 2, composto por nove municípios, apresenta menor peso industrial e maior
importância agropecuária que o Cluster 1, mas é ainda caracterizado por municípios
eminentemente urbanos, com em média 91% da população em áreas urbanas e 93% dos
domicílios com esgotamento sanitário por rede geral. Funcionam como ofertantes regionais de
bens e serviços pouco centrais, de baixa complexidade, com alcance restrito a seu entorno
imediato.
O Cluster 3 apresenta os municípios onde o agropecuário assume ainda mais importância,
sem perder a convivência com atividades industriais e urbanas. São municípios com razoável
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
grau de urbanização (80,6%), mas onde em média 32% dos trabalhadores exercem atividades
agropecuárias e apenas 50% exercem atividades terciárias. O Cluster 4 é composto por
municípios de pequeno porte com alguma atividade industrial, o Cluster 5 se caracteriza pela
primazia da agropecuária com algum grau de urbanização e o Cluster 6 é formado por
municípios rurais.
Região Sul
A região Sul, com 69 municípios, diferencia-se de seu vizinho Sudoeste principalmente
pela pouca relevância na agropecuária e indústria do Estado e, do outro lado, divide fronteiras
com a região de Juiz de Fora, cujo nível de urbanização é bem superior. Conforme apresentado
na Seção 4.1, a região é composta por municípios pertencentes principalmente à porção leste
da Região de Planejamento Sul, e mais alguns da Central e Zona da Mata. Atingindo em 2000
a oitava posição em nível relativo de desenvolvimento, encontra-se sob influência principal de
São Paulo, na porção oeste, e Juiz de Fora, em sua parte ao leste.
FIGURA 7
Região Sul
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
Os indicadores de desenvolvimento são bem próximos da média do Estado. São
características da região municípios de população pequena, em torno de 12 mil habitantes,
com taxa média de urbanização de 77,1% e baixa taxa de abastecimento de água por rede
geral – 78,1% –, conforme ressaltado na Seção 4.2.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Apesar de se encontrar no polígono do desenvolvimento proposto por Diniz (1993), a
região responde por apenas 5,4% da produção agrícola, 7% da produção de leite, 3,9% do
rebanho bovino e 3,9% do valor da transformação industrial em Minas Gerais, pouco
aproveitando do processo de desconcentração industrial de São Paulo.
Três Corações é responsável por 15% da agricultura regional, que se baseia no café, batatainglesa, banana e tomate. Todavia, a agricultura regional é pouco modernizada e
descapitalizada, com raras exceções como Três Corações. Destacam-se ainda o rebanho
bovino de Três Corações e Pouso Alegre, a produção leiteira de São Gonçalo do Sapucaí e a
produção de ovos de galinha da região de São Lourenço.
A produção industrial concentra-se nos setores de fabricação de automóveis, caminhonetas
e utilitários – principalmente Mahle Cofap Anéis S/A, em Itajubá – e alimentícios – Unilever
Bestfoods do Brasil, em Pouso Alegre. Pouso Alegre e Itajubá, que compõem o Cluster 1, são
responsáveis por 63% do VTI e 44% da arrecadação regional de ISSQN. A urbanização nestes
municípios é de 91,5%, índice baixo se considerarmos a importância de ambos na rede urbana
regional. A escolaridade e renda médias atingem 7,27 anos de estudo e R$ 682,87,
respectivamente, e a mão-de-obra é distribuída com 17% na indústria e 69% no setor de
serviços.
O Cluster 2, formado por Caxambu, Santa Rita do Sapucaí, São Lourenço e Três Corações,
destaca-se por sua urbanização – 91,6% –, pelas estâncias hidrominerais de São Lourenço e
Caxambu, pela indústria tradicional de Três Corações e tecnológica de Santa Rita do Sapucaí e
pela renda média de R$ 553,06, enquanto no restante da região Sul, excetuando-se o Cluster 1,
este valor é de R$ 378,00. Os Clusters 3 e 4 caracterizam-se pela redução dos níveis de
urbanização, presença de indústrias e equipamentos urbanos como agências bancárias na
economia local.
Regiões de Juiz de Fora, Centro-Leste, Centro e Sudeste
Para facilitar a compreensão e análise, toda a porção sudeste de Minas Gerais será
apresentada conjuntamente nesta seção. A região de Juiz de Fora, composta por apenas cinco
municípios – Juiz de Fora, Barbacena, Santos Dumont, Ewbank da Câmara e São João del Rei –
atingiu em 2000 a segunda colocação em nível de desenvolvimento. Conforme explicitado na
Seção 4.2, tal colocação foi favorecida pela pequena quantidade de municípios na região, que
possibilitou ao conjunto auferir uma média ainda mais elevada nas variáveis utilizadas para o
cálculo do nível de desenvolvimento. A baixa coesão territorial da Zona da Mata explica sua
fragmentação em termos de fortes disparidades de desenvolvimento relativa entre as regiões
homogêneas por nós identificadas.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
FIGURA 8
Regiões de Juiz de Fora, Centro-Leste, Centro e Sudeste
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
A região encontra-se sob influência principal do Rio de Janeiro, sendo Juiz de Fora o
grande centro polarizador regional, cuja centralidade é classificada como “muito forte” (IBGE,
2000). Destaca-se pelo elevado grau de urbanização, uma vez que 96,3% de sua população
habita em áreas urbanas, enquanto nas demais regiões Centro-Leste, Centro e Sudeste são 78,5%.
GRÁFICO 15
% de crianças que trabalham, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
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GRÁFICO 16
Taxa de analfabetismo, 1970-2000
Fonte: Elaboração própria.
A renda familiar per capita na região em 2000 foi 32,2% maior que a média do Estado. A
escolaridade média da população – 6,93 anos de estudo – é menor apenas que de Belo
Horizonte e atinge 1,34 anos de estudo a mais que a média mineira. A taxa de analfabetismo é
de apenas 5,6%, menos da metade da média estadual, e o percentual de crianças que
trabalham é de 2,8%, enquanto no Estado são 6,7%.
Já a região Centro, composta por quinze municípios, atingiu em 2000 a 5ª colocação em
nível de desenvolvimento relativo no Estado e está sob influência principal de Belo Horizonte
(IBGE, 2000). Apesar de ter uma renda média abaixo da média estadual – R$ 292,13 enquanto
em Minas Gerais a média é de R$ 335,89 –, a região encontra-se ligeiramente acima da média
estadual em praticamente todas as demais variáveis analisadas. Cabe ressaltar: 90,6% da
população habita em áreas urbanas, 81,8% possui escoamento por rede geral, 39% possui
automóvel e a escolaridade média é de 5,92 anos de estudo, enquanto no Estado esses valores
são de 81,7% de população urbana, 68,2% de escoamento por rede geral, 33% com
automóvel e a média de anos de estudo é de 5,6.
Ocupando em 2000 a 9ª colocação em nível de desenvolvimento no Estado está a região
Sudeste. Composta por 36 municípios, a região encontra-se sob influência principal de Juiz de
Fora. O indicador regional que mais diverge da média mineira é o tamanho das famílias do
Sudeste. Apenas 18,6% das famílias possui cinco membros ou mais, enquanto no Estado são
22,9%. O abastecimento de água é feito por rede geral para 85,1% da população, a taxa de
urbanização é de 85,7% e a escolaridade média atinge 5,35 anos de estudo. Os demais
indicadores regionais se encontram bem próximos da média estadual.
Já a região Centro-Leste, composta por 73 municípios, atingiu em 2000 a 11ª colocação
em nível de desenvolvimento em Minas Gerais e chama a atenção pelo desenvolvimento
bastante inferior em relação às regiões vizinhas. É caracterizada por municípios de pequeno
porte, com média de população inferior a 9 mil habitantes e taxa de urbanização de 61%. A
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renda média na região é a quarta menor do Estado – R$ 219,10 em 2000 – e, devido à pouca
densidade populacional, o rendimento total médio dos municípios dessa região é o segundo
menor de Minas Gerais. Apenas 61,3% da população possui abastecimento de água por rede
geral, e 52,8% tem acesso a escoamento por rede geral, o que coloca a região dentre as três de
pior infra-estrutura sanitária em Minas Gerais.
As quatro regiões, analisadas conjuntamente, possuem 16,9% de sua mão-de-obra
empregada em atividades agropecuárias ou extrativas, que vêm perdendo importância no
Estado e caracterizam-se pela não-modernização e baixa produtividade (IPEA, 2001). A região
é responsável por 10,3% da produção de leite, 6,7% do rebanho bovino e 4,6% da produção
agrícola de Minas Gerais. Leopoldina, São João del Rei e Muriaé respondem por 13,7% da
produção regional de leite, Leopoldina e Muriaé são responsáveis também por 10% do
rebanho bovino e Carandaí, Lagoa Dourada, Carangola e Entre Rios de Minas respondem por
17,5% da produção agrícola regional, que concentra-se principalmente no cultivo de café,
cana, tomate, banana e arroz. Cabe ainda ressaltar que a microrregião de Ponte Nova detém o
maior rebanho suíno do Estado, concentrando por 12% do total do Estado (BDMG, 2002).
O valor da transformação industrial na região corresponde a 21,1% do total de Minas
Gerais, sendo Itabira e Juiz de Fora responsáveis por 49,3% desse valor. Os principais setores
regionais são: extração de minério de ferro – principalmente Cia. Vale do Rio Doce, em Itabira
–, produção de laminados não-planos de aço – Cia. Siderúrgica Belgo Mineira, em João
Monlevade –, produção de ferro, aço e ferro-ligas – Açominas S/A, em Ouro Branco – e
fabricação de automóveis, camionetas e utilitários – Daimler Chrysler do Brasil, em Juiz de
Fora. Estes quatro setores respondem por 75% do valor da transformação industrial na região.
Juiz de Fora compõe sozinha o Cluster 1 regional. Considerada uma das mais importantes
cidades de Minas Gerais, conta com bons sistemas rodoviário e ferroviário e um aeroporto com
vôos regulares. Com equipamentos urbanos de qualidade, a cidade possui centros de formação
importantes para oferta de mão-de-obra qualificada que, juntamente com o distrito industrial e
terrenos a baixo custo, tornam o município um pólo de grande potencial de crescimento, ainda
mais quando consideramos sua posição geográfica privilegiada (IPEA, 2001). Juiz de Fora é
responsável por 5,7% de toda a arrecadação de ISSQN do Estado, o que corresponde a 44,7%
da arrecadação regional. O município, que possui 77% de sua mão-de-obra no setor terciário,
contava com 47 agências bancárias em 2004, número inferior apenas à Belo Horizonte e
Uberlândia. Cabe ainda ressaltar a presença da Universidade Federal de Juiz de Fora, que
oferece 33 cursos de graduação, 15 Mestrados e dois Doutorados, além de cursos de educação
profissional, média e fundamental. Mas paradoxalmente, sua evolução nos últimos 50 anos
tem revelado ter sido incapaz de manter a coesão territorial da Zona da Mata.
Também como integrante única de seu grupo está a cidade de Itabira. Apesar de possuir um
sistema de transporte rodoviário de má qualidade, o município dispõe de um sistema ferroviário de
importância-chave para o escoamento de sua produção. Conta ainda com dois distritos industriais, mas ainda incapazes de realizar sua conversão produtiva industrial com a desativação
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das atividades da Cia Vale do Rio Doce. Destacam-se sua boa infra-estrutura urbana, como aterro
sanitário, coleta seletiva de lixo, Programa Saúde da Família e a construção de uma central de
tratamento de esgoto. Apesar de ter perdido dinamismo nos últimos anos (IPEA, 2001), Itabira
de fato não é mais 90% de ferro nas calçadas, nem apenas uma fotografia na parede.
O Cluster 3 é composto por 17 municípios, com médias de população e taxa de
urbanização superiores a 60 mil habitantes e 91%, respectivamente. Além disso, são
municípios com boa infra-estrutura e equipamentos urbanos de qualidade, possuindo em
média 6,12 agências bancárias e 89% de escoamento sanitário feito por rede geral. O emprego
concentra-se nos setores terciário – 71% – e secundário – 15%. Apesar do peso do setor de
serviços na economia destes municípios, eles são considerados eminentemente industriais,
uma vez que são responsáveis por nada menos que 9% de todo o VTI estadual.
O Cluster 4 é composto por municípios menores, com média de 10 mil habitantes. A taxa
de urbanização desses municípios é de 80%, e o setor agropecuário assume importância bem
maior, sendo responsável por 20% do emprego no cluster e 19% da produção regional. Já o
Cluster 5, composto principalmente pela região Centro-Leste, caracteriza-se por seu baixo
desenvolvimento e é uma das áreas mais pobres do Estado. Apenas 47% da população habita
em áreas urbanas, a escolaridade e renda médias são de 3,7 anos de estudo e R$ 284,16 e 48%
do emprego é do setor agropecuário, de baixa-modernização e/ou subsistência.
Vale do Aço
A região do Vale do Aço diferencia-se do Núcleo Metropolitano do Vale do Aço4 apenas
pela ausência de Santana do Paraíso, que integra o oficial juntamente com Coronel Fabriciano,
Ipatinga e Timóteo. Os municípios dessa região possuem fortes relações interfuncionais e
conurbação. O processo de integração regional foi iniciado nos anos 1940, com a instalação
da Acesita em Timóteo, dando início à criação de um parque siderúrgico de expressão
nacional. A atividade industrial funcionou como indutora do crescimento demográfico e
desenvolvimento.
A população da região, que atingiu em 2000 a quarta colocação em nível de desenvolvimento, é superior a 380 mil habitantes, sendo 56% concentrados em Ipatinga, principal centro
urbano. A taxa de urbanização regional é de nada menos que 99,2% e 94,5% da população
possui escoamento sanitário por rede geral. A renda média é de R$ 586,21, e a indústria é
responsável por 21,4% do emprego regional. Os três municípios são responsáveis por 9% do
VTI estadual e a produção de laminados planos de aço responde por 84,2% desse total, em
que se destacam a Usiminas e a Acesita.
