Dissertao Juliana Fernandes Moreira

Transcrição

Dissertao Juliana Fernandes Moreira
UIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA/ UIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESEVOLVIMETO E MEIO AMBIETE
JULIAA FERADES MOREIRA
LEGISLAÇÃO AMBIETAL E COFLITOS SÓCIO-AMBIETAIS:
o caso da atividade de carcinicultura na APA da Barra do Rio Mamanguape- PB
João Pessoa – PB
2008
JULIAA FERADES MOREIRA
LEGISLAÇÃO AMBIETAL E COFLITOS SÓCIO-AMBIETAIS:
o caso da atividade de carcinicultura na APA da Barra do Rio Mamanguape- PB
Orientadora: Profª Drª Maristela Oliveira de Andrade
João Pessoa – PB
2008
JULIAA FERADES MOREIRA
LEGISLAÇÃO AMBIETAL E COFLITOS SÓCIO-AMBIETAIS:
o caso da atividade de carcinicultura na APA da Barra do Rio Mamanguape- PB
Trabalho apresentado ao Programa Regional de PósGraduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente –
PRODEMA, Universidade Federal da Paraíba/
Universidade Estadual da Paraíba, em cumprimento
às exigências para a obtenção de grau de Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Aprovado em: ___/___/___
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Profª Dra. Maristela Oliveira de Andrade - UFPB
(Orientador)
_________________________________________
Profª Dra. Loreley Gomes Garcia- UFPB
(Examinador)
_________________________________________
Profa. Dra. Lúcia Maria Góes Moutinho – UFRPE
(Examinador)
JULIAA FERADES MOREIRA
LEGISLAÇÃO AMBIETAL E COFLITOS SÓCIO-AMBIETAIS:
o caso da atividade de carcinicultura na APA da Barra do Rio Mamanguape- PB
Trabalho apresentado ao Programa Regional de PósGraduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente –
PRODEMA, Universidade Federal da Paraíba/
Universidade Estadual da Paraíba, em cumprimento
às exigências para a obtenção de grau de Mestre em
Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Orientadora: Profª Drª Maristela Oliveira de
Andrade
João Pessoa – PB
2008
M838l MOREIRA, Juliana Fernandes.
Legislação ambiental e conflitos sócio-ambientais: o caso da
atividade de carcinicultura na APA da Barra do Rio Mamanguape-PB/
Juliana Fernandes Moreira.- João Pessoa, UFPB 2008.
Orientadora: Maristela de Oliveira Andrade
Dissertação (Mestrado) – UFPB/CCEN/PRODEMA.
1.Direito ambiental. 2.Conflitos sócio-ambientais. 3.Carcinicultura.
UFPB/BC
CDU: 349.6
Aos meus pais, exemplos de perseverança e amor.
A minha irmã, companheira e amiga.
Aos meus avós, exemplos de vida.
A Siva, amiga de todas as horas.
AGRADECIMETOS
A elaboração e apresentação desta dissertação somente têm sentido com o
agradecimento e reconhecimento da preciosa contribuição de todos aqueles que direta e
indiretamente prestaram sua contribuição: meus pais, professores, amigos, índios Potiguaras,
dentre outros.
Agradeço especialmente àqueles sem os quais não teria sido possível a existência
dessa dissertação. Assim sendo, ofereço meus humildes agradecimentos a Emanuel Falcão, a
Profª Maristela Oliveira de Andrade, a Profª Loreley Garcia, a Profª Lúcia Maria Góes
Moutinho e a Joana Resende de Albuquerque, bem como ao Sr. Fernando (sócio-proprietário
da Aquafer), aos índios Potiguaras, sobretudo a seu Carapeba e aos índios que compõem a
Cooperativa dos Carcinicultores de Tramataia Altino Figueirêdo da Silva.
“Eu não tenho filosofia: tenho sentidos ...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem o que é amar ...”
Fernando Pessoa
RESUMO
As Áreas de Proteção Ambiental (APA) são Unidades de Conservação (UC) criadas,
geralmente, onde já existe ocupação humana, o que gera uma série de conflitos de interesses.
Na APA da Barra do Rio Mamanguape, a única federal existente no estado da Paraíba,
também se verificou a ocorrência desse fenômeno. Além disso, observa-se também o
fenômeno da sobreposição desta sobre as Terras Indígenas Potiguara. Este trabalho de
dissertação tem por objetivo analisar os conflitos sócio-ambientais decorrentes da atividade de
carcinicultura realizada no interior desta Área de Proteção Ambiental. A metodologia aplicada
consistiu na análise bibliográfica e documental, na pesquisa de campo, com aplicação de
entrevistas, questionários e visitas regulares na área de estudo. Para fundamentar a análise
procedeu-se ao estudo da evolução da legislação brasileira de proteção ambiental,
particularmente a referente às APA’s onde há sobreposição em terras indígenas. A análise
específica dos conflitos foi feita à luz das seguintes categorias teóricas: meio ambiente,
território e conflito. O estudo efetuado confirmou a existência de conflitos entre os seguintes
atores sociais: Ibama, Funai, fazendeiros de camarão, carcinicultores indígenas, e Poder
Judiciário. A atividade carcinicultora praticada tanto pelos indígenas Potiguara, quanto pelos
fazendeiros de camarão, desempenha um papel importante nas suas estratégias de
sobrevivência, embora apresente agravos ao meio ambiente. Isso evidencia o conflito
existente entre a legislação ambiental e a legislação indigenista, donde os princípios
norteadores do Direito Ambiental servem como base à aplicação das decisões prolatadas pelo
Poder Público referentes aos conflitos entre elas existentes.
Palavras-chave: 1.Direito ambiental. 2.Conflitos sócio-ambientais. 3.Carcinicultura
ABSTRACT
The so called Environmental Protection Areas (APA - Áreas de Proteção Ambiental) are
Units of Preservation (UC - Unidades de Conservação) usually created in those places where
human occupation already exists, what causes a series of conflicts of interest. This
phenomenon was verified at the APA of Barra do Rio Mamanguape, which is the only federal
APA in the State of Paraíba. Beyond this, the phenomenon of superposition can also be
observed, as this APA is located over the Potiguara Indigenous Lands. This thesis aims to
analyse the social-environmental conflicts arising out of the shrimp farming activities taking
place inside this Environmental Protection Area. The methodology applied consists of
bibliography and documents analysis, field work with application of interviews and
questionnaires, as well as usual visits to the studied area. The analysis is based on the study of
the evolution of the Brazilian legislation on environmental protection, particularly the
statements concerning APAs with superposition on indigenous lands. The specific analysis of
conflicts was done considering the following theoretical categories: environment, territory
and conflict. The performed study confirmed the existence of conflicts between the following
social actors: Ibama (Brazilian Institute of Environment and Renewable Natural Resources),
Funai (National Foundation for Indians), shrimp farm owners, indigenous shrimp farmers and
the Judiciary branch. The shrimp rearing activities carried out both by the Potiguara Indians
and by the shrimp farmers represent an important rule on their survival strategies, although
these activities cause damages in the environment. This makes evident the conflict existing
between the environmental legislation and the indigenous legislation, whence the guiding
principles of environmental law are the basis for the application of the decisions of the Public
Power concerning these conflicts.
Keywords: 1. environmental law. 2. social-environmental conflicts. 3. shrimp farming
LISTA DE FIGURAS
Fig. 01
Viveiros de camarão no Equador .....................................................................
50
Fig. 02
Mangue devastado pela prática da carcinicultura em Bangladesh ...................
52
Fig. 03
Aeradores utilizados na produção de camarão em viveiros .............................
53
Fig. 04
Aeradores .........................................................................................................
53
Fig. 05
Ração ................................................................................................................
53
Fig. 06
Larvas ...............................................................................................................
53
Fig. 07
Assassinatos em decorrência dos conflitos oriundos da carcinicultura ...........
57
Fig. 08
Localização da APA da Barra do Rio Mamanguape .......................................
64
Fig. 09
Rhizophora mangle. Vegetação típica de manguezal, encontrada no estuário
do Rio Mamanguape onde se localiza a APA ..................................................
65
Fig. 10
Detalhe da espécie Avicennia schaueriana ainda no estágio de crescimento ..
66
Fig. 11
Territórios contidos na APA da Barra do Rio Mamanguape ...........................
68
Fig. 12
Bloco de cimento marcando o início da Cooperativa dos Carcinicultores de
Tramataia Altino Figuêiredo da Silva ..............................................................
76
Fig. 13
Abertura da comporta para que a água que se encontra no viveiro escoe .......
76
Fig. 14
Colocação dos depósitos próximos à comporta do viveiro para facilitar a
coleta do camarão ............................................................................................
76
Fig. 15
Colocação do mangote, espécie de rede utilizada na despesca ........................
77
Fig. 16
Retirada da tela que impede a passagem dos camque os camarões passem ....
77
Fig. 17
Manuseio do mangote ......................................................................................
77
Fig. 18
Retirada dos camarões do mangote ..................................................................
77
Fig. 19
Choque térmico dado nos camarões ................................................................
77
Fig. 20
Transporte dos camarões nas basquetas (caixas de plástico) ...........................
77
Fig. 21
Camarões nas basquetas para escorrer a água e serem pesados .......................
78
Fig. 22
Caminhão frigorífico onde são colocados os camarões após a pesagem .........
78
Fig. 23
Viveiros da AquaFer e o sistema fechado de abastecimento d’água ...............
79
Fig. 24
Virolas utilizadas para colocar o alimento dos camarões ................................
80
Fig. 25
Canal de abastecimento em atividade ..............................................................
93
Fig. 26
Cana de abastecimento desativado ..................................................................
93
Fig. 27
Viveiros em atividade ......................................................................................
93
Fig. 28
Viveiros desativados ........................................................................................
93
Fig. 29
Mapa etno-histórico de Curt Nimuendaju ........................................................
95
Fig. 30
Invasão da sede da Funai-Pb em 08 de outubro de 2007 .................................
97
Fig. 31
Situação fundiária das Terras Indígenas Potiguara ..........................................
98
Fig. 32
Viveiros de camarão situados nas TIs Potiguara .............................................
99
Fig. 33
Mangue replantando em conformidade com o determinado pelo Ibama .........
103
LISTA DE TABELAS
Tab. 01
Áreas de Proteção Ambiental (APA) Federal ..................................................
41
Tab. 02
Município de Marcação – Número de propriedades por carcinicultores,
viveiros por propriedades, área destinada à carcinicultura nas propriedades,
percentual de viveiros por propriedade e viveiros em atividade (2006/2007) ...
75
LISTA DE GRÁFICOS
Gráf. 01 Mão-de-obra assalariada e familiar na atividade camoroeira praticada no
município de Marcação (2006/2007) ................................................................. 73
Graf. 02 Despescas realizadas ao ano em Marcação ........................................................ 74
Graf. 03 Marcação - Produção de camarão por Aldeia (2006/2007) ...............................
78
Graf. 04 Evolução das Importações de Camarão pelos Estados Unidos .......................... 81
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
ART. - Artigo
CF - Constituição Federal
CMMAD - Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
CONAMA - Conselho Nacional do Meio Ambiente
DOU - Diário Oficial da União
EIA - Estudo de Impacto Ambiental
IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
LA - Licenciamento Ambiental
LI - Licença de Instalação
LO - Licença de Operação
LP - Licença Prévia
MPU - Ministério Público da União
ONG - Organização Não-Governamental
PCA - Plano de Controle Ambiental
PNMA - Política Nacional do Meio Ambiente
PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PR - Procuradoria da República
RIMA - Relatório de Impacto Ambiental
SISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente
STF - Supremo Tribunal Federal
TAC - Termo de Ajuste de Conduta
SUMÁRIO
1 ITRODUÇÃO .........................................................................................................
17
2 FUDAMETAÇÃO TEÓRICA ...........................................................................
2.1 MEIO AMBIENTE ..................................................................................................
2.1.1 Princípios orteadores do Direito Ambiental ..................................................
2.1.1.1 Princípio do desenvolvimento sustentável .........................................................
2.1.1.2 Princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais .........................................
2.1.1.3 Princípio do usuário-pagador .............................................................................
2.1.1.4 Princípio do poluidor-pagador ...........................................................................
2.1.1.5 Princípio da prevenção .......................................................................................
2.1.1.6 Princípio da reparação .......................................................................................
2.2 TERRITÓRIO ..........................................................................................................
2.2.1 Os Territórios Protegidos ...................................................................................
2.3 CONFLITO ..............................................................................................................
2.3.1 Conflitos Sócio-ambientais .................................................................................
2.3.2 Conflitos Sócio-ambientais e a Atividade de Carcinicultura ..........................
2.3.2.1 Depleção dos recursos litorais ...........................................................................
2.3.2.2 O processo produtivo .........................................................................................
22
22
26
27
29
30
32
34
35
36
40
42
45
49
50
54
3 FORMAÇÃO DO ESPAÇO E CRIAÇÃO DA APA ............................................
3.1 O PROCESSO HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DO ESPAÇO ..............................
3.1.1. Da Ocupação Pré-colonial às Formas Atuais de Ocupação ...........................
3.1.2 A Criação da APA da Barra do Rio Mamanguape .........................................
3.1.3 Localização da APA e Caracterização do seus Aspectos aturais .................
3.1.4 Ocupação Humana da APA da Barra do Rio Mamanguape e a Área de
Sobreposição com a Terra Indígena ...........................................................................
59
59
59
61
64
4 APRESETAÇÃO DOS RESULTADOS: COFLITOS SÓCIOAMBIETAIS A APA DA BARRA DO RIO MAMAGUAPE .........................
4.1 METODOLOGIA ....................................................................................................
4.2 A CARCINICULTURA NA ÁREA DA APA ........................................................
4.2.1 A Carcinicultura Indígena .................................................................................
4.2.2 A Produção de Camarão da Fazenda AquaFer (Aquacultura Fernando
Ltda) ..............................................................................................................................
4.3 O CONFLITO DE COMPETÊNCIAS; SUPERPOSIÇÃO DA APA NA TERRA
INDÍGENA POTIGUARA ............................................................................................
4.3.1 Conflito de leis .....................................................................................................
4.4 CONFLITO ENTRE EMPRESA CARCINICULTORA AQUAFER E O
IBAMA ..........................................................................................................................
4. 5 CONFLITO SOCIOAMBIENTAL ENTRE ÍNDIOS CARCINICULTORES, O
IBAMA E A FUNAI ......................................................................................................
67
69
70
72
72
79
81
82
85
5 COSIDERAÇÕES FIAIS ...................................................................................
94
REFERÊCIAS ...........................................................................................................
104
AEXOS .......................................................................................................................
117
1 ITRODUÇÃO
O forte crescimento populacional, de um lado, e o elevado ritmo de expansão da
produção possibilitado pelas inovações tecnológicas, por outro lado, têm aumentado a pressão
sobre os recursos naturais não renováveis. Coloca-se, assim, o problema tanto do seu
esgotamento como da acentuação da poluição ambiental. Como conseqüência tem-se que, a
partir da segunda metade do século XX, foi se evidenciando os problemas ambientais que
terminam por desenvolver/consolidar uma consciência em torno da questão ambiental. Daí
resultou a necessidade de regulamentar o uso dos recursos naturais, na tentativa de protegê-los
contra as investidas crescentes do homem. É nesse contexto que foram criadas no Brasil, as
Áreas de Proteção Ambiental (APA’s). A primeira APA, a de Petrópolis, foi criada em 1982,
no estado do Rio de Janeiro. No âmbito da Paraíba, a primeira APA federal criada foi a da
Barra do Rio Mamanguape, sendo esta a única existente, em nível federal, no estado.
As Áreas de Proteção Ambiental são demarcadas tanto em terras públicas quanto
privadas, cabendo ao órgão gestor competente permitir a realização de atividades econômicas
em seu interior. Elas têm por objetivo proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo
de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
No caso da APA da Barra do Rio Mamanguape, o objetivo principal de sua criação foi
garantir a conservação do habitat e a proteção do Peixe-Boi (Trichechus manatus). A este
objetivo outros se somaram, tais como: a conservação da flora e dos recursos hídricos, a
melhoria da qualidade de vida das populações residentes na área, o fomento ao turismo
ecológico e a educação ambiental, Como as APA’s, via de regra, são criadas em áreas já
ocupadas, e a sua criação implica em regulação do uso e manuseio dos recursos naturais aí
existentes, é comum o surgimento de conflitos de interesses entre os diversos grupos
econômicos aí presentes (proprietários fundiários, unidades agro-industriais, empresários do
setor turístico, etc.), dentre eles pode-se destacar os movimentos ecologistas (ONG’s,
associações de preservação, dentre outros.), órgãos governamentais e a população residente
(pequenos produtores rurais, trabalhadores assalariados, populações indígenas, etc.).
Na APA da Barra do Rio Mamanguape, a presença de carcinicultores, população
indígena, e no seu entorno empresários de usinas de açúcar e álcool, grandes e pequenos
proprietários de terra, posseiros, funcionários do IBAMA, veranistas, dentre outros, com
interesses diversos propicia o desenvolvimento de conflitos de várias ordens. Dentre eles
destacam-se: o conflito entre a comunidade indígena e o Estado em torno da luta pela
homologação da demarcação da Terra Indígena Potiguara de Monte-Mor; o conflito entre
carcinicultores e o Ibama em torno da liberação desta atividade numa área onde se localiza
uma importante vegetação de mangue e, ainda, entre pessoas jurídicas de direito público
integrantes do próprio Estado, sendo a Sudema a nível estadual e o Ibama a nível federal, e a
Funai em torno de compreensões divergentes sobre a prática da carcinicultura pelos índios,
dentre outros.
O problema investigado no âmbito desta dissertação consiste na análise dos conflitos
sócio-ambientais do ponto de vista social e jurídico, envolvendo uma área protegida e a
atividade de carcinicultura, modelo de aqüicultura que está sendo realizada na APA da Barra
do Rio Mamanguape.
Assim sendo, o trabalho tem como objetivo geral analisar os conflitos sócioambientais decorrentes da atividade de carcinicultura realizada no interior da APA da Barra
do Rio Mamanguape a partir do processo de criação da referida APA.
Além desse objetivo geral, o trabalho apresenta os seguintes objetivos específicos:
a) estudar a evolução da legislação brasileira de proteção ambiental, particularmente, a
pertinente às Áreas de Proteção Ambiental com sobreposição em terras indígenas;
b) identificar e aprofundar o conhecimento sobre os interesses divergentes existentes
e/ou surgidos com a criação da APA da Barra do Rio Mamanguape para caracterizar os
conflitos sócio-ambientais existentes na área;
c) estudar a intervenção dos entes governamentais e identificar os conflitos de
competência entre eles, das ONG’s no âmbito da aplicação das leis aos casos que estejam em
desacordo com a mesma, no que se refere a atividade de carcinicultura no interior da APA.
d) analisar as formas de encaminhamento encontradas para a superação dos conflitos
sócio-ambientais oriundos da carcinicultura na área de estudo.
O estudo aqui delineado justifica-se por pelo menos quatro motivos principais, a saber:
a) em primeiro lugar, por se tratar de uma área do Direito, a do Direito Ambiental1,
que tem se desenvolvido com mais intensidade só recentemente, sendo necessário que se
promovam investigações sistemática e continuamente avaliativas, a fim de que possam ser
corrigidas as distorções porventura existentes e sejam reafirmados os aspectos positivos nela
incorporados;
b) a análise da problemática ambiental a partir dos conflitos constitui igualmente uma
área que requer ainda muita investigação, pois a questão ambiental envolve uma série de
conflitos intra-geracionais e inter-geracionais. Interessa, particularmente nesse estudo, os
conflitos intra-geracionais, ou seja, os conflitos entre grupos da geração presente. Isto é, os
choques de interesse entre os carcinicultores, a população residente e os órgãos de gestão do
meio ambiente, com atuação na área definida como de preservação permanente, ou seja, na
Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) Manguezais da Foz do Rio Mamanguape,
declarada como tal em 1985, por meio do Decreto nº 91.890. Vale salientar que, atualmente,
essa ARIE se encontra no interior da APA da Barra do Rio Mamanguape.
c) a área escolhida como objeto de estudo foi transformada em APA recentemente,
como já foi demonstrado e embora já existam alguns trabalhos de investigação sobre a mesma
(OLIVEIRA, 2003; MARINHO, 2002; VIDAL, 2001, LIEDKE, 2007, dentre outros), estes
tratam de alguma forma dos conflitos resultantes da ação humana sobre a área, mas não
centram sua atenção na análise dos aspectos conflituosos existentes entre os carcinicultores, a
população e o Poder Público;
d) por envolver comunidades tradicionais e não tradicionais, múltiplos interesses e,
ainda, pelo fato de existir uma legislação que regulamenta as APA’s, uma legislação que
1
Direito Ambiental é a expressão mais comumente utilizada para designar o ramo do Direito Público
pertencente aos direitos difusos. Contudo há outras formas de denominá-lo, quais sejam: Direito Ecológico;
Direito de Proteção da Natureza; Direito do Meio Ambiente. Para Milaré (2001), Direito Ambiental é o
“complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente,
possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e
futuras gerações”.
regulamenta a Terra Indígena e outra que trata da questão agrária no Brasil, o conflito
estudado adquire um caráter mais complexo e instigante daí o interesse pelo tema.
