do PDF

Transcrição

do PDF
gastronomia
Folhas de jambu, barras de guaraná,
pimentas murupi, bolinhas de açaí,
peixes e mandioca nas mais diversas
formas. Embarque com os catalães
da Alícia, fundação de pesquisa
gastronômica criada pelo revolucionário
Ferran Adrià, numa viagem pelo incrível
mundo de aromas, cores e sabores
da gastronomia amazônica // Jambu
leaves, Guaraná bars, Murupi peppers,
Açaí fruit balls, fish and manioc in
various forms. Take a ride with the
Catalans of Alicia, a gastronomic
foundation created by the revolutionary
Ferran Adrià, in an incredible trip
of aromas, colours and flavours of
Amazonian gastronomy
E
tacacá caravan
caravana
do tacacá
84
GA ST RONOMY
fotos: vinicius capovilla / daniel nunes gonçalves
Grupo de gourmets que acompanhou os pesquisadores da Alícia passeia pelo rio Negro (no alto), presencia o encontro do Negro com o rio Solimões (à
esq.) e registra as castanhas-do-pará: foco na alimentação da Amazônia // A group of gourmets that accompanied the Alícia´s researchers on a trip along
the Negro River (above), watch its encounter with the Solimões River (below l) and observe Brazil nuts: focus on Amazonian cooking
fotos: vinicius capovilla / daniel nunes gonçalves
Por / by Daniel Nunes Gonçalves, de / from Manaus (AM)
les observaram as bolinhas roxas do açaí, apertaram a carne grossa do pirarucu, tascaram as
mãos nos variados potes de farinha de mandioca para comparar a textura. Cheiraram uma barra condensada de guaraná, morderam a pimenta
murupi para sentir sua ardência e tiveram as línguas adormecidas com as folhas de jambu que boiavam na
calda quente do tacacá. Durante os cinco dias em que passearam pela Amazônia, em março, Toni Massanés e Elena
Roura experienciaram todos os sabores que seus sentidos
lhe permitiram. É provável que você nunca tenha ouvido falar deles. Mas essa dupla de espanhóis — ou, como preferem, catalães — exibe uma patente invejada por gourmets
do mundo todo. Eles representam a Alícia (ALImentácion
e CiênCIA), respeitada fundação de pesquisa gastronômica
A chef Maria do Céu prepara um risoto de tacacá para Toni
Massanés e Elena Roura // The chef Maria do Céu prepares a
tacacá risotto for Toni Massanés and Elena Roura
T
hey observed the Açaí purple fruit balls, pressed
the thick Pirarucu fish meat and put their hands into various pots of manioc flour to compare texture. They
smelled a condensed bar of Guaraná, bit the Murupi pepper to feel its tang and had their tongues numbed with
the Jambu leaves that buoyed in the hot Tacacá broth.
During the five days in which they spent in the Amazon,
in March, Toni Massanés and Elena Roura tasted all the
local flavours. The Spanish couple acquired this unique
experience and now are envied by gourmets throughout
Na casa de farinha à beira do rio Negro, dona Celina apresenta ervas
e frutas para Ana Tomé (ao centro), diretora do Centro de Cultura
Espanhola, e Margot Botti, consultora de gastronomia // At the flour
house on the banks of the Negro River, dona Celina presents herbs and
fruits to Ana Tomé (centre), director of the Spanish Cultural Centre,
and Margot Botti, gastronomy consultant
85
No alto, o urucum, usado pelos índios para pintura dos corpos;
e detalhe do pirarucu servido durante o passeio de barco // Top,
urucum used by the native Indians to paint their bodies; detail of the
pirarucu served during the boat trip
criada pelo chef Ferran Adrià, responsável pela maior revolução culinária mundial dos últimos tempos.
