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A Tunísia decidiu acabar com Ben Ali
Por Ramy Brahem*
Os meios de comunicação estrangeiros falseiam a visão dos acontecimentos.
Dão a entender que a Tunísia vive um movimento social como se as causas
principais fossem o desemprego ou o preço dos alimentos de base. Quando
denunciam a ditadura, têm tendência para a desculpar. Acima de tudo,
escondem as razões por que o governo francês apoia o regime criminoso de
Ben Ali: alegam que é principalmente por causa da participação de Ben Ali na
luta contra os islamitas.
Mentira nº 1 dos meios de comunicação: “Trata-se apenas de um
movimento social, não é um levantamento”
De há duas semanas a esta parte intensificou-se a repressão na Tunísia. Tiros
de balas reais das forças policiais juntaram-se às detenções em massa e às
ameaças de perseguições. Sabe-se que há mortos desde 9 de Janeiro. Mas o
balanço é difícil e os hospitais proíbem as filmagens. Os meios de
comunicação locais estão amordaçados, mas as informações espalham-se na
Internet como um rasto de poeira. Entre os mortos, há crianças, mulheres e
pessoas idosas. Uns morrem sufocados com os cartuxos de gás lacrimogéneo
fora de prazo que são utilizados. Os vídeos na Internet mostram que as vítimas
foram quase todas atingidas no peito ou na cabeça. Tiros de precisão para
matar.
Kasserine (a sudoeste do país) foi particularmente atingida. Sábado à noite, os
polícias de Ben Ali dispararam sobre o cortejo fúnebre de um manifestante que
tinham morto na véspera. Foram colocados atiradores em sítios altos. Houve
pelo menos cinquenta mortos ali e os confrontos continuam. Polícias à paisana
pilharam os estabelecimentos comerciais e as casas. E na segunda-feira foi
possível ouvir na Radio Kalima que as forças especiais de Ben Ali arrombaram
as portas das casas e violaram as raparigas que encontraram.
A ira chegou a uma situação sem retorno. Toda a gente aderiu ao combate:
médicos e advogados lutam ao lado dos mais pobres pelo seu país. Na
segunda-feira à noite Ben Ali faz uma declaração, prometendo 300 000
empregos. Como se essa mentira pudesse acalmar os ânimos. “Estamos nas
tintas para o desemprego, queremos que Ben Ali seja preso” declaram em coro
os tunisinos.
Os subúrbios de Tunis revoltam-se na quarta-feira. Ben Ali manda o exército
intervir, mas este volta-se contra ele em várias cidades, protegendo os
cidadãos pacíficos dos tiros da polícia e das detenções. Na quarta-feira à noite
é decretado o recolher obrigatório em Tunis e seus subúrbios, das 20 h às
5 h30 da manhã. Uma hora antes, o jovem Magid é assassinado em
Ettadhamen no subúrbio oeste de Tunis com um tiro de um polícia, quando
regressava a casa. Contrariamente ao que nos descrevem os jornalistas do
France 24, abrigados no centro, os corajosos habitantes das cidades de
Ettadhamen e de Intilaka lutaram toda a noite apesar do recolher obrigatório e
dos tiros da polícia. Os confrontos continuam, os jovens cantam : “Não temos
medo de vocês”. O exército retira-se da cidade, por ordem de Ben Ali, para
deixar que as forças especiais continuem o massacre.
Não se trata de um simples movimento social, é uma revolução que está em
marcha. Um levantamento cuja faísca foi o suicídio por imolação, no dia 17 de
Dezembro em Sidibouzid, de um jovem de 28 anos, mas cujas raízes são mais
profundas.
A luta organiza-se na Internet e na rua, começa no sul onde as populações são
mais pobres, mas estende-se a todo o país. Na quinta-feira passada, depois de
Tunis e dos seus subúrbios, as cidades de Tabarka e Jendouba no noroeste
juntam-se por seu turno à luta.
