QUESTOES FINALIZADA - 23 SETEMBRO DE 2011.indd
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Divinópolis é terna? Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG Ano 8 Número 5 Outubro de 2011 . . Editorial Os primeiros cem anos do resto de nossas vidas Esta é uma edição especial de QUESTÕES: é inevitável admitir que ela foi pensada e realizada no interior do esforço de co-memoração, iniciado pela proximidade do centenário de emancipação política de Divinópolis. A revista, no entanto, pretende um olhar distinto do oficial – não por desejo de distinção, mas uma espécie de formação congênita: QUESTÕES nasceu para experimentar formas e ideias. É assim que, sendo uma revista-laboratório e principalmente com o intuito de problematizar Divinópolis e região, QUESTÕES entende o jornalismo não como um espelho da realidade, mas como um farol, que, ao lançar luz sobre problemas e fomentar debates, pretende ser um ator de transformação para que a cidade, a região e sobretudo os humanos que nela vivem consigam ser o que podem ser. Para QUESTÕES, o relógio que antecipa o centenário, inaugurado neste ano, foi disparado bem antes. Em números anteriores, já havíamos lançado o movimento Divinópolis é terna, que pretende pensar as ações que apontem um caminho para os próximos cem, duzentos, quinhentos anos de construção de uma cidade terna, justa, humana. Co-memorar, para a revista-laboratório do curso de Comunicação da Funedi/ UEMG, significa precisamente isto: lembrar juntos, para que possamos nos perdoar aquilo que precisa ser mudado; re-viver o que precisa ser resgatado. 2 Por essa razão, esta edição de QUESTÕES está especialmente memorialista. As reportagens tratam de uma memória afetiva em torno do trem e sua linha, imagens fortes, sem as quais Divinópolis não seria o que é. Discutimos o rio Itapecerica, no calor do acontecimento, mas para além dele; os encontros e desencontros: os locais onde eles se davam e dão (dão?); o Guarani Esporte Clube, uma paixão mal resolvida; os caminhos e descaminhos da educação, do trânsito, das identidades, em uma cidade cujo rosto se apaga a cada tentativa de construção; os fantasmas do Brasil Colônia que insistem em assombrar uma cidade que cismou de querer ser moderna. Para além das matérias, produzidas como esforço de laboratório pela turma do 5º Período de Jornalismo da Funedi/Uemg, na disciplina Oficina de Jornalismo II, em que se aprofundam nas estratégias narrativas para se fazer o bom jornalismo, esta edição é ainda mais especial pela presença ilustríssima de colaboradores, que fizeram e fazem a história de Divinópolis. Há poesia, reflexão, debate – mas o que o leitor, no final das contas, irá encontrar nas próximas páginas é história: boas histórias contadas como que se as ouvíssemos à beira da fogueira. Que de suas tramas possamos retirar os fios para tecer os próximos cem anos de nossas histórias. Boa leitura! Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 Sumário Trilhando uma história: Divinópolis a partir dos trilhos 4 Divinópolis: seus pontos de encontros e desencontros 8 13 17 21 24 Escola Pública, um longo caminho para a cidadania 28 A realidade nada fashion das confecções O Rio Itapecerica e a cidade de Divinópolis Tradição do Novo: Identidade cultural x modernidade 30 Divinópolis: ternura ou eternidade? 32 As transformações da política cultural em Divinópolis 35 A Terunra cristã de Divinópolis A Tradição do Guarani E xpediente Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social (Jornalismo e Publicidade & Propaganda) da FUNEDI/UEMG ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA Avenida Paraná, 3001, Bairro Jardim Belvedere CEP 35501–170 – Divinópolis (MG) E-mail: [email protected] Blog: www.revistaquestoes.blogspot.com PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS Elisângela Reis, Fabrízio Furtado de Souza, Fernando Oliveira, (FUNEDI), UNIDADE ASSOCIADA À UNIVERSIDADE DO ESTADO Flávia Lemos, Frederico Vieira, Gerlice Teixeira Rosa, Gilson Raslan DE MINAS GERAIS (UEMG) – Professor Gilson Soares – Filho, Janaina Visibeli, Jader Gontijo Maia, João Basílio Costa e COORDENADORA GERAL DO INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR Paula, Márcia Helena Batista, Paulo César Pereira, Renata Loyola, E PESQUISA (INESP) – Professora Ivana Prado de Vasconcelos – Rosane Beltrão, Sânia Mascarenhas – DIAGRAMAÇÃO – Alunos COORDENADORA DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL do 5º período e profa. Renata Loyola – CAPA – César Cedro DA FUNEDI/UEMG – Professora Janaina Visibeli – CORPO (5º período) – REVISÃO – Anna Lúcia Silva, Renato Mesquita DOCENTE DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA e Gilson Raslan Filho – EDITOR – Professor Gilson Raslan Filho FUNEDI/UEMG: Ana Paula Martins, André Flávio C. Rabelo, (MG 05622 JP) – FOTOLITOS E IMPRESSÃO – Fumarc (Belo Batistina Corgozinho, Célia Pedrosa, Cristina Silva Gontijo, Horizonte – MG) – TIRAGEM – Mil exemplares (distribuição gratuita) Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 3 Trilhando uma história Uma cidade que cresceu ao redor dos trilhos Por Juliana Faria - Não vejo a hora deles acabarem com isso aqui. De tirarem essa linha daqui. Ela ouviu isso e sua mente divagou. Apenas ouviu sem saber quem dissera. Enquanto a cancela se levantava e o vai e vem de carros se intensificava, Ela se pôs a pensar no vazio - no vazio que aquela ausência causaria, principalmente para Ela. Justo Ela que cresceu em meio à história da ferrovia e a tradição de uma família ferroviária. Aquele cheiro de diesel, o barulho de britas sob pés, aquele calor do metal do trilho mais o cheiro de graxa do uniforme azul de seu pai que sua mãe insistia em lavar e por mais preto que estivesse, ele sempre era tirado do varal imponentemente azul e com as letras RFFSA que Ela, ainda pequena, aprendendo a ler, tentava atribuir algum sentido. Todos estes elementos foram de- 4 senterrados de sua mente pela frase dita por um personagem sem rosto. A cidade onde nasceu e cresceu teve sua entrada na modernidade a partir da chegada da EFOM (Estrada de Ferro do Centro Oeste Mineiro) no então Arraial do Espírito Santo do Itapecerica. Com a chegada da ferrovia ao arraial, o crescimento acelerou-se consideravelmente e logo a cidade foi emancipada, deixando de ser distrito da cidade de Itapecerica e tornando-se Divinópolis. Naquela época, a cidade possuía ainda poucos bairros. Sebastião Joaquim dos Santos, mais conhecido como Pantera, hoje com 84 anos, foi um dos que deixou sua cidade, Bom Despacho, para vir tentar a vida em Divinópolis. Aos 16 começou a trabalhar na Rede Mineira de Viação, que em se- guida em seguida se tornou Viação Férrea Centro-Oeste e, antes de ser privatizada, era a Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA). Há mais de cinquenta anos morador do bairro Esplanada, berço da oficina ferroviária, ele conta como era a cidade. - A rua Goiás era daqui do Porto Velho. Num era do Porto Velho, era da Getúlio Vargas até na Paraná que é o Cemitério do Centro, dali pra frente não tinha mais nada. E as casas, a cidade mesmo era da Praça da Catedral até na Sete de Setembro. O próprio bairro Esplanada possuía apenas três ruas, Ruas R, M e V e era um bairro totalmente composto por ferroviários. Até hoje, em sua maioria seus moradores são ou foram ferroviários. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 ELA NUNCA MOROU NO ESPLANADA. No entanto, assim como os moradores do bairro e de toda a cidade, conhecia bem o barulho da sirene que apitava em vários horários do dia, mas os mais significativos eram os de sete da manhã e o de 17 horas, quando o sol já tingia o céu de um belo alaranjado, enquanto sua mãe acabava de arrumar a cozinha e dizia a Ela e seus irmãos ao toque da sirene. - Ó, daqui a poquinho papai chega. E, não tardava o ônibus descer a rua lateral a sua casa, seu pai adentrava o portão. No passado, o trem de passageiros era a atração da cidade de Divinópolis que fazia o trajeto de viagem a Barra do Paraopeba, São João Del Rey e Belo Horizonte e de lá para outras localidades. Foi em um trem de passageiros que sua mãe embarcou para se mudar para o estado de Goiás com sua família. Ela ouviu essa história diversas vezes, mas só pôde compreender um pouco do que dizia sua mãe em sua primeira viagem de trem. Aconteceu em um dia do ferroviário. Naquele tempo seu pai ainda era funcionário da RFFSA e, como presente aos seus funcionários, a Rede sedia um trem de passageiros para fazer uma curta viagem. Ela se lembra muito bem da garrafa térmica cheia de refrigerante, da quantidade de salgadinhos encomendados na padaria, do barulho ensurdecedor do trem nos trilhos, do balanço do vagão, da paisagem passando ligeira na janela, na vertigem que os morros bem próximos da vista da janela do vagão lhe causavam e principalmente de vangloriar-se no dia seguinte na escola com os coleguinhas que viajou de trem. Anos mais tarde, já como uma jovem mulher, Ela viveria o charme da viagem de Maria Fumaça no trajeto São João Del Rey-Tiradentes em meio a estrangeiros e reviveria mais uma vez tais lembranças. Desde pequena, sempre ouviu que quem trabalhava na ferrovia ganhava bem. Ela julgava essa história um engodo. Seu pai recebia a conta certa para manter sua família de quatro filhos, pagar o aluguel e a conta do armazém. Não obstante, o salário dos ferroviários já fora razoável em outros tempos. Aliás, a situação das empresas mantenedoras da via férrea sempre foi inconstante. Em seu princípio, a ferrovia era estadual e já nessa época Foto Juliana Faria o governo do estado de Minas não tinha condições de mantê-la, o que atrasava consideravelmente o salário de seus funcionários. De acordo com Pantera, foi o presidente Juscelino quem resolveu a questão: -Depois então que o Juscelino veio aqui, porque ele veio passear aqui e foi visitar nós na Rede e viu como estava o andamento daquilo ali e falou: “Não, não pode ficar assim, nós vamos dar um jeito de nós passar isso aqui pra federal”. Foi e cumpriu, Eu aposentei como funcionário federal, certo? no Fernando Henrique no ano de 1996. A Rede Ferroviária Federal passou a Ferrovia Centro-Atlântica e, naquela época, o salário de seu pai foi reduzido em 50%. Não teve jeito: tiveram que se mudar para um local de aluguel mais barato, passaram dificuldades, a irmã mais velha teve que adiar o sonho da Universidade para poder trabalhar e auxiliar nas despesas da casa. O quadro de funcionários foi diminuído drasticamente, assim como os salários. A ferrovia não tinha mais a força e a importância que possuíra. O município de Divinópolis já contava com diversas outras fontes de emprego e renda e a cidade já não girava exclusivamente em torno da “linha”. O que Entrevistados: Pantera, Buião e Seu Liu restou foi a cicatriz de trilhos rasgando a cidade, o centro da cidade. E foi questão de tempo até ser apresentada à prefeitura a proposta de um projeto que retirasse parte do entroncamento férreo da região central, desviando-o para a região da cidade de Carmo do Cajuru. Para Amarílio Faustino, o Seu Liu, de 74 anos, que deixou a cidade de Teófilo Otoni transferido de sua função de mecânico na ferrovia de lá para trabalhar como caldeireiro na Rede, essa mudança vai deixar a cidade em estado de abandono. Ela se lembra bem do caos da privatização durante o gover- Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 5 O MOVIMENTO DOS CARROS FOI GRADATIVAMENTE diminuindo, o veículo em que se encontrava arrancou também. Ela observou a rabeira do último vagão que já se ia na curva da linha. Lembrou de seu pai, subindo no muro para ver o trem passando no trilho que cortava o bairro Tietê, onde morava, para olhar os vagões e dizer de qual categoria era a nomenclatura daquele trem. As vezes, apenas pelo som ele já sabia dizer. E então veio à sua mente um poema de Adélia Prado, assim como Ela, também divinopolitana e filha de ferroviário. Maria-Fumaça e Placa em homenagem ao ferroviário na Praça do Esplanada. -Tá