Síndrome de Treacher Collins ou Síndrome de Franceschetti
Transcrição
Síndrome de Treacher Collins ou Síndrome de Franceschetti
Apresentando uma Síndrome - editado por Claudette H. Gonzalez Presenting a Syndrome Síndrome de Treacher Collins ou Síndrome de Franceschetti-Klein ou Disostose Mandíbulo-Facial Treacher Collins Syndrome or Franceschetti-Klein Syndrome or Mandibulofacial Dysostosis Claudette H. Gonzalez1 Resumo O autor discute as manifestações clínicas, o diagnóstico e o tratamento da síndrome de Treacher Collins. Em 1900 um oftalmologista britânico, o Dr. E. Treacher Collins 8, descreveu um paciente com anormalidade das pálpebras associadas à hipoplasia dos ossos malares. Posteriormente, Franceschetti & Klein3, em ampla revisão da doença, passam a denominá-la de disostose mandíbulo-facial. A literatura européia utiliza preferencialmente o epônimo síndrome de Franceschetti-Klein. Na literatura científica anglo-saxã a condição é conhecida como síndrome de Treacher Collins, denominação que adotamos. Manifestações clínicas2'4'5' (Figuras l, 2 e 3) A síndrome pode ser reconhecida já ao nascimento, dada a aparência facial característica do afetado. Fissuras palpebrais antimongolóides, ossos malares achatados, orelhas deformadas e queixo pequeno constituem uma figura clínica Instituto da Criança "Prof. Pedro de Alcantara" do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Unidade de Genética Clínica. 1. Professor Associado do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. que uma vez visualizada se torna inesquecível. Olhos. Ainda que a visão geralmente seja normal, há anomalias oculares importantes. As fissuras palpebrais apresentam-se inclinadas ínfero-lateralmente (obliqüidade antimongolóide). Há coloboma no terço externo da pálpebra inferior em 75% dos casos e uma falha de cilios na região mediai'ao coloboma é encontrada em 50% dos pacientes. Pode ocorrer também coloboma de íris. Os orifícios dos condutos lacrimáis inferiores podem estar ausentes assim como as glândulas de Meibomius. Estudos radiológicos mostram que as margens orbitais inferiores podem ser anômalas. A cavidade orbital, por sua vez, pode ter forma ovalada, com o teto inclinado ínfero-lateralmente. Nariz. Parece grande, devido à falta de desenvolvimento do osso malar. As narinas, freqüentemente, são estreitas e as cartilagens malares hipoplásicas. O ângulo nasofrontal costuma não ser nítido e a ponte nasal é alta. A atresia de coana já foi relatada na síndrome. Orelhas. O pavilhão auricular é freqüentemente deformado, com excesso de pregueamento e pode ter implantação baixa. Pode haver microtia, isto é, grande diminuição do tamanho da orelha. O conduto auditivo externo apresenta-se estreitado e em 30% dos afetados há agenesia do mesmo ou defeitos da cadeia de ossículos, acompanhadas de surdez de condução. A surdez total é rara. As anomalias dos ossículos consistem em fixação do martelo, fusão do martelo e do estribo (que, além disso são malforma- dos), estribo monopodal, ausência do estribo e da janela oval, ausência completa do ouvido médio e do espaço epitimpânico. Apêndices auriculares e fístulas em fundo cego podem ocorrer em qualquer ponto entre o tragus e a comissura oral. Crânio. O calvário é essencialmente normal, mas estudos radiológicos nos afetados revelam cristas supra-orbitárias pouco desenvolvidas e com marcas de impressões digitais, mesmo com suturas ósseas normalmente relacionadas. O corpo do osso malar pode estar totalmente ausente. O mais freqüente, porém, é o nosso malar ser grosseira e simétricamente hipodesenvolvido. As mastóides não são pneumatizadas e costumam ser esclerosadas. Os seios paranasais são, geralmente, muito pequenos ou podem estar ausentes. Manifestações orais. A mandíbula é hipoplásica na quase totalidade dos casos. O ângulo da mandíbula é mais obtuso que o normal e os ramos da mesma podem ser hiperdesenvolvidos ao estudo radiológico. Os processos coronóide e condilóide são achatados ou mesmo aplásicos. A superfície inferior do corpo da mandíbula é, geralmente, muito cóncava. A micrognatia é um achado freqüente nos afetados. Outras manifestações em -nível da cavidade oral consistem em fenda palatina em 30% dos casos, pálato ogival e macrostomia uni ou bilateral. A má oclusão dentária é freqüente pela hipoplasia da mandíbula acrescida de defeito no pálato (fendido, alto ou arqueado). Os dentes podem ser hipoplásicos e malposicionados. Outras características facíais importantes podem ser observadas entre o pavilhão auricular e a comissura oral. Sulcos faciais nessa mesma região podem compor o aspecto facial na síndrome além de uma projeção apilosa que pode se estender até a porção média da face. Esta última característica é observada em 25% dos.afetados. Anormalidades ocasionais. Consistem em: ausência da glândula pa- rótida; hipoplasia da faringe; coloboma da pálpebra superior; microftalmia; microstomia; cardiopatias congênitas; malformações vertebrais cervicais; criptorquidia. Atraso mental e observado em 5 % dos afetados. Etiología A síndrome é de etiología genética, de herança autossômica dominante com grande penetrância(quase 100%) e expressividade muito variá- vel. Foram relatadas muitas famílias com transmissão de afetados em diversas gerações por vários autores e em diferentes