Cuecas Urbanas

Transcrição

Cuecas Urbanas
[Cuecas Urbanas]
O conto do galego sem siroulas
Por Talita A.
entrecolchetes.blogspot.com
Segundo o dicionário, cueca é ‘uma peça da
indumentária originalmente masculina’; mas algumas
gurias também já adotaram o uso desta. Reza o texto
que a principal função de uma cueca é a de cobrir e
proteger os órgãos sexuais de quem a usa. Tanto
que as grandes fabricantes de roupas íntimas
aprimoraram a costura das cuecas, modeladas
especialmente para a proteção e o conforto de seus
usuários - e dos órgãos de seus usuários, por
conseqüência. No entanto, o uso das cuecas vem
sendo cada dia mais diversificado. Veja-se o exemplo
injustificável do ex-assessor parlamentar, José
Adalberto Vieira da Silva, que carregou consigo
algumas várias notas de dinheiro abrigadas
criteriosamente dentro de sua cueca.
Em algumas regiões, a cueca, é conhecida
como sunga. Entretanto, muito antes de adquirir tal
denominação, os homens das cavernas já usavam
um pedaço de pano, em forma de triângulo, no intuito
de cobrir as ‘partes de baixo’. Enquanto no século
XII, com o avanço dos grandes exércitos europeus,
foi preciso pensar em algo que protegesse os órgãos
dos combatentes, quando estes tivessem que usar
armaduras de platina altamente desconfortáveis. Os
costureiros da época descobriram a utilidade especial
de certos tecidos, como a seda, o algodão e o tafetá,
para a manufatura de roupas íntimas para os
cavaleiros. Todavia, o término da Revolução Francesa
foi o que efetivamente dispôs o atual status que as
cuecas possuem.
Tempos depois, opções de cuecas não faltam
para o homem moderno de hoje em dia. Desde
shortinhos, conhecidos intimamente como cuecas
‘boxer’; até sungas mais ousadas, com cortes nada
discretos. Contudo, frente a tantos avanços, a
sociedade pós-revolução industrial travou uma regra
- que não deve ser quebrada sob hipótese alguma:
os homens (ou as mulheres, que seja) estão
altamente aptos ao uso das cuecas, porém, que estas
fiquem escondidas por calças, bermudas, ou qualquer
outro tipo de roupa que cubra até a altura abaixo do
joelho. Entretanto, como diz o ditado ‘toda regra, tem
a sua exceção’. Com essa norma das cuecas não
seria diferente.
Cuecas, pra quê te quero?
Os mortais, quando em áreas do litoral ou em
confraternizações a beira da piscina, costumam
desnudar os seus corpos em sungas e biquínis sem
constrangimento algum. Após observar esse
comportamento, Ricardo Fernandes Gomes, mais
conhecido por ‘Kbelo’, idealizou o projeto ‘Cuecas
Urbanas’.
A idéia do projeto é expor a realidade social do
uso das cuecas. Basicamente, o ‘Cuecas’ envolve
um trabalho, feito por meio da fotografia, que pretende
transportar a mesma naturalidade que alguém teria
ao usar uma sunga na praia, só que em grandes
centros urbanos. Para isso, Kbelo foi o modelo - e,
Cu
A partícula inicial da palavra cueca, ‘cu’, originária do latim, foi criada pelas classes baixas da sociedade
romana. E, longe do sentido vulgar, tem o significado de ‘parte de trás’ - assim como em ‘culatra’, referente
á parte posterior do cano de uma arma, que fecha a arma por trás.