certo que Divinópolis já tem uma estabilidade. Ela já tá bem estabilizada por causa da malha. Mas eu acho pra mim que vai ser quase espécie de um abandono, porque se não chegar uma outra fábrica forte pra cá. Eu acho pra mim que vai ser quase uma espécie de abandono. Eu acho isso, porque todo mundo vai sentir muita falta. Hélio Alves de Araújo, o Buião, 63 anos, hoje aposentado, que já foi inclusive diretor do Sindicato dos Metalúrgicos na cidade, diz que o resgate da importância da linha férrea para os divinopolitanos só seria possível por meio de exposições em museus, documentários. Isso, garante Buião, resultaria no “acesso e reconhecimento e valorização do que realmente foi útil para a cidade: a ferrovia, o tamanho da sua utilidade para o desenvolvimento da nossa cidade.” Pantera concorda com Buião: “Eu falo que todos nós temos que olhar pra trás, porque há pessoas 6 Foto: Juliana Faria que acham que é só olhar pra frente”. Em uma coisa, tanto Buião, Pantera e Seu Liu concordam: a ferrovia gera sentimentos de gratidão, importância e reconhecimento para as gerações mais antigas, de dez ou vinte anos atrás, e, também, àqueles que conhecem a trajetória da ferrovia. Ou seja, os filhos, os netos e bisnetos daqueles que em alguma época já foram ferroviários. Para os demais, hoje a ferrovia é simplesmente isso: trilhos que cortam o Centro da cidade impedindo seu trânsito. Um trem-de-ferro é uma coisa mecânica, mas atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou minha vida, virou só sentimento. Também para Ela, era o que restava: só o sentimento. A presença já não era sentida, pois já não se julgava necessária. Oficinas FCA Divinópolis Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 Foto: Juliana Faria a n E r e t / na r /te E/terna E a n r e t E/ a n r e t E/ Um mundo de toda sorte te serpenteou terras e atravessou as águas pela cachoeira em novos desenhos da Picada de Goiás. Soldados, quilombolas, contrabandistas, sertanistas, fazendeiros, sacerdotes, andarilhos, índios, missionários, exploradores... Os que desejaram, desistiram da Passagem da Itapecerica e fincaram bandeira de posse. O Divino Espírito Santo se instalou na paisagem; deslumbrava, acolhia e pacientemente iluminava cada ovelha. Cresce o rebanho de Deus. O arraial lentamente se forma. Os habitantes de alma aberta, o coração caloroso, quebram um galho de manjericão à frente da casa para perfumar a entrada do visitante. De várias partes da Terra vieram amar e construir Divinópolis os filhos eletivos. Tocam os sinos das igrejas à chegada dos franciscanos. Repicam para receber as Carmelitas Descalças. Há um caminho aberto com destino ao Céu, por onde transitam idéias de bispos, maçons, protestantes, ateus, livres-pensadores, músicas de credos diversos, vozes de tolerância, respeito, fraternidade... — todas as vozes em uníssono! — na cadência dos tambores do reinado. Os trilhos já estão chegando. Vão instalar os alto-fornos. Edificam-se as escolas. À claridade, enxerga-se longe; e se descortinam as distâncias que nos miram dos olhos vislumbrados da minúscula estrela vespertina. Chegam máquinas de costura industrial. A cidade não pára. Movimenta-se em direção a Deus e aos mares. Terna e eterna. Osvaldo André de Mello Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 7 ENCONTROS E DESENCONTROS As relações entre os divinopolitanos nos pontos de encontro e as mudanças dessas relações com o passar do tempo. Por Marina Alves Emnósalgum nos momento da vida, identificamos camo com algum lugar físico, como praças, shoppings, cinema e sorveterias em nossa cidade. Esse é um lugar onde marcamos de encontrar amigos, a família ou o(a) namorado(a), trocamos experiências com conhecidos e até com desconhecidos. Criamos relações nesses espaços. É nesses pontos de encontros que formamos amizades, criamos uma identidade, nos expressamos e vivemos experiências. Esses lugares marcam uma determinada época na vida de todos. Porém percebemos uma tendência, principalmente nas grandes cidades, que é a mudança desses pontos de encontro de uma geração para outra e que não há uma relação duradoura entre os espaços da cidade e a população. Essa 8 tendência também começa a aparecer nas cidades de médio porte, como é o caso de Divinópolis. Divinópolis é conhecida como a cidade do progresso, a cidade hospitaleira, a cidade que valoriza o novo. A cada década surge uma Divinópolis diferente da anterior, com novos rostos, novos prédios, novos pontos de encontro. Mas em meio a tanto desencontro, ainda conseguimos nos encontrar? As Escadas do Costa Rangel 18h. Edifício Costa Rangel. Momento em que as pessoas deixam o trabalho e seguem o seu caminho da escada em diante. Horário de pico dos desencontros. Porém apesar dessa dispersão, ele também é um lugar do encontro. O local onde ficava o templo da Primeira Igreja Batista de Divinópolis, e onde hoje existe o Edifício Costa Rangel, é um dos pontos de encontro mais famosos da cidade. Várias gerações divinopolitanas já combinaram de se encontrar nas escadarias desse edifício. A estudante técnica em design Beatriz Fenerich Abril, 20 anos, e as professoras de inglês Thamyris Stuart, 23, e Iara Ennes, 22 anos, são prova disso. Segundo elas, a localização do prédio é um dos motivos para esse lugar ser o escolhido pela turma para se encontrar. “A maioria dos ônibus passa pela 1º de Junho. Aí é só subir um quarteirão e você chega ao Costa Rangel. De repente, você não sabe o que fazer ou não combinou nada com seus amigos, é só passar na porta do Costa que vai ter algum conhecido e dali você vai para qualquer lugar”, afirmou Thamyris. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 Foto: Marina Alves Antigos pontos de encontro Outro ponto famoso de Divinópolis é a avenida 1º de Junho, uma das principais da cidade. Hoje a avenida é um verdadeiro desencontro. Pessoas embarcando e desembarcando dos ônibus, muitos carros, lojas... As pessoas não se encontram, elas se esbarram. Uma avenida bem diferente da que recorda o aposentado, Hélio Alves de Araújo. Nos anos 60 existia o chamado footing, como explica Hélio. “Os homens ficavam reunidos num ponto e as mulheres passavam por eles. E ali havia a oportunidade do início de uma conversa, um contato e daí surgiam muitas amizades, muitos namoros. Surgiram, até, muitos casamentos a partir desses encontros”, lembra. Ainda na avenida 1º de Junho, existia o Cine Popular. “No horário da sessão, como não tinha muitos atrativos na época, o pessoal se reunia todo na porta do cinema. Acabado o filme, as pessoas voltavam para a 1º de Junho pra ficar fazendo, como a gente falava, ficar fazendo avenida”, recorda Hélio. Entrevistados: Batistina Corgozinho e Hélio Alves de Araújo. As mudanças Um mesmo lugar, diferentes formas de usá-lo. No passado uma avenida 1º de Junho do encontro, hoje do desencontro. Batistina Corgozinho, coordenadora do Centro de Memória da Funedi/Uemg, vê essas mudanças como algo natural. “Cada geração tem determinadas preferências, valores que acabam sendo fatores de aglutinação das pessoas em determinado ponto. Foto: Arquivo Público Municipal Não existe algo combinado formalmente para as pessoas se encontrarem. É como um movimento que vai naquela direção, então as pessoas se concentram ali e depois desconcentram, muda o ponto de referência”, analisa. Apesar dos pontos de encontros surgirem espontaneamente, Batistina acredita que eles sigam certo ritmo de sobrevivência. “O que me intriga é como que esses movimentos acontecem sem ser planejados. De repente um grupo começa a usar de um espaço e aquilo naturalmente atrai aos demais” diz Batistina. Mesmo espaço, relações diferentes Apesar da busca por lugares novos, pontos de encontros diferentes, as praças da Catedral e do Santuário ainda podem ser classificadas como pontos de encontro tanto da geração antiga quanto da mais recente. Mas a relação dos jovens com esses espaços hoje é bem diferente das relações antigamente, como explicou a estudante Beatriz. “Eu acredito que naquela época não era tão comum ver jovens bebendo em plena Praça da Catedral, que hoje é cheia de bares. Antigo Cine Popular na Av. 1º de Junho, em Divinópolis - MG Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 9 Acho que as pessoas antigamente eram mais reservadas e preferiam ir às praças à tarde, já nós preferimos vir à noite”, explica. Ainda há relação entre as pessoas? Se a relação das pessoas com os espaços mudam conforme a época, a relação entre as próprias pessoas também não mudariam? Para Beatriz, não. “Não temos nenhum problema em receber outras pessoas em nossa turma, a gente até gosta. Qualquer pessoa que aparece no lugar que eu estou, eu me apresento, convido para interagir com a minha turma, ir para algum bar, algum show e, a partir daí, já faz amizade” garante a estudante. Já para Hélio Alves de Araújo, a re- lação entre as pessoas mudou sim. “Eu vejo muita dificuldade. A gente vê muito hoje as ruas vazias, principalmente a área central. Não vê mais aquele aglomerado de pessoas. Vê nos bares, muita gente reunida nas mesas, mas fica ali muito restrito a mesa e não abre para o outro. Fica todo mundo muito distante, não existe mais a aproximação, aquele calor humano. Talvez seja pelas varias opções que existem hoje, que divide as pessoas. Antigamente o próprio relacionamento humano era mais sadio, mais aberto. Hoje, até por questão de segurança, a desconfiança de uns com os outros quando chega uma pessoa estranha é muito difícil. Por isso é que perdeu muito esse respeito humano, essa facilidade de aproximação humana” observa Hélio. Divinópolis é terna Mesmo num lugar com tantos desencontros, uma cidade que se aproxima do seu Centenário, mas não conserva os seus pontos de encontro, não podemos tirar de Divinópolis a sua ternura. Ternura que talvez seja o que Divinópolis carrega de geração para geração. Ternura que muda de lugar, muda de pessoas, mas que continua possibilitando o encontro entre os divinopolitanos. Foto: Marina Alves Iara Ennes, Thamyris Stuart e Beatriz Fenerich Abril reunidas em um dos bares da Praça da Catedral. 10 Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 UAI, MULHERES DAS LETRAS Têm tempo pra tudo fazer As ações pulverizando Não se esquecem de crescer Trabalhando, labutando Sabem necessitar vencer E assim seguirem buscando. Inspirando admiração Às vezes são criticadas Por pessoas sem coração Que fazem tudo errado Sabias não lutam em vão Tendo objetivos traçados. Devagar, devagarzinho Bordando com as letras Escreviam seus versinhos Guardando-os na gaveta Mantendo-se quietinhas Sem vibrarem o planeta. Acordar de madrugada Isto não e problema Falam; mulheres encrencas Mas poucos sabem viver Se exauridas, cansadas Buscam forcas supremas Dando cabo a jornada Por não pensarem pequeno. De maneira tão intensa Sem direito e sem poder Vencendo as diferenças Sobressaem para vencer. Simplesmente poderiam Viver no mundo da lua Fingindo que não sofriam Sem cuidarem das vidas suas Obstáculos não venceriam Se não buscassem as ruas. Ler e escrever direito Fazem voara imaginação Palavras brotam do peito Construindo um vozeirão Sentindo quase perfeitas Afastam bem a solidão. Foto Arquivo Como tudo vai passando Elas sempre bem agindo Sonhando, vislumbrando Ver seus livros emergindo o E a todos se encantando Tendo a vida mais florida. Joanah Rios Antropóloga/escritora Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 11 Um olhar da varanda Na minha Divinópolis Da varanda, olhei a cidade da minha mocidade. Já não é a mesma. Um aperto no coração. Deixe disto, me consolei. É o progresso. Isto mesmo. A cidade está linda com jovens, bonitos e saudáveis, desconhecidos para mim. As moças, cabelos longos e esvoaçantes, transmitindo alegria e vida. UM CORRE-CORRE DE PESSOAS INDO TRABALHAR. Ao meio dia procuro um lugar para almoçar. Vou ao Chef....e lá não conheço ninguém. Sou desta cidade, tenho setenta anos, e não moro aqui. Meus conhecidos estão viajando, compraram passagem só