Destino da Variedade

Transcrição

Destino da Variedade
1-Destino da Variedade
Um lendário problema e a batalha de quem
o resolveu
por Sylvia Nasar e David Gruber (2006)
Traduzido e organizado para a língua portuguesa por Vinicius
Carvalho Beck e Andrei Bourchtein (2010)
1
Na noite de 20 de junho, várias centenas de fisicos,
entre eles o laureado com o Prêmio Nobel, reuniram-se no
auditório do Hotel Friendship em Pequim para uma palestra do
matemático Chinês Shing-Tung Yau. No final dos anos 1970,
quando Yau tinha cerca de 20 anos de idade, ele realizou uma
série de avanços que ajudaram a inaugurar a Teoria das Cordas,
revolucionou a física e ganhou merecidamente, além da
medalha Fields (a maior premiação em matemática) uma
reputação em ambas as áreas de pensador de incomparável
força técnica.
Desde que Yau se tornou professor de matemática da
Universidade de Harvard e diretor do Instituto de Matemática
em Pequim e Hong Kong, ele divide seu tempo entre os
Estados Unidos e a China. Sua palestra no Hotel Friendship foi
parte de uma conferência internacional sobre Teoria das
Cordas, organizada por ele e patrocinada pelo governo chinês,
em parte para promover recentes avanços do país na física
teórica. (mais de 6 mil estudantes assistiram o discurso de
abertura, feito pelo amigo íntimo deYau, Stephen Hawking, no
2
Grande Salão do Povo.) O tópico de Yau falava sobre algo que
poucos na conferência conheciam a fundo: a conjectura de
Poincaré, um secular enigma sobre as características das
esferas tridimensionais, o qual, por ter implicações importantes
na matemática e na cosmologia e por escapar de todas as
tentativas de solução, é visto pelos matemáticos como um
Santo Graal.
Yau, um robusto homem de 57 anos, deu sua palestra
com uma camisa de mangas e um óculos de aros negros, e com
suas mãos nos bolsos, descreveu como dois de seus estudantes,
Xi-Ping
Zhu
e
Huai-Dong
Cao,
completaram
uma
demonstração da Conjectura de Poincaré precocemente em
poucas semanas. “Eu estou muito otimista com relação ao
trabalho de Zhu e Cao”, Yau disse. “Os matemáticos chineses
têm razão para estarem orgulhosos do grande sucesso obtido na
solução completa do enigma”. Ele disse que Zhu e Cao ficaram
em débito com seu colaborador americano de longa data
Richard Hamilton, que merecia a maior parte dos créditos da
solução do problema de Poincaré. Ele também mencionou
Grigory Perelman, um matemático russo que ele conhecia, que
3
deu uma importante contribuição. Não obstante, Yau disse, “no
trabalho de Perelman, apesar de ser espetacular, muitas idéias
principais das demonstrações estão esboçadas e resumidas, e os
detalhes completos estão omitidos”. Ele adicionou, “Nós
gostariamos que Perelman fizesse comentários. Mas Perelman
mora em São Petersburgo e se recusa a se comunicar com
outras pessoas”.
Por 90 minutos, Yau apresentou alguns dos detalhes
técnicos da demonstração dos estudantes. Quando ele acabou,
ninguém fez nenhuma pergunta. À noite , entretanto, um físico
brasileiro publicou um relatório da conferência no seu blog.
“Vejam como a China logo será também uma potência na
matemática”, ele escreveu.
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Grigory Perelman é realmente recluso. Ele deixou seu
trabalho como pesquisador do Instituto de Matemática de
Steklov, em São Petersburgo, no último dezembro; ele tem
poucos amigos; e vive com sua mãe em um apartamento nas
redondezas da cidade. Embora ele nunca tenha concedido uma
entrevista antes, ele foi cordial e franco quando nós o
visitamos, no último junho, logo depois da conferência de Yau
em Pequim, nos levando para uma longa caminhada pela
cidade. “Eu estou procurando por amigos, e eles não tem que
ser matemáticos”, ele disse. Na semana anterior a da
conferência, Perelman passou horas discutindo a conjectura de
Poincaré com Sir John M. Ball, o presidente de 57 anos da
International Mathematical Union (União Internacional de
Matemática), a influente associação profissional da área. O
encontro, que teve como lugar central de discussão uma
5
grandiosa mansão com vista para o Rio Neva, foi altamente
informal. No final de maio, uma comissão de 9 proeminentes
matemáticos decidiu premiar Perelman com a Medalha Fields
por seu trabalho sobre o problema de Poincaré, e Ball foi a São
Petersburgo para persuadi-lo a aceitar o prêmio em uma
cerimônia pública realizada no 25º congresso da I.M.U., em
Madrid, no dia 22 de agosto.
A Medalha Fields, assim como o Prêmio Nobel,
cresceu, em parte, do desejo de colocar a ciência acima das
animosidades nacionais. Matemáticos alemães foram excluídos
do primeiro congresso da I.M.U. em 1924, e, embora tenha
sido revogada antes do congresso seguinte, essa expulsão
causou um trauma, o que prejudicou o estabelecimento da
Medalha Fields em 1936, que planejava ser um prêmio “tão
puramente internacional e impessoal quanto possível”.
No entanto, a Medalha Fields, que é concedida a cada 4
anos, a um número que varia de 2 a 4 matemáticos, não é
apenas uma premiação para conquistas do passado, mas
também um estímulo para pesquisas futuras; por esta razão, ela
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é dada apenas a matemáticos de 40 anos ou mais jovens. Nas
décadas recentes, como o número de profissionais da
matemática cresceu, a Medalha Fields tornou-se um aumento
do prestígio. Somente 44 medalhas foram dadas nos últimos
(aproximadamente) 70 anos (incluindo 3 trabalhos que dizem
respeito à conclusão da conjectura de Poincaré) e nenhum
matemático recusou o prêmio. Todavia, Perelman disse a Ball
que não intencionava aceitá-la. “Eu recuso”, ele disse
simplesmente.
Em um período de 8 meses, começando de novembro
de 2002, Perelman publicou uma demonstração do problema de
Poincaré na Internet em três capítulos. Assim como um soneto
ou uma ária, uma demonstração matemática tem uma forma
distinta e um conjunto de convenções. Ela começa com os
axiomas, ou verdades aceitas, e emprega uma série de
proposições lógicas para chegar até a conclusão. Se a lógica em
consideração é segura, então o resultado é um teorema.
Diferentemente das provas de julgamentos ou provas
científicas, as quais baseiam-se em evidências e por isso são
submetidas à averiguação e revisão, uma demonstração de
7
teorema é definitiva. A exatidão das demonstrações é julgada
por peritos-revisores de revistas especializadas; para um
resultado satisfatório, a escolha dos revisores pelos editores da
revista deve ser minuciosa, e a identidade de um estudante cujo
trabalho é de baixa relevância é mantida em segredo. A
publicação de uma demonstração implica que esta é completa,
correta, e original.
De acordo com estes padrões, a demonstração de
Perelman era fora do comum. Ela foi uma surpreendente
síntese de uma ambiciosa parte do trabalho; seqüências lógicas
que poderiam ser elaboradas ao longo de muitas páginas eram
com freqüência resumidas de maneira fragmentada. Mais
ainda, a demonstração não fez menção direta de Poincaré e
incluiu vários resultados elegantes que eram irrelevantes para o
problema central. Mas, 4 anos mais tarde, pelo menos 2
equipes de especialistas vetaram a demonstração e encontraram
lacunas insignificantes ou erros no trabalho. Um consenso que
emergiu na comunidade matemática: Perelman esclareceu o
problema de Poincaré. Ainda assim, a complexidade da
demonstração (e uso por Perelman de pouca escrita na
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produção de algumas das mais importantes afirmações) fez de
sua demonstração um vulnerável desafio. Poucos matemáticos
tiveram esperteza necessária para avaliá-la e defendê-la.
Logo após dar uma série de palestras sobre sua
demonstração nos Estados Unidos em 2003, Perelman voltou
para São Petersburgo. Desde então, apesar de continuar
respondendo perguntas por e-mail, ele tem muito pouco
contato com seus colegas e, por razões que ninguém entende,
não tenta publicar sua demonstração. Ainda assim, há poucas
dúvidas de que Perelman, que fará 40 anos em 13 de Junho,
mereça uma Medalha Fields. Assim que Ball começou a
planejar o congresso da I.M.U. em 2006, ele o concebeu como
um evento histórico. Mais de 3 mil matemáticos assistiriam, e o
rei Juan Carlos da Espanha concordou em presidir a cerimônia
de entrega dos prêmios. O boletim da I.M.U. predisse que o
congresso seria lembrado como “a ocasião em que a conjectura
se tornou teorema”. Ball, determinado a fazer com que
Perelman estivesse lá com certeza, decidiu ir até São
Petersburgo.
