QUESTOES FINALIZADA - 23 SETEMBRO DE 2011.indd

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QUESTOES FINALIZADA - 23 SETEMBRO DE 2011.indd
Divinópolis
é terna?
Revista Laboratório do Curso de
Comunicação Social da FUNEDI/UEMG
Ano 8
Número 5
Outubro de 2011
.
.
Editorial
Os primeiros cem anos do resto de nossas vidas
Esta é uma edição especial de QUESTÕES: é inevitável admitir que ela foi pensada e realizada no
interior do esforço de co-memoração, iniciado pela
proximidade do centenário de emancipação política de Divinópolis. A revista, no entanto, pretende
um olhar distinto do oficial – não por desejo de distinção, mas uma espécie de formação congênita:
QUESTÕES nasceu para experimentar formas e ideias.
É assim que, sendo uma revista-laboratório e principalmente com o intuito de problematizar Divinópolis e região, QUESTÕES entende o jornalismo não
como um espelho da realidade, mas como um farol, que, ao lançar luz sobre problemas e fomentar
debates, pretende ser um ator de transformação
para que a cidade, a região e sobretudo os humanos que nela vivem consigam ser o que podem ser.
Para QUESTÕES, o relógio que antecipa o centenário,
inaugurado neste ano, foi disparado bem antes. Em
números anteriores, já havíamos lançado o movimento Divinópolis é terna, que pretende pensar as ações
que apontem um caminho para os próximos cem,
duzentos, quinhentos anos de construção de uma cidade terna, justa, humana. Co-memorar, para a revista-laboratório do curso de Comunicação da Funedi/
UEMG, significa precisamente isto: lembrar juntos,
para que possamos nos perdoar aquilo que precisa
ser mudado; re-viver o que precisa ser resgatado.
2
Por essa razão, esta edição de QUESTÕES está especialmente memorialista. As reportagens tratam de
uma memória afetiva em torno do trem e sua linha,
imagens fortes, sem as quais Divinópolis não seria o que é. Discutimos o rio Itapecerica, no calor do
acontecimento, mas para além dele; os encontros e
desencontros: os locais onde eles se davam e dão
(dão?); o Guarani Esporte Clube, uma paixão mal resolvida; os caminhos e descaminhos da educação,
do trânsito, das identidades, em uma cidade cujo
rosto se apaga a cada tentativa de construção; os
fantasmas do Brasil Colônia que insistem em assombrar uma cidade que cismou de querer ser moderna.
Para além das matérias, produzidas como esforço de
laboratório pela turma do 5º Período de Jornalismo
da Funedi/Uemg, na disciplina Oficina de Jornalismo
II, em que se aprofundam nas estratégias narrativas
para se fazer o bom jornalismo, esta edição é ainda
mais especial pela presença ilustríssima de colaboradores, que fizeram e fazem a história de Divinópolis.
Há poesia, reflexão, debate – mas o que o leitor, no
final das contas, irá encontrar nas próximas páginas
é história: boas histórias contadas como que se as
ouvíssemos à beira da fogueira. Que de suas tramas
possamos retirar os fios para tecer os próximos cem
anos de nossas histórias.
Boa leitura!
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
Sumário
Trilhando uma história: Divinópolis a
partir dos trilhos
4
Divinópolis: seus
pontos de encontros
e desencontros
8
13
17
21
24
Escola Pública, um
longo caminho
para a cidadania
28
A realidade nada
fashion das
confecções
O Rio Itapecerica
e a cidade de
Divinópolis
Tradição do Novo:
Identidade cultural
x modernidade
30
Divinópolis: ternura
ou eternidade?
32
As transformações
da política cultural
em Divinópolis
35
A Terunra cristã
de Divinópolis
A Tradição do
Guarani
E
xpediente
Revista Laboratório do Curso de
Comunicação Social (Jornalismo e
Publicidade & Propaganda) da
FUNEDI/UEMG
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PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS
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(FUNEDI), UNIDADE ASSOCIADA À UNIVERSIDADE DO ESTADO
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DE MINAS GERAIS (UEMG) – Professor Gilson Soares –
Filho, Janaina Visibeli, Jader Gontijo Maia, João Basílio Costa e
COORDENADORA GERAL DO INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR
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E PESQUISA (INESP) – Professora Ivana Prado de Vasconcelos –
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do 5º período e profa. Renata Loyola – CAPA – César Cedro
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(5º período) – REVISÃO – Anna Lúcia Silva, Renato Mesquita
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(MG 05622 JP) – FOTOLITOS E IMPRESSÃO – Fumarc (Belo
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Horizonte – MG) – TIRAGEM – Mil exemplares (distribuição gratuita)
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3
Trilhando uma história
Uma cidade que cresceu ao redor dos trilhos
Por Juliana Faria
- Não vejo a hora deles acabarem com isso aqui. De tirarem
essa linha daqui. Ela ouviu isso e
sua mente divagou. Apenas ouviu
sem saber quem dissera. Enquanto
a cancela se levantava e o vai e vem
de carros se intensificava, Ela se
pôs a pensar no vazio - no vazio que
aquela ausência causaria, principalmente para Ela. Justo Ela que cresceu em meio à história da ferrovia e
a tradição de uma família ferroviária.
Aquele cheiro de diesel, o
barulho de britas sob pés, aquele
calor do metal do trilho mais o cheiro de graxa do uniforme azul de seu
pai que sua mãe insistia em lavar e por mais preto que estivesse, ele
sempre era tirado do varal imponentemente azul e com as letras RFFSA
que Ela, ainda pequena, aprendendo
a ler, tentava atribuir algum sentido.
Todos estes elementos foram de-
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senterrados de sua mente pela frase
dita por um personagem sem rosto.
A cidade onde nasceu e
cresceu teve sua entrada na modernidade a partir da chegada da
EFOM (Estrada de Ferro do Centro Oeste Mineiro) no então Arraial
do Espírito Santo do Itapecerica.
Com a chegada da ferrovia ao arraial, o crescimento acelerou-se
consideravelmente e logo a cidade foi emancipada, deixando
de ser distrito da cidade de Itapecerica e tornando-se Divinópolis.
Naquela época, a cidade
possuía ainda poucos bairros. Sebastião Joaquim dos Santos, mais
conhecido como Pantera, hoje com
84 anos, foi um dos que deixou
sua cidade, Bom Despacho, para
vir tentar a vida em Divinópolis.
Aos 16 começou a trabalhar na
Rede Mineira de Viação, que em se-
guida em seguida se tornou Viação
Férrea Centro-Oeste e, antes de ser
privatizada, era a Rede Ferroviária
Federal S.A (RFFSA). Há mais de
cinquenta anos morador do bairro
Esplanada, berço da oficina ferroviária, ele conta como era a cidade.
- A rua Goiás era daqui do
Porto Velho. Num era do Porto Velho,
era da Getúlio Vargas até na Paraná
que é o Cemitério do Centro, dali pra
frente não tinha mais nada. E as casas, a cidade mesmo era da Praça da
Catedral até na Sete de Setembro.
O próprio bairro Esplanada
possuía apenas três ruas, Ruas R,
M e V e era um bairro totalmente composto por ferroviários. Até
hoje, em sua maioria seus moradores são ou foram ferroviários.
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ELA NUNCA MOROU NO
ESPLANADA. No entanto, assim
como os moradores do bairro e de
toda a cidade, conhecia bem o barulho da sirene que apitava em vários horários do dia, mas os mais
significativos eram os de sete da
manhã e o de 17 horas, quando o
sol já tingia o céu de um belo alaranjado, enquanto sua mãe acabava
de arrumar a cozinha e dizia a Ela
e seus irmãos ao toque da sirene.
- Ó, daqui a poquinho papai
chega.
E, não tardava o ônibus descer a rua lateral a sua
casa, seu pai adentrava o portão.
No passado, o trem de passageiros
era a atração da cidade de Divinópolis que fazia o trajeto de viagem
a Barra do Paraopeba, São
João Del Rey e Belo Horizonte
e de lá para outras localidades.
Foi em um trem de passageiros que sua mãe embarcou para se mudar para o
estado de Goiás com sua família. Ela ouviu essa história
diversas vezes, mas só pôde
compreender um pouco do que
dizia sua mãe em sua primeira viagem de trem. Aconteceu
em um dia do ferroviário. Naquele
tempo seu pai ainda era funcionário da RFFSA e, como presente aos
seus funcionários, a Rede sedia
um trem de passageiros para fazer
uma curta viagem. Ela se lembra
muito bem da garrafa térmica cheia
de refrigerante, da quantidade de
salgadinhos encomendados na padaria, do barulho ensurdecedor do
trem nos trilhos, do balanço do
vagão, da paisagem passando ligeira na janela, na vertigem que
os morros bem próximos da vista
da janela do vagão lhe causavam
e principalmente de vangloriar-se
no dia seguinte na escola com os
coleguinhas que viajou de trem.
Anos mais tarde, já como uma
jovem mulher, Ela viveria o charme
da viagem de Maria Fumaça no trajeto São João Del Rey-Tiradentes
em meio a estrangeiros e reviveria mais uma vez tais lembranças.
Desde pequena, sempre ouviu que quem trabalhava na ferrovia
ganhava bem. Ela julgava essa história um engodo. Seu pai recebia a
conta certa para manter sua família
de quatro filhos, pagar o aluguel e a
conta do armazém. Não obstante, o
salário dos ferroviários já fora razoável em outros tempos. Aliás, a situação das empresas mantenedoras
da via férrea sempre foi inconstante.
Em seu princípio, a ferrovia era estadual e já nessa época
Foto Juliana Faria
o governo do estado de Minas não
tinha condições de mantê-la, o que
atrasava consideravelmente o salário de seus funcionários. De acordo
com Pantera, foi o presidente Juscelino quem resolveu a questão:
-Depois então que o Juscelino veio aqui, porque ele veio passear aqui e foi visitar nós na Rede
e viu como estava o andamento
daquilo ali e falou: “Não, não pode
ficar assim, nós vamos dar um jeito de nós passar isso aqui pra federal”. Foi e cumpriu, Eu aposentei
como funcionário federal, certo?
no Fernando Henrique no ano de
1996. A Rede Ferroviária Federal
passou a Ferrovia Centro-Atlântica
e, naquela época, o salário de seu
pai foi reduzido em 50%. Não teve
jeito: tiveram que se mudar para
um local de aluguel mais barato,
passaram dificuldades, a irmã mais
velha teve que adiar o sonho da
Universidade para poder trabalhar
e auxiliar nas despesas da casa.
O quadro de funcionários
foi diminuído drasticamente, assim
como os salários. A ferrovia não
tinha mais a força e a importância
que possuíra. O município de Divinópolis já contava com diversas
outras fontes de emprego e renda
e a cidade já não girava exclusivamente em torno da “linha”. O que
Entrevistados: Pantera, Buião e Seu Liu
restou foi a cicatriz de trilhos rasgando a cidade, o centro da cidade.
E foi questão de tempo até ser
apresentada à prefeitura a proposta de um projeto que retirasse parte
do entroncamento férreo da região
central, desviando-o para a região
da cidade de Carmo do Cajuru.
Para Amarílio Faustino, o Seu
Liu, de 74 anos, que deixou a cidade
de Teófilo Otoni transferido de sua
função de mecânico na ferrovia de
lá para trabalhar como caldeireiro
na Rede, essa mudança vai deixar
a cidade em estado de abandono.
Ela se lembra bem do caos
da privatização durante o gover-
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O MOVIMENTO DOS CARROS FOI GRADATIVAMENTE
diminuindo, o veículo em que se
encontrava arrancou também. Ela
observou a rabeira do último vagão
que já se ia na curva da linha. Lembrou de seu pai, subindo no muro
para ver o trem passando no trilho
que cortava o bairro Tietê, onde morava, para olhar os vagões e dizer
de qual categoria era a nomenclatura daquele trem. As vezes, apenas
pelo som ele já sabia dizer. E então
veio à sua mente um poema de Adélia Prado, assim como Ela, também
divinopolitana e filha de ferroviário.
Maria-Fumaça e Placa em homenagem ao ferroviário na Praça do Esplanada.
-Tá certo que Divinópolis já
tem uma estabilidade. Ela já tá bem
estabilizada por causa da malha.
Mas eu acho pra mim que vai ser
quase espécie de um abandono,
porque se não chegar uma outra fábrica forte pra cá. Eu acho pra mim
que vai ser quase uma espécie de
abandono. Eu acho isso, porque
todo mundo vai sentir muita falta.