Ben Ali alega ter sido enganado por gente corrupta. Imediatamente, na quartafeira, a ONU que receia que ele perca o seu trono, recomenda-lhe que instale
uma comissão de inquérito independente. Mas os tunisinos não são parvos :
sabem muito bem que os corruptos são os que dirigem o seu país. Pele seu
lado, os Estados Unidos tentam também chamar à razão o tirano que perde o
controlo do país e só agrava a situação com a repressão.
Pouco depois, o primeiro-ministro tunisino anuncia a exoneração do ministro do
interior, Rafik Belhaj Kacem, e a libertação de todas as pessoas detidas
durante o “levantamento social”. Na mesma altura, Hamma Hammami, um
opositor político que já conheceu a clandestinidade, a prisão, o exílio e a
tortura, na sua qualidade de porta-voz do PCOT (partido comunista tunisino,
oficialmente proibido) é raptado do seu domicílio pelas forças especiais. A
família muito inquieta receia pela sua vida.
Quinta-feira, o presidente autoproclamado, Zin El Abidiin Ben Ali, anuncia que
não tem a intenção de exercer um novo mandato e promete a liberdade total da
informação e da internet: “Nada de presidência vitalícia e recuso-me a mexer
no limite de idade fixado pela Constituição”. “Basta de tiros com balas reais”,
“Já vos compreendi”. São estas as palavras do ditador assassino agonizante
que alega ter sido enganado. Nenhuma palavra sobre o recolher obrigatório
instaurado desde a véspera.
Depois da declaração, ouvem-se alguns gritos de regozijo na rua mas
rapidamente são criticados por uma grande parte dos resistentes e pela
totalidade dos ciber-activistas.
Para Tarak Mekki, opositor político de Ben Ali e humorista, estas manifestações
de regozijo são uma encenação: “Antes da declaração estacionaram uns carros
diante da sede do partido em Sfax. Julgámos que iam partir tudo, mas eis que
se põem a festejar, buzinando e foi o mesmo cenário que aconteceu em Tunis
e em Kérouan, só que em Kérouan as pessoas foram espancadas e em
Kasserine as manifestações continuaram”.
Um pouco mais tarde, confirma-se a mentira : a polícia continua a atirar e
enumeram-se mais mortos. Em Zarzouna, os resistentes clamam vingança
depois de um tiro mortal que atingiu uma rapariga pacífica cujo único crime
tinha sido ter protestado contra o regime. Em represália foi queimado um posto
da polícia. Em Monastir, foi a sede do RCD que foi queimada, assim como
propriedades do clã Ben Ali.
A repressão ainda subiu um furo na quinta-feira : Ben Ali tenta que a população
do sul do país passe fome, restringindo o abastecimento de produtos básicos
(farinha, açúcar, leite…). Sabe-se que as cidades de Kérouan, Gafsa e Sidibouzid estão numa situação de penúria.
Mas os motins assumem uma amplitude cada vez maior e começa-se a pensar
que, se Ben Ali não for preso rapidamente, a violência popular será inevitável.
Mais tarde, nesse mesmo dia, difundem-se os slogans nas ruas de Tunis,
repetidos por toda a gente : “Ben Ali, rua! Já, já!”
Esta quinta-feira de manhã, às 11 horas, os tunisinos afluíram de todo o país
para uma grande manifestação de vários milhares de pessoas no centro de
Tunis. Todos reafirmaram a sua vontade inabalável de prender Ben Ali e o seu
clã mafioso: a revolta não se acalmará antes disso. Diante do ministério do
Interior, a polícia ainda disparou sobre a população. Em represália, os jovens
organizam-se e querem queimar o ministério, mas o tiroteio impede-os.
O que a ONU, a França ou Ben Ali não compreendem, é que os tunisinos já
não acreditam nas suas mentiras. O que eles não vêem é que só há uma
solução viável para a calma: a fuga ou a rendição aos militares de Ben Ali e do
seu clã. Actualmente, já não há qualquer dúvida : os tunisinos decidiram acabar
com Ben Ali
Mentira nº 2 dos meios de comunicação: “Ben Ali permitiu a emancipação
da mulher e a educação do povo”.