Conhecer o Brasil, especialmente Manaus, era um sonho de
Toni Massanés, de 42 anos, diretor da Alícia desde sua criação,
em 2003, e diplomado professor, crítico e escritor de cultura
e história da gastronomia (é dele a coluna semanal de restaurantes de Barcelona na prestigiada revista Time Out). A nutricionista e tecnóloga de alimentos Elena, de 31 anos, chefe do
departamento de saúde e hábitos alimentares da Alícia, já viajara pelo Nordeste como turista e agora estreava na maior floresta do mundo. E foi comendo, naturalmente, que a dupla recebeu as boas-vindas na abafada capital do Amazonas. A pri-
the world. They represent Alícia (Alimentácion y Ciência)
a respected foundation of gastronomic research founded
by the chef Ferran Adrià, responsible for the biggest culinary revolution of the world over the last years.
Getting to know Brazil was a longstanding dream of
Toni Massanés, 42, director of Alícia since its foundation
in 2003, a graduate professor, critic and writer about
gastronomic culture and history and Elena, 31, nutritionist and food technologist, head of the health and
food customs department of Alícia. And it was through
eating, naturally, that the couple was welcomed in the
muggy capital of Amazonas State. The first stop was
the Açai & Companhia restaurant (Rua Acre 98 – +55923635-3637), a non-pretentious house, but with a varied
menu, where they undertook their first taste of some
of the regions typical appetisers: Pirarucu fish balls,
tapioca curdled cheese, crab fingers, crabmeat shell.
The couple exchanged impressions with a committee of
12 lovers of good food that accompanied them, among
gourmets, students and documentarists.
It is Ferran Adrià himself that points to the Amazon as
the cradle of the best food novelties that the world will witness in the near future. His opinion is shared by other renowned foreign chefs invited by Margot Botti, a gastronomy consultant. She has already taken to the Amazon the
French chef Pascal Barbot, from the Parisian L´Astrance
restaurant, and the Spaniard Andoni Luiz Aduriz, of the
Mugaritz, San Sebastian, among others. The young Brazilian chef Felipe Ribenboin, 25, who, for two seasons, was
a pupil at el Bulli, Adrià´s restaurant – and develops a research about the gastronomy of different Brazilian biomass, also contributed for Alícia´s professionals acceptance of the invitation. And this in only four months after
the inauguration of his house in a XII Century monastery
complex at San Benet de Bages, Spain.
In the midst of visiting restaurants and classical excursions, such as the visit to the magnificent Amazon Theatre, built in 1896, and the encounter of the Negro and
Solimões Rivers, the foreigners, during their “gastronomic expedition” were impressed by a small flour house on
the banks of the Negro River. “From a simple wild manioc
root we obtained three products: the flour, tucupi (mani-
Pimentas da floresta // Forest pepper
Dá para entender por que só os índios que freqüentam o restaurante de comida indígena Koonoly (R.
Bernardo Ramos, 60, 92/ 8167-1972) conseguem comer pratos como a quinhapira, uma caldeirada
superpicante. É que eles estão acostumados com a farta variedade de pimenta da terra. A forte muripi
(no desenho), típica do estado do Amazonas, fica amarela quando madura. No dia-a-dia são usadas a
pimenta cheirosa, que não arde, mas dá gosto e aroma, a famosa malagueta e a pimenta-de-cheiro, com
ardência suave, mais comum no Pará. // One can understand why only the native Indians that frequent the
restaurant of indigenous food, Koonoly (R. Bernardo Ramos 60, +5592-8167-1972) manages to eat such
dishes as Quinhapira, a supper peppery fish stew. They are accustomed to a big variety of local peppers.
The strong Muripi (in the picture), typical of the Amazon State, becomes yellow when ripe. In the day-today one uses the famous aromatic Malagueta and the aromatic pepper herb that is not so hot but provides
flavour and aroma, more common in Pará.