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Ball queria manter sua visita em segredo (os nomes dos
laureados com a Medalha Fields são anunciados oficialmente
na cerimônia de entrega do prêmio) e o local da conferência
onde ele encontraria Perelman ficou vazio. Durante 2 dias, 10
horas por dia, ele tentou persuadir Perelman a concordar em
aceitar o prêmio. Perelman, um homem magro, quase calvo, de
barba crespa, sobrancelhas espessas, e olhos verde-azuis,
escutava educadamente. Ele não falava inglês havia 3 anos,
mas ficava eloqüentemente entretido com as papagaiadas de
Ball, até a hora em que levava Ball a um longo passeio (uma
das atividades favoritas de Perelman). Assim ele resumiu essa
conversa 2 semanas mais tarde: “Ele propôs a mim 3
alternativas: „aceitar e vir; aceitar e não vir, e nós a enviaremos
para você depois; ou eu não aceitar o prêmio‟. Desde o início,
eu disse a ele que ficaria com a terceira alternativa”. A
Medalha Fields não interessava a ele, Perelman explicou. “Este
prêmio é completamente irrelevante para mim”, ele disse.
“Todos entenderam que se a demonstração está correta, não é
necessário haver um outro reconhecimento”.
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Demonstrações
da conjectura de Poincaré foram
anunciadas quase que anualmente desde que a conjectura foi
formulada, por Henri Poincaré, a mais de 100 anos atrás.
Poincaré era primo de Raymond Poincaré, o presidente da
França durante a primeira guerra mundial, e um dos mais
criativos matemáticos do século XIX. Calmo, míope, e
notoriamente distraído, ele concebeu seu famoso problema em
1904, 8 anos antes de morrer, e o guardou como uma questão
surpresa dentro de um documento de 65 páginas.
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Poincaré não progrediu muito ao tentar provar sua
conjectura. “Cette question nous entraînerait trop loin” (“Esta
questão irá nos tirar um bom tempo”), ele escreveu. Ele foi um
dos fundadores da topologia, também conhecida como
“geometria de dobra-lençóis”, por ter como foco as
propriedades intrínsecas do espaço. Na perspectiva de um
topologista, não há diferença entre uma sacola e uma xícara de
café com alça. Cada qual tem um único buraco e pode ser
manipulado até que se assemelhe ao outro sem ser torcido ou
cortado. Poincaré usou o termo “manifold” (traduzido para o
português como variedade) para descrever tais espaços
topológicos abstratos. A variedade bidimensional mais simples
possível é a superfície de uma bola de futebol, a qual, para um
topologista, é uma esfera (mesmo quando ela está afundada,
esticada, ou amassada). A exigência para que um objeto seja
assim chamado dupla-esfera, enquanto ele puder assumir
algum número de formas, é a de que ele seja “simplesmente
conexo”, ou seja, que não haja buracos que o perfurem.
Diferentemente de uma bola de futebol, uma sacola não é uma
esfera de verdade. Se você amarra um laço em volta de uma
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bola de futebol, você pode facilmente puxar o laço fechado
deslizando-o ao longo da superfície da bola. Mas se você
amarra um laço ao redor de uma sacola passando pelo buraco
do meio da sacola você não pode puxar o laço fechado sem
rasgar a sacola.
Variedades bidimensionais foram bem compreendidas
já na metade do século XIX. Mas elas continuaram obscuras
até que aquilo que era verdadeiro para 2 dimensões, se tornou
verdadeiro também para 3 dimensões. Poincaré propôs que
tudo o que fosse fechado, simplesmente conexo, variedades
tridimensionais (aquelas em que há carência de buracos e que
são de extensão finita) fossem esferas. A conjectura foi
potencialmente importante para os cientistas que estudavam a
mais
conhecida
variedade
tridimensional:
o
universo.
Provando-a matematicamente, entretanto, os avanços viriam
facilmente. A maioria das tentativas foi simplesmente
embaraçosa, assim como algumas das mais importantes
descobertas matemáticas, tais como as demonstrações do lema
de Dehn, o teorema da esfera, e o teorema do laço, os quais são
hoje conceitos fundamentais em topologia.
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Aproximadamente nos anos 1960, a topologia se tornou
uma das áreas mais produtivas da matemática, e jovens
topologistas lançavam freqüentes ataques ao problema de
Poincaré. Para a grande surpresa da maioria dos matemáticos,
vieram à luz variedades de 40, 50, e dimensões maiores, e estas
eram mais tratáveis do que as tridimensionais. Por volta de
1982, a conjectura de Poincaré já havia sido provada para todas
as dimensões, com exceção da terceira. Em 2000, o Clay
Mathematics Institute (Instituto de Matemática Clay), uma
fundação privada que promove pesquisas matemáticas, colocou
a Conjectura de Poincaré entre os 7 mais importantes
problemas notáveis da matemática e ofereceram milhões de
dólares para alguém que conseguisse prová-la.
“Toda minha vida como matemático foi dominada pela
conjectura de Poincaré”, disse John Morgan, chefe do
departamento de matemática da Universidade de Columbia
disse. “Eu nunca pensei que acharia uma solução. Eu pensava
que ninguém pudesse chegar perto dela”.
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Grigory Perelman não planejava tornar-se matemático.
“Nunca foi uma decisão óbvia”, ele disse quando nos
encontramos. Nós fomos para fora do prédio onde ele vivia, em
Kupchino, um bairro de arranha-céus. O pai de Perelman, que
era engenheiro eletricista, o encorajou a interessar-se por
15
matemática. “Ele me dava problemas de lógica e outras
questões matemáticas para resolver”, Perelman disse. “Ele me
dava muitos livros para ler. Ele me ensinou a jogar xadrez. Ele
tinha orgulho de mim”. Dentre os livros que seu pai havia dado
para ele estava “Física por Diversão”, o qual havia sido um
best-seller na União Soviética na década de 1930. Na
introdução, o autor do livro descreve os conteúdos como
“enigmas, tesouros do intelecto, anedotas divertidas, e
inesperadas comparações”, acrescentando, “Eu tenho citado
constantemente Jules Verne, H. G. Wells, Mark Twain e outros
escritores, porque, além de proporcionar diversão, os
fantásticos experimentos que estes escritores descrevem podem
servir muito bem como instrutivas ilustrações de aulas de
física”. Dentre os tópicos do livro estão como pular de um
carro em movimento, e por que, “de acordo com a lei de
buoyancy, nós nunca afundaremos um morto no mar”.
A opinião da sociedade russa era a de que seria
conveniente para Perelman estar tão satisfeito quanto surpreso.
Quando ele tinha 14 anos de idade, ele era a estrela do ciclo de
matemáticos local. Em 1982, ano em que Shing-Tung Yau
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ganhou a Medalha Fields, Perelman obtinha um escore perfeito
e a medalha de ouro nas olimpíadas internacionais de
matemática, em Budapeste. Ele foi amigável com seus colegas
de equipe, mas não se aproximou muito. “Eu não tenho amigos
próximos”, ele disse. Ele era um dos 2 ou 3 judeus de sua
categoria, e ele tinha uma paixão por ópera, a qual também o
isolava das pessoas à sua volta. Sua mãe, uma professora de
matemática de uma escola técnica, tocava violino e o levava à
ópera desde que tinha 6 anos. Quando Perelman tinha 15 anos,
ele gastava sua mesada em fitas k7. Ele vibrava por possuir
uma gravação de uma famosa performance de 1946 de “La
Traviata”, onde Licia Albanese fazia o papel de Violetta. “Sua
voz era muito boa”, ele disse.
Na Universidade de Leningrado, na qual Perelman
ingressou em 1982, aos 16 anos, ele teve aulas avançadas de
geometria e resolveu um problema proposto por Yuri Burago,
um matemático do Intituto de Steklov, que mais tarde se tornou
seu orientador de Ph.D.. “Existem muitos estudantes altamente
habilidosos que falam antes de pensar”, disse Burago. “Grisha
foi diferente. Ele pensava profundamente. Suas respostas eram
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sempre corretas. Ele sempre revisava muito, com bastante
cuidado”. Burago acrescentava, “Ele não era rápido. Correr não
significava nada. Matemática não depende disso. Ela é mais
profunda do que isso”.
Já em Steklov no início dos anos 1990, Perelman se
tornou um especialista em geometria Riemanniana e espaços de
Alexandrov (ampliações da geometria euclidiana tradicional) e
começou a publicar artigos em revistas russas consagradas. Em
1992, Perelman foi convidado a passar um semestre
na
Universidade de Nova Iorque e mais outro semestre na
Universidade de Stony Brook. Durante o tempo em que ele
esteve nos Estados Unidos, que estava decadente, a economia
da Rússia entrou em colapso. Dan Stroock, um matemático da
M.I.T., enviou ilegalmente remessas de dólares para seu país
para distribuir a matemáticos aposentados de Steklov, os quais,
assim como muitos de seus colegas, foram destituídos.