4
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Instituído pela Lei Complementar nº 51, de 30/12/1998 (BDMG, 2002).
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Todavia, a excessiva especialização no setor siderúrgico inibe as possibilidades de
espraiamento do desenvolvimento, fazendo com que a região seja uma verdadeira bolha em
meio a regiões atrasadas. Apenas em Ipatinga se percebe um bom desempenho do setor terciário,
com funções regionais diversificadas, mas a baixa qualidade do sistema rodoviário em nada ajuda
nesse processo. Cabe ressaltar que, devido à sua proximidade de regiões relativamente atrasadas, o
Vale do Aço possui grande potencial para atuar no combate às desigualdades regionais.
Região Leste
A região Leste, composta por 64 municípios, atingiu em 2000 a 12ª colocação em nível
relativo de desenvolvimento. Composta principalmente por municípios das Regiões de
Planejamento da Zona da Mata e Rio Doce, são características da região os baixos índices de
urbanização (60%), de escoamento sanitário por rede geral (66%), escolaridade (4,69 anos de
estudo) e renda média (R$ 370,19), além do elevado índice de crianças fora da escola e/ou
trabalhando – Seção 4.2. A região é responsável por 8% da produção agrícola, 5% do rebanho
bovino, 5% da produção de leite e 0,4% do VTI estadual. A diferenciação da região Leste para
Diamantina se dá pelo fato de a economia da região Leste basear-se quase que inteiramente na
agropecuária ou em um setor terciário pouco desenvolvido, enquanto em Diamantina existe
uma pequena produção industrial.
FIGURA 9
Região Leste
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
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A produção agrícola concentra-se nas culturas de café, cana-de-açúcar e tomate,
principalmente em Manhuaçu e Caratinga, que respondem por 23%. Na pecuária, destacam-se
os rebanhos de Aimorés, Conselheiro Pena e Resplendor, que somam 18,7% do total regional.
Caratinga e Manhuaçu são os principais centros urbanos regionais. Entretanto, a região é
tão esvaziada de equipamentos urbanos que a centralidade exercida por estes municípios é
muito pequena, restando a influência de Belo Horizonte, Governador Valadares e Colatina (ES).
Região de Diamantina
A região de Diamantina, composta por 63 municípios, se apresentou em 2000 com o pior
nível de desenvolvimento relativo no Estado. Tal fato toma proporções ainda maiores quando
consideramos a proximidade desta região da capital Belo Horizonte, como mostra a Seção 4.2.
A região responde por 1,8% da produção agrícola, 3,7% da produção de leite, 4,2% do
rebanho bovino e 3% do VTI estadual. As taxas de urbanização e de escoamento por rede geral
são de 55%, a escolaridade e renda médias são de 4,38 anos de estudo e R$ 306,14. Além
disso, o acesso a muitos municípios não é asfaltado e grande parte da população em idade
produtiva migra para demais regiões em busca de oportunidade de emprego.
FIGURA 10
Região de Diamantina
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
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Destaca-se a indústria de celulose CENIBRA S/A em Belo Oriente, responsável por 91,2%
do VTI regional. Diamantina e Mesquita exercem a pouca centralidade urbana existente na
região. Apesar do programa de linha de crédito especial do Banco de Desenvolvimento de
Minas Gerais (BDMG) para municípios próximos à Estrada Real, como é o caso de grande parte
da região, o turismo local é ainda pouco desenvolvido, uma vez que a qualificação da
população não é suficiente para seu desenvolvimento.
Norte de Minas
A região Norte atingiu em 2000 a 13ª colocação em nível de desenvolvimento relativo às
demais regiões de Minas Gerais. As principais características destes municípios são os baixos
níveis de renda média, total de rendimentos e escolaridade. Conforme apresentado na Seção
4.2, a renda média na região vem se distanciando de seu nível em Minas Gerais durante todo o
período analisado e a escolaridade da população, apesar de se aproximar da média estadual,
ainda é bastante inferior. Além disso, a diferença no crescimento populacional e no percentual
de pessoas com 25 anos ou mais entre a região e o Estado tem se intensificado nas últimas
quatro décadas. Em 1970, 19,7% da população mineira se encontrava na região Norte. Destes,
32,7% tinham 25 anos ou mais, enquanto no Estado eram 36,2%. Já em 2000, apenas 15,8%
da população de Minas Gerais habitava na região Norte, e a diferença entre o percentual de
adultos passou de 3,5 pontos percentuais para 6,4 p.p.
Considerando que as famílias nortistas possuem em média 25% a mais de filhos que o
restante do Estado, uma das explicações para os menores crescimento e envelhecimento
populacional na região, além de menor expectativa de vida, seria a migração seletiva para
regiões de maior desenvolvimento, conforme as teorias de desenvolvimento apresentadas no
Capítulo 1. Ou seja, a polarização, ou os efeitos regressivos, das regiões desenvolvidas de
Minas Gerais sobre a região Norte resultaria na migração da população em idade produtiva em
busca de melhores oportunidades de trabalho e renda.
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FIGURA 11
Região Norte
Fonte: Elaboração própria com base na malha municipal digital de 2002, IBGE.
O emprego regional concentra-se principalmente em atividades agropecuárias ou
extrativas, que respondem por 36,2% da mão-de-obra. Todavia, a atividade tem pouco
dinamismo, em geral não possui objetivos comerciais e é pouco capitalizada. A região
responde por 10% da produção agrícola e 24% do rebanho bovino de Minas Gerais. A
agricultura tem caráter de subsistência e a pecuária é em grande parte extensiva. Destacam-se
apenas o rebanho bovino de Carlos Chagas e de São Francisco, a produção de ovos de galinha
na região de Montes Claros e de frutas na região de Janaúba.
A atividade industrial, apesar dos benefícios oferecidos por grande parte da região que se
encontra na área da SUDENE, é praticamente inexpressiva em Minas Gerais, sendo responsável
por apenas 3% do valor da transformação industrial do Estado. Destaca-se, no entanto, a
importância industrial do município de Montes Claros. Se somarmos a ele Pirapora e
Governador Valadares, os três municípios concentram 73% do VTI regional. Os principais
setores são: fabricação de artigos de tecido de uso doméstico – principalmente COTEMINAS,
em Montes Claros –, produção de ferro, aço e ferro-ligas – Minas Ligas, em Pirapora – e
tecelagem de algodão – Cia. de Fiação e Tecidos Sto. Antônio, também em Pirapora –, que
respondem por 35% do VTI da região.
Compondo sozinhos o Cluster 1 e o Cluster 2 respectivamente, Montes Claros e
Governador Valadares são considerados enclaves de renda concentrada com poucas
possibilidades de integração produtiva regional (LEMOS et al, 2005) e concentram 56% do VTI
e 51% da arrecadação de ISSQN regional.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Montes Claros destaca-se pelo seu grande parque industrial e equipamentos urbanos
únicos em sua região. Encontram-se no município oito hospitais, uma universidade estadual e
um aeroporto com vôos regionais regulares, além de entroncamentos rodoviários e ferroviários.
O município possui taxa de urbanização de 94% e 93% da população de 307 mil habitantes é
atendida com escoamento sanitário por rede geral. Já Governador Valadares tem uma taxa de
urbanização de 96%, possui 19 agências bancárias e 75% de sua mão-de-obra concentra-se no
setor terciário. Os 217 mil habitantes da cidade contam com sete hospitais, com a
Universidade do Vale do Rio Doce (UNIVALE), um aeroporto com vôos regionais regulares e
boa infra-estrutura de transportes ferroviário e rodoviário, além do pico do Ibituruna, que
transformou a cidade na capital mundial do vôo livre.
O Cluster 3 é composto por 23 municípios com em média 38 mil habitantes. São
municípios urbanos, mas onde a agropecuária de subsistência é atividade primordial para boa
parte da população. Apresentam atividade industrial de pouca relevância, com exceção de
Pirapora, Várzea da Palma e Bocaiúva. Os municípios possuem em média 2,91 agências
bancárias e 63,6% de taxa de escoamento sanitário por rede geral.
A infra-estrutura e qualidade de vida nos municípios do Cluster 4 são ainda piores. São 88 municípios dentre os mais pobres do Estado, com em média 16 mil habitantes. É no emprego agropecuário que 50% da população busca a renda média de R$ 259,41. A escolaridade média é de apenas 3,8 anos de estudo e somente 50% da população possui escoamento sanitário por rede geral.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme sugerem os dados inter e intra-regionais, a disparidade no processo de
desenvolvimento em Minas Gerais atinge proporções tão grandes que a regionalização
contribuiu menos para o agrupamento de municípios com processos semelhantes e mais para a
segmentação daqueles onde o desenvolvimento se deu de forma mais desigual. Ou seja, os
nossos resultados confirmam que ao longo dos últimos trinta anos da economia mineira,
período marcado por fortes mudanças estruturais de sua base produtiva, manteve-se a
característica histórica da extrema desigualdade de seu desenvolvimento.
A busca do equilíbrio no desenvolvimento das coletividades está expressa na Constituição do
Estado de Minas Gerais (1999). O artigo 41 afirma que o Estado se articulará com o objetivo de
“contribuir para a redução das desigualdades regionais” e “assistir os municípios de escassas
condições de propulsão socioeconômica [...] para se integrem no processo de desenvolvimento”.
Entretanto, conforme sugerem as teorias de desenvolvimento, o investimento de capital
deve ser tal ordem que gere encadeamentos e interdependências entre os setores e agentes
produtivos, capazes de transbordar seus efeitos para além dos estreitos limites de seu centro
original de irradiação e crescentemente incorporar regiões mais atrasadas e periféricas. Não há,
portanto, desenvolvimento regional sem integração econômica e coesão territorial.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
Um importante consenso entre os autores clássicos das teorias estruturalistas de
desenvolvimento dos anos cinqüenta, como Rosenstein-Rodan, Nurkse, Myrdal e Hirschman, é
o papel crucial do Estado na coordenação dos agentes para realização dos investimentos em
capital social básico (as infra-estruturas) e atividades produtivas diretas. O planejamento
público possibilita coordenar as decisões de investimento dos agentes públicos e privados para
que o provimento das modalidades de capital fixo ocorra numa seqüência tal que explore
sinergias e reduza as incertezas empresariais. Segundo Hirschman (1958), estas incertezas
afetam a capacidade de investir dos empresários domésticos das regiões menos desenvolvidas
e o instrumento do investimento induzido, via planejamento estatal, torna-se ingrediente
necessário para uma estratégia bem sucedida de desenvolvimento econômico.
O caso do investimento público em Minas Gerais no período analisado é sua crescente
redução a partir dos anos oitenta e a ausência de planejamento econômico na sua realização,
se dando cada vez mais de modo disperso e desconexo. Como enfatizado por aqueles autores
clássicos, a questão do investimento em regiões atrasadas é antes de tudo um problema de
planejamento e formulação de projetos bem definidos, que de recursos financeiros
propriamente ditos, já que estes são escassos por definição, tratando-se de economias
estruturalmente com baixo nível de acumulação de capital. Além disso, o planejamento do
crescimento econômico do Estado deve se atentar também às questões sociais e não
negligenciá-las como diagnosticou Diniz (1981) quando do grande crescimento da década dos 70.
A caracterização regional apresentada neste trabalho abre então um largo campo de
necessária investigação sobre as causas do atraso e estagnação de determinadas regiões. A
compreensão deste processo, por sua vez, pode auxiliar na busca e formulação de planos e
estratégias bem delineadas, que possam lograr êxito na redução das disparidades e no
desenvolvimento econômico e social do Estado de Minas Gerais como um todo.
Nossa contribuição específica foi resgatar a questão do desenvolvimento numa perspectiva
multidimensional e a partir daí definir uma regionalização que contemple simultaneamente
indicadores econômicos, sociais e demográficos. A regionalização obtida representa um
mapeamento tanto da coesão territorial do desenvolvimento das regiões mineiras bem como de
sua fragmentação, o que efetivamente pode servir para a intervenção do planejamento público
em áreas-problema da economia estadual. Cabe lembrar que a regionalização apresentada
neste trabalho parte do escopo restrito das dimensões de desenvolvimento consideradas, cuja
vantagem são resultados mais precisos para o objetivo deste trabalho, mas que geram grandes
distorções caso sejam outros os objetivos para os quais a regionalização possa ser utilizada. O
fato de não considerarmos aqui dimensões físicas, políticas, históricas e culturais, entre outros
fatores, deve estar sempre em vista. A nosso ver, a partição territorial das Regiões de
Planejamento ainda preserva em seus critérios a ênfase na homogeneidade físico-geográfica
enquanto a partição do presente trabalho enfatiza a homogeneidade socioeconômica, sem
deixar de preservar um escopo da heterogeneidade intra-regional.
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
É interessante observar que nas Regiões de Planejamento onde foi possível uma integração
regional no seu processo de desenvolvimento, via complementaridades e integração de sua
base produtiva, os resultados obtidos de nossa regionalização foram quase coincidentes com os
da partição oficial. São lugares onde o desenvolvimento econômico se espalhou no todo
regional, possibilitando sua coesão territorial. Este é o caso típico do Triângulo Mineiro. Na
direção oposta estão os casos da Região Central e da Zona da Mata. Belo Horizonte, mesmo
sendo a capital estadual, não foi capaz de ampliar seu processo de integração produtiva além
de um limitado raio de influência geográfica, o chamado “segundo colar” metropolitano, e
mesmo assim com muitos buracos internos de áreas de pobreza e vazio econômico. O
resultado foi a fragmentação da Região Central, que combina áreas de forte desenvolvimento,
localizado em seu centro radial, e áreas desarticuladas, como as do lado setentrional da
capital, em direção ao Jequitinhonha e Norte de Minas. Por sua vez, Juiz de Fora perdeu
centralidade urbana com a decadência secular de sua indústria têxtil, sendo incapaz de
comandar a reconversão produtiva da Zona da Mata após o ciclo cafeeiro. O resultado foi a
pobreza e a regressão econômica de boa parte de sua antiga área de influência geográfica.