86
GA ST RONOMY
fotos: daniel nunes gonçalves / ilustrações: alexandre camanho
gastronomia
meira parada foi no restaurante Açaí e Companhia (R. Acre,
98, 92/ 3635-3637), despojado, mas com cardápio variado,
onde deram suas primeiras beliscadas em alguns dos petiscos típicos: bolinho de pirarucu — o peixe conhecido como bacalhau da Amazônia —, tapioca de queijo coalho, patinha de
caranguejo, casquinha de açaí. Entre “huuums…” e olhares
surpresos, a dupla trocava impressões com a comitiva de 12
amantes da boa mesa que a acompanhava, entre gourmets,
estudantes e documentaristas. E dava início a uma seqüência
de visitas que tinha por objetivo perceber, afinal, por que a cozinha amazônica virou a bola da vez dos grandes chefs.
É o próprio Ferran Adrià quem aponta a Amazônia como
berço das melhores novidades alimentares que o mundo presenciará no futuro próximo. Sua opinião é compartilhada por
outros estrelados chefs estrangeiros trazidos pela anfitriã
paulista Margot Botti, consultora de gastronomia. Ela já levou à Amazônia o francês Pascal Barbot, do restaurante parisiense L’Astrance, e o espanhol Andoni Luiz Aduriz, do Mugaritz, de San Sebastian, entre outros. O jovem chef brasileiro Felipe Ribenboim, de 25 anos, que estagiou por duas temporadas no elBulli — restaurante de Adrià — e desenvolve uma
pesquisa sobre a gastronomia nos diferentes biomas brasileiros, também contribuiu para que os profissionais da Alícia
aceitassem o convite. E isso apenas quatro meses depois da
inauguração de sua sede, no complexo de um monastério do
século 12, em Sant Benet de Bages, na Espanha.
Em meio a visitas a restaurantes e a passeios clássicos distantes das panelas, como a visita ao suntuoso Teatro Amazonas, de 1896, e ao encontro dos rios Negro e Solimões, a “expedição gastronômica” impressionou os estrangeiros com
uma pequena casa de farinha à beira do rio Negro. “De uma
simples raiz de mandioca brava tiramos três produtos: a farinha, o tucupi e a tapioca”, explica Francisco Neves Gomes,
de 58 anos, um caboclo da terra. Com a ajuda da esposa Celina da Silva, de 51 anos, e de alguns dos 14 netos, seu Francisco apresenta a mandioca local, venenosa, diferente daquela a
qual os moradores do sudeste do Brasil estão acostumados e
do inhame que os europeus conhecem desde antes da chegada dos primeiros exploradores ao Brasil. E, na seqüência, mostra todas as etapas pelas quais passa a mandioca: a extração
da raiz, a ralação, a secagem da farinha em um cilindro de fibras naturais para que o ácido cianídrico seja extraído, a fer-
oc juice) and tapioca”, explained Francisco Neves Gomes,
58. With the help of his wife, Celina da Silva, 51, and some
of his 14 grandchildren, Francisco presents the local
manioc, a poisonous root. And, in sequence, shows all
the steps that manioc passes through: extraction of the
root, grating, drying of the flour in a cylinder of natural
fibre which allows the hydrocyanic acid to be extracted,
boiling of this yellow broth for hours until it reaches the
tucupi´s (manioc juice) right point and the preparation
of beiju (rolled manioc flour pancake) and of tapioca. “It
is interesting how a poisonous plant can be turned into
good use”, observes Massanés.
Toni and Elena were happy when they went shopping
in Manaus´ central market. Manaus Moderna, lines up
hundreds of stalls of fresh fruits and fishes in the heart
of the city’s popular food centre. In the flours section,
Dona Celina prepara uma tapioca para os visitantes // Dona
Celina prepares a tapioca for the visitors
Peixes amazônicos // Amazonian fishes
O pirarucu (ao lado, no alto), que atinge mais de 2 metros e 80 quilos, é a estrela
entre as 5 mil espécies de peixes dos rios da Amazônia, como o pacu e o filhote.