Perelman estava contente por estar nos Estados Unidos,
a capital da comunidade matemática internacional. Ele vestia o
mesmo casaco de laços todo dia e dizia a seus amigos de Nova
18
Iorque que vivia a uma dieta de pão, queijo, e leite. Ele gostava
de passear pelo Brooklyn, onde ele tinha parentes e podia
comprar pães marrons tradicionais da Rússia. Alguns de seus
colegas ficavam espantados com suas unhas, que chegavam a
medir muitas polegadas. “Se elas crescem, por que eu devo
impedir que cresçam?” ele dizia quando alguém perguntava por
que ele não as cortava. Em uma certa semana, ele e um jovem
matemático chinês chamado Gang Tian dirigiram até
Princeton, para assistir um seminário no Instituto de Estudos
Avançados.
Por várias décadas, o instituto e a vizinha Universidade
de Princeton possuíam centros de pesquisas em topologia. No
final dos anos 1970, William Thurston, um matemático de
Princeton que gostava de testar suas idéias usando tesoura e
construção de papéis, propôs uma taxonomia de classificação
para as variedades tridimensionais. Ele argumentava que,
enquanto as variedades fossem feitas para assumir muitas
formas diferentes, elas entretanto tinham uma geometria
“preferida”, assim como um pedaço de seda cobre um
manequim de costureira adquirindo a forma do manequim.
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Thurston propôs que toda variedade tridimensional
poderia ser dividida em um ou mais tipos de componentes,
inclusive o tipo esférico. A teoria de Thurston (que ficou
conhecida como a geometrização da conjectura) descreve todas
as variedades tridimensionais possíveis, sendo assim uma
poderosa generalização do trabalho de Poincaré. Se ela fosse
confirmada, então a conjectura de Poincaré poderia ser
também. Provando as conjecturas de Thurston e Poincaré
“definitivamente as portas se moveriam para abrir”, Barry
Mazur, um matemático de Harvard disse. As implicações da
conjectura para outras áreas poderão não ser visíveis por anos,
mas para os matemáticos os problemas são fundamentais. “Este
é uma espécie de Teorema de Pitágoras do século XX”, Mazur
acrescentou. “Ele muda o panorama”.
Em 1982, Thurston ganhou a Medalha Fields por suas
contribuições à topologia. Naquele ano, Richard Hamilton, um
matemático de Cornell, publicou um trabalho a respeito de uma
equação chamada o fluxo de Ricci, a qual ele suspeitava ser
relevante para a solução da conjectura de Thurston e,
conseqüentemente, para a conjectura de Poincaré. Como toda a
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equação de calor, que descreve como o calor se distribui em
uma substância (fluidos que passam de uma parte mais quente
para uma parte mais fria de uma chapa de metal, por exemplo)
que gera temperaturas mais uniformes, o fluxo de Ricci, por
remover saliências irregulares, dá às variedades uma geometria
mais uniforme.
Hamilton, o filho de um médico de Cincinnati,
contrariou o estereotipo nerd dos profissionais da matemática.
Brincalhão e irreverente, ele montava a cavalo, praticava
windsurfe, e teve muitas namoradas. Ele tratava a matemática
como um dos simples prazeres da vida. Aos 49 anos, ele era
considerado um palestrante brilhante, mas ele havia publicado
relativamente pouco além de uma série de artigos de
seminários sobre o fluxo de Ricci, e ele tinha poucos
estudantes de pós-graduação. Perelman leu os trabalhos de
Hamilton e foi até ele para ouvir uma explicação no Instituto
de
Estudos
Avançados.
Logo
timidamente com ele.
21
após,
Perelman
falou
“Eu realmente queria perguntar algo a ele”, Perelman
recordou. “Ele estava sorrindo, e estava muito paciente. Na
verdade ele me falou um bocado de coisas que publicaria uns
anos depois. Ele não hesitou em dizer para mim. A abertura e
generosidade de Hamilton fizeram com que eu me atraísse por
ele. Eu não posso dizer se a maioria dos matemáticos agiria
daquele jeito”.
“Eu estava trabalhando em coisas diferentes, embora
eventualmente eu pensasse no fluxo de Ricci”, Perelman
acrescentou. “Você não precisa ser um grande matemático para
perceber que isto deveria ser útil para uma geometrização. Eu
senti que não sabia muito. Continuei fazendo perguntas”.
22
Shing-Tung
Yau também foi fazer perguntas a
Hamilton sobre o fluxo de Ricci. Yau e Hamilton tiveram um
encontro nos anos 1970, e se tornaram amigos íntimos, apesar
das consideráveis diferenças de temperamento e conhecimento.
Um matemático da Universidade da Califórnia em São Diego
que conhecia ambos os homens os chamava de “o amor
matemático vive mutuamente”.
A família de Yau mudou-se de sua terra natal, a China,
para Hong Kong em 1949, quando ele tinha 5 meses,
juntamente com centenas de milhares de outros refugiados
fugindo do exército de Mao. No ano anterior, seu pai, um
trabalhador que ajudava as Nações Unidas perdeu a maior parte
das economias da família em uma série de falências em
23
empreendimentos arriscados. Em Hong Kong, para sustentar
sua mulher e seus 8 filhos, ele trabalhou de tutor de estudantes
universitários na área de literatura e filosofia clássicas da
China.
Quando Yau tinha 14 anos, seu pai morreu de câncer de
rim, deixando sua mãe na dependência de missionários cristãos
e de quaisquer pequenas somas que ela ganhava vendendo
artesanato. Até então, Yau havia sido um estudante indiferente.
Mas por si mesmo ele começou a se dedicar aos trabalhos da
escola, monitorando outros estudantes em matemática para
ganhar dinheiro. “Uma das coisas que impulsionavam Yau é
que ele via a sua própria vida como uma vingança de seu pai”,
disse Dan Stroock, um matemático da M.I.T., que conviveu
com Yau por 20 anos. “O pai de Yau era como o Talmudista
que deixa suas crianças famintas”.
Yau estudou matemática na China na Universidade de
Hong Kong, onde chamou a atenção de Shiing-Shen Chern, um
proeminente matemático chinês, que o ajudou a ganhar uma
bolsa de estudos na Universidade da Califórnia em Berkeley.
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Chern foi autor de um famoso teorema que combinava
topologia e geometria. Ele morou nos Estados Unidos durante a
maior parte de sua carreira, em Berkeley. Ele fez freqüentes
visitas a Hong Kong, Taiwan, e, mais tarde, China, onde ele era
visto como símbolo das conquistas intelectuais chinesas, para
promover o estudo de matemática e ciência.
Em 1969, Yau começava sua pós-graduação em
Berkeley, matriculando-se em 7 disciplinas por período e
participando como aluno ouvinte de várias outras. Ele enviava
metade do dinheiro de sua bolsa de estudos para sua mãe na
China e impressionava seus professores com sua tenacidade.
Ele foi obrigado a dividir os méritos de seu primeiro grande
trabalho quando soube que outros 2 matemáticos haviam
chegado no mesmo resultado. Em 1976, ele provou uma
conjectura de 20 anos que dizia respeito a uma variedade que
hoje é crucial para a Teoria das Cordas. Um matemático
francês formulou uma demonstração do problema, a qual ficou
conhecida como a conjectura de Calabi, mas a demonstração de
Yau, por ser mais geral, era mais poderosa. (os físicos de hoje
falam de variedades de Calabi-Yau.) “Ele não estava pensando
25
de maneira original sobre o assunto, mas resolveu problemas
que envolviam técnicas difíceis em um período que só ele
conseguia resolver, devido à pura inteligência e força de
vontade”, falou Phillip Griffiths, um geômetra e antigo diretor
do Instituto de Estudos Avançados.
Em 1980, quando Yau tinha 30 anos, ele se tornou um
dos mais jovens matemáticos a possuir um cargo permanente
na faculdade do Instituto de Estudos Avançados, e começou a
atrair talentosos estudantes. Ele ganharia a Medalha Fields 2
anos mais tarde, o primeiro chinês a chegar tão longe. Nessa
época, Chern tinha 70 anos de idade e estava à beira de se
aposentar. De acordo com um parente de Chern, “Yau decidiu
que seria o próximo matemático famoso da China e aquela era
a hora de Chern sair de cena”.
Harvard estava tentando recrutar Yau, e quando, em
1983, estava a ponto de fazer sua segunda oferta a Yau, Phillip
Griffiths contou ao diretor do corpo docente uma versão da
estória “O romance dos 3 reinos”, um clássico chinês. No
século III D.C.., um grande guerreiro sonhou que havia criado
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um império, mas o mais brilhante general da China estava
trabalhando para seu inimigo. Três vezes, o grande guerreiro
foi até o reino inimigo à procura do general. Impressionado, o
general concordou em juntar-se a ele, e juntos eles fundaram
uma bem sucedida dinastia. Entendendo o recado, o diretor
embarcou em um vôo até a Filadélfia, onde Yau vivia nessa
época, para fazer sua oferta. Mesmo assim, Yau recusou a
oferta. Finalmente, em 1987, ele aceitou ir para Harvard.