No que tange à metodologia aplicada, a pesquisa proposta é ao mesmo tempo um
trabalho de investigação bibliográfica, no tocante à análise do direito ambiental e da
legislação ambiental brasileira a respeito das APA’s (a sua origem e evolução, suas
características, suas debilidades, etc.), e de estudo de caso no que se refere à análise dos
conflitos sócio-ambientais surgidos a partir de interesses divergentes em torno da prática da
carcinicultura realizada na APA da Barra do Rio Mamanguape.
Com base no exposto entende-se que o “conflito sócio-ambiental” é aquele que envolve
disputas de natureza socioeconômica e ambiental tais como as identificadas na APA da Barra
do Rio Mamanguape e exprime uma relação de tensão entre sociedade/natureza. Nessa
relação emerge um segundo elemento intrinsecamente relacionado ao de conflito: o território.
Embora reconhecendo que este estudo não vá esgotar todas as questões inerentes à
temática do conflito sócio-ambiental em sua dimensão jurídica entre o meio ambiente e a
carcinicultura em Áreas de Proteção Ambiental, ele se propõe tão somente dar visibilidade a
um problema que envolve tanto populações tradicionais quanto empresários, órgãos
governamentais e não governamentais. Conflitos que implicam no confronto entre
preservação ambiental, sobrevivência de algumas famílias e expectativa de lucro de
empresários, inclusive os próprios índios, e proprietários fundiários, no caso específico da
APA da Barra do Rio Mamanguape.
Além desta introdução, esta dissertação se compõe de três capítulos. O primeiro é
dedicado exclusivamente à revisão bibliográfica, pautada na apresentação das categorias que
constituem o eixo central da análise quais sejam: ambiente, território e conflito. Nele busca-se
não apenas contextualizar estas categorias analíticas, mas também inseri-las no quadro do
direito ambiental, da lógica espacial e da representação social.
O segundo capítulo atém-se a caracterização dos aspectos naturais, sociais e jurídicos
da APA em questão e o processo de formação e ocupação deste espaço, com ênfase sobre o
desenvolvimento recente da atividade carcinicultora. No terceiro capítulo, encontra-se a
metodologia adotada e contempla-se a análise dos resultados através da descrição dos
conflitos identificados no interior da APA envolvendo a atividade de carcinicultura e o meio
ambiente Por fim, no quinto capítulo apresentam-se as considerações finais da dissertação.
2 FUDAMETAÇÃO TEÓRICA
Este capítulo aborda as três categorias de análise que constituem o eixo central de
suporte do estudo: ambiente, território e conflito. A discussão sobre a questão ambiental é
realizada levando-se em conta os princípios do direito ambiental e a legislação brasileira sobre
a proteção e preservação do meio ambiente. A análise levada a termo sobre território parte do
resgate conceitual realizado pelas ciências naturais ainda no século XVII, até a discussão atual
nas ciências sociais para chegar ao significado de território étnico. A contextualização
conceitual sobre conflito é realizada buscando dar suporte à análise dos conflitos na APA da
Barra do Rio Mamanguape em torno da carcinicultura. Assim, partindo-se da discussão geral
sobre conflito, aborda-se a concepção de conflito sócio-ambiental.
2.1 O MEIO AMBIENTE
A expressão “meio ambiente”, segundo Édis Milaré (2001), foi utilizada pela primeira
vez em 1835 por Geoffroy de Saint Hilaire, naturalista francês, em sua obra Études
progressives d’un naturaliste. Desde então ela vem sendo utilizada com freqüência por
pesquisadores, doutrinadores, aplicadores do direito, dentre outros.
Apesar de amplamente utilizada, não há, entre os especialistas, consenso acerca do
significado dessa expressão. “Trata-se de uma noção ‘camaleão’, que exprime, queiramos ou
não, as paixões, as expectativas e as incompreensões daqueles que dela cuidam” (MILARÉ,
2001: p. 63).
Outra observação que é feita é a de que meio e ambiente são sinônimos, o que implica
dizer ser o termo ‘meio ambiente’ um pleonasmo, onde não seria necessária a palavra ‘meio’
para complementar ‘ambiente’. Seguindo este entendimento temos Machado (2000), Mukai
(2005), Fiorillo (2005), dentre outros.
Segundo Fiorillo, “costuma-se criticar tal termo, porque pleonástico, redundante, em
razão de ambiente já trazer em seu conteúdo a idéia de ‘âmbito que circunda’, sendo
desnecessária a complementação pela palavra meio” (2005: p.19).
Para Mukai, por meio ambiente entende-se “a interação de elementos naturais,
artificiais e culturais que propiciam o desenvolvimento equilibrado da vida do homem” (2005:
p. 03). Nebel define meio ambiente como sendo “a combinação de todas as coisas e fatores
externos ao indivíduo ou população de indivíduos” (1990: p.576). Observa-se, assim, uma
visão antropocentrista do autor Toshio Mukai e uma ausência do homem na definição de
Nebel.
Apesar de a Constituição Federal brasileira não trazer em seu bojo uma conceituação
do que seja meio ambiente, a Lei 6938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente,
assim o fez, ao prescrever, em seu artigo 3º, inciso I, que meio ambiente é “o conjunto de
condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
A legislação ambiental de Portugal, Lei nº 11/87, de 07 de abril, também conceitua
ambiente, prescrevendo em seu artigo 5º, inciso 2, alínea a, que
Ambiente é o conjunto dos sistemas físicos, químicos, biológicos e suas
relações e dos fatores econômicos, sociais e culturais com efeito direto ou
indireto, mediato ou imediato, sobre os seres vivos e a qualidade de vida dos
homens (PORTUGAL, 1987).
Milaré entende que,
tanto a Lei 6938/81 quanto a Lei Maior omitem-se sobre a consideração
essencial de que o ser humano, considerado como indivíduo ou como
coletividade, é parte integrante do mundo natural e, por conseguinte, do
meio ambiente. Esta omissão pode levar facilmente à idéia de que o
ambiente é algo extrínseco e exterior à sociedade humana, confundindo-o,
então, com seus componentes físicos bióticos e abióticos, ou com recursos
naturais e ecossistemas. É de observar que este equívoco passou para as
Constituições Estaduais e, posteriormente, para as Leis Orgânicas de grande
parte dos Municípios (2005: p. 67).
Todavia, entendemos que, ao contrário do que alega o autor supramencionado, o ser
humano foi, sim, incluído na conceituação de meio ambiente trazida pela Lei de Política
Nacional do Meio Ambiente, uma vez que o homo sapiens sapiens representa uma forma de
vida que sofre influências e interações de ordem física, química e biológica.
A atenção para os problemas relacionados com o meio ambiente no âmbito
internacional tomou corpo a partir de um evento histórico, que foi a Conferência das Nações
Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo, na Suécia, em 1972. Este
pode ser considerado como o primeiro momento de tomada de consciência mundial, da
fragilidade dos ecossistemas que sustentam a vida no planeta bem como da necessidade de se
realizar esforços para melhorar a qualidade da vida humana. Duas grandes preocupações
afloraram nesta Conferência: a proteção às espécies ameaçadas (animais e vegetais) e a
utilização de forma racional dos recursos naturais não renováveis.
Ainda em 1972, como um dos resultados da mencionada conferência, a ONU criou o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA, com sede em Nairobi.
Passados mais de 10 anos da realização da Conferência de Estocolmo, só em 1985, é
que a América Latina se mobilizará em torno da questão ambiental e realizará em Bogotá o I
Seminário sobre Universidade e Meio Ambiente para América Latina e Caribe, numa
promoção do PNUMA.
Em 1987, foi constituída a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento – CMAD, responsável pela elaboração do relatório de Brundtland,
mundialmente conhecido por dar relevo a questão ambiental e ao desenvolvimento
sustentável.
No Brasil, observa-se uma mudança de consciência em relação à preocupação com a
proteção do meio ambiente, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, primeira Constituição brasileira a trazer em seu bojo um capítulo dedicado à natureza,
em seu artigo 225, caput,da CF/88, que prescreve:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações.
Além desse capítulo específico, outros dispositivos constitucionais também fazem
menção ao meio ambiente, bem como às terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Podemos citar, por exemplo, os artigos 20 e 23 da CF/88 abaixo relacionados.
Art.20 – São bens da União:
(...)
II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das
fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à
preservação ambiental, definidas em lei;
(...)
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Art. 23 É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios:
(...)
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas
formas;
VII – preservar as florestas, a fauna e a flora.
Os dispositivos legais, acima transcritos, fazem uma associação entre o direito ao
ambiente equilibrado e a qualidade de vida além de anunciar as responsabilidades da
sociedade e do Estado em relação à natureza. Todavia, é necessário que fique claro não serem
estes dispositivos legais os primeiros a tratar do assunto, pois normas infraconstitucionais
anteriores a CF/88 já existiam, como é o caso da Lei nº. 6902/81, que dispõe sobre a criação
de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e da Resolução Conama nº001, de 23
de outubro de 1986.
O artigo 8º da Lei 6.902/81, ao determinar que o Poder Executivo poderá criar Áreas
de Proteção Ambiental motivando seu ato no relevante interesse público, e o artigo 2º da
Resolução Conama nº 001, estão, acima de tudo, cumprindo o que versa o princípio da
prevenção, que será analisado mais adiante
Art.8º - O Poder Executivo, quando houver relevante interesse público,
poderá declarar determinadas áreas do Território Nacional como de interesse
para a proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações
humanas e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais. (BRASIL,
1981)
Art. 2º - Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e
respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à
aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo,
o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente (...).
(BRASIL, 1986)
Porém, só a partir da realização da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento realizada em junho de 1992 no Rio de Janeiro, em conjunto com a ECO-92,
da qual participaram mais de 35 mil pessoas, é que o Brasil irá incorporar de modo mais
significativo a preocupação com as questões de conservação-preservação do meio ambiente. É
no bojo dessa tomada de consciência que o direito ambiental adquire maior relevo em nível
nacional, tornando-se um elemento de fundamental importância na mitigação e solução dos
conflitos emergentes.
2.1.1 Princípios orteadores do Direito Ambiental
O Direito Ambiental existe a muito mais tempo do que alguns possam imaginar. Já se
observava a existência de relações jurídicas ambientais entre as mais antigas civilizações,
como, por exemplo, na dinastia Chow (1122 AC – 255 AC) quando da recomendação
imperial para conservação de florestas. Outro exemplo, mais recente, é o da floresta de
Bialowieza, na Polônia, a mais antiga reserva de fauna existente, datando de 1921 a sua
criação. No Brasil, as primeiras leis de proteção ambiental foram trazidas, importadas, de
Portugal, onde, conforme a Ordenação de 9 de novembro de 1326, havia expressa proteção às
aves e equiparava seu furto a qualquer outra espécie de crime (MAGALHÃES, 2002).
Antes de darmos início ao estudo dos princípios norteadores do Direito Ambiental,
faz-se necessário uma breve explanação acerca do vocábulo princípio, ou seja, do seu
conceito, bem como do conceito de Direito Ambiental. Consoante Paulo Affonso Leme
Machado, os princípios constituem-se em verdadeiros sustentáculos, alicerces, do Direito. É
graças à existência de princípios próprios que se pode afirmar ser o Direito Ambiental uma
disciplina autônoma. Afirma Fiorillo que:
Aludidos princípios constituem pedras basilares dos sistemas políticojurídicos dos Estados civilizados, sendo adotados internacionalmente como
fruto da necessidade de uma ecologia equilibrada e indicativos do caminho
adequado para a proteção ambiental, em conformidade com a realidade
social e os valores culturais de cada Estado (2005: p.26)
Milaré define Direito Ambiental como um “complexo de princípios e normas
reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do
ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as presentes e futuras
gerações” (MILARÉ, 2000; 109). Entendemos ser os princípios supracitados assaz suficientes
para fundamentar normas jurídicas que tenham como objeto o meio ambiente.
No que diz respeito ao Direito Ambiental, há alguns princípios gerais a serem seguidos
e respeitados, são eles: princípio do desenvolvimento sustentável; princípio do acesso
eqüitativo aos recursos naturais; princípio usuário-pagador; princípio poluidor-pagador;
princípio da prevenção; princípio da reparação. Vale salientar que cada autor utiliza uma
classificação distinta para os princípios que regem o Direito Ambiental, dificilmente se
achando uma homogeneidade nas nomenclaturas utilizadas.
Uma abordagem analítica dos princípios será feita, em seguida, com base nos autores
Paulo Affonso Leme Machado, Edis Milaré, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, Katheline
Schubert, Guilherme Cano, Fabio José Feldmann, Gerd Winter, Hely Lopes Meirelles, dentre
outros, e da legislação constitucional e infra-constitucional. Também será abordada a
legislação internacional como forma de melhor contextualizar o uso desses princípios.
2.1.1.1 Princípio do desenvolvimento sustentável
Este princípio é também denominado de princípio da precaução, já conhecido e
comentado desde a década de 70 no Direito Alemão2. Por ele, entende-se que os recursos
naturais não são infinitos, muito pelo contrário, logo, precisam ser utilizados de forma a não
prejudicar as presentes e futuras gerações. Pode-se dizer que esse princípio tem seus
fundamentos enraizados no Princípio 5 da Declaração de Estocolmo de 1972, que prescreve:
Os recursos não renováveis do Globo devem ser explorados de tal modo que
não haja risco de serem exauridos e que as vantagens extraídas de sua
utilização sejam partilhadas a toda a humanidade. (grifo nosso)
Constata-se, com esse princípio, que sendo os recursos naturais esgotáveis, deve-se
evitar utilizá-los de forma irresponsável, tendo por escopo o desenvolvimento econômico.
Pretende-se afirmar que tais recursos devem ser protegidos, resguardados, permitindo-se,
2
Eckard Rehbinder, professor da Universidade de Frankfurt, é um dos estudiosos do Direito Ambiental que
defende a idéia de que a poluição deva ser combatida desde o início, ou seja, que o simples risco de se
contaminar o meio ambiente seja evitado. Entende, ainda, que o recurso natural pode ser desfrutado, mas com
base em um rendimento duradouro.
apenas quando observado todos os requisitos necessários, como as licenças ambientais, por
exemplo, sua utilização com fulcro no crescimento econômico. Busca-se, na verdade,
compatibilizar o desenvolvimento com a necessidade da proteção ambiental para não
comprometer a disponibilidade de recursos naturais para as gerações futuras, inclusive a
continuidade de determinadas atividades produtivas (ex.: usinas de cimento que poluem o ar
com a fumaça que sai de suas chaminés3).
No que tange à legislação que dá respaldo ao princípio ora em estudo, podemos citar o
artigo 225, caput, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), já transcrito anteriormente, bem
como o artigo 170, inciso VI da CF/88 e dispositivo legal da Convenção para Proteção e
Utilização dos Cursos de Água Transfonteiriços e dos Lagos Internacionais, de Helsinque,
1992, e o Princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro de 1992, abaixo transcritos.
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
VI – defesa do meio ambiente. (CF/88)
Art. 2º, 5, c. Os recursos hídricos são gerados de modo a responder às
necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade das gerações
futuras de satisfazer suas próprias necessidades (Convenção para Proteção e
Utilização dos Cursos de Água Transfronteiriços e dos Lagos Internacionais,
de Helsinque, 1992)
Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o
desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva
em harmonia com a natureza. (Princípio 1, Declaração do Rio de Janeiro,
1992)
Assim sendo, a legislação não busca impedir o crescimento econômico em prol da
conservação do meio ambiente, mas estabelecer um meio termo entre o desenvolvimento
econômico de determinada sociedade ou país, e a proteção e conservação dos meios
necessários ao desenvolvimento. Trata-se de ordenar o crescimento econômico de forma a
permitir o usufruto dos recursos ambientais sem esgotá-los ou deixá-los inócuos às gerações
futuras. Conforme Fiorillo:
3
A usina de cimento Cimepar, localizada no município de João Pessoa, devido a poluição que provocava em
decorrência da ausência de filtros nas chaminés de sua usina, e do movimento liderado por D. José Maria Pires,
arcebispo do Estado da Paraíba à época, para a melhoria do meio ambiente que estava sendo prejudicado pelas
fuligens do processo de produção do cimento na mesma, adotou a utilização dos filtros necessários a
minimização da poluição. Atualmente é ela a terceira maior produtora de cimento no país, obtendo recentemente
o padrão ambiental ISO 14000.
Busca-se, na verdade, a coexistência de ambos sem que a ordem econômica
inviabilize um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sem que este
obste o desenvolvimento econômico. (2005: p. 28)
Segundo Katheline Schubert, professora de Economia da Universidade de Paris 1
Panthéon-Sorbonne, França, o princípio da precaução deveria estar proximamente dotado na
França de um valor constitucional pela lei referente à carta do meio-ambiente. O projeto da
carta, apresentada pelo Governo Francês ao Conselho de Ministros em 25 de junho de 2003,
estipula de fato, em seu artigo 5º, que,
desde que a realização de um dano, ainda que incerto no estado dos
conhecimentos científicos, possa afetar de maneira grave e irreversível o
meio-ambiente, as autoridades públicas velam, pela aplicação do princípio
da precaução, pela adoção de medidas de provisórias e proporcionadas a fim
de evitar a realização do dano como também a execução de procedimentos
de avaliação dos riscos causados.4 (tradução da autora)
Esse valor constitucional presente na França não fica a ela adstrito, pois a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, por exemplo, também prevê, como foi visto
anteriormente quando da citação do artigo 170 desta Constituição, a presença do mesmo em
seu texto. Apesar de não se apresentar de forma expressa, diferentemente da Constituição
Francesa, o princípio ora em estudo encontra-se sim na CRFB/88, mas de forma implícita ao
prever o princípio da defesa do meio ambiente.
2.1.1.2 Princípio do acesso eqüitativo aos recursos naturais.
Os recursos encontrados no meio ambiente tanto podem estar acessíveis ao homem de
forma gratuita, como de forma onerosa. Todavia, quando o recurso natural é utilizado e
colocado à disposição da sociedade, ele não pode possuir um valor que o torne inacessível à
população, pois, assim, não se estaria observando ou cumprindo, o princípio do acesso
eqüitativo aos recursos naturais.
4
Le principe de précaution (PP) devrait être prochainement doté en France d’une valeur constitutionnelle par la
loi relative à la Charte de l’environnement. Le projet de charte, présenté par le gouvernement au Conseil des
ministres le 25 juin 2003, stipule en effet, dans son article 5, que, « lorsque la réalisation d’un dommage, bien
qu’incertaine en l’état des connaissances scientifiques, pourrait affecter de manière grave et irréversible
l’environnement, les autorités publiques veillent, par application du principe de précaution, à l’adoption de
mesures provisoires et proportionnées afin d’éviter la réalisation du dommage ainsi qu’à la mise en œuvre de
procédures d’évaluation des risques encourus ».
Por este princípio entende-se que todos têm direito de fruir dos produtos/serviços que
são oferecidos à sociedade a partir da exploração dos recursos naturais. Ou seja, não se
poderia cobrar um valor excessivamente elevado pela água consumida, pois grande parte da
população brasileira de baixa renda vive em situações precárias, o que impossibilitaria o
acesso à água pelos mesmos. E ela, dentre outros recursos, é essencial à própria existência da
humanidade.
Dentre os dispositivos legais que fazem menção a este princípio pode-se citar, dentre
outros, o Princípio 3 da Declaração da Rio/92, que prescreve que “o direito ao
desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente
as necessidades das gerações presentes e futuras”.
2.1.1.3 Princípio usuário-pagador.
Apesar dos princípios usuário-pagador e poluidor-pagador estarem diretamente
associados entre si, segue-se um estudo individualizado de cada um.
Nem todos os recursos naturais são economicamente apreciáveis, logo, não oneram o
seu usuário, como é o caso, por exemplo, do ar que se respira. Todavia, há determinados bens
que possuem valor econômico, e, em virtude dessa característica, oneram aqueles que os
consomem.
Ao utilizar recursos naturais que sejam considerados como bens econômicos, aqueles
que deles fizerem uso deverão, via de regra, realizar um pagamento pelos mesmos. Esse
pagamento pode ser inclusive, uma taxa ou até mesmo uma tarifa, a depender da situação em
concreto.