A regionalização obtida reflete, assim, uma importante faceta da dinâmica desigual do
desenvolvimento recente da economia mineira, que combina coesão territorial de sua parte
mais virtuosa e fragmentação territorial de sua parte mais desarticulada, efetivamente excluída
dos frutos do progresso econômico brasileiro dos últimos trinta anos.
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93
94
76,15
93,76
74,86
98,51
64,11
66,11
82,11
69,9
67,28
80,19
80,61
72,82
99,69
88,39
69,62
72,39
1. Dimensão Populacional
2. Maturidade da
População
3. Urbanização
4. Educação I
5. Educação II
6. Educação Infantil
7. Estrutura Familiar
8. Condições de Moradia
9. Infra-Estrutura
Domiciliar
10. Acesso a Bens de
Consumo Duráveis
11. Desigualdade
11. Condições Gerais do
Mercado de Trabalho
13. Qualidade dos Postos
de Trabalho
14. Rendimento Total
15. Rendimento e
Produtividade Médios
16. Estrutura Ocupacional
17. Estrutura Produtiva
% em Ocupações Administrativas; Técnicas, Científicas; Agropecuárias e
Extrativas Vegetal/Animal; Extração Mineral; Ind. Transformação e Construção
Civil; Comércio e Atividades Auxiliares; Transportes e Comunicação; Prestação
de Serviços; Defesa e Seguran
% em Atividades Agropecuárias e Extrativas; Indústria Moderna; Indústria
Tradicional; Construção Civil; Comércio; Serviços
Eo1. Pocup3; Eo2. Pocup4; Eo3. Pocup 5 e 7; Eo4. Pocup9; Eo5. Pocup1
Ep1. Comércio e Serviços vs. Agropecuárias e Extrativas; Ep2. Ind.
Tradicional vs. Ind. Moderna; Ep3. Indústria
Rendimento Familiar per capita médio; Rendimento individual médio;
Rendimento Total per capita; Produtividade
%Empregados; %Empregadores; %Conta-própria; %Sem remuneração
Trab5. Empregados; Trab6. Empregadores; Trab7. Sem Remuneração;
Trab8. Conta-própria; Trab9. Qualidade dos Postos 1970-1980 vs. 19912000
Rendimento Total
Taxa de Atividade; Taxa de Ocupação
Trab1. Tx. Atividade e Ocupação; Trab2. Tx. Atividade e Ocupação
1970; Trab3. Tx. Atividade e Ocupação 1980-2000; Trab4. Tx. Ocupação
1980-2000
Rend1. Rendimento Total
Índice de Gini e Índice de Theil
Des1. Desigualdade; Des2. Desigualdade 1970; Des3. Desigualdade
1980 vs. 2000
Rend2. Rendimento e Produtividade Médios; Rend3. Rendimento e
Produtividade Médios 1970-1980 vs. 1991-2000; Rend4. Rendimento e
Produtividade Médios 1980
% em domicílios com rádio; com TV; com geladeira; com automóvel
% em domicílios com Rede Geral de Abastecimento; com Rede Geral de Esgoto;
com Iluminação Elétrica
Densidade média por cômodo; Percentual em Domicílios c/ densidade
morador/dormitório>2
% de Pessoas em Famílias chefiadas por Mulheres; Média de Filhos; % de
Pessoas em Famílias com 5 membros ou mais; % de Mulheres
Ied4. Acesso a Benso de Consumo Duráveis
Ied3. Infra-estrutura
Ied1. Densidade; Ied2. Densidade 1970
Fam1. Tamanho da Família; Fam2. Importância da Mulher
% Crianças Fora da Escola
Tx. bruta específica ensino fundamental; Tx. bruta específica de ensino médio;
Tx. bruta específica de ensino superior
Edu2. Taxa Específica de Conclusão de Ensino
Edu3. Educação Infantil
Média de anos de estudo; Média de anos de estudo da pop. com 15 anos ou
mais; Média de anos de estudo - pop. com 25 anos ou mais; % de Alfabetizados;
% Analfabetos com 15 anos ou mais; % de crianças que trabalham
% Pop. urbana
Pop4. Urbanização
Edu1. Média de Anos de Estudo, Alfabetização e Crianças que Trabalham
% Pop 7 a 14 anos ; % Pop 15 anos ou mais; % Pop 25 anos ou mais; % Idosos
População
Variáveis
Pop2. Pop. adulta; Pop3. Pop. não ativa
Pop1. Tamanho da população
Componentes
Fonte: Elaboração própria com base nos dados dos Censos Demográficos de 1970. 1980. 1991 e 2000.
98,88
Vetores
Anexo – Quadro A1 – Vetores, variância explicada, componentes e variáveis utilizadas
Variância
Explicada (%)
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DESENVOLVIMENTO DESIGUAL EM MINAS GERAIS
ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE
MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
EDUARDO GONÇALVES*
* Professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade Federal de Juiz de Fora (FEA/UFJF) e
Doutor em Economia Regional e Urbana pelo CEDEPLAR-UFMG.
1º lugar do Prêmio Minas de Economia 2006 – Categoria Profissional.
95
96
CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
1. INTRODUÇÃO
A importância do estudo da inovação reside no seu papel central em relação à questão do
desenvolvimento regional. Ao criar novas oportunidades de mercado para as firmas, a inovação
também propicia o desenvolvimento para as regiões. Os efeitos da inovação podem ser sentidos
principalmente em termos de aumento da produtividade. Segundo estimativas da literatura
internacional, cerca de 80% do crescimento da produtividade nos países desenvolvidos são
devidos à inovação (Sternberg e Arndt, 2001).
Por razões como essa, a inovação tem despertado interesse crescente como instrumento de
política industrial e regional, para fomentar inclusive o desenvolvimento de regiões atrasadas.
As vinculações entre inovação e desenvolvimento regional têm sido mais constantes, seja
porque a inovação passa a ser vista como instrumento para melhoria da competitividade
empresarial e regional e como forma de aumentar emprego e renda (Sternberg e Arndt, 2001),
ou porque as diferenças em termos de capacidade de inovar podem ser consideradas como
“fonte primária de disparidade de desenvolvimento” (Malecki, 1997).
Em parte, esta capacidade díspar de desenvolvimento está vinculada aos retornos
crescentes da aglomeração produtiva no espaço, a qual gera externalidades pecuniárias e
tecnológicas que propiciam, de forma cumulativa, novos produtos e serviços (Krugman, 1991).
Essas externalidades transbordam apenas para o espaço geográfico imediato (Jaffe et al., 1993).
Isso explica a necessidade de as firmas estarem próximas entre si para aproveitar estes
transbordamentos, desde que possuam competência interna para inovar. Uma vez formada
uma aglomeração espacial inovadora, em torno das regiões de melhor infra-estrutura
tecnológica e de requisitos locacionais favoráveis à inovação, cria-se uma inércia locacional,
que é difícil de ser quebrada, principalmente quando os centros urbanos são muito
heterogêneos em termos desses requisitos locacionais.
Este é o caso do estado de Minas Gerais. Heterogeneidade social e econômica é o seu
aspecto mais marcante. Diversos autores já discorreram sobre o mosaico socioeconômico
formado pelos municípios mineiros. Silva (1997) revelou que a produção é muito concentrada
espacialmente e que esta concentração é estável no tempo. Albuquerque (2001) alcançou o
mesmo tipo de conclusão em relação à atividade inovadora.
Ao revisitar o tema sobre concentração regional da atividade tecnológica mineira, nossa
proposta é utilizar, de forma pioneira, técnicas estatísticas e econométricas espaciais para tentar
modelar os determinantes da inovação.
Ainda que tenham grande relevância ao fazer um mapeamento inicial da atividade
tecnológica, sobretudo através de indicadores de patentes, os trabalhos existentes sobre
inovação em Minas Gerais não esgotaram o tema. Além disso, ainda não fizeram uso das
técnicas referidas acima para tentar preencher algumas lacunas na literatura empírica que
relaciona inovação e desenvolvimento regional e urbano no Estado, como: 1) identificar os
97
CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
principais fatores determinantes da inovação nos municípios mineiros a partir dos fatores
considerados relevantes pela literatura internacional e nacional; 2) determinar a relação que
existe entre a estrutura urbana do Estado e a inovação; 3) revelar padrões de associação
espaciais e identificar agrupamentos espaciais significativos de produção tecnológica; 4)
verificar se ocorrem transbordamentos tecnológicos intermunicipais.
Para atingir estes objetivos, o artigo é dividido em mais cinco seções. Na próxima, os
determinantes da inovação são explorados, enfatizando-se o caráter urbano destes. Na terceira
seção, são resumidas as características do sistema regional de inovação em Minas Gerais. Na
quarta, detalhes dos procedimentos metodológicos são apresentados, como a forma pela qual
as variáveis foram construídas, as fontes de dados usadas para sua construção e as técnicas
exploratórias (Análise Exploratória de Dados Espaciais e Análise Fatorial) e econométricas
utilizadas. Na quinta seção, os resultados da aplicação destas técnicas são expostos, sendo que,
na última seção, são apresentadas as principais conclusões e recomendações de políticas
públicas.
2. DETERMINANTES DA ATIVIDADE TECNOLÓGICA: A PREPONDERÂNCIA DOS ATRIBUTOS URBANOS
Inovação é um fenômeno essencialmente urbano. Mas, quais são as propriedades dos
ambientes urbanos para que estes, especialmente as metrópoles, sejam conhecidos como
“centros de criatividade”, “ilhas de inovação”, “incubadoras de novas idéias” (Capelo et al.,
2001) ou “regiões criativas” (Malecki, 1987)?
A literatura internacional apresenta argumentos variados para explicar o caráter urbano da
inovação. Segundo Simmie (2001), a introdução de novos produtos no mercado é altamente
dependente de externalidades. O conceito de economias de aglomeração compreende
diversos tipos de externalidades, que são importantes tanto para explicar a aglomeração
espacial da produção quanto da inovação, tendo em vista que as concentrações espaciais de
produção e inovação são fortemente correlacionadas (Audretsch e Feldman, 1996).
Da mesma forma que a produção, a concentração espacial da inovação está vinculada aos
três tipos de economias de aglomeração, a saber, economias de escala, economias de
localização e economias de urbanização. A primeira é interna à firma e as duas últimas são
externas a ela, ou seja, são próprias do ambiente regional ou urbano. Há extenso debate na
literatura sobre organização industrial em relação ao papel da escala da firma em favorecer ou
não a inovação.1
1
98
Uma síntese destes argumentos pode ser encontrada em Symeonidis (1996).
CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
Entretanto, a literatura que relaciona desenvolvimento regional e inovação enfatiza os
últimos dois tipos de externalidades, embora varie o grau de importância dado a cada tipo de
economia de aglomeração. Alguns autores destacam as economias de localização, realçando a
especialização setorial da indústria de uma região. Quanto maior fosse a concentração
industrial naquele setor específico, mais facilmente ocorreriam transbordamentos de
conhecimento tecnológico de uma firma para outra, fomentando a inovação regional. O
desenvolvimento pioneiro deste raciocínio se deve a Marshall (1982), mas também recebeu
contribuições de Arrow (1962) e Romer (1986). Por isso, Glaeser et al. (1992) denominam tal
externalidade de Marshall-Arrow-Romer.
Outros autores dão mais ênfase à diversidade do ambiente regional e urbano, que é bem
representada pelo conceito de economias de urbanização. O reconhecimento da importância
da dimensão urbana para inovar remonta ao trabalho de Jacobs (1969). A autora vê a cidade
como local em que novos tipos de tarefas são adicionados a trabalhos anteriores, fazendo
multiplicar a divisão do trabalho e diversificando cada vez mais a economia. Esse processo
gera crescimento econômico porque este seria dependente do grande número e da diversidade
de organizações econômicas.
A tese de que a diversidade promove inovação é confirmada por trabalhos empíricos,
como o de Feldman e Audretsch (1999). Além de afirmarem que a especialização diminuía a
inovação nas cidades, o trabalho sugeriu que a inovação tendia a ocorrer mais à medida que o
tamanho urbano crescia. Simmie (2001) afirma que as áreas urbanas, ao concentrarem
economias de aglomeração, permitiriam atingir maior eficiência estática e reduzir incerteza e
risco do processo inovador. A escala urbana também seria importante por outras duas razões.
Primeiro, porque grandes cidades são capazes de atrair inventores e de dar condições de
desenvolvimento às suas idéias (Wood, 2001). Segundo, porque quanto maior é o tamanho
urbano maiores são as chances de interações locais lucrativas, devido à lei dos grandes
números e ao mecanismo de seleção natural dos negócios que se beneficiam das múltiplas
oportunidades oferecidas (Simmie, 2001).
Outras evidências são discutidas por Wood (2001). Baseado nas experiências de Stuttgart,
Milão, Amsterdam, Paris e Londres, o autor afirma que o grau de inovação de uma cidade está
diretamente relacionado com o sistema urbano e com o sistema de inovação de um país. No
caso dos sistemas nacionais de inovação, as cidades filtram e selecionam elementos destes,
explorando vantagens que não existem em outros locais.
Dessa forma, três fatores parecem ter influência direta sobre o grau de inovação. Os
primeiros são tipos particulares de “ativos urbanos”, que se baseiam em conhecimentos
específicos que transbordam de outras características da dimensão urbana. Na literatura
regional, tais fatores são provenientes das chamadas economias de localização e urbanização,
que mais favorecem as grandes cidades. Daí, a força inovadora das metrópoles.