O esforço empresarial de Yau se estendia a seus colegas
e alunos, e, e ainda, para conduzir suas próprias pesquisas, ele
começou a organizar seminários. Freqüentemente ele se aliava
a matemáticos criativos, tais como Richard Schoen e William
Meeks. Mas Yau ficou especialmente impressionado com
Hamilton, tanto pela vaidade quanto pela imaginação. “Eu me
sinto alegre com Hamilton”, Yau disse a nós durante a
conferência da Teoria das Cordas, em Pequim. “Nós nadamos
juntos. Eu saio com ele e com as namoradas dele e tudo mais”.
Yau estava convencido de que Hamilton poderia usar a
equação do fluxo de Ricci para resolver a conjectura de
Poincaré e de Thurston, e queria que ele se dedicasse a esses
27
problemas.
“Encontrar
Yau
mudou
sua
vida
como
matemático”, falou um amigo de ambos os matemáticos a
respeito de Hamilton. “Esta foi a primeira vez que ele se
envolveu em algo extremamente grandioso. As conversas com
Yau davam à ele coragem e orientação”.
Yau acreditava que se pudesse resolver o problema de
Poincaré, não só para ele, mas para a China, isto representaria
uma vitória. Em meados dos anos 1990 , Yau e muitos outros
estudiosos chineses começaram a realizar encontros com o
presidente Jiang Zemin para discutir sobre como reconstruir as
instituições científicas do país, as quais haviam sido
largamente destruídas durante a revolução cultural. As
universidades Chinesas estavam em péssimas condições.
Conforme dizia Steve Smale, ganhador de uma Medalha Fields
por demonstrar o problema de Poincaré para dimensões
maiores, e que, após se aposentar em Berkeley, declarou em
Hong Kong, que a Universidade de Pequim disponibilizava de
“um saguão principal cheirando a urina, e um salão comum,
um lugar para todos professores assistentes”, e pagava salários
miseravelmente baixos. Yau convenceu um legítimo magnata
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de Hong Kong a ajudar a financiar o Instituto de Matemática
da Academia de Ciências Chinesa, em Pequim, e doar uma
premiação semelhante à Medalha Fields para matemáticos
chineses com menos de 45 anos. Em sua viagem à China, Yau
apresentava o trabalho de Hamilton e o trabalho conjunto deles
sobre o fluxo de Ricci e o problema de Poincaré como modelo
a ser seguido pelos jovens matemáticos chineses. Como ele
colocou isso em Pequim, “Eles sempre dizem que o país inteiro
deveria aprender com Mao ou algum outro grande herói. Então
eu fiz uma brincadeira com eles, mas eu estava meio sério. Eu
disse que o país inteiro deveria aprender com Hamilton”.
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30
Grigory Perelman já havia aprendido com Hamilton.
Em 1993, ele começou uma parceria que duraria 2 anos em
Berkeley. Enquanto ele estava lá, Hamilton fez vários discursos
no campus, e em um deles ele falou que estava trabalhando no
problema de Poincaré. A estratégia de Hamilton para resolver o
problema do fluxo de Ricci foi extremamente técnica e
complicada de executar. Após uma de suas palestras em
Berkeley, ele falou a Perelman sobre o seu maior obstáculo.
Ainda que o espaço seja tornado plano no fluxo de Ricci,
algumas regiões se deformam ao passarem de um estado para
outro, o que os matemáticos chamam de “singularidades”.
Algumas regiões, chamadas “pescoços” tornam-se áreas
atenuadas de densidade infinita. A mais problemática para
Hamilton foi um tipo de singularidade chamada o “charuto”.
Sempre que o charuto se formava, Hamilton se preocupava,
poderia ser impossível obter uma geometria uniforme.
Perelman conseguiu isso em um trabalho que escreveu sobre
espaços de Alexandrov que poderia ajudar Hamilton a
comprovar a conjectura de Thurston (e de Poincaré) desde que
Hamilton solucionasse o problema do charuto. “A essa altura,
31
eu perguntei a Hamilton se ele conhecia um resultado óbvio
que eu havia comprovado, mas não publicado (o qual mostrou
ser muito útil)”, Perelman disse. “Posteriormente, eu percebi
que ele não havia entendido sobre o que eu estava falando”.
Dan Stroock, da M.I.T., disse, “Perelman pode ter aprendido
muitas técnicas com Yau e Hamilton, mas, entretanto, eles não
aprenderam nada com ele”.
No final do seu primeiro ano em Berkeley, Perelman
escreveu diversos trabalhos originais notáveis. Ele estava
procurando alguém para dar uma palestra no congresso da
I.M.U. em 1994, em Zurique, e convidou profissionais de
Stanford, Princeton, do Instituto de Estudos Avançados, e da
Universidade de Tel Aviv. Assim como Yau, Perelman foi um
formidável solucionador de problemas. Ao invés de passar
anos construindo os moldes de uma intricada teoria, ou
definindo novas áreas de pesquisa, ele se concentrou na
obtenção de resultados particulares. Segundo Mikhail Gromov,
um renomado geômetra russo que já foi colaborador de
Perelman, ele estava tentando superar uma dificuldade relativa
aos espaços de Alexandrov quando aparentemente cometeu um
32
erro. “ele não conseguia fazer aquilo”, disse Gromov. “Estava
desesperado”.
Perelman disse para nós que no passado gostava de
trabalhar em diversos problemas. Em Berkeley, entretanto, ele
retornava por inúmeras vezes a equação do fluxo de Ricci de
Hamilton e o teorema que Hamilton pensava que ele não
conseguiria resolver. Alguns dos amigos de Perelman notavam
que ele estava se tornando mais e mais ascético. Visitantes de
São Petersburgo que o esperavam no seu apartamento
raramente eram atendidos por ele. Outros tinham medo que ele
viesse a querer que a vida fosse reduzida a um rígido conjunto
de axiomas. Quando um membro do comitê de aluguéis de
Stanford pedia uma assinatura para incluir nas requisições para
cartas de recomendação, Perelman se irritava. “Se eles
conhecem meu trabalho, então não precisam de minha
assinatura”, ele dizia. “Se eles precisam de minha assinatura,
então não conhecem meu trabalho”.
Nos últimos anos, ele recebia diversas ofertas de
trabalho. Mas recusava todas, e no verão de 1995 voltou para
33
São Petersburgo, para retornar ao seu velho trabalho no
Instituto Steklov, onde ele não recebia mais do que uns 100
dólares por mês. (Ele disse a um amigo que já havia juntado
nos Estados Unidos dinheiro suficiente para viver o resto da
vida.) Seu pai havia se mudado para Israel dois anos antes, e
sua irmã mais jovem planejava ir morar com ele lá depois que
concluísse sua faculdade. Sua mãe, entretanto, decidiu
permanecer em São Petersburgo, e Perelman foi morar com
ela. “Eu percebo que na Rússia trabalho melhor”, ele dizia a
seus colegas em Steklov.
Aos 29 anos, Perelman estava firmamente consagrado
como matemático e ainda estava absolutamente livre de
responsabilidades profissionais. Ele estava livre para se dedicar
a qualquer problema que quisesse, e sabia que no seu trabalho,
deveria escolher para publicar, aquilo que considerava
importante. Yakov Eliashberg, um matemático de Stanford que
conheceu Perelman em Berkeley, acha que Perelman voltou
para a Rússia por que o problema de Poincaré exigia isso. “Por
que não?” Perelman disse quando nós perguntamos se a
afirmação de Eliashberg estava correta.
34
A Internet tornou possível para Perelman trabalhar
sozinho
enquanto
navegava
em
um
grande
mar
de
conhecimento. Perelman pesquisava nos trabalhos de Hamilton
a matéria prima para refletir e dava diversas palestras sobre seu
trabalho. “Ele não precisava de nenhuma ajuda”, Gromov
disse. “Ele gostava de estar sozinho. Ele me lembra Newton
(com sua obsessão por uma idéia, trabalhando para si próprio, a
desconsideração de outras opiniões populares). Newton foi
mais ambicioso. Perelman é mais agradável, mas muito
obsessivo”.
Em 1995, Hamilton publicou um trabalho no qual
discutia umas poucas idéias que completariam a demonstração
do problema de poincaré. Quando leu o trabalho, Perelman
percebeu que Hamilton não havia feito progressos para superar
seus obstáculos (o pescoço e o charuto). “Eu não via nenhuma
evidência de progresso desde 1992”, Perelman disse a nós.
“Talvez ele estivesse empacado desde aquela época”. No
entanto, Perelman refletiu e percebeu que havia feito uma
declaração insensível. Em 1996, ele escreveu a Hamilton uma
longa carta esboçando sua teoria, na esperança de colaboração.
35
“Ele não respondeu”, Perelman disse. “Então eu decidi
trabalhar sozinho”.