de ida... Tenho de me contentar com algumas lembranças que ainda me restam de Divinópolis. O santuário, a praça, a ponte de ferro, Hospital S. Judas Tadeu, e S. João. A casa que enfeitava a av. 1º. De junho com Rio de Janeiro, está descaracterizada, horrível, deviam não ter deixado isto acontecer. Onde está o rio Itapecerica, onde já me banhei, cadê piqueniques, a matriz, Ó! Eu não tenho nada que dar palpites, porque sou apenas uma alma que voa atrás de lembranças . Ficar saudosista é natural de quem muito viveu... É lembrar do poeta: Ó que saudades eu tenho... Maria Helena Coelho Greco 12 Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 Tradição do novo César Cedro É possível que haja identidade cultural em uma cidade que nasceu e se desenvolveu na perspectiva da modernidade? Por Anna Lúcia Silva “O que eu percebo na história dessa cidade é que o urbano deu as costas para o Arraial à medida que foi crescendo.” A frase do professor José Heleno Ferreira demonstra, com certa angústia, a modernização de Divinópolis que, apesar do orgulho próprio, foi construído às custas da agonizante morte da memória. A reflexão de Zé Heleno diz respeito ao esforço de co-memoração que se avizinha, com a chegada do centenário de Divinópolis. Tudo o que o processo histórico da cidade explicita aponta apenas trazidos pela modernidade, como a chegada EFOM (Estrada de Ferro do Centro Oeste Mineiro), o marco para o que será comemorado nas festividades dos 100 anos de emancipação política. É como se a cidade só começasse a existir a partir de 1912. Se não se pode que separa a Divinópolis arraial da Divinópolis urbana, os aromas de outrora podem ser apagados. - Quando a linha de ferro veio para cá, as coisas começaram a melhorar. negar a uma cidade que se orgulha de sua “modernidade” que a emancipação política é fundante, é preciso perguntar: de onde veio tal A linha veio e deu emprego para muita gente. Acho que seria bem certo dizer que a linha trouxe, junto com, ela a modernidade. modernidade? Ela teria surgido do nada? O fato é que, apesar de todo esse esforço por apagar as marcas Dona Rosa nasceu e foi criada num local marcado pelo rápido avanço cultural, histórico e econômico da cidade: o Esplanada, antigo bairro de uma época pré-moderna, o Arraial do Espírito Santo ainda vive. Nem mesmo entre aqueles que experimentaram os benefícios operário de Divinópolis.Asaudade da vida simples do campo, dos hábitos ligados ao Arraial, dona Rosinha mata com o tecer sentimental de Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 13 suas lembranças, que misturam cenas da nova Divinópolis com o velho Arraial, mostrando que não se pode compreender a primeira sem levar em conta a última. - Era madrugada quando acordava com o galo cantando junto ao apito do trem. Lá pelas seis da manhã, saía da cama e passava direto para cozinha. Era a hora de fazer café para o marido trabalhar. Ele trabalhava na manutenção das locomotivas e dos vagões da ferrovia - disse saboreando as palavras. Aos poucos, como é inevitável, as linhas do trem fizeram esmaecer as marcas do passado. Como disse dona Rosa, a partir daí a cidade começa uma corrida acirrada em busca de uma perspectiva moderna. Logo, não apenas o Arraial era negado, também a EFOM foi superada e Divinópolis viu surgir a Rede Mineira de Viação e em seguida a Viação Férrea Centro-Oeste, que também logo foi substituída pela Rede Ferroviária Ferrovia Centro Atlantica Foto: Analú Silva Federal e, depois de privatizada extrema modernidade? - finalmente pessoas, muitos mais, chegavam. Estrangeiros?Forasteiros? Ferrovia Centro Atlântica. Em seus trilhos, transformações, negações - e alguma estabilidade - uma cidade, enfim, poderia ser Cidadãos de Divinópolis, trazidos pelo trem, pela linha que fazia e desfazia constantemente a cidade e seus cidadãos. Cidade múltipla: construída por trabalhadores que tinham um emprego, cujas vidas giravam em torno do trem. E mais caldo de culturas, colcha de retalhos. Foto: Analú Silva Surge Divinópolis: Cidade Plural 14 Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 típicas da escolha pela modernidade: violência crescente, insegurança, uma malha viária que não comporta a opulência do crescimento, ausência, limitação do alcance e, quase sempre, desarticulação de políticas públicas. Frutos inevitáveis que Divinópolis colhe por um pacto que hoje está prestes a completar 100 anos. Maria Antonieta Teixeira, diretora do Departamento de Extensão da Funedi/UEMG que coordenou o Plano de Desenvolvimento Regional, Ter virado as costas para o vilarejo colonial que era tem outras consequências. A cidade-trabalho de que seus cidadãos se orgulham foi um importante incremento no setor de serviços. Para Antonieta, é justamente esse setor que faz de Divinópolis um polo regional. demonstra o que pode ser apontado como um traço de identidade em meio ao mundo de transformação constante. Divinópolis vive a Tal como Mefisto, a modernidade cobrou o seu preço. Para o crescimento, e como consequência dele, traços de individualismo e a tradição do novo. O que comemorar, então, se não há memória capaz de sobreviver no turbilhão das mudanças constantes? Essa ausência de competição no âmbito social tornam o ambiente da cidade mais tenso e menos terno. As relações sociais que predominam na cidade são memória se dá tanto no plano material, quanto no imaterial. No caso arquitetônico, as construções são modificadas continuamente – o Foto: Analú Silva Foto: Analú Silva Chamada de “Cidade Divina”, em seu hino, Divinópolis hoje se caracteriza pela indústria confeccionista têxtil e pela siderurgia. No início do século XX, devido ao crescimento acelerado aos arredores da ferrovia, foi efetivada uma hegemonia regional, que tornou Divinópolis o polo da região Centro-Oeste de Minas. O resultado disso, segundo a socióloga Produção de colcha de retalhos que só faz comprar a frase-slogan da modernidade: tudo o que é sólido se desmancha no ar. Não obstante, um dos fatores para a ausência de uma memória – a constante chegada de pessoas estranhas – é, além de motivo da ausência de uma identidade, também a possibilidade disso. Divinópolis atrai pessoas de outros lugares, que podem se classificar em dois grupos: o de pessoas que vêm em busca dos serviços oferecidos e que voltam para suas Caldo de culturas: colcha de retalhos origens; e outro grupo que é o das pessoas que permanecem aqui e fixam suas moradias. Ao fixar Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 15 Foto: Anna Lúcia Silva 16 Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 ofusca os olhos de quem busca apenas pureza e não enxerga sua diversidade cultural. É nesse caldo de mudanças constantes que se podem encontrar expressões que marcam Divinópolis não por uma característica exclusiva, mas por uma mistura exclusiva. Agnel Marques, morador da cidade e engajado em ações culturais lembra que a cidade mistura tudo. “O hip-hop, por exemplo, não é um movimento característico de Divinópolis, não é um movimento da região, tampouco do Brasil, mas temos aqui suas manifestações, como temos grupos de break, grafiteiros, expressões do congado, uma imensa diversidade de expressão musical. É isso o que acaba por se tornar a identidade de Divinópolis”, diz Agnel. Atravessada por uma forte religiosidade popular, Divinópolis olha para o futuro e vive o caldo da mistura que sua modernidade propiciou, mas o velho Arraial do Espírito Santo ainda espreita e sopra entre os prédios que insistem em se verticalizar. As vozes do Arraial parecem querer fazer lembrar que Divinópolis é a “cidade-esperança”, a pacata e provinciana Princesinha do Oeste. Foto: Anna Lúcia Silva moradia, esses indivíduos trazem consigo as suas raízes, seus costumes e o modo de vida da sua localidade. Dessa forma, Divinópolis se se torna uma colcha de retalhos cujo colorido e pluralidade Congadeiro em manifestação religiosa na cidade 1-CORGOZINHO, Batistina Sousa. Nas linhas da modernidade. Divinópolis: Funedi/UEMG, 2003. 2-José Heleno Ferreira, professor da Funedi/UEMG. 3-BERMAN, Marshall. Tudo o que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 17 “DIVINÓPOLIS É TERNA” Divinópolis é terna. Muito mais que afirmar prefiro perguntar: Divinópolis é terna? Por outro lado, a ambiguidade dessa expressão nos leva, também, a questionar: Divinópolis eterna? Ternura e permanência estão presentes nessas perspectivas. A permanência é própria de uma sociedade com as características da tradição, que preserva valores, rituais, formas comportamento social, processos, lugares, objetos e coisas variadas no intuito de impedir ou diminuir as transformações que naturalmente acontecem. Dessa forma, o que se busca é a tradição do antigo e, num caso extremo, sua fossilização. O processo de vida urbana desencadeado na cidade de Divinópolis/MG, a partir do início do séc. XX, pela instalação da estrada de ferro foi impregnado, desde suas origens, pelos valores das vida moderna evidenciada através de diferentes formas: na organização da sociedade, emergência de novos grupos sociais e de novas crenças espirituais, distribuição e ocupação racionalizada do espaço urbano, novas atividades econômicas e novas relações de trabalho fazendo emergir o trabalho assalariado, desenvolvimento da imprensa, reconfiguração do poder político local etc. Todas essas situações significaram o rompimento com uma ordem tradicional que existia conformando o modo de vida local. A transformação e busca incessante do novo foi desencadeada. O que existe no meio urbano de Divinópolis é a tradição do novo, da busca incessante da mudança em todos os sentidos, o que faz com que como disse Rouanet, o novo fica velho rapidamente. A sociedade que se moderniza experimenta gradativamente o gosto da mudança acelerada, que não se esgota instaurando 18 a situação que é chamada de envelhecimento precoce do novo. Sendo assim, Divinópolis nasceu e se desenvolve sob o signo do moderno,da mudança,do transitório,portanto não pode ser considerada eterna ou permanente. Basta observamos sua configuração espacial e as enormes dificuldades em preservar seu patrimônio material e imaterial. Além disso,é muito difícil perceber a urbana- Divinópolis como TERNA, pois o modo de vida existente é marcado pelo individualismo e competição, típicos das sociedades capitalistas contemporâneas. As atividades econômicas predominantes - indústria, comércio, serviços, as formas de entretenimento social no ambiente urbano, a necessidade do reconhecimento do direito de ser diferente, a impessoalidade nas relações sociais, as diferenças econômico-financeiras,as relações de trabalho, a desigualdade na forma de ocupação do espaço evidenciam que a ternura não é característica predominante do modo de vida existente no lugar. O desejo de ternura sim. Por outro lado, a perspectiva da ternura pode estar sendo vislumbrada pelo fato do cidadão de Divinópolis/MG receber bem as pessoas de outros lugares, sejam aqueles que fazem parte de uma população flutuante de indivíduos que chegam e que vão embora ao final de um ou mais dias, ou os que fixam residencia, transferindo-se em definitivo com sua família. Essas pessoas são absorvidas naturalmente nos espaços de trabalho em diversas atividades autônomas e muitas ganham proeminência social. Será que Divinópolis é terna por possuir esse caráter? Como disse inicialmente, prefiro perguntar a afirmar. Batistina Maria de Sousa Corgozinho Doutora em Educação pela UFMG Professora-pesquisadora da Funedi/UEMG Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 A instituição escolar e a educação para a liberdade Por José Heleno Ferreira* A instituição escolar, no mundo ocidental, desde a modernidade, tem assumido a tarefa de socializar as futuras gerações, apresentando-lhes o mundo que vão herdar, tal como nos lembra Hannah Arendt, em A condição humana (1968). Porém, concomitante- ta, e não há quem explique e nem que não entenda...” Paradoxalmente, pode-se então dizer que a educação para