Hélio Alves de Araújo, o
Buião, 63 anos, hoje aposentado,
que já foi inclusive diretor do Sindicato dos Metalúrgicos na cidade,
diz que o resgate da importância
da linha férrea para os divinopolitanos só seria possível por meio de
exposições em museus, documentários. Isso, garante Buião, resultaria no “acesso e reconhecimento
e valorização do que realmente foi
útil para a cidade: a ferrovia, o tamanho da sua utilidade para o desenvolvimento da nossa cidade.”
Pantera concorda com Buião:
“Eu falo que todos nós temos que
olhar pra trás, porque há pessoas
6
Foto: Juliana Faria
que acham que é só olhar pra frente”.
Em uma coisa, tanto Buião,
Pantera e Seu Liu concordam: a
ferrovia gera sentimentos de gratidão, importância e reconhecimento
para as gerações mais antigas, de
dez ou vinte anos atrás, e, também,
àqueles que conhecem a trajetória
da
ferrovia.
Ou seja, os filhos, os netos
e bisnetos daqueles que em
alguma época
já foram ferroviários. Para
os
demais,
hoje a ferrovia é simplesmente isso:
trilhos
que
cortam o Centro da cidade
impedindo
seu trânsito.
Um trem-de-ferro é uma
coisa mecânica,
mas atravessa a noite,
a madrugada, o dia,
atravessou minha vida,
virou só sentimento.
Também para Ela, era o
que restava: só o sentimento.
A presença já não era sentida,
pois já não se julgava necessária.
Oficinas FCA Divinópolis
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
Foto: Juliana Faria
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Um mundo de toda sorte
te serpenteou terras
e atravessou as águas pela cachoeira
em novos desenhos da Picada de Goiás.
Soldados, quilombolas, contrabandistas,
sertanistas, fazendeiros, sacerdotes,
andarilhos, índios, missionários,
exploradores... Os que desejaram,
desistiram da Passagem da Itapecerica
e fincaram bandeira de posse.
O Divino Espírito Santo se instalou
na paisagem; deslumbrava,
acolhia e pacientemente iluminava
cada ovelha. Cresce o rebanho de Deus.
O arraial lentamente se forma.
Os habitantes de alma aberta, o coração
caloroso, quebram um galho de manjericão
à frente da casa para perfumar
a entrada do visitante. De várias partes
da Terra vieram amar e construir Divinópolis
os filhos eletivos. Tocam os sinos
das igrejas à chegada dos franciscanos.
Repicam para receber as Carmelitas Descalças.
Há um caminho aberto com destino ao Céu,
por onde transitam idéias de bispos, maçons,
protestantes, ateus, livres-pensadores,
músicas de credos diversos,
vozes de tolerância, respeito, fraternidade...
— todas as vozes em uníssono! —
na cadência dos tambores do reinado.
Os trilhos já estão chegando. Vão instalar
os alto-fornos. Edificam-se as escolas.
À claridade, enxerga-se longe;
e se descortinam as distâncias
que nos miram dos olhos vislumbrados
da minúscula estrela vespertina.
Chegam máquinas de costura industrial.
A cidade não pára. Movimenta-se em direção
a Deus e aos mares. Terna e eterna.
Osvaldo André de Mello
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ENCONTROS E DESENCONTROS
As relações entre os divinopolitanos nos pontos de encontro e as
mudanças dessas relações com o passar do tempo.
Por Marina Alves
Emnósalgum
nos
momento da vida,
identificamos
camo com
algum lugar físico, como praças,
shoppings, cinema e sorveterias
em nossa cidade. Esse é um lugar
onde marcamos de encontrar amigos, a família ou o(a) namorado(a),
trocamos experiências com conhecidos e até com desconhecidos. Criamos relações nesses
espaços. É nesses pontos de encontros que formamos amizades,
criamos uma identidade, nos expressamos e vivemos experiências.
Esses lugares marcam uma determinada época na vida de todos.
Porém percebemos uma tendência, principalmente nas grandes
cidades, que é a mudança desses
pontos de encontro de uma geração para outra e que não há uma
relação duradoura entre os espaços da cidade e a população. Essa
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tendência também começa a aparecer nas cidades de médio porte, como é o caso de Divinópolis.
Divinópolis é conhecida como a cidade do progresso, a cidade hospitaleira, a cidade que valoriza o
novo. A cada década surge uma
Divinópolis diferente da anterior,
com novos rostos, novos prédios,
novos pontos de encontro. Mas
em meio a tanto desencontro, ainda conseguimos nos encontrar?
As Escadas do Costa Rangel
18h. Edifício Costa Rangel. Momento em que as pessoas deixam
o trabalho e seguem o seu caminho da escada em diante. Horário
de pico dos desencontros. Porém
apesar dessa dispersão, ele também é um lugar do encontro. O
local onde ficava o templo da Primeira Igreja Batista de Divinópolis,
e onde hoje existe o Edifício Costa
Rangel, é um dos pontos de encontro mais famosos da cidade. Várias
gerações divinopolitanas já combinaram de se encontrar nas escadarias desse edifício. A estudante
técnica em design Beatriz Fenerich
Abril, 20 anos, e as professoras de
inglês Thamyris Stuart, 23, e Iara
Ennes, 22 anos, são prova disso.
Segundo elas, a localização do prédio é um dos motivos para esse lugar ser o escolhido pela turma para
se encontrar. “A maioria dos ônibus
passa pela 1º de Junho. Aí é só subir um quarteirão e você chega ao
Costa Rangel. De repente, você não
sabe o que fazer ou não combinou
nada com seus amigos, é só passar na porta do Costa que vai ter algum conhecido e dali você vai para
qualquer lugar”, afirmou Thamyris.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
Foto: Marina Alves
Antigos pontos de encontro
Outro ponto famoso de Divinópolis
é a avenida 1º de Junho, uma das
principais da cidade. Hoje a avenida
é um verdadeiro desencontro. Pessoas embarcando e desembarcando dos ônibus, muitos carros, lojas...
As pessoas não se encontram, elas
se esbarram. Uma avenida bem diferente da que recorda o aposentado, Hélio Alves de Araújo. Nos anos
60 existia o chamado footing, como
explica Hélio. “Os homens ficavam
reunidos num ponto e as mulheres
passavam por eles. E ali havia a
oportunidade do início de uma conversa, um contato e daí surgiam
muitas amizades, muitos namoros.
Surgiram, até, muitos casamentos
a partir desses encontros”, lembra. Ainda na avenida 1º de Junho,
existia o Cine Popular. “No horário
da sessão, como não tinha muitos
atrativos na época, o pessoal se
reunia todo na porta do cinema.
Acabado o filme, as pessoas voltavam para a 1º de Junho pra ficar
fazendo, como a gente falava, ficar
fazendo avenida”, recorda Hélio.
Entrevistados: Batistina Corgozinho e Hélio Alves de Araújo.
As mudanças
Um mesmo lugar, diferentes formas
de usá-lo. No passado uma avenida 1º de Junho do encontro, hoje do
desencontro. Batistina Corgozinho,
coordenadora do Centro de Memória da Funedi/Uemg, vê essas mudanças como algo natural. “Cada
geração tem determinadas preferências, valores que acabam sendo
fatores de aglutinação das pessoas
em determinado ponto.
Foto: Arquivo Público Municipal
Não existe algo combinado formalmente para as pessoas se encontrarem. É como um movimento
que vai naquela direção, então as
pessoas se concentram ali e depois desconcentram, muda o ponto de referência”, analisa. Apesar
dos pontos de encontros surgirem
espontaneamente, Batistina acredita que eles sigam certo ritmo de
sobrevivência. “O que me intriga é
como que esses movimentos acontecem sem ser planejados. De repente um grupo começa a usar de
um espaço e aquilo naturalmente atrai aos demais” diz Batistina.
Mesmo espaço, relações diferentes
Apesar da busca por lugares novos, pontos de encontros diferentes, as praças da Catedral e do
Santuário ainda podem ser classificadas como pontos de encontro
tanto da geração antiga quanto da
mais recente. Mas a relação dos
jovens com esses espaços hoje é
bem diferente das relações antigamente, como explicou a estudante
Beatriz. “Eu acredito que naquela
época não era tão comum ver jovens bebendo em plena Praça da
Catedral, que hoje é cheia de bares.
Antigo Cine Popular na Av. 1º de Junho, em Divinópolis - MG
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
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Acho que as pessoas antigamente eram mais reservadas e preferiam ir às praças à tarde, já nós
preferimos vir à noite”, explica.
Ainda há relação entre as pessoas?
Se a relação das pessoas com os
espaços mudam conforme a época,
a relação entre as próprias pessoas também não mudariam? Para
Beatriz, não. “Não temos nenhum
problema em receber outras pessoas em nossa turma, a gente até
gosta. Qualquer pessoa que aparece no lugar que eu estou, eu me
apresento, convido para interagir
com a minha turma, ir para algum
bar, algum show e, a partir daí, já
faz amizade” garante a estudante.
Já para Hélio Alves de Araújo, a re-
lação entre as pessoas mudou sim.
“Eu vejo muita dificuldade. A gente
vê muito hoje as ruas vazias, principalmente a área central. Não vê
mais aquele aglomerado de pessoas. Vê nos bares, muita gente reunida nas mesas, mas fica ali muito
restrito a mesa e não abre para o
outro. Fica todo mundo muito distante, não existe mais a aproximação, aquele calor humano. Talvez
seja pelas varias opções que existem hoje, que divide as pessoas.
Antigamente o próprio relacionamento humano era mais sadio,
mais aberto. Hoje, até por questão
de segurança, a desconfiança de
uns com os outros quando chega
uma pessoa estranha é muito difícil.
Por isso é que perdeu muito esse
respeito humano, essa facilidade de
aproximação humana” observa Hélio.
Divinópolis é terna
Mesmo num lugar com tantos desencontros, uma cidade que se
aproxima do seu Centenário, mas
não conserva os seus pontos de
encontro, não podemos tirar de Divinópolis a sua ternura. Ternura que
talvez seja o que Divinópolis carrega
de geração para geração. Ternura
que muda de lugar, muda de pessoas, mas que continua possibilitando
o encontro entre os divinopolitanos.
Foto: Marina Alves
Iara Ennes, Thamyris Stuart e Beatriz Fenerich Abril reunidas em um dos bares da Praça da Catedral.
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Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
UAI, MULHERES DAS LETRAS
Têm tempo pra tudo fazer
As ações pulverizando
Não se esquecem de crescer
Trabalhando, labutando
Sabem necessitar vencer
E assim seguirem buscando.
Inspirando admiração
Às vezes são criticadas
Por pessoas sem coração
Que fazem tudo errado
Sabias não lutam em vão
Tendo objetivos traçados.
Devagar, devagarzinho
Bordando com as letras
Escreviam seus versinhos
Guardando-os na gaveta
Mantendo-se quietinhas
Sem vibrarem o planeta.
Acordar de madrugada
Isto não e problema
Falam; mulheres encrencas
Mas poucos sabem viver
Se exauridas, cansadas
Buscam forcas supremas
Dando cabo a jornada
Por não pensarem pequeno.
De maneira tão intensa
Sem direito e sem poder
Vencendo as diferenças
Sobressaem para vencer.
Simplesmente poderiam
Viver no mundo da lua
Fingindo que não sofriam
Sem cuidarem das vidas suas
Obstáculos não venceriam
Se não buscassem as ruas.
Ler e escrever direito
Fazem voara imaginação
Palavras brotam do peito
Construindo um vozeirão
Sentindo quase perfeitas
Afastam bem a solidão.
Foto Arquivo
Como tudo vai passando
Elas sempre bem agindo
Sonhando, vislumbrando
Ver seus livros emergindo
o
E a todos se encantando
Tendo a vida mais florida.
Joanah Rios
Antropóloga/escritora
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
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Um olhar da varanda
Na minha Divinópolis
Da varanda, olhei a cidade da minha mocidade.
Já não é a mesma. Um aperto no coração.
Deixe disto, me consolei. É o progresso.
Isto mesmo. A cidade está linda com jovens,
bonitos e saudáveis, desconhecidos para mim.
As moças, cabelos longos e esvoaçantes, transmitindo alegria e vida.
UM CORRE-CORRE DE PESSOAS INDO TRABALHAR.
Ao meio dia procuro um lugar para almoçar. Vou ao Chef....e lá não conheço ninguém.