O que leva a onerar o usuário de determinado recurso não renovável pode ser, dentre
outros elementos, a raridade do mesmo; o fato de sua utilização implicar na poluição do
recurso natural; a prevenção de catástrofes; dentre outros. Vê-se, assim, que vários são os
motivos que levam o usuário a respeitar, cumprir, o princípio denominado usuário-pagador.
Outro elemento interessante, que não se pode deixar de trazer a baila, é o fato de não
se poder excluir a população menos provida financeiramente da fruição de determinados
produtos que tenham como base, ou que sejam em sua totalidade, um recurso natural, isso em
decorrência do princípio anteriormente visto, ou seja, devido ao direito que a própria Lei
assegura. A energia elétrica, por exemplo, não pode ser fornecida apenas àqueles que
possuem condições financeiras de pagar por ela, eis aí o que ocorre com o projeto Luz Para
Todos, do governo federal. Igualmente, não se pode imaginar que a população mais carente
fique sem acesso a um dos maiores bens naturais necessários à sobrevivência humana, ou
seja, a água.
A Lei brasileira que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e
mecanismos de formulação e aplicação - Lei nº 6.938/81 -, fundamenta o princípio usuáriopagador, em seu artigo 4º, inciso VII, onde prescreve que:
Art. 4. A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
(...)
VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou
indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de
recursos ambientais com fins econômicos. (grifo nosso)
O objetivo principal do princípio do usuário-pagador é, na verdade, proteger o meio
ambiente, fazendo com que aquele que utiliza do recurso oriundo dele suporte o ônus
necessário que torna possível a utilização do recurso e os custos advindos de sua própria
utilização.
Este princípio tem por objetivo fazer com que estes custos não sejam
suportados nem pelos Poderes Públicos, nem por terceiros, mas pelo
utilizador. De outro lado, o princípio não justifica a imposição de taxas que
tenham por efeito aumentar o preço do recurso ao ponto de ultrapassar seu
custo real, após levarem-se em conta as externalidades e a raridade (SMETS,
1998).
Um trecho extraído da obra de Guilhermo Cano, que trata do assunto em epígrafe, diz:
Quem causa a deterioração paga os custos exigidos para prevenir ou corrigir.
É óbvio que quem assim é onerado redistribuirá esses custos entre os
compradores de seus produtos (se é uma indústria, onerando-a nos preços),
ou os usuários de seus serviços (por exemplo, uma Municipalidade, em
relação a seus serviços de rede de esgotos, aumentando suas tarifas). A
eqüidade dessa alternativa reside em que não pagam aqueles que não
contribuíram para a deterioração ou não se beneficiaram dessa deterioração.
(1983; 191)
2.1.1.4 Princípio poluidor-pagador.
Este princípio traz, implicitamente, dois âmbitos de atuação, um deles é o de
prevenção e o outro é de repressão. Ele tem por objetivo evitar a ocorrência do dano ao meio
ambiente, embora este já tenha ocorrido, de modo que aquele que poluiu arcará com o ônus
das conseqüências. Ou seja, o princípio poluidor-pagador será utilizado para fundamentar a
atuação repressiva do Estado em relação àquele que poluiu ou causou danos a determinado
recurso natural.
Num primeiro momento, a legislação visa evitar a poluição do meio ambiente,
favorecendo o uso das técnicas necessárias para tanto, como, por exemplo, a utilização de
filtros nas chaminés das indústrias, que podem reduzir consideravelmente as emissões de
gases poluentes na atmosfera.
Outra forma de aplicação desse princípio, no caso do dano já ter ocorrido, é a
determinação de que aquele que poluiu o ambiente venha a arcar financeiramente com os
danos causados, embora nem sempre a punição seja apenas financeira. Um caso que pode
exemplificar o princípio do poluidor-pagador, e este foi bem divulgado pela mídia, ocorreu
quando da perfuração de 101 poços na Bacia de Campos, pela Petrobrás, sem que possuísse a
devida autorização emitida pelo Ibama. Neste último caso, observou-se a aplicação de multa
no valor de R$ 213,2 milhões à Petrobrás5.
A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, em seu art. 225,
parágrafo 3º, que:
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e
administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos
causados.
5
Kelly Lima, em 13/2/2006, no jornal ‘O Estado de S. Paulo’.
Assim sendo, temos a previsão constitucional do princípio aludido, bem como da
previsão da responsabilidade civil, que não é excluída quando da apreciação do
descumprimento legal cometido pelo poluidor. Contudo, há situações nas quais os danos são
irreparáveis. Nesses casos, mesmo que haja a sanção penal e/ou administrativa, o ambiente
não mais se recuperará. Desta forma, pode-se afirmar que nem sempre esse princípio gerará
os efeitos necessários para proteger o meio ambiente.
Com o passar dos anos, observou-se que a teoria da responsabilidade subjetiva do
Estado, na qual cabia ao lesado o ônus da prova, era, pode-se dizer, inócua, em virtude de ser
o lesado a parte hipossuficiente da relação. Em outras palavras, dificilmente conseguia-se
provar a culpa (dolo e culpa stricto sensu) da Adminstração Pública. Assim sendo, passou-se
a adotar a teoria da responsabilidade civil objetiva do Estado, cabendo não mais ao lesado o
ônus da prova, mas sim ao Estado.
Desta forma, pode-se afirmar, seguindo o entendimento de Rosa Maria Barreto Brrielo
de Andrade Nery, citada na obra de Fiorillo (2005), que são considerados legitimados
passivos aqueles que, de alguma forma, tenham causado o dano ambiental, sendo a
responsabilidade arcada por eles denominada solidária, conforme prevê o artigo 927 do
Código Civil brasileiro.
Todo aquele que vier a causar um dano ao meio ambiente é responsável pelo dano.
Talvez seja difícil imaginar como o consumidor de camarão proveniente de viveiros, que não
atendam as normas de proteção ambiental como previsto em lei, pode ser responsável pelos
danos causados por essa atividade econômica. Contudo, basta raciocinar no sentido de que se
se está consumindo um produto de fonte ilegal, se está influenciando na continuidade da
atividade, sem que seja ela legalizada.
Apesar de, por vezes, confundir-se o objetivo principal do princípio, ora em estudo,
com o vulgo ditado “poluo, mas pago”, o que se pretende, na verdade, é evitar a poluição e a
degradação ambiental, através da tentativa de conscientização da população da fragilidade
desses recursos não renováveis.
2.1.1.5 Princípio da prevenção.
Para que se evite um dano ao meio ambiente é necessário que antes se saiba quais são
os possíveis danos ou riscos que determinado empreendimento pode acarretar, pois só a partir
desses dados é que se poderá de fato prevenir tais ocorrências danosas.
Como o próprio vocábulo já diz, por esse princípio entende-se o fato de se prevenir,
antes do dano ocorrer. Entende Edis Milaré que “prevenção é mais ampla do que precaução e
que, por seu turno, precaução é atitude ou medida antecipatória voltada preferencialmente
para casos concretos.” (2001: p. 118).
Esse princípio parece-nos, talvez, um dos mais importantes dentre os elencados até
então, pois é preciso prevenir o dano, antes que uma vez causado torne-se irreparável. Não se
pode afirmar que o dano será reparado através de multa aplicada por órgão competente, ou,
ainda, que o mesmo venha a ser “pago” através de uma ação não reparadora como por
exemplo, com o asfaltamento de determinada rua, que não repara o dano causado. Considerese, por exemplo, como se poderia reparar o dano, no qual uma determinada espécie animal
tornou-se extinta. Simplesmente não há como repará-lo, mas pode-se utilizar de mecanismos,
sejam eles jurídicos, administrativos, dentre outros, para evitar que tal prejuízo irreparável
ocorra. É nesse sentido que Fabio José Feldmann diz:
(...) não podem a humanidade e o próprio Direito contentar-se em reparar e
reprimir o dano ambiental. A degradação ambiental, como regra, é
irreparável. Como reparar o desaparecimento de uma espécie? Como trazer
de volta uma floresta de séculos que sucumbiu sob a violência do corte raso?
Como purificar um lençol freático contaminado por agrotóxicos? (1992: p.
5)
Como forma de demonstrar a importância do princípio da prevenção, o artigo 225,
caput, da Constituição Federal de 1988, já transcrito no corpo deste trabalho, determina que
ao Poder Público e à coletividade competem a obrigação de preservar o meio ambiente. A
aplicação de tal dispositivo pode ser vista quando da criação de Áreas de Proteção Ambiental,
sejam elas federais, estaduais ou municipais.
Em nível estadual, encontra-se, no artigo 227 da Constituição do Estado da Paraíba, a
competência do Estado da Paraíba no que tange à proteção do meio ambiente, trazendo em
seu parágrafo único as determinações legais às quais o Estado deverá submeter-se.
Art.227 – O meio ambiente é do uso comum do povo e essencial à qualidade
de vida, sendo dever do Estado defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações. (PARAÍBA, 1989)
Antes de passarmos ao princípio seguinte, façamos um breve parêntese para distinguir
“risco” de “perigo”, vocábulos semelhantes, mas não idênticos no significado. Gerd Winter é
um dos autores que traz à baila tal distinção, afirmando que “se os perigos são geralmente
proibidos, o mesmo não acontece com os riscos. Os riscos não podem ser excluídos, porque
sempre permanece a probabilidade de um dano menor. Os riscos podem ser minimizados”
(1996: p. 41).
2.1.1.6 Princípio da reparação.
Por esse princípio entende-se que todo dano que vier a ser ocasionado deverá ser
reparado por quem o causou, ou, até mesmo, por quem indiretamente contribuiu com o dano.
A título de dispositivo legal temos o Princípio 13 da Declaração do Rio de Janeiro/92,
que prescreve:
Os Estados deverão desenvolver legislação nacional relativa à
responsabilidade e à indenização das vítimas da poluição e outros danos
ambientais. Os Estados deverão cooperar da mesma forma, de maneira
rápida e mais decidida, na elaboração das novas normas internacionais sobre
responsabilidade e indenização por efeitos adversos advindos dos danos
ambientais causados por atividades realizadas dentro de sua jurisdição ou
sob seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição. (grifo nosso)
Abramos um pequeno espaço para comentar a responsabilidade civil do Estado. A
teoria adotada pela legislação brasileira a partir da Constituição de 1946 é a da
responsabilidade civil objetiva (MEIRELLES, 2004), ou seja, quem exerce uma atividade que
venha a lesionar o meio ambiente, deve assumir os riscos da mesma, independentemente de
culpa. Todavia, ensina Silvio Rodrigues que, no direito brasileiro, a teoria da responsabilidade
sem culpa foi ganhando espaço primeiramente em casos específicos, como ocorria no Código
das Estradas de Ferro que é o mais antigo, a Lei dos Acidentes de Trabalho de 1934 e o
Código Brasileiro do Ar de 1966 (SILVA, 2003: p. 6). Vale salientar, ainda, que nem sempre
isso ocorreu, pois, a princípio, o que vigorava era a teoria da irresponsabilidade (MELLO,
2000), onde, no âmbito do Poder Público, o Estado não agia de forma irresponsável,
utilizando-se da expressão “the king do no wrong”6. Contudo, essa teoria foi suplantada, em
parte, pela teoria da responsabilidade subjetiva, cabendo ao lesado provar que o Estado, ou,
no caso, o empreendedor, agiu com culpa, caso contrário não caberia mencionar a
responsabilidade civil.
2.2 TERRITÓRIO
O contato coloca um grupo indígena diante de lógicas espaciais diferentes da
sua e que passam a ser expressas também em termos territoriais. As diversas
formas de regulamentar a questão territorial indígena pelos Estados
Nacionais não pode ser vista apenas do ângulo do reconhecimento do direito
à “terra”, mas como tentativa de solução desse confronto (GALLOIS, 2004:
p.37)
A noção de território, como elemento do Estado, segundo Dallari (1995), aparece com
o “Estado Moderno, embora, à semelhança do que ocorreu com a soberania, isso não queira
dizer que os Estados anteriores não tivessem território” (p.73).
Dallari ainda ressalta que:
Na cidade-Estado, limitada a um centro urbano e a uma zona rural
circunvizinha, não havendo ensejo para conflitos de fronteiras, não chegou a
surgir a necessidade de uma clara delimitação territorial. Além disso, o tipo
de relacionamento entre a autoridade pública e os particulares não tornava
imperativa a definição da ordem mais eficaz num determinado local. Durante
a Idade Média, com a multiplicação dos conflitos entre ordens e autoridades,
tornou-se indispensável essa definição, e ela foi conseguida através de duas
noções: a de soberania, que indicava o poder mais alto, e a de território, que
indicava onde esse poder seria efetivamente o mais alto. De fato, o
Imperador também tivera a pretensão da supremacia. Entretanto, a
indefinição territorial, decorrente da vocação permanente expansionista do
Império, foi uma das causas de se ter mantido sua autoridade apenas
nominal, sem jamais conseguir concretizar-se. (1995: p. 73)
6
O que significa, “o rei não erra”.
Tem-se, ainda, que a conceituação de território foi formulada no século XVII pelas
ciências naturais, a Botânica e a Zoologia, para designar a área de influência e de predomínio
de um determinado grupo de espécie animal ou vegetal. Todavia, para Jean Gottmann (1973),
a idéia de território é anterior, já se encontrando presente em debates levados a efeito no
século XV, sobre questões políticas próprias daquele momento histórico tais como a
dominação de uma determinada área a exemplo do verificado nas cidades-estados gregas e em
cidades romanas e italianas medievais (SAQUET, 2007).
No século XVI, a noção de território aparece atrelada às concepções de soberania, de
dominação e de exploração, influenciada pelo descobrimento e ocupação do chamado Novo
Mundo. Desse modo, segundo Saquet, o território “é experimentado para além do habitat do
homem, como receptáculo de suas atividades econômicas, principalmente, no decorrer dos
séculos XVII e XVIII” (2007: p. 28).
Saquet destaca a importância da obra “O Príncipe” de Machiavel, pela sua
contribuição para o rompimento “com a tradição cristalizada até o Renascimento, da ordem de
ligação do poder com a força e a vontade divina”. Para Machiavel, o território é entendido
como “uma área controlada e fortificada que deve ser defendida e mantida sob domínio. O
poder é exercido, na apropriação e dominação” (SAQUET, 2007: p. 28).
Na Geografia, coube a Friedrich Ratzel, no final do século XIX, a primeira
sistematização do conceito de território. Para ele, o território representa não só as condições
de trabalho e de existência de um povo como também um dos elementos fundamentais da
formação e da garantia de existência do Estado. Ele coloca no centro de suas análises a
necessidade de domínio territorial pelo Estado e estabelece que as possibilidades de progresso
ou a inviabilização de uma dada sociedade dependem dos limites e das potencialidades
impostos pelas condições naturais. Desse modo, o território é para Ratzel, um “espaço vital”
que tem como referência básica a relação entre sociedade e recursos disponíveis (RATZEL,
apud CAPEL, 1981).
De acordo com Saquet (2007), apesar de Ratzel ter tentado avançar na abordagem do
homem (povo), ligado ao solo/ambiente, sinalizando para além da geopolítica através de
elementos da cultura (religião) e da economia (comércio), em virtude de sua proposta
metodológica de caráter institucional e burguês, ele não conseguiu abarcar essas três
dimensões ao tratar de território.
Por isso faz uma abordagem a serviço do Estado alemão de sua época, sem
superar a visão naturalista de território, herdada de ciências como a biologia
(...). Compreende o território como uma parcela do espaço, delimitada, com
ou sem a presença do homem; com ou sem modificações provocadas pelos
povos e com ou sem a presença e domínio do Estado (...) (SAQUET, 2007:
p. 31-32).
Negligenciada durante muito tempo, a questão do território emerge na atualidade de
forma vigorosa, na esteira das mudanças econômicas, sociais e políticas que se processam em
nível global. A discussão, porém, tem se pautado por uma falta de consenso sobre o seu
significado, resultando numa multiplicidade de enfoques e conceitos.
No contexto da emergência mais recente da abordagem territorial distingue-se a
contribuição de Foucalt, Magnaghi, Léfèbvre, Raffestin, Haesbaert, Moreira e Targino entre
outros.
A contribuição de Foucault (1985) para a compreensão de território consiste na sua
concepção de poder que vai além do entendimento de Machiavel e de Ratzel. Para ele a noção
de poder implica:
no estabelecimento de relações sociais conflituosas e heterogêneas (...)
relações de forças que extrapolam a atuação do Estado e envolvem e estão
envolvidas em outros processos da vida cotidiana, como a família, as
universidades, a igreja, o lugar de trabalho, etc. (...) O território nesta
multidimensionalidade do mundo, assume diversos significados, a partir de
territorialidades plurais, complexas e em unidade (FOUCAULT apud
SAQUET, 2007: p. 32).
Da mesma forma que Foucault, Magnaghi entende as relações de poder e a
apropriação territorial como multiformes,
inclusive, materializando-se no movimento de organização social, por
exemplo, de operários: há uma apropriação política do território através do
uso do espaço, da migração de trabalhadores e da estrutura territorial. A
apropriação política ocorre institucionalmente, por meio do Estado, e nos
meios sociais, como comportamento coletivo de resistência organizado
territorialmente (MAGNAGHI apud SAQUET, 2007: p. 32).
Raffestin distingue “territórios concretos” de “territórios abstratos” ao diferenciar
espaço de território. O espaço seria “a realidade material preexistente” e o território o produto
de uma ação social de apropriação do espaço que se dá tanto de forma concreta como abstrata
(RAFFESTIN, 1993). Como tal, “se inscreve sempre num campo de poder não apenas no
sentido de apropriação física, material (através das fronteiras jurídico-políticas, por exemplo),
mas também imaterial, simbólica” (HAESBAERT, 1997: p. 40).
Lefèbvre (1986) distingue espaços dominados de espaços apropriados e considera
que a apropriação e a dominação embora devessem aparecer juntas, a história (a da
acumulação) é também a história da sua separação, da sua contradição.
Para Oliveira, o território é concebido como:
síntese contraditória, como totalidade concreta do processo/modo de
produção/distribuição/circulação/consumo e suas articulações e mediações
supraestruturais (políticas, ideológicas, simbólicas etc.) em que o Estado
desempenha a função de regulação (OLIVEIRA, 2002: p. 74).
Haesbaert prioriza a identidade espacial como produto de uma apropriação da
dimensão simbólica e mais subjetiva do espaço (1997: p. 40).
Moreira e Targino fazem menção a um “Território de Esperança”. Trata-se segundo os
mesmos, daquele conquistado e construído pela luta dos trabalhadores (indígenas ou não)
através de estratégias diversas e simboliza uma ruptura com o sistema hegemônico. Segundo
os mencionados autores, o que eles denominam de Território de Esperança seria,
(...) um território novo, construído com base na utopia e na esperança.
“Território de Esperança”, “Território de Solidariedade” e também,
parafraseando Félix Guattari, “Território de Desejo”, carregado de
contradições, mas também de sinalizações de uma forma experienciada de
organização social diferente daquela marcada pela subordinação, pela
dominação, pela bestialidade da exploração. Desse modo, “Território de
Esperança” representa a superação do “Território de Exploração”
(MOREIRA e TARGINO, 2007: p.35).
Pode-se afirmar que na APA da Barra do Rio Mamanguape, mais precisamente nas
Terras Indígenas, desenvolveu-se e desenvolve-se uma luta pela construção de um “território
de esperança”, marcado por uma organização social diferenciada. Esta vem sendo construída
fundamentalmente com base num trabalho das comunidades em torno da luta pela garantia da
demarcação das terras indígenas7 e da extrusão de pessoas que haviam se apropriado das
mesmas, e em torno do desenvolvimento de atividades produtivas e sociais como forma de se
opor a forte dominação capitalista na área, efetivada através da exploração da cana-de-açúcar.
Alguns estudiosos têm utilizado o conceito de território na identificação de espaços de
disputa pela construção de novas “territorialidades étnicas”. Nesta direção encontram-se os
estudos sobre territórios quilombolas, territórios indígenas, entre outros. Neles, o território
étnico se confunde com o território de luta de comunidades tradicionais pelo seu
reconhecimento, pela delimitação e legitimação de seu espaço ocupado, pela garantia de
poderem desenvolver atividades que garantam sua subsistência, pela preservação/restauração
dos seus hábitos e de sua cultura (MARQUES e RODRIGUES, 2007; MOREIRA, 2007;
ALMEIDA, 2001; MÜLLER, 2006).
2.2.1 Os territórios protegidos
No que tange à criação de áreas destinadas a proteção e preservação do meio
ambiente, em 1911, é criada a primeira reserva florestal do Brasil, através do Decreto nº.