liberdade exige, dos educadores e educadoras um compromisso com a construção de sua autonomia, com o incentivo ao pensamento crítico, com o cultivo mente à apresentação do mundo que herdarão, a educação escolar apresenta (e esboça, defende...) aos educandos também o mundo que se quer construir. Ao apresentar o mundo, os educadores apre- do dissenso e o profundo respeito à diversidade. Enfim, para que se eduque para a liberdade é preciso ser livre. Tendo a liberdade como utopia e o respeito à diversidade como princípio para que a alcancemos, é forçoso sentam, pois, um conjunto de valores e ideias com as quais se identificam. Afirma-se isso para dizer da impossibilidade de pensar a escola, bem como qualquer atividade educativa, como um espaço neutro. reconhecer que a instituição escolar, ao longo de sua história, tem privilegiado uma visão etnocêntrica de cultura. O conhecimento sistematizado pela humanidade é, via de regra, reconhecido como a cultura, enquanto as Tendo, pois, afirmado a educação como um ato político, é possível problematizar a questão da educação para a liberdade, essa palavra que, como nos lembra Cecília Meireles, “o sonho humano alimen- práticas e vivências de diversos grupos sociais seriam, então, uma outra cultura. Assimilar a cultura escolar Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 19 seria, pois, a tarefa dos educandos. Nessa perspectiva, cabe aos professores transmitir um conhecimento já elaborado, ainda que o mesmo não tenha significado para crianças, adolescentes e jovens que frequentam o cotidiano escolar. Esse enfoque assimilacionista é defendido, quase sempre, como um direito dos educandos e aqueles que não se enquadram na dinâmica da instituição escolar, aqueles que não se submetem aos currículos predeterminados – quase sempre por alguma instituição ou grupo alheio à realidade da unidade escolar – são vistos como um problema e engrossam as estatísticas do fracasso escolar, seja através da evasão, da repetência ou da conclusão da Educação Básica sem que esse processo tenha significado, para eles, um crescimento enquanto seres humanos, enqu anto sujeitos críticos e autônomos. Vale afirmar ainda que o trabalho família, na Igreja, nos partidos po líticos, nas rodas de amigos, nos sindicatos etc. Todos esses espaços estão, obviamente, marcados pelos interesses políticos hegemônicos em cada momento histórico e em cada uma das instituições. Reconhecer, pois, a pluralidade dos sujeitos e dos espaços educativos requer a disposição para investir em alternativas pedagógicas que possibilitem a realização de experiências alternativas de educação. Assim, para que se torne possível discutir (e tornar realidade) uma educação para a liberdade, é preciso reconhecer que a instituição escolar, ao longo dos últimos séculos vem excluindo aqueles que, de alguma forma, fogem ao parâmetro definido como normal ou aceitável numa determinada sociedade. De acordo com essa lógica, negros e negras, crianças nômades, indígenas, aqueles que professam uma religião que não a hegemônica no país, mulheres... ou seja, o imenso escolar assim planejado e realizado traz consigo a marca de uma pretensa neutralidade diante dos conflitos étnicos, sociais e políti- leque de minorias (nem tão minoritárias assim) vem encontrando diversos obstáculos no processo escolar. cos presentes da vida dos sujeitos que compõem a realidade escolar. É preciso reconhecer também que a escola não é o único espaço edu- Os dados estatísticos relativos ao fracasso escolar não deixam dúvidas quanto a isso. Acolher e valorizar as diferenças sig- cativo presente na vida das crianças, adolescentes e jovens. Educase, de uma forma ou de outra, na nifica, então, romper com a ideologia da exclusão e assumir o compromisso com a transformação no sistema 20 educacional a partir da construção de escolas abertas para todos, escolas que se caracterizem por uma pedagogia não-homogênea e pelo compromisso com metodologias de ensino-aprendizagem e de avaliação que considerem a realidade cultural, o contexto sócio-histórico, o gênero, a etnia, as condições físicas e mentais das crianças e adolescentes. * José Heleno Ferreira é educador. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 Foto: Divulgação Guarani DIVINÓPOLIS: O NOVO, A TRADIÇÃO, O GUARANI Time do Guarani na década de 70 A cidade onde o novo envelhece de maneira precoce mostra ter, no clube de futebol que a representa, um verdadeiro reduto onde reside uma tradição de afeto e ternura Por Lucas Carrano Divinópolis é a cidade do novo e também onde o novo é bastante perecível. Uma cidade que construiu sua vida moderna voltando-se para o trabalho e assumindo o lugar de polo da região centro-oeste de Minas Gerais. Repare bem, em Divinópolis tudo muda muito rápido: o fluxo do trânsito, os lugares mais frequentados, as lojas mais populares, os rostos vistos na rua. Mas na contramão disso vem o Guarani, que carrega em suas cores um traço forte da tradição divinopolitana e que se confunde com a própria história da cidade. Divinópolis tinha apenas 18 anos de emancipação e apenas uma década com fornecimento de luz elétrica, quando em 20 de setembro de 1930 foi fundado o Guarani Esporte Clube. José de Oliveira juntou os amigos e fundou o clube. Uma curiosidade é que nele atuava – como goleiro - Waldemar Teixeira de Faria, que hoje dá nome ao estádio onde o bugre manda seus jogos. Na década de 40, Divinópolis já havia desenvolvido vários setores e possuía inclusive ligação com Belo Horizonte. Uma única linha de ônibus levava os divinopolitanos para a capital: uma jardineira com cobertura de lona para evitar a poeira das estradas durante um percurso de aproximadamente 6 horas. Aos 84 anos, Dona Aparecida Silva Oliveira lembra bem como eram as viagens. “A estrada era de chão e gente até enjoava. As janelas eram muito pequenas e ficava bastante abafado.” Enquanto isso, quem também passava por maus bocados era o Guarani. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 21 Foto: Divulgação Guarani que o clube se movimentasse, mesmo que para fazer frente aos rivais. Para não perder os trilhos da história, o Guarani resolveu instalar, em 1954, holofotes no seu estádio e convidou ninguém menos que o Botafogo, um dos grandes clubes cariocas e brasileiros, para ser seu adversário no jogo inaugural da iluminação. Este singelo fato acrescentou mais do que aparenta para a história de Divinópolis. O Botafogo, que trouxe o então jovem e desconhecido Garrincha para o duelo, veio a bordo de um avião bimotor da empresa Pan Am. Um modelo usado inclusive em voos internacionais, que foi o primeiro desse porte a pousar no Aeroporto Brigadeiro Cabral. Garrincha com a camisa do Guarani Devido ao loteamento do espaço onde ficava seu campo, em 1945, o bugre teve que passar quatro anos sem atuar. Com a inauguração do seu atual estádio, no bairro Porto Velho, foi que o time retomou as atividades em 1949. O estádio na ocasião era chamado “Adriano Maurício”, nome de um empresário carioca de quem o Guarani esperava receber doações pela homenagem. As doações não vieram, mas o Guarani agora tinha um estádio para mandar seus jogos e fazer frente aos rivais, principalmente o Ferroviário. Futuramente o estádio seria rebatizado com o nome de Waldemar Teixeira de Faria, sendo apelidado de Farião pelo radialista e narrador Ricardo Lúcio. O Ferroviário era o grande rival do Guarani durante esses primeiros anos de existência e chegou a dominar o futebol amador da cidade, contando com um altíssimo número de atletas vindos dos quadros de funcionários da Rede Ferroviária Estadual. Esse trunfo fez com que, na década de 50, o Guarani ficasse em segundo plano no cenário municipal, mas não impediu 22 “O time foi chegando, contra todos os prognósticos. Houve uma comoção geral, a sociedade se fechou com o Guarani”. (Davi Raposo, jornalista) Foto: Divulgação Guarani Time campeão da segunda divisão do Mineiro em 1994 Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 Nos anos 60, os jovens de Divinópolis paqueravam na Av. Primeiro de Junho e marcavam encontros para os constantes bailes que aconteciam. Nessa época Adélia Prado ainda exercia o magistério, embora já escrevesse seus versos. Logo no início da década o Guarani conseguiu seu resultado mais expressivo em campeonatos mineiros, um vice-campeonato em 1961. A década prosseguiria bastante empolgante para a torcida do bugre após o título do Torneio Início de 1964. Porém, os anos seguintes não foram tão animadores. O clube colecionou sucessivos rebaixamentos, que fizeram com que voltasse para o amadorismo em 1968. va situado na esquina da Rua Rio de Janeiro com Av. Primeiro de Junho, onde ficavam até o momento de ir para a boate Sambão, que ficava logo em frente, ou para os bailes do Estrela do Oeste e Divinópolis Clube. Os anos 80 trouxeram a maior glória no cenário nacional da história do Guarani: o clube terminou na quarta colocação na Taça de Bronze, correspondente Enquanto o Guarani se reestruturava na década de 70, Adélia Guarani na campanha do Módulo I do Campeonato Mineiro em 2011 Prado ficou conhecida pelos muitos a atual Série C do Campeonato Braelogios e indicações de seus poemas sileiro, de 1981. O jornalista Davi Rapor Carlos Drummond de Andrade. poso afirma que “o time foi chegando, A poetiza ainda ganharia um Prêmio contra todos os prognósticos”, e que Jabuti, da Câmara Brasileira do Li- adiante “houve uma comoção geral, a vro, no ano de 1978 e se consolidaria sociedade se fechou com o Guarani”. como um dos grandes nomes da literatura no país. O cinema estava em Se para o Bugre os anos 90 foram de alta, e contava com quatro salas de reformulação, alguns acessos que trouexibição voltadas para públicos distin- xeram o time de volta para o Módulo I tos. Cine Arte, Cine Popular, Cine Di- do Campeonato Mineiro em 1996, não vinópolis e Cine Alhambra dividiam as foi diferente para Divinópolis. A Rua atenções e exibiam de westerns e blo- Goiás, principal via da região central ckbusters americanos, até as chancha- da cidade, teve seu fluxo alterado e das e clássicos do cinema brasileiro. deixou de ser mão dupla, passando a seguir em mão única da ponte do bairro Naquela época, muitos jovens se en- Porto Velho até a Rua Pará. A rodovicontravam no Chez Salim, que fica- ária da cidade se mostrava acanhada para a demanda crescente e teve que ser transferida para o bairro Bom Pastor, deixando seu espaço – na antiga praça da estação – para o que, futuramente, viria a ser o Pronto Socorro Regional. Na mesma região, nos fins de semana, as aglomerações de pessoas tomavam as ruas na Savassinha. Ao longo da última década ,o Guarani esteve por mais tempo no Módulo I e teve algumas vitórias expressivas contra o Cruzeiro (2x1 em 2001) e AméricaMG (4x3 em 2007), mas sua conquista mais importante foi o título de campeão do Módulo II do Campeonato Mineiro em 2010. Já no ano de 2011, o clube se manteve na elite do futebol mineiro para o ano de 2012, que Foto: Gabriel Castro marca justamente o centenário de Divinópolis. E hoje? Divinópolis é uma cidade com um potencial universitário em franca expansão, a cidade vai sendo tomada por grandes franquias nacionais e internacionais e pipocam “Açaís” por todas as esquinas. O Guarani segue sendo um dos pontos onde está depositada essa tensão constante entre tudo o que é novo - e sempre renovado - em Divinópolis e a tradição afetuosa. Símbolo disso é a frase do garoto chamado Ítalo, com seus 9 ou 10 anos de idade, ao sair do Farião após o último jogo do time em casa no ano de 2011, contra o Funorte: “O Guarani quase mata a gente de raiva, mas ano que vem tá todo mundo aqui de novo”. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 23 DIÁRIO ESCOLAR O cotidiano de uma escola pública em Divinópolis mostra o longo caminho para a cidadania ANDRÉ CAMARGOS O texto a seguir narra uma história real, com acontecimentos reais. Aconteceu em uma escola pública de Divinópolis, mas poderia ter sido escolhida, com pequenas variações, em qualquer escola, e não apenas públicas, no Brasil. Já se disse, no entanto, que, se o pensamento deve ser global, a ação deve ser local. Por isso, o pedido da professora, para que os nomes dos personagens dessa história fossem preservados, indica alguma perplexidade: por que o constrangimento? A resposta talvez indique o caminho para uma educação que ajude a construir uma Divinópolis terna. Sete horas da manhã, toca o sinal. Esse é o chamado de que está na hora de todos ocuparem os seus postos. Professores, servidores e alunos, todos seguem rumo ao seu caminho diário. A postos em seu devido lugar, é hora de iniciar a aula do dia. Os alunos maiores vão em grupos para a sala de aula trocando palavras em meio a muvuca pelos corredores. Já os menores seguem em fila com o seu professor para o refeitório para tomarem café da manhã. O dia será longo. Sentados e tomando o seu café, as crianças interagem uma com as outras entre os risos, as conversas e as mordidas no lanche. 24 Um grito vindo da porta da escola é escutado. Uma mãe vem correndo atrás de seu filho, que descia correndo a escada do colégio. Passando pelo refeitório, a criança disparou rumo à quadra esportiva da escola. Foram voltas e voltas da mãe atrás daquele menino que não parava de rodear a quadra. A correria só terminou quando a professora desse aluno, que estava com as outras crianças, foi até a quadra para ver o que estava realmente acontecendo com aquela mãe e principalmente, com aquele menino que corria sem parar. - Mãe, o que está acontecendo aqui? Por que ele está correndo sem parar? - pergunta a professora. - Ele não quer entrar na fila da merenda! - diz a mãe, se recuperando da corrida. - Mas, aqui, a partir do momento que ele passou por aquele portão, nós cuidamos dele. Pode deixar que eu vou tentar resolver com ele - retruca a professora. - Ok! Aproveitando que você está aqui, deixa eu te perguntar: a psicóloga te ligou? Sem saber ao certo do que se tratava, a professora diz: - Ué, ela deveria ter me procurado por qual motivo? - Lembra que você me indicou a passar o meu filho na psicóloga devido aos problemas que ele está Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 “As crianças têm mais contato com os professores, mesmo em turno único, dentro de sala, do que com os pais em casa”. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 25 “Perguntado de por que não havia feito o exercício, o menino se calou. Um silêncio constrangedor, que parecia durar milênios, pairou por alguns segundos.” apresentando dentro de sala? Então, eu fui lá e deixei o nome dele, mas ainda não me falaram nada. A professora sem entender onde a mãe queria chegar com aquela conversa, continuou a escutar. - Então faz assim, você poderia ir lá pra mim e fazer o cadastro dele com a psicóloga? É que eu tô sem tempo, porque agora eu consegui um emprego - disse a mãe, como que ordenando. Entendendo o que a mãe queria dizer, a professora disse com educação: - Olha, mãe, eu não posso resolver esse problema pra você. Isso vai além do meu papel como professora. Isso deve ser resolvido por você e não por mim. - Então, pode deixar que eu vou tentar resolver. Esse menino tá demais – resignou-se a mãe, se afastando. O diálogo fez com que a professora refletisse e chegasse à 26 conclusão de que as famílias estão transferindo um papel que é delas para a escola. Antes, o aluno ia para escola para ser alfabetizado, mas hoje, ele chega para ser educado em todos os sentidos. O pensamento dela ia longe. Ela contava que os professores se deparam com uma missão cada vez mais importante e que às vezes acaba ocupando o lugar que deveria ser da família. Isso tudo acontece, dizia a professora, porque as famílias de hoje têm pai e mãe trabalhando fora. O resultado é inevitável: as crianças têm mais contato com os professores, mesmo em turno único, dentro de sala, do que com os pais em casa. Resignada, a professora voltou para o refeitório, onde o aquele aluno já estava lanchando e brincando com os colegas. Já era o final do horário de lanche. Nova ordem: todas as crianças, em fila, deveriam seguir a professora rumo à sala de aula. Chegando lá, é à hora de fa- zer a lição dada pela professora no dia anterior. Quase todos retiraram os seus materiais de dentro da sua mochila e começaram a fazer a sua lição, menos o aquele aluno do transtorno de mais cedo. Perguntado de por que não havia feito o exercício, o menino se calou. Um silêncio constrangedor, que parecia durar milênios, pairou por alguns segundos. Um colega interveio, na tentativa de “salvar” o amigo: - “Professora, ele não gosta de copiar os exercícios que a professora do turno da tarde passa no quadro.” A situação do menino só piorava: por ser considerado indisciplinado, “irônico e mentiroso”, a professora do turno da tarde o isolou, para que não ele não a incomodasse mais. De indisciplinado, ele passou a ser invisível. A professora reclama do que ela chama de falta de limites dos alunos. São muitos como esse, segundo seu relato. Tantos que a outra professora do turno da tarde desistiu de tentar ajudar as crianças que apresentam comportamento difícil. A história que ela ouviu naquela manhã sobre aquele menino indisciplinado a incomodou bastante ao ponto de fazê-la reportar à supervisora da escola. Apesar de seu esforço e preocupação, a professora logo percebeu que sua conversa não interessava. Era apenas mais uma entre tantas a relatar a mesma história. A supervisora fingia que ouvia. - Onde é que nós vamos parar? – A professora pensava alto. Logo se lembrou de uma reunião que havia acontecido havia poucos dias. No ano passado, aquele aluno e seus colegas fizeram a chamada Provinha Brasil (ver box), para avaliar o ensino da escola. O resultado da prova foi divulgado neste ano e a Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 escola ficou classificada como nível intermediário entre aquelas de ensino público. O clima pesou. A avaliação era de que a falta de compromisso de parte dos docentes foi responsável pelo resultado ruim, o que não agradou nem um pouco a diretora. Era o caso de chamar uma reunião e fazer cobranças. O recado foi claro: era preciso melhorar o ensino ainda neste ano – e assim melhorar o rendimento da Provinha. Desde quando aquele aluno indisciplinado foi expulso da antiga escola e transferido para a atual, ele veio chamando a atenção de todos com a sua falta de comprometimento, com o seu jeito agressivo e irônico. Ainda assim, se comportava como se fosse superior aos colegas de classe. Ainda que esteja longe daquilo que era considerado desejável pelos professores, aos poucos foi se enquadrando às normas da escola. O termo, duro, talvez denote a incapacidade do sistema de ensino de responder à nova realidade social: pais longe de casa não conseguem energia e tempo para educar seus filhos, o que os faz colocar toda a responsabilidade – e esperança – na escola, que por sua vez não possui a estrutura necessária para atender às demandas dos pais e muito menos das crianças. Às vezes, algumas marcas tornam o cenário ainda mais dramático. Como aquelas, de queimadura, no braço daquele menino, de apenas oito anos. Se não se pode dizer que são produto de violência doméstica, não se pode negar que ele está sujeito a uma violência: a da falta de cuidado que acaba por gerar falta de perspectiva. Dele e dos seus três irmãos, que, como ele, chegam atrasados quase todos “Às vezes, algumas marcas tornam o cenário ainda mais dramático. Como aquelas, de queimadura, no braço daquele menino, de apenas oito anos.” os dias à escola e apresentam, de uma ou outra forma, comportamentos julgados incompatíveis. O destino escolar desse aluno será definido por um conselho de classe, que dirá o que fazer, imediatamente, com ele. É cogitado que ele seja remanejado para uma série anterior à atual, pois, mesmo estando na segunda série do ensino básico, ele ainda não é alfabetizado. Nesse conselho de classe, a resposta deve ser imediata. Algumas perguntas, no entanto, ficam sem resposta: qual o futuro dele e tantas outras crianças em igual situação? Que tipo de humanos nossas escolas formam? Qual a sociedade esperar em um futuro que, ao que tudo indica, já estamos vivendo? As respostas a tais perguntas não cabem mesmo a conselhos de classes. PROVINHA BRASIL A Provinha Brasil é uma avaliação elaborada pelo Inep, que acontece dentro de um ciclo dividido em duas etapas durante o ano letivo das escolas. O seu objetivo é diagnosticar o nível de alfabetização das crianças matriculadas no segundo ano de escolarização das escolas públicas brasileiras. Por ser aplicada em períodos distintos, é possível se fazer um diagnóstico mais preciso que permite averiguar o que foi lecionado para as crianças com relação às habilidades de leitura dentro do período avaliado. Com isso, os gestores e professores têm condições de intervir de forma mais eficaz no processo de alfabetização dessas crianças. A meta dessa prova é de que até os oito anos de idade, as crianças saibam ler e escrever, conforme uma das metas previstas pelo Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 27 Cotidiano nada fashion Por Fábio Machado De acordo com Frederico Sotero, assessor de comunicação do Sindicato da Indústria do Vestuário de Divinópolis (SINVESD), a população cresceu principalmente por conta das oportunidades de emprego no sistema ferroviário e na indústria metalúrgica. “A posição estratégica, perto da capital e com facilidades para o escoamento da produção garantiu a Divinópolis a condição de polo mesorregional. O crescimento dos mais de 50 municípios do Centro-Oeste gerou oportunidades para mais de um milhão de pessoas. Por isto, houve necessidades de investimentos em vários setores”, disse Sotero. O que hoje é motivo de orgulho, no entanto, surgiu de instantes de pura angústia, como é amplamente sabido. Na década de 80, a estagnação da economia brasileira paralisou a indústria metalúrgica em Divinópolis, então, sua principal e quase único setor economicamente importante. Naquela ocasião, as siderúrgicas empregavam parcela expressiva da mão de obra local. 28 Foto: Fábio Machado Divinópolis possui hoje mais de duzentos mil habitantes, segundo o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgado ano passado. A cidade é famosa por possuir milhares de fábricas e lojas de roupas. A indústria do vestuário gera lucros para pequenos, médios e grandes empresários. Marlom Barbosa possui 20 anos de experiência na confecção A crise desempregou milhares de pessoas que ficaram sem opções de trabalho diante da extinção de funções em todos os setores. Nesta situação, os desempregados não tinham alternativa que não fosse empreender. Foi dessa maneira, como uma resposta a um quadro de crise e quase insolvência, que surgiu a Divinópolis polo de moda. Talvez por essa razão há ainda muito de improviso no setor, mesmo que a indústria confeccionista seja importante para o município e o torno referência nacional. Quando surgiu, no entanto, a confecção, que demanda baixo investimento inicial, tornou-se a alternativa daqueles que precisavam começar o próprio negócio sem capital e tampouco crédito. Assim, surgiram as primeiras fabriquetas, instaladas nos quintais dos donos. Quarenta anos mais tarde, os empreendimentos cresceram e hoje alimentam a indústria da moda, abastecendo milhares de lojas pelo Brasil. Hoje, o principal evento promovido pelo SINVESD é o Divinópolis Fashion Show, uma feira com desfiles, mostras de tecnologia, shows e exposição de produtos, visando ainda descentralizar o eixo Rio/São Paulo de moda. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 Para quem não tem o nome da lista de empresários bem sucedidos da indústria do vestuário, o dia-a-dia, longe das passarelas, é bem diferente, todavia. Para muitos operários a rotina de trabalho começa na madrugada e avança até a noite. Marlom Barbosa tem 20 anos e trabalha em uma loja no shopping Center Plus. Ele explica que trabalhar em confecção não é fácil. “Acordar às 6h e não ter hora para dormir é complicado. A produção é a parte mais sofrida”, comentou. e prazos melhores em outros lugares”, comentou. O balconista compara a fábrica de tecidos a uma fundição onde existe o setor administrativo e o espaço onde os operários sofrem com a falta de horários para descanso e alimentação. “Já cheguei a dormir às 2h para entregar mercadoria, pois o cliente precisava com urgência”, desabafou. Maria de Lurdes Nunes, moradora do bairro Rancho Alegre, começou a bordar calça jeans por acaso e fatura conforme o tamanho do bordado, que varia de R$ 1,50 a R$ 2,50. Questionada sobre o valor da calça que ela produz, a resposta surpreende. “Minha filha Larissa já comprou calças em lojas onde o preço médio é de R$ 150,00”, contou. Lurdes Maria é revendedora em Belo Horizonte e cliente fiel das fábricas de Divinópolis há pelo menos dezoito anos. “As mercadorias de Divinópolis são muito boas. Os preços, porém, não não agradam tanto. Encontro preços melhores em outras cidades encontramos preços Opinião diferente tem a vendedora Renata Imaculada. “Tenho dificuldade em convencer o cliente a levar mercadoria, pois a concorrência está forte e eles preferem considerar o preço do que a qualidade das peças”, disse ela. Entretanto, os desafios vão além da loja. Muitas donas de casa também se sentem prejudicadas pela indústria da moda. Para quem faz facção, o lucro é de aproximadamente R$ 0,40. Suelem de Cássia mora no mesmo bairro e explica que recebia diariamente cerca de cem calças jeans e ficava até tarde da noite para cumprir a meta de vendas. Para isso, contava com a ajuda da mãe. “Eu ganhava dois centavos por peça,. A fábrica trazia muitos sacos para serem rematados. Eu recebia R$ 60,00 no final do mês”, contou. No bairro Interlagos, a casa de Agda Aparecida Plácido virou uma pequena fábrica. Porém, ela garante que os propósitos são grandes. “Adoro o que eu faço. Adoro modelagem. Eu trabalhava no supermercado, mas sempre ajudei a minha mãe que é costureira há mais de quarenta anos. Então, decidi trabalhar por conta própria. Acordo todos os dias às 5h e paro às 20h. Trabalhos aos sábados e, às vezes, aos domingos. Tenho uma boa carteira de clientes em Minas Gerais. Desejo exportar minha produção”, disse ela. Assim, enquanto diariamente milhares de peças de roupas saem das lojas para as ruas, as vidas de pessoas que atuam por trás das cortinas, na confecção destes produtos, seguem incertas, à mercê do mercado da moda. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 29 A cidade: o rio O rio Itapecerica, um dia, viu nascer uma cidade, que agora sonha com a volta do rio Por : Marcela Knupp O rio Itapecerica sempre foi tema de grandes discussões em Divinópolis. Grande parte dos políticos ao longo da história da cidade teve como proposta a revitalização do Itapecerica e também o tratamento de esgoto, jogado in natura no rio. Não é diferente agora: o atual prefeito, Vladimir Azevedo, publicou, em maio de 2011, a abertura da Consulta Pública sobre o Contrato de Programa para Prestação de Serviços Públicos de Abastecimento e Água e Esgotamento Sanitário do município, que destaca a parceria feita pela prefeitura com a Copasa no abastecimento de água e tratamento do esgoto, logo do rio. Vladimir Azevedo, o diretor da Copasa, Ricardo Simões, e o diretor geral da Agencia Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário do Estado de Minas Gerais (ArsaeMG), Antônio Abrahão Caran Filho, estiveram presentes para assinatura do decreto que “estabelece regulamentos para a realização de consulta e audiência pública sobre o contrato de programa para a prestação de serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário no município de Divinópolis.” Durante a solenidade, que pode ser histórica, caso suas ações sejam concretizadas, de apresentação do plano de despoluição do Rio Itapecerica e ampliação do sistema de abastecimento, que terá investimento total de R$220 milhões, estiveram presentes muitas autoridades, pessoas influentes da cidade como vereadores e ex-vereadores, empre- 30 sários, representantes de instituições de ensino, imprensa, entre outros, que discutiram os benefícios e malefícios para a cidade e o cidadão. Com a assinatura do convênio, foram estabelecidas metas. A primeira é que, para 2012, ano do centenário, seja inaugurada a primeira estação to da primeira ETE inaugurada é que nós vamos dividir com a população a remuneração desse sistema. Isso iria acontecer de qualquer maneira – com o sistema do município ou da iniciativa privada”, afirmou Vladimir. A parceria, para Copasa, não será um mau negócio. É o que garante o diretor Ricardo Simões. “DiFoto: Marcela Knupp de tratamento de esgoto (ETE) da bacia do rio Itapecerica. A segunda e mais ansiada pela população promete que, em cinco anos, o rio Itapecerica, por fim, estará limpo. É claro que isso pesará no bolso dos divinopolitanos – mas até 2013 nada será cobrado, é o que garante o prefeito. “Estamos bancando a parte de manutenção a todas as famílias divinopolitanas até março de 2013 e certos de que só depois de iniciado o tratamen- vinópolis é uma das cidades mais importantes atendidas pela empresa em relação ao abastecimento de água. Agora, podemos dizer o mesmo em relação ao esgotamento sanitário. Isso nos deixa muito satisfeitos.” A situação do Rio Itapecerica preocupa toda a população. Se chover, o nível da água sobe e, com isso, o abastecimento de água pode ficar comprometido. Em dezembro Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 de 2008, o município enfrentou a pior enchente registrada desde as últimas duas décadas, quando o Itapecerica ficou nove metros acima de seu curso normal e causou grande estrago na cidade. Cerca de 100 famílias ficaram desabrigadas. água em alguns bairros é constante, moradores dos bairros mais afastados reclamam também do mau tratamento da água. O temor da população é que de alguma forma o novo serviço possa piorar o abastecimento de água. E, pior, com aumento de tarifa. Com a concessão do tratamento de esgoto, a Copasa aumentará sua demanda de forma considerável. É de se supor que as reclamações contra ela também tendem a aumentar. Hoje, a companhia é uma das empresas com maior índice de reclamações da cidade. A falta de abastecimento de O presidente da Copasa, Ricardo Simões, explica quais medidas serão tomadas com relação ao assunto. “Teremos um trabalho árduo, mas iniciamos bem. O prefeito avançou ao realizar um estudo prévio para a implantação do sistema. Esse foi um facilitador enorme”, disse. OUTROS TEMPOS Quando era vereador, o prefeito Vladimir Azevedo era contrário à proposta do então prefeito Demetrius Arantes Pereira, que, em 2007, propôs exatamente o mesmo: passar o tratamento do esgoto para Copasa. Vladimir justifica sua mudança de opinião, apontando falhas no trabalho de seu antecessor. “Eu nunca fui contra a Copasa. Sempre disse de forma muito clara que era contrário à forma como a coisa estava sendo feita. Agora estamos fazendo uma parceria para salvar o Itapecerica. Em cinco anos, vamos entregar um rio cristalino”, garantiu. O Controlador Geral do Município, Kelsen Rios, explicou que o convênio atual, que tem vigência de 30 anos, permite que o município seja parceiro na gestão do tratamento do esgoto. Vladimir disse estar certo de que a Prefeitura fez o melhor para a população. “Nós vamos fazer cumprir o Plano Municipal de Saneamento. O planejamento é do município. A fiscalização e a organização são compartilhadas entre o Estado e Município. São coisas que eu não abria mão quando era vereador”, afirmou o prefeito. Para garantir o cumprimento dos termos da parceria com a Copasa, o prefeito assinou um convênio com a Arsae-MG, que ficará responsável pela fiscalização do andamento das obras. Ainda assim, vereadores que fazem oposição ao prefeito não ficaram satisfeitos com o processo. A vereadora Dra. Heloísa Cerri afirma que não é contra o tratamento do esgoto, conseqüentemente do rio. O único problema, diz, foi a forma como o processo se deu. “O processo foi conduzido de forma autoritária, sem passar pela Câmara e sem qualquer discussão. Foi apenas um projeto que já foi entregue pronto”, esbravejou Cerri. Ainda de acordo com Dra. Heloisa, o prefeito afirma que os vereadores já sabiam do planejamento. O argumento não convenceu a vereadora: “Onde ficou a democracia reclamada pelo prefeito, não faz três anos, quando ele era vereador?”, indagou Heloisa. Alheios aos murmúrios, o prefeito e a Copasa assinaram um contrato milionário, com a promessa de que a população será a grande beneficiada. A ela caberá pagar a conta depois de 2013 – caso a promessa de Vladimir, que poderá tentar a reeleição em 2012, seja cumprida. Depois disso, a população arcará com um aumento previsto de 40% a 70% do que paga hoje pela água. Plano Municipal de Saneamento Básico O que é - O Plano Municipal de Saneamento visa a planejar os serviços de saneamento básico de Divinópolis de 2011 a 2016; - A maior promessa é a completa limpeza do Itapecerica em no máximo cinco anos; - A curto prazo, o Plano quer já fazer funcionar uma Estação de Tratamento de Esgoto até o centenário, em 2012. Objetivos - Avaliar e caracterização da situação de salubridade ambiental do município; - Definição de ações para emergência e contingências em casos especiais, com criação de procedimentos que otimizem a aplicação de recursos, - Definição de mecanismos, procedimentos e regras para avaliação das ações e seus responsáveis. Ações - Realizar obras complementares na Estação de tratamento de Esgoto do Itapecerica, - Melhorar e ampliar o sistema de distribuição de água, - Implantar o abastecimento de água na zona rural, - Impedir o alagamento do Rio Itapecerica em época de chuvas - Realizar projeto de interligação entre os sistemas Itapecerica e Pará. Custo - R$ 220 milhões, sendo R$145 milhões sairão dos cofres do Município e o restante virá da parceira Copasa; - A empresa estatal cobrará pelo serviço, mas há a garantia de que 4% do faturamento mensal do sistema sejam destinados à Prefeitura de Divinópolis; - A população arcará com um acréscimo entre 40% a 70 % sobre o valor atual de suas conta de água. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 31 Cidade POLÍTICA CULTURAL O perene desafio de uma cidade moderna Por Renato Mesquita Pereira As transformações da política cultural em Divinópolis mostram o quanto é difícil o planejamento do setor em uma cidade multifacetada e que os costumes se transmutam rapidamente através dos anos. O maestro e arranjador Luiz Carlos Fernandes, mais conhecido como Luizinho, contou com um ar ligeiramente nostálgico a história da Escola Municipal de Música, tentando-se lembrar dos detalhes que lhe foram indagados. Foi no começo dos anos 80 que o jovem músico, que há pouco tempo havia assumido a regência da banda de música municipal começou a propor à seção do município que tratava da política cultural de Divinópolis algumas reformas. Na época, não havia ainda uma Secretaria de Cultura, mas apenas uma divisão cultural da Fundação Municipal de Educação de Divinópolis, Fumed, – inclusive essa divisão era chefiada pela notória poetisa (que, diga-se de passagem, prefere ser chamada de poeta) Adélia Prado. O maior dos projetos e idealizações do regente da banda foi a rápida criação de uma escola de música. Aquela escola, porém, era muito diferente da que hoje vemos ao lado do Teatro Municipal do Gravatá. Ela não existia formalmente e começou com uma pequena escola da banda 32 O Complexo Cultural do Gravatá de música. O professor: Luizinho, o único regente da banda. As origens da escola foram muito modestas. Os instrumentos musicais da banda municipal eram todos atravessados, cheios de fitas isolantes. O que fazia a escola trabalhar era o anseio dos músicos. Funcionava em uma acanhada casa com uma única salinha, localizada em local pouco oportuno. Tão pouco oportuno que não tardou a ser tragada pelo Itapecerica. Partituras, móveis, instrumentos tudo engolido pelas águas. Talvez o que tenha poupado a escola de um final repentino seja o fato de que ela ainda não estava nem nascida direito. Em novo local, o Luizinho prosseguiu com seus esforços de administrar sozinho uma escola. Ainda era o único professor. Depois das aulas ficava até tarde limpando a escola e preparando o lugar para o dia seguinte. Enquanto a Escola de Música ia tomando corpo, começava a surgir no município algumas intervenções do poder público na área da cultura. Em 1987, no governo do Aristides, uma lei transformou a divisão da Fumed responsável pela cultura em FUMC (Fundação Municipal de Cultura), que criou uma maior participação de artistas e folcloristas nas políticas culturais. No mandato do seguinte prefeito, Galileu Teixeira Machado, a FUMC foi encabeçada pelo poeta Osvaldo André, introduziu na escola de música da banda municipal professores de instrumentos que já não eram de banda, como por exemplo, Roberto Brasil, professor de violão clássico e. Em 1994 a escola já estava bem próxima do que é hoje, com um quadro de Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 professores contratados, mais regentes e contramestres. E assim surgiu a Escola Municipal de Música Maestro Ivan Silva. Muito embora histórias como a da Escola de Música demonstrem que os espaços culturais podem se criar de forma quase espontânea, por meio de iniciativas de agentes culturais, uma política cultural sempre foi uma insuficiência de Divinópolis. O exsecretário de cultura Osvaldo André, que trabalhou nas duas gestões do Galileu, na primeira gestão, a FUMC, em 2001 a Secretaria Municipal de Cultura desvinculada da Secretaria de Educação - é um que viveu esses fatos. Osvaldo André esteve envolvido nas artes desde os tempos de adolescente, quando os movimentos artísticos surgiam de forma fervilhante na cidade, sem que houvesse necessariamente participação dos governos. Nessa época, havia o Grupo Reunião, do qual ele participava, e bastava que fosse colada meia-dúzia de cartazes em portas de lojas na rua Goiás e na 1º de Junho que o público para as mostras de poesia, música, teatro organizadas pelos artistas e sem intenções comerciais estava garantido. O ponto de encontro era o Divinópolis Clube.Ele conta que nessa época só precisou buscar o auxílio do governo em uma ocasião. Um estudante havia sido morto no Edifício Maletta, em Belo Horizonte, em uma repressão dos militares. Ele fazia parte de um grupo artístico muito jovem que estava organizando um vernissage. Nessas ocasiões, era costume servir como coquetel uma batida de laranja. Naquela reunião, no entanto, decidiram que não haveria consumo de bebidas alcoólicas, e sim de leite. A logística do leite num tempo em que não havia ainda pasteurização era tão complexa e cara que eles decidiram procurar o auxílio do prefeito da época, que era fazendeiro. Eles seguiram justamente para a casa do prefeito, mas não passaram nem da porta. Provavelmente perplexa pelo pedido pitoresco, a esposa do prefeito nem se deu ao trabalho de avisálo que um bando de artistas estava pedindo o patrocínio. Osvaldo fala desse tempo de forma um pouco saudosa ao reconhecer o problema de qualquer intervenção Luiz Carlos Guimarães trabalha atualmente na área administrativa da Secretaria de Cultura. estatal nas atividades artísticas: a liberdade do artista é restringida, pois os próprios editais determinam as diretrizes que as produções devem ter para conseguirem os benefícios de, por exemplo, serem financiadas por uma lei de incentivo. A segunda ocasião que Osvaldo André procurou o auxílio das políticas culturais do município para realizar uma empreitada artística é recente. Em ocasião do centenário da cidade. Ele idealizou o projeto Biblioteca Memorial do Centenário: Divinópolis na Moldura Literária, que vai publicar cinco livros inéditos de escritores divinopolitanos que se passam na nossa cidade, ambientados em uma Divinópolis do passado e que contribuem para que nós tomemos conhecimento de nossa história. O artista, que já lançou inúmeros outros artistas divinopolitanos admite que hoje não sabe se conseguiria captar recursos para esse tipo de projeto sem ajuda do governo. O atual secretário de Cultura, Bernardo Rodrigues, ao ser entrevistado sobre o trabalho da secretaria na atual gestão, faz um bom parâmetro que demonstra um pouco essa transformação. Projetos como o já tradicional Concerto de Natal, que verdadeiramente surgiram da iniciativa dos próprios músicos, já contam com a participação de leis de incentivo a cultura. Em direção ao centenário: Arte e empreendorismo. É praticamente impossível separar arte de patrimônio cultural quando se trata de políticas públicas. Vemos isso, por exemplo, ao pegarmos uma lista de projetos aprovados pelas leis de incentivo a cultura municipais. Vemos desde publicações de livros, peças de teatro, eventos musicais e exposições de artes plásticas até projetos relacionados ao patrimônio histórico e artísticos. Mas são essas coisas tão intrínsecas umas as outras assim? Não. Mas é inegável que o poder público possui critérios para escolher quais atividades deverão receber Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 33 auxílio. Isso pode acabar ocasionando algumas injustiças, pois, de fato, cabe ao poder público decidir qual projeto é mais importante que outro para o interesse da população. No caso da preservação do patrimônio histórico é muito mais simples identificar quando uma ação é relevante e quando não, mas como fazer isso com a arte? Essa questão foi exatamente um dos pontos mais importantes da conversa que eu tive com o secretário de cultura do atual governo de Vladimir Azevedo, Bernardo Rodrigues. Afinal, como um artista deve agir para que consiga os benefícios de uma lei de incentivo a cultura? De acordo com Bernardo: o artista deve ser empreendedor. E é verdade, pois a lógica do mercado infelizmente se aplica. O artista ou seu produtor não só precisam aprovar um projeto na lei, mas, mais do que isso, captar fundos para eles. Uma empresa, ou pessoa física, injeta parte dos impostos que seriam pagos ao governo na cultura. Eles podem ao invés de pagar tributos ao estado investir em uma iniciativa em que confiem – investimento que será abatido nos impostos. E fica a cargo do artista conseguir esses investimentos. Ele, literalmente, precisa vender o projeto para o máximo de pessoas, ou ele não acontecerá, mesmo que aprovado pela lei. O próprio secretário Bernardo disse ter conseguido a aprovação de um pro- jeto na lei de incentivo a cultura municipal, mas a falta de tempo disponível o obrigou a contratar alguém que conseguisse viabilizar financeiramente seu projeto por ele. O secretário, que além do cargo público e do magistério, também é músico - é otimista quanto ao futuro das políticas culturais da cidade, pois elas cada vez mais são amparadas e garantidas por leis. De acordo com Bernardo, as leis são o foco da administração atual, pois são elas que afiançam que esse trabalho tenha prosseguimento nos governos vindouros. A justificativa é verdadeira posto que a continuidade do governo é uma das várias garantias da Constituição Federal e do Estado que, por falta de regulamentação eficaz, não funcionam. O problema é grave, pois representa desperdício das já escassas verbas destinadas a cultura. Exemplo disso foi o que aconteceu em 2004: no início do governo de Demetrius, a Secretaria de Cultura estava a cargo do secretário Eugênio Guimarães. Sua chefia foi acusada de ignorar a existência do “Programa de Continuidade de Trabalho” da administração anterior. Por conta disso, alguns projetos como a exposição Memória de Divinópolis, do Museu Histórico, foram descontinuados. Por outro lado, foi nessa gestão em que uma das maiores conquistas de um espaço público cultural foi finalmente concretizada: o Teatro Usina do Gravatá. Bernardo Rodrigues garante a gestão atual tem um foco mais “arrojado”, se referindo à perspectiva de uma política cultural de empreendimentos e iniciativas – que procura também criar esse pensamento nos artistas. O músico Gabriel Menezes, considera que, Osvaldo André foi secretário de cultura duas vezes. Uma das vezes foi na primeira gestão da Secretaria de Cultura de Divinópolis. de uma forma ou de outra, o sucesso de uma empreitada artística depende mais do artista do que das políticas públicas. “Ou você corre atrás ou a coisa não caminha. Tem ficar atento às possibilidades e às ‘carências do mercado’ pra achar um espaço de ganhar grana e viver disso”. Parece que, as coisas não mudaram muito nesse sentido. O papel do Estado é facilitar o diálogo do artista para com o público, ou seja: dar espaço para que o artista consiga levar sua obra ao público, tendo em vista não o artista, mas o público – que é formado pelo povo. Para Gabriel isso é muito importante. Ele justifica: “O investimento na cultura é uma forma eficiente de construção do conhecimento e do caráter do cidadão. Com mais pessoas tendo acesso a cultura, mais a cultura acontece”. Teatro Gravatá 34 Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 TERNURA CRISTÃ PANO PARA A MANGA E RETALHO PARA A BATINA Ricardo Welbert A Cúria Diocesana de Divinópolis acredita que uma peça importante para a eternidade de sua ternura cristã está ameaçada após uma decisão tomada há 61km, na cidade de Pitangui. Uma imagem sacra de São Francisco de Paula, esculpida em madeira, tem sido motivo de controvérsia. O santo faz parte da história de Divinópolis. Foi em homenagem a ele que o primeiro morador da cidade, o candidés Anistia de Manuel Fernandes Teixeira, construiu uma capela em 1937 onde, trinta anos mais tarde, seria erguida uma igreja tendo São Francisco de Paula e o Divino Espírito Santo como padroeiros. O Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural e Turismo (Comcut) de Pitangui diz que a imagem tornou-se parte de seu acervo histórico ao ser doada por Divinópolis em 24 de março de 1974, pelas mãos do padre divinopolitano Evaristo José Vicente e com recibo assinado pelo então presidente do Instituto Histórico de Pitangui (IHP), Laércio Rodrigues, cujo texto diz: “declaro haver recebido, nesta data, do Pe. Evaristo José Vicente, de Divinópolis, uma antiga imagem de madeira de São Francisco de Paulo, com a palavra “Charitas” no peito, medindo 86 centímetros de altura e 59 cm. de diâmetro, tendo na cabeça um esplendor de metal. Referida imagem será incorporada ao Museu de Arte Sacra de Pitangui, mantido pelo Instituto Histórico de Pitangui, com a autorização do Exmo. Sr. Bispo Diocesano, D. Cristiano de Araújo Pena”. Depois de assinar, o presidente do IHP provavelmente se lembrou de algo que precisaria ser mencionado. Resolveu acrescentar uma observação logo abaixo: “Obs.: A mencionada imagem pertence à Paróquia do Divino Espiro Santo, de Divinópolis”. Para confirmar a autenticidade da nota, Laércio Rodrigues acrescentou novamente sua firma. Não é possível perceber a olho nu qualquer tipo de diferença que possa levar a crer que o texto foi completado e novamente assinado depois de um espaço maior de tempo (mais de um dia, por exemplo). Ao mesmo tempo em que poderia estar informando sobre a origem da imagem, o documento deixa no ar a dúvida quanto ao verdadeiro proprietário da escultura. Hoje, o melhor seria tentar esclarecer o caso perguntando ao próprio Laércio Rodrigues – o que é impossível, pois ele já faleceu. Na década passada, após muitas reuniões entre representantes do patrimônio histórico de Pitangui e da Igreja, a diocese de Divinópolis pediu a devolução da imagem, alegando que ela pertence à Paróquia do Divino e que a peça foi deixada sob a guarda do Instituto Histórico de Pitangui apenas como empréstimo. São Francisco Santo fora da igreja: imagem de São Francisco de Paula permanece sob a guarda do Instituto Histórico de Pitangui de Paula deveria voltar para casa. O presidente do Comcut de Pitangui, Ronan Ivaldo, propôs uma ação de usucapião de bem móvel para que não