HEMOPARASITOSES EM CÃES DOMICILIADOS ATENDIDOS

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HEMOPARASITOSES EM CÃES DOMICILIADOS ATENDIDOS
HEMOPARASITOSES EM CÃES DOMICILIADOS ATENDIDOS PELO SERVIÇO DE SAÚDE
VETERINÁRIO NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, RJ*
LEAL, PDSL1; MORAES, MIMR2; BARBOSA, LLO2; LOPES, CWG3
INTRODUÇÃO
*Sob os auspícios do CNPq.
1Médico-veterinário, DSc, MSc DScV Pós Doutorando Curso de Pós-Graduação de Ciências Veterinárias-UFRRJ. e-mail:
[email protected]. 2Médicas-veterinárias-CTI Veterinário. Av. das Américas, 3939, Bloco 2, Loja I. Barra da Tijuca, e-mail:
[email protected] 3Médico Veterinário, PhD, LD. Departamento em Parasitologia Animal, Instituto de Veterinária-UFRRJ.
As hemoparasitoses em cães são de grande
relevância na clínica médica veterinária devido à frequência em
que ocorrem. Constituem-se de enfermidades cosmopolitas
causadas por parasitos intracelulares obrigatórios das células
sanguíneas, transmitidas biologicamente e/ou mecanicamente
pela picada de artrópodes hematófagos, tendo como principal
vetor o carrapato marrom do cão Riphicephalus sanguineus
(Inokuma et al., 2000), ocorrendo através da picada de cão a cão
(Ettinger; Feldman 1997), o qual pode transmitir esses
organismos por mais de cinco meses após o ingurgitamento com
sangue infectado (Ettinger, Feldman 1997), não podendo
descartar espécies dos gêneros Amblyomma e Anocentor,
importantes no ciclo biológico de algumas dessas doenças. Em
cães os hemoparasitos mais comuns transmitidos pelos
carrapatos ixodídeos são as ricketsias E. canis e A. platys, a
micoplasmatacea M. canis (= M. hemocanis) e os protozoários B.
canis e B. gibsoni, descrito em algumas áreas do Brasil (Jojima
et al., 2008). A anaplasmose trombocítica canina é uma doença
causada por uma bactéria gram negativa que infecta as plaquetas
e eventualmente leucócitos de cão, recebe a denominação de A.
platys (Dagnone et al., 2001) e causa um quadro clínico que se
denomina
trombocitopenia
infecciosa
cíclica
canina,
caracterizado por trombocitopenia cíclica com parasitemia inicial
onde, alguns dias após a infecção, há a diminuição brusca no
número de plaquetas e o agente causal desaparece da circulação.
A contagem plaquetária retorna a valores próximos aos de
referência em aproximadamente quatro dias (Inokuma et al.,
2000). A parasitemia e trombocitopenia subsequentes tendem a
ocorrer periodicamente em intervalos de uma a duas semanas. Os
sinais clínicos começam após um período de incubação de oito a
quinze dias, com alguns sinais digestivos, anorexia, febre,
letargia e distúrbios hemostáticos (Leal et al., 2012). Os
micoplasmas hemotrópicos (hemoplasmas) são organismos
pleomórficos, epicelulares, gram negativos que infectam a
superfície dos eritrócitos de diversas espécies, Em cães, a
infecção pelos referidos agentes pode causar anemia hemolítica
na fase aguda, enquanto na doença crônica não há sinais
clínicos, sendo que a imunossupressão e a esplenectomia podem
desencadear a doença aguda no animal parasitado (Valle, 2011). A
erliquiose canina é deflagrada por uma bactéria do gênero
Ehrlichia, parasita de leucócitos e plaquetas, sendo a Ehrlichia
canis a mais comum e responsável pela doença clínica mais
grave, caracterizada por vasculite e infecção do tecido
subendotelial, além de anemia progressiva em razão da
destruição e supressão da produção eritrocitária (Breitschwerdt,
2008), forma agrupamentos intracitoplasmáticos em forma de
amora, chamados de mórula e tem como alvo plaquetas,
monócitos, linfócitos e neutrófilos (Birchard; Sherding, 1998; Leal
et al., 2012). A babesiose tem como agentes etiológicos
protozoários intracelulares do gênero Babesia, possuem
características clínicas variáveis e inespecíficas, podendo o
hospedeiro ter infecções variando de branda a severas (Miranda
et al. 2011), geralmente se caracteriza por redução dos elementos
figurados do sangue (Morais et al. 2004; Miranda et al. 2011; Leal
et al., 2012). Achados de mórulas em leucócitos e plaquetas
confirmam o diagnóstico de anaplasmose ou erliquiose canina
através da visualização destas estruturas citoplasmáticas,
constituindo-se de importante técnica de diagnóstico, assim
como a visualização de B. canis em hemácias (Miranda et al. 2011;
Leal et al., 2012), porém nas infecções crônicas ou de baixa
parasitemia o diagnóstico citológico de sangue periférico não é
totalmente confiável (Moreira et al. 2005), não sendo observados
os parasitos em estiraços de sangue, o diagnóstico sorológico
não deve ser descartado (Tenório et al. 2007, Miranda et al. 2011).