8.843, de 26 de junho. A partir desse marco tem início a criação de outras reservas, bem como
de áreas de proteção ambiental, sendo a primeira criada em 1982, no Estado do Rio de
Janeiro, através do Decreto nº. 87.561, possuindo uma área de 59.049 hectares.
As Áreas de Proteção Ambiental8, no Brasil, modalidade de unidade de conservação9
(UC), tiveram sua criação autorizada a partir da publicação da Lei nº 6902, de 27 de abril de
1981, que estabelece:
7
Um dos resultados dessa luta foi exatamente a demarcação das Terras Indígenas de Monte Mor. O “Ministério
da Justiça, através da Portaria nº 2.135/07, publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 17 de dezembro de
2007, declarou a posse permanente do povo indígena potiguara à terra de Monte Mor (Jornal o Norte, terça, 08
de janeiro de 2008). Essa área reconhecida como Terra Indígena dos Potiguara de Monte Mor possui
aproximadamente 7.487 hectares.
8
“área extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou
culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas, e tem como
objetivo básico proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a
sustentabilidade do uso dos recursos naturais. É constituída por terras públicas e privadas” (BRASIL/MMA,
2005).
9
Nos termos da Lei nº 9985/2000, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), em seu
artigo 2º, inciso I, entende-se por Unidades de Conservação o “espaço territorial e seus recursos ambientais,
incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder
O Poder Executivo, quando houver relevante interesse público, poderá
declarar determinadas áreas do Território Nacional como de interesse para a
proteção ambiental, a fim de assegurar o bem-estar das populações humanas
e conservar ou melhorar as condições ecológicas locais (BRASIL, 1981: art.
8°).
Com base nessa Lei e devidamente regulamentadas pelos decretos que se seguiram,
existem, atualmente, 30 APA’s em todo o território brasileiro, na esfera federal (tabela 1).
Tabela 01 – Áreas de Proteção Ambiental (APA) Federal
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
Área de Proteção Ambiental
Petrópolis
Piaçabuçu
Bacia do Rio São Bartolomeu
Bacia do Rio Descoberto
Cairuçu
Quapi-Mirim
Jericoacoara
Cananéia-Iguape e Peruíbe
Serra da Mantiqueira
Guaraqueçaba
Fernando de Noronha
Igarapé Gelado
Cavernas do Peruaçu
Castre de Lagoa Santa
Morro da Pedreira
Serra de Tabatinga
Ibirapuitã
Anhatomirim
Barra do Rio Mamanguape
Delta do Parnaíba
Serra da Ibiapaba
Chapada do Araripe
Ilhas e Várzeas do Rio Paraná
Costa dos Corais
Meandros do Rio Araguaia
Baleia Franca
Nascentes do Rio Vermelho
Planalto Central
Bacia do Rio São João/Mico-LeãoDourado
Tapajós
UF
RJ
AL
DF
DF/GO
RJ
RJ
CE
SP
MG/SP/RJ
PR
PE
PA
MG
MG
MG
MA/TO
RS
SC
PB
PI/MA/CE
PI/CE
CE/PE/PI
PR/MS
AL/PE
GO/MT/TO
SC
GO
DF/GO
RJ
PA
Decreto
87.561
88.421
88.940
88.940
89.242
90.225
90.379
90.347
91.304
90.883
92.755
97.718
98.182
98.881
98.891
99.278
529
529
924
Data criação
13/09/82
21/06/83
07/11/83
07/11/83
27/12/83
25/09/84
20/10/84
23/10/84
03/06/85
31/10/85
05/06/86
05/05/89
26/09/89
25/01/90
26/01/90
06/06/90
20/05/92
20/05/92
10/09/93
28/08/96
26/11/96
04/09/97
30/09/97
23/10/97
02/10/98
14/09/2000
27/09/2001
10/01/2002
27/06/2002
Área (ha)
59.049
8.600
84.100
32.100
33.800
14.340
6.800
202.832
402.517
291.500
2.700
21.600
150.000
35.600
66.200
60.000
318.000
3.000
14.640
313.800
1.592.550
1.063.000
1.003.059
413.563
357.126
156.100
176.159
13/12/2006
780.769
150.700
Fonte: Ibama/MMA
Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se
aplicam garantias adequadas de proteção”.
Dentre as APA’s federais criadas, encontra-se a da Barra do Rio Mamanguape,
localizada no Estado da Paraíba. Ao analisar os objetivos que embasaram a criação dessa
APA, observa-se a aplicação, sobretudo, do princípio da prevenção, pois se trata de uma
região rica, no que tange à biodiversidade. É nela que se encontra o projeto Peixe-Boi, de
conservação dos mamíferos aquáticos, por exemplo, espécie ameaçada de extinção. Também
é uma área de manguezal, berçário e morada, dentre outras espécies, do caranguejo-uçá
(Ulcides cordatus), também ameaçado de extinção.
Com a criação de uma APA algumas restrições são impostas quanto à utilização dos
recursos naturais nela existentes. Na Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio
Mamanguape, objeto desse estudo, o Decreto 924/93 trouxe em seu texto dispositivos legais
que determinaram a restrição de determinadas atividades, como, por exemplo, o exercício de
atividades que possam vir a causar erosão ou assoreamento das coleções hídricas, bem como
as que resultem em despejo nos cursos d’água de qualquer efluentes, resíduos ou detritos, em
desacordo com as normas técnicas oficiais.
2.3 CONFLITO
A discussão sobre conflito, tanto no plano social, econômico, cultural, ambiental,
organizacional entre outros, é extensa, e não é pretensão deste estudo tomá-la como elemento
central, mas tão somente, a partir do resgate de algumas diferentes compreensões, chegar a
uma definição de conflito sócio-ambiental que exprima a realidade estudada. Ou indagar se o
conflito, conceito tão rico de sentidos, pode ser apreendido como categoria central de análise
da relação sociedade/natureza estabelecida no caso da APA da Barra do Rio Mamanguape.
Na literatura, o termo conflito pode ser entendido como o resultado de uma situação de
antagonismo entre sujeitos diferentes, interesses diferentes, sentimentos contrários, que se
opõem. Como tal, ele sempre esteve presente na história da humanidade expressando-se
através da luta entre os homens e o meio natural, social, familiar e político, o homem e
entidades sobrenaturais e até mesmo entre o homem e o seu mundo íntimo. Como bem o diz
Theodoro:
(...) os conflitos têm uma longa tradição na sociedade humana. Estiveram
presentes na constituição dos hominídeos, em constante luta contra as
intempéries da natureza, a escassez de bens e as ameaças dos predadores. O
conflito aparece ainda no centro das grandes religiões, inclusive o
Cristianismo. O conflito atravessa a vida de Cristo, de Pedro, de Judas e
Pilatos, de Paulo, entre outros. Nas artes, o conflito está presente desde as
suas origens. Ele é o cerne das tragédias gregas, desde Édipo até Helena de
Tróia, e de toda a grande literatura, de Cícero a Dostoievski, passando por
Shakespeare. Para alguns analistas, a vida humana em seu cotidiano é um
permanente conflito entre as pulsões da morte e da vida. A própria origem da
vida tem no conflito a sua base (2005: p. 52).
Coube a Simmel desenvolver a teoria clássica dos conflitos. Para ele, o conflito é
“uma das formas mais vivas de interação, constituindo um processo de associação” sendo os
fatores responsáveis pela dissociação “o ódio, a inveja, a necessidade e o desejo” (SIMMEL,
1983: p. 53). Nesse sentido, o conflito objetiva:
resolver estes dualismos divergentes, (...) reconstruir uma unidade perdida
ainda que por meio da destruição de uma das partes envolvidas. (...) Nem
sempre conduzem à conciliação podendo, por vezes, ser responsável pela
desagregação. Mas não podem ser negados nem esquecidos e, sobretudo não
possuem uma conotação negativa (THEODORO, 2005: p. 54).
Levando em consideração o estabelecido pela teoria econômica marxista, o conflito se
traduz na luta entre capital e trabalho e se expressa através do confronto entre classes
antagônicas: a dos proletários e a dos burgueses (MARX e ENGELS, 2007). Essa
compreensão, aplicada ao caso da APA da Barra do Rio Mamanguape levaria a um
entendimento parcial do conflito uma vez que este vai além dos interesses de classes. Isto na
medida em que envolve outros atores tais como o próprio Estado representado principalmente
pelo seu aparelho judicial e comunidades tradicionais como os remanescentes indígenas, e
ainda por comportar relações que não são especificamente de classes como as que se
estabelecem entre o homem e a natureza.
Burrel & Morgan (1979, apud HALL, 1984), estabelecem uma relação entre
interesses, conflito e poder a qual se expressa através de três visões: a) a visão unitária através
da qual o conflito é visto como um fenômeno raro e transitório que pode ser eliminado através
de uma ação gerencial apropriada; b) a visão pluralista que concebe o conflito como uma
característica intrínseca e inerradicável dos assuntos organizacionais e enfatiza seus aspectos
potencialmente positivos e funcionais e; c) a visão radical, que encara o conflito como “força
motora onipresente e causadora de rupturas, que impele às mudanças na sociedade em geral e
nas organizações em particular” (BURREL & MORGAN, 1979, apud HALL, 1984: p. 93).
Lukes (1980) faz menção aos conflitos abertos e encobertos, sendo os primeiros
observáveis e os segundos os que não têm força para manifestar-se, mas estão presentes no
burburinho, nos murmúrios, expressos na insatisfação não exposta que não é capaz de
modificar o satus quo. Lukes identifica ainda ter um terceiro tipo de conflito que ele
denomina de latente, isto é aquele que pode manifestar-se quando determinados atores podem
tomar consciência do quanto seus verdadeiros interesses podem ser desconsiderados. Nesse
caso Lukes amplia a clássica definição de poder segundo a qual:
A tem poder quando faz B fazer algo que não faria se não fosse A. A
também exerce poder sobre B ao influenciar, moldar ou determinar seus
próprios desejos. Com efeito, não é o supremo exercício do poder levar
outro, ou outros, a ter desejos que se queria que tivessem – isto é assegurar
sua obediência controlando seus pensamentos e desejos? (LUKES, 1980: p.
18).
Analisando essa abordagem de conflito, Cecílio (2005) afirma que a formulação de
Lukes remete ao:
campo da ideologia, da falsa consciência, da concepção gramsciana de
hegemonia política e cultural de um grupo social sobre os subalternos, de
forma que os excluídos ou os submetidos às várias formas de violência e
dominação sequer chegam a estar conscientes dos seus interesses (CECÍLIO,
2005: p. 509).
Barbanti Jr. (2002) identifica duas tendências atuais do enfoque de conflito. A
primeira é denominada de “instrumentalização do tema”. Neste caso, o uso do termo conflito
é dissociada de teorias de conflito, parecendo substituir o termo problema (BARBANTI JR,
2002). Assim sendo, os “problemas sócio-ambientais”, são tratados como “conflitos sócioambientais”. Para este autor,
As contribuições feitas por esta tendência residem no aspecto descritivo de
projetos que possuam alguma dimensão conflituosa, ainda que se possa
argumentar que mesmo uma descrição deveria indicar qual é o marco teórico
que ilumina o problema (2002: p.5).
A segunda tendência identificada por Barbanti Jr. é a da “setorialização dos conflitos
no escaninho terminológico ‘ambiental’ ou ‘sócio-ambiental’” (2002: p.5). Nessa tendência
distinguem-se os trabalhos de Hannigan (1995) e Fucks (2001) influenciados pelo
construtivismo e outros que dão ênfase à dimensão prática da ocorrência dos conflitos no
embate com os atores sociais como Pacheco (2002).
Fucks (2001), ao abordar os conflitos ambientais no Rio de Janeiro se debruça sobre a
disputa acerca da compreensão pública dos assuntos e problemas sociais, considerando que
esse processo ocorre no sistema denominado por Hilgartner e Bosk (1988), de “arenas
públicas”. Nestas estariam em curso, “as atividades reivindicatórias de grupos, o trabalho da
mídia, a criação de novas leis, os conflitos processados pelos tribunais e a definição de
políticas públicas” (FUCKS, 2001: p.47). Visto por este prisma “um conflito não seria algo
dado em si, mas algo construído nas relações sociais” (BARBANTI JR, 2002: p.5).
Theodoro (2005) considera os conflitos sócio-ambientais como “modernos” e
característicos da sociedade moderna. Para ela,
nos tempos modernos os conflitos potenciais ou manifestos, sinalizam para
uma transição de valores, de práticas e até de estilos de vida, uma vez que as
discussões, não raro, remetem a uma compreensão da relação dos homens
com a natureza ao longo do tempo, além da incorporação de alguns
conceitos e dificuldades analíticas comuns em situações conflituosas
(THEODORO, 2005: p. 54).
Essa visão de “modernidade” dos conflitos sócio-ambientais de Theodoro, acha-se no
nosso entender muito mais relacionada a questão da atualidade. Na verdade conflitos dessa
natureza não são recentes, podendo serem identificados desde a Antiguidade através da luta
dos povos em torno da água, da terra e dos produtos da natureza visando sua sobrevivência.
2.3.1 Conflitos sócio-ambientais
Os conflitos10, nos quais o meio ambiente encontra-se envolvido, não são recentes.
Todavia, vale ressaltar que, a princípio, em contendas jurídicas, o homem chamava ao
processo, para que nele atuasse como pólo passivo, a própria natureza, podendo-se utilizar
como exemplo o que ocorreu em 1545 quando “os habitantes da aldeia de Saint-Julien
10
Luta consciente e pessoal, entre indivíduos ou grupos, em que cada um dos contendores almeja uma condição,
que exclui a desejada pelo adversário.
intentaram instaurar junto ao juiz episcopal de Saint-Jean-de Maurienne, um processo contra
uma colônia de gorgulhos que havia invadido os vinhedos, causando grandes estragos”. O
resultado dessa contenda foi o ganho de causa para os insetos, que foram defendidos por um
advogado designado para tanto, onde a argumentação levantada pelo mesmo foi a de que os
animais criados por Deus têm o mesmo direito dos homens a se alimentarem dos vegetais.
(FERRY, 1994).
Todavia, a título internacional, o caso que mais se destacou, e é conhecido até os dias
atuais como sendo uma referência obrigatória, foi o publicado pela Southern California Law
Review em 1972, redigida pelo professor Christopher D. Stone.
Este caso ocorreu no final dos anos sessenta, quando a sociedade Walt Disney decidiu
por em prática seus planos de instalar uma estação de esportes de inverno no Mineral King
Valley, um vale da Sierra californiana, conhecida por suas sequóias centenárias. Contudo, o
Sierra Club, associação em defesa da natureza, se opôs de forma veemente ao projeto. Em 17
de setembro de 1970, o Tribunal de Apelação da Califórnia rejeitou a ação, alegando não
possuir o Sierra Club interesse de agir, pois não sofria pessoalmente nenhum prejuízo. Em
decorrência do entendimento manifestado pelo Tribunal de Apelação, Ch. Stone é solicitado
para escrever urgentemente um artigo com o fulcro de levá-lo ao conhecimento dos juízes do
Supremo Tribunal dos Estados Unidos, antes que houvesse a deliberação dos mesmos sobre o
caso em apreço.
O artigo surtiu os efeitos desejados, apesar de não ter sido suficiente para influenciar
na decisão da maioria dos juízes, o que levou a rejeição da ação movida pelo Sierra Club
contra a Walt Disney, com uma votação de 4 votos contra 3. No entanto, a Walt Disney
desistiu do projeto, e, em 1978 o Mineral King Valley foi incluído no Sequoia +ational Park11
(OST, 1995).
No Brasil, pode-se afirmar que as discussões na esfera judicial incluem não apenas os
problemas referentes à atuação de grupos empresariais, mas se estendem às opções
11
Mais c’est sans conteste à Ch. Stone que revient le rôle de pionner en la matière. Son essai de 1972 – Should
Trees have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objects -, tant par l’originalité et la radicalité de la thèse
qu’il contient que par les circonstances dans lesquelles il a été écrit, est et demeure encore la référence obligée en
la matière (dans la littérature américaine, l’article est souvent mentionné par le simple mot : Trees). (OST, 1995 :
p.172)
tradicionais de assentamentos das comunidades tradicionais, via de regra nas proximidades
dos córregos d’água (ALEXANDRE, 2003).
Segundo Leitão (2004), uma das questões mais relevantes no âmbito dos movimentos
sócio-ambientais no Brasil é a referente à possibilidade da presença, ou não, de pessoas nas
Unidades de Conservação (UCs). Dois são os grupos que defendem pontos de vista
antagônicos, estando de um lado o que entende ser nociva à preservação do meio ambiente a
presença de seres humanos no interior de UCs, pois a prática de atividades que façam uso dos
recursos naturais causam impactos ao meio ambiente, e o objetivo da criação das Unidades de
Conservação é exatamente o de impedir a depleção dos recursos oriundos da natureza; e, de
outro lado, aquele que alega serem as UCs criadas em locais onde, via de regra, a presença de
populações já se fazia presente, e, ainda, que o patrimônio ambiental a ser preservado também
é resultante da relação decorrente dessas populações e dos recursos naturais existentes no
local.
Ainda segundo Leitão, “o mundo jurídico não fica alheio a esse debate, havendo
setores que se perfilam ao lado de uma e de outra das correntes indicadas.” (2004: p.17)
Paul E. Little, num estudo sobre a etnografia dos conflitos sócio-ambientais distingue
alguns elementos da ecologia política que auxiliam na compreensão e na abordagem de tais
conflitos, tais como:
a) “a necessidade de lidar simultaneamente com as dimensões social e biofísica −
portanto o termo sócio-ambiental − e não simplesmente o ambiental ou o social por separado,
como fazem as ciências naturais e as ciências sociais, respectivamente” (LITTLE, 2004: p. 1);
b) a utilização do princípio de simetria epistemológica. Este ocorre quando os agentes
naturais e os atores sociais são ambos tratados como potenciais na construção de uma
paisagem;
Para tanto, o pesquisador em ecologia política precisa mapear as principais
forças biofísicas, tais como a conformação geológica de uma região, a
evolução biológica da fauna e flora e os fluxos hídricos, junto com as
principais atividades humanas, tais como os sistemas agrícolas, os efluentes
industriais lançados ao ambiente e a infra-estrutura de transporte e
comunicação instalada na região Além de estar atento aos dois lados dessa
causalidade, o pesquisador também procura identificar as novas realidades
sócio-ambientais que surgem das interações entre esses dois mundos e que
só uma abordagem ecológica é preparada em enxergar (LITTLE, 2004: p. 2).
c) o fato da Ecologia Política se constituir numa metodologia na qual “as relações são
o foco de análise”, o que implica em lidar com distintas esferas de interação, o que demanda
uma abordagem transdisciplinar e, consequentemente, a incorporação de conceitos, métodos e
enfoques de diversas disciplinas;
d) a requisição da ampliação do marco temporal das pesquisas “para tratar as
temporalidades geológica (expressa em milhões de anos), biológica (milhares de anos) e
social (centenas de anos) em forma conjunta” (LITTLE, 2004: p. 2);
e) a exigência de uma delimitação biogeográfica adequada para contar a história
ambiental;
f) o uso da macro-análise para contextualizar os conflitos dentro de um marco maior.
Nesse sentido, conforme Little,
A abordagem da economia política é a base da macro-análise e trata de
temas como o sistema capitalista e o atual avanço as ideologia neoliberal, as
situações de neocolonialismo político e cultural, os processos vertiginosos de
globalização tecnológica e o novo quadro geopolítico e militar. Em muitos
casos, essa abordagem levanta à vista os choques entre sistemas produtivos,
os quais tem conseqüências diretas para o tema ambiental (2004: p. 3).
O estudo etnográfico dos conflitos sócio-ambientais segundo Little, deve partir da
identificação do foco do conflito, em seguida deve realizar a identificação e análise dos
principais atores sociais envolvidos, buscando entender e mapear suas intenções e posições
bem como “suas distintas cotas de poder” e ainda mapear as interações políticas na busca do
entendimento da dinâmica própria de cada conflito (LITTLE, 2004).
O mencionado autor chama ainda a atenção para se ter cuidado, na análise de um
conflito sócio-ambiental com a postulação de resoluções “tecnicistas” quando afirma:
Como antropólogo, não acredito que podemos determinar tecnicamente
quais dos múltiplos usos de uma área é ótimo: uma terra indígena, por
exemplo, onde o povo indígena reivindica controle sobre uma área com base
nos seus direitos, pode ser propício para atividades de mineração ou
exploração florestal desde uma perspectiva economicista, ou pode também
servir para ser um parque nacional devido a suas características biofísicas
únicas. A decisão sobre o uso depende, na última instância, nas valorizações
em conflito e não em critérios técnicos ou econômicos de custo-benefício. É
por isso que o foco principal da pesquisa sobre os conflitos sócio-ambientais
desde as ciências sociais são os distintos atores sociais e suas respectivas
reivindicações (LITTLE, 2004: p. 5).