Vendido em peças salgadas como o bacalhau, o pirarucu compartilha a preferência
dos chefs com o Tucunaré, que chega a pesar 12 quilos e fica saboroso em caldeiradas, e
o nobre Tambaqui (ao lado, no canto inferior), com carne branca e felpuda. Podem também ser
cozidos, fritos, assados ou defumados, como fazem os índios. // The Pirarucu, which reaches
two metres in length and weighs 80 kilos, is the star among the five thousand species of
fishes of the Amazon River, such as the Pacu and its offspring. Sold in salted pieces as a
cod fish, the Pirarucu shares chefs´ preference with the Tucunaré, which reaches 12 kilos
and is very tasty as a fish stew, and the noble Tambaqui, with a white and fluffy meat.
They can be boiled, fried, roasted or smoked, as the native Indians do.
87
gastronomia
A rota do alimento em Manaus (em sentido horário): banca de peixes
de rio na feira Manaus Moderna; venda de bananas num mercado
exclusivo para a fruta; e a lanchonete de X-Caboclinho (experimentado por
Elena Roura) // The gastronomy route in Manaus (clockwise): a stall of river
fish at Manaus Moderna market; sale of bananas at an exclusive market for
the fruit; a Cheese-Caboclinho snack-bar (tasted by Elena Roura)
the bran meal of some of them: the water flour, hydrated
in the rivers; Surui, dry and fine; Uarini, a sophisticated yellow crunching spawn; tapioca, with small white
toasted and light grains. In the fruits section, a wealth
of varieties, names and peculiarities: Cupuaçu, Graviola, Bacuri... Ana Tomé, a Spaniard, director of the Spanish Cultural Centre, one of the sponsors, together with
Senac, of the visit of representatives from Alícia, takes
note of everything in her note pad: The delicious Taperebá that I had at breakfast and as an ice-cream in
Feito à base de tucupi, caldo amarelo extraído da mandioca brava, o tacacá está
para a Amazônia como o acarajé está para a Bahia. Espécie de sopa quente
com goma de mandioca e folhas de jambu, que amortecem os lábios, nasceu
com os índios e ganhou ingredientes como o camarão seco vindo do Maranhão
(originalmente levava peixe piramutaba). É servido sempre em cuias, cascas do
fruto da cabaceira secas ao sol. // Made from Tucupi, the yellow broth extracted
from wild manioc, the Tacacá is to the Amazon as Acarajé is to Bahia. It is a kind of
hot soup with manioc gum and Jambu leaves that numb the lips, introduced by the
Indians and obtained ingredients such as dry prawns from Maranhão (originally
cooked with the Piramutaba fish). It is always served in a bowl, made from the
stem of the fruit and dried in the sun).
88
GA ST RONOMY
fotos: vinicius capovilla
Tacacá com tucupi // Tacacá with Tucupi
fotos: vinicius capovilla / daniel nunes gonçalves / ilustrações: alexandre camanho
vura desse caldo amarelo por horas até chegar ao ponto do tucupi e a feitura do beiju e da tapioca. “É interessante como um
alimento venenoso é reaproveitado”, observa Massanés.
Quando tiveram a chance, já no mercadão do centro de
Manaus, de comparar os diferentes preços, texturas, cores
da farinha de mandioca, Massanés e Elena vibraram. A Manaus Moderna, também chamada de “feira coberta”, alinha
centenas de barracas de frutas e peixes frescos no coração do centro de alimentação popular da cidade. Na seção
de farinhas, o farelo de algumas delas: a farinha d’água, hidratada nos rios; a surui, seca e fininha; a do uarini, uma
sofisticada ovinha crocante amarela; a de tapioca, com pequenos grãos branquinhos torrados e leves. Na seção das
frutas, mais fartura de variedades, nomes e peculiaridades:
cupuaçu, graviola, bacuri... A espanhola Ana Tomé, diretora
do Centro de Cultura Espanhola, um dos patrocinadores da
vinda dos representantes da Alícia juntamente com o Senac,
anota tudo no bloquinho: “O delicioso taperebá que provei
em forma de suco no café-da-manhã e em forma de sorvete
à tarde é o que se chama de cajá no sudeste do Brasil”.