A Tunísia é um pequeno país de cerca de 10 milhões de habitantes com uma
população jovem e muito culta (metade da população tem menos de 25 anos e
o número de diplomados universitários ultrapassa o da Argélia e Marrocos no
seu conjunto). A sua economia baseia-se principalmente em sociedades de
serviços (43,2 % do PIB em 2007), em produtos de baixo valor acrescentado
(azeite, cereais) e na exportação de fosfatos (segundo exportador mundial).
Mas o desenvolvimento económico é muito desigual : centrado principalmente
em Tell a oeste (região das colinas) com os fosfatos e no litoral com as
indústrias e o turismo. O que deixa as regiões do sul e do norte com uma
pobreza muito acentuada.
Foi depois da independência, em 1957, sob a presidência de Bourguiba, que a
Tunísia conheceu um período social e progressista. A colonização francesa
durara 75 anos, centrara-se principalmente na agricultura através da
espoliação das terras e num comércio lucrativo graças aos portos de Tunis e
de Sfax e na exploração dos tunisinos. Deixou um país pouco industrializado
com um grande desemprego.
Na altura da libertação, a Tunísia nacionaliza o que lhe tinha sido roubado e
desfruta então de uma economia social gerida a 80% pelo Estado, o que
provoca um forte crescimento. A mulher tunisina recebe o direito de voto, a
poligamia é proibida e o aborto é legalizado dez anos antes da França. Como
cereja no topo do bolo, a maior parte do orçamento é reservada para a
educação (até aos 30%).
Mas o Banco Mundial, que está ao serviço das multinacionais, imiscui-se nos
assuntos tunisinos. Apoiado pela grande burguesia de Tunis, começa a
oferecer a sua “ajuda” à Tunísia, ou seja, empréstimos caros, que lhe
permitirão fazer pressão sobre o governo para travar a estatização da
economia. Esta tinha sido iniciada por Ben Salah, secretário de Estado para o
Plano e Finanças. O BM esforça-se também por recuperar tanto quanto
possível os fosfatos tunisinos. No final dos anos 60, é um dos principais
credores da Tunísia e provoca a exoneração de Ben Salah. A Tunisina começa
então uma política muito mais liberal chefiada por Hédi Nouira, ex-governador
do Banco central.
No entanto, este liberalismo não desenvolve o país: entrega-o de mão beijada
aos estrangeiros e a indústria tunisina enriquece a Europa. A taxa de
desemprego duplica, a taxa de escolarização baixa e as desigualdades
agravam-se.
Em 1978, a UGTT (União Geral dos Trabalhadores Tunisinos - este sindicato é
a principal força da oposição da época e ainda hoje existe) lança um apelo à
greve geral. Nessa altura, é um tal Zine El Abidine Ben Ali que está à frente da
Segurança nacional (os serviços de informações tunisinos). Manda disparar
sobre a multidão: nessa “quinta-feira negra” haverá 200 mortos e mais de uma
centena de feridos. Em 1983, Bourguiba duplica o preço do pão e da sêmola.
Estalam então “os motins do pão”, novamente reprimidos com ferocidade. Mas
o povo não abandona a luta e consegue a anulação do aumento dos preços.
Todas estas repressões vão favorecer a ascensão de Ben Ali ao poder: as
burguesias de Sahel e de Tunis querem um homem capaz de fazer frente aos
movimentos populares, esmagando simultaneamente os gaullistas e os
islamitas.
É em 1987 que Ben Ali, na altura ministro do Interior, obriga pessoalmente sete
médicos a assinar um relatório em que se declara que Bourguiba está senil.
Esse “golpe médico de Estado” faz de Ben Ali o segundo presidente da Tunísia
(o artigo 57º da Constituição tunisina estipula que é o primeiro-ministro que
sucede no caso de impedimento). Inicia então a sua política repressiva e ultraliberal.
Mentira nº 3 dos meios de comunicação: “Estas revoltas são causadas
sobretudo pela forte taxa de desemprego e pelo custo demasiado elevado
dos produtos básicos”
O desemprego é muito elevado, incluindo entre os jovens diplomados, mas é
um problema secundário que decorre das causas profundas da ira : a
corrupção generalizada, a repressão, a censura e a venda do país aos amigos
do ditador.
