Impacto psicológico de demolições e desalojamentos Jornal
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Impacto psicológico de demolições e desalojamentos Jornal Angolense 02 de Novembro de 2012 É curioso que, muitos acreditam neste paradigma. Ou seja, o próprio Estado, tornando a violência um facto habitual, ajuda a introjectar na cabeça e na alma das pessoas, a normalização da violência como algo aceitável. Forma-se um discurso epistémico em que se legitima a violência, de um lado, e como efeito, forma-se uma atitude de aceitação, quer por parte dos acólitos de quem manda, quer da parte de alguns pobres mal informados. Quando apareceu a ideia de se demolir no Lubango, com o famoso Decreto N.10 do Governo Provincial/2010, iniciou uma campanha em que o então Governador afirmava, entre tantas coisas que "O Estado tem de recuperar aquilo que o povo usurpou, pela ocupação de terras públicas ... ", "O povo não tem casas, mas casebres", etc. A linguagem da humilhação continuou, de modo subtil, pois estava ocupado a transportar as pessoas, os lugares escolhidos para o realojamento, tinham consigo um simbolismo claro de degredo: Tchavola, que significa podre, Tchimucua, que é um embondeiro grande e disforme e Tchltuno. que significa buraco, podendo significar até Tumba ou sepultura. São essas referências que repousam na memória colectiva dos mais velhos e velhas transportados para o local. O curioso é que entre os tais pobres vitimas das demolições, alguns aceitavam aquilo como normal. O que se constrói - dimensão sociocultural da construção da casa/lar. De acordo com o mundo cultural Bantu, a construção da casa tem várias etapas: a primeira é a escolha do local, que no passado tinha de ter bênção dos antepassados. A porta deve em princípio virar sempre para o oriente, pois é a primeira referência evocativa aos antepassados. Feita a casa, inicia o processo de sua construção cultural, religiosa e antropológica. Quanto mais antiga for a casa, mais fica recheada desse mundo espiritual. Ela é o espaço dos vivos e antepassados. Todos eles estão à volta do Lar para o proteger. No quintal, estão enterrados os umbigos das crianças que vão nascendo. As três pedras que seguram as panelas, servem para acolher visitas, sobre elas se pousam as patas das aves domésticas (galináceos), para que não se afastem fora do lar. Do ponto de vista histórico, são muitos os factores que se juntam na construção da casa. Muitos que foram erguendo, no Lubango, as suas casas, o fizeram com os subsídios de empregos, os estímulos da vida militar, a fabricação de cerveja caseira (makau) ou da aguardente (caporroto), venda de pastéis, etc. tudo isto gerou parcos recursos erguer as casas. Acto contínuo, os jovens que foram construindo as casas, voltavam às aldeias, na época, afectadas pela guerra civil, para buscar os pais, irmãos, primos, tios, a fim de os resgatar dos ataques militares. Muitas destas casas passaram de pais para filhos e deste para netos. Por outra, os terrenos da Tchavola, Tchimukua e Tchitunu não eram baldios. Viviam neles muitas famílias locais desde o princípio do séc. praticavam a agricultura e a pastorícia. Eram o único espaço que possuíam para a sua soberania alimentar. Havia igualmente cemitérios, onde repousavam pessoas de diversos estatutos. Desde os simples, até aos magnatas, suas tumbas encimadas por caveiras bovinas, para simbolizar o peso da riqueza que transportaram para a vida do além. As demolições, desalojamentos e realojamentos forçados. Perdas económicas Do lado económico, as perdas foram colossais. Muitos tractoristas não só derrubavam casas, mas passavam igualmente por cima dos haveres que estavam por dentro da moradia. Documentos, livros, fogões, etc. se perdeu ai. Em geral, os vizinhos constituem a rede de apoio social e económico de qualquer um de nós. Nessa situação, ninguém tinha nada, nem os vizinhos. O que sobrou do tractor, era atirado aos camiões basculantes. Uma vez no local de realojamento, muitos bens eram descarregados accionando o mecanismo basculante do camião. O