locais do mundo. Mais de 50% dos casos surgem como mutação nova, isto é, como primeiro caso na família. Antes porém, de diagnosticar um caso como fruto de mutação nova, é necessário examinar cuidadosamente os membros de sua família buscando especificamente os sinais mínimos da síndrome. Na verdade, não é rã- ro chegar-se ao diagnóstico de pai (ou mãe) levemente afetado somente após o nascirriento de uma criança gravemente afetada. O defeito básico na síndrome é desconhecido. A maioria das estruturas afetadas derivam do primeiro arco, 'sulco ou bolsas branquiais. A patogênese da síndrome foi discutida do ponto de vista embriológico por Poswillo7, Uma condição autossômica recessiva análoga, observada em coelhos, serviu como modelo animal para investigações dos mecanismos de desenvolvimento. Diagnóstico Na síndrome de Treacher Collins o diagnóstico é clínico, baseado nas características acima descritas. Nos estudos radiológicos uma grande variedade de achados pode ser observada em nível do crânio, a saber: desenvolvimento incompleto de cristas supra-orbitárias, impressões digitais aumentadas, hipoplasia dos ossos malares com falta de fusão dos arcos zigomáticos, mastóides esclerosadas e com ausência de pneumatização, esclerose do ouvido médio (raramente do ouvido interno) .com definição imperfeita de suas ' estruturas, hipoplasia da mandíbula, achatamento ou aplasia da apófise coronóide e dos condilos da mandíbula. Diagnóstico diferencial A síndrome de Treacher Collins deve ser diferenciada da disostose acrofacial ou síndrome de Nager que afeta as extremidades superiores além da face. Podem ser observados agenesia ou hipoplasia dos polegares, sinostose radiocubital, agenesia ou hipoplasia do radio, agenesia de um ou mais metacarpianos. A síndrome de Nager é de herança autossômica recessiva. Outro diagnóstico diferencial importante é a síndrome de Goldenhar ou síndrome óculo-aurículo- vertebral. Nesta, os afetados apresentam microssomia hemifacial e anomalias vertebrais. Há geralmente coloboma de pálpebras superiores e dermóides epipulbares como anomalias oculares. Apêndices préauriculares e atresia do canal auditivo externo são também freqüentemente observados nesta síndrome cuja etiología mais aceita é de herança multifatorial. Tem ficado evidente que a disostose mandíbulo-facial (sensu latú) é, na verdade, um complexo sintomático não específico que pode ocorrer em diferentes condições, sendo a mais comum, a síndrome de Treacher Collins. Diagnóstico pré-natal O diagnóstico pré-natal por fetoscopia foi realizado no segundo trimestre em quatro gestações de risco, na síndrome de Treacher Collins (Nicolaides & Cois6). Foram observadas anormalidades faciais em dois dos fetos e o diagnóstico da síndrome foi confirmado nos mesmos após a interrupção gestacional. Crane & Beaver1, em 1986, fizeram o diagnóstico pré-natal da síndrome através da ultra-sonografia. Tratamento Observa-se atraso mental em alguns pacientes afetados pela síndrome. Isto, porém, deve ser devido a déficit auditivo importante. O reconhecimento precoce da surdez e sua correção com utilização de prótese ou por cirurgia, quando possível, é de grande importância no desenvolvimento do afetado. Alguns pacientes podem apresentar problemas respiratórios precoces por terem a passagem aérea estreitada. Ocasionalmente, podem vir a necessitar uma traqueostomia temporária. O crescimento dos ossos da face, na primeira infância e na préescola, pode contribuir para certa melhora cosmética nos afetados. A cirurgia plástica pode melhorar muito o aspecto da face e deve ser considerada, assim como o tratamento ortodôntico e o foniátrico. A síndrome não é incomum e crianças afetadas são encontradas na maioria das escolas especiais para surdos. O tempo médio de vida do afetado não se altera, a menos que coexistam malformações cardíacas ou renais graves. Summary The autor discurs the clinical manifestations, diagnoses and treatment of the Treacher Collins Syndrome. Referências 1. CRANE, J.P. & BEAVER, H.A. - Midtrimester sonographic diagnosis of mandibulofacial dysostosis. Am.J.Med. Genet. 25:251,1986. 2. FAZEN, I.E.; ELMORE, J. & NADLER, H.L. - Nandibulofacial Dysostosis (Treacher Collins Syndrome). Am.J.Dis. Child, 773:405, 1967. 3. FRANCESCHETTI, A. & kELIN, D. - The Mandibulofacial dysostosis new hereditary syndrome. Acta Ophthalmol. 27:143,1949. 4. GORLIN, R.J.;PINDBORG, JJ. & COHEN, M.M.JR. Mandibulofacial Dysostosis. In GORLIN, R. J.; PINDBORG, JJ. & COHEN, M.M.JR., eds. - Syndromes of the Head and Neck. New York, Me Graw-Hill, 1976. 5. HERRING, S.W.; ROWLATT, V.F. & PRUZANSKY, S. — Anatomical abnormalities in mandibulofacial dysostosis. Am.J.Med.Genet. 3:255, 1979. 6. NICOLAIDS, K.H. et al. - Prenatal diagnosis of mandibulofacial dysostosis. Prenat.Diag. 4: 201, 1984. 7. POSWILLO, D. — The pathogenesis of the Treacher Collins Syndrome (Mandibulofacial dysostosis). British J.Oral Surgery 73:1,1975. 8. TREACHER COLLINS, E. — Case with symmetrical congenital notches in the outer part of each lower lid and defective development of themalar bones. Trans. Ophthalmol. Soe. V.K. 20:90,1900. Aceito para publicação em 14 de março de 1991. Endereço para correspondência Instituto da Criança Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647 São Paulo - SP 05403