Feira na Vila Madalena - Zona Sul
Av. Paulista, endereço mais conhecido de SP
muito provavelmente, a primeira cobaia de um projeto com esse enfoque aqui no Brasil. O cenário escolhido
concentrou pontos estratégicos, e de considerável circulação de pessoas, da cidade de São Paulo. “O
‘Cuecas’ é uma intervenção urbana, para registrar as reações em diversas partes da cidade. A origem da
idéia foi observando as pessoas litorâneas passearem de sunga na cidade, no shopping, em restaurantes,
transportes públicos, etc., de uma forma comum. Quando se transporta esse quadro para uma cidade como
São Paulo - vertente de diversas culturas - causa o espanto do inusitado, do engraçado, do absurdo e da
admiração”, salienta Kbelo.
Mas, antes de sair pela Avenida Paulista só de cuecas, Kbelo definiu bem o projeto. Além disso,
amigos de longa data o ajudaram. “Os amigos aceitaram realizar esse projeto sem pensar. Em um sábado
de manhã, nos encontramos para iniciar toda a produção e executar o projeto. Em um dia, conseguimos
concluir tudo aquilo que tínhamos combinado, a idéia era estender para outros locais e outros horários.
Porém, como o tempo é o nosso inimigo atual que atinge a sociedade, ficamos confabulando em realizar
novos ensaios durante meses e nada saiu. O que resultou no engavetamento do projeto durante 5 anos”,
conta.
Foi quando em meados de 2002, os garotos do ‘Cuecas Urbanas’ foram ás ruas literalmente. O
destino escolhido para a intervenção percorreu uma feira, na Vila Madalena; a linha azul do Metrô; o viaduto
do Chá, no centro; e a (já citada) Avenida Paulista. “Todos ficavam tensos nos ensaios, o medo de ir preso,
confusão nas ruas, enfim, não sabíamos o que ia acontecer”, lembra Kbelo. E, de fato, eles corriam o risco
de detenção por atentado ao pudor ou conduta desordeira, de acordo com o Código Penal.
Mesmo sabendo disso, o projeto foi levado a diante. E, apesar do receio, Kbelo e amigos aproveitaram
a situação. “Houve momentos bem tensos, um bem engraçado e outro já ameaçador. O mais engraçado foi
no Metrô. Realizamos a demarcação dos lugares, distância, luz dentro do vagão. Após isso, seria o ensaio
para valer, mas deixamos passar uns 3 metrôs. Estávamos nervosos, pois era um ambiente pequeno que
não tinha como correr. Quando tomamos coragem, via todos tensos, tremendo e vermelhos. Mas, correu
tudo bem”, completa.
Viaduto do Chá: o primeiro de São Paulo
“Tem um moço de cuecas na Paulista”,
teria gritado a senhorinha
Se o objetivo do ‘Cuecas’ era verificar como as
pessoas iam reagir frente à cena de um rapaz na rua,
trajando apenas uma cueca, eles conseguiram. “As
reações das pessoas foram bem curiosas. Algumas
ficavam olhando e dando risada, outras ficavam
indignadas. Teve pessoas que não perceberam minha
presença ou fingiam que não viam nada”, comenta
Kbelo.
A parte isso, o perigo era constante. Ainda mais
no centro da cidade. “No Viaduto do Chá, foi o mais
tenso em relação à ameaça. Ao andar mais da metade
do viaduto de cueca, ouvi muitos xingamentos e
agressões verbais dos camelôs. Fotografamos e
tivemos que atravessar para o outro lado do viaduto.
Isso foi interessante para perceber a sociedade em
que vivemos, temos uma ‘explosão cultural’, uma
diversificação de idéias, porém separados por
territórios”, destaca.
Um vídeo, um blog (...)
O projeto ganhou mídia somente em 2007,
se podemos assim dizer. Até então, as fotos não
estavam digitalizadas ainda. Feito isso, Kbelo
montou um blog para contar o projeto e postar as
fotos do ensaio. Além disso, foi feito um vídeo com
o making off da intervenção. “O projeto ficou em
segredo durante anos, poucos sabiam da sua
existência. Ao divulgar foi somente com a intenção
de mostrar aos amigos, mas tomou uma proporção
média, que obtive na maioria das vezes com ótimos
comentários. Algumas pessoas tentavam entender
o que eu fiz, mas não tem o que entender mesmo!”,
diz Kbelo.