Sou desta cidade, tenho setenta anos, e não moro aqui.
Meus conhecidos estão viajando, compraram passagem só de ida...
Tenho de me contentar com algumas lembranças que ainda me restam de Divinópolis.
O santuário, a praça, a ponte de ferro, Hospital S. Judas Tadeu, e S. João.
A casa que enfeitava a av. 1º. De junho com Rio de Janeiro, está descaracterizada,
horrível, deviam não ter deixado isto acontecer.
Onde está o rio Itapecerica, onde já me banhei, cadê piqueniques, a matriz,
Ó! Eu não tenho nada que dar palpites, porque sou apenas uma alma que voa atrás
de lembranças . Ficar saudosista é natural de quem muito viveu...
É lembrar do poeta: Ó que saudades eu tenho...
Maria Helena Coelho Greco
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Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
Tradição do novo
César Cedro
É possível que haja identidade cultural em uma cidade que
nasceu e se desenvolveu na perspectiva da modernidade?
Por Anna Lúcia Silva
“O que eu percebo na história
dessa cidade é que o urbano deu
as costas para o Arraial à medida
que foi crescendo.” A frase do
professor José Heleno Ferreira
demonstra, com certa angústia,
a modernização de Divinópolis
que, apesar do orgulho próprio, foi
construído às custas da agonizante
morte da memória.
A reflexão de Zé Heleno diz respeito
ao esforço de co-memoração que
se avizinha, com a chegada do
centenário de Divinópolis. Tudo
o que o processo histórico da
cidade explicita aponta apenas
trazidos pela modernidade, como a
chegada EFOM (Estrada de Ferro
do Centro Oeste Mineiro), o marco
para o que será comemorado
nas festividades dos 100 anos de
emancipação política. É como se
a cidade só começasse a existir
a partir de 1912. Se não se pode
que separa a Divinópolis arraial da
Divinópolis urbana, os aromas de
outrora podem ser apagados.
- Quando a linha de ferro veio para
cá, as coisas começaram a melhorar.
negar a uma cidade que se orgulha
de sua “modernidade” que a
emancipação política é fundante, é
preciso perguntar: de onde veio tal
A linha veio e deu emprego para
muita gente. Acho que seria bem
certo dizer que a linha trouxe, junto
com, ela a modernidade.
modernidade? Ela teria surgido do
nada?
O fato é que, apesar de todo esse
esforço por apagar as marcas
Dona Rosa nasceu e foi criada num
local marcado pelo rápido avanço
cultural, histórico e econômico da
cidade: o Esplanada, antigo bairro
de uma época pré-moderna, o
Arraial do Espírito Santo ainda
vive. Nem mesmo entre aqueles
que experimentaram os benefícios
operário de Divinópolis.Asaudade da
vida simples do campo, dos hábitos
ligados ao Arraial, dona Rosinha
mata com o tecer sentimental de
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
13
suas lembranças, que misturam
cenas da nova Divinópolis com o
velho Arraial, mostrando que não se
pode compreender a primeira sem
levar em conta a última.
- Era madrugada quando acordava
com o galo cantando junto ao apito
do trem. Lá pelas seis da manhã,
saía da cama e passava direto para
cozinha. Era a hora de fazer café para
o marido trabalhar. Ele trabalhava
na manutenção das locomotivas
e dos vagões da ferrovia - disse
saboreando as palavras.
Aos poucos, como é inevitável, as
linhas do trem fizeram esmaecer as
marcas do passado. Como disse
dona Rosa, a partir daí a cidade
começa uma corrida
acirrada
em busca de uma perspectiva
moderna. Logo, não apenas o
Arraial era negado, também a
EFOM foi superada e Divinópolis
viu surgir a Rede Mineira de Viação
e em seguida a Viação Férrea
Centro-Oeste, que também logo foi
substituída pela Rede Ferroviária
Ferrovia Centro Atlantica
Foto: Analú Silva
Federal e, depois de privatizada extrema modernidade? - finalmente
pessoas, muitos mais, chegavam.
Estrangeiros?Forasteiros?
Ferrovia Centro Atlântica. Em
seus
trilhos,
transformações,
negações - e alguma estabilidade
- uma cidade, enfim, poderia ser
Cidadãos de Divinópolis, trazidos
pelo trem, pela linha que fazia e
desfazia constantemente a cidade
e seus cidadãos. Cidade múltipla:
construída por trabalhadores que
tinham um emprego, cujas vidas
giravam em torno do trem. E mais
caldo de culturas, colcha de retalhos.
Foto: Analú Silva
Surge Divinópolis: Cidade Plural
14
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
típicas da escolha pela modernidade:
violência crescente, insegurança,
uma malha viária que não comporta
a opulência do crescimento,
ausência, limitação do alcance e,
quase sempre, desarticulação de
políticas públicas. Frutos inevitáveis
que Divinópolis colhe por um pacto
que hoje está prestes a completar
100 anos.
Maria Antonieta Teixeira, diretora
do Departamento de Extensão da
Funedi/UEMG que coordenou o
Plano de Desenvolvimento Regional,
Ter virado as costas para o vilarejo
colonial que era tem outras
consequências. A cidade-trabalho
de que seus cidadãos se orgulham
foi um importante incremento no
setor de serviços. Para Antonieta,
é justamente esse setor que faz de
Divinópolis um polo regional.
demonstra o que pode ser apontado
como um traço de identidade em
meio ao mundo de transformação
constante. Divinópolis vive a
Tal como Mefisto, a modernidade
cobrou o seu preço. Para o
crescimento, e como consequência
dele, traços de individualismo e a
tradição do novo. O que comemorar,
então, se não há memória capaz de
sobreviver no turbilhão das mudanças
constantes? Essa ausência de
competição no âmbito social tornam
o ambiente da cidade mais tenso e
menos terno. As relações sociais
que predominam na cidade são
memória se dá tanto no plano
material, quanto no imaterial. No
caso arquitetônico, as construções
são modificadas continuamente – o
Foto: Analú Silva
Foto: Analú Silva
Chamada de “Cidade Divina”, em seu
hino, Divinópolis hoje se caracteriza
pela indústria confeccionista têxtil e
pela siderurgia. No início do século
XX, devido ao crescimento acelerado
aos arredores da ferrovia, foi
efetivada uma hegemonia regional,
que tornou Divinópolis o polo da
região Centro-Oeste de Minas. O
resultado disso, segundo a socióloga
Produção de colcha de retalhos
que só faz comprar a frase-slogan
da modernidade: tudo o que é sólido
se desmancha no ar.
Não obstante, um dos fatores para
a ausência de uma memória – a
constante chegada de pessoas
estranhas – é, além de motivo
da ausência de uma identidade,
também a possibilidade disso.
Divinópolis atrai pessoas de outros
lugares, que podem se classificar
em dois grupos: o de pessoas
que vêm em busca dos serviços
oferecidos e que voltam para suas
Caldo de culturas: colcha de retalhos
origens; e outro grupo que é o das
pessoas que permanecem aqui
e fixam suas moradias. Ao fixar
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
15
Foto: Anna Lúcia Silva
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Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
ofusca os olhos de quem busca apenas pureza e
não enxerga sua diversidade cultural.
É nesse caldo de mudanças constantes que
se podem encontrar expressões que marcam
Divinópolis não por uma característica exclusiva,
mas por uma mistura exclusiva. Agnel Marques,
morador da cidade e engajado em ações culturais
lembra que a cidade mistura tudo. “O hip-hop,
por exemplo, não é um movimento característico
de Divinópolis, não é um movimento da região,
tampouco do Brasil, mas temos aqui suas
manifestações, como temos grupos de break,
grafiteiros, expressões do congado, uma imensa
diversidade de expressão musical. É isso o que
acaba por se tornar a identidade de Divinópolis”,
diz Agnel.
Atravessada por uma forte religiosidade popular,
Divinópolis olha para o futuro e vive o caldo da
mistura que sua modernidade propiciou, mas o
velho Arraial do Espírito Santo ainda espreita e sopra
entre os prédios que insistem em se verticalizar.
As vozes do Arraial parecem querer fazer lembrar
que Divinópolis é a “cidade-esperança”, a pacata e
provinciana Princesinha do Oeste.
Foto: Anna Lúcia Silva
moradia, esses indivíduos trazem consigo as suas
raízes, seus costumes e o modo de vida da sua
localidade. Dessa forma, Divinópolis se se torna
uma colcha de retalhos cujo colorido e pluralidade
Congadeiro em manifestação religiosa na cidade
1-CORGOZINHO, Batistina Sousa. Nas linhas da modernidade. Divinópolis: Funedi/UEMG,
2003.
2-José Heleno Ferreira, professor da Funedi/UEMG.
3-BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São
Paulo: Companhia das Letras, 1986.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
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“DIVINÓPOLIS É TERNA”
Divinópolis é terna. Muito mais
que afirmar prefiro perguntar: Divinópolis é terna? Por outro lado, a ambiguidade dessa expressão nos leva,
também, a questionar: Divinópolis
eterna? Ternura e permanência estão presentes nessas perspectivas.
A permanência é própria de
uma sociedade com as características da tradição, que preserva valores,
rituais, formas comportamento social,
processos, lugares, objetos e coisas
variadas no intuito de impedir ou diminuir as transformações que naturalmente acontecem. Dessa forma, o
que se busca é a tradição do antigo e,
num caso extremo, sua fossilização.
O processo de vida urbana
desencadeado na cidade de Divinópolis/MG, a partir do início do séc.
XX, pela instalação da estrada de
ferro foi impregnado, desde suas origens, pelos valores das vida moderna evidenciada através de diferentes
formas: na organização da sociedade, emergência de novos grupos sociais e de novas crenças espirituais,
distribuição e ocupação racionalizada do espaço urbano, novas atividades econômicas e novas relações
de trabalho fazendo emergir o trabalho assalariado, desenvolvimento
da imprensa, reconfiguração do poder político local etc. Todas essas
situações significaram o rompimento com uma ordem tradicional que
existia conformando o modo de vida
local. A transformação e busca incessante do novo foi desencadeada.
O que existe no meio urbano
de Divinópolis é a tradição do novo,
da busca incessante da mudança
em todos os sentidos, o que faz com
que como disse Rouanet, o novo fica
velho rapidamente. A sociedade que
se moderniza experimenta gradativamente o gosto da mudança acelerada, que não se esgota instaurando
18
a situação que é chamada de envelhecimento precoce do novo. Sendo
assim, Divinópolis nasceu e se desenvolve sob o signo do moderno,da
mudança,do
transitório,portanto
não pode ser considerada eterna
ou permanente. Basta observamos sua configuração espacial e as
enormes dificuldades em preservar
seu patrimônio material e imaterial.
Além disso,é muito difícil perceber a urbana- Divinópolis como
TERNA, pois o modo de vida existente é marcado pelo individualismo
e competição, típicos das sociedades capitalistas contemporâneas. As
atividades econômicas predominantes - indústria, comércio, serviços,
as formas de entretenimento social
no ambiente urbano, a necessidade do reconhecimento do direito de
ser diferente, a impessoalidade nas
relações sociais, as diferenças econômico-financeiras,as relações de
trabalho, a desigualdade na forma de
ocupação do espaço evidenciam que
a ternura não é característica predominante do modo de vida existente
no lugar. O desejo de ternura sim.
Por outro lado, a perspectiva
da ternura pode estar sendo vislumbrada pelo fato do cidadão de Divinópolis/MG receber bem as pessoas de
outros lugares, sejam aqueles que fazem parte de uma população flutuante
de indivíduos que chegam e que vão
embora ao final de um ou mais dias,
ou os que fixam residencia, transferindo-se em definitivo com sua família.
Essas pessoas são absorvidas naturalmente nos espaços de trabalho
em diversas atividades autônomas e
muitas ganham proeminência social.
Será que Divinópolis é terna por possuir esse caráter? Como disse inicialmente, prefiro perguntar a afirmar.
Batistina Maria de Sousa Corgozinho
Doutora em Educação pela UFMG
Professora-pesquisadora da Funedi/UEMG
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
A instituição escolar e
a educação para
a liberdade
Por José Heleno Ferreira*
A instituição escolar, no mundo ocidental, desde a
modernidade, tem assumido a tarefa de socializar as
futuras gerações, apresentando-lhes o mundo que
vão herdar, tal como nos lembra Hannah Arendt, em
A condição humana (1968). Porém, concomitante-
ta, e não há quem explique e nem que não entenda...”