Num galpão ali próximo, Elena se surpreende com um gigantesco espaço exclusivo para a venda de milhares de cachos de banana. “Não temos essa variedade na Europa e
nem com preços tão baixos”, diz. E na ala dos lanches da
Manaus Moderna testa o X-Caboclinho, nome popular do
sanduíche de tucumã. Trata-se de uma deliciosa combinação de pão francês com queijo coalho derretido e lascas
dessa fruta amazônica amarela. Popular nos fartos cafésda-manhã servidos nas lanchonetes de Manaus, uma recente moda local, o X-Caboclinho é pouco difundido em Belém,
capital do estado vizinho, Pará. “Belém e Manaus possuem
cozinhas distintas, apesar de se abastecerem dos mesmos
ingredientes da floresta”, explica Sofia Bendelak, chef do
Bistrô Ananã (Trav. Pe. Ghisland, 132, 92/ 3234-0056), pioneiro em cozinha contemporânea amazônica em Manaus.
Enquanto Belém se orgulha de combinações como o pato
no tucupi e a maniçoba (espécie de feijoada local feita com
folhas de mandioca), Manaus capricha no preparo dos grandes peixes de rio, como as caldeiradas de tucunaré.
Ao encontrar a chef Maria do Céu Athayde, de 56 anos, a
excursão da Alícia pôde acompanhar melhor o preparo dos
pratos tradicionais feitos à base dos alimentos conhecidos
no mercado e no tour pela floresta. “Nós, caboclos da Amazônia, comemos tudo com pouco sal, mas com muita farinha
Castanha para exportação //
Chestnut for export
Famosa no exterior, a castanha-do-pará
(ou castanha-do-brasil) é uma amêndoa
oleaginosa com alto valor alimentar. De um
único fruto escuro de casca dura retirado de
uma árvore de até 60 metros podem sair 24
castanhas. Rica em proteína, é consumida também em forma de
farinha. // Famous abroad, the Pará Chestnut (or Brazilian Chestnut)
is an oily almond with a high nutrition value. From one dark fruit,
a hard shell, extracted from a tree of 60 metres, one obtains 24
chestnuts. Rich in proteins, it is also consumed as a flour.
the afternoon is what we call Cajá (hog plum) in the
Southeast of Brazil”, comments Tomé.
In a shed near by, Elena was surprised with the enormous space devoted to the sale of thousands of banana
bunches. “We don’t have this variety in Europe and
much less so cheap”, says Elena. And in the sandwich
section of Manaus Moderna, she tests the Cheese-Caboclinho, the popular name of the Tucumã sandwich. It is a
delicious combination of French bread with melted curd
cheese and a slice of this yellow Amazonian fruit. Popular in the abundant morning coffee served in Manaus´s
snack-bars, the Cheese-Caboclinho is little known in
neighbouring Belém, capital of Pará State. “Belém and
Manaus have a distinct cuisine, notwithstanding they
serve themselves with the same ingredients of the
forest”, explains Sofia Bendelak, chef of Bistrô Ananã
(Tv. Pe. Ghisland 132, +5592-3234-0056), pioneer in
contemporary Amazonian cuisine in Manaus. Whilst
Belém is proud of the combinations such as duck in Tucupi and Maniçoba, Manaus prides itself in the preparation of big river fishes, such as Tucunaré bouillabaisse.