Essas considerações não devem ser entendidas como um desvio do foco central da
pesquisa (os conflitos sócio-ambientais), mas como elementos presentes nesses conflitos.
2.3.2 Conflitos sócio-ambientais e a atividade de carcinicultura
A carcinicultura é uma atividade praticada em vários países, destacando-se os
localizados na Ásia e América Latina. Os fatores responsáveis pelo fato desses países
constituírem-se nos principais produtores de camarão em viveiro do mundo estão relacionados
às condições climáticas e à vegetação neles existente, pois a espécie de camarão que gera
maior lucratividade desenvolve-se melhor em áreas de clima quente e úmido e em regiões
estuarinas como as existentes nesses territórios. Todavia, não adiantaria haver essas condições
naturais se não houvesse investimento por parte de quem detém o capital, ou seja, fez-se
necessário, para a implantação dessa atividade, a presença do capital vindo, dentre outros
lugares, do Banco Mundial, do Asian Development Bank e da Food and Agriculture
Organization of the United Nations. Não podemos nos esquecer que no Brasil, na região
Nordeste, o Banco do Nordeste também tem sido um dos financiadores nessa área.
A atividade carcinicultora vem apresentando um crescimento mundial significante de
nove por cento ao ano (9% a.a.), desde 1970. Isso se deve, dentre outros fatores, ao aumento
do consumo de camarão no mundo, que passou de 5%, nos anos 80, para 28%, em 2003
(Environmental Justice Foundation, 2003). Todavia, os maiores consumidores do produto em
apreço não são os países que o produzem, mas, sim, os Estados Unidos da América, Europa e
Japão.
Na medida em que ocorre o desenvolvimento crescente da carcinicultura, observa-se
também a depleção dos recursos litorais em decorrência da prática da mesma. Uma vez sendo
utilizadas áreas de manguezais para a prática dessa atividade, local considerado como sendo o
refúgio e berçário de várias espécies de peixes, moluscos e crustáceos, e tendo-se a
informação de que 38% da suplantação mundial dessas áreas decorrem da construção de
fazendas de camarão, observa-se a interferência da atividade na biodiversidade da região em
que é implantada.
2.3.2.1. Depleção dos recursos litorais
De acordo com pesquisas realizadas pela Environmental Justice Foundation (EJF),
tem-se notado que um dos problemas centrais da criação de camarão em viveiro é a conversão
do sistema de usuários múltiplos para o de único proprietário/ usuário. Quer-se dizer com isso
que áreas que pertenciam a toda uma comunidade passam a pertencer a um único proprietário,
aquele que irá desenvolver a carcinicultura, inclusive, em algumas situações, impedindo a
população a passagem até às margens do rio, de onde retiram o seu sustento. Vejamos na
figura abaixo (fig.01) o que houve no Equador, onde uma área de mangue foi transformada,
em parte, em fazendas de camarão. Fica claro, nesse caso, que a população deixou de ter o
acesso a sua fonte de vida.
Fig. 01 – Viveiros de camarão no Equador
Fonte: Environmental Justice Foundation, 2003
Outro problema enfrentado, em decorrência dessa atividade, é a poluição causada
pelos viveiros que pode vir a afetar os recursos naturais. As águas que são utilizadas nos
viveiros, oriundas do estuário, são “enriquecidas” com cal e ração para camarão, produzida
por laboratórios especializados, produtos químicos no momento da despesca e com os dejetos
lançados pelos próprios camarões. Essa água deve ser tratada antes de ser lançada ao mangue,
mas poucos são os empreendimentos que realizam esse tratamento. Dentre todos os poluentes
citados, há um que se destaca, o metasulfite, produto extremamente nocivo que tem como
função tratar o camarão para que possa ser vendido ao mercado externo.
Outro dado importante é a queda na renda dos pescadores em decorrência da prática da
carcinicultura nas regiões de mangue, podendo-se citar o que ocorreu em Kuala Muda,
localizada em Kedah, Malásia, onde entre dois e três anos de liberação dos mangues para a
criação de fazendas de camarão o decréscimo na renda foi de 16,67%. Pode-se citar, ainda o
decréscimo de 62,5% da pesca no Sri Lanka, de 10% em Ramchandrapuram, na Índia, de 80%
em Bangladesh (Environmental Justice Foudation, 2003).
No Sri Lanka, outro fator observado foi a queda da pesca realizada pelos pescadores
das lagunas, que chegou a 62,5%, e, no Equador, outro grande produtor de camarão em
viveiro, houve um decréscimo da captura de larvas de camarão. No Brasil, o que se vem
observando é a morte dos caranguejos, espécie em extinção, e que ainda serve como fonte de
sustento para algumas famílias (Environmental Justice Foudation, 2003).
A foto abaixo (fig.02) ilustra mais uma situação preocupante provocada pela retirada
da vegetação de mangue. Conforme depoimento do Senhor Mohamed Ibrahim, habitante de
Bangladesh, haviam ciclones, mas não como agora - as ondas eram paradas pelas florestas.
Depois dos anos 60, com intensa desflorestação, os ciclones intensificaram-se. A vegetação
funcionava como barreira natural às ondas formadas em decorrência dos ciclones, impedindo
que as mesmas chegassem até às residências da população.
A carcinicultura vem crescendo consideravelmente, no litoral da região Nordeste,
responsável por mais de 90% da produção de camarões do Brasil. Atualmente, a Paraíba é o
quinto Estado brasileiro produtor desse tipo de produção, apresentando o maior ritmo de
crescimento da atividade. É interessante ressaltar que este tipo de aqüicultura encontra-se, no
Brasil, em sua terceira fase.
A primeira fase teve início nos anos 1970, com o cultivo da espécie Penaeus
japonicus, que não obteve êxito, uma vez que as chuvas intensas e as apreciáveis variações de
salinidade nas águas estuarinas prejudicavam o período de maturação dessa espécie. Em
decorrência do insucesso no cultivo dela, buscou-se implementar outras espécies de camarão
com o objetivo de se alcançar sucesso na produção, ou seja, lucro. Dá-se início, desta feita, a
segunda fase da produção de camarão em viveiros no Brasil.
Fig.02 – Mangue devastado pela prática da carcinicultura em Bangladesh
Fonte: Environmental Justice Foundation, 2003
A segunda fase surge com o ingresso do cultivo das espécies nativas Litopenaeus
subtilis, Litopenaeus paulensis e Litopenaeus schimitti, espécies estas que demonstraram ser
viáveis, sobretudo na maturação, reprodução e larvicultura. Todavia, os níveis de
produtividade alcançados, via de regra, sequer cobriam os custos diretos de produção,
tornando-se inviável o seu cultivo. Assim sendo, surge a terceira fase da carcinicultura
brasileira.
Na terceira fase, que segue até os dias atuais, houve a interrupção da domesticação das
espécies nativas supracitadas, e o ingresso da espécie Litopenaeus vannamei, onde suas póslarvas e reprodutores foram importados. Atualmente, essa é a espécie mais cultivada no
Brasil, tendo em vista seu fácil manejo e retorno financeiro elevado. O sistema semi-intensivo
de cultivo de camarões dessa espécie utiliza areadores mecânicos (figs. 03 e 04), alimentos
concentrados (fig. 05) e larvas produzidas em laboratórios (fig. 06), ocorrendo uma densidade
de povoamento entre 20 e 50 pós-larvas/m2.
Fig. 03 – Aeradores utilizados na produção de camarão em viveiro
Foto: Juliana F. Moreira
Fig 04 – Aeradores
Fig. 05 – Ração
Fig. 06 – Larvas
Aeradores movidos com
energia elétrica. Há, ainda, os
que são movidos a óleo
diesel, nos locais em que não
foi instalado, ainda a energia.
Ração utilizada na engorda
do camarão. Todos os
entrevistados
afirmaram
utilizar essa marca de ração
em seus viveiros.
A Aquatec é a responsável
pelas larvas que são
adquiridas
pelos
carcinicultores da área
objeto de estudo dessa
pesquisa.
Fonte: Pesquisa de campo
Fotos: Juliana F. Moreira
A carcinicultura, ao contrário do que alguns possam estar pensando, não atinge apenas
a pesca, vai além. Reduz o acesso à água potável, em decorrência da salinização e poluição
das águas dos rios através dos pesticidas, antibióticos e desinfetantes neles lançados. No Sri
Lanka e Bangladesh, mulheres e crianças precisam caminhar de 5 a 6 km diariamente para
buscar água potável.
Além da redução ao acesso de água potável outra redução também vem ocorrendo, só
que da produtividade na agricultura, decorrente da poluição do solo e da água. Em Vettapalem
Mandal, na Índia, 620 ha de área de cultivo de arroz foram convertidos em viveiros de
camarão e 344 ha perdidos devido a salinização da água. Em Ca Mau Province, no Vietnã, a
situação não é diferente, em 2001 125.000ha de cultivo de arroz foram convertidos e a
produção de arroz caiu para 460.000 toneladas.
2.3.2.2 O processo produtivo
O processo produtivo do camarão em cativeiro, segundo alguns autores12, ocorre,
geralmente, em três fases: produção de larvas (Larvicultura), berçário, e engorda. A
larvicultura se inicia com o cruzamento entre as matrizes e reprodutores de camarões, após o
cruzamento da espécie, e posterior ovulação realizada em laboratório. Em seguida, as larvas
são retiradas dos tanques do laboratório para outros tanques, até alcançar o estágio de póslarvas e serem comercializadas para as fazendas de engorda.
Segundo Lima, “o ciclo de engorda do camarão pode durar de 90 a 150 dias, levandose em conta as condições de produção e o peso dos camarões a serem comercializados” (2004:
p.95). Até que o camarão esteja pronto para a despesca é necessário, em geral, noventa dias.
Posteriormente passam por um choque térmico com temperatura de 3ºC a 5ºC, para serem
embalados em caixas com gelos, transportados e comercializados. É possível que se faça até
duas ou três despescas por ano considerando que, para que ocorra a oxigenação, descanso da
terra e a mineralização das matérias orgânicas, é necessário que haja um intervalo de
aproximadamente 30 dias antes da inserção de novos camarões nos viveiros.
A produção de camarão em viveiro, atividade que foi iniciada no Brasil na década de
setenta, já se desenvolvia como demonstrado, em outros países da Ásia e das Américas
Central, do Sul e do Norte, a exemplo de Bangladesh, Vietnã e México. É um mercado
seletivo e exigente quanto à qualidade do produto.
12
LIMA (2004) e IGARASHI (2005).
A espécie de camarão Litopenaeus vannamei, da Costa do Pacífico, região de clima
semelhante área litorânea brasileira foi a que melhor adaptou-se, especialmente ao Nordeste.
Essa espécie apresentou maior rentabilidade em cultivos semi-intensivos. Sendo técnica e
economicamente viável, esta produção se consolidou no Brasil, embora o país também
produza
as
espécies
nativas,
Litopenaeus
schmitti,
Fartantepenaeus
brasiliensis,
Fartantepenaeus subtilis, Fartantepenaeus paulensis, bem como algumas exóticas: M.
japonicus, L. vannamei, L. stylirostris e Peanaeus monodon (IGARASHI 2005: p.11).
Dentre os impactos ambientais causados pela carcinicultura, pode-se destacar: o
aumento da erosão, da temperatura e da evaporação e perda da biodiversidade; mudança na
paisagem com impacto visual; conflito com outros usos, como turismo; contaminação dos
corpos hídricos pelo aumento da carga orgânica, substâncias químicas e geração de
sedimentos; assoreamento, aumento de turbidez, eutrofização e redução da biodiversidade;
dentre outros (CARVALHO, 2006: p. 300).
Por agredir o meio ambiente, a criação de camarões em cativeiros vem sendo criticada
pela sociedade. Algumas indagações são levantadas a este respeito, e, entre elas, as
relacionadas ao desenvolvimento da carcinicultura em Área de Preservação Permanente (áreas
de mangue).
Os sistemas de produção de camarão no Brasil são dos tipos intensivo e semiintensivo13. Embora a produção do camarão L.vannamei se adapte bem às áreas estuarina, tem
causado conflitos econômicos e impactos ambientais no Brasil. De outro modo, enfatiza
Menezes (2005: p.81-84) que nesta tecnologia de engorda, sistema de produção com circuito
fechado, inclui o reaproveitamento da água, gera menos riscos de degradação ao meio
ambiente e, visa aumentar a produtividade. O conjunto dessas novas técnicas favorece o
cultivo para os pequenos produtores rurais, pois sendo os viveiros de pequeno porte,
apresentam-se mais fáceis de serem controlados14 em um regime fechado15, apresentando uma
produtividade entre 6 e 12 toneladas por hectares, em cada ciclo do camarão L. vannamei.
13
O cultivo semi-intensivo se diferencia do intensivo basicamente pelo número de indivíduos que são colocados
em cada viveiro. Enquanto no sistema semi-intensivo o número de camarões por m² varia entre 10 e 35
camarões, no sistema intensivo pode chegar até 100 camarões por m². Já no sistema semi-intensivo, o camarão
aproveita uma parcela maior do alimento natural existente no viveiro. No sistema intensivo, onde a competição
por alimento é maior, o alimento principal passa a ser a ração.
14
sobre as condições ambientais, como segurança contra, doenças, reduz o risco da espécie exótica ser liberada
na área estuariana, maior estabilidade de temperatura dos taludes e menor variação de salinidade na água.
Embora o Brasil tenha desenvolvido técnicas de produção dessa espécie de camarão
em cativeiros comparáveis às do primeiro mundo, ainda não alcançou a excelência na fase de
beneficiamento. Segundo Lima et al (2004: p.101) este processo é realizado no Brasil por
empresas que apenas eliminam as impurezas provenientes dos taludes, classificando os
camarões por seus tamanhos, enquanto no mercado outras formas de beneficiamentos estão
disponíveis. Elas criam espaços para que surjam diferentes graus de agregação de valor ao
camarão, seja pelo seu peso, por ser descabeçado ou não, pela embalagem, seja pelo
congelamento, entre outras que compõem um conjunto de operações que podem ser realizadas
no produto antes de sua comercialização.
Neste sentido, o Brasil não agrega valor às suas exportações porque se restringe a
beneficiar os camarões, fato economicamente desfavorável, pois o produto é re-trabalhado nos
mercados para os quais o Brasil exporta. No mercado interno se destaca o Nordeste como
maior produtor por possuir uma rica área estuarina, apropriada para o L.Vannamei. O Rio
Grande do Norte e Ceará são os principais produtores. Segundo a ABCC, a Paraíba ocupou o
quinto lugar entre 2002 a 2005 no rank nacional.
No que tange aos conflitos oriundos da carcinicultura, observa-se deslocamento de
comunidades em decorrência da instalação das fazendas de camarão. Esse fenômeno vem
ocorrendo não apenas no Brasil, mas também nos demais países produtores de camarão. No
Brasil, até 2002, foi constatado o deslocamento de 3000 famílias devido a carcinicultura, em
Bangladesh o número ultrapassou 120.000 pessoas (Environmental Justice Foundation, 2003).
Esse fenômeno se deu, e ainda se dá, devido ao direito sobre a terra ser minimizado ou até
mesmo suplantado pelos produtores de camarão, que constroem os viveiros nas áreas de
mangue, onde, anteriormente era praticada a pesca, por exemplo. Algumas mulheres,
inclusive, vêm sendo violentadas pelos seguranças dessas fazendas, em Bangladesh, bem
como tornando-se prostitutas.
15
Especialmente em relação à produção indígena de camarões, A Resolução CONAMA No 312 de 10/10/2002,
em seu ART. 14, especifica que “os projetos de carcinicultura, a critério do órgão licenciador (IBAMA) deverão
observar, dentre outras medidas de tratamento e controle dos efluentes, a utilização das bacias de sedimentação
como etapas intermediárias entre a circulação ou o deságüe das águas sevirdas, ou quando necessário a utilização
da água em regime de recirculação. Parágrafo Único-a água utilizada pelos empreendimentos da carcinicultura
deverá retornar ao corpo d’água de qualquer classe atendendo as condições definidas pela Resolução do
CONAMA No 20 de 18/06/1986.”
Observa-se, ainda, que há fazendeiros de camarão que utilizam da intimidação,
violência e até mesmo da suplantação da vida como forma de “defenderem” os seus
interesses. É o que ocorreu com Edgar Mora, presidente da Zona de Administração Especial
de Machala, no Equador, conforme depoimento do mesmo.
Quando os fazendeiros descobriram que eu havia feito os relatórios [sobre
corte ilegal de mangue], eu recebi ameaças telefonadas, contra mim, e minha
família (EJF, 2003: p.14)
Infelizmente, o Sr. Eliodoro de La Rosa, pescador e líder do grupo de pescadores
contra a expansão da carcinocultura nas Filipinas, bem como o Sr. Jurin Ratchapol, ativista da
Tailândia, e, no Brasil, os Srs. Sebastian Marques de Souza e João Dantas Brito não tiveram a
mesma sorte de Edgar Mora, pois foram assassinados. Veja, abaixo, na figura 07, onde
pessoas foram assassinadas devido à carcinicultura.
Fig. 07 - Assassinatos em decorrência dos conflitos oriundos da carcinicultura
Fonte: Environmental Justice Foundation, 2003.
Apesar de se observar todos os conflitos supracitados, a justiça vem se manifestando
em prol do meio ambiente, se assim pode ser dito. Em 1996 a Suprema corte determinou o
fim da operacionalização de novas fazendas de camarão no Policat Lake ou no Orissa’s
Chilika Lake, na Índia. No Brasil, tivemos, recentemente, decisão judicial prolatada em 2006
no sentido de que a Usina Jacuípe fechasse sua fazenda de camarão, que se encontrava
localizada no interior da APA da Barra do Rio Mamanguape.
Levando em consideração as três categorias de análise, acima expostas, procurou-se
montar uma metodologia de pesquisa, apresentada no capítulo seguinte.
3 FORMAÇÃO DO ESPAÇO E CRIAÇÃO DA APA
Este capítulo apresenta de modo sucinto alguns aspectos relativos ao processo
histórico de ocupação do espaço na região da APA da Barra do Rio Mamanguape e recupera o
processo de construção da APA. Compreende que o processo histórico de construção dessa
área acha-se intrinsecamente relacionado ao de produção do espaço da Zona da Mata
Paraibana apresentando como particularidade a presença de uma população e de um território
indígena que sobreviveu às mudanças ali ocorridas ao longo do tempo.
3.1 O PROCESSO HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DO ESPAÇO
3.1.1. Da ocupação pré-colonial às formas atuais de ocupação
A Área de Proteção Ambiental do Rio Mamanguape, como já mencionado
anteriormente, foi criada em 1993. Trata-se de uma área na qual o processo de ocupação
humana data do período pré-colonial. Segundo Borges (s.d.), os primeiros habitantes da
região teriam sido os índios Potiguara da nação Tupi.
Os registros históricos fazem menção ao século XVI, como aquele em que tem início o
processo de apropriação do espaço pelo elemento europeu. As condições de navegabilidade
do rio Mamanguape favoreceram, primeiramente, a extração de pau-brasil, que, ao longo do
tempo, foi cedendo lugar a atividades econômicas de outra natureza, a exemplo da pecuária e
da agricultura canavieira.
O povoamento foi se dando em torno dos engenhos e no século XVII, surge a partir do
trabalho dos jesuítas junto à população indígena, a Vila de Monte Mor – como sede de uma
Freguesia que se estendia pela bacia do rio Mamanguape, abrangendo terras da Zona da Mata,
do Agreste e do Brejo (www.ambientebrasil.com.br).
A implantação de atividade canavieira na área deveu-se tanto aos interesses da
metrópole colonizadora em produzir na Colônia um produto de exportação, no caso, o açúcar,
de alto valor no mercado europeu como ao fato de que o açúcar produzido no vale do rio
Mamanguape tinha facilidades de escoamento (ANDRADE, 1997).
A evolução político-administrativa do estado da Paraíba se deu de forma muito lenta e
dispersa nos primeiros duzentos anos da ocupação. A configuração dos espaços municipais
nesse período é demonstrativa dessa dispersão do processo de ocupação. Na região onde se
encontra a APA em estudo, porém, instalou-se em 1635, o segundo município criado no
estado, o de Mamanguape, que originalmente ocupava 5.071,0 km² (MOREIRA et al, 2003)
que alcançavam o Brejo Paraibano. Desse modo todos os municípios compreendidos pela
APA surgiram do desmembramento do território de Mamanguape.