Yau não fazia idéia de que o trabalho de Hamilton
havia empacado. Ele estava mais preocupado com sua própria
reputação como profissional da matemática, particularmente na
China, onde, ele temia ser superado por um estudioso mais
jovem como o herdeiro de Chern. Mais de uma década se
passou desde que Yau demonstrou seu último grande resultado,
embora ele continuasse a publicar prolificamente. “Yau quer
ser o rei da geometria”, disse Michael Anderson, um geômetra
de Stony Brook. “Ele acha que tudo deve convergir para ele,
que ele deve ser auto-suficiente. Ele não gosta que as pessoas
adentrem seu território”. Determinado a reter o controle de seu
campo, Yau convencia seus estudantes a tentar resolver
grandes problemas. Em Harvard, ele corria para preparar um
notoriamente corajoso seminário sobre geometria diferencial,
36
que teria duração de 3 horas, 3 vezes em uma semana. Cada
estudante tinha a tarefa de publicar uma recente demonstração
e procurar reconstruí-la, corrigindo alguns erros e preenchendo
algumas lacunas. Yau acreditava que um matemático tinha o
compromisso de ser claro, e chamava a atenção de seus
estudantes para a importância do rigor passo-a-passo.
Há duas maneiras de se obter crédito por uma
contribuição original em matemática. A primeira é produzir
uma demonstração original. A segunda é identificar uma
lacuna importante na demonstração de algum outro matemático
e preencher esta lacuna com o que falta. No entanto, somente
lacunas matematicamente relevantes (ausência ou deficiência
de argumentos) podem servir como alegação de originalidade.
O preenchimento das lacunas em uma explicação (pequenos
cortes e abreviações para fazer uma demonstração mais
eficiente) não conta. Quando, em 1993, Andrew Wiles revelou
que poderia ser encontrada uma lacuna na demonstração do
último teorema de Fermat, o problema virou um jogo de acerto
para todos, até que, no ano seguinte, Wiles encontrou o erro. A
maioria dos matemáticos concordava com o fato de que, em
37
contraste, se os passos implícitos da demonstração pudessem
ser explicitados por um especialista, então as lacunas seriam
meramente explicativas, e a demonstração seria considerada
completa e correta.
Ás vezes, é difícil perceber a diferença entre uma
lacuna matemática e uma lacuna explicativa. Na menor das
hipóteses, Yau e seus estudantes pareciam confundir as duas,
ao exigirem reconhecimento de originalidade por coisas que
outros matemáticos não reconheciam como originais. Em 1996,
um jovem geômetra de Berkeley chamado Alexander Givental
demonstrou uma conjectura matemática sobre a simetria do
espelho, um conceito fundamental para a Teoria das Cordas.
Entretanto, outros matemáticos haviam encontrado uma difícil
demonstração para o problema de Givental pouco tempo antes,
eles estavam otimistas que haviam resolvido o problema.
Assim como um dos geômetras expressou, “Ninguém naquela
época disse que a prova estava incompleta e incorreta”.
No final de 1997, Kefeng Liu, um dos primeiros alunos
de Yau em Stanford, deu uma palestra em Harvard sobre
38
simetria dos espelhos. De acordo com dois geômetras que
estavam na audiência, Liu fez aos presentes uma demonstração
impressionantemente similar a de Givental, citando-o como um
trabalho que realizou em parceria com Yau e outros alunos de
Yau. “Liu mencionou Givental, mas somente como um em
uma longa lista de pessoas que contribuíram para área”, um dos
geômetras disse. (Liu afirmou que sua demonstração estava
significativamente diferente da de Givental.)
Quase na mesma hora, Givental recebeu um e-mail de
Yau e seus colaboradores, explicando que eles achavam seus
argumentos impossíveis de seguir e sua notação inadequada, e
haviam feito sua própria demonstração. Eles agradeceram
Givental por sua “idéia brilhante” e escreveram, “no final da
edição de nosso trabalho, sua importante contribuição será
reconhecida”.
Poucas semanas depois, o trabalho, “Mirror Principle
I” (Princípio do Espelho I), foi publicado na Asian Journal of
Mathematics (Revista de Matemática Asiática), a qual era coeditada por Yau. No trabalho, Yau e seus co-autores descrevem
39
seus resultados como “a primeira demonstração completa” da
conjectura do espelho. eles mencionam o trabalho de Givental
somente de passagem. “Infelizmente”, ele escreve, sua
demonstração, “a qual foi lida por muitos especialistas
proeminentes,
está
incompleta”.
Entretanto,
eles
não
identificaram uma falha matemática específica.
Givental estava perplexo. “Eu queria saber qual foi a
objeção deles”, ele disse a nós. “Não era para desmascará-los
ou para me defender”, Em março de 1998, ele publicou um
trabalho que incluía três notas de rodapé nas quais ele
apresentava inúmeras semelhanças entre a demonstração de
Yau e a sua própria. Muitos meses depois, um jovem
matemático da Universidade de Chicago pedia a seus colegas
mais experientes para investigar a conclusão da disputa a
respeito da demonstração de Givental (se ela estava completa).
Yau disse que havia trabalhado durante anos na demonstração
com seus alunos e que eles haviam obtido seus resultados de
maneira independente de Givental. “Nós tivemos nossas
próprias idéias, e as escrevemos”, ele disse.
40
Mais ou menos nessa época, Yau teve sua primeira
briga séria com Chern e as autoridades matemáticas chinesas.
Durante anos, Chern esperava levar o congresso da I.M.U. para
Pequim. Segundo diversos matemáticos que estavam em
atividade na I.M.U. nesse período, Yau fez um esforço de onze
horas para ter Hong Kong como local do congresso ao invés de
Pequim. Mas ele falhou na tentativa de convencer um número
suficiente de colegas a ficar do seu lado, e a decisão final da
I.M.U. foi realizar o congresso de 2002 em Pequim. (Yau nega
o fato de tentar trazer o congresso para Hong Kong). Dentre os
delegados designados pela I.M.U. para formar um grupo que
iria escolher os palestrantes do congresso estava o mais bemsucedido aluno de Yau, Gang Tian, que havia estado na N.Y.U.
(Universidade de Nova Iorque) com Perelman e que agora
estava na M.I.T. A comissão organizadora de Pequim também
pediu a Tian para dar uma palestra plenária.
Yau foi pego de surpresa. Em março de 2000, ele
publicou uma revisão de uma recente pesquisa na sua área de
estudo com crescentes referências a Tian e aos seus projetos
conjuntos. Ele revidou organizando sua primeira conferência
41
sobre Teoria das Cordas, que teve início em Pequim poucos
dias antes do congresso de matemática começar, no final de
agosto de 2002. Ele convenceu Stephen Hawking e diversos
laureados com o Nobel a visitá-lo, e por dias os jornais
chineses ficaram cheios de fotos de cientistas famosos. Yau
também conseguiu arranjar para seu grupo uma audiência com
Jiang Zemin. Um matemático que ajudou a organizar o
congresso de matemática se recorda que na estrada que liga
Pequim ao aeroporto havia “grandes cartazes com fotos de
Stephen Hawking engessadas em todo lugar”.
No verão, Yau não estava pensando muito no problema
de Poincaré. Ele teve um encontro secreto com Hamilton,
apesar da sua lentidão. “Hamilton é muito bom amigo”, Yau
disse a nós em Pequim. “Ele é mais do que um amigo. Ele é um
herói. Ele é tão original. Nós estávamos trabalhando na
conclusão da nossa demonstração. Hamilton trabalhou nela
durante vinte e cinco anos. Você trabalha, você cansa. Ele
provavelmente já havia ficado um pouco cansado (e você quer
tirar um descanso)”.
42
Então, em 12 de novembro de 2002, Yau recebeu uma
mensagem por e-mail vinda de um matemático russo cujo
nome não estava diretamente nos registros. “Deixo meu
trabalho aos seus cuidados”, o e-mail dizia.
Em 11 de novembro, Perelman enviou um artigo de 39
páginas intitulado “The Entropy Formula for the Ricci Flow
and Its Geometric Applications” (A entropia da fórmula do
fluxo de Ricci e suas aplicações geométricas) no arXiv.org, um
site da Web usado por matemáticos para postar trabalhos pré43
impressos (artigos aguardando avaliação das revistas para
serem publicado). Ele também enviou um resumo de seu
trabalho a uma dúzia de matemáticos dos Estados Unidos
(inclusive Hamilton, Tian, e Yau) nenhum deles tinha ouvido
falar dele por anos. No resumo, ele explicou que havia escrito
“um esboço da demonstração eclética” da geometrização da
conjectura.
Perelman não havia mencionado ou mostrado a
demonstração a ninguém. “Eu não tinha muitos amigos com os
quais eu pudesse discutir isto”, ele disse em São Petersburgo.