In meeting the chef Maria do Céu Athayde, 56, the Alícia excursion could better accompany the preparation
of traditional dishes made from known food products
Banca com diferentes tipos de farinha de mandioca, na feira Manaus
Moderna, e mesa com frutas amazônicas do Hotel Tropical, localizado
na capital // A stall with different types of manioc flour at the Manaus
Moderna market, and a sideboard with Amazonian fruits at the
Tropical Hotel, Manaus
Açaí salgado // Salted Açaí
No sul do país o conhecem como uma pasta doce
misturada ao xarope de guaraná e servida com banana
e granola. Mas no Norte, o creme puro e original dessas
frutinhas roxas tiradas das palmeiras dos açaizeiros é
consumido como um prato salgado, com farinha, peixe
frito, carne ou camarão secos. // In the country’s South
it is known as a sweet paste mixed with Guaraná syrup
and served with banana and granola. But in the North
the pure and original cream of this purple fruit taken
from the Açaí palm is consumed as a salt dish, with
flour, fried fish, meat or dry prawns.
89
gastronomia
found in the market and in the forest tour. “We, Amazon
caboclos, eat everything with little salt, but with a lot
of flour and pepper”, explains this true ambassador of
genuine Amazon cuisine, who has directed for the last
six years courses at the Amazonian Gastronomy Centre,
of the Fundação Rede Amazônica. Maria do Céu speaks
about the history and the effects of the ingredients.
“The local parsley is made from shallot, basil, coriander and wild chicory, different from the popular chicory from the country’s South”, mentions Maria do Céu.
The main dish, Aruanã fish, à la Solimões, gained colour
due to the red guinea pepper. “I don’t mix with paprika
because it is not a local fare and not even with Urucum,
because the native Indians use it to paint their bodies”,
reveals Maria do Céu.
Another passion of the natives from Manaus, the Tacacá, was presented on a late afternoon in the city’s
centre. It was in the traditional Tacacá da Gisela, in São
Sebastião Square, that Toni Massanés tasted this delicacy in the way that everybody likes: hot, with a lot of
pepper. “Tucupi reminds me of Tom Yum, a soup from
Thailand, with a slightly sweet flavour, nearly acid”,
Guaraná power // Guaraná powder
Nativa da remota região de Maoés, na Amazônia, a fruta vermelhinha, semelhante a um olho, tem sua
massa moldada em forma de bastões que, lixados na língua seca do pirarucu, viram um pó energético
caseiro. Mas, nas barracas do centro de Manaus, o guaraná não é apenas sinônimo de refrigerante ou de
um pozinho amargo misturado em água. Potente para “levantar até defunto”, o guaraná servido nas ruas
leva, além do pó, leite, abacate, aveia, amendoim, farinha de caju, catuaba, miratã (energético parente
da catuaba) e granola. // Native of the remote Maoés region of the Amazon, the reddish fruit similar to
an eye has its mass moulded in the form of a club which, sandpapered by the dry tongue of the Piracuru,
becomes a homespun energised power. But in the stalls in the centre of Manaus, the Guaraná is not only
synonymous of a soft drink, but also of a bitter powder mixed with water. Potent, capable of resuscitating
the dead, the Guaraná, sold in the streets, apart from the powder itself, is served with milk, avocado,
oatmeal, peanut, cashew flour, catuaba, miratã (an energiser parent of catuaba) and granola.
90
GA ST RONOMY
o cipó de miraruíra e a farinha de casca de maracujá, vendidos com alegadas propriedades de controle de diabetes.
Ela pensa em estudá-los como alternativa às pessoas com
distúrbios e restrições alimentares, como os enfermos com
câncer. Afinal, é para isso que nasceu a Alícia: investigar patrimônios agroalimentar e gastronômico para permitir que
as pessoas comam cada vez melhor. E a culinária amazônica, como mostra o interesse crescente dos grandes chefs, é
um prato cheio para os amantes da boa mesa.
states Toni. After the tasting session, the Alícia caravan left Manaus carrying with it many impressions, but
few products. Rapadura, powdered Guaraná, Jiló – Toni
wants to explore their bitter flavour. Elena bought medicinal herbs such as Miraruíra vine and the Maracujá
peel flour, sold with alleged properties for controlling
diabetes. She thinks about studying it as an alternative
for people with food disturbance or restriction, such
as cancer victims. After all, it is for this that Alícia was
launched: to investigate food and gastronomy properties that permits people to eat better. And the Amazonian cuisine, which underlines the increased interest of
grand chefs, is the best choice for food lovers.