que sobrou, sobretudo de bens sensíveis como electrodomésticos, ficava ao relento, exposto ao sol, chuva e salteadores. Outros tinham de alugar casas para poder subsistir e tentar continuar o ritmo da vida cruelmente quebrada. Era necessário ajudar as crianças na continuidade de seus estudos. Tal aluguer de espaços diminuiu imenso na renda familiar. As mulheres que se dedicam ao comércio informal, vulgo as zungueiras, perderam a sua fonte de rendimento, enquanto os homens que tinham alguns empregos, mesmo precários nalguns casos, tiveram de perder o seu emprego. As famílias encontradas tiveram de perder imediatamente os terrenos para lavras e pasto, interrompendo as colheitas. Algumas famílias, tendo perdido tudo e sem nenhum pataco para por na algibeira, venderam os lotes que lhes haviam sido outorgados pelo Estado e emigraram para outros pastos, sobretudo para o interior onde há terrenas para agricultura. Perdas não materiais Em pouco tempo, muitas famílias tiveram de se separar. Enquanto uma parte tinha de permanecer no terreno doado, para não o perder, outros eram obrigados a buscar sobrevivência doutro modo. A saúde era um dos serviços mais críticos para as famílias. Nos bairros onde viviam havia postos de saúde, mesmo sendo de baixa qualidade em termos de prestação de serviços. Num ápice, não têm nada, e para alcançar os serviços, têm de penar. O pouco de saúde que sobrou às pessoas ficou exposto ao perigo: crianças e adultos passaram a viver ao relento, sob terreno ensopado, debaixo dos aguaceiros constantes. Perdas psicológicas A perda da casa própria transtornou muitas pessoas. Muitas pessoas desmaiaram. Algumas nunca mais recuperaram. Observa-se que há muitos casos de bebedeira, de uso de drogas e prostituição no local. O facto de as pessoas terem perdido o estatuto etário, onde cada um tinha o seu espaço, complicou a vida. Os que calharam em tendas, foram obrigados a viver em espaços apertados e sem privacidade. A comunidade indígena perdeu-se e ficou sem espaços culturais e de referência. Os terrenos que consignados como de herança, de tios maternos para sobrinhos, perderam-se completamente. As árvores sagradas (omutiepanda) onde se enterras os prepúcios dos recém-circuncidados, ou onde repousam durante o dia, as meninas reclusas durante o tempo Resultados Faltam estudos compreensivos que ajudem a trazer à luz, os impactos causados pelas demolições. A ACC com ajuda das comunidades locais fez um levantamento rápido e deu conta de muitos traumas e feridas, algumas eventualmente concorrendo para a morte de pessoas. Mais de 24 mortos foi identificada ao longo de toda a Chavola. Houve homens que não aguentando mais os filhos e esposa, ficaram desesperados. Houve um caso de um homem que tendo sido abandonado pela sua esposa, pois ficou sem dinheiro e subsidio, regou a sua casinha de gasolina, ateou-se ao fogo e preferiu morrer a suportar a humilhação. Há idosos abandonados à sua sorte, sem se saber o que fazer-se com eles. Houve senhoras que tiveram nados-mortos, enquanto outras viram seus filhos morrer sem poder fazer nada. Os portadores de necessidades especiais não têm atenção especial requerida. Aumentou o crime na zona. As crianças, sendo as pessoas mais vulneráveis, são assaltadas em pela luz do dia. O trauma aumentava mais ainda quando apareciam entrevistas encomendadas a culpar na rádio, os pobres camponeses. Neste momento, o conflito entre as comunidades idas da cidade e realojadas no local e as comunidades encontradas não abateu. Parece estar sedimentado, mas contínua sub-reptício e não poderá desaparecer enquanto justiça não for feita. Falta, infelizmente, o serviço social e de aconselhamento, porque tal ajudaria imenso em ajudar a tratar as questões sociais pendentes como emprego e a lidar comas dificuldades cruéis da circunstância. Ainda hoje, a maior parte não conseguiu construir casas propriamente ditas. E o estigma continuou até há bem pouco tempo, sendo chamados de preguiçosos, porque não constroem.
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