“Eu não queria discutir meu trabalho com alguém que não
fosse confiável”. Andrew Wiles também mantinha em segredo
o fato de estar trabalhando no último teorema de Fermat, mas
ele tinha um colega que verificou a demonstração antes de
torná-la pública. Perelman, por postar despreocupadamente na
Internet uma demonstração de um dos problemas mais famosos
da matemática, não só estava desrespeitando as convenções
acadêmicas, como estava correndo um risco considerável. Se a
demonstração estivesse errada, ele estaria publicamente
humilhado, e não haveria nenhum jeito de impedir que outro
44
matemático corrigisse seus erros e reivindicasse a vitória para
si. Mas Perelman disse que isso não o interessava. “Minha
razão é esta: se eu cometesse um erro e alguém usasse meu
trabalho para construir uma demonstração correta eu ficaria
contente”, ele disse. “Eu nunca quis ser o único solucionador
do problema de Poincaré”.
Gang Tian estava trabalhando na M.I.T. quando recebeu
o e-mail de Perelman. Ele e Perelman eram amigos em 1992,
quando ambos estavam na N.Y.U. e freqüentavam o mesmo
seminário semanal de matemática em Princeton. “Eu percebi a
sua importância imediatamente”, Tian falou do trabalho de
Perelman. Tian começou a ler o trabalho e discuti-lo com
colegas, que estavam igualmente entusiasmados.
Em 19 de novembro, Vitali Kapovitch, um geômetra,
enviou um e-mail a Perelman:
“Oi Grisha, Desculpe aborrecer você, mas muitas pessoas estão
perguntando a mim a respeito de seu trabalho pré-impresso
„The entropy formula for the Ricci . . .‟ . Será que eu entendi
bem, embora você não tenha conseguido realizar todos os
45
passos do programa de Hamilton você fez uso adequado de
resultados em desuso, o que permitiu a você demonstrar a
geometrização da conjectura? Vitali.” A resposta de Perelman,
no outro dia, foi concisa: “Está certo. Grisha.”
Para dizer a verdade, o que Perelman havia postado na
Internet era a primeira parte de sua demonstração. Mas era o
suficiente para que os matemáticos percebessem o que ele
havia pensado para resolver o problema de Poincaré. Barry
Mazur, o matemático de Harvard que usava a imagem de um
pára-lama amassado para descrever a façanha de Perelman
disse: “Suponha que seu carro tenha um pára-lama amassado e
você chama um mecânico para perguntar como aplainá-lo.
Seria difícil para o mecânico dizer a você o que fazer pelo
telefone. Você leva o carro até a oficina mecânica para ele
examinar. Então ele diz a você onde dar umas poucas batidas.
O que Hamilton apresentou e Perelman completou é um
procedimento que independe das particularidades do defeito.
Se você adaptar o fluxo de Ricci para um espaço 3-D, ele
começará a desabar e se tornará plano. O mecânico não
precisará nem olhar o carro, basta apenas aplicar a equação”.
46
Perelman demonstrou
que os
“charutos”
que haviam
incomodado Hamilton poderiam não ocorrer de verdade, e
mostrou que o problema do “pescoço” poderia ser resolvido
através do uso de uma intrincada sequência de cirurgias
matemáticas: Cortando singularidades e remendando as bordas.
“Agora nós temos um procedimento para suavizar coisas e, nos
pontos cruciais, controlar os cortes”.
Tian escreveu a Perelman, pedindo a ele para dar uma
palestra sobre seu trabalho na M.I.T. Colegas de Princeton e
Stony Brook fizeram convites semelhantes. Perelman aceitou a
todos e agendou um mês de palestras, começando a partir de
abril de 2003. “Por que não?” ele nos disse encolhendo os
ombros. Falando sobre matemáticos em geral, Fedor Nazarov,
um matemático da Universidade do Estado de Michigan, disse,
“Depois de você ter resolvido um problema, você tem um
grande desejo de falar sobre ele”.
Hamilton e Yau ficaram chocados com a declaração de
Perelman. “Nós sentíamos que ninguém mais seria capaz de
47
resolver o problema”. Yau disse a nós em Pequim. “Mas em
seguida, em 2002, Perelman disse que publicaria algo. Ele
basicamente fez um atalho sem fazer todas as estimativas
detalhadas que nós fizemos.” Mais ainda, Yau queixou-se, a
demonstração de Perelman “estava escrita de um jeito tão
confuso que nós não a entendemos”.
A viagem de palestras em abril de Perelman foram
tratadas pelos matemáticos e pela imprensa como um grande
evento. Dentre as pessoas que assistiam sua palestra em
Princeton estavam John Ball, Andrew Wiles, John Forbes Nash
Jr., que havia demonstrado o teorema da fixação de
Riemannian, e John Conway, o invetor dos jogos de vida
celular de autômatos. Para a surpresa de muitos que assistiam,
Perelman não falou nada sobre Poincaré. “Aí está um cara que
demonstrou um teorema mundialmente famoso e nem sequer
mencionou isso ”,
disse Frank Quinn, um matemático da
Escola Técnica de Virginia. “Ele relatou alguns pontos-chave e
algumas propriedades, e em seguida respondeu a perguntas. Ele
ganhou credibilidade. Se ele batesse no peito e dissesse, „eu o
resolvi‟, ele enfrentaria enorme resistência”. Ele acrescentou,
48
“As pessoas esperavam por algo excêntrico. Perelman era
muito mais normal do que elas esperavam”.
Para a infelicidade de Perelman, Hamilton não assistiu
aquela palestra e nem as palestras seguintes, em Stony Brook.
“Eu sou um discípulo de Hamilton, apesar de não receber sua
autorização”, Perelman disse a nós. Mas John Morgan, de
Columbia, onde Hamilton agora lecionava, estava entre os
ouvintes em Stony Brook, e depois da palestra ele convidou
Perelman para discursar em Columbia. Perelman, que esperava
encontrar Hamilton, aceitou. A palestra aconteceu em uma
manhã de sábado. Hamilton chegou tarde e não fez perguntas
durante toda a longa sessão de discussões que surgiu durante a
palestra e nem depois do almoço. “Eu tive a impressão de que
ele só leu a primeira parte do meu trabalho”, disse Perelman.
Na edição de 18 de abril de 2003 da revista Science,
Yau afirmava em um artigo sobre a demonstração de Perelman:
“Muitos especialistas, embora nem todos, estão convencidos de
que Perelman apagou os charutos e domesticou os pescoços
apertados. Mas eles não estão seguros de que ele possa
49
controlar o número de cirurgias. Isto pode se tornar um erro
fatal”, Yau advertiu, “tendo em vista que muitas outras
tentativas de prova da conjectura de Poincaré cometeram falhas
semelhantes na ausência de passos. Demonstrações devem ser
tratadas com ceticismo até que os matemáticos tenham a
oportunidade de revisá-las por completo”, Yau disse a nós.
“Enquanto isto não acontece”, ele disse, “não é matemática, é
religião”.
Em meados de julho, Perelman publicou as duas partes
finais de sua demonstração na Internet, e os matemáticos
começaram a trabalhar em uma explicação formal, refazendo
trabalhosamente os seus passos. Nos Estados Unidos, pelo
menos duas equipes de matemáticos especialistas foram por si
mesmas designadas para esta tarefa: Gang Tian (o rival de
Yau) e John Morgan; e uma dupla de pesquisadores da
Universidade de Michigan. Ambos projetos estavam recebendo
apoio do Instituto de Clay, o qual planejava publicar em forma
de livro o trabalho de Tian e Morgan. O livro, além de servir
como guia da lógica de Perelman para outros matemáticos,
possibilitaria a ele ser candidato a uma recompensa milionária
50
do Instituto de Clay por resolver o problema de Poincaré. (Para
ser eleita, uma demonstração deve ser publicada em algum
evento depois de passar por uma equipe revisora e deve resistir
a dois anos de minuciosos exames da comunidade matemática.)
Em 10 de setembro de 2004, mais de um ano após
Perelman retornar a São Petersburgo, ele recebeu um longo email de Tian, que dizia que ele estava freqüentando um
seminário de duas semanas em Princeton dedicado justamente
à demonstração de Perelman. “Eu acho que nós entendemos o
seu trabalho por completo”, Tian escreveu. “Está totalmente
correto”.
Perelman não escreveu de volta. Como ele havia
explicado para nós, “Eu não me preocupo muito. Este foi um
problema famoso. Algumas pessoas precisaram de tempo para
se acostumar com o fato de que este problema nada mais era do
que uma conjectura. Eu particularmente decidi por mim mesmo
que estava correta para me manter longe de sua comprovação e
não participar de todos estes encontros. É importante para mim
que eu não me influencie nesse processo”.
51
Em julho daquele ano, a National Science Foundation
(Fundação Nacional de Ciência) deu cerca de um milhão de
dólares como pagamento a Yau, Hamilton, e vários estudantes
de Yau para estudar e aplicar “o avanço notável” de Perelman.