99
CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
Mas isso não quer dizer que as menores cidades estariam excluídas do processo inovador,
pois “diferentes escalas urbanas suportam diferentes tipos de inovação” (Wood, 2001, p. 243).
As maiores cidades, entretanto, ofereceriam vantagens relacionadas a múltiplos agrupamentos
de atividades, envolvendo vários tipos de mercados, tecnologias e empresas. As menores
cidades seriam dependentes de um ou alguns setores chave ou de investimentos de uma
grande empresa. Portanto, recursos internos de grandes empresas e efeitos industriais locais,
favorecedores de pequenas firmas, seriam mais importantes para pequenas cidades que fossem
bem sucedidas em inovar.
Entretanto, o autor destaca que as vantagens aglomerativas tradicionalmente associadas às
grandes cidades têm sido reforçadas por uma série de fatores:
1 - Diversidade e escala de mercados especializados crescentes;
2 - Maior volume e melhor qualidade da troca de informação que fomenta os
agrupamentos de serviços intensivos em conhecimento;
3 - Ampliação da troca de experiência no ambiente de trabalho, no caso de qualificações
intensivas em conhecimento;
4 - Crescente flexibilidade e mobilidade de força de trabalho;
5 - Valor crescente de inovações incrementais, provenientes de amplo intervalo de
habilidades disponíveis;
6 - Capacidade de explorar a cultura de não aversão ao risco;
7 - Crescimento de oportunidades através de interseções com setores tradicionais e entre
firmas de vários tamanhos;
Além de todas estas vantagens, as cidades maiores também possuiriam amenidades
urbanas e culturais, que tornam o ambiente mais atraente a empreendedores e pesquisadores,
porque melhoram suas condições de vida, como a existência de museus, teatros, cinemas,
restaurantes de boa qualidade etc. (Markusen et al., 1986).
3. SISTEMA REGIONAL DE INOVAÇÃO EM MINAS GERAIS
Lemos e Diniz (1999) descreveram as características elementares do sistema de inovação
de Minas Gerais. As inovações são vinculadas à especialização produtiva do Estado, com
destaque para as áreas mínero-metalúrgica, automobilística, mecânica, eletroeletrônica e de
serviços de telecomunicação, além da tradicional base agropecuária. Há predomínio das
instituições públicas, em detrimento das instituições privadas de P&D, o que faz a pesquisa
básica ser preponderante em relação à aplicada. Outros elementos do sistema precisam de
investimentos públicos para superação de gargalos, como a educação fundamental, média e
100
CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
superior. O setor empresarial foi considerado como o elo mais fraco do sistema estadual de
inovação, o que replicava a característica do sistema nacional de inovação brasileiro. Além
disso, algumas instituições de fomento à ciência e tecnologia, como a FAPEMIG, passam por
fases criticas de redução de orçamento, refletindo o quadro fiscal do Estado.
Albuquerque (2001) acrescentou que o estado de Minas Gerais está abaixo da média
nacional tanto em termos de produção científica, medida por artigos per capita publicados,
quanto em relação à atividade tecnológica, medida por patentes por milhão de habitantes.
Como virtude do sistema de inovação mineiro, é destacada a articulação existente entre
algumas especializações econômicas e industriais (indústria extrativa mineral, metalúrgica,
siderúrgica e agropecuária), especializações científicas (ciências agrárias e biológicas e
subáreas de zootecnia, agronomia, engenharia metalúrgica e de materiais, farmacologia e
biologia geral) e tecnológicas (metalurgia básica e extração de minerais). O descompasso
existente entre o crescimento da produção científica e da tecnológica foi visto como ponto
negativo, pois revelava potenciais de capacitação científica inexplorados. Em parte, tal descompasso era devido à concentração da produção tecnológica em setores de baixa tecnologia.
A concentração espacial da produção científica e tecnológica era outro traço marcante do
estado de Minas Gerais. Quatro microrregiões líderes detinham 87% dos artigos e 86% das
patentes.
Nas próximas seções procuraremos verificar até que ponto algumas características deste
sistema regional de inovação em Minas Gerais são resultantes do sistema urbano que prevalece
no Estado, o que pode ajudar a explicar o quadro regional da atividade tecnológica.
4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
4.1. Bases de dados, definição de variáveis e limitações do trabalho
Este trabalho utiliza uma base de dados de patentes do Instituto Nacional de Propriedade
Industrial (INPI), referente ao período 1999-2001, que possuía informações sobre o município
de residência do titular da patente.
Como variável dependente do estudo, utilizaremos o número de patentes normalizado
pelo número de habitantes, seguindo a literatura da área (Moreno et al., 2004; Carlino et al.,
2001). A implicação econométrica disso é que nossa variável dependente é formada por
números racionais, tornando possível o uso de um método baseado na distribuição Normal. Ao
contrário, se trabalhássemos com o número absoluto de patentes, nossa variável dependente
seria formada por inteiros positivos, o que tornaria necessária a estimação supondo distribuição
de Poisson ou Binomial Negativa.2
2
Argumento similar pode ser encontrado em textos de evidência empírica, como Bode (2004), ou em qualquer
manual de econometria, com em Greene (2003).
101
CADERNOS BDMG Nº 14 | ABRIL | 2007
ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
As limitações do trabalho estão, em grande extensão, relacionadas com a tentativa de usar
patentes como medida da atividade tecnológica. Sabe-se que as propensões a patentear variam
intersetorialmente, que há incerteza sobre o valor econômico futuro da patente e que existem
inovações que não são protegidas por patentes (Scherer, 1983). Entretanto, dada a ausência de
dados regionalizados de P&D e de censos de contagem de inovações, como existem nos EUA,
acreditamos que as patentes constituem boa indicadora de competência tecnológica de firmas
e regiões, como argumenta Breschi (1998), fornecendo um retrato da atividade tecnológica em
determinado momento.
A escolha das variáveis explicativas foi baseada na discussão da seção anterior. Vimos que
muitas variáveis podem exercer influência significativa sobre a atividade inovadora, como:
densidade e escala urbana, capacidade de pesquisa universitária, mercado de trabalho qualificado, grau de industrialização, diversidade industrial, P&D empresarial, mercado consumidor,
grau de competição da economia local, amenidades culturais e transbordamentos de
conhecimento. A maior parte destas variáveis foi construída com dados de 1998 e 1999 para
evitar problema de simultaneidade e amenizar as questões relativas à direção de causalidade,
tendo em vista que as patentes são referentes ao período de 1999-2001. Este procedimento é
empregado de forma generalizada na literatura (Carlino et al., 2001; Pamukcu, 2003).
Para testar a influência de cada um destes fatores sobre a inovação em Minas Gerais,
construímos ou simplesmente utilizamos os seguintes indicadores:
População: refere-se ao número de residentes do município, segundo o Censo de 2000
(IBGE, 2000). Este indicador tem a finalidade de medir o tamanho da cidade, sendo usado
tradicionalmente para medir economias de urbanização (Moreno et al., 2004);
Densidade de Emprego: é resultante da divisão do número de pessoas ocupadas pela área
do município, em km2. Benko (1999) afirma que “a fertilização cruzada só é possível num
meio denso”. Tal como em Carlino et al. (2001), este indicador foi usado para captar a
influência da grande concentração espacial de empregados de funções semelhantes e/ou
diferentes. Naquele trabalho, a existência de um relacionamento positivo e estatisticamente
significativo entre patentes per capita e densidade local de emprego foi interpretada como
evidência da importância da proximidade espacial na promoção de transbordamentos e de
inovações. Além desta variável, a existência de transbordamentos de conhecimento entre os
municípios mineiros pode ser mais adequadamente medida pela defasagem espacial da
variável patente per capita, ou seja, pela média das patentes per capita dos vizinhos dos
municípios, conforme a literatura que trata do tema, utilizando técnicas estatísticas e
econométricas espaciais (Varga, 1998; Moreno et al., 2004).
Renda: corresponde à soma dos rendimentos provenientes do trabalho, de transferências
governamentais e de outras fontes, conforme estimativa do Atlas do Desenvolvimento Humano
– 2000, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), disponível no sítio
do IPEA (IPEA, 2004a). Este indicador possui o objetivo de medir a magnitude do mercado
consumidor local.
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ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
Amenidades Culturais: são representadas pelo número de cinemas, teatros e museus.
Embora reflitam apenas parte dos componentes para a existência de boas condições de vida
num centro urbano, acreditamos que haja forte relação entre ambos e, por conseguinte, indique o grau de atração do centro urbano. Vários trabalhos já argumentaram a favor das amenidades urbanas e culturais no desenvolvimento tecnológico (Markusen et al, 1986; Benko, 1999).
Qualificação da População: é medida pela porcentagem de pessoas com 25 anos de idade
ou mais que possuíam mais de onze anos de estudo no município, segundo dados do IPEA
(2004b). Esperamos que, quanto maior for o nível educacional da população, maior será sua
capacidade para criar e aplicar novos conhecimentos para fins econômicos. Carlino et al.
(2001) utilizaram o percentual de pessoas nos EUA com curso superior para avaliar a relação
entre patenteamento e nível educacional. Sternberg e Arndt (2001) também usaram este
indicador como uma das variáveis vinculadas à região com potencial para influenciar a
propensão a inovar da firma.
Grau de Industrialização: corresponde à relação entre o número total de pessoas ocupadas
na indústria de transformação e o número total de pessoas ocupadas no município. Esta
variável é usada por Sternberg e Arndt (2001) e Carlino et al. (2001) por duas razões. Primeiro,
porque tem a função de controlar o fato de que a indústria, em relação a outros setores da
economia, é o setor em que mais provavelmente pode surgir uma patente. Segundo, porque
uma economia industrializada, ao contrário de outra em que o peso da agropecuária é
elevado, pode ser, com maior probabilidade, fonte de inovações. Os dados são referentes ao
Cadastro Central de Empresas do IBGE de 1998 (IBGE, 2002a).
Grau de Especialização Industrial: é avaliado por meio do índice de Herfindahl, que é
calculado através de soma dos quadrados da participação de cada setor no emprego industrial
do município. Como este índice varia entre 0 e 1, a especialização máxima possível, ou
especialização num único setor industrial, seria representada pelo seu valor unitário. Quanto
mais próximo de zero, maior é o grau de diversidade industrial existente no município.
Utilizamos dados de emprego da Relação Anual de Informações Sociais – RAIS – de 1998,
desagregados em 22 setores industriais da Classificação Nacional de Atividades Econômicas a
dois dígitos do IBGE (RAIS, 2000). Este indicador também foi usado por Carlino et al. (2001),
embora seu coeficiente na regressão não tenha sido significativo, deixando de corroborar as
evidências de Feldman e Audretsch (1999), que favoreceram a tese de Jacobs (1969) sobre o
papel da diversidade.
Grau de Concentração Econômica: medido pelo percentual de pessoas ocupadas, que
eram assalariadas, nas quatro maiores empresas atuantes da unidade territorial. Este indicador
também é conhecido com razão de concentração, sendo obtido junto ao Cadastro Central de
Empresas – 1998, do IBGE (IBGE, 2002a). Em municípios pequenos, em que uma ou poucas
empresas funcionam como âncoras da economia local, o valor deste indicador tenderá a ser
alto. Em municípios mais importantes do ponto de vista econômico, mesmo que haja grandes
empresas na economia, o número de empregos tenderá a ser mais eqüitativamente distribuído
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ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
entre o número elevado de estabelecimentos. Por isso, o valor da razão de concentração
tenderá a ser menor. Através deste indicador, entraremos no debate sobre o papel do grau de
monopólio local versus do nível de competição em termos de promoção da inovação (Glaser
et al., 1992; Carlino et al., 1998).
Capacidade de Realização de P&D Universitário: medida pela quantidade de doutores em
cursos de pós-graduação que possuem relevância em termos de possibilidade de criação e
transferência de novas técnicas para o setor produtivo, devido à ausência de informações sobre
gastos de P&D realizados por universidades e instituições de pesquisa. Dessa forma, foram
considerados os docentes permanentes dos cursos de mestrado e doutorado das áreas de
formação tecnológica, como Engenharias, Ciências Exatas e da Terra, Ciências Agrárias,
Ciências Biológicas e da Saúde e Computação e Informática. Essa variável foi obtida por
tabulação especial da CAPES, referente a 1999, e normalizada pela população de cada
município. A motivação para inclusão deste indicador está vinculada ao fato de haver fortes
evidências de que a pesquisa universitária não só possui efeito positivo sobre as inovações,
como é também um importante determinante da distribuição espacial das atividades de
pesquisa empresariais (Varga, 1998). Além disso, Jaffe (1989) destaca o efeito indireto da
pesquisa universitária, a qual atrai P&D industrial e aumenta sua produtividade.
Capacidade de Realização de P&D Industrial: os gastos de P&D estão disponíveis na
Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) do IBGE. Entretanto, a PINTEC não
possui representatividade amostral ao nível municipal, exceto para grandes empresas (mais que
500 empregados). Por isso, como fonte de evidência da realização de P&D no tecido industrial
de um município, serão utilizados o valor adicionado e o valor bruto da produção industrial de
empresas que possuem duas características fundamentais: ter inovado em produto que fosse
novo para o mercado nacional e ser exportadora com preço-prêmio de 30%. Este valor
adicionado é oriundo da regionalização da PINTEC, cujos detalhes metodológicos podem ser
obtidos em Negri et al. (2004) e Lemos et al. (2005). Segundo estes autores, estas empresas
“inovam, diferenciam produtos e possuem maior capacitação tecnológica”, sendo a “ponta
mais dinâmica da indústria e que tende a capturar parcela maior da renda gerada pela
indústria”. Dessa forma, não restam dúvidas de que a presença deste tipo de firma no
município revela grande capacidade de realizar P&D industrial. A segunda vantagem de usar
esta proxy vincula-se a outra característica das firmas desta amostra: ser exportadora. Esta
vantagem será explicada abaixo.