Paradoxalmente, pode-se então dizer que a educação
para liberdade exige, dos educadores e educadoras
um compromisso com a construção de sua autonomia,
com o incentivo ao pensamento crítico, com o cultivo
mente à apresentação do mundo que herdarão, a
educação escolar apresenta (e esboça, defende...)
aos educandos também o mundo que se quer construir. Ao apresentar o mundo, os educadores apre-
do dissenso e o profundo respeito à diversidade. Enfim,
para que se eduque para a liberdade é preciso ser livre.
Tendo a liberdade como utopia e o respeito à diversidade como princípio para que a alcancemos, é forçoso
sentam, pois, um conjunto de valores e ideias com
as quais se identificam. Afirma-se isso para dizer da
impossibilidade de pensar a escola, bem como qualquer atividade educativa, como um espaço neutro.
reconhecer que a instituição escolar, ao longo de sua
história, tem privilegiado uma visão etnocêntrica de cultura. O conhecimento sistematizado pela humanidade é,
via de regra, reconhecido como a cultura, enquanto as
Tendo, pois, afirmado a educação como um ato político, é possível problematizar a questão da educação para a liberdade, essa palavra que, como nos
lembra Cecília Meireles, “o sonho humano alimen-
práticas e vivências de diversos grupos sociais seriam,
então, uma outra cultura. Assimilar a cultura escolar
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
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seria, pois, a tarefa dos educandos.
Nessa perspectiva, cabe aos professores transmitir um conhecimento já elaborado, ainda que o
mesmo não tenha significado para
crianças, adolescentes e jovens
que frequentam o cotidiano escolar.
Esse enfoque assimilacionista é defendido, quase sempre, como um
direito dos educandos e aqueles
que não se enquadram na dinâmica da instituição escolar, aqueles
que não se submetem aos currículos predeterminados – quase
sempre por alguma instituição ou
grupo alheio à realidade da unidade escolar – são vistos como um
problema e engrossam as estatísticas do fracasso escolar, seja através da evasão, da repetência ou
da conclusão da Educação Básica
sem que esse processo tenha significado, para eles, um crescimento enquanto seres humanos, enqu
anto sujeitos críticos e autônomos.
Vale afirmar ainda que o trabalho
família, na Igreja, nos partidos po
líticos, nas rodas de amigos, nos
sindicatos etc. Todos esses espaços estão, obviamente, marcados
pelos interesses políticos hegemônicos em cada momento histórico
e em cada uma das instituições.
Reconhecer, pois, a pluralidade dos
sujeitos e dos espaços educativos
requer a disposição para investir
em alternativas pedagógicas que
possibilitem a realização de experiências alternativas de educação.
Assim, para que se torne possível
discutir (e tornar realidade) uma
educação para a liberdade, é preciso reconhecer que a instituição
escolar, ao longo dos últimos séculos vem excluindo aqueles que, de
alguma forma, fogem ao parâmetro
definido como normal ou aceitável
numa determinada sociedade. De
acordo com essa lógica, negros e
negras, crianças nômades, indígenas, aqueles que professam uma
religião que não a hegemônica no
país, mulheres... ou seja, o imenso
escolar assim planejado e realizado traz consigo a marca de uma
pretensa neutralidade diante dos
conflitos étnicos, sociais e políti-
leque de minorias (nem tão minoritárias assim) vem encontrando diversos obstáculos no processo escolar.
cos presentes da vida dos sujeitos
que compõem a realidade escolar.
É preciso reconhecer também que
a escola não é o único espaço edu-
Os dados estatísticos relativos ao fracasso escolar não
deixam dúvidas quanto a isso.
Acolher e valorizar as diferenças sig-
cativo presente na vida das crianças, adolescentes e jovens. Educase, de uma forma ou de outra, na
nifica, então, romper com a ideologia
da exclusão e assumir o compromisso com a transformação no sistema
20
educacional a partir da construção
de escolas abertas para todos, escolas que se caracterizem por uma
pedagogia não-homogênea e pelo
compromisso com metodologias de
ensino-aprendizagem e de avaliação
que considerem a realidade cultural,
o contexto sócio-histórico, o gênero,
a etnia, as condições físicas e mentais das crianças e adolescentes.
* José Heleno Ferreira é educador.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
Foto: Divulgação Guarani
DIVINÓPOLIS: O NOVO,
A TRADIÇÃO, O GUARANI
Time do Guarani na década de 70
A cidade onde o novo envelhece de maneira precoce mostra ter, no clube de futebol que a
representa, um verdadeiro reduto onde reside uma tradição de afeto e ternura
Por Lucas Carrano
Divinópolis é a cidade do novo e também onde o novo é bastante perecível.
Uma cidade que construiu sua vida
moderna voltando-se para o trabalho
e assumindo o lugar de polo da região
centro-oeste de Minas Gerais. Repare
bem, em Divinópolis tudo muda muito
rápido: o fluxo do trânsito, os lugares
mais frequentados, as lojas mais populares, os rostos vistos na rua. Mas na
contramão disso vem o Guarani, que
carrega em suas cores um traço forte da tradição divinopolitana e que se
confunde com a própria história da cidade. Divinópolis tinha apenas 18 anos
de emancipação e apenas uma década com fornecimento de luz elétrica,
quando em 20 de setembro de 1930 foi
fundado o Guarani Esporte Clube. José
de Oliveira juntou os amigos e fundou
o clube. Uma curiosidade é que nele
atuava – como goleiro - Waldemar Teixeira de Faria, que hoje dá nome ao estádio onde o bugre manda seus jogos.
Na década de 40, Divinópolis já havia
desenvolvido vários setores e possuía
inclusive ligação com Belo Horizonte.
Uma única linha de ônibus levava os
divinopolitanos para a capital: uma jardineira com cobertura de lona para evitar a poeira das estradas durante um
percurso de aproximadamente 6 horas. Aos 84 anos, Dona Aparecida Silva Oliveira lembra bem como eram as
viagens. “A estrada era de chão e gente até enjoava. As janelas eram muito
pequenas e ficava bastante abafado.”
Enquanto isso, quem também passava por maus bocados era o Guarani.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
21
Foto: Divulgação Guarani
que o clube se movimentasse, mesmo que para fazer frente aos rivais.
Para não perder os trilhos da história,
o Guarani resolveu instalar, em 1954,
holofotes no seu estádio e convidou
ninguém menos que o Botafogo, um
dos grandes clubes cariocas e brasileiros, para ser seu adversário no jogo
inaugural da iluminação. Este singelo
fato acrescentou mais do que aparenta para a história de Divinópolis.
O Botafogo, que trouxe o então jovem
e desconhecido Garrincha para o duelo, veio a bordo de um avião bimotor
da empresa Pan Am. Um modelo usado inclusive em voos internacionais,
que foi o primeiro desse porte a pousar no Aeroporto Brigadeiro Cabral.
Garrincha com a camisa do Guarani
Devido ao loteamento do espaço onde
ficava seu campo, em 1945, o bugre
teve que passar quatro anos sem atuar. Com a inauguração do seu atual
estádio, no bairro Porto Velho, foi que
o time retomou as atividades em 1949.
O estádio na ocasião era chamado
“Adriano Maurício”, nome de um empresário carioca de quem o Guarani
esperava receber doações pela homenagem. As doações não vieram, mas
o Guarani agora tinha um estádio para
mandar seus jogos e fazer frente aos
rivais, principalmente o Ferroviário. Futuramente o estádio seria rebatizado
com o nome de Waldemar Teixeira de
Faria, sendo apelidado de Farião pelo
radialista e narrador Ricardo Lúcio.
O Ferroviário era o grande rival do
Guarani durante esses primeiros anos
de existência e chegou a dominar o
futebol amador da cidade, contando
com um altíssimo número de atletas
vindos dos quadros de funcionários
da Rede Ferroviária Estadual. Esse
trunfo fez com que, na década de 50,
o Guarani ficasse em segundo plano
no cenário municipal, mas não impediu
22
“O time foi chegando, contra todos os prognósticos. Houve uma comoção geral, a sociedade se fechou com o Guarani”.
(Davi Raposo, jornalista)
Foto: Divulgação Guarani
Time campeão da segunda divisão do Mineiro em 1994
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
Nos anos 60, os jovens de Divinópolis
paqueravam na Av. Primeiro de Junho
e marcavam encontros para os constantes bailes que aconteciam. Nessa
época Adélia Prado ainda exercia o
magistério, embora já escrevesse seus
versos. Logo no início da década o
Guarani conseguiu seu resultado mais
expressivo em campeonatos mineiros,
um vice-campeonato em 1961. A década prosseguiria bastante empolgante
para a torcida do bugre
após o título
do Torneio Início de 1964.
Porém,
os
anos seguintes não foram
tão animadores. O clube
colecionou
sucessivos
rebaixamentos, que fizeram com que
voltasse para
o amadorismo em 1968.
va situado na esquina da Rua Rio
de Janeiro com Av. Primeiro de Junho, onde ficavam até o momento de
ir para a boate Sambão, que ficava
logo em frente, ou para os bailes do
Estrela do Oeste e Divinópolis Clube.
Os anos 80 trouxeram a maior glória no
cenário nacional da história do Guarani:
o clube terminou na quarta colocação
na Taça de Bronze, correspondente
Enquanto o
Guarani
se
reestruturava na década
de 70, Adélia Guarani na campanha do Módulo I do Campeonato Mineiro em 2011
Prado ficou conhecida pelos muitos a atual Série C do Campeonato Braelogios e indicações de seus poemas sileiro, de 1981. O jornalista Davi Rapor Carlos Drummond de Andrade. poso afirma que “o time foi chegando,
A poetiza ainda ganharia um Prêmio contra todos os prognósticos”, e que
Jabuti, da Câmara Brasileira do Li- adiante “houve uma comoção geral, a
vro, no ano de 1978 e se consolidaria sociedade se fechou com o Guarani”.
como um dos grandes nomes da literatura no país. O cinema estava em Se para o Bugre os anos 90 foram de
alta, e contava com quatro salas de reformulação, alguns acessos que trouexibição voltadas para públicos distin- xeram o time de volta para o Módulo I
tos. Cine Arte, Cine Popular, Cine Di- do Campeonato Mineiro em 1996, não
vinópolis e Cine Alhambra dividiam as foi diferente para Divinópolis. A Rua
atenções e exibiam de westerns e blo- Goiás, principal via da região central
ckbusters americanos, até as chancha- da cidade, teve seu fluxo alterado e
das e clássicos do cinema brasileiro. deixou de ser mão dupla, passando a
seguir em mão única da ponte do bairro
Naquela época, muitos jovens se en- Porto Velho até a Rua Pará. A rodovicontravam no Chez Salim, que fica- ária da cidade se mostrava acanhada
para a demanda crescente e teve que
ser transferida para o bairro Bom Pastor, deixando seu espaço – na antiga
praça da estação – para o que, futuramente, viria a ser o Pronto Socorro
Regional. Na mesma região, nos fins
de semana, as aglomerações de pessoas tomavam as ruas na Savassinha.
Ao longo da última década ,o Guarani
esteve por mais tempo no Módulo I e
teve algumas
vitórias
expressivas contra o Cruzeiro
(2x1 em 2001)
e
AméricaMG (4x3 em
2007),
mas
sua conquista
mais
importante foi o título de campeão
do Módulo II
do Campeonato
Mineiro em 2010.
Já no ano de
2011, o clube
se
manteve
na elite do futebol mineiro
para o ano
de 2012, que
Foto: Gabriel Castro
marca justamente o centenário de Divinópolis.
E hoje? Divinópolis é uma cidade com
um potencial universitário em franca
expansão, a cidade vai sendo tomada por grandes franquias nacionais e
internacionais e pipocam “Açaís” por
todas as esquinas. O Guarani segue
sendo um dos pontos onde está depositada essa tensão constante entre
tudo o que é novo - e sempre renovado - em Divinópolis e a tradição afetuosa. Símbolo disso é a frase do garoto chamado Ítalo, com seus 9 ou 10
anos de idade, ao sair do Farião após
o último jogo do time em casa no ano
de 2011, contra o Funorte: “O Guarani
quase mata a gente de raiva, mas ano
que vem tá todo mundo aqui de novo”.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
23
DIÁRIO ESCOLAR
O cotidiano de uma escola pública em Divinópolis mostra o longo caminho para a cidadania
ANDRÉ CAMARGOS
O texto a seguir narra uma história real, com acontecimentos reais. Aconteceu em uma escola pública de Divinópolis, mas poderia ter sido escolhida, com pequenas variações, em qualquer escola, e não apenas públicas, no Brasil. Já se disse, no entanto, que, se o pensamento deve ser global, a ação deve ser local. Por isso, o pedido da professora, para que os nomes dos personagens
dessa história fossem preservados, indica alguma perplexidade: por que o constrangimento? A resposta talvez indique o caminho para uma educação que ajude a construir uma Divinópolis terna.