Toda uma área da matemática crescia em volta das tentativas
de resolução do problema de Poincaré, e agora esta área corria
o risco de se tornar obsoleta. Michael Freedman, que ganhou
uma Medalha Fields por demonstrar a conjectura de Poincaré
para a quarta dimensão, disse ao jornal Times que a
demonstração de Perelman foi um “foi um pequeno sofrimento
para esta área particular da topologia”. Yuri Burago disse, “Ela
acabou com a área. Depois que foi lançada, muitos
matemáticos migraram para outras áreas da matemática”.
52
53
54
Cinco meses depois, Chern morreu, e os esforços de
Yau para fazer com que ele (e não Tian) fosse reconhecido
como seu sucessor se tornaram maliciosos. “era o fim de sua
primazia na China e sua liderança entre os patriotas chineses”,
Joseph Kohn, um antigo diretor do departamento de
matemática de Princeton falou. “Yau não tinha ciúme dos
matemáticos de Tian, mas ele temia a perda de poder na
China.”
Ainda que Yau não tivesse ficado mais do que uns
poucos meses em mainland na China enquanto era criança, ele
estava convencido de que sua reputação de único matemático
chinês ganhador da Medalha Fields faria dele o sucessor de
Chern. Em um discurso que deu na Universidade de Zhejiang,
em Hangzhou, no verão de 2004, Yau relembrou seus ouvintes
de suas raízes chinesas. “Quando desci do avião, toquei o solo
de Pequim e senti grande alegria de estar em minha pátria
mãe”, ele disse. “Eu me orgulho de dizer que quando eu ganhei
a Medalha Fields de matemática, não tinha passaporte de
nenhum país e certamente deveria ser considerado chinês”.
55
Passado o verão, Yau voltou à China e, em uma série de
entrevistas a repórteres Chineses, atacou Tian e os matemáticos
da Universidade de Pequim. Em um artigo publicado em um
jornal de ciência de Pequim, o qual circulava com a manchete
“SHING-TUNG
YAU
DESPREZA
CORRUPÇÃO
ACADÊMICA NA CHINA”, Yau chamou Tian de “um
completo intrometido”. Ele o acusou de pegar vários cargos de
professores e de ganhar cento e vinte cinco mil dólares por uns
poucos meses de trabalho em universidades chinesas, enquanto
seus alunos viviam com cem dólares por mês. Ele também
acusou Tian de sonegar bolsas de estudos e de plágio, e disse
também que ele intimidava seus alunos de pós-graduação
exigindo que seu nome fosse adicionado aos trabalhos deles em
troca de cartas de recomendação. “Enquanto eu o promovia de
todas as maneiras para que ganhasse a fama acadêmica que
hoje ele tem, eu também levei responsabilidade por seu
comportamento inconveniente”, Yau disse a um repórter,
explicando porque se viu obrigado a dar sua opinião
abertamente.
56
Em outra entrevista, Yau descreveu como o comitê da
Medalha Fields aprovou Tian em 1988 e como ele tentou
influenciar em favor de Tian para que ele ganhasse outros
prêmios do comitê, dentre eles o da National Science
Foundation (Fundação Nacional de Ciência), o qual daria a
Tian um prêmio de quinhentos mil dólares em 1994.
Tian ficou horrorizado com os ataques de Yau, mas ele
sentia que, como antigo aluno de Yau, havia pouca coisa que
ele poderia fazer a respeito. “Suas acusações são infundadas”,
Tian disse a nós. Mas, ele acrescentou, “Eu tenho profundas
raízes da cultura chinesa. Um professor é um professor. Existe
um respeito. É muito difícil para mim pensar no que fazer”.
Enquanto Yau estava na China, ele visitou Xi-Ping Zhu,
um “protetor” seu que agora era o diretor do departamento da
Universidade de Sun Yat-sen. Na primavera de 2003, após
Perelman completar suas viagens e conferências nos Estados
Unidos, Yau recrutou Zhu e outros alunos, e Huai-Dong Cao,
um professor da Universidade de Lehigh, para trabalhar em
uma explicação da demonstração de Perelman. Zhu e Cao
57
estudaram o fluxo de Ricci a pedido de Yau, que considerava
Zhu, em particular, um matemático de excepcional confiança.
“Nós tínhamos que descobrir se o trabalho de Perelman estava
isento de erros”, Yau disse a nós. Yau conseguiu com que Zhu
passasse o ano acadêmico de 2005-06 em Harvard, onde ele
daria um seminário sobre a demonstração de Perelman e
continuaria a trabalhar no seu artigo junto com Cao.
58
No
dia 13 de abril daquele ano, os trinta e um
matemáticos que compunham o conselho editorial da Revista
Asiática de Matemática receberam um breve e-mail de Yau e
do co-editor da revista informando a eles que eles teriam três
dias para comentar um trabalho de Xi-Ping Zhu e Huai-Dong
Cao sob o título “The Hamilton-Perelman Theory of Ricci
Flow: The Poincaré and Geometrization Conjectures” (A
Teoria de Hamilton-Perelman do Fluxo de Ricci: O Problema
de Poincaré e a Geometrização da Conjectura.), o qual Yau
pretendia publicar na revista. O e-mail não incluía uma cópia
do trabalho, informação de referências, ou um resumo. Pelo
menos um dos membros do conselho pediu para ver o trabalho,
mas ele não estava disponível. Em 16 de abril, Cao recebeu
uma mensagem de Yau dizendo a ele que o trabalho havia sido
59
aceito pela A.J.M., e um resumo poderia ser encontrado no
web site do jornal.
Um mês depois, Yau almoçava com Jim Carlson em
Cambridge, o presidente do Instituto Clay. Ele disse a Carlson
que queria trocar uma cópia do trabalho de Zhu e Cao por uma
cópia do trabalho de Tian e um livro manuscrito de Morgan.
Yau disse a nós que estava preocupado que Tian tentasse
roubar o trabalho de Zhu e Cao, e que queria ter acesso
simultâneo a ambas as partes sobre o que ambos estavam
escrevendo. “Eu estava almoçando com Carlson e pedi para
trocar os manuscritos para ter segurança de que ninguém
pudesse fazer cópias”, Yau disse. Carlson reservou-se,
explicando que o Instituto Clay ainda não havia recebido os
trabalhos de Tian e o manuscrito completo de Morgan.
No final da semana seguinte, o título do trabalho de Zhu
e Cao no web site da A.J.M. mudou para “A Complete Proof of
the Poincaré and Geometrization Conjectures: Application of
the
Hamilton-Perelman
Theory
of
the
Ricci
Flow”
(Demonstração Completa do Problema de Poincaré e da
60
Geometrização da Conjectura: Aplicação da teoria de
Hamilton-Perelman ao Fluxo de Ricci.). O resumo também
havia passado por uma revisão. Uma nova frase explicava,
“Esta demonstração deve ser considerada como coroamento
das façanhas da teoria de Hamilton-Perelman sobre o fluxo de
Ricci”.
O trabalho de Zhu e Cao possuía mais de três centenas
de longas páginas e preencheu por completo a edição de junho
da A.J.M.. A maior parte do trabalho foi dedicada à
reconstrução de muitos dos resultados do Fluxo de Ricci de
Hamilton (incluindo resultados que Perelman usou em sua
demonstração) e muitas demonstrações de Perelman sobre a
conjectura de Poincaré. Em sua introdução, Zhu e Cao
elogiaram Perelman por ter tido “novas e frescas idéias
brilhantes para compreender importantes passos necessários
para superar os principais obstáculos que continuavam no
programa de Hamilton”. Entretanto, eles escreveram, eles
foram obrigados a “substituir grande parte dos argumentos de
Perelman por novas abordagens baseadas em nosso estudo,
porque nós fomos incapazes de compreender os argumentos
61
originais de Perelman, os quais são essenciais para completar o
programa da geometrização”. Matemáticos familiarizados com
a demonstração de Perelman questionavam a idéia de que Zhu
e Cao haviam contribuído significativamente com sua nova
abordagem do problema de Poincaré. “Perelman já havia feito
e o que ele fez estava completo e correto”, John Morgan disse.
“Eu não vejo nada de diferente no que eles fizeram”.
No início de junho, Yau começava a promover a
demonstração publicamente. No dia 3 de junho, no seu instituto
de matemática em Pequim, ele chamou uma conferência de
imprensa. O atual diretor do instituto de matemática, tentava
ilustrar as relativas contribuições de diferentes matemáticos
que haviam trabalhado no problema de Poincaré, dizendo,
“Hamilton contribuiu com cinqüenta por cento; o russo,
Perelman, com cerca de vinte e cinco por cento; e os chineses,
Yau, Zhu, e Cao, com cerca de trinta por cento”. (Como se
pode ver, às vezes até mesmo um matemático pode tropeçar na
simples adição.) Yau acrescentou, “Dada à significância do
problema de Poincaré, o fato de os matemáticos chineses
62
desempenharem trinta por cento do papel não é de pouca
relevância. É uma contribuição muito importante”.