Inserção Externa: as exportações podem ser um valioso mecanismo de estímulo à inovação
(Fransman, 1985). Primeiro, porque existem pressões competitivas sobre os exportadores que
estimulam a melhoria da qualidade de produtos e a redução de custos. Segundo, porque são
criadas oportunidades para aprendizado internacional interfirmas. Terceiro, porque as
exportações ampliam o mercado da firma, propiciando o aproveitamento de economias de
escala e crescente divisão do trabalho, que produz queda dos custos, mas, principalmente,
propicia o surgimento de melhorias nos métodos e processo de produção, conforme o clássico
argumento de Smith (1982). Quarto, porque maiores quantidades de divisas podem facilitar a
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importação de insumos melhores, que aumentam a produtividade total da economia. As
importações, por razões ainda mais óbvias, são uma forma de se adquirir tecnologias mais
avançadas, incorporadas em máquinas e equipamentos ou em produtos finais, os quais podem
ser submetidos à engenharia reversa. Entretanto, a simples importação de produtos pode
representar aumento da competição e, dessa forma, forçar o produtor nacional a melhorar seus
produtos e processos. Sobre a importação de bens de capital, é ilustrativo o exemplo da Coréia.
Segundo Viotti (2002), essas importações foram acompanhadas de estratégias complementares
que viabilizaram absorção, aprendizado e inovações incrementais ativas.
Força de Trabalho com Formação Tecnológica: este indicador é geralmente usado nos
trabalhos que avaliam a intensidade tecnológica da indústria, ao lado de outros indicadores
como a intensidade do gasto em P&D ou o grau de sofisticação técnica do produto (Malecki,
1991; Benko, 1999). Entretanto, Markusen et al. (1986) optam pela percentagem de
profissionais ligados às áreas tecnológicas como o melhor indicador. Para construir este
indicador, foram utilizados dados da RAIS de 1998 relativos aos empregados com formação em
Física, Química, Engenharias, Análise de Sistemas e Programação de Computadores, os quais
foram divididos pelo total de empregados do município naquele ano (RAIS, 2000).
Muitos dos trabalhos citados nesta seção são forçados a escolher alguns dos indicadores
descritos acima porque o uso de todos ao mesmo tempo pode dificultar a obtenção de
estimativas confiáveis dos parâmetros econométricos. Esse é o caso de uma base de dados com
3
problemas de multicolinearidade severa, devido à alta correlação entre alguns ou todos os
indicadores municipais. Para evitar este problema e também a perda de riqueza de
informações propiciadas pelos indicadores, utilizaremos a técnica multivariada da análise
fatorial. Além de verificar até que ponto é possível condensar o conjunto de indicadores
selecionados em um menor número de fatores, não sujeitos a problemas de multicolinearidade, esta técnica equivale a uma análise exploratória, a qual pode revelar como se agrupam
os municípios mineiros em termos de indicadores relevantes para a atividade tecnológica.
4.2. Análise fatorial
Trabalhar com muitos indicadores ao mesmo tempo pode dificultar a visualização das
informações revelada pela base de dados. Por isso, uma forma adequada de lidar com muitas
variáveis é a aplicação da análise fatorial, que representa um meio de simplificar os dados por
reduzir o número de variáveis.
3
Multicolinearidade diz respeito à quebra de um pressuposto importante na análise regressão múltipla. Ocorre
quando uma ou mais variáveis independentes forem uma combinação linear de outras variáveis
independentes. Seus efeitos são: grandes alterações nas estimativas dos coeficientes de regressão, quando uma
variável independente for adicionada ou retirada do modelo ou quando uma observação for alterada ou
eliminada; rejeição da hipótese nula conjunta de que todos os coeficientes são diferentes de zero pelo teste F,
mas nenhuma rejeição das hipóteses individuais de que esses coeficientes são diferentes de zero pelos testes t;
obtenção de estimativas para os coeficientes de regressão com sinais contrários aos esperados teoricamente e
obtenção de intervalos de confiança com elevadas amplitudes para os coeficientes de regressão, associados a
variáveis independentes importantes.
105
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Com a análise fatorial, procurou-se verificar até que ponto é possível condensar o conjunto
de variáveis originais selecionadas em um menor número de fatores, que tornem mais fácil a
identificação de padrões de relação entre indicadores relevantes para o desenvolvimento
tecnológico, segundo literatura internacional.
Para implementar a análise fatorial, foi realizada a extração dos fatores iniciais pelo
método de componentes principais. Nesse procedimento foram definidas as cargas fatoriais de
cada variável, a raiz característica vinculada aos respectivos fatores e as proporções da
variância total do conjunto de variáveis. Os escores fatoriais foram obtidos após o
procedimento de rotação Varimax, que procurou minimizar o número de variáveis que têm
elevado peso em um fator. Os escores fatoriais são calculados a partir da multiplicação da
matriz de coeficientes fatoriais pela matriz de dados normalizados originais (Manly, 1986;
Johnson e Wichern, 1992).
Segundo Pereira (1999), alguns critérios devem nortear a decisão sobre a adequação dos
dados ao método. Primeiro, deve-se observar o valor da medida de adequação global da
amostra, dado pelo teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), e a possibilidade de a matriz de
correlação dos dados ser uma identidade, o que é fornecido pelo teste de esfericidade de
Bartlett. Segundo, além da simples redução do número de variáveis efetuada pela técnica, a
obtenção de fatores que podem ser interpretados coerentemente com a natureza do fenômeno
sob questão é um critério relevante. Como será visto adiante, o conjunto de 11 variáveis pôde
ser condensado em quatro fatores que dão conta de grande parte da variabilidade do conjunto
original de variáveis, sendo esta, também, uma medida de ajuste do modelo à análise dos
dados. Além disso, a interpretação desses fatores pôde ser realizada com relativa facilidade.
Por tudo isso, o objetivo de usar os escores fatoriais em modelos de regressão, para evitar
problemas de multicolinearidade, foi bem sucedido.
4.3. Técnicas estatísticas espaciais
4.3.1. Análise exploratória de dados espaciais
Para lidar com os efeitos espaciais de dependência e heterogeneidade espaciais, usaremos
esta técnica espacial, que serve como abordagem exploratória para descrever características da
distribuição espacial de uma variável, especialmente padrões de associações espaciais (clusters
espaciais) (Anselin, 1996; Le Gallo e Ertur, 2003).
Como medida de dependência, usaremos o I de Moran, que é calculado como se segue:
I = (n/Σijwij) Σij wij(xi-μ)/Σi(xi-μ)2 , no qual n é o número de observações, x é a variável analisada,
μ é a média de x, wij são os elementos da matriz de pesos espaciais e os subscritos i e j se
referem aos pares de localizações.
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A sua interpretação é feita da seguinte forma: se a estatística I de Moran é positiva e
significativa, há evidências de autocorrelação espacial positiva e vice-versa.4 Seu valor será
computado a partir da abordagem das permutações, que requer uma distribuição empírica para
computar média e desvio-padrão, ao contrário da abordagem que considera a existência de
distribuição normal não-correlacionada para os dados e da abordagem da “aleatorização”
(randomization), que toma as observações como se elas fossem igualmente prováveis em cada
localização.
Segundo Anselin (1992), a abordagem da permutação realiza um reordenamento aleatório
dos valores observados sobre cada localização, calculando uma nova estatística I para cada
amostra. O valor da estatística I de Moran é comparado com a distribuição artificial da
estatística, sob a hipótese nula de ausência de associação espacial, o que significa ocorrência
das observações em qualquer lugar com igual probabilidade. Por causa das permutações, os
valores de probabilidade fornecidos devem ser vistos como níveis de pseudo-significância.
O valor global da autocorrelação espacial pode ser visualizado num mapa denominado de
Mapa do Diagrama de Dispersão de Moran (Moran Scatterplot Map). Sua construção dispõe os
dados em 4 grupos:
– Alto-Alto: relaciona unidades espaciais com valores elevados a vizinhos que também
apresentam valores altos;
– Baixo-Baixo: apresenta unidades espaciais com baixo valor cercadas por outras com
valores também baixos;
– Alto-Baixo: aponta unidades espaciais com alto valor que possuem vizinhos com baixo
valor;
– Baixo-Alto: mostra unidades espaciais com baixo valor que são vizinhas de outras com
alto valor.
Ainda que o I de Moran seja muito útil para fornecer uma indicação de agrupamento
global dos dados, esta medida precisa ser complementada por estatísticas locais. Os
indicadores “LISA” ou “Moran Local” cumprem este objetivo, indicando a significância dos
valores locais de agrupamentos espaciais e tendo soma proporcional ao indicador global.
Seguindo a notação de Varga (1998), sua fórmula pode ser expressa como:
Ii = [(xi-μ)/ (Σi(xi-μ)2/n)] Σjwij(xj-μ) , em que Ii é o Moran Local para a observação i e n, x, μ,
wij seguem notação anterior. Ele avalia a significância dos agrupamentos espaciais locais,
conhecidos como hot spots, e indica focos (pockets) de não estacionaridade espacial
(localizações atípicas). De forma similar ao indicador I de Moran, o “Moran Local” pode ser
visualizado no Mapa de Significância de Moran (Moran Significance Map).
4
Com distribuição aleatória dos dados, o valor esperado do I de Moran é igual a –[1/(n-1)], segundo (Anselin, 1992).
107
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As informações fornecidas por esta técnica exploratória fornecem fundamentação empírica
para construção de especificações de modelos econométricos espaciais.
4.3.2. Econometria espacial
Os modelos de econometria espacial lidam com duas violações das suposições dos
modelos de regressão lineares padrões, que são os termos de erros correlacionados e variância
não constante. Em outras palavras, procuram lidar com o tratamento da dependência espacial
e da heterogeneidade espacial. Na dependência, os valores da variável dependente e/ou do
termo de erro numa localização são correlacionados com o valor das observações de
5
localizações próximas. A heterogeneidade pode ocorrer por causa de heterocedasticidade ou
por coeficientes que variam através do espaço. A heterocedasticidade, por sua vez, pode ser
devida à heterogeneidade regional ou à autocorrelação espacial. Diferentemente da
dependência espacial, tal heterogeneidade espacial pode ser tratada com técnicas
econométricas padrões (Anselin, 1992).
Segundo Anselin (1999), há duas maneiras de incorporar dependência espacial no modelo
de regressão linear padrão. Na primeira, adiciona-se um regressor adicional na forma de uma
variável dependente defasada espacialmente. Este é o modelo de defasagem espacial,
apropriado para avaliação da existência e grau de interação espacial. Na segunda, incorpora-se
a dependência espacial na estrutura de erro (E[εiεj ]≠0). Este é o modelo de erro espacial,
adequado para correção de vieses introduzidos pela autocorrelação espacial, devido ao uso de
dados espaciais.
De acordo com Anselin e Bera (1998), o modelo de defasagem espacial é formalmente
apresentado como se segue,
y = ρWy + Xβ + ε,
onde:
y é um vetor de observações para variável dependente Nx1;
X é uma matriz de observações sobre variáveis explicativas (exógenas);
ε é o vetor Nx1 do termo de erros;
ρ é o parâmetro auto-regressivo espacial, que mede a influência média dos vizinhos sobre
observações no vetor y, indicando a proporção da variação total em y explicada pela
dependência espacial;
5
Heterocedasticidade refere-se a uma violação dos pressupostos básicos do modelo de regressão linear que
ocorre quando os resíduos não possuem variância constante, ou seja, o nível de dispersão da variável dentro
dos grupos não é similar. As suas conseqüências refletem-se na obtenção de estimativas dos parâmetros de
regressão que são ineficientes, ou seja, não apresentam variância mínima, comprometendo a inferência
estatística.
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β é o vetor Kx1 de coeficientes de regressão; e
Wy é o termo de defasagem espacial, que é correlacionado com os distúrbios, mesmo
quando estes são independentes e identicamente distribuídos. Essa correlação com os
distúrbios é diferente do que ocorre nas séries temporais, em que yt-1 não é correlacionado com
e t na ausência de correlação serial nos erros. Na econometria espacial, (Wy)i é sempre
correlacionado com εi, a despeito da estrutura de correlação dos erros.
Dessa forma, o termo de defasagem espacial deve ser tratado como variável endógena e
métodos apropriados de estimação devem levar em conta tal endogeneidade, pois o uso dos
mínimos quadrados ordinários (MQO) resultará em estimadores viesados e inconsistentes.
Especificar um processo espacial para os termos dos erros é a segunda forma de incorporar
a autocorrelação espacial no modelo de regressão. Neste caso, Anselin (1999) afirma que a
covariância dos erros resultante será não-esférica. Assim, os elementos que estão fora da
diagonal da matriz de covariância expressarão a estrutura da dependência espacial e o método
de mínimos quadrados ordinários será ineficiente, embora ainda não viesado.
De acordo com Anselin e Bera (1998), a especificação mais comum para o processo
espacial auto-regressivo é a seguinte: y = Xβ + ε, sendo que ε = λWε + ξ, onde:
λ é o coeficiente auto-regressivo espacial para a defasagem de erro Wε, para distinguir da
notação do coeficiente espacial auto-regressivo r no modelo de defasagem espacial; e
ξ é o termo de erro não-correlacionado e homocedástico.
De forma alternativa, pode-se expressar esta estrutura como,
y = Xβ + (I – λW)-1ξ
A covariância do erro será igual à expressão abaixo:
E[εε’] = σ2 (I – λW)-1 (I – λW’)-1 = σ2 [(I – λW)’ (I – λW)]-1, que é uma estrutura idêntica para
a variável dependente no modelo de defasagem espacial. O processo de erro auto-regressivo
espacial conduz a uma covariância de erro não-zero entre cada par de observações, mas
decrescentes em magnitude com a ordem de contigüidade.