O Wikileaks fez revelações em Dezembro, através de um telegrama de Robert
F. Gode, antigo embaixador americano em Tunis: “Metade do mundo dos
negócios na Tunísia pode gabar-se duma ligação a Ben Ali pelo casamento, e
um grande número dessas relações terá tirado grande proveito desse
parentesco”.
Como refere o relatório, os tunisinos conhecem estas informações há muito
tempo.
Quase todos os sectores económicos estão gangrenados por três famílias
principais ligadas por casamentos, a que se chama o clã Ben Ali : os Ben Ali,
os Mabrouk (uma rica família burguesa tunisina em que um dos filhos é
actualmente casado com a filha do ditador) e os Trabelsi (liderado por
Belhassen Trabelsi, o irmão mais velho de Leila, mulher de Ben Ali).
A família Mabrouk controla o BIAT, o Banco Internacional Árabe da Tunísia, o
STAFIM PEUGEOT (automóveis) e o CHAMS FM (rádio que pertence à filha
do presidente e mulher de Mabrouk). E reparte com os franceses os benefícios
das licenças Géant e Monoprix.
A família Trabelsi possui o Banco da Tunísia, a licença FORD, a CTN
(Companhia Tunisina de Navegação). Duas rádios: RADIO MOSAIC FM e
EXPRESS FM e uma cadeia de televisão privada TV CARTHAGE (Belhassen
Trabelsi e Sami Fehri), a BRICORAMA, os Cimentos Cartago, IE THON
TUNISIEN.
A família Ben Ali possui os bancos Zitouna e Mediobanca (Sakhr el Matri,
genros de Ben Ali) e a Société MAS de gestão dos serviços do aeroporto de
Tunis. (Slim Zarrouk, genro). Do lado dos meios de comunicação, possui a
sociedade CACTUS, empresa de produção áudio-visual que se apropriou de
60% das receitas da cadeia nacional, assim como duas rádios : ZITOUNA FM e
JAWHARA FM (Néji Mhiri, amigo pessoal do ditador e administrador do Banco
Central) e o Grupo Dar Assabah que publica os jornais Assabah e Le Temps
(Sakhr Matri). A sociedade nacional Ennakl de transportes tunisinos e a
Sociedade Le Moteur que possui as licenças Mercedes e Fiat. A companhia
aérea Khartago Airlines assim como a Frip. Estas sociedades foram todas
readquiridas ou oferecidas em condições duvidosas ou criminosas.
O Clã dedica-se igualmente a roubar as terras do povo e as suas riquezas
culturais. A maior parte das operações imobiliárias do país está nas mãos do
clã. Dezenas de hectares de terras agrícolas são distribuídas pela família. Sidi
Bou Said e Cartago (cidades costeiras muito bonitas, ricas de história e de
descobertas arqueológicas) sofreram uma verdadeira razia. Foram
desclassificados terrenos e vendidos a preços altos.
A maior parte das operações imobiliárias do país está nas mãos da família. Ben
Ali distribui-lhes zonas inteiras, até mesmo várias dezenas de hectares de
terras agrícolas. As propriedades públicas são requisitadas para a família, de
acordo com os seus apetites.
Com a cumplicidade do Banco Central, transfere maciçamente fundos para o
estrangeiro: O conjunto das transferências de dinheiro da família está
calculado, no período 1987-2009, em cerca de 18 mil milhões de dólares, o
equivalente à dívida tunisina (segundo o site activista nawaat.org).
Estalam escândalos a nível internacional:
- A questão do liceu Louis Pasteur :
O liceu francês Louis Pasteur, dirigido há 40 anos pelo casal Bouebdelli é
reputado pelo seu ensino de muito alta qualidade e uma taxa de êxito muito
elevada no bacharelato. Toda a burguesia envia para lá os seus filhos. Mas em
2007, Bouebdelli impede de ir a exame a filha do advogado de Leila Trabelsi. É
convocado pouco depois ao ministério: dão-lhe ordens de inscrever a aluna sob
pena de ver o liceu encerrado. O respeitável Mohamed Bouebdelli recusa-se a
ceder às ameaças. Leila Trabelsi ordena o encerramento do liceu e arranja
uma subvenção de 1 800 000 dinares para abrir o seu próprio estabelecimento
de ensino no ano seguinte: o liceu internacional privado de Cartago.
