Um Dia Quente - Marcelo D. Varella

Transcrição

Um Dia Quente - Marcelo D. Varella
Um Dia Quente
Certo dia, Dona Amaziles entregou a Dudu um mandado de intimação em São
Miguel do Anta, o pior lugar para intimar uma pessoa na Comarca. Era ruim, porque era
longe, a estrada era de terra, mais de 40 quilômetros. Não bastasse ser na cidade de São
Miguel do Anta, ainda era na zona rural, uns 15 quilômetros, o que na verdade
significava duas horas de viagem, considerando as perguntas sobre onde é que fulano
mora...
Além do mais, era um processo com um monte de testemunhas, mas apenas uma
em São Miguel do Anta. “O que será que este sujeito morando tão longe tinha realmente
de importante a dizer, que justificasse eu ir lá em São Miguel do Anta? Esses advogados
não pensam no trabalho que nós temos para ir intimar alguém tão longe”, pensava Dudu,
inconformado!
Dudu foi enrolando, esperando aparecer outros mandados para aquela região, pelo
menos iria uma só vez, mas era muito difícil, quase ninguém conhecia alguém lá e, se
conhecesse, não era amigo suficiente para indicar como testemunha. Quando o prazo já
estava quase acabando, não restou outra alternativa, senão pegar o passat semi-novo e ir
para São Miguel do Anta.
Fazia uns 40 graus. Ao chegar na casa simples na fazenda, encontrou uma senhora
de uns 75 anos e um menino de uns 10 anos. Perguntou:
-
Senhor, o senhor José Antônio da Rocha mora aqui?
-
Mora sim senhor.
-
E ele está?
-
Tá não.
-
Tá não é?… E a senhora sabe onde ele está?
-
Sei sim senhor.
-
E onde ele está?
-
Ele tá aqui na fazenda, trabalhando.
-
E é longe onde ele está?
-
É não senhor, dá uns quinze minutinhos, caminhando, o menino pode ir lá
chamar ele, se o senhor quiser.
-
Ah minha senhora, pede pra ele ir lá, porque eu vim lá de Viçosa, e preciso
muito falar com ele.
-
Claro menino, vai lá chamar seu pai.
O menino prontamente atendeu e saiu correndo atrás do pai. Como toda boa
mineira, a senhora convidou Dudu para entrar e já foi oferecendo um café. Tava muito
quente, mas Dudu resolveu aceitar, porque tinha que esperar muito tempo... 15 minutos
até chegar lá e outros 15 pra voltar, dava uns 30 minutos de espera.
O café chegou bem mineiro: muito fraco e doce. O verdadeiro café mineiro não é
servido em xícara de porcelana, mas em copo americano. Ele não é preto, mas
avermelhado, a ponto que se consegue ver através do café, meio deformado, mas se
consegue. E doce, muito doce, já vem doce e não precisa adocicar.
Quando chegou o café, a senhora ficou meio sem saber o que fazer. Tinha que
fazer sala... Ela estava usando um daqueles vestidos que as senhoras de 75 anos usam, do
tipo que um lado se fecha sobre o outro e um pedaço do mesmo pano é usado como cinto,
para fechar o conjunto. Um roupão.
Passado uns minutos, finalmente ela comentou:
-
Tá quente, né?
-
É, tá quente mesmo.
-
Vixe, este vestido é quente demais...
E abriu o vestido, se abanando.... Não sei se vale a pena lembrar, mas tenho que
contar que não tinha nada por baixo, nada!
E ela não parava de falar tá quente e de se abanar. Dudu não sabia o que fazer,
tentava prestar atenção no café, sem querer olhar, mas não conseguia olhar pro café, sem
olhar pra mulher.
-
É, tá quente mesmo…
-
A senhora não costuma usar roupa de baixo?
-
Eta moço, é muito quente aqui!!
-
Ahhh, anhan...
A mulher não parava de abrir e fechar o vestido. Os peitos dela estavam quase na
cintura, parecendo dois saquinhos de juju. O resto nem se fala, tudo como deveria estar,
mas aos 75 anos.
Dudu, ao mesmo tempo, não podia tomar o café, porque se tomasse não teria
razões para ficar olhando para aquele copo. “Ai meu Deus, e agora?” Mas se não tomasse
o café, seria um falta de educação.
Foram os 30 minutos mais longos da vida de Dudu.
Quando José Antônio da Rocha chegou e viu a cena, disse:
-
Mamãe, tome vergonha mamãe, fica aí andando nua na frente do moço.
-
É que tá quente meu filho.
Dudu, aliviado, apresentou o mandado, tomou o café frio e doce e foi embora.
Aquela imagem ainda o perturba quando toma café perto da hora de dormir e tem sono
fraco durante a noite....