Diante da importância dessas enfermidades na clínica de
cães, objetivou-se neste trabalho, verificar a frequência de
hemoparasitos em cães urbanos na cidade do Rio de Janeiro com
acompanhamento médico veterinário de rotina.
MATERIAIS E MÉTODOS
Dentre os parasitos positivos nos 103 cães, representando
59,49%, se encontravam infectados por A. platys, índice
superior ao verificado por Vasconcelos, (2011), onde foi
constatada a presença do referido hemoparasito em 18
cães (0,69%), trabalho esse que não utilizou os
concentrados de plaquetas para a pesquisa dos referidos
parasitos, o que explicaria as diferenças nos resultados
observados por Leal et al. (2012). Em 14 animais (6,86%)
positivos para B. c. vogeli, nesta pesquisa foi inferior ao
estudo realizado em 311 cães do município de Seropédica,
RJ, feito por Vilela et al. (2013) que constataram a presença
desse hematozoário em 37 cães (11,9%) dos cães
examinados. Essa divergência é esperada em virtude do
grupo de animais que foram avaliados no presente estudo,
representado por cães que recebiam atendimento
veterinário de rotina e profilaxia contra o vetor desse
agente etiológico, além de residirem em meio totalmente
urbano. Em dois (0,98%) dos pacientes examinados foram
observadas formas de E. canis, resultado, este inferior ao
observado por Ueno et al. (2009) que encontraram 40% dos
animais parasitados, o que se justifica pelo grupo de
animais examinados ter sinais clínicos compatíveis com a
erliquiose (Greene, 2006; Leal et al., 2012). Valle (2011)
relatou ter encontrado M. canis em 17 (5,1%) dos animais
atendidos no Hospital Universitário de Passo Fundo–RS,
percentual esse inferior ao verificado neste estudo, onde
foram observados 60 (29,41%) dos cães examinados
positivos para esse agente etiológico. No presente
trabalho os estiraços foram preparados imediatamente
após a coleta do sangue, com material proveniente da
seringa sem qualquer contato com EDTA, método este que
permite manter a integridade da célula (Thrall, 2007),
facilitando a visualização dos parasitos. Rodrigues et al.
(2008) relataram resultados de 0,8% para infecções
concomitantes por Ehrlichia spp. e Babesia spp. e
Ehrlichia spp. e Anaplasma Platys em cães atendidos no
Hospital Veterinário das Faculdades Anhanguera de
Dourados – MS, enquanto Galindo et al. (2009)
observaram 0,49% dos animais positivos para E. canis e A.
Platys e 0,21% para B. canis e A. platys, enquanto no
presente estudo foram assinaladas um maior número de
associações parasitárias com: A. platys e E. canis em 1
(0,49%), A. platys e M. canis (18,63%) em 38, M. canis e B.