Sete horas da manhã, toca
o sinal. Esse é o chamado de que
está na hora de todos ocuparem os
seus postos. Professores, servidores e alunos, todos seguem rumo
ao seu caminho diário. A postos em
seu devido lugar, é hora de iniciar a
aula do dia.
Os alunos maiores vão em
grupos para a sala de aula trocando
palavras em meio a muvuca pelos
corredores. Já os menores seguem
em fila com o seu professor para o
refeitório para tomarem café da manhã. O dia será longo.
Sentados e tomando o seu
café, as crianças interagem uma
com as outras entre os risos, as
conversas e as mordidas no lanche.
24
Um grito vindo da porta da escola é
escutado. Uma mãe vem correndo
atrás de seu filho, que descia correndo a escada do colégio. Passando pelo refeitório, a criança disparou
rumo à quadra esportiva da escola.
Foram voltas e voltas da mãe atrás
daquele menino que não parava de
rodear a quadra. A correria só terminou quando a professora desse
aluno, que estava com as outras
crianças, foi até a quadra para ver o
que estava realmente acontecendo
com aquela mãe e principalmente,
com aquele menino que corria sem
parar.
- Mãe, o que está acontecendo aqui?
Por que ele está correndo sem parar? - pergunta a professora.
- Ele não quer entrar na fila da merenda! - diz a mãe, se recuperando
da corrida.
- Mas, aqui, a partir do momento
que ele passou por aquele portão,
nós cuidamos dele. Pode deixar
que eu vou tentar resolver com ele
- retruca a professora.
- Ok! Aproveitando que você está
aqui, deixa eu te perguntar: a psicóloga te ligou?
Sem saber ao certo do que
se tratava, a professora diz:
- Ué, ela deveria ter me procurado
por qual motivo?
- Lembra que você me indicou a
passar o meu filho na psicóloga
devido aos problemas que ele está
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
“As crianças têm mais contato com os professores, mesmo em turno único, dentro de sala, do que com os pais em casa”.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
25
“Perguntado de por que não havia feito o exercício, o menino se calou. Um silêncio
constrangedor, que parecia durar milênios, pairou por alguns segundos.”
apresentando dentro de sala? Então, eu fui lá e deixei o nome dele,
mas ainda não me falaram nada.
A professora sem entender
onde a mãe queria chegar com
aquela conversa, continuou a escutar.
- Então faz assim, você poderia ir
lá pra mim e fazer o cadastro dele
com a psicóloga? É que eu tô sem
tempo, porque agora eu consegui
um emprego - disse a mãe, como
que ordenando.
Entendendo o que a mãe
queria dizer, a professora disse com
educação:
- Olha, mãe, eu não posso resolver
esse problema pra você. Isso vai
além do meu papel como professora. Isso deve ser resolvido por você
e não por mim.
- Então, pode deixar que eu vou tentar resolver. Esse menino tá demais
– resignou-se a mãe, se afastando.
O diálogo fez com que a
professora refletisse e chegasse à
26
conclusão de que as famílias estão
transferindo um papel que é delas
para a escola. Antes, o aluno ia para
escola para ser alfabetizado, mas
hoje, ele chega para ser educado
em todos os sentidos. O pensamento dela ia longe. Ela contava que os
professores se deparam com uma
missão cada vez mais importante e
que às vezes acaba ocupando o lugar que deveria ser da família. Isso
tudo acontece, dizia a professora,
porque as famílias de hoje têm pai e
mãe trabalhando fora. O resultado
é inevitável: as crianças têm mais
contato com os professores, mesmo em turno único, dentro de sala,
do que com os pais em casa.
Resignada, a professora voltou para o refeitório, onde o aquele
aluno já estava lanchando e brincando com os colegas. Já era o final
do horário de lanche. Nova ordem:
todas as crianças, em fila, deveriam
seguir a professora rumo à sala de
aula. Chegando lá, é à hora de fa-
zer a lição dada pela professora no
dia anterior. Quase todos retiraram
os seus materiais de dentro da sua
mochila e começaram a fazer a
sua lição, menos o aquele aluno do
transtorno de mais cedo.
Perguntado de por que não
havia feito o exercício, o menino se
calou. Um silêncio constrangedor,
que parecia durar milênios, pairou
por alguns segundos. Um colega
interveio, na tentativa de “salvar” o
amigo: - “Professora, ele não gosta
de copiar os exercícios que a professora do turno da tarde passa no
quadro.” A situação do menino só
piorava: por ser considerado indisciplinado, “irônico e mentiroso”, a
professora do turno da tarde o isolou, para que não ele não a incomodasse mais. De indisciplinado, ele
passou a ser invisível.
A professora reclama do que
ela chama de falta de limites dos
alunos. São muitos como esse, segundo seu relato. Tantos que a outra professora do turno da tarde desistiu de tentar ajudar as crianças
que apresentam comportamento
difícil.
A história que ela ouviu naquela manhã sobre aquele menino
indisciplinado a incomodou bastante ao ponto de fazê-la reportar à supervisora da escola. Apesar de seu
esforço e preocupação, a professora logo percebeu que sua conversa
não interessava. Era apenas mais
uma entre tantas a relatar a mesma
história. A supervisora fingia que
ouvia.
- Onde é que nós vamos parar? –
A professora pensava alto. Logo se
lembrou de uma reunião que havia
acontecido havia poucos dias. No
ano passado, aquele aluno e seus
colegas fizeram a chamada Provinha Brasil (ver box), para avaliar o
ensino da escola. O resultado da
prova foi divulgado neste ano e a
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
escola ficou classificada como nível
intermediário entre aquelas de ensino público. O clima pesou. A avaliação era de que a falta de compromisso de parte dos docentes foi
responsável pelo resultado ruim, o
que não agradou nem um pouco a
diretora. Era o caso de chamar uma
reunião e fazer cobranças. O recado foi claro: era preciso melhorar o
ensino ainda neste ano – e assim
melhorar o rendimento da Provinha.
Desde quando aquele aluno
indisciplinado foi expulso da antiga
escola e transferido para a atual,
ele veio chamando a atenção de todos com a sua falta de comprometimento, com o seu jeito agressivo e
irônico. Ainda assim, se comportava
como se fosse superior aos colegas
de classe. Ainda que esteja longe
daquilo que era considerado desejável pelos professores, aos poucos
foi se enquadrando às normas da
escola.
O termo, duro, talvez denote
a incapacidade do sistema de ensino de responder à nova realidade
social: pais longe de casa não conseguem energia e tempo para educar seus filhos, o que os faz colocar
toda a responsabilidade – e esperança – na escola, que por sua vez
não possui a estrutura necessária
para atender às demandas dos pais
e muito menos das crianças.
Às vezes, algumas marcas
tornam o cenário ainda mais dramático. Como aquelas, de queimadura, no braço daquele menino, de
apenas oito anos. Se não se pode
dizer que são produto de violência
doméstica, não se pode negar que
ele está sujeito a uma violência: a
da falta de cuidado que acaba por
gerar falta de perspectiva. Dele e
dos seus três irmãos, que, como
ele, chegam atrasados quase todos
“Às vezes, algumas marcas tornam o cenário ainda mais dramático. Como aquelas, de queimadura, no braço daquele menino, de apenas oito anos.”
os dias à escola e apresentam, de
uma ou outra forma, comportamentos julgados incompatíveis.
O destino escolar desse
aluno será definido por um conselho de classe, que dirá o que fazer,
imediatamente, com ele. É cogitado
que ele seja remanejado para uma
série anterior à atual, pois, mesmo
estando na segunda série do ensino básico, ele ainda não é alfabetizado. Nesse conselho de classe,
a resposta deve ser imediata. Algumas perguntas, no entanto, ficam
sem resposta: qual o futuro dele e
tantas outras crianças em igual situação? Que tipo de humanos nossas
escolas formam? Qual a sociedade
esperar em um futuro que, ao que
tudo indica, já estamos vivendo?
As respostas a tais perguntas não cabem mesmo a conselhos
de classes.
PROVINHA BRASIL
A Provinha Brasil é uma
avaliação elaborada pelo Inep,
que acontece dentro de um ciclo dividido em duas etapas durante o ano letivo das escolas.
O seu objetivo é diagnosticar o
nível de alfabetização das crianças matriculadas no segundo
ano de escolarização das escolas públicas brasileiras.
Por ser aplicada em períodos distintos, é possível se fazer um diagnóstico mais preciso
que permite averiguar o que foi
lecionado para as crianças com
relação às habilidades de leitura
dentro do período avaliado. Com
isso, os gestores e professores
têm condições de intervir de forma mais eficaz no processo de
alfabetização dessas crianças.
A meta dessa prova é de
que até os oito anos de idade,
as crianças saibam ler e escrever, conforme uma das metas
previstas pelo Plano de Metas
Compromisso Todos pela Educação.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
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Cotidiano nada
fashion
Por Fábio Machado
De acordo com Frederico Sotero,
assessor de comunicação do Sindicato da Indústria do Vestuário de Divinópolis (SINVESD), a população
cresceu principalmente por conta
das oportunidades de emprego no
sistema ferroviário e na indústria
metalúrgica. “A posição estratégica,
perto da capital e com facilidades
para o escoamento da produção
garantiu a Divinópolis a condição de
polo mesorregional. O crescimento
dos mais de 50 municípios do Centro-Oeste gerou oportunidades para
mais de um milhão de pessoas. Por
isto, houve necessidades de investimentos em vários setores”, disse
Sotero.
O que hoje é motivo de orgulho,
no entanto, surgiu de instantes de
pura angústia, como é amplamente
sabido. Na década de 80, a estagnação da economia brasileira paralisou a indústria metalúrgica em
Divinópolis, então, sua principal e
quase único setor economicamente importante. Naquela ocasião, as
siderúrgicas empregavam parcela
expressiva da mão de obra local.
28
Foto: Fábio Machado
Divinópolis possui hoje mais de duzentos mil habitantes, segundo o
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado ano passado. A cidade é famosa
por possuir milhares de fábricas e
lojas de roupas. A indústria do vestuário gera lucros para pequenos,
médios e grandes empresários.
Marlom Barbosa possui 20 anos de experiência na confecção
A crise desempregou milhares de
pessoas que ficaram sem opções
de trabalho diante da extinção de
funções em todos os setores. Nesta
situação, os desempregados não tinham alternativa que não fosse empreender.
Foi dessa maneira, como uma resposta a um quadro de crise e quase
insolvência, que surgiu a Divinópolis polo de moda. Talvez por essa
razão há ainda muito de improviso
no setor, mesmo que a indústria
confeccionista seja importante para
o município e o torno referência nacional. Quando surgiu, no entanto,
a confecção, que demanda baixo
investimento inicial, tornou-se a alternativa daqueles que precisavam
começar o próprio negócio sem
capital e tampouco crédito. Assim,
surgiram as primeiras fabriquetas,
instaladas nos quintais dos donos.
Quarenta anos mais tarde, os empreendimentos cresceram e hoje
alimentam a indústria da moda,
abastecendo milhares de lojas pelo
Brasil. Hoje, o principal evento promovido pelo SINVESD é o Divinópolis Fashion Show, uma feira com
desfiles, mostras de tecnologia,
shows e exposição de produtos, visando ainda descentralizar o eixo
Rio/São Paulo de moda.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
Para quem não tem o nome da lista
de empresários bem sucedidos da
indústria do vestuário, o dia-a-dia,
longe das passarelas, é bem diferente, todavia. Para muitos operários a rotina de trabalho começa
na madrugada e avança até a noite. Marlom Barbosa tem 20 anos e
trabalha em uma loja no shopping
Center Plus. Ele explica que trabalhar em confecção não é fácil.
“Acordar às 6h e não ter hora para
dormir é complicado. A produção é
a parte mais sofrida”, comentou.
e prazos melhores em outros lugares”, comentou.