Mohamed Bouebdelli desencadeia uma campanha para sensibilizar a opinião
pública, escreve um livro que divulga gratuitamente ma Internet, contacta a
embaixada de França. Não serve para nada, a França mantém-se surda e ele
não consegue impedir o encerramento do liceu.
- A questão do Iate roubado :
Em 2006, Imed e Moaz Trabelsi, sobrinhos de Ben Ali roubam o iate do rico
homem de negócios francês Bruno Roger, amigo de Sarkozy. Empurrado pela
mulher, Ben Ali é obrigado a intervir para evitar um incidente diplomático.
As malfeitorias das grandes famílias centram-se sobretudo na economia, mas
os Trabelsi também se dedicaram a tráficos mafiosos ao mais alto nível do
Estado. Segundo o inquérito de Slim Bagga, Imed Trabelsi coloca-se acima das
leis e abusa disso. Põe em marcha um tráfico de prostituição de menores, que
ele considera uma mercadoria igual a qualquer outra, com a colaboração ao
mais alto nível do Estado („As menores‟, de Slim Bagga: reserva de caça dos
herdeiros Ben Ali e Trabelsi),
Será que a criação de empregos suplementares poderá acalmar a ira dos
tunisinos ?
Mentira nº 4 dos meios de comunicação: “A França defende Ben Ali
porque ele luta contra o islamismo”
A repressão de Ben Ali no que se refere aos islamitas foi muito violenta, mas a
principal razão do apoio francês são interesses económicos consideráveis.
As relações privilegiadas da França com Ben Ali permitem-lhe ter sido o
primeiro investidor estrangeiro na Tunísia em 2008 com um recorde de 280
milhões de euros em investimentos. Há 1 250 empresas francesas em
actividade neste país, com um total de 106 000 empregados. Alguns interesses
económicos franceses são antigos. Outros, promissores, pertencem ao futuro.
- Deslocalização de proximidade
Três quartos das empresas francesas presentes fazem deslocalização de
proximidade exportando indústria ou serviços para o mercado europeu. Nos
sectores dos têxteis – vestuário, couro (500 empresas) - e sobretudo nas
indústrias mecânicas, eléctricas e electrónicas – primeiro posto de exportação
do país – com a Valeo, a Faurecia, a Sagem ou a EADS (através da sua filial
Aerolia Tunisie). Os serviços não ficam atrás, com os „call centers‟ e as
sociedades de serviços informáticos. Começam a aparecer gabinetes de
estudos e de engenharia ao lado da centena de gabinetes de consultadoria já
instalados. Acrescentemos os „call centers‟ (Téléperformance) ou os SSI (Infraestruturas de Sistemas de Servidores) de vocação exportadora.
Ao lado destes sectores dedicados à exportação, os grandes nomes do
CAC40, presentes na Tunísia, interessam-se directamente pelo mercado
tunisino, ou mesmo argelino e líbio: Air Liquide, Danone, Renault, PSA, Sanofi
Aventis, Total ou outros. Estas empresas implantam-se frequentemente em
parcerias com grupos locais, mesmo que tenham apenas uma participação
minoritária, como o Carrefour e o Géant Casino. Estas duas marcas tiveram o
cuidado de formar parcerias no seio de famílias mafiosas (Mabrouk e Trabelsi)
que se mantêm maioritárias.