No nosso caso, usaremos o método de MQO disponível no programa SpaceStat 1.91 e
interpretaremos os seus testes de diagnóstico sobre normalidade dos erros (Jarque-Bera),
heterocedasticidade (Breusch-Pagan ou Koenker-Basset), dependência espacial (I de Moran e
Multiplicadores de Lagrange – LM – para erro (LM-ERRO) e defasagem espacial (LM-LAG) ou
para os dois ao mesmo tempo (LM-SARMA)), além do indicador de multicolinearidade
(“multicollinearity condition number”). Detalhes estatísticos sobre como estes testes funcionam
ou são construídos podem ser vistos em Anselin (1992; 1995). Se os testes de dependência
espacial forem significativos estatisticamente, serão implementadas estimações do modelo
usando os métodos econométricos que tratam da dependência espacial, seja na forma de
erro ou defasagem espaciais, conforme os resultados dos testes mencionados acima.
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5. ANÁLISE DOS RESULTADOS
As seções seguintes terão como objetivo: 1) realizar uma análise exploratória espacial da
variável que é objeto de explicação nas regressões, ou seja, patentes per capita; 2) tratar as
variáveis independentes do estudo através de técnica multivariada (análise fatorial), a fim de
condensar o conjunto de indicadores selecionados a partir da revisão da literatura e estabelecer
padrões de relação entre eles; 3) modelar a atividade tecnológica do estado de Minas Gerais, a
partir dos dois resultados obtidos anteriormente.
5.1. Análise exploratória de dados espaciais
O propósito desta seção é explorar as características espaciais da variável dependente
deste estudo, que é patente per capita. Com essa técnica podemos detectar a existência de
padrões de associações espaciais (clusters espaciais significativos) no estado de Minas Gerais.
Como os resultados desta técnica são sensíveis ao critério usado para definir a estrutura da
dependência espacial entre as unidades territoriais sob análise, usaremos dois conceitos de
vizinhança. No primeiro, esta é definida a partir do conceito de contigüidade binária. Neste,
são consideradas as interações espaciais existentes apenas entre os municípios que apresentam
fronteira comum (critério Queen). O segundo é o conceito dos k vizinhos mais próximos, em
que a matriz de pesos espaciais é construída a partir da distância do grande círculo entre os
centróides dos municípios. Construímos quatro matrizes baseadas neste conceito,
estabelecendo k igual a 5, 10, 15 e 20 (Anselin, 1992).
A Tabela 1 mostra os valores das estatísticas I de Moran para os conceitos de vizinhança
definidos acima. Embora possuam valores baixos, todos os coeficientes são significativos
estatisticamente, o que indica existência de autocorrelação espacial positiva. Isso significa que
municípios com valores elevados de patentes per capita são vizinhos de outros municípios com
valores semelhantes para esta variável (e vice-versa).
TABELA 1
Indicador global de autocorrelação espacial para patentes per capita
por municípios de Minas Gerais
Matriz de Pesos
I de Moran
Média
Desvio-Padrão
Probabilidade*
Queen
0,0458
-0,0012
0,0206
0,0254
5 vizinhos mais próximos
0,0530
-0,0010
0,0203
0,0155
10 vizinhos mais próximos
0,0486
-0,0010
0,0144
0,0025
15 vizinhos mais próximos
0,0485
-0,0010
0,0117
0,0007
20 vizinhos mais próximos
0,0372
-0,0010
0,0101
0,0016
*Pseudo-significância empírica baseada em 10.000 permutações.
Fonte: elaboração própria com base no programa SpaceStat.
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Na Figura 1 temos o diagrama de dispersão de Moran, que é a forma de visualizar o
indicador global de autocorrelação espacial.6 O mapa fornece uma visão geral da taxa de
patenteamento por municípios em Minas Gerais e indica o sinal da associação espacial em
diferentes áreas.
É possível observar que associações de municípios de alta atividade tecnológica que são
vizinhos de municípios com desempenho similar (classificação Alto-Alto) ocorrem nas regiões
mais desenvolvidas do Estado, a citar, região metropolitana de Belo Horizonte, sul do Estado,
Triângulo Mineiro e Zona da Mata, em detrimento das regiões ao Norte do Estado. Isso sugere a
existência de um regime de desenvolvimento tecnológico do tipo Norte-Sul no estado de
Minas Gerais. Entretanto, este diagrama não permite inferência estatística sobre o processo de
patenteamento no Estado. É preciso calcular estatísticas de autocorrelação espacial locais
(LISA) que indiquem a significância estatística dos agrupamentos espaciais vistos neste mapa.
Elas irão dizer se o agrupamento existente é estatisticamente significativo ou não.
A Figura 2 é conhecida como Mapa de Significância de Moran, o qual permite visualizar
os regimes espaciais da atividade tecnológica de Minas Gerais que são estatisticamente
significativos. As evidências apontam existência de agrupamento espacial do tipo Alto-Alto
apenas na região central do Estado, ao redor da área metropolitana de Belo Horizonte. A região
formada por estes municípios possui condições para compartilhar e internalizar possíveis
transbordamentos tecnológicos.
FIGURA 1
Mapa do diagrama de dispersão de Moran para patentes per capita
Fonte: elaboração própria com base no programa ArcView-GIS.
6
Os dois mapas apresentados (Figuras 1 e 2) utilizaram a matriz de pesos com base no critério Queen. Os
mapas produzidos com os outros critérios da Tabela 1 são similares.
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Além de mostrar o grau de desigualdade da atividade tecnológica do Estado, o mapa de
significância de Moran reforça a importância dos atributos urbanos (metropolitanos) para o
desenvolvimento tecnológico, especialmente no caso de Minas Gerais que possui uma
estrutura urbana não integrada e caracterizada pelo elevado número de pequenas cidades, que
não possuem infra-estrutura urbana e tecnológica que sejam favoráveis ao desenvolvimento
tecnológico mais equilibrado. A preponderância da região metropolitana de Belo Horizonte é
coerente com o desequilíbrio da estrutura urbana dos estados brasileiros, mais polarizada que
no caso norte-americano (Ruiz, 2004).
Como se pode notar, outras áreas do Estado, classificadas como agrupamentos espaciais
Alto-Baixo, estão dispersas geograficamente, refletindo a fragilidade do sistema estadual de
inovação. Além disso, algumas delas apenas se destacam, como regiões do tipo Alto-Baixo, em
função da ausência de atividade tecnológica dos seus vizinhos contíguos. A maior parte do
Estado possui atividade tecnológica não significativa estatisticamente ou não possui nenhum
registro de patente (área branca do mapa).
FIGURA 2
Mapa de significância de Moran para Minas Gerais – patentes per capita
Fonte: elaboração própria com base no programa ArcView-GIS.
A próxima seção tem o objetivo de tratar e preparar as variáveis independentes para a
seção que tenta modelar os determinantes da atividade inovadora.
112
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5.2. Análise fatorial
As Tabelas 2, 3 e 4 mostram os resultados da análise fatorial aplicada sobre as 11 variáveis
descritas na seção 4.1, abrangendo 853 municípios mineiros. A medida de adequação geral da
amostra (KMO) situa-se em torno de 0,70, indicando um bom grau de ajuste entre as variáveis
e o método. O teste de Bartlett rejeita a hipótese nula de que a nossa matriz de correlação
entre as variáveis seja uma matriz identidade (Tabela 2).
A partir do uso do método de rotação ortogonal varimax, foi possível extrair quatro fatores
que possuem raízes características superiores à unidade. Eles explicam 81% da variabilidade
total dos 14 indicadores selecionados (Tabela 3). Isso significa que a perda de informação é de
apenas 19%, ao mesmo tempo em que a complexidade do banco de dados é reduzida
substancialmente, pois, ao invés de 14 variáveis, poderemos trabalhar com quatro.
TABELA 2
Testes de adequação da amostra à análise fatorial
Medida de Adequação da Amostra de Kaiser-Meyer-Olkin
0,7000
Teste de Esfericidade de Bartlett
ESTATÍSTICA χ2
Graus de liberdade
Probabilidade
18.537,61
91
0,000
Fonte: elaboração própria com base no programa SPSS 11.5.
TABELA 3
Raízes características e percentual de variância explicada pelos fatores
Fatores Extraídos
Raízes Características
Variância (%)
Variância Acumulada (%)
1
2
3
4
4,758
3,362
2,154
1,052
33,98
24,02
15,39
7,52
33,98
58,00
73,39
80,90
Fonte: elaboração própria com base no programa SPSS 11.5.
A Tabela 4 mostra as comunalidades, que descrevem a quantidade de variância levada em
consideração por cada variável. Quando são altas, como na maioria mostrada, indicam que os
113
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componentes extraídos representam bem a variável. A pior representação ocorre para a
variável “Força de Trabalho com Formação Tecnológica”. Em seguida, temos a variável “Grau
de Industrialização” com comunalidade de 0,55. Neste caso, porém, mais da metade de sua
variância é reproduzida pelos fatores comuns.
A Tabela 5 apresenta as cargas fatoriais. O valor de cada coeficiente da tabela resume a
relação existente entre cada uma das variáveis e os respectivos fatores. É importante notar que
a rotação dos fatores foi bem sucedida, pois cada variável apresenta forte relação com apenas
um fator, o que facilita sua interpretação. Apenas foram apresentados os coeficientes com valor
acima de 0,50, para facilitar a visualização e a interpretação dos resultados.
O primeiro fator, que leva em consideração cerca de 34% da variância de todas as
variáveis (Tabela 3), é mais altamente correlacionado com as variáveis vinculadas às “Empresas
Dinâmicas” (Tabela 5). Dessa forma, poderemos dar ao primeiro fator este nome (Fator 1:
“Empresas Dinâmicas”).
TABELA 4
Comunalidades dos indicadores selecionados
Variáveis
Amenidades Culturais
Capacidade de Pesquisa Universitária
Densidade de Emprego
Escolaridade da População Adulta
Especialização Industrial (Índice de Herfindahl)
Exportações de Empresas Dinâmicas
Força de Trabalho com Formação Tecnológica
Grau de Concentração Econômica (CR4)
Grau de Industrialização
Importações de Empresas Dinâmicas
População
Renda
Valor Adicionado por Empresas Dinâmicas
Valor Bruto da Produção de Empresas Dinâmicas
Fonte: elaboração própria com base no programa SPSS 11.5.
114
Comunalidades
0,8098
0,7299
0,9198
0,7458
0,6450
0,9828
0,3177
0,7390
0,5492
0,9660
0,9649
0,9794
0,9808
0,9965
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TABELA 5
Matriz de componentes após rotação Varimax
Fatores
Variáveis
Amenidades Culturais
Capacidade de Pesquisa Universitária
Densidade de Emprego
Escolaridade da População Adulta
Especialização Industrial (Índice de Herfindahl)
Exportações de Empresas Dinâmicas
Força de Trabalho com Formação Tecnológica
Grau de Concentração Econômica (CR4)
Grau de Industrialização
Importações de Empresas Dinâmicas
População
Renda
Valor Adicionado por Empresas Dinâmicas
Valor Bruto da Produção de Empresas Dinâmicas
1
2
3
4
0,8500
0,8320
0,9570
0,7520
-0,8020
0,9900
-0,8390
0,6770
0,9800
0,9650
0,9870
0,9950
0,9800
Fonte: elaboração própria com base no programa SPSS 11.5.
O segundo fator, que explica cerca de 24% da variabilidade total dos dados (Tabela 3),
apresenta coeficientes de elevada magnitude e positivos. Pode-se denominar tal fator de
“Escala Urbana” (Fator 2: “Escala Urbana”), porque todas as quatro variáveis, renda,
população, densidade de emprego e amenidades culturais, são características de cidades de
grande porte.
O terceiro fator, que representa 15% da variância total, opõe municípios com alto grau de
concentração econômica e especialização industrial a outros que possuem alto grau de
industrialização e percentual elevado de pessoas adultas com mais de 11 anos de estudo
(Tabela 5). Em outras palavras, os municípios muito industrializados apresentam diversificação
setorial e população qualificada. O trade-off apresentado acima e o sinal negativo das variáveis
com maior relação com este fator (CR4 e Índice de Herfindahl) permitem que ele seja
denominado por “diversidade industrial e ausência de concentração econômica” (Fator 3:
“Diversidade Industrial”).
O quarto fator, que explica 7,5% da variância (Tabela 2), possui forte relação com uma
única variável, que é a quantidade de doutores per capita, proxy da capacidade de realizar
pesquisa universitária (Tabela 4). Assim, este será o nome deste fator (Fator 4: “P&D
Universitário”).
115
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Na análise fatorial a ordem de importância dos fatores, em termos de capacidade de
explicação da variância total, fornece informações relevantes, porque o primeiro fator é o que
melhor explica a variabilidade do conjunto total de indicadores. Portanto, a presença de
“Empresas Dinâmicas” é o principal fator em termos de caracterização e diferenciação dos
municípios mineiros. Ele explica a variância em quase 50% mais, que o segundo fator
considerado mais importante (“Escala Urbana”). A contribuição mais modesta (7,5%) é a do
fator “P&D Universitário”, o que é coerente com o número reduzido de municípios (apenas 9)
que possuem doutores nas áreas relevantes selecionadas.7 Ou seja, a grande maioria dos
municípios não se diferencia em termos desta variável.
Na próxima seção, os escores fatoriais obtidos nesta etapa serão usados nas regressões e as
variáveis independentes serão classificadas de acordo com esta seção.
5.3. Econometria espacial
A Tabela 6 mostra os resultados obtidos pelo método dos mínimos quadrados ordinários,
como primeira tentativa de modelar a atividade tecnológica dos municípios de Minas Gerais.