canis vogeli em 5 (2,45%), E. canis e M. canis em 2 (0,98%),
A. platys, B. c. vogeli e M. canis em 2 (0,98%) cães. Apesar
de não ser considerada a citoscopia como um melhor
método de diagnóstico nos casos de baixa parasitemia e
infecções crônicas (Moreira et al., 2005), o presente
trabalho observou resultados expressivos com base
somente na observação desses agentes etiológicos em
estiraços de sangue e capas leucocitárias (Leal et al,,
2012). A preparação dos referidos estiraços com material
da própria seringa sem contato com EDTA, imediatamente
após a coleta, tem possibilitado melhor visualização das
estruturas celulares, uma vez que o EDTA presente no tubo
de coleta altera as características morfológicas celulares
(Thrall, 2007). Além disso, há que se considerar a
constante exposição ao vetor envolvido, o carrapato
Rhipicephalus sanguineus, vetor que possui boas
condições de reprodução em regiões urbanas (Labruna et
al. 2001), além da grande abundância de mosquitos que
podem facilitar a transmissão mecânica entre um animal e
outro, principalmente nas riquetsioses.
CONCLUSÃO
É observada a alta frequência de hemoparasitos em
cães que recebem acompanhamento de rotina por médico
veterinário em clínica na cidade do Rio de Janeiro, sendo
maior a frequência de infecção a presença de Anaplasma
platys (59,49%) e da co-infecção por A. platys e M. canis
(18,63%). A importância da citoscopia como ferramenta de
rotina na detecção de hemoparasitoses, a avaliação de
cada estiraço de sangue, concentrado de plaquetas e
leucócitos, sem contato com o EDTA é de grande valia.
Além disso, não se pode descartar a presença contínua de
diversas espécies de mosquitos hematófagos na
transmissão mecânica entre um animal e outro,
principalmente nas riquetsioses.
As amostras de sangue foram coletadas e acondicionados
em tubo de ensaio pediátrico com ácido etilenodiaminotetracético
(EDTA), utilizando-se o material da própria seringa para
preparação de dois estiraços sanguíneos, corados utilizando
conjunto para coloração rápida em hematologia (Panótico Rápido
LB-Laborclin). Para separação dos elementos figurados e plasma
foi preparado em tubos de microhematócrito e, em seguida,
disposto em microcentrifuga, assim como a confecção de dois
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
estiraços de concentrado de plaquetas e leucócitos em lâminas
Edward
B.
Riquetsioses.
In:
de vidro, obedecendo à mesma técnica de fixação, desidratação e BREITSCHWERDT,
coloração utilizada previamente para os estiraços sanguíneos, ETTINGER, S. J.; FELDMAN, E. C. Tratado de Medicina
ambos foram observados em microscópio binocular para Interna Veterinária. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
contagem específica de leucócitos, avaliação da morfologia dos Koogan, 2008. Cap. 86. p. 422-429.
DAGNONE, Ana Silvia; MORAIS, Hélio Silva Autran de;
elementos figurados e presença de hematozoários.
VIDOTTO, Odilon. Erliquiose nos animais e no
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Dos 131 cães positivos para um ou mais hemoparasitos homem. Semina: Ciências Agrárias. Londrina, v. 22, n. 2,
totalizando 64,2% das amostras, observou-se que os resultados p.191-201, jul. 2001. Semestral.
foram muito superiores aos relatados por Mundim et al., (2008), ETTINGER S.J. , FELDMAN E.C. Tratado de Medicina
Galindo et al. (2009), Vasconcelos (2011) e Scherer e Mergener Interna Veterinária. 4a edição, São Paulo, Manole, 1997. p.
(2014), que obtiveram 33,96, 30,60, 2,15 e 25,31% respectivamente. 546-564.
As diferenças nos resultados podem ser explicadas pelo fato de FERREIRA, R. F et al. Anaplasma platys Diagnosis in
que, no presente trabalho, a pesquisa de hemoparasitos ter sido dogs: Comparison Between Morphological and Molecular
realizada no estiraço e concentrado de leucócitos e plaquetas e Tests. International Journal of Applied Research in
pelo não contato da amostra com o EDTA o que favorece a Veterinary Medicine. v. 5, p. 113-119, 2007.
visualização dos parasitos (Leal et. al., 2012; Thrall, 2007).
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a
b
c
d
Figura 1. Estiraços de sangue de cães: mórula de Ehrlichia canis em
monócito(a); formas cocoides Mycoplasma canis alinhadas na superfície
de eritrócito (b); mórula de Anaplasma platys em plaqueta (c); merozoítos
de Babesia canis vogeli em eritrócito (d). Panótico. Obj. 100X