O balconista compara a fábrica de
tecidos a uma fundição onde existe o setor administrativo e o espaço
onde os operários sofrem com a falta de horários para descanso e alimentação. “Já cheguei a dormir às
2h para entregar mercadoria, pois
o cliente precisava com urgência”,
desabafou.
Maria de Lurdes Nunes, moradora
do bairro Rancho Alegre, começou
a bordar calça jeans por acaso e fatura conforme o tamanho do bordado, que varia de R$ 1,50 a R$ 2,50.
Questionada sobre o valor da calça
que ela produz, a resposta surpreende. “Minha filha Larissa já comprou calças em lojas onde o preço
médio é de R$ 150,00”, contou.
Lurdes Maria é revendedora em
Belo Horizonte e cliente fiel das fábricas de Divinópolis há pelo menos
dezoito anos. “As mercadorias de
Divinópolis são muito boas. Os preços, porém, não não agradam tanto. Encontro preços melhores em
outras cidades encontramos preços
Opinião diferente tem a vendedora
Renata Imaculada. “Tenho dificuldade em convencer o cliente a levar mercadoria, pois a concorrência
está forte e eles preferem considerar o preço do que a qualidade
das peças”, disse ela. Entretanto,
os desafios vão além da loja. Muitas donas de casa também se sentem prejudicadas pela indústria da
moda.
Para quem faz facção, o lucro é de
aproximadamente R$ 0,40. Suelem
de Cássia mora no mesmo bairro
e explica que recebia diariamente
cerca de cem calças jeans e ficava até tarde da noite para cumprir a
meta de vendas. Para isso, contava
com a ajuda da mãe. “Eu ganhava
dois centavos por peça,. A fábrica
trazia muitos sacos para serem rematados. Eu recebia R$ 60,00 no
final do mês”, contou.
No bairro Interlagos, a casa de
Agda Aparecida Plácido virou uma
pequena fábrica. Porém, ela garante que os propósitos são grandes.
“Adoro o que eu faço. Adoro modelagem. Eu trabalhava no supermercado, mas sempre ajudei a minha
mãe que é costureira há mais de
quarenta anos. Então, decidi trabalhar por conta própria. Acordo todos
os dias às 5h e paro às 20h. Trabalhos aos sábados e, às vezes, aos
domingos. Tenho uma boa carteira
de clientes em Minas Gerais. Desejo exportar minha produção”, disse
ela.
Assim, enquanto diariamente milhares de peças de roupas saem
das lojas para as ruas, as vidas de
pessoas que atuam por trás das
cortinas, na confecção destes produtos, seguem incertas, à mercê do
mercado da moda.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
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A cidade: o rio
O rio Itapecerica, um dia, viu nascer uma cidade, que agora sonha com a volta do rio
Por : Marcela Knupp
O rio Itapecerica sempre foi tema de
grandes discussões em Divinópolis.
Grande parte dos políticos ao longo
da história da cidade teve como proposta a revitalização do Itapecerica e
também o tratamento de esgoto, jogado in natura no rio. Não é diferente
agora: o atual prefeito, Vladimir Azevedo, publicou, em maio de 2011, a
abertura da Consulta Pública sobre
o Contrato de Programa para Prestação de Serviços Públicos de Abastecimento e Água e Esgotamento
Sanitário do município, que destaca
a parceria feita pela prefeitura com
a Copasa no abastecimento de água
e tratamento do esgoto, logo do rio.
Vladimir Azevedo, o diretor
da Copasa, Ricardo Simões, e o diretor geral da Agencia Reguladora
de Serviços de Abastecimento de
Água e de Esgotamento Sanitário
do Estado de Minas Gerais (ArsaeMG), Antônio Abrahão Caran Filho,
estiveram presentes para assinatura
do decreto que “estabelece regulamentos para a realização de consulta
e audiência pública sobre o contrato de programa para a prestação de
serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no município de Divinópolis.”
Durante a solenidade, que
pode ser histórica, caso suas ações
sejam concretizadas, de apresentação do plano de despoluição do Rio
Itapecerica e ampliação do sistema
de abastecimento, que terá investimento total de R$220 milhões, estiveram presentes muitas autoridades,
pessoas influentes da cidade como
vereadores e ex-vereadores, empre-
30
sários, representantes de instituições
de ensino, imprensa, entre outros,
que discutiram os benefícios e malefícios para a cidade e o cidadão.
Com a assinatura do convênio,
foram estabelecidas metas. A primeira
é que, para 2012, ano do centenário,
seja inaugurada a primeira estação
to da primeira ETE inaugurada é que
nós vamos dividir com a população
a remuneração desse sistema. Isso
iria acontecer de qualquer maneira
– com o sistema do município ou da
iniciativa privada”, afirmou Vladimir.
A parceria, para Copasa, não
será um mau negócio. É o que garante o diretor Ricardo Simões. “DiFoto: Marcela Knupp
de tratamento de esgoto (ETE) da
bacia do rio Itapecerica. A segunda
e mais ansiada pela população promete que, em cinco anos, o rio Itapecerica, por fim, estará limpo. É claro
que isso pesará no bolso dos divinopolitanos – mas até 2013 nada será
cobrado, é o que garante o prefeito.
“Estamos bancando a parte de manutenção a todas as famílias divinopolitanas até março de 2013 e certos de
que só depois de iniciado o tratamen-
vinópolis é uma das cidades mais
importantes atendidas pela empresa em relação ao abastecimento de
água. Agora, podemos dizer o mesmo em relação ao esgotamento sanitário. Isso nos deixa muito satisfeitos.”
A situação do Rio Itapecerica preocupa toda a população. Se
chover, o nível da água sobe e, com
isso, o abastecimento de água pode
ficar comprometido. Em dezembro
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
de 2008, o município enfrentou a
pior enchente registrada desde as
últimas duas décadas, quando o
Itapecerica ficou nove metros acima de seu curso normal e causou
grande estrago na cidade. Cerca de
100 famílias ficaram desabrigadas.
água em alguns bairros é constante,
moradores dos bairros mais afastados
reclamam também do mau tratamento da água. O temor da população é
que de alguma forma o novo serviço possa piorar o abastecimento de
água. E, pior, com aumento de tarifa.
Com a concessão do tratamento de esgoto, a Copasa aumentará sua
demanda de forma considerável. É de
se supor que as reclamações contra
ela também tendem a aumentar. Hoje,
a companhia é uma das empresas
com maior índice de reclamações da
cidade. A falta de abastecimento de
O presidente da Copasa, Ricardo Simões, explica quais medidas serão tomadas com relação ao
assunto. “Teremos um trabalho árduo, mas iniciamos bem. O prefeito
avançou ao realizar um estudo prévio para a implantação do sistema.
Esse foi um facilitador enorme”, disse.
OUTROS TEMPOS
Quando era vereador, o prefeito Vladimir Azevedo era contrário à proposta do então prefeito Demetrius Arantes Pereira, que, em 2007, propôs exatamente o mesmo: passar o tratamento do esgoto para Copasa. Vladimir justifica sua
mudança de opinião, apontando falhas no trabalho de seu antecessor. “Eu nunca
fui contra a Copasa. Sempre disse de forma muito clara que era contrário à forma como a coisa estava sendo feita. Agora estamos fazendo uma parceria para
salvar o Itapecerica. Em cinco anos, vamos entregar um rio cristalino”, garantiu.
O Controlador Geral do Município, Kelsen Rios, explicou que o convênio
atual, que tem vigência de 30 anos, permite que o município seja parceiro na gestão
do tratamento do esgoto. Vladimir disse estar certo de que a Prefeitura fez o melhor
para a população. “Nós vamos fazer cumprir o Plano Municipal de Saneamento.
O planejamento é do município. A fiscalização e a organização são compartilhadas entre o Estado e Município. São coisas que eu não abria mão quando
era vereador”, afirmou o prefeito.
Para garantir o cumprimento dos termos da parceria com a Copasa, o prefeito assinou um convênio com a Arsae-MG, que ficará responsável pela fiscalização do andamento das obras. Ainda assim, vereadores que fazem oposição ao
prefeito não ficaram satisfeitos com o processo. A vereadora Dra. Heloísa Cerri
afirma que não é contra o tratamento do esgoto, conseqüentemente do rio. O único problema, diz, foi a forma como o processo se deu. “O processo foi conduzido
de forma autoritária, sem passar pela Câmara e sem qualquer discussão. Foi
apenas um projeto que já foi entregue pronto”, esbravejou Cerri. Ainda de acordo
com Dra. Heloisa, o prefeito afirma que os vereadores já sabiam do planejamento. O argumento não convenceu a vereadora: “Onde ficou a democracia reclamada pelo prefeito, não faz três anos, quando ele era vereador?”, indagou Heloisa.
Alheios aos murmúrios, o prefeito e a Copasa assinaram um contrato
milionário, com a promessa de que a população será a grande beneficiada. A
ela caberá pagar a conta depois de 2013 – caso a promessa de Vladimir, que
poderá tentar a reeleição em 2012, seja cumprida. Depois disso, a população
arcará com um aumento previsto de 40% a 70% do que paga hoje pela água.
Plano Municipal de
Saneamento Básico
O que é
- O Plano Municipal de Saneamento
visa a planejar os serviços de saneamento básico de Divinópolis de 2011
a 2016;
- A maior promessa é a completa limpeza do Itapecerica em no máximo
cinco anos;
- A curto prazo, o Plano quer já fazer
funcionar uma Estação de Tratamento de Esgoto até o centenário, em
2012.
Objetivos
- Avaliar e caracterização da situação
de salubridade ambiental do município;
- Definição de ações para emergência
e contingências em casos especiais,
com criação de procedimentos que
otimizem a aplicação de recursos,
- Definição de mecanismos, procedimentos e regras para avaliação das
ações e seus responsáveis.
Ações
- Realizar obras complementares na
Estação de tratamento de Esgoto do
Itapecerica,
- Melhorar e ampliar o sistema de distribuição de água,
- Implantar o abastecimento de água
na zona rural,
- Impedir o alagamento do Rio Itapecerica em época de chuvas
- Realizar projeto de interligação entre os sistemas Itapecerica e Pará.
Custo
- R$ 220 milhões, sendo R$145 milhões sairão dos cofres do Município
e o restante virá da parceira Copasa;
- A empresa estatal cobrará pelo serviço, mas há a garantia de que 4%
do faturamento mensal do sistema
sejam destinados à Prefeitura de Divinópolis;
- A população arcará com um acréscimo entre 40% a 70 % sobre o valor
atual de suas conta de água.
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
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Cidade
POLÍTICA
CULTURAL
O perene desafio de
uma cidade moderna
Por Renato Mesquita Pereira
As transformações da política cultural em Divinópolis mostram o quanto é
difícil o planejamento do setor em uma cidade multifacetada e que os costumes
se transmutam rapidamente através dos anos.
O maestro e arranjador Luiz
Carlos Fernandes, mais conhecido como Luizinho, contou com um ar ligeiramente
nostálgico a história da Escola Municipal de Música,
tentando-se lembrar dos
detalhes que lhe foram indagados. Foi no começo dos
anos 80 que o jovem músico, que há pouco tempo havia assumido a regência da
banda de música municipal
começou a propor à seção
do município que tratava da
política cultural de Divinópolis algumas reformas. Na
época, não havia ainda uma
Secretaria de Cultura, mas apenas
uma divisão cultural da Fundação
Municipal de Educação de Divinópolis, Fumed, – inclusive essa divisão
era chefiada pela notória poetisa
(que, diga-se de passagem, prefere
ser chamada de poeta) Adélia Prado.
O maior dos projetos e idealizações
do regente da banda foi a rápida criação de uma escola de música.
Aquela escola, porém, era muito diferente da que hoje vemos ao lado
do Teatro Municipal do Gravatá. Ela
não existia formalmente e começou
com uma pequena escola da banda
32
O Complexo Cultural do Gravatá
de música. O professor: Luizinho, o
único regente da banda. As origens
da escola foram muito modestas.
Os instrumentos musicais da banda
municipal eram todos atravessados,
cheios de fitas isolantes. O que fazia
a escola trabalhar era o anseio dos
músicos. Funcionava em uma acanhada casa com uma única salinha,
localizada em local pouco oportuno.
Tão pouco oportuno que não tardou
a ser tragada pelo Itapecerica. Partituras, móveis, instrumentos tudo
engolido pelas águas. Talvez o que
tenha poupado a escola de um final
repentino seja o fato de que
ela ainda não estava nem
nascida direito. Em novo local, o Luizinho prosseguiu
com seus esforços de administrar sozinho uma escola.