Em 12 de junho, na semana anterior a conferência de
Yau sobre Teoria das Cordas que seria realizada em Pequim, o
jornal Correio da Manhã do Sul da China noticiava, “
Matemáticos de Mainland que ajudaram a solucionar um
„problema matemático milenar‟ apresentam a metodologia e os
resultados encontrados ao físico Stephen Hawking. . . . Yau
Shing-Tung, que organizou a visita do Professor Hawking e
que também é professor de Cao, disse ontem que mostrará os
resultados encontrados ao Professor Hawking porque ele
acredita que este conhecimento o ajudará em suas pesquisas
sobre a formação de buracos negros”.
Na manhã de sua conferência em Pequim, Yau disse a
nós, “Nós queremos nossa contribuição reconhecida. E isto é
também uma estratégia para apoiar Zhu, que está na China e
que tem realizado um trabalho realmente espetacular. Eu quero
enfatizar que, este é um importante trabalho sobre um
problema que levou um século para ser resolvido, e que
63
provavelmente terá mais um século de conseqüências. Se você
conseguir anexar seu nome de alguma maneira, isto já é uma
contribuição”.
E. T. Bell, o autor de “Men of Mathematics” (Homens
da matemática), uma história humorística desta ciência
publicada em 1937, certa vez lamentou “as disputas por
prioridade desfiguram a história científica”. Mas na época
anterior ao e-mail, blogs, e Web sites, uma certa decência
prevalecia. Em 1881, Poincaré, que estava então na
Universidade de Caen, manteve contato com um matemático
alemão em Leipzig chamado Felix Klein. Poincaré publicou
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diversos trabalhos nos quais qualificou certos tipos de função
como “Fuchsianas” depois de outros matemáticos já o terem
feito. Klein escreveu a Poincaré, dizendo que ele (Klein) e
outros já haviam feito importantes trabalhos sobre aquelas
funções. Começava uma troca de cartas educadas entre Leipzig
e Caen. As últimas palavras de Poincaré sobre o assunto foram
uma citação de “Fausto”, de Goethe: “Name ist Schall und
Rauch ” vagamente traduzível, que corresponde ao “What‟s in
a name?” (O que está por trás de um nome?) de Shakespeare.
Isto, essencialmente, é o que os amigos de Yau estavam
pedindo a si mesmos. “Eu me encontro irritado com Yau que
parece sentir a necessidade de mais admiração”, disse Dan
Stroock, da M.I.T.. “Ele é um cara que fez coisas magníficas,
pelas quais foi magnificamente premiado. Ele ganhou todos os
prêmios que poderia ganhar. Não me parece digno da parte
dele tentar compartilhar essa conquista também”. Stroock
salientou ainda que, vinte e cinco anos antes, Yau estava em
situação muito parecida com a que Perelman está hoje. Sua
descoberta mais famosa, sobre variedades de Calabi-Yau, foi
enormemente importante para a física teórica. “Calabi havia
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esboçado um programa”, Stroock disse. “Na verdade, Yau foi o
perelman de Calabi. Agora ele está do outro lado. Ele não tinha
nenhum peso na consciência por levar a principal parte dos
créditos pelo trabalho de Calabi-Yau. E agora ele parece estar
ressentido por Perelman levar o crédito por completar o
programa de Hamilton. Eu não sei se essa analogia já passou
pela cabeça dele”.
Matemática, mais do que outras áreas, depende de
colaboração. A maior parte dos problemas exige o insight de
muitos matemáticos para serem resolvidos, e a profissão vêm
abandonando o padrão de dar crédito a contribuições
individuais que perduram como regras que governam a própria
matemática. Assim como Perelman colocou, “Se todos são
honestos, é natural haver compartilhamento de idéias”. Muitos
matemáticos vêem a conduta de Yau sobre o problema de
Poincaré como uma violação desta ética básica, e preocupamse com o dano que isto causa a profissão. “Política, poder, e
controle não desempenham um papel legítimo em nossa
comunidade, e ameaçam a integridade de nossa área”, falou
Phillip Griffiths.
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Perelman
gosta de assistir espetáculos de ópera no
teatro Mariinsky, em São Petersburgo. Sentando na parte
superior dos fundos da casa, ele não consegue distinguir a
expressão dos cantores ou ver os detalhes de suas fantasias.
Mas ele presta atenção somente no som de suas vozes, e ele diz
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que a acústica do lugar onde senta é melhor do que em
qualquer outro lugar do teatro. Perelman vê a comunidade
matemática (e de maneira mais geral o mundo) de um lugar
semelhante.
Antes de chegarmos em São Petersburgo, em 23 de
junho, enviamos muitas mensagens para seu endereço de email do Instituto Steklov, com a esperança de marcar um
encontro, mas ele não respondeu. Nós pegamos um táxi para o
prédio onde mora no seu apartamento e, relutantes em
incomodar sua privacidade, deixamos um livro (uma coleção
de trabalhos de John Nash) em sua caixa de correio, ao lado de
um cartão que informava que nós iríamos estar sentados em um
banco do playground na tarde seguinte. No dia seguinte, após
Perelman faltar ao encontro, nós deixamos uma caixa de chá de
pérola e uma nota descrevendo algumas das questões que
esperávamos discutir com ele. Nós repetimos este ritual umas
três vezes. Finalmente, acreditando que Perelman houvesse
saído da cidade, nós apertamos a campainha de seu
apartamento, esperando pelo menos falar com sua mãe. Uma
mulher atenciosa e que nos deixava a vontade. Perelman nos
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encontrou na sala fracamente iluminada de seu apartamento.
Disse que não checava seu endereço de e-mail de Steklov a
meses, e que não havia olhado sua caixa de correspondência
durante toda semana. Ele não fazia idéia de quem nós éramos.
Nós marcamos um encontro às dez horas da manhã
seguinte no Nevsky Prospekt. De lá, Perelman, vestido com um
casaco esporte e luvas, nos levou para uma caminhada turística
de quatro horas pela cidade, comentando cada prédio e cada
paisagem. Depois disto, nós todos fomos a uma competição de
voz no conservatório de São Petersburgo, a qual durou cinco
horas. Perelman repetidamente dizia que havia se retirado da
comunidade matemática e que não se considerava mais
matemático profissional. Ele mencionou uma disputa que havia
tido alguns anos antes com um colaborador a respeito dos
créditos da autoria de uma demonstração particular, e disse que
estava desanimado com a falta de ética na área. “Não são as
pessoas que quebram o padrão de ética que são consideradas
estranhas”, ele disse. “São pessoas como eu que são isoladas”.
Nós pedimos a ele que lesse o trabalho de Cao e Zhu. “Não
está claro para mim qual foi a nova contribuição que eles
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deram”, ele disse. “Aparentemente, Zhu não entendeu
completamente o raciocínio e o refez”. A respeito de Yau,
Perelman disse, “Eu não posso dizer que estou ofendido.
Outras pessoas fazem pior. Claro, existem muitos matemáticos
que são mais ou menos honestos. Mas a grande maioria deles é
conformista. Eles são mais ou menos honestos, mas toleram
que outros não sejam honestos”.
A possibilidade de ganhar a Medalha Fields está
forçando ele a se afastar da profissão. “No longo período em
que eu não estava em evidência, eu tinha uma escolha”,
Perelman explicou. “Ou fazia alguma coisa feia” (um
escândalo sobre a falta de integridade da comunidade
matemática) “ou, se não fizesse este tipo de coisa, seria tratado
como um bicho de estimação. Agora, quando me tornei uma
pessoa em evidência, eu não poderia continuar um bicho de
estimação e não falar nada. Por isso eu tive que me afastar”.
Nós perguntamos a Perelman se, por recusar a Medalha Fields
e abandonar sua profissão, ele estaria eliminando toda
possibilidade de ser influente na área. “Eu não sou um
político!” ele respondeu, bravo. Perelman não disse se a sua
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objeção a prêmios se estende à recompensa milionária do
Instituto Clay. “Eu não irei decidir se aceito essa recompensa
até que ela seja oferecida”, ele disse.
Mikhail Gromov, um geômetra russo, disse entender a
lógica de Perelman: “Para fazer um grande trabalho, você tem
que ter a mente pura. Você só deve pensar sobre matemática.
Todo o resto é fraqueza humana. Aceitar prêmios é uma
amostra dessas fraquezas”. Outros podem ver a recusa de
Perelman em aceitar a Medalha Fields como arrogante”,
Gromov disse, “mas seus princípios são admiráveis. O cientista
ideal é aquele que faz ciência e não presta atenção a nada
mais”, ele disse. “Ele quer viver este ideal. Agora, eu não acho
que ele realmente esteja vivendo este plano ideal. Mas ele quer
viver assim”.
Texto Original
NASAR, Sylvia; GRUBER, David. Manifold Destiny. Revista
New Yorker, 21 de agosto de 2006. Disponível em
http://www.newyorker.com/archive/2006/08/28/060828fa_fact
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