Esta Tabela é dividida em três partes. Na primeira, mostram-se os coeficientes estimados, seus
desvios-padrões, estatísticas t e valor de probabilidade. Na segunda, apresentam-se os testes
para normalidade dos erros e heterocedasticidade, além do indicador de multicolinearidade e
do grau de ajuste do modelo. Na terceira, encontram-se os testes de diagnóstico para
dependência espacial.
O primeiro ponto a ser observado é que todos os coeficientes são altamente significativos e
possuem coeficiente com valor positivo, como esperado. Em relação às variáveis
independentes provenientes da análise fatorial, destaca-se a “escala urbana” por causa da
magnitude de seu coeficiente. Esse resultado revela que, também no estado de Minas Gerais, as
economias de urbanização exercem forte influência sobre a inovação, quando medida por
patentes. Em seguida, temos a “diversidade industrial” como fator mais importante na
determinação da atividade tecnológica. Dessa forma, “escala urbana” e “diversidade industrial”
são os atributos ausentes na grande maioria dos municípios mineiros, pois apenas 2,7% (23)
destes possuía população superior a 100 mil habitantes no ano de 2000. Estes pequenos
municípios possuem estrutura econômica concentrada, em que os quatro maiores
estabelecimentos dominam maior parcela do emprego (CR4), e têm estrutura industrial
especializada.
A presença de “empresas dinâmicas” no tecido industrial do município e de universidades
com professores qualificados em áreas relevantes para indústria também se apresentam como
determinantes significativos da atividade tecnológica mineira, embora sejam menos
7
Belo Horizonte, Viçosa, Lavras, Uberlândia, Ouro Preto, Itajubá, Juiz de Fora, Uberaba e Diamantina.
116
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importantes que os dois fatores anteriormente citados. Isso reflete, em parte, a fragilidade do
sistema de inovação nacional, traduzida por Albuquerque et al. (2002) como imaturidade e
concentração.
A imaturidade ocorre por causa da estrutura industrial brasileira, marcada por setores de
baixa e média intensidade tecnológica. Isso se reflete no baixo peso dos gastos de P&D em
relação aos gastos totais com inovação no Brasil (16,8%) e em uma elevada participação dos
gastos com máquinas e equipamentos – 52,1% (IBGE, 2002b).8 O peso deste tipo de atividade
inovadora claramente confirma a condição de atraso tecnológico do país e reflete a
característica de “absorção passiva” destacada por Viotti (2002).
TABELA 6
Regressão por MQO e testes de diagnóstico para dependência espacial
Variáveis Independentes
Constante
Empresas Dinâmicas
Escala Urbana
Diversidade Industrial
P&D Universitário
R_POS
R2 (ajustado)
Condição de Multicolinearidade
Jarque-Bera
Koenker-Basset
White
Moran
LM (erro)
LM robusto (erro)
LM (lag)
LM robusto (lag)
LM (SARMA)
Coeficiente
Desvio-Padrão
t
Probabilidade
0,0818
0,0300
0,1416
0,0989
0,0498
2,1861
0,0075
0,0075
0,0075
0,0075
0,0075
0,0556
10,82
4,01
18,88
13,10
6,65
39,31
0,0000
0,0001
0,0000
0,0000
0,0000
0,0000
0,7292
1,1986
77.367,39 ***
116,17 ***
177,27 ***
1,8809NS
3,2147NS
1,6364NS
1,6348NS
0,0565NS
3,2713NS
Nota: NS= Não Significativo; *** Significativo a 1%.
Obs.: N= 853; Variável Dependente: Patentes per Capita.
Fonte: elaboração própria com base no programa SpaceStat 1.91.
8
O restante dos gastos com inovação no Brasil é dividido da seguinte forma: 14,8% com projeto industrial e
outras preparações técnicas, 6,4% com a introdução das inovações tecnológicas no mercado, 5,2% com a
aquisição de outros conhecimentos externos, 2,8% com a aquisição externa de P&D e 1,9% com o
treinamento.
117
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A concentração se deve ao peso do estado de São Paulo no que se refere à atividade
produtiva e tecnológica. O Estado concentrava, em 1998, cerca de 42% dos doutores em
instituições de ensino e cerca de um terço dos alunos e instituições de ensino superior,
assim como do número de alunos dos programas de pós-graduação vinculados a áreas de
formação tecnológica (Diniz e Gonçalves, 2000). Segundo Albuquerque (2003), 48,7% das
patentes depositadas no INPI, referentes ao período 1990-2000, era do estado de São
Paulo.
Outra variável significativa, incluída entre os regressores, foi a dummy R_POS, que foi
adicionada para controlar observações discrepantes da amostra, ao invés de se retirar tais
municípios do exercício econométrico. 9 A sua inclusão obedeceu ao seguinte critério:
ordenamos os resíduos obtidos num primeiro modelo que utilizava apenas as quatro variáveis
independentes e criamos a dummy para aqueles que apresentavam resíduo maior que três
desvios-padrões.10 No caso destes municípios, as variáveis independentes consideradas pelo
modelo não são capazes de explicar sua performance tecnológica. Se somados, eles
registraram 127 dos 1.422 depósitos de patentes do período 1999-2001. Fatores exógenos ao
modelo, como espírito criativo e empreendedor e especialização no setor mobiliário, como é o
caso de Ubá, devem ser relevantes para explicar tal atividade tecnológica, uma vez que os
fatores usados no modelo não são suficientes para explicá-los.
A segunda parte da Tabela 6 mostra que o grau de ajuste do modelo é relativamente alto
(73%) e que os resíduos não são normais, uma vez que a estatística Jarque-Bera é significativa a
1%, sendo capaz de rejeitar a hipótese nula de normalidade. Por causa do uso da análise
fatorial, a condição de multicolinearidade está muito abaixo do nível máximo de tolerância,
sugerido em Anselin (1992), que é 30. Este indicador somente não possui valor unitário, que é
o mínimo possível, por causa da inclusão da variável dummy. Os testes de Koenker-Basset e de
White sugerem a ocorrência de heterocedasticidade. Diante disso, as inferências realizadas
anteriormente devem ser revistas sob novas estimações que leve em consideração desviospadrões corrigidos, para permitir uma inferência robusta (Anselin, 1992).
Antes de procedermos a esta etapa de re-estimação, é preciso analisar a terceira parte da
Tabela 6. Nenhum dos testes de especificação de dependência espacial, relativos à defasagem
espacial, é significativo. Isso equivale dizer que o patenteamento per capita dos vizinhos não é
determinante significativo da atividade tecnológica de um município. Em outras palavras, não
existem transbordamentos de conhecimento entre os municípios mineiros, quando a atividade
tecnológica é medida por patentes. Dessa forma, os municípios que desenvolveram tecnologia
no período 1999-2001 apresentaram-se como enclaves tecnológicos, sem interação espacial
9
10
A inserção desta variável dummy para controlar outliers não influência qualitativamente os resultados do
modelo.
Dezesseis municípios foram considerados outliers por este critério: Salto da Divisa, São Geraldo, Ubá,
Presidente Juscelino, Santa Luzia, Ouro Preto, Aimorés, Pirapora, Santo Antônio do Monte, Liberdade,
Matutina, Paraisópolis, Borda da Mata, Extrema, Claraval e Araxá.
118
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com os municípios contíguos. Esse resultado se explica pela existência de barreiras espaciais à
difusão dos conhecimentos tecnológicos entre os municípios, como: baixos índices de
industrialização, de escolaridade superior da população, de doutores, de empregados com
formação tecnológica, de diversidade industrial e tecnológica e altos níveis de concentração
empresarial impediam a difusão espacial da atividade tecnológica entre as microrregiões
brasileiras.
As barreiras espaciais guardam íntima conexão com a rede urbana do Estado. Ao contrário
de São Paulo, o estado de Minas Gerais não possui uma densa e complexa rede urbana, capaz
de atrair atividades de alta tecnologia ou de absorver quaisquer transbordamentos de
conhecimento tecnológico originados em municípios vizinhos. Naquele estado, a rede de
cidades de porte médio apresenta-se como alternativa de investimento para capitais que
procuram outros sítios em função de possíveis deseconomias de aglomeração da área
metropolitana de São Paulo. Isso já ocorreu na experiência de reversão da polarização
brasileira nas décadas de 1970 e 1980, em que os investimentos ficaram retidos nas
proximidades de São Paulo, dando origem a um processo de desconcentração com extensão
limitada, conforme descrito em Diniz (1993; 1999).
Há razões para supormos que a heterocedasticidade constatada na Tabela 6 seja causada
pela existência de dois regimes espaciais de atividade tecnológica no estado de Minas Gerais,
associados ao tamanho das cidades. Em outras palavras, se dividirmos o estado de Minas
Gerais em dois grupos de municípios, provavelmente encontraremos coeficientes diferentes
para as variáveis testadas. Assim, testaremos a hipótese nula de que os coeficientes são os
mesmos em ambos os regimes espaciais, definido por uma variável indicadora. Esta assume
valor unitário caso o município tenha população superior a 100 mil habitantes, que no caso de
Minas Gerais constitui um grupo de apenas 23 municípios, segundo a divisão territorial de
2000, e assume valor zero se o município apresenta população menor. A possível instabilidade
estrutural dos parâmetros será avaliada pelo teste de Chow.
Segundo Anselin (1992), há duas opções de estimações para nosso caso. Na primeira,
estima-se um modelo por MQO que leve em consideração a possibilidade de mudança
estrutural no espaço. Na segunda, estima-se um modelo de erro heterocedástico, em que a
variável heterocedástica é construída a partir de uma variável indicadora categórica, que no
nosso caso, é aquela que divide o estado de Minas Gerais em dois grupos de municípios de
acordo com o tamanho de suas populações. Ambos os modelos são estimados (Tabela 7 e 8) e
mostram resultados convergentes e coerentes, sendo suficientes para lidar com o problema de
heterocedasticidade.
A Tabela 7 é dividida em cinco partes. Primeiro, vale notar que a estatística do teste de
Chow é altamente significativa (4ª parte), rejeitando a hipótese nula de que os coeficientes são
iguais para o conjunto de cidades mineiras. O teste sobre os coeficientes individuais (3ª parte)
confirma o teste conjunto, pois afirma que a relação entre patentes per capita e todos os fatores
é significativamente diferente em cada regime espacial, ainda que os níveis de significância
119
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variem. 11 O modelo continua apresentando erros não normais e ausência de multicolinearidade. A 4ª parte da tabela também revela que o problema de heterocedasticidade foi
resolvido através da estimação do modelo a partir da abordagem de regimes espaciais,
conforme resultado do teste de Koenker-Basset.
As cidades consideradas pequenas (abaixo de 100 mil habitantes) possuem coeficientes
com nomes seguidos de 0 como sufixo. As cidades médias e grandes possuem sufixo 1. No
caso das primeiras, todos os fatores apresentam-se significativos a 1%, com exceção de
“empresas dinâmicas” (significativo a 3%). No caso das cidades maiores, todos os fatores são
altamente significativos e apresentam sinal esperado, com exceção do fator “P&D
Universitário”, que apresenta resultado contra-intuitivo, por causa do sinal negativo. Além
disso, sua significância estatística não é muito robusta (8%), o que levanta suspeita a respeito
de sua real influência sobre a atividade tecnológica.
O resultado contra-intuitivo referente ao “P&D Universitário” pode estar associado a um
traço do sistema nacional de inovação brasileiro, que é a falta de conexão entre a produção
científica e a atividade tecnológica (Albuquerque et al., 2002), especialmente no caso de Minas
Gerais, em que já fora constatada a predominância de patentes em setores de baixa tecnologia
ou na classe tecnológica conhecida como “escala-intensiva” (Silva et al., 2000). Isso tornaria a
presença da capacidade de realizar pesquisas universitárias menos importante para o atual
estágio tecnológico do Estado.
11
O programa SpaceStat não gera estimativas para desvio-padrão e estatística t, neste caso.
120
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ATIVIDADE TECNOLÓGICA DE MUNICÍPIOS DE MINAS GERAIS
TABELA 7
Resultados da regressão com MQO para dois regimes espaciais
Variáveis Independentes
Coeficiente
Desvio-Padrão
t
Probabilidade
Constante_0
Empresas Dinâmicas_0
Escala Urbana_0
Diversidade Industrial_0
P&D Universitário_0
R_POS_0
0,0951
0,1436
0,2916
0,0951
0,0427
2,2051
0,0086
0,0650
0,0468
0,0079
0,0076
0,0569
11,02
2,21
6,23
12,09
5,64
38,72
0,0000
0,0273
0,0000
0,0000
0,0000
0,0000
Constante_1
Empresas Dinâmicas_1
Escala Urbana_1
Diversidade Industrial_1
P&D Universitário_1
R_POS_1
-0,0825
0,0285
0,1422
0,3144
-0,1748
1,4063
0,1532
0,0090
0,0123
0,0887
0,0969
0,2300
-0,54
3,15
11,55
3,54
-1,80
6,11
0,5901
0,0017
0,0000
0,0004
0,0716
0,0000
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
0,2472
0,0795
0,0021
0,0140
0,0255
0,0008
Estabilidade dos Coeficientes Individuais
Constante_0
1,3489
Empresas Dinâmicas_0
3,0831
Escala Urbana_0
9,5478
Diversidade Industrial_0
6,0624
P&D Universitário_0
5,0063
R_POS_0
11,3616
R2 (ajustado)
Condição de Multicolinearidade
AIC
0,7397
7,2142
-193,36
Moran
LM (erro)
LM robusto (erro)
2,2283**
4,5650**
2,0795 NS
Chow
Jarque-Bera
Koenker-Basset
6,6929 ***
95.532,59 ***
0,0052 NS
LM (lag)
2,6575NS
LM robusto (lag) 0,1720NS
LM (SARMA)
4,7370NS
Nota: NS= Não Significativo; *** Significativo a 1%; ** Significativo a 3%.