Agradecimento ao escritório de representação do governo
do Amazonas, em São Paulo.
Acknowledgment: the Representative Office of the Government
of Amazonas in São Paulo.
Grupo reunido em torno de Toni Massanés num dos barcos do
passeio pela floresta Amazônica: objetivo era conhecer a cozinha
regional // The group gathered around Toni Massanés on one of the
boats on a trip through the Amazonian forest: the objective was to
acquaint themselves with the regional cooking
fotos: daniel nunes gonçalves / Luiz Claudio Marigo/Opção Brasil Imagens
yum, com um sabor um pouco doce, quase ácido”, afirma
ele. Ao final das degustações, a caranava da Alícia deixou
Manaus carregando muitas impressões, mas poucos produtos. Rapadura, guaraná em pó, jiló — Massanés quer explorar
seu sabor amargo. Elena comprou ervas medicinais, como
À esquerda, gourmets da expedição conferem o cardápio regional
do restaurante Açaí e Companhia. Acima, Toni Massanés e o chef
Felipe Ribenboim degustam o tacacá da Gisela, o mais famoso de
Manaus // Left, gourmets of the expedition check the regional menu of
the Açaí & Companhia restaurant. Above, Toni Massanés and the chef
Felipe Ribenboim taste Gisela´s Tacacá, the most famous in Manaus
fotos: daniel nunes gonçalves / vinicius capovilla / ilustrações: alexandre camanho
e pimenta”, explica essa verdadeira embaixadora da culinária amazônica de raiz, que rege há seis anos os cursos
do Centro de Gastronomia da Amazônia, da Fundação Rede
Amazônica. Enquanto comanda seus 20 alunos no preparo de pratos, como a farinha d’água à moda indígena, a salada de feijão de praia (um parente do feijão-de-corda nordestino) e o risoto de tacacá, Maria do Céu discorre sobre
a história e os efeitos dos ingredientes. “O cheiro-verde daqui é feito de cebolinha, alfavaca [espécie de manjericão],
coentro e xicória silvestre, diferente da xicória, popular no
sul do país”, conta. O prato principal, o peixe Aruanã à Solimões ganhou cor graças ao pimentão vermelho. “Não misturo com páprica por ela não ser da terra e nem com urucum, pois os índios só o usavam para pintar o corpo, não para cozinhar”, revela.
Outra paixão dos manauaras, o tacacá, foi apresentado num fim de tarde, no centro da cidade, quando as tacacazeiras montam suas barracas à espera dos clientes que
saem do trabalho. Foi no tradicional Tacacá da Gisela, no largo São Sebastião, que Toni Massanés experimentou a iguaria do jeito que todo mundo adora: bem quente, tascando pimenta. “O tucupi me faz lembrar uma sopa tailandesa, a tom
Farinha de mandioca // Manioc flour
Base da cozinha de raiz amazonense, a mandioca está presente em todas as
refeições. Na tapioca e no beiju do café-da-manhã, na farinha de vários tipos que
acompanham os peixes no almoço e no jantar, e no caldo de tucupi e na goma
presentes do tacacá, iguaria preferida dos fins de tarde. Diferente da mandioca
— ou macaxeira — do restante do Brasil, a da Amazônia é chamada de brava e
precisa ter extraído o seu caldo venenoso. // Basic root ingredient of Amazonian
cooking, manioc is present in all meals. In tapioca and beiju at breakfast, various
types of flours that accompany fish dishes at lunch and dinner, tucupi broth and
the gum found in tacacá, the preferred delicacy for the late afternoon. Different
from manioc, or macaxeira (a variety of cassava) – from the rest of Brazil, the
Amazonian variety is wild and its poisonous juice must be extracted.
91