As empresas francesas procuram contratos na energia e nos transportes. A
central de gás que deve ver o dia entre Tunis e Bizerte (400 milhões de euros)
interessa à Alstom e à General Electric France. Em Cap Bon, na extremidade
nordeste do país, o vasto projecto ELMED que pretende ligar a Tunísia à Sicília
suscita o interesse da GDF Suez e da EDF. Na ordem de 2 mil milhões de
dólares (1,5 de euros), poderá vir a ser lançado em 2011 ou 2012. Os
transportes são o outro sector promissor para os investidores. O projecto de
rede ferroviária rápida (RFR) de Tunis, inspirado no RER parisiense, deve
arrancar este ano. A Alstom e a Colas Rail são candidatas à sinalização e ao
equipamento da via. O material rolante interessa à Bombardier France. O
projecto RFR deve prosseguir durante cerca de dez anos, ou seja, significa um
potencial de contratos de dois mil milhões de euros.
No turismo, encontramos: a Fram, a Accor, o Club Med. No sector bancário:
BNP-Paribas, Société générale, Groupe Caisse d‟épargne. Nos seguros, a
Groupama detém 35% do capital da Sfar, a primeira seguradora tunisina. As
marcas Carrefour e Casino estão presentes com parcerias no seio da família
mafiosa
que
se
mantêm
maioritárias
(Mabrouk/Trabelsi).
Nas
telecomunicações, a Orange Tunisie arrebatou em 2009 a terceira licença de
telefones móveis e a segunda de telefones fixos.
“As empresas que se dispuseram a deslocar-se para o país seguem com
atenção os motins, mantendo-se calmas”, indica um observador francês, com
base em Tunis. “Algumas casas mães experimentam o pulso da situação por
causa das suas filiais”.
Mas não existe apenas a França. A União Europeia também deposita a sua
confiança em Tunis e tenta elogiar o regime. Segundo um comunicado de Abril
de 2009 da Comissão Europeia, “a Tunísia foi o primeiro país da região euro
mediterrânea a assinar um acordo de associação com a União Europeia, que
tem como objectivo estabelecer uma parceria política, económica e social entre
as duas partes”. O Banco Europeu de Investimentos interveio a partir de 1978.
Actualmente, já se investiu um total de 2,75 mil milhões de euros, o que faz do
BEI o primeiro credor de fundos da Tunísia.
A grande beneficiária do regime de Ben Ali é a Europa. Ele é o único dirigente
árabe a promover o Tratado do Mediterrâneo, zona de mercado livre que
deixará o Magrebe à mercê dos capitais ocidentais. E nesta via perigosa,
Bruxelas esfrega as mãos de contente: “A partir de 1 de Janeiro de 2008, foram
abolidas todas as taxas para os produtos industriais, dois anos antes do prazo
previsto”.
O Banco Mundial (com sede em Washington) está no mesmo comprimento de
onda. O seu relatório Doing Business 2009, que mede a eficácia das reformas
tomadas com vista a sanear o ambiente dos negócios, premeia a Tunísia com
um generoso sete em dez e coloca-a na 73ª posição entre 188 países
passadas pelo crivo (muito à frente de Marrocos e da Argélia). De resto, em
meados de Maio de 2009, o Banco Mundial meteu a mão na algibeira e
concedeu um empréstimo de 250 milhões de dólares à Tunísia para
desenvolver a sua competitividade.
Isto explica porque é que a ministra francesa dos Negócios Estrangeiros,
Michel Alliot-Marie, declarou, na altura em que o povo tunisino era massacrado:
[o governo francês] “não deve armar-se em dar lições perante uma situação
complexa” e ofereceu “a experiência da polícia francesa à polícia tunisina na
gestão de questões de segurança”. Os jovens dos subúrbios e os
manifestantes do movimento das reformas hão-de agradecer.
É verdade que ela conhece bem o país visto que, tal como os seus colegas
Hortefeux, Besson e Mitterrand, todos os verões passa belas férias nas
luxuosas instalações turísticas, com a sua família, conforme revelou o Canard
Enchaîné. Este ano, foi no Phenicia em Hammamet. A notícia não diz quem
pagou a conta.
O seu colega da Agricultura, Bruno Le Maire, foi o primeiro membro do governo
a explicar-se: “Não tenho que julgar o regime tunisino. O presidente Ben Ali é
uma pessoa que frequentemente é mal julgado, [mas] fez muitas coisas”.