Obs.: N= 853; Variável Dependente: Patentes per Capita.
Fonte: elaboração própria com base no programa SpaceStat 1.91.
Quanto às cidades pequenas, a relação entre “P&D Universitário” e patentes per capita
parece ser mais robusta. Neste caso, as universidades podem estar funcionando como âncoras
do sistema local de pesquisa, exercendo diretamente um papel de liderança na atividade
121
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tecnológica ou indiretamente por meio de transbordamentos de conhecimento intramunicipais,
especialmente em Viçosa, Lavras, Ouro Preto e Itajubá.
A 5ª parte da tabela mostra os testes de diagnóstico para dependência espacial. As
evidências apontam para autocorrelação espacial no termo de erro, embora as evidências
sejam frágeis porque tanto o I de Moran quanto o Multiplicador de Lagrange são testes que
requerem normalidade dos erros, condição esta não atendida pelo modelo.
A Tabela 8 contém duas principais diferenças em relação à Tabela 7. A primeira é relativa
ao método de estimação usado, que é o de Mínimos Quadrados Generalizados Estimados
(Feasible Generalized Least Squares – FGLS). Segundo Anselin (1992), o objetivo da estimação
FGLS do modelo de erro heterocedástico é obter estimativas consistentes para os elementos da
variância do erro. A segunda diz respeito ao conteúdo da Tabela 8, que possui estimativas para
variância do erro de cada regime espacial. Na 4ª parte desta tabela, nota-se que os municípios
pequenos possuem coeficiente para a variância do erro igual a 0,0452; enquanto que os
médios e grandes possuem variância igual a 0,0503.
A 5ª parte da Tabela 8 mostra que o modelo não possui heterocedasticidade pelo teste de
Wald, sendo que o teste de Chow, baseado na estatística de Wald assintótica (Anselin, 1992),
confirma a existência dos dois regimes espaciais em Minas Gerais. Em síntese, os resultados da
Tabela 8 reforçam aqueles encontrados na Tabela 7. Isso também acontece no caso dos
diagnósticos espaciais. No procedimento de estimação do modelo heterocedástico de erro por
meio de FGLS, os dois testes realizados pelo programa também sugerem a incorporação de um
termo de erro espacial no modelo, tendo em vista a sugestão do teste do Multiplicador de
Lagrange, que detectou a presença de dependência espacial do erro através da matriz espacial
de pesos usada (Queen). Esse diagnóstico significa que aqueles fatores não modelados na
equação de regressão são espacialmente correlacionados.
122
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TABELA 8
Modelo de erro heterocedástico: estimação por FGLS
Variáveis Independentes
Coeficiente
Desvio-Padrão
t
Probabilidade
Constante_0
Empresas Dinâmicas_0
Escala Urbana_0
Diversidade Industrial_0
P&D Universitário_0
R_POS_0
0,0951
0,1436
0,2916
0,0951
0,0427
2,2051
0,0086
0,0644
0,0464
0,0078
0,0075
0,0565
11,11
2,23
6,29
12,19
5,69
39,06
0,0000
0,0258
0,0000
0,0000
0,0000
0,0000
Constante_1
Empresas Dinâmicas_1
Escala Urbana_1
Diversidade Industrial_1
P&D Universitário_1
R_POS_1
-0,0825
0,0285
0,1422
0,3144
-0,1748
1,4063
0,1601
0,0094
0,0129
0,0927
0,1013
0,2405
-0,52
3,02
11,05
3,39
-1,73
5,85
0,6061
0,0026
0,0000
0,0007
0,0844
0,0000
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
0,2679
0,0769
0,0019
0,0184
0,0323
0,0012
0,0022
0,0148
20,37
3,39
0,0000
0,0007
Estabilidade dos Coeficientes Individuais
Constante_0
1,2277
Empresas Dinâmicas_0
3,1299
Escala Urbana_0
9,6435
Diversidade Industrial_0
5,5531
P&D Universitário_0
4,5849
R_POS_0
10,4596
Coeficientes Heterocedásticos
Grande_0
Grande_1
0,0452
0,0503
R2 (ajustado)
Wald
Chow-Wald
0,7431
0,1132NS
38,4823***
LM (erro)
LM (lag)
4,5428**
2,5434NS
Nota: NS= Não Significativo; *** Significativo a 1%; ** Significativo a 3%.
Obs.: N= 853; Variável Dependente: Patentes per Capita.
FGLS= Feasible Generalized Least Squares (Mínimos Quadrados Generalizados Estimados).
Fonte: elaboração própria com base no programa SpaceStat 1.91.
123
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Como esforço final de estimação, apresentamos a Tabela 9. Usamos um modelo de erro
espacial estimado pelo Método Generalizado dos Momentos (GM) em dois estágios, uma vez
que todos os modelos tiveram indícios de não normalidade dos erros (Anselin, 1999).
TABELA 9
Modelo de erro espacial pelo método GM – 2 estágios
Variáveis Independentes
Coeficiente
Desvio-Padrão
t
Probabilidade
Constante_0
Empresas Dinâmicas_0
Escala Urbana_0
Diversidade Industrial_0
P&D Universitário_0
R_POS_0
0,0935
0,1388
0,2469
0,0969
0,0444
2,2110
0,0097
0,0565
0,0459
0,0081
0,0075
0,0561
9,68
2,46
5,38
12,02
5,92
39,42
0,0000
0,0141
0,0000
0,0000
0,0000
0,0000
Constante_1
Empresas Dinâmicas_1
Escala Urbana_1
Diversidade Industrial_1
P&D Universitário_1
R_POS_1
-0,1090
0,0288
0,1419
0,3206
-0,1744
1,3928
0,1669
0,0089
0,0121
0,0898
0,1013
0,2268
-0,65
3,24
11,70
3,57
-1,72
6,14
0,5140
0,0012
0,0000
0,0004
0,0849
0,0000
LAMBDA
0,1224
0,0000
0,00
0,0000
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
–
0,2260
0,0546
0,0269
0,0131
0,0311
0,0005
Estabilidade dos Coeficientes Individuais
Constante_0
1,4660
Empresas Dinâmicas_0
3,6935
Escala Urbana_0
4,8964
Diversidade Industrial_0
6,1581
P&D Universitário_0
4,6461
R_POS_0
12,2603
R2 (buse)
Chow - Wald
0,7429
35,5471***
Nota: NS= Não Significativo; *** Significativo a 1%.
Obs.: N= 853; Variável Dependente: Patentes per Capita.
GM= Generalized Moments (Método Generalizado dos Momentos).
Fonte: elaboração própria com base no programa SpaceStat 1.91.
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Também consideramos os dois regimes espaciais de inovação de Minas Gerais. Em relação
às tabelas anteriores, os resultados são qualitativamente os mesmos, embora as estimativas
estejam corrigidas para a dependência espacial do erro. Note que o parâmetro ë é considerado
um termo de distúrbio (nuisance) e não há inferência sobre ele, desde que não possui
estimativa de desvio-padrão, estatística t e valor de probabilidade.12
6. CONCLUSÕES
Este trabalhou constatou, através de técnicas estatísticas apropriadas, que a atividade
tecnológica de Minas Gerais é muito concentrada espacialmente. A estatística usada para
medir a dependência espacial (I de Moran), tomando Minas Gerais como um todo, apresentou
valor positivo. Isso quer dizer que municípios com alta atividade tecnológica tendem, em geral,
a ser vizinhos de outros com desempenho similar, e vice-versa. A análise exploratória também
revelou que agrupamentos espaciais estatisticamente significativos (clusters espaciais), que
pertencem ao regime Alto-Alto, estão ao redor da área metropolitana do Estado. Este tipo de
cluster (Alto-Alto) é o mais relevante em termos de potencial econômico e tecnológico porque
revela a existência de transbordamentos de conhecimento entre os municípios e,
possivelmente, complementaridade produtiva, sendo que o dinamismo tecnológico de um está
intimamente associado ao dos outros. Outros clusters do tipo Alto-Baixo, que se assemelham a
ilhas tecnológicas, também podem ser encontrados de forma dispersa pelo Estado, embora em
reduzida quantidade, se comparado com os agrupamentos não significativos ou que não
registram patentes.
Para fins de modelagem econométrica, a análise exploratória de dados espaciais sugeriu o
peso dos atributos urbanos para inovar, especialmente as economias de urbanização
disponíveis na região metropolitana de Belo Horizonte. No caso de Minas Gerais, a estrutura
urbana é mais desequilibrada que a do Sul do país ou em relação à de São Paulo. Isso impõe
sérias limitações a um processo de desenvolvimento tecnológico menos concentrado.
Os modelos econométricos confirmam a dependência que a inovação possui em relação
aos atributos urbanos e industriais. A escala urbana afetou positivamente o patenteamento per
capita, assim como o grau de diversidade industrial do município. A presença de empresas que
diferenciam seus produtos e que possuem intensa inserção externa (“empresas dinâmicas”) é
um elemento que potencializa a inovação, coerentemente com os argumentos da literatura
internacional sobre o papel da exportação e importação. O único resultado que não ocorreu
como esperado foi o relativo à capacidade de realizar pesquisas universitárias em áreas
relevantes para indústria, no caso de municípios maiores que 100 mil habitantes. Neste grupo,
12
Embora não sejam apresentados aqui, o modelo de erros espaciais também foram estimados através das outras
duas opções do programa SpaceStat, que são Método Generalizados dos Momentos Iterado e Groupwise
Heteroskedasticity. Os resultados são análogos e qualitativamente similares.
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pode ser que o tecido industrial existente nestas cidades não esteja aproveitando a infraestrutura universitária disponível. Isso faz sentido se nos reportarmos à predominância, no
Estado, das classes tecnológicas conhecidas como “escala-intensiva”, coerentemente com sua
especialização produtiva.
Os resultados econométricos também sugeriram que transbordamentos de conhecimento
tecnológico não são determinantes da atividade tecnológica, quando consideramos todos os
municípios de Minas Gerais. Essa conclusão pôde ser alcançada porque os testes de especificação econométrica não apontaram como necessária a inclusão da variável dependente defasada, a qual, quando incluída como regressora e significativa estatisticamente, é interpretada
na literatura como evidência de transbordamento espacial. Entretanto, é possível que existam
transbordamentos no interior do agrupamento espacial do tipo AA, referente à área
metropolitana de Belo Horizonte, como sugerido pela análise exploratória de dados espaciais.
Este resultado também pode ser explicado pela estrutura urbana do Estado. A
predominância de pequenos municípios prejudica a inovação porque estes, em sua ampla
maioria, são caracterizados por estreito mercado consumidor, falta de infra-estrutura urbana
básica, baixa taxa de escolaridade superior da população adulta, baixo grau de industrialização
associada à ausência de diversidade industrial, alta índice de concentração econômica
empresarial, além de ausência de empresas dinâmicas ou de infra-estrutura científica. Em
síntese, eles não possuem economias de urbanização na escala requerida para gerar inovações,
seja porque os indivíduos empreendedores e criativos precisam de ambientes densos em que
haja fertilização cruzada ou porque as empresas inovadoras também possuem requisitos
locacionais que as conduzem para sítios mais favoráveis. Dessa forma, as pequenas cidades,
especialmente as mineiras, dificilmente conseguirão se equiparar às metrópoles e às cidades de
médio porte nacionais, que possuem excelente infra-estrutura urbana, em termos de
atratividade para inovação. Estas sempre terão maior variedade de serviços e maiores
economias de urbanização.
Alterar o quadro regional da atividade tecnológica de Minas Gerais é uma tarefa árdua,
porque implica reorganizar a distribuição espacial dos requisitos locacionais da inovação. Isso,
por sua vez, demandaria a criação de novas centralidades urbanas, o que seria custoso, ou
mesmo, inviável.
Entretanto, as nossas conclusões têm algumas implicações em termos de políticas públicas.
Primeiro, seria conveniente haver integração e complementaridade das políticas urbana e
tecnológica, as quais poderiam atuar em duas frentes.
Na primeira, as políticas públicas deveriam ter como alvo o incentivo à inovação e à
propriedade intelectual nos tecidos industriais já existentes em cada município. Isso poderia
ocorrer através de isenções tributárias para investimentos em P&D e financiamento de capital
de risco para empresas intensivas em tecnologia mais avançadas. Além disso, políticas de
suporte a iniciativas locais, que induzam empreendedorismo e que dêem condições de
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nascimento e desenvolvimento a pequenas e médias empresas (como incubadoras e parques
tecnológicos) também poderiam ser parte integrante das políticas públicas.
A segunda está relacionada com as recomendações de políticas urbanas, que tentam evitar
o fluxo migratório para regiões metropolitanas através de investimentos em infra-estrutura
urbana, como transporte, energia, saneamento básico e habitação nas pequenas cidades. Ao
melhorar as economias de urbanização das cidades pequenas e médias, novas atividades
produtivas poderiam ser atraídas que, aliadas às políticas de incentivo à inovação, poderiam
amenizar o quadro regional da atividade tecnológica no Estado.
Em suma, qualquer tentativa de melhorar a distribuição espacial das atividades
tecnológicas em Minas Gerais requer investimentos em economias de urbanização. Além
disso, é preciso que os pequenos municípios formem uma rede urbana integrada e
complementar à cidade que ocupa posição de destaque na hierarquia urbana de sua
mesorregião ou região de planejamento. Apenas com o aumento do número de atividades
econômicas nestes municípios pequenos é que as migrações em direção às grandes cidades
podem se reduzir. Então, a partir do aumento da importância produtiva destes municípios, a
sua atividade tecnológica poderá aumentar, o que também pode ser induzido e acelerado
através de políticas públicas.
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