Conforme Moreira (1988), até meados dos anos 70 do século XX, a ocupação do
espaço nessa região se fazia com base na agricultura alimentar desenvolvida nas clareiras da
Mata Atlântica sobre os tabuleiros, na pesca artesanal, na cata do caranguejo e do marisco
pelas populações ribeirinhas e na produção canavieira, realizada por unidades agroindustriais
e produtores de cana, nas várzeas do rio Mamanguape e de alguns dos seus afluentes. A partir
de 1975, graças aos incentivos do Proalcool, a cana-de-açúcar expandiu-se na região
alcançando os topos dos tabuleiros costeiros. Esta expansão se deu sobre a vegetação nativa e
as terras de índios, de posseiros e arrendatários gerando a eclosão de inúmeros conflitos
sociais.
Na década de 90, motivados pela divulgação do êxito econômico alcançado pela
produção de camarão em cativeiro no estado vizinho do Rio Grande do Norte, alguns atores
sociais inseridos no interior da APA tais como usineiros, proprietários de terra e índios,
introduzem esta atividade nas áreas de mangue. Atividade que vem se somar às demais
atividades historicamente ali presentes dando origem a conflitos sócio-ambientais como o que
se analisa neste trabalho.
Além destas atividades produtivas outras são também identificadas atualmente na
região, sendo algumas mais recentes como a do turismo, e outras mais antigas como a
atividade artesanal e o pequeno comércio praticado por restaurantes e bares. A ocupação da
área litorânea com residências secundárias tem se expandido notadamente a partir do final dos
anos 90.
No início dos anos 90 do século XX, segundo Moreira e Targino (1997), no bojo da
crise de acumulação vivenciada pela atividade canavieira, e movido pela pressão do
movimento ambientalista deslanchado a partir da Eco-92, é criada pelo Decreto 924 de 1993,
a Área de Proteção Ambiental - APA da Barra do Rio Mamanguape, numa sobreposição às
formas de ocupação pré-existentes no espaço.
3.1.2 A criação da APA da Barra do rio Mamanguape
O processo de criação da APA do Barra do Rio Mamanguape foi uma iniciativa de
técnicos do IBAMA. Durante a fase de sua criação, técnicos do Projeto Peixe-Boi Marinho
procuraram o apoio da Pró-Reitoria de Assuntos Comunitários (PRAC) da UFPB através do
extensionista Emanuel Falcão, tendo em vista obter o esclarecimento e a adesão das
comunidades residentes na área. Tal contato justificava-se pelo fato daquela Pró-Reitoria estar
desenvolvendo, na época, vários projetos de extensão tanto em comunidades indígenas como
com agricultores posseiros da Praia de Campina. Esse apoio da Universidade era fundamental,
tendo em vista a pressão exercida por outros grupos (usineiros, proprietários com projetos de
loteamento) contrários à criação da APA.
As discussões levadas a efeito com as comunidades16 tiveram como objetivo principal
informar a população residente na área sobre o que era uma APA e quais as suas implicações.
Discutia-se, particularmente, as formas de manejo que poderiam ser utilizadas em uma Área
de Proteção Ambiental. No bojo desse processo, foi também trabalhada a questão da criação
da Associação dos Moradores de Praia de Campina e a luta pela utilização agrícola de uma
área de paul17 reivindicada pelos proprietários da Usina Japungú. Nessas reuniões
participaram técnicos da UFPB, do IBAMA e do Projeto Peixe-Boi Marinho. Elas tiveram
16
Foram dois anos de discussões sistemáticas realizadas semanalmente, com articulação nas comunidades de
Praia de Campina, Sacos, Tanques, Tavares, Lagoa de Praia e Oiteiro. Nesse período, foi criada a associação dos
moradores de Praia de Campina e houve um fortalecimento no trabalho desenvolvido na comunidade de Tavares,
chegando até a comunidade de Aritingui.
17
Paul é uma área úmida e alagadiça, no caso em questão trata-se de uma zona úmida fluvial. Para promover a
sua utilização agrícola foi preciso todo um trabalho de drenagem realizado manualmente pelos posseiros.
início no segundo semestre de 1993. Porém, o processo de esclarecimento a respeito da APA,
bem como a conscientização ambiental das comunidades perdurou mesmo após a publicação
do Decreto nº 924/93 de 10 de setembro de 1993, que criou a APA da Barra do Rio
Mamanguape. Os objetivos atinentes à APA criada são: garantir a conservação do habitat do
Peixe-Boi Marinho; garantir a conservação de expressivos remanescentes de manguezal, Mata
Atlântica e dos recursos hídricos ali existentes; proteger o Peixe-Boi Marinho e outras
espécies, ameaçadas de extinção no âmbito regional; melhorar a qualidade de vida das
populações residentes, mediante orientação e disciplina das atividades econômicas locais; e,
fomentar o turismo ecológico e a educação ambiental como pode-se .constatar na transcrição
do artigo 1º do Decreto nº 924/93.
Art. 1° Fica criada a Área de Proteção Ambiental (APA) da Barra do Rio
Mamanguape, localizada nos Municípios de Rio Tinto e Lucena, no Estado da
Paraíba, envolvendo águas marítimas e a porção territorial descrita no art. 2° deste
decreto, com o objetivo de:
I - garantir a conservação do habitat do Peixe-Boi Marinho (Trichechus manatus);
II - garantir a conservação de expressivos remanescentes de manguezal, mata
atlântica e dos recursos hídricos ali existentes;
III - proteger o Peixe-Boi Marinho (Trichechus Manatus) e outras espécies,
ameaçadas de extinção no âmbito regional;
IV - melhorar a qualidade de vida das populações residentes, mediante orientação e
disciplina das atividades econômicas locais;
V - fomentar o turismo ecológico e a educação ambiental.
Nesse mesmo período, começou-se a discutir a pesca predatória do caranguejo,
realizada por meio da prática da redinha, onde sacos plásticos são colocados no mangue, mas
que nem todos são retirados antes da maré subir, o que causa a morte de inúmeros
caranguejos, seja por asfixia, seja por excesso de calor ou falta de alimento. Utilizando-se
uma perspectiva educacional da própria APA, buscou-se desenvolver a consciência ecológica
dos pescadores praticantes da redinha, o que ainda hoje não alcançou muitos resultados
positivos, ou seja, existem mais especulações da mudança de consciência quanto a esta prática
de pesca do que resultados realmente comprovados.
Já com os índios da região, ou seja, com os índios Potiguara que vivenciaram o
fenômeno da superposição de áreas (APA sobre Terras Indígenas), o processo de criação da
APA da Barra do Rio Mamanguape procedeu-se de forma mais traumática. Isso, talvez, pela
interpretação da lei de forma dura, não flexível, por parte do Ibama, gerando conflitos de
compreensão legislativa entre aquela autarquia, de um lado, e a Funai e alguns pesquisadores
da Universidade que atuavam na reserva indígena Potiguara, de outro lado. Isto levou os
índios a não verem com bons olhos a APA em questão. Em decorrência disso vários
enfrentamentos vêm ocorrendo ao longo desses anos, com destaque para os de 1994 e 1998,
quando a APA começou realmente a ser efetivada. Estes aspectos serão abordados no capítulo
seguinte.
Os órgãos competentes para fiscalizar e administrar a APA existentes no Estado da
Paraíba são o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente -, a SUDEMA –
Superintendência de Defesa do Meio Ambiente –, o Batalhão de Polícia Florestal, do Estado
da Paraíba, as Prefeituras dos Municípios de Rio Tinto e de Lucena e seus respectivos órgãos
de meio ambiente, e organizações não-governamentais interessadas (art. 3º, Dec. 924/93).
Aqueles que pretendam desenvolver alguma atividade no interior dessa APA, que
possa vir a causar algum impacto ambiental, necessitam de licença ambiental, fornecida pelo
Ibama, documento hábil, inclusive, para aquisição de empréstimo junto ao Banco do Nordeste
para atividades de carcinicultura, conforme pode ser observado na transcrição dos artigos 8º e
9º. do Dec. 924/93.
Art. 8° Na APA da Barra do Rio Mamanguape ficam proibidos:
I - a implantação de atividades industriais poluidoras capazes de afetar o
meio ambiente;
II - o exercício de atividades capazes de provocar erosão ou assoreamento
das coleções hídricas;
III - o despejo nos cursos d’água de qualquer efluentes, resíduos ou detritos,
em desacordo com as normas técnicas oficiais;
IV - o exercício de atividades que ameacem as espécies da biota, as manchas
de vegetação primitiva, as nascentes e os cursos d’água existentes na região;
V - o uso de biocidas e fertilizantes, quando em desacordo com as normas ou
recomendações técnicas oficiais. (BRASIL, 1993)
Art. 9° Na área da APA objeto deste decreto, a abertura de estradas e de
canais para construção de barragens em cursos d’água, a implantação de
projetos de urbanização, de atividade minerária, de atividade industrial e
agrícola, que causem alterações ambientais, dependerão de licenciamento do
Ibama. (BRASIL, 1993)
Dentre as normas jurídicas protecionistas dos manguezais destacam-se: a Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, em seus artigos 24, 170 e 225; a Constituição do
Estado da Paraíba - capítulo IV, Da proteção do meio ambiente e do solo (CARVALHO,
2002, v. III, p.98); Lei nº 4771/65 - institui o novo Código Florestal; Lei nº 6938/81; Lei nº
7661/88 - institui o plano nacional de gerenciamento costeiro, e dá outras providências;
Instrução normativa n.1, de 15 de abril de 1999 - estabelece os critérios para o licenciamento
ambiental de empreendimentos e atividades que envolvam manejo das faunas silvestres que
menciona; Portaria n. 145-N, de 29 de outubro de 1998 - estabelece normas para a introdução,
reintrodução e transferência de espécies aquáticas que especifica pra fins de aqüicultura,
excluindo-se as espécies animais ornamentais; Decreto nº 99274/1990; Decreto nº 2869/98 regulamenta a cessão de águas públicas para exploração da aqüicultura, e dá outras
providências; Instrução normativa interministerial MAA/ MA/Mpog/MIN/CM n.9, de 11 de
abril de 2001; Resolução BACEN n. 2752, de 29 de junho de 2000; Decreto n. 750, de 1 de
fevereiro de 1993 - dispõe sobe o corte, a exploração e a supressão de vegetação primária ou
nos estágios avançado e médio de regeneração da Mata Atlântica, e dá outras providências;
dentre outras (CARVALHO, 2002, v. II).
3.1.3 Localização da APA e caracterização dos seus aspectos naturais
A APA da Barra do Rio Mamanguape está localizada na Mesorregião da Mata
Paraibana, Microrregião do Litoral Norte do Estado da Paraíba. Distante cerca de 70 km da
capital João Pessoa, compreende áreas dos municípios de Mamanguape, Rio Tinto, Marcação,
Baía da Traição e Lucena (fig. 08).
Fig. 08 – Localização da APA da Barra do Rio Mamanguape.
Fonte: Antunes et al, s.d.
O perímetro aproximado da APA é de 79,9 km totalizando uma área de 14.640
hectares (RODRIGUES; ANTUNES; RODOVALHO, 2005) dos quais 6.000 hectares são
constituídos por manguezais.
No que se refere aos aspectos naturais distinguem-se na APA, segundo Marinho (2002)
três importantes unidades geomorfológicas: as planícies costeiras, as planícies aluviais ou
planícies de inundação e os baixos planaltos costeiros. Essas unidades são formadas por
terrenos sedimentares quaternários e terciários (MOREIRA, 1999).
No que se refere à cobertura vegetal, destaca-se a presença de um amplo manguezal que
cobre cerca de 60% da superfície da APA.
O manguezal é um ecossistema costeiro de grande riqueza biológica o que faz com
que o mesmo constitua-se num “berçário” natural tanto para espécies típicas desse ambiente
como para peixes e outros animais que migram para as áreas costeiras. O manguezal do
estuário do rio Mamanguape destaca-se por ser o mais amplo do estado, ocupando 5.400
hectares que representam 53,6% do total da área de manguezal da Paraíba18. Nele são
encontradas as seguintes espécies arbóreas de mangue: Rhizophora mangle (fig. 09),
Avicennia germinans, Avicennia schaweriana (fig 10), Laguncularia racemosa e Conocarpus
erectus (Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, 1999).
Fig. 09 . Rhizophora mangle. Vegetação típica de manguezal, encontrada no estuário do Rio
Mamanguape onde se localiza a APA.
Fonte: PALUDO, 1999.
18
Segundo levantamento feito pelo PNUD/FAO/IBAMA em 1994.
Fig. 10. Detalhe da espécie Avicennia schaueriana ainda no estágio de crescimento.
Fonte: PALUDO, 1999.
A fauna dos manguezais é derivada dos ambientes marinhos e terrestres adjacentes. A
distribuição é composta principalmente de elementos de origem terrestre como os insetos,
aves e mamíferos e nas áreas submetidas a ação das marés elementos da fauna tolerante à
salinidade, como moluscos, crustáceos e peixes (Universidade Federal do Ceará, 2005).
No estuário do rio Mamanguape onde se situa a APA da Barra de Mamanguape,
dentre as espécies da fauna dos manguezais existentes destacam-se o mariscopedra
(Anomalocardia brasiliana), a ostra (Crassostrea brasiliana), o caranguejo-uçá (Ucides
cordatus), o goiamum (Cardisoma guanhumi), o siri açú (Callinectes danae), o camarão
(Pennaeus subtilis, Pennaeus schmitti) e o sururu (Mytella sp) (Conselho Nacional da
Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, 1999). Freqüentam a área do manguezal o peixe-boi
marinho (Trichechus manatus manatus), o guaxinim (Procyun cacrivorus) , o sagui (Callithrix
jacchus), ratos e o morcegopescador (Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata
Atlântica, 1999).
No que tange à hidrografia dois rios comandam a drenagem da APA: o Miriri e o
Mamanguape. O Rio Mamaguape tem maior expressão em volume e extensão, no entanto, o
mesmo não se pode afirmar acerca do Rio Miriri, que banha apenas uma pequena superfície
ao sudoeste da referida APA.
Merece destaque o estuário do rio Mamanguape, não só por sua importância como
berçário de inúmeras espécies de peixes, moluscos e crustáceos, como por nele funcionar uma
base do Projeto Nacional de Preservação do Peixe-Boi, onde são realizados experimentos de
alimentação, comportamento e manejo desse animal, em cativeiro e em ambiente natural.
3.1.4 Ocupação humana da APA e a área de sobreposição com a terra indígena
De acordo com Antunes et al. (2006), são 21 as comunidades existentes na APA e seu
entorno. Cinco destas comunidades situam-se em área urbana, algumas são ribeirinhas e
outras formadas por pequenos agricultores. Nas terras indígenas localizam-se várias Aldeias
indígenas Potiguara tais como as de Acajutibiró, Caieira, Camurupim, Tramataia, entre outras
(v. mapa em anexo), tendo sido estas duas últimas objeto da investigação direta. Essas
comunidades e aldeias congregavam em 2004, uma população de 16.381 habitantes de acordo
com os dados colhidos por agentes de saúde locais. A forma de organização social das
comunidades situadas nas áreas rurais, ou que possuem atividades rurais, são as associações,
cooperativas ou colônias de pescadores.
No território da APA, encontram-se localizadas: a) porções das Terras Indígenas
Potiguara e Potiguara de Monte-Mor; b) a ARIE Manguezais da Foz do rio Mamanguape (fig.
11); c) a sede do município de Rio Tinto; d) várias comunidades de pescadores e de pequenos
produtores rurais como Praia de Campina, Barra, Oiteiro etc.; e) grandes propriedades rurais;
f) núcleos habitacionais formados por residências secundárias voltados para as atividades de
lazer e turismo.
As atividades econômicas tradicionais desenvolvidas pelas comunidades indígenas no
território da APA são: a agricultura, praticada tanto em terras de tabuleiros como nas terras de
paul19, onde cultivam mandioca, macaxeira, milho, inhame, coco-de-praia e feijão; a coleta de
pescado, caranguejo, camarão, marisco e frutas silvestres tais como o caju e a mangaba; a
atividade artesanal e uma atividade pecuária bastante incipiente baseada na criação de
algumas cabeças de gado e de aves. Na década de 90 do século XX, foi introduzida a
atividade carcinicultora que, por ser considerada impactante ao ambiente, e tida pelos
19
Nas áreas de paul os indígenas realizam o plantio de verão uma vez que durante o inverno elas ficam alagadas.
indígenas como uma atividade necessária à complementação da sua renda, tem sido objeto de
conflito como será observado no capítulo subseqüente.
Fig. 11 - Territórios contidos na APA da Barra do Rio Mamanguape
Fonte: ROLLA; RICARDO. 2004
4
APRESETAÇÃO
DOS
RESULTADOS:
COFLITOS
SÓCIO-
AMBIETAIS A APA DA BARRA DO RIO MAMAGUAPE
Durante o período da pesquisa foram observados alguns conflitos, tais como:
sobreposição da APA nas Terras Indígenas dos Potiguaras; conflito entre Ibama e Funai;
Conflito entre os carcinicultores indígenas e o Ibama; conflito entre a população residente na
APA e a usina Miriri; conflito entre carcinicultores particulares e Ibama; conflito entre Ibama
e Sudema; empresários hoteleiros e Ibama, dentre outros.
Dentre os conflitos observados, é notório logo no acesso à APA, o da onipotência da
cana-de-açúcar. Como ressaltado no capítulo anterior, um dos motivos que levaram à criação
da APA da Barra do Rio Mamanguape foi o avanço do plantio dessa lavoura, o que estava a
gerar uma insegurança muito grande para a população moradora do local, que, inclusive,
trabalhava, e ainda trabalha, na colheita da cana.
Conforme relatos dos moradores da comunidade de Praia de Campina, localizada no
interior da APA em questão, o proprietário da Usina Miriri chegou a dizer que era contra a
instalação de uma Área de Proteção Ambiental naquela região, pois, alegou ele, iria prejudicar
a população que estava, naquele momento, a favor de sua criação, pois prejudicaria o
crescimento econômico do local.
As terras onde se encontram as moradias da população da comunidade de Praia de
Campina também pertencem à Usina Miriri, mas encontra-se sobre a fiscalização do Ibama,
órgão responsável para tal, uma vez que estão situadas no interior da Unidade de Conservação
APA da Barra do Rio Mamanguape.
A seguir apresenta-se a metodologia utilizada, bem como o levantamento dos dados
obtidos da produção de camarão em viveiro e um relato dos conflitos sócio-ambientais
presentes na APA da Barra do Rio Mamanguape destacando suas origens, seu desenrolar e os
atores envolvidos.
4.1 METODOLOGIA
Para levar a efeito o estudo do conflito sócio-ambiental no território da APA da Barra
do Rio Mamanguape, uma série de procedimentos e técnicas de investigação fizeram-se
necessárias, quais sejam:
a) Levantamento bibliográfico. Além do levantamento da produção bibliográfica sobre a
referida APA, foi levantada e consultada uma ampla bibliografia de suporte para a
abordagem teórica e metodológica. Toda a bibliografia utilizada e referenciada
encontra-se elencada no final do trabalho;
b) Levantamento documental. Foram levantados e consultados documentos referentes à
criação da APA, aos processos judiciais sobre a carcinicultura no interior da APA em
questão, à legislação indígena, cópias das doações feitas para cumprir a parte social e
compensação ambiental do Projeto da Aquafer (Aquacultura Fernando Ltda.), ofícios
e memorandos e documentos diversos referentes ao processo de licença ambiental da
empresa citada, Resoluções do CONAMA, etc.;
c) Trabalho de campo. A pesquisa direta foi de fundamental importância para a
realização do estudo. Ela compreendeu várias etapas e vários procedimentos de
investigação tais como:
i) a realização de visitas: as visitas de campo foram realizadas para identificar os
diferentes grupos econômicos e sociais presentes na região. A primeira delas
ocorreu em fevereiro de 2006, com a companhia de Falcão20 quando a autora
foi apresentada aos moradores da comunidade Praia de Campina, e a seu
Carapeba, índio carcinicultor;
ii) Nesse primeiro contato, foram relatadas as condições nas quais viviam os
moradores, antes e depois da criação da APA da Barra do Rio Mamanguape.
As demais visitas foram realizadas seja sozinha ou acompanhada de uma
bolsista do PIBIC-UFPB, Joana Resende de Albuquerque que, por estar
efetuando pesquisa na área, muito nos ajudou na aplicação dos questionários.
20
Técnico da UFPB que desenvolve trabalho de ação comunitária junto à população residente na APA.