restasse nenhum questionamento. Segundo ele, todos os requisitos ou pré-requisitos para ajuizar a ação de usucapião eram preenchidos satisfatoriamente. Usucapião é um tipo de processo judicial também chamado de prescrição aquisitiva, por ser um direito que é adquirido pela influência do tempo de posse. Porém, esta tentativa tornou-se inválida graças a uma lei canônica (da Igreja Católica) que proíbe usucapião sobre bens da Igreja. O Comcut resolveu dar início ao Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 35 processo de tombamento de 22 imagens sacras - o que, de acordo com Ronan Ivaldo, iria proteger as obras e melhorar o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) do município. A decisão foi aprovada pelo prefeito de Pitangui, Evandro Rocha Mendes (PT). Notificada, a Cúria Diocesana de Divinópolis apresentou, dentro do prazo, documento no qual condena, por vários motivos, o tombamento das imagens sacras listadas pelo Instituto Histórico de Pitangui. De acordo com o texto redigido em 12 de outubro de 2010, “nada informa [na lista de peças arroladas] acerca da natureza dessa guarda ou a quem pertencem as imagens”. Assinado pelo bispo diocesano Dom Tarcísio Nascentes dos Santos, o documento diz que no Brasil, particularmente em Minas Gerais, muitas imagens permanecem desaparecidas depois de terem sido ilegalmente retiradas de capelas e igrejas as quais pertenciam. Por isso, o Instituto Histórico de Pitangui precisaria apresentar condições seguras para a verificação da origem de cada uma das imagens. Sobre o recibo de entrega da imagem de São Francisco de Paula em Pitangui, o documento aponta para uma interpretação errônea do texto redigido pelo então presidente do IHP, Laércio Rodrigues. “Muito embora S. Sa. mencione no recibo que “a imagem será incorporada ao Museu de Arte Sacra de Pitangui (...)”, no rodapé reafirma que “a mencionada imagem pertence à Paróquia do Divino Espírito Santo, de Divinó- 36 polis”, assinando de novo a seguir. Importante observar que não diz que pertenceu ou que pertencia, mas que pertence”. Procurado, o bispo Dom Tarcísio Nascentes dos Santos disse que o Instituto Histórico de Pitangui não se manifestou após o envio da carta de impugnação pela Cúria Diocesana de Divinópolis. “Recebemos a notificação do processo de tombamento, enviamos nossa manifestação contrária e não fomos respondidos”, disse. várias outras imagens sacras arroladas no processo de tombamento, que poderiam ter sido furtadas em outras localidades e, por algum motivo, ido parar no acervo do Museu de Arte Sacra de Pitangui, os dizeres fornecidos pelo presidente do Comcut daquela cidade diz que “não merece [ser] acolhida a tese impugnativa, pois, como cediço, a Constituição Federal de 1988 privilegia e assegura o princípio de inocência, incumbindo o ônus da prova a quem alega ser outrem culpado de qualquer prática ilícita”. Na mesma contestação, Ronan Ivaldo coloca que os membros do Comcut poderiam estar seguros da continuidade do processo. No dia 10 de novembro de 2010, o tombamento definitivo do conjunto de obras foi aprovado por unanimidade pelos integrantes do Conselho. Hoje, as vinte e duas imagens sacras – entre elas a de São Francisco de Paula – estão devidamente protegidas pelo instrumento de tombamento e permanecem sob a guarda do Instituto Histórico de Pitangui. Cúria Diocesana de Divinópolis prepara reação Padre confessa A reportagem de Questões teve acesso com exclusividade a um texto escrito pelo presidente do Comcut de Pitangui, Ronan Ivaldo, no qual ele tenta derrubar os argumentos da Cúria Diocesana. Em relação à suspeita lançada de que o Instituto Histórico de Pitangui não saberia apontar os proprietários de O vigário geral da Diocese de Divinópolis, padre José Carlos de Souza Campos, garante outras medidas. “Existem coisas que estamos planejando e que ainda são questões internas”, disse. Voltando no tempo, José Carlos explicou que Dom Cristiano, por volta de 1959, quando foi criada a Diocese, teve a ideia de fundar um museu diocesano de arte sacra em Pitangui, um dos municípios mais antigos da região. O bispo recomendou que várias imagens da paróquia de Divinópolis e de outras cidades Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 Réplica Segurança: Conselho Municipal do Patrimônio Histórico de Pitangui diz que imagem estaria “correndo risco” se estivesse em algum altar de igreja ligadas à Diocese fossem transferidas para o acervo pitanguiense. Naquele tempo, a Igreja Católica não queria que seus templos tivessem muitas imagens. Por isso, várias peças foram entregues a famílias que prometeram guardá-las para a Igreja. Ao longo do tempo, muitos foram tomando posse destes bens. Revoltado, o vigário José Carlos diz que a parte de Pitangui deveria ter procurado reunir os personagens envolvidos na movimentação da imagem. Um destes personagens, talvez o mais importante ainda vivo, é o padre que, em 1974, entregou pessoalmente a imagem sacra de São Francisco de Paula em Pitangui. Procurado, o hoje monsenhor Evaristo José Vicente, aos 77 anos de idade, confirmou a versão apresentada pelo vigário geral José Carlos. Disse que, naquela época, Em uma tentativa clara de acalmar os ânimos e estabelecer a ordem, o vigário geral divinopolitano José Carlos de Souza Campos cogitou a possibilidade de presentear o Instituto Histórico de Pitangui com uma réplica da imagem de São Francisco de Paula em troca da original. Ao tomar conhecimento da proposta, Ronan Ivaldo, presidente do IHP, disse que poderia disponibilizar a imagem original para ser analisada pelo fabricante da réplica, mas que, de maneira nenhuma, permitiria que o bom e velho São Francisco de Paulo ocupasse novamente o altar da Catedral de Divinópolis. “Expor a imagem original ao risco de roubo e colocar uma réplica de museu simplesmente não faz sentido. Uma réplica não tem valor histórico nenhum. Mas para cultuar a imagem, a réplica equivale à original”. Dom Cristiano, preocupado com a exposição de uma imagem tão A Cúria Diocesana de Divinópolis importante, resolveu enviá-la aos diz que, por enquanto, tenta necuidados do Museu de Arte Sacra gociação pacífica com o Instituto de Pitangui, que era acompanhado Histórico de Pitangui. Revela ainda pelo padre Guerino Pontello, já fa- a abertura de uma investigação inlecido. “Levei a imagem a título de terna a respeito de outras imagens empréstimo, com a autorização do sacras que possam ter sido retirabispo da época. O museu de arte das de outras igrejas, pertencentes sacra pitanguiense ficou responsá- a outras dioceses. O presidente do vel pela custódia da imagem, mas IHP, Ronan Ivaldo, diz que esta será não se tornou proprietário dela. Tan- uma briga eterna e que só aceitará to é que o recibo assinado naquele a afirmação de que alguma de suas dia diz claramente que ela pertence imagens pertence à outra instituià paróquia do Divino Espírito Santo, ção se houver provas verdadeiras de Divinópolis. Há um enorme erro a respeito. Por enquanto, o caso de interpretação por parte do Ins- ainda não corre na Justiça. Esta tituto Histórico de Pitangui”, disse história, como diz um velho ditado, Evaristo. O Instituto Histórico de Pi- ainda renderá muito pano para a tangui embasa seus argumentos no manga e retalho para a capanga. já mencionado trecho do recibo que diz que a imagem, naquele dia 24 de março de 1974, passou a fazer parte de seu museu de arte sacra. Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 37 Crônicas de uma cidade, Cenas de Divinópolis e seu trânsito Rafael Moreira Os bombadões e o repórter. Tarde chuvosa de sábado. O vento frio não amainava o clima estranhamente quente do trânsito de Divinópolis. Era quase uma da tarde, muitas pessoas paravam de trabalhar, o centro estava congestionado de pessoas e carros. Para piorar, o repórter não conseguia gravar o VT. Agora vai. Não ia. De novo. Tudo bem, paciência. Era plantão de fim de semana, quando normalmente o cinegrafista era repórter, o repórter, editor, e o editor, operador de VT. Tudo bem: parecia carnaval. Mas não era carnaval e chovia e ventava frio. E o repórter não acertava. Só faltava a bendita passagem para terminar o VT e o infeliz não acertava. Quem sabe não é o lugar? A Avenida 1º de junho é movimentada, e isso desconcentra o repórter. Nada: o infeliz fincava o pé. Tinha que ser ali. Quase três da tarde e nada – a não ser o frio e a chuva, que parecia não acabar jamais. Nessas alturas, nem o mais santo dos homens suportaria a situação. O cinegrafista, podia-se ver em seu semblante, não estava mais cansado – estava enfurecido. Uma passagem! O dead-line chegando, a fome apertando e nada de o repórter acertar o texto. E ainda tinha um ou outro gaiato: - Olha o pessoal da TV ai! 38 Foto-Rafael Moreira diziam sempre, como que a admirar que jornalista trabalha mesmo e que o cotidiano dos telejornais é produzido na cidade, não nos estúdios. - Filma nós, filma nós – gritavam alguns. Até hoje não consigo qualificá-los. Não consigo dizer se são bobalhões ou sacanas, que gostam de espezinhar os pobres coitados que trabalham sob chuva numa tarde fria de sábado. Naquele dia, no entanto, os jornalistas se sentiram vingados. A cena, porém, revela mais do que uma vingança celestial – revela muito do estado do trânsito em Divinópolis. Filma nós! Engarrafamento na Avenida Getulio Vargas - Boooooooooooouuuuummmmm!!! O carro dos bombadões bateu na traseira do outro veículo que trafegava à frente – e que nada tinha de entrar na cena da vingança dos jornalistas. O problema é que não era vingança – era a mais pura realidade. Se não fossem os jornalistas, aconteceria a cena?, podem estar se perguntando os serenos leitores. Mas se não fossem jornalistas de TV, com suas canoplas e câmeras, seria uma moça bonita (ou feia); um senhor idoso; um outro bombadão concorrente, que lhes causaria o comichão da inveja. E a cena estaria ali, impecável, como que a retratar o espírito da cidade. Tão logo os bombadões saíram do Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 carro, já sem aquela falsa leveza de imeditamente antes, fizeram o que sabem fazer: usar a violência. No início, apenas palavras. Mas logo, os sopapos verbais chegaram à via de fato. Selvageria: os olhares incrédulos diziam isso a todo pulmão. O trânsito parou. Por um instante, a cidade parou. O mundo inteiro parou. A 1º de Junho só voltou a se movimentar depois de palavrões, sopapos, buzinas nervosas – e da chegada dos agentes da multa. Vida que segue. Graças a Deus, também para o cinegrafista: o VT caiu. Foto: Rafael Moreira Rua São Paulo esquina com AV. Antonio Olimpio de Morais, Agentes de trânsito auxiliam pedestres. Os motoristas e suas frases É difícil seguir as leis de trânsito em Divinópolis: as vias, sem sinalização, as faixas de pedestre, inexistentes. Ainda assim o motorista cismava de respeitar as leis de trânsito. Andava sempre dentro do limite de velocidade que a via exige, nunca mudava de faixa sem dar seta ou se certificar de que não vai atrapalhar o motorista da outra faixa. Bastava que o pedestre fizesse menção de atravessa a rua, tão logo pisava na faixa, ainda que imaginária, parava o carro, para o olhar entre agradecido e estupefato dos pedestres. Os motoristas, seus colegas de trânsito, é que não perdoam. Basta que iniciasse a frenagem, logo, um carro vem e cola na traseira do seu veículo. Impaciente, apronta um salseiro e tão logo consegue se desvencilhar do legalista: - Aqui, ó, seu barbeiro! Outro é mais violento: cola na traseira, pisca farol, acelera, buzina. Reduz e acelera: - Sai da frente, filho da puta! Com mulher seria cômico, não fosse trágico: - Ah, dona Maria, vá pilotar fogão! E há os frustrados, incertos com o sua sexualidade, invejosos ou inseguros: - Que merda! Tinha que ser mulher mesmo! A esses, não há lei de trânsito que dê jeito. Talvez Freud, talvez Freud. Foto: Rafael Moreira Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da FUNEDI/UEMG - Ano 8 - Número 5 - Outubro de 2011 39