Quanto a Frédéric Mitterrand, depois de o ter elogiado durante tanto tempo,
ainda se atreveu a declarar há pouco tempo que tratar o regime de Ben Ali
como uma ditadura era “um exagero”!
Uma nova forma de revolta
A única de o regime de Ben Ali conservar o poder foi organizar uma vigilância e
uma censura do Estado institucionalizada com a cumplicidade da Justiça.
Todas as vozes dissidentes são severamente reprimidas. Já em 2008
começam os levantamentos na região de Gafsa (minas de fosfato). A 6 de
Julho de 2010, um tribunal de recurso tunisino confirma a sentença de quatro
anos de prisão efectiva pronunciada contra o jornalista Fahem Boukaddous por
ter filmado as manifestações. Ainda hoje continua na prisão.
Mas, graças à Internet e às novas tecnologias, os tunisinos conseguem
encontram fontes de informação. Então, o governo apressa-se a bloquear
todos os sites dissidentes e prende os bloguistas. É impossível aceder ao
Youtube e ao Dailymotion, há páginas do Facebook bloqueadas. No entanto,
esta repressão faz nascer na Tunísia uma geração de piratas informáticos que
permitem contornar os bloqueios ou chegam mesmo a desbloquear endereços
amordaçados pelo Estado!
As redes sociais desenvolvem-se espantosamente: em 2000, o primeiro ciber
grupo de activistas tunisinos Takriz ultrapassa o cabo de um milhão de
visitantes singulares, número que continuará a aumentar com os crimes cada
vez mais escandalosos dos Ben Ali. Este endereço conta hoje um milhão de
visitantes por dia! Estes jovens piratas informáticos desempenham actualmente
um papel determinante na luta, quando os tunisinos não estão no terreno, é
aqui que se reúnem e trocam as últimas notícias que surgem a cada minuto
que passa.
Na segunda-feira à tarde, piratas informáticos atacam os websites
governamentais. Ficam bloqueados o acesso à bolsa de valores e o site do
ministério dos Negócios Estrangeiros. O ataque é reivindicado por um grupo de
piratas informáticos dissidentes: “Anónimos”. O endereço deles propõe-se
navegar anonimamente na Internet, oferecendo acesso aos sites bloqueados
pelo governo.
Neste momento, os tunisinos podem seguir em directo no Takriz, minuto a
minuto, os acontecimentos, tal como nós todos. Estes acontecimentos
mostram-nos como as novas tecnologias podem representar uma esperança
para a luta, para a verdade e para a Libertação.
É difícil prever a evolução dos acontecimentos, visto que este movimento não
propõe nenhum candidato, nenhuma alternativa para além da vontade de lutar
pela liberdade e pela justiça. Tendo em conta o passado dos tunisinos bem
conscientes da censura, da manipulação mediática e das jogadas
internacionais, podemos sonhar ver aparecer um governo progressista que
poderá ter uma influência considerável no mundo árabe.
Apoiar o povo tunisino
Em muitas grandes cidades da Europa e noutros locais organizaram-se
manifestações para apoiar a Tunísia e o seu povo. Na quarta-feira passada,
Marselha reuniu perto de mil manifestantes. Bruxelas manifestar-se-á este
sábado, 15 de Janeiro, às 14 horas, na Bolsa de Bruxelas para fazer o mesmo
e impor aos nossos governos que reconheçam o regime despótico de Ben Ali
como um regime criminoso. Para impor que deixem de ser cúmplices desse
tirano e da sua desonesta família.
Com estas palavras de ordem: Solidariedade com o movimento social na
Tunísia e na Argélia! Fim à repressão! Pelo direito ao Trabalho, à Dignidade, à
Liberdade e à Democracia! Viva a Solidariedade Internacional! Viva a
Solidariedade Magrebina!
* Colaborador habitual de Investig‟Action, dirigido por Michel Collon.
Este texto foi publicado em Investig‟Action: www.michelcollon.info/La-Tunisie-adecide-d-en-finir.html
Tradução de Margarida Ferreira

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