Cuecas Urbanas na web:
[blog]
www.cuecasurbanas.blogspot.com
[vídeo]
www.youtube.com/watch?v=qI73PrBoxJc
Próximo passo
Já que a idéia deu tão certo e a aceitação do projeto foi bacana, o ‘Cuecas’ vai ganhar vôos mais altos.
“Em conversa com a designer Danielle Rossi, estamos planejando algo para o ano que vem, em criar o
desdobramento do ‘Cuecas Urbanas’ na área de moda, estamparia e acessórios, com um conceito de
urbanismo, trabalho que envolve muita pesquisa, desde comportamento, paisagismo, antropologia, psicologia,
caos, stress, etc.”, completa Kbelo.
Formação oficial do ‘Cuecas’:
projeto foi relevante em minha vida
““ Este
durante anos, após executá-lo descobri que
Ricardo Gomes, o ‘Kbelo’: 27, Modelo e
Idealizador - Profissão: Facilitador.
Marco Stravino, 26, Câmera e Assistente Profissão: Designer.
seria uma forma interessante de trabalhar e
muito motivadora. Foi então que descobri que
não seria um Gerente de Sistemas por muito
tempo. Ao pensar nos “trabalhos” que realizei
de modo relevante, trouxe a filosofia de
trabalhar com o coração e não com o bolso,
isso me ajudou a tomar decisões que veio
em 2006, onde larguei toda a carreira já
conquistada durante quase 10 anos e abri o
Kratonton, uma consultoria de arte e cultura
que dá a oportunidade e motivação para
as
, Kbelo.
idéias como essa! , Kbelo.
”
”
Douglas Okura, o ‘China’, 31, Assistente Profissão: Artista Plástico, Designer
As fotos do ensaio foram feitas pelo fotógrafo Sandor Kiss.
[Projeto do Sofá]
Senta que lá vem história (...)
Por Talita A.
entrecolchetes.blogspot.com
Outro Projeto, o do Sofá!
Não satisfeito em andar de cuecas pelas principais ruas da mega-metrópole paulistana, Kbelo - que é
uma fonte de idéias curiosas por segundo - teve mais uma.
Essa mais recente surgiu quando o seu amigo, Beto Macedo, em 2003, precisou se mudar de um
antigo apartamento. Kbelo foi requerido para auxiliar no transporte de um sofá. Assim que um outro amigo,
Marco Stravino, chegou com a Kombi para levar o objeto em questão, os meninos pensaram em carregar o
sofá para um passeio pela cidade. “Era um domingo ensolarado, tínhamos que aproveitar um pouco também”,
relembra Kbelo. “Para registrar esse momento tão especial com os amigos e o sofá, chamamos outro amigo,
Taka San, para fotografar o trajeto. Isso aconteceu em 2003, na época não havia muitas câmeras digitais, e
o Taka acabara de chegar do Japão com essa incrível tecnologia, que nos deu muita alegria”, completa.
Há quem não veja sentido nessa ‘brincadeira’, feita entre amigos. Contudo, o mentor da idéia, Kbelo,
acredita que o ‘Projeto do Sofá’ pode ser visto sob uma ótica interessante. Afinal, moramos em um local onde
as pessoas têm o hábito de jogar lixo pelas ruas sem critério algum, inclusive sofás e outras peças mais
bizarras. Quando o sofá do Beto foi parar nas ruas, foi criado um tênue movimento contra quem pratica isso.
Ressalva: Beto Macedo não possui mais o histórico sofá. “Eu doei ele na rua. Não tenho mais”, diz.
“Estava mudando de casa e o pobre e velho sofá, que me acompanhou por anos e anos desde a minha
infância, teve que ser doado. Parei debaixo de um viaduto, onde moravam mendigos e fiz a doação para
eles. Achei bacana manter ele na rua”, completa.