Ainda era o único professor.
Depois das aulas ficava até
tarde limpando a escola e
preparando o lugar para o
dia seguinte. Enquanto a
Escola de Música ia tomando corpo, começava a surgir
no município algumas intervenções do poder público
na área da cultura.
Em 1987, no governo do
Aristides, uma lei transformou a divisão da Fumed responsável pela cultura em FUMC (Fundação
Municipal de Cultura), que criou uma
maior participação de artistas e folcloristas nas políticas culturais. No
mandato do seguinte prefeito, Galileu
Teixeira Machado, a FUMC foi encabeçada pelo poeta Osvaldo André,
introduziu na escola de música da
banda municipal professores de instrumentos que já não eram de banda,
como por exemplo, Roberto Brasil,
professor de violão clássico e. Em
1994 a escola já estava bem próxima do que é hoje, com um quadro de
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
professores contratados, mais regentes e contramestres. E assim surgiu a
Escola Municipal de Música Maestro
Ivan Silva.
Muito embora histórias como
a da Escola de Música demonstrem
que os espaços culturais podem se
criar de forma quase espontânea, por
meio de iniciativas de agentes culturais, uma política cultural sempre foi
uma insuficiência de Divinópolis. O exsecretário de cultura Osvaldo André,
que trabalhou nas duas gestões do
Galileu, na primeira gestão, a FUMC,
em 2001 a Secretaria Municipal de
Cultura desvinculada da Secretaria
de Educação - é um que viveu esses
fatos. Osvaldo André esteve envolvido nas artes desde os tempos de
adolescente, quando os movimentos
artísticos surgiam de forma fervilhante na cidade, sem que houvesse necessariamente participação dos governos. Nessa época, havia o Grupo
Reunião, do qual ele participava, e
bastava que fosse colada meia-dúzia
de cartazes em portas de lojas na rua
Goiás e na 1º de Junho que o público para as mostras de poesia, música, teatro organizadas pelos artistas
e sem intenções comerciais estava
garantido. O ponto de encontro era o
Divinópolis Clube.Ele conta que nessa época só precisou buscar o auxílio
do governo em uma ocasião. Um estudante havia sido morto no Edifício
Maletta, em Belo Horizonte, em uma
repressão dos militares. Ele fazia parte de um grupo artístico muito jovem
que estava organizando um vernissage. Nessas ocasiões, era costume
servir como coquetel uma batida de
laranja. Naquela reunião, no entanto,
decidiram que não haveria consumo
de bebidas alcoólicas, e sim de leite. A logística do leite num tempo em
que não havia ainda pasteurização
era tão complexa e cara que eles decidiram procurar o auxílio do prefeito
da época, que era fazendeiro. Eles
seguiram justamente para a casa do
prefeito, mas não passaram nem da
porta. Provavelmente perplexa pelo
pedido pitoresco, a esposa do prefeito nem se deu ao trabalho de avisálo que um bando de artistas estava
pedindo o patrocínio.
Osvaldo fala desse tempo de forma
um pouco saudosa ao reconhecer o
problema de qualquer intervenção
Luiz Carlos Guimarães trabalha atualmente na área administrativa da Secretaria de Cultura.
estatal nas atividades artísticas: a liberdade do artista é restringida, pois
os próprios editais determinam as diretrizes que as produções devem ter
para conseguirem os benefícios de,
por exemplo, serem financiadas por
uma lei de incentivo.
A segunda ocasião que Osvaldo André procurou o auxílio das
políticas culturais do município para
realizar uma empreitada artística é
recente. Em ocasião do centenário
da cidade. Ele idealizou o projeto Biblioteca Memorial do Centenário: Divinópolis na Moldura Literária, que vai
publicar cinco livros inéditos de escritores divinopolitanos que se passam
na nossa cidade, ambientados em
uma Divinópolis do passado e que
contribuem para que nós tomemos
conhecimento de nossa história. O
artista, que já lançou inúmeros outros
artistas divinopolitanos admite que
hoje não sabe se conseguiria captar
recursos para esse tipo de projeto
sem ajuda do governo. O atual secretário de Cultura, Bernardo Rodrigues,
ao ser entrevistado sobre o trabalho
da secretaria na atual gestão, faz um
bom parâmetro que demonstra um
pouco essa transformação. Projetos
como o já tradicional Concerto de
Natal, que verdadeiramente surgiram
da iniciativa dos próprios músicos, já
contam com a participação de leis de
incentivo a cultura.
Em direção ao centenário:
Arte e empreendorismo. É praticamente impossível separar arte de patrimônio cultural quando se trata de
políticas públicas. Vemos isso, por
exemplo, ao pegarmos uma lista de
projetos aprovados pelas leis de incentivo a cultura municipais. Vemos
desde publicações de livros, peças
de teatro, eventos musicais e exposições de artes plásticas até projetos
relacionados ao patrimônio histórico
e artísticos. Mas são essas coisas tão
intrínsecas umas as outras assim?
Não. Mas é inegável que o poder público possui critérios para escolher
quais atividades deverão receber
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
33
auxílio. Isso pode acabar ocasionando algumas injustiças, pois, de fato,
cabe ao poder público decidir qual
projeto é mais importante que outro
para o interesse da população. No
caso da preservação do patrimônio
histórico é muito mais simples identificar quando uma ação é relevante
e quando não, mas como fazer isso
com a arte?
Essa questão foi exatamente
um dos pontos mais importantes da
conversa que eu tive com o secretário de cultura do atual governo de
Vladimir Azevedo, Bernardo Rodrigues. Afinal, como um artista deve
agir para que consiga os benefícios
de uma lei de incentivo a cultura? De
acordo com Bernardo: o artista deve
ser empreendedor. E é verdade, pois
a lógica do mercado infelizmente se
aplica. O artista ou seu produtor não
só precisam aprovar um projeto na lei,
mas, mais do que isso, captar fundos
para eles. Uma empresa, ou pessoa
física, injeta parte dos impostos que
seriam pagos ao governo na cultura.
Eles podem ao invés de pagar tributos ao estado investir em uma iniciativa em que confiem – investimento
que será abatido nos impostos. E fica
a cargo do artista conseguir esses
investimentos. Ele, literalmente, precisa vender o projeto para o máximo
de pessoas, ou ele não acontecerá, mesmo que aprovado pela lei. O
próprio secretário Bernardo disse ter
conseguido a aprovação de um pro-
jeto na lei de incentivo a cultura
municipal, mas a falta de tempo
disponível o obrigou a contratar
alguém que conseguisse viabilizar financeiramente seu projeto por ele.
O secretário, que além
do cargo público e do magistério, também é músico - é otimista quanto ao futuro das políticas
culturais da cidade, pois elas
cada vez mais são amparadas
e garantidas por leis. De acordo com Bernardo, as leis são
o foco da administração atual,
pois são elas que afiançam que
esse trabalho tenha prosseguimento
nos governos vindouros. A justificativa é verdadeira posto que a continuidade do governo é uma das várias
garantias da Constituição Federal e
do Estado que, por falta de regulamentação eficaz, não funcionam. O
problema é grave, pois representa
desperdício das já escassas verbas
destinadas a cultura. Exemplo disso
foi o que aconteceu em 2004: no início do governo de Demetrius, a Secretaria de Cultura estava a cargo do
secretário Eugênio Guimarães. Sua
chefia foi acusada de ignorar a existência do “Programa de Continuidade
de Trabalho” da administração anterior. Por conta disso, alguns projetos
como a exposição Memória de Divinópolis, do Museu Histórico, foram
descontinuados. Por outro lado, foi
nessa gestão em que uma das maiores conquistas de um espaço público cultural foi finalmente concretizada: o
Teatro Usina do Gravatá.
Bernardo Rodrigues garante a gestão
atual tem um foco mais
“arrojado”, se referindo à
perspectiva de uma política cultural de empreendimentos e iniciativas –
que procura também criar
esse pensamento nos artistas. O músico Gabriel
Menezes, considera que,
Osvaldo André foi secretário de cultura duas
vezes. Uma das vezes foi na primeira gestão
da Secretaria de Cultura de Divinópolis.
de uma forma ou de outra, o sucesso
de uma empreitada artística depende
mais do artista do que das políticas
públicas. “Ou você corre atrás ou a
coisa não caminha. Tem ficar atento
às possibilidades e às ‘carências do
mercado’ pra achar um espaço de
ganhar grana e viver disso”. Parece
que, as coisas não mudaram muito
nesse sentido.
O papel do Estado é facilitar o
diálogo do artista para com o público,
ou seja: dar espaço para que o artista consiga levar sua obra ao público,
tendo em vista não o artista, mas o
público – que é formado pelo povo.
Para Gabriel isso é muito importante.
Ele justifica: “O investimento na cultura é uma forma eficiente de construção do conhecimento e do caráter
do cidadão. Com mais pessoas tendo
acesso a cultura, mais a cultura acontece”.
Teatro Gravatá
34
Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011
TERNURA CRISTÃ
PANO PARA A MANGA E RETALHO PARA A BATINA
Ricardo Welbert
A Cúria Diocesana de Divinópolis
acredita que uma peça importante
para a eternidade de sua ternura
cristã está ameaçada após uma decisão tomada há 61km, na cidade de
Pitangui. Uma imagem sacra de São
Francisco de Paula, esculpida em
madeira, tem sido motivo de controvérsia. O santo faz parte da história
de Divinópolis. Foi em homenagem
a ele que o primeiro morador da cidade, o candidés Anistia de Manuel
Fernandes Teixeira, construiu uma
capela em 1937 onde, trinta anos
mais tarde, seria erguida uma igreja
tendo São Francisco de Paula e o Divino Espírito Santo como padroeiros.
O Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural e Turismo (Comcut)
de Pitangui diz que a imagem tornou-se parte de seu acervo histórico ao ser doada por Divinópolis em
24 de março de 1974, pelas mãos
do padre divinopolitano Evaristo
José Vicente e com recibo assinado
pelo então presidente do Instituto
Histórico de Pitangui (IHP), Laércio
Rodrigues, cujo texto diz: “declaro
haver recebido, nesta data, do Pe.
Evaristo José Vicente, de Divinópolis, uma antiga imagem de madeira
de São Francisco de Paulo, com a
palavra “Charitas” no peito, medindo 86 centímetros de altura e 59
cm. de diâmetro, tendo na cabeça
um esplendor de metal. Referida
imagem será incorporada ao Museu
de Arte Sacra de Pitangui, mantido
pelo Instituto Histórico de Pitangui,
com a autorização do Exmo. Sr. Bispo Diocesano, D. Cristiano de Araújo Pena”. Depois de assinar, o presidente do IHP provavelmente se
lembrou de algo que precisaria ser
mencionado. Resolveu acrescentar uma observação logo
abaixo: “Obs.: A mencionada imagem pertence à Paróquia do Divino Espiro
Santo, de Divinópolis”.
Para confirmar a autenticidade da nota,
Laércio Rodrigues
acrescentou novamente sua
firma.
Não
é possível
perceber
a olho nu
qualquer
tipo
de
diferença que possa levar a crer
que o texto foi completado e novamente assinado depois de um espaço maior de tempo (mais de um
dia, por exemplo). Ao mesmo tempo
em que poderia estar informando
sobre a origem da imagem, o documento deixa no ar a dúvida quanto
ao verdadeiro proprietário da escultura. Hoje, o melhor seria tentar
esclarecer o caso perguntando ao
próprio Laércio Rodrigues – o que
é impossível, pois ele já faleceu.
Na década passada, após muitas
reuniões entre representantes do
patrimônio histórico de Pitangui e
da Igreja, a diocese de Divinópolis pediu a devolução da imagem,
alegando que ela pertence à Paróquia do Divino e que a peça foi
deixada sob a guarda do Instituto Histórico de Pitangui apenas
como empréstimo. São Francisco
Santo fora da igreja: imagem de São Francisco
de Paula permanece sob a guarda do Instituto
Histórico de Pitangui
de Paula deveria voltar para casa.
O presidente do Comcut de Pitangui, Ronan Ivaldo, propôs uma ação
de usucapião de bem móvel para
que não restasse nenhum questionamento. Segundo ele, todos os
requisitos ou pré-requisitos para
ajuizar a ação de usucapião eram
preenchidos satisfatoriamente. Usucapião é um tipo de processo judicial também chamado de prescrição
aquisitiva, por ser um direito que é
adquirido pela influência do tempo
de posse. Porém, esta tentativa tornou-se inválida graças a uma lei canônica (da Igreja Católica) que proíbe usucapião sobre bens da Igreja.
O Comcut resolveu dar início ao
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processo de tombamento de 22 imagens sacras - o que, de acordo com
Ronan Ivaldo, iria proteger as obras
e melhorar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS) do município. A decisão foi
aprovada pelo prefeito de Pitangui,
Evandro Rocha Mendes (PT). Notificada, a Cúria Diocesana de Divinópolis apresentou, dentro do prazo,
documento no qual condena, por
vários motivos, o tombamento das
imagens sacras listadas pelo Instituto Histórico de Pitangui.
De acordo com o texto redigido em 12 de outubro
de 2010, “nada informa [na
lista de peças arroladas]
acerca da natureza dessa
guarda ou a quem pertencem as imagens”. Assinado pelo bispo diocesano
Dom Tarcísio Nascentes
dos Santos, o documento
diz que no Brasil, particularmente em Minas Gerais,
muitas imagens permanecem desaparecidas depois
de terem sido ilegalmente
retiradas de capelas e igrejas as quais pertenciam.
Por isso, o Instituto Histórico de Pitangui precisaria
apresentar condições seguras para a verificação da
origem de cada uma das
imagens. Sobre o recibo
de entrega da imagem de
São Francisco de Paula em Pitangui, o documento aponta para uma
interpretação errônea do texto redigido pelo então presidente do IHP,
Laércio Rodrigues. “Muito embora
S. Sa. mencione no recibo que “a
imagem será incorporada ao Museu de Arte Sacra de Pitangui (...)”,
no rodapé reafirma que “a mencionada imagem pertence à Paróquia
do Divino Espírito Santo, de Divinó-
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polis”, assinando de novo a seguir.
Importante observar que não diz
que pertenceu ou que pertencia,
mas que pertence”. Procurado, o
bispo Dom Tarcísio Nascentes dos
Santos disse que o Instituto Histórico de Pitangui não se manifestou
após o envio da carta de impugnação pela Cúria Diocesana de Divinópolis. “Recebemos a notificação
do processo de tombamento, enviamos nossa manifestação contrária
e não fomos respondidos”, disse.
várias outras imagens sacras arroladas no processo de tombamento, que poderiam ter sido furtadas
em outras localidades e, por algum
motivo, ido parar no acervo do Museu de Arte Sacra de Pitangui, os
dizeres fornecidos pelo presidente
do Comcut daquela cidade diz que
“não merece [ser] acolhida a tese
impugnativa, pois, como cediço, a
Constituição Federal de 1988 privilegia e assegura o princípio de
inocência, incumbindo o ônus da
prova a quem alega ser outrem
culpado de qualquer prática ilícita”. Na mesma contestação,
Ronan Ivaldo coloca que os
membros do Comcut poderiam
estar seguros da continuidade
do processo. No dia 10 de novembro de 2010, o tombamento
definitivo do conjunto de obras
foi aprovado por unanimidade
pelos integrantes do Conselho.
Hoje, as vinte e duas imagens
sacras – entre elas a de São
Francisco de Paula – estão
devidamente protegidas pelo
instrumento de tombamento e
permanecem sob a guarda do
Instituto Histórico de Pitangui.
Cúria Diocesana de Divinópolis prepara reação
Padre confessa
A reportagem de Questões teve
acesso com exclusividade a um
texto escrito pelo presidente do
Comcut de Pitangui, Ronan Ivaldo,
no qual ele tenta derrubar os argumentos da Cúria Diocesana. Em
relação à suspeita lançada de que
o Instituto Histórico de Pitangui não
saberia apontar os proprietários de
O vigário geral da Diocese de
Divinópolis, padre José Carlos
de Souza Campos, garante outras medidas. “Existem coisas
que estamos planejando e que ainda são questões internas”, disse.
Voltando no tempo, José Carlos explicou que Dom Cristiano, por volta
de 1959, quando foi criada a Diocese, teve a ideia de fundar um museu
diocesano de arte sacra em Pitangui, um dos municípios mais antigos da região. O bispo recomendou
que várias imagens da paróquia
de Divinópolis e de outras cidades
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Réplica
Segurança: Conselho Municipal do Patrimônio Histórico de Pitangui diz que imagem estaria
“correndo risco” se estivesse em algum altar de igreja
ligadas à Diocese fossem transferidas para o acervo pitanguiense.
Naquele tempo, a Igreja Católica não
queria que seus templos tivessem
muitas imagens. Por isso, várias
peças foram entregues a famílias
que prometeram guardá-las para a
Igreja. Ao longo do tempo, muitos
foram tomando posse destes bens.
Revoltado, o vigário José Carlos diz
que a parte de Pitangui deveria ter
procurado reunir os personagens
envolvidos na movimentação da
imagem. Um destes personagens,
talvez o mais importante ainda vivo,
é o padre que, em 1974, entregou
pessoalmente a imagem sacra de
São Francisco de Paula em Pitangui.
Procurado, o hoje monsenhor Evaristo José Vicente, aos 77 anos de
idade, confirmou a versão apresentada pelo vigário geral José
Carlos. Disse que, naquela época,
Em uma tentativa clara de acalmar
os ânimos e estabelecer a ordem,
o vigário geral divinopolitano José
Carlos de Souza Campos cogitou a
possibilidade de presentear o Instituto Histórico de Pitangui com uma
réplica da imagem de São Francisco de Paula em troca da original. Ao
tomar conhecimento da proposta,
Ronan Ivaldo, presidente do IHP,
disse que poderia disponibilizar a
imagem original para ser analisada
pelo fabricante da réplica, mas que,
de maneira nenhuma, permitiria que
o bom e velho São Francisco de
Paulo ocupasse novamente o altar
da Catedral de Divinópolis. “Expor
a imagem original ao risco de roubo e colocar uma réplica de museu simplesmente não faz sentido.
Uma réplica não tem valor histórico
nenhum. Mas para cultuar a imagem, a réplica equivale à original”.
Dom Cristiano, preocupado com
a exposição de uma imagem tão A Cúria Diocesana de Divinópolis
importante, resolveu enviá-la aos diz que, por enquanto, tenta necuidados do Museu de Arte Sacra gociação pacífica com o Instituto
de Pitangui, que era acompanhado Histórico de Pitangui. Revela ainda
pelo padre Guerino Pontello, já fa- a abertura de uma investigação inlecido. “Levei a imagem a título de terna a respeito de outras imagens
empréstimo, com a autorização do sacras que possam ter sido retirabispo da época. O museu de arte das de outras igrejas, pertencentes
sacra pitanguiense ficou responsá- a outras dioceses. O presidente do
vel pela custódia da imagem, mas IHP, Ronan Ivaldo, diz que esta será
não se tornou proprietário dela. Tan- uma briga eterna e que só aceitará
to é que o recibo assinado naquele a afirmação de que alguma de suas
dia diz claramente que ela pertence imagens pertence à outra instituià paróquia do Divino Espírito Santo, ção se houver provas verdadeiras
de Divinópolis. Há um enorme erro a respeito. Por enquanto, o caso
de interpretação por parte do Ins- ainda não corre na Justiça. Esta
tituto Histórico de Pitangui”, disse história, como diz um velho ditado,
Evaristo. O Instituto Histórico de Pi- ainda renderá muito pano para a
tangui embasa seus argumentos no manga e retalho para a capanga.
já mencionado trecho do recibo que
diz que a imagem, naquele dia 24
de março de 1974, passou a fazer
parte de seu museu de arte sacra.
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Crônicas de uma cidade,
Cenas de Divinópolis e seu trânsito
Rafael Moreira
Os bombadões e o repórter.
Tarde chuvosa de sábado.
O vento frio não amainava o clima
estranhamente quente do trânsito
de Divinópolis. Era quase uma da
tarde, muitas pessoas paravam de
trabalhar, o centro estava congestionado de pessoas e carros. Para
piorar, o repórter não conseguia
gravar o VT. Agora vai. Não ia. De
novo. Tudo bem, paciência. Era
plantão de fim de semana, quando
normalmente o cinegrafista era repórter, o repórter, editor, e o editor,
operador de VT. Tudo bem: parecia
carnaval.
Mas não era carnaval e chovia e
ventava frio. E o repórter não acertava. Só faltava a bendita passagem para terminar o VT e o infeliz
não acertava. Quem sabe não é o
lugar?
A Avenida 1º de junho é movimentada, e isso desconcentra o repórter. Nada: o infeliz fincava o pé.
Tinha que ser ali.
Quase três da tarde e nada – a não
ser o frio e a chuva, que parecia
não acabar jamais. Nessas alturas, nem o mais santo dos homens
suportaria a situação. O cinegrafista, podia-se ver em seu semblante,
não estava mais cansado – estava
enfurecido.
Uma passagem! O dead-line chegando, a fome apertando e nada
de o repórter acertar o texto. E
ainda tinha um ou outro gaiato:
- Olha o pessoal da TV ai!
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Foto-Rafael Moreira
diziam sempre, como que a admirar que jornalista trabalha mesmo
e que o cotidiano dos telejornais
é produzido na cidade, não nos
estúdios.
- Filma nós, filma nós – gritavam
alguns.
Até hoje não consigo qualificá-los.
Não consigo dizer se são bobalhões ou sacanas, que gostam de
espezinhar os pobres coitados que
trabalham sob chuva numa tarde
fria de sábado.
Naquele dia, no entanto, os jornalistas se sentiram vingados. A cena,
porém, revela mais do que uma
vingança celestial – revela muito do
estado do trânsito em Divinópolis.
Filma nós!
Engarrafamento na Avenida Getulio Vargas
- Boooooooooooouuuuummmmm!!!
O carro dos bombadões bateu na
traseira do outro veículo que trafegava à frente – e que nada tinha de
entrar na cena da vingança dos jornalistas. O problema é que não era
vingança – era a mais pura realidade. Se não fossem os jornalistas,
aconteceria a cena?, podem estar
se perguntando os serenos leitores. Mas se não fossem jornalistas
de TV, com suas canoplas e câmeras, seria uma moça bonita (ou
feia); um senhor idoso; um outro
bombadão concorrente, que lhes
causaria o comichão da inveja. E a
cena estaria ali, impecável, como
que a retratar o espírito da cidade.
Tão logo os bombadões saíram do
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carro, já sem aquela falsa leveza
de imeditamente antes, fizeram o
que sabem fazer: usar a violência.
No início, apenas palavras. Mas
logo, os sopapos verbais chegaram
à via de fato. Selvageria: os olhares incrédulos diziam isso a todo
pulmão. O trânsito parou. Por um
instante, a cidade parou. O mundo
inteiro parou.
A 1º de Junho só voltou a se movimentar depois de palavrões,
sopapos, buzinas nervosas – e da
chegada dos agentes da multa.
Vida que segue. Graças a Deus,
também para o cinegrafista: o VT
caiu.
Foto: Rafael Moreira
Rua São Paulo esquina com AV. Antonio Olimpio de Morais,
Agentes de trânsito auxiliam pedestres.
Os motoristas e suas frases
É difícil seguir as leis de trânsito
em Divinópolis: as vias, sem sinalização, as faixas de pedestre,
inexistentes.
Ainda assim o motorista cismava
de respeitar as leis de trânsito.
Andava sempre dentro do limite de
velocidade que a via exige, nunca
mudava de faixa sem dar seta ou
se certificar de que não vai atrapalhar o motorista da outra faixa.
Bastava que o pedestre fizesse
menção de atravessa a rua, tão
logo pisava na faixa, ainda que
imaginária, parava o carro, para o
olhar entre agradecido e estupefato
dos pedestres.
Os motoristas, seus colegas de
trânsito, é que não perdoam.
Basta que iniciasse a frenagem,
logo, um carro vem e cola na traseira do seu veículo.
Impaciente, apronta um salseiro e
tão logo consegue se desvencilhar
do legalista:
- Aqui, ó, seu barbeiro!
Outro é mais violento: cola na traseira, pisca farol, acelera, buzina.
Reduz e acelera:
- Sai da frente, filho da puta!
Com mulher seria cômico, não
fosse trágico:
- Ah, dona Maria, vá pilotar fogão!
E há os frustrados, incertos com
o sua sexualidade, invejosos ou
inseguros:
- Que merda! Tinha que ser mulher
mesmo!
A esses, não há lei de trânsito que
dê jeito. Talvez Freud, talvez Freud.
Foto: Rafael Moreira
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