Estas visitas foram feitas utilizando tanto o transporte terrestre como o
aquático representado por “balsas tradicionais”;
iii) realização de entrevistas com os atores sociais envolvidos. Os principais atores
sociais presentes na região, constatados pelas visitas realizadas, são os
criadores de camarão privados, os pescadores, os catadores de caranguejo, as
marisqueiras, usineiros e carcinicultores indígenas. Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas com: três carcinicultores indígenas; quatro
representantes da população residente na Praia de Campina (comunidade
instalada no interior da APA, que trabalham como canavieiros, catadores de
caranguejo e na carcinicultura como assalariados); um técnico da Universidade
Federal da Paraíba que desenvolve trabalho de assistência comunitária junto à
população de origem indígena e à população residente nas comunidades
existentes no interior da APA e que esteve envolvido no processo de criação da
mesma; um dos sócios da usina Miriri; dois técnicos da Funai; um técnico da
SUDEMA-PB e; um técnico do IBAMA. Através dessas entrevistas se
procurou aprofundar quais os conflitos presentes com a criação da APA na
visão de cada ator social, quais os encaminhamentos que foram e que estão
sendo dados, quais os principais grupos de interesse oponentes ao grupo
investigado, qual a relação deles com o aparelho do Estado, etc.
iv) aplicação de questionários. Foi elaborado um questionário que compreendeu
além da identificação do entrevistado e de dados a ele relacionados, aspectos
sobre o processo de produção do camarão em viveiro e os fatores e conflitos
ambientais (v. em anexo). Foram aplicados 13 questionários junto a índios
carcinicultores da APA da Barra do Rio Mamanguape;
v) tratamento dos dados. Um banco de dados com informações sobre sexo, idade,
escolaridade, estado civil, ocupação, condições de trabalho e capacitação
técnica dos entrevistados, além de informações sobre os viveiros (data de
criação, área, número de taludes, espécies de camarão produzidos, finalidade
do cultivo, formas de obtenção das larvas, despesca, sistema de produção,
capital utilizado, destino da produção, comercialização), sobre as fontes de
financiamento, a origem e as formas de tratamento das águas, a preocupação
com a preservação dos mangues, os tipos de solo onde se localizam os taludes
e a preocupação ambiental, foi elaborado. Com base no mesmo foram
construídos gráficos e tabelas que posteriormente foram analisados;
vi) realização de uma documentação fotográfica. Foram feitas fotografias em
todas as visitas efetuadas de forma a possibilitar a organização de um acervo
sobre o conflito e a APA estudada.
4.2 A CARCINICULTURA NA ÁREA DA APA
As atividades econômicas desenvolvidas na APA da Barra do Rio Mamanguape
estão relacionadas à agropecuária, a extração vegetal e a pesca, destacando-se na agricultura a
monocultura da cana-de-açúcar. Porém, recentemente, a partir do início da década de 1990,
foi desenvolvida e implantada a carcinicultura. Esta surgiu no município de Marcação, como
uma alternativa para melhorar as condições sócio-econômicas da população. A atividade é
desenvolvida no interior da APA tanto pela população indígena quanto por empresas
privadas.
4.2.1 A Carcinicultura Indígena
A aldeia de Camurupim inaugurou esta atividade na área indígena paraibana, no
entanto, foi na aldeia de Tramataia que se construiu o maior número de viveiros entre 1997 e
1998, aproximadamente 115. Vale ressaltar que, embora a atividade agrícola familiar e a
atividade de carcinicultura sejam alternativas à ocupação na monocultura canavieira, elas não
garantem a independência dos produtores indígenas porque requer um certo capital inicial que
só é obtido através de financiamentos bancários, nem sempre acessíveis aos mesmos.
A atividade camaroeira desenvolvida pela comunidade indígena no município de
Marcação tem base dominantemente familiar (Gráfico 01).
Gráfico 01 - Mão-de-obra indígena assalariada e familiar na atividade camaroeira praticada no
município de Marcação (2006 / 2007)
Fonte: MOREIRA; RESENDE; MOUTINHO, 2007.
Entretanto, alguns produtores também contratam mão-de-obra temporária, com
duração de três meses, período do ciclo camarão, sendo o contrato renovado após um mês da
despesca. Outro tipo de trabalho temporário é o do diarista, contratado informalmente para
trabalhar no viveiro no dia da despesca. Os valores das diárias variam entre R$ 20,00 a R$
30,00, acrescido de três quilos de camarão, conforme dados obtidos durante a pesquisa de
campo.
As atividades produtivas são realizadas por homens. Apesar de existirem duas
mulheres proprietárias de viveiros são seus companheiros que gerenciam e executam os
negócios.
Os índios produtores de camarão de Marcação trabalham com viveiros de 15 a 20
camarões por m2, caracterizando o sistema semi-intensivo. A qualidade das pós–larvas
colocadas nos viveiros pode aumentar, se os produtores colocarem aeradores em seus
empreendimentos. Todavia, poucos são os empreendimentos que possuem este equipamento,
devido ao custo elevado da sua utilização. Os equipamentos utilizados pelos índios para
repassar a ração aos camarões na fase de engorda ainda são bastante rudimentares e constituise de pequenas telas presas a pneus de borracha com varas de madeira e são denominadas de
virolas. Estes são postos em vários locais do viveiro como recipientes de rações.
Em Marcação, 61% dos produtores realizam este procedimento quatro vezes ao ano,
como pode ser verificar no Gráfico 02. Os motivos para esta modificação encontram amparo
em alguns aspectos, tais como: queda do preço do camarão no mercado nos últimos tempos;
busca de trabalhar com custos de produção mais baixos, tendo em vista que ele depende do
tempo de cultivo.
De acordo com a pesquisa de campo observou-se que a faixa etária predominante entre
os produtores de camarão encontra-se entre 26 e 40 anos (46,15% da população investigada).
Apesar de jovens, o nível de instrução formal é baixo: 23,1 % não possui instrução, 61,5%
cursou o primeiro grau incompleto, 7,7% o primeiro grau completo e, 7,7% o segundo grau
incompleto.
Gráfico 02 – Despescas realizadas ao ano em Marcação
8%
31%
1 Despesca
3 Despescas
4 Despescas
61%
Fonte: Pesquisa de campo
Tramataia, Camurupim, Caeira e Brejinho são as aldeias de Marcação que até
dezembro de 2007 produziam camarões. São 23 famílias explorando 26 viveiros. Marcação
possui uma área de 123 km2, e as propriedades dos carcinicultores indígenas mapeadas que se
destinam aos viveiros estão representadas na Tabela 02, a seguir.
Tabela 02- Município de Marcação - Número de propriedades por carcinicultores, viveiros por
propriedades, área destinada à carcinicultura nas propriedades, percentual de viveiros por propriedade
e viveiros em atividade (2006 / 2007)
Produtor*
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
L
M
Total
Propriedade dos
carcinicultores
(ha)
7,5
2
12
9
2
1,5
3,5
1,9
2,5
5
10
3,3
5
65,2
Viveiros por
propriedade
3
1
3
3
2
1
2
1
2
1
3
2
2
26
Área destinada à
carcinicultura
(ha)
6
2
12
9
2
1,5
3,5
1,9
2,5
2,5
6
3,3
5
57,2
Área dos
viveiros na
propriedade
(%)
80
100
100
100
100
100
100
100
100
50
60
100
100
Viveiros em
atividade
2
1
3
3
2
1
2
1
2
1
2
2
2
24
Fonte: MOREIRA; RESENDE; MOUTINHO, 2007
* Os nomes foram omitidos para não expor os produtores.
Algumas propriedades foram desativadas por falta de capital, impossibilidade de obter
crédito, e por serem embargadas pelo IBAMA.
Em dezembro de 2007, foi criada a primeira cooperativa de carcinicultores indígenas,
localizada em Tramataia, que recebeu a denominação de Cooperativa dos Carcinicultores de
Tramataia Altino Figueiredo da Silva (fig. 12), em homenagem ao carcinicultor conhecido por
Nato, falecido durante o processo de formação da cooperativa. O Governo do estado da
Paraíba, através do Projeto Cooperar, deu assistência aos índios na criação dessa cooperativa
com a aplicação de módulos ministrados por seus técnicos, através dos quais foi redigido e
aprovado o estatuto da cooperativa, bem como dirimida as dúvidas existentes21.
21
Participamos do segundo módulo ministrado esclarecendo dúvidas sobre o vocabulário jurídico presente no
Estatuto da Cooperativa.
Fig. 12 – bloco de cimento marcando o
início
da
Cooperativa
dos
Carcinicultores de Tramataia Altino
Figueirêdo da Silva
A primeira despesca do grupo enquanto cooperados, ocorreu em 15 de janeiro de 2008,
obtendo-se aproximadamente 2,2 toneladas de camarão. Dessa quantia, 1,56 toneladas foram
vendidas à Noronha Pescados, empresa de pescado do estado de Pernambuco, e o restante foi
vendido para compradores avulsos e doados à comunidade.
O processo dessa despesca pode ser visualizado nas figuras abaixo apresentadas.
Fig. 13 – Abertura da comporta para que a Fig. 14 – Colocação dos depósitos próximos à
água que se encontra no viveiro escoe
comporta para facilitar a coleta do camarão
Fig. 15 – Colocação do mangote, espécie de Fig. 16 – Retirada da tela que impede que os
rede utilizada na despesca.
camarões passem.
Fig. 17 – Manuseio do mangote.
Fig. 18 – Retirada dos camarões do mangote.
Fig. 19 – Choque térmico dado nos camarões.
Fig. 20 – Transporte dos camarões nas
basquetas (caixas de plástico).
Fig. 21 – Camarões nas baquetas para escorrer Fig. 22 - Caminhão frigorífico onde são
a água e serem pesados.
colocados os camarões após a pesagem.
Fotos: Juliana F. Moreira
Entre as aldeias pesquisadas, destaca-se a de Camurupim por contribuir com 46% do
total de camarão produzido em viveiro. Logo em seguida vem Tramataia, responsável por
27% da produção (v. gráfico 03). Esta aldeia se destaca pela concentração de conflitos22,
assim como pela experiência na busca de soluções coletivas para os mesmos. Nesse processo
participa ativamente uma colônia de pescadores e carcinicultores denominada Colônia
Antônio Izidoro da Silva – Z/14.
Gráfico 03 - Marcação- Produção de camarão por Aldeia- 2006 / 2007
20%
27%
7%
46%
Brejinho
Camurupim
Caeira
Tramataia
Fonte: Pesquisa de campo
22
Esses conflitos são os referentes à proibição por parte do Ibama da atividade carcinicultora nas Terras
Indígenas, como será visto mais adiante.
4.2.2 A Produção de Camarão da Fazenda AquaFer (Aquacultura Fernando Ltda)
Um dos empreendimentos de carcinicultura existentes na APA, situado na margem
direita do Rio Miriri é a AquaFer – Aquacultura Fernando Ltda, com 31,93 hectares de área,
contendo 7 (sete) viveiros de 3 (três) hectares cada (fig. 23), além do tanque destinado ao
berçário das larvas, do tanque de decantação e do sistema fechado de fornecimento de água
(fig. 21).
Fig. 23 – Viveiros da AquaFer e o sistema fechado de abastecimento d’água
Fonte: Pesquisa de Campo
Foto: Juliana F. Moreira
Trata-se de uma fazenda de camarão que faz uso de mão-de-obra assalariada. Esta é
composta de 26 funcionários, cujas funções são: observar o nível de ph da água dos viveiros,
inserindo, sempre que necessário, cal, para que a água mantenha-se adequada à sobrevivência
dos camarões; alimentar os camarões, colocando a ração misturada com melaço nas virolas
(fig. 24); retirar a vegetação que cresce ao redor dos viveiros; vigiar a fazenda; ligar os
areadores, com o objetivo de manter os viveiros devidamente oxigenados, evitando, assim,
que os camarões bóiem, ou seja, morram.
Fig. 24 – Virolas utilizadas para colocar o alimento dos camarões
Fonte: pesquisa de campo
Foto: Juliana F. Moreira
A despesca é feita de 30 em 30 dias, um viveiro por vez. A despesca dura cerca de 12
horas, fazendo-se necessário a contratação de diaristas para ajudar nesse processo. Após a
despesca o viveiro é limpo e fica desativo por um determinado período, para que o solo possa
se recuperar, antes do início do próximo ciclo.
Ao realizar a despesca, os camarões são acondicionados em caminhões frigoríficos
pertencentes aos “intermediários” que compram o camarão e o revende tanto para o mercado
externo, quanto interno. Todavia, no início da atividade desse empreendimento, era mais
rentável vender o produto para o mercado externo, pois a diferença no preço da grama do
camarão era considerável.
Contudo, com as mudanças surgidas no comércio do camarão, no que tange ao
mercado externo, o que acarretou, inclusive, na quebra de algumas empresas que atuavam
como intermediárias entre o produtor e o comprador estrangeiro. Fizeram com que a AquaFer
reduzisse sua produção, e, consequentemente, dos lucros até então obtidos.
Sabe-se que, a princípio, os principais importadores de camarão eram os Estados
Unidos da América, a Europa e o Japão, contudo essa estrutura começou a mudar quando os
EEUU passaram a incentivar/investir na produção carcinicultora em seu país, o que resultou
numa diminuição do crescimento da importação de camarão para o mesmo, no que se refere a
evolução que se vinha tendo até então. Veja no gráfico abaixo (gráfico 04) a evolução das
importações de camarão pelos Estados Unidos.
Gráfico 04 – Evolução das Importações de Camarão pelos Estados Unidos
Fonte: ROCHA; ROCHA, 2007
Como o mercado, seja ele externo ou interno, é dinâmico, outra mudança está
ocorrendo, a comercialização do camarão para exportação está, novamente, tornando-se
viável financeiramente, apesar de não corresponder a mesmas realidade outrora vivenciada
pelos produtores de camarão.
4.3 O CONFLITO DE COMPETÊNCIAS; SUPERPOSIÇÃO DA APA NA TERRA
INDÍGENA POTIGUARA
No que tange à superposição23 de uma Unidade de Conservação em terras já ocupadas
pelo homem, surge uma das questões mais polêmicas no contexto dos movimentos sociais e
ambientais no Brasil, conforme afirmam os estudiosos do assunto, dentre eles Leitão (2004).
Essa questão gira em torno da permanência ou não das populações que já habitavam a região
onde foi criada uma UC.
Os que defendem a permanência do homem nas regiões superpostas alegam que ele
não deveria ser retirado do local, pois o que se pretende proteger é o que resultou da sua
interação com a natureza, ou seja, o patrimônio ambiental presente na APA da Barra do Rio
Mamanguape. Entende-se, por essa linha de pensamento, que o meio ambiente existente nas
23
Superposição é o fenômeno no qual se é criada uma Unidade de Conservação em local já ocupado pelo
homem. No que diz respeito às Terras indígenas Potiguara, observa-se a criação de uma ARIE – Área de
Relevante Interesse Ecológico- e de uma APA – Área de Proteção Ambiental - onde já existiam índios morando.
Diga-se, de passagem, que essa população indígena já existia no local antes mesmo do período colonial
brasileiro.
regiões povoadas não é mais “virgem”, intocado, ao contrário, já sofreu a interferência do
homem, acarretando mudanças em relação a situação pré-existente.
Em sentido diametralmente oposto encontram-se aqueles que entendem não ser
possível a presença do homem nos locais em que são criadas algumas Unidades de
Conservação, como por exemplo, as Unidades de Conservação de Proteção Integral e algumas
das UC’s de Uso Sustentado, uma vez que, segundo esta corrente de pensamento, “tais
populações e suas práticas de exploração da natureza causam sérios impactos à preservação
do meio ambiente nas UCs” (LEITÃO, 2004: p.17).
Com a criação da APA da Barra do Rio Mamanguape, em 1993, ocorreu o fenômeno
denominado de superposição, ou seja, uma área já existente, com legislação própria (no caso
em apreço, a legislação indigenista), passa a ser inserida em outra área que se sobrepõe
àquela, onde a legislação que vige é a ambiental. Todavia não foi apenas a superposição da
APA citada a ocorrida, apesar de ser a mais importante, mas, também, a da Área de Relevante
Interesse Ecológico (ARIE), conforme mostrado no mapa presente na fundamentação teórica
(fig.11).
Em decorrência dessa superposição surgem vários conflitos nos quais se encontra
presente a carcinicultura, que buscaremos estudar a seguir.
Com a superposição de áreas ocorre, consequentemente, superposição de leis e de
interesses, o que gera novos conflitos, dentre eles o conflito de leis.
4.3.1 Conflito de leis
O Estatuto do índio, Lei nº 6.001, de 19 de dezembro de 1973, em seu artigo 2º, inciso
IV, é claro ao determinar que:
Cumpre à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das
respectivas administrações indiretas, nos limites de sua competência, para a
proteção das comunidades indígenas e a preservação de seus direitos:
IV - assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de
vida e subsistência.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, por sua vez, em seu artigo
231, caput, prescreve que:
São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que
tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer
respeitar todos os seus bens.
Ora, mas como se pode dizer que os Potiguara têm direitos sobre as terras e a escolha
dos seus meios de vida e subsistência, como preceituam os dispositivos legais transcritos
acima, se para desenvolver atividades econômicas nas mesmas necessitam de autorização do
Ibama, uma vez que sobre elas foi criada a Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio
Mamanguape, bem como a Área de Relevante Interesse Ecológico?!
Esta é realmente uma situação delicada, uma vez que a lei indigenista permite que os
índios tenham o direito de escolher livremente o que desejam desenvolver a título de
subsistência, e, por outro lado, a Resolução Conama nº 312, de 10 de outubro de 2002, veda a
atividade da carcinicultura em áreas de manguezal, atividade esta escolhida por alguns índios
Potiguara como fonte de sustento de várias famílias indígenas, que é realizada nas áreas de
mangue.
A princípio, tem-se que, conforme o artigo 2º da Resolução Conama nº 312, de 10 de
outubro de 2002, é vedada a prática da carcinicultura em áreas de manguezal, ou seja, se
fôssemos seguir a lei ao “pé da letra” os empreendimentos de criação de camarão em viveiro
na ARIE existente no interior da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape
não seriam sequer permitidos. Todavia, surge o questionamento sobre o que fazer quando tal
atividade aqüicultora já está em funcionamento antes da publicação desta Resolução.
É preciso que o legislador use do bom senso ao aplicar a lei, afinal resta analisar se
realmente o meio ambiente está sendo afetado, e não se pode esquecer que o ser humano
também faz parte do meio, é meio ambiente. Assim sendo, de acordo com a Resolução
supracitada, em seu artigo 3º, tem-se que:
Art. 3º A construção, a instalação, a ampliação e o funcionamento de
empreendimentos de carcinicultura na zona costeira, definida pela Lei nº
7.661, de 1988, e pelo Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, nos
termos desta Resolução, dependem de licenciamento ambiental.
Parágrafo único. A instalação e a operação de empreendimentos de
carcinicultura não prejudicarão as atividades tradicionais de sobrevivência
das comunidades locais. (BRASIL, 2002)
Assim sendo, o que se observa, na prática, é a exigência legal da existência do
licenciamento ambiental para que a atividade de criação de camarões em viveiros seja
realizada legalmente, ou seja, sem que haja a aplicação de sanções administrativas ou judiciais
por parte do órgão competente. Mas qual é o órgão competente para aplicar as sanções
administrativas na APA da Barra do Rio Mamanguape? O Ibama ou a Sudema?
A resposta a essa indagação gira em torno da pessoa jurídica de direito público que
seria competente para autuar os empreendimentos, bem como fornecer o licenciamento
ambiental. Há, aqui, duas óticas a serem analisadas, uma delas refere-se aos viveiros de
camarão no interior das Terras Indígenas Potiguara, e a outra às fazendas de camarão situadas
também no interior da APA, mas em terras privadas.
Quanto à carcinicultura praticada nas TIs Potiguara não há discussão sobre a
incompetência da Sudema e conseqüente competência do Ibama, pois, como depreende-se do
artigo 20 da Constituição Federal de 1988, as terras indígenas são bens da União, competindo
ao órgão federal controlá-la e fiscalizá-la.
Art. 20 – São bens da União:
(...)
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.” (grifo nosso)
(BRASIL, CF/88, 2005)
Contudo, esse entendimento gera discussões quanto aos empreendimentos de
carcinicultura existentes nas terras privadas localizadas na APA Federal, situada no Estado da
Paraíba (Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape). Há o entendimento que
entende ser a competência concorrente, competindo tanto ao Ibama quanto à Superintendência
de Desenvolvimento e Meio Ambiente o controle e fiscalização da região, do qual um dos
procuradores da Sudema coaduna.
O Ibama, por sua vez, possui entendimento contrário. Afirma ser sua a competência
para controlar e fiscalizar essa APA, uma vez que é ela Federal, diferente das demais Áreas de
Proteção Ambiental existentes no Estado da Paraíba, que são estaduais. Desta feita, as
atividades econômicas que façam uso dos recursos naturais e as que acarretem impactos
ambientais situadas nessa APA são de responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis. O Decreto que criou a Unidade de
Conservação “Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape” prevê que:
Art. 3° A APA da Barra do Rio Mamanguape será implantada,
supervisionada, administrada e fiscalizada pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em articulação com
a Superintendência de Defesa do Meio Ambiente (Sudema) e com o
Batalhão de Polícia Florestal, do Estado da Paraíba, as Prefeituras dos
Municípios de Rio Tinto e de Lucena e seus respectivos órgãos de meio
ambiente, e organizações não-governamentais interessadas. (BRASIL, 1993)
4.4 CONFLITO ENTRE EMPRESA CARCINICULTORA AQUAFER E O IBAMA
A instalação do empreendimento AquaFer teve como ponto de partida os dados
obtidos pelo proprietário junto ao Governo do Estado da Paraíba em setembro de 1998,
através do relatório “Levantamento das áreas litorâneas do Estado da Paraíba com potencial
para exploração comercial do cultivo de camarão marinho” fornecido pelo Programa de
Desenvolvimento Sustentável da Paraíba (em anexo), que considerou a região propícia para a
implantação de viveiros de camarão. Trata-se, ainda, de uma área própria com escritura e
cadeia dominial anterior ao ano de 1910 denominada anteriormente de Propriedade Rural
Barra de Mamanguape (v. Cadeia dominial da propriedade rual Barra de Mamanguape- Rio
Tinto-PB, em anexo) e que pertence ao Sr. Fernando Gonçalves de Souza.
Para entender o conflito entre a AquaFer e o IBAMA necessário se faz recuperar todo o
processo responsável pelo mesmo.
O conflito tem início quando, tomando ciência dos dados fornecidos pelo estudo do
Governo Federal supracitado, o Sr. Fernando Gonçalves de Souza decide investir na
carcinicultura, adquirindo 69,01 ha das terras dominiais de Barra de Mamanguape, em 2000,
situados no interior da APA da Barra do Rio Mamanguape, mais precisamente na Praia de
Campina.
Para que fosse possível dar início ao empreendimento de carcinicultura foi necessário
a confecção de um projeto, que foi submetido à análise do IBAMA por meio do Processo
Administrativo nº 02016.000426/01-83, em 2001, em anexo. Nesse mesmo processo
solicitou-se, ainda, a análise de Plano de Controle Ambiental (PCA) e a viabilidade técnica e
ambiental do empreendimento.
No relatório de análise e vistoria técnica, referente ao projeto supramencionado, é
colocado de forma clara que as obras que se fariam necessárias à implantação do
empreendimento causariam impactos ambientais, conforme observa-se abaixo:
Essas obras de construção provocarão inevitavelmente impactos negativos
ao ambiente estuarino com a remoção do substrato formado de matéria
orgânica e outros nutrientes vitais ao crescimento e formação dos bosques de
mangue (Relatório de Análise e Vistoria Técnica)
Foram elencadas, ainda, medidas mitigadoras que deveriam ser adotadas por ocasião
da Implantação do Projeto, quais sejam:
I- A área escolhida para implantação dos 31,93 ha de viveiros para cultivo
do camarão (Litopenaeus vannamei) na Fazenda Barra de Mamanguape,
embora o empreendimento seja implantado na área da fazenda de solo
hipersalino e que mais da metade desta área já tenha sido antropizada,
restando pouca vegetação típica de tabuleiro e de restinga. A implantação do
projeto por si, descaracterizará a paisagem natural dando lugar a uma visão
típica de tangues alagados para cultivo associada a vegetação do entorno do
projeto, inerente a região estuarina que é o mangue e algumas espécies
características de restinga. Dessa forma, sugerimos que seja feito um
reordenamento da área de reserva legal, de acordo com as mudanças
estruturais nos viveiros VE-06, VE-01, VE-02 recomendadas neste relatório
de vistoria técnica.
II- Recuar as faces norte dos viveiros VE-01 e VE-02 em 30m da faixa
marginal do mangue.
III- Transformar o viveiro VE-06 em tanque de decantação para efluentes do
complexo produtivo.
IV- Construir canal de drenagem interligando os viveiros VE-01 e VE-02 ao
tanque de decantação proposto.
V- Construir a estação de bombeamento recuada em 30m da faixa marginal
do mangue, como medida de controle ambiental.
VI- Adotar medidas preventivas de controle de eventuais vazamentos de
óleo diesel na casa de bombas, inclusive dispor de bóias de contenção de
óleo.
VII- Realocar em planta a nova área de reserva legal e alterações nos
viveiros e canal de abastecimento.
No que tange às recomendações feitas, tem-se as seguintes:
- A APA de Mamanguape deverá emitir um parecer sobre a implantação do
projeto;
- O Projeto de Mamíferos aquáticos do IBAMA deverá ser ouvido visto a
proximidade de sua base, que tem seus tanques e viveiros no estuário de Rio
Mamanguape;
- Cumprir as medidas mitigadoras do projeto;
- Apresentar outorga da água expedida pela SEMARH;
- Averbar a área de reserva legal;
- Apresentar ART dos técnicos responsáveis pela elaboração e execução do
empreendimento. (RELATÓRIO DE ANÁLISE E VISTORIA)
Por fim, o parecer conclusivo da comissão responsável pela análise e vistoria do
projeto de carcinicultura AquaFer manifestou-se em sentido favorável à implantação do
empreendimento, desde que o empreendedor cumprisse as recomendações técnicas
especificadas no relatório. Isso não implica dizer que não serão feitas vistorias, pois elas
devem ocorrer permanentemente.
Obedecendo as recomendações, o proprietário da terra solicitou que a APA da Barra
do Rio Mamanguape desse o seu parecer sobre o projeto. O Chefe da APA prolatou parecer
favorável ao empreendimento, em 26 de novembro de 2001, abaixo transcrito:
Diante do exposto, considerando os aspectos positivos e negativos da
atividade carcinicultora, observa-se que a Aquafer teve a preocupação de
elaborar um projeto sustentável, excluindo do projeto as áreas com
vegetação de mangue e propondo a construção de uma lagoa de
estabilização, para tratamento dos efluentes. Desta forma, verifica-se que a
proposta atende os requisitos técnicos, portanto sou favorável a implantação
do projeto.
Para que fosse dado início à implantação do Projeto, a AquaFer – Aquacultura
Fernando Ltda, solicitou autorização do Ibama para a realização da limpeza de 31,93 ha de
sua propriedade, para que os viveiros pudessem ser instalados. Tal pedido foi deferido pelo
Procurador Federal José Hilton Ferreira da Silva, em 09 de janeiro de 2002, por meio do
parecer nº 004/2.002 abaixo transcrito.
SUGIRO pelo DEFERIMENTO do pleito, para autorizar o postulante a
efetuar a limpeza do terreno para implantação do projeto, cuja implantação
dependerá do licenciamento ambiental da atividade. (PARECER 004/2002)
Todavia, conforme se depreende do Parecer 004/2002, para que o empreendimento
fosse instalado fazia-se necessário a obtenção do licenciamento ambiental.
O licenciamento ambiental24, para inserção de empreendimentos impactantes em
Áreas de Proteção Ambiental é fragmentado em 03 espécies, quais sejam: Licença Prévia
(LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).
Desta feita, foi solicitado o licenciamento ambiental, sendo a Licença Prévia
concedida em 22 de janeiro de 2002, através do Ofício nº 027/2002 – GAB/IBAMA/PB. Com
posse desse documento oficial realizou-se a limpeza do terreno.
A solicitação para obtenção da Licença de Instalação pela AquaFer foi efetuada em 18
de janeiro de 2002, junto ao Ibama, obtendo em 01 de março do mesmo ano o Parecer nº
01/2002-IBAMA/NLA/PB, onde constava não haver óbices à emissão da LI. Todavia, a LI
não foi emitida o que levou a AquaFer a peticionar, em 18 de julho de 2002, ao Procurador
da República Dr. Marcelo Alves Dias de Souza, pleiteando a interferência deste órgão junto
ao IBAMA/BRASILIA, com o fulcro de que fosse agilizada tal licença. Diante deste pedido,
o Procurador da República chamado a manifestar-se, reafirmou,
a preocupação do Ministério Público Federal (MPF) pela demora, agora
injustificada, na apreciação dos processos de licenciamento (pois que estão
todos devidamente instruídos e com solução positiva sugerida pelo
IBAMA/PB) ressaltando a responsabilidade do IBAMA-Brasília por
qualquer retrocesso nas soluções até agora encontradas (Ofício nº 150/2002MPF/PR/PB/GAB).
Em 30 de janeiro de 2003, passado-se aproximadamente um ano do pedido para
solicitação da LI, a AquaFer peticionou ao Presidente do IBAMA solicitando às autoridades
competentes a urgente liberação da LI. Alegou, nesse documento, que devido as informações
fornecidas pelo IBAMA de que esta licença sairia em breve, realizou o financiamento de parte
do projeto, tendo o Gerente do Banco financiador ligado para o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, obtendo a informação de que dentro do mês
de fevereiro de 2002 a licença de instalação sairia, motivo pelo qual foi concedido o
financiamento com garantias registradas em cartório, ficando aguardando a LI para a
liberação do dinheiro.
24
Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação,
ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas
efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental,
considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso. (Resolução
Conama nº 237, de 19 de dezembro de 1997).
Extraindo trecho do documento observa-se a indignação com a demora da emissão da
LI,
Resumindo, depois de comprar a área, fazer o projeto, abrir firma, outorga
de água, registro de aqüicultor, alvará da prefeitura, CNPJ, inscrição
estadual, registro de reserva legal, etc, estamos aguardando a Licença de
Implantação a 18 meses, portanto já passou o prazo de 6 meses conforme a
Resolução 237 de 19/12/1997, artigo 14.
Art. 14 - O órgão ambiental competente poderá estabelecer prazos de análise
diferenciados para cada modalidade de licença (LP, LI, LO), em função das
peculiaridades da atividade ou empreendimento, bem como pra a formulação
de exigências complementares, desde que observado o prazo máximo de 6
(seis) meses a contar do ato de protocolar o requerimento até seu
deferimento ou indeferimento, ressalvados os casos em que houver
EIA/RIMA e/ou audiência pública, quando o prazo será de até 12 (doze)
meses. (RESOLUÇÃO CONAMA Nº 237/97, ART. 14)
Em 09 de junho de 2003, o IBAMA, por meio do Ofício nº 792/2003 –
IBAMA/DILIQ, determinou a obrigatoriedade da realização do Estudo de Impacto Ambiental
e do respectivo Relatório de Impacto Ambiental - EIA/RIMA do empreendimento, seguindo a
determinação da Resolução Conama nº 312/2002.
Art. 5º Ficam sujeitos à exigência de apresentação de EIA/RIMA,
tecnicamente justificado no processo de licenciamento, aqueles
empreendimentos:
I - com área maior que 50,0 (cinqüenta) ha;
II – com área menor que 50,0 (cinqüenta) há, quando potencialmente
causadores de significativa degradação do meio ambiente;
III – a serem localizados em áreas onde se verifique o efeito de adensamento
pela existência de empreendimentos cujos impactos afetem áreas comuns.
(RESOLUÇÃO CONAMA Nº312/2002)
Através deste ofício, foi informado ao Sr. Fernando Gonçalves de Souza, proprietário
do empreendimento de carcinicultura Aquafer, que far-se-ía necessário a
• Reelaboração do projeto do empreendimento, com a inserção do recuo de
30 metros dos taludes dos viveiros em relação ao manguezal adjacente e à
área do canal sobre a influência de maré; e de recuo de 50 metros dos taludes
dos viveiros em relação às áreas alagadiças;
• Realocação da Bacia de Sedimentação do projeto original, de forma que
sua localização e seu bueiro de descarga de efluentes, causem os mínimos
impactos ambientais no canal de influência da maré e no mangue do entorno
do empreendimento;
• Inserção no projeto original de mecanismos de segurança mais eficiente
para evitar perda de indivíduos durante a despesca, pela grande amplitude da
variação no crescimento dos indivíduos, sendo recomendado a implantação
de telas de segurança, após a rede de despesca, similares àquelas utilizadas
antes das comportas dos viveiros, com malhas finas dispostas em série
(OFÍCILO Nº. 792/2003 – IBAMA/DILIQ).
Tal medida surpreendeu a Aquafer, pois entendia que o EIA/RIMA não seria exigível
para o seu empreendimento, uma vez que a extensão do mesmo era inferior a 50,0 ha.
Todavia, o IBAMA entendeu que o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto
Ambiental deveria ser realizado, pois levou-se em consideração a extensão total da
propriedade, e não apenas a área destinada para a carcinicultura.
Diante dessa situação, onde o IBAMA, primeiramente autorizou a emissão da Licença
de Instalação, que nunca foi emitida, e que, posteriormente, após ter transcorrido mais de um
ano dessa autorização, solicitou a confecção de novo projeto à Aquafer, retornando, assim, ao
ponto inicial de todo o processo, a Aquacultura Fernando Ltda. solicitou ao Poder Judiciário a
emissão de liminar para que pudesse dar continuidade ao empreendimento enquanto não se
fosse emitida a LI, bem como a LO.
O pedido foi indeferido no primeiro momento, sendo interposto o Agravo de
Instrumento Nº. 50995 junto ao Tribunal Regional Federal da 5ª Região, referente ao Processo
de nº2003.05.00.023169-4, que deferiu o pedido de liminar, mas fez a seguinte ressalva:
Por último, faz-se necessário esclarecer que caberá ao IBAMA a adoção das
providências necessárias para efetivação do estudo conjunto, o que facilitará,
inclusive, a sua realização pelos empreendedores, diante da economia de
custos a ser obtida, não podendo haver qualquer embaraço à
licença/autorização já concedida em face do estudo ora determinado,
devendo qualquer medida relativa ao EIA/RIMA ser submetida previamente
à apreciação do Judiciário.
Apenas em 11 de setembro de 2003, conforme se depreende do Ofício nº68/2003 –
COAIR/IBAMA, assinado pelo Coordenador de Avaliação e Análise de Risco, foi
encaminhada ao Sr. Fernando Gonçalves de Souza Filho, diretor administrativo da Aquafer, a
Licença de Instalação nº229/2003, referente ao empreendimento de carcinicultura. Contudo,
essa licença ambiental só teria validade enquanto persistissem os efeitos inerentes à decisão
judicial que concedeu a liminar .
Esta Licença de Instalação terá validade enquanto persistirem os efeitos da
decisão judicial referida, ou seja, da decisão judicial concessiva de liminar
proferida pelo relator do agravo de instrumento nº 2003.05.00.023169-4, em
sede de agravo regimental, perante o TRF da 5ª Região, decorrente do
Mando de Segurança nº 2002.82.00.5899-2, em trâmite perante à 3ª Vara
Federal da Seção Judiciária da Paraíba, observadas as condições a seguir.
(Ofício 68/2003 – COAIR/IBAMA)
O IBAMA, inconformado com a decisão prolatada pelo Desembargador Federal Luiz
Alberto Gurgel de Faria, recorreu da decisão. Desse recurso obteve-se a cassação da liminar
anteriormente concedida, em decorrência de decisão unânime prolatada pela Quarta Turma do
Tribunal Regional Federal da 5ª Região publicada em 12 de janeiro de 2006.
A conseqüência dessa decisão foi o cancelamento da Licença de Instalação
anteriormente concedida por força de decisão judicial que concedera a liminar.
O IBAMA, através do Ofício nº 45/2006 – DILIQ/IBAMA, encaminhado ao Sr.
Fernando Gonçalves de Souza, comunicou que em decorrência do cancelamento da LI nº
229/03, estava proibida a “continuidade da execução das obras de implantação e operação do
empreendimento, não o eximindo das medidas legais cabíveis em relação à questão”. Neste
mesmo documento destacou-se a obrigatoriedade da realização do EIA/RIMA no
empreendimento.
Após o recebimento deste comunicado, datado de 20 de janeiro de 2006, a Aquafer foi
notificada, em 18 de julho de 2006, pelo IBAMA. A descrição contida nessa Notificação foi a
seguinte:
Considerando a Acórdão do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região
(TRJ- 5ª Região), em sede de Apelação em Mandado de Segurança nº
89560-PB, que negou provimento à apelação interposta pela empresa
Aquafer – Aquacultura Fernando Ltda., e declarou a nulidade da Licença de
Instalação nº 229/03 e ainda considerando o Termo de Embargo/Interdição
nº 0218965-C, lavrado pelo IBAMA em 12/05/2005, NOTIFICAMOS essa
empresa para paralisar imediatamente as atividades do empreendimento
(projeto de carcinicultura) instalado no interior da Unidade de Conservação
Federal APA da Barra do Rio Mamanguape efetuando ainda, no prazo
máximo de 72 (setenta e duas) horas, contado a partir do recebimento desta
NOTIFICAÇÃO, a despesca em todos os viveiros-berçários existentes no
empreendimento, esvaziando-os por completo e vendando-se, ainda, o
repovoamento desses viveiros.
Informamos que as larvas e pós larvas dos viveiros-berçários não poderão
ser liberadas no ambiente natural e sim incinerados, sob pena das
cominações da lei.
O não cumprimento da determinação contida nesta NOTIFICAÇÃO poderá
constituir crime de desobediência, tipificado no artigo 330 do Código Penal
e implicará na aplicação das sanções administrativas cabíveis, além do
encaminhamento do caso ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal
para apuração de responsabilidades.
A Aquafer, ao receber a notificação, ficou apreensiva, afinal não haveria como realizar
a despesca de todos os seus viveiros em 72 horas, sem que isso não acarretasse sérios
prejuízos financeiros, bem como ambientais, uma vez que para a realização da despesca faz-se
necessário, de acordo com a solicitação de prorrogação do prazo para despesca dos viveiros
protocolada junto ao órgão ambiental competente (IBAMA):
• Contratar a venda dos camarões;
• Avaliar diariamente os camarões até constatar que estão prontos, com peso
ideal e com a carapaça dura conforme exige o mercado;
• Ter a disponibilidade do frigorífico para fazer a despesca e o
processamento dos camarões;
• No processo de despescagem, abaixa-se lentamente o nível do viveiro em
torno de 50% do volume de água, o que leva de um a dois dias e só então
abre-se a comporta para dar início a despesca, a água vai saindo para a bacia
de sedimentação e os camarões vão sendo colhidos até o total esvaziamento
do viveiro, o que leva mais de 12 horas aproximadamente;
• A água que sai do viveiro permanece na bacia de sedimentação por alguns
dias, e só então está pronta para retornar para outros viveiros ou ser liberada
para o estuário.
Desse pedido houve parecer desfavorável, ou seja, não foi autorizada a prorrogação do
prazo para a realização da despesca nos viveiros da Aquafer. O que resultou de
descumprimento da decisão por parte desse empreendimento, o que resultou na Ação Civil
Pública interposta pelo IBAMA em face deste empreendimento de produção de camarões,
gerando o Processo de nº 2006.82.7053-1 junto à Justiça Federal.
A decisão prolatada pelo Juiz Federal Rogério Roberto Gonçalves de Abreu deu
provimento parcial ao pedido do IBAMA:
(...) Nesse sentido, considero presentes a plausibilidade jurídica da
argumentação enfocada pelo IBAMA e o perigo da demora (art. 12 da Lei nº
7.347/1985) que acarretam a concessão da medida liminar exclusivamente
em relação ao item “a.1” – “paralisar imediatamente o funcionamento de seu
Projeto de Carcinicultura (fls. 13).
13).
Relativamente ao item “a.2” – “desativar imediatamente os seus viveiros de
carciniculutra”-, não seria prudente, por ora, proceder à desativação do
empreendimento, tendo em vista os investimentos presumidamente nele
realizados e diante de eventual e futura concessão de licença de operação se
atendidos os requisitos exigidos pelo IBAMA.
Da mesma forma, o atendimento liminar do item “a.3” – “apresentar ao
IBAMA, em um prazo de trinta dias, Projeto de Recuperação da Área
Degradada, prevendo a recuperação da área dos viveiros a serem
desativados, bem como a recuperação de toda a área afetada direta ou
indiretamente pelo Projeto, devidamente acompanhado de cronograma de
execução com início em prazo não superior a quinze dias, após aprovação do
IBAMA” – implicaria, de um lado, o deferimento do item “a.2” e, de outro,
pressupõe que haja degradação ambiental decorrente do empreendimento,
aspecto este que está sujeito à dilação probatória, porquanto não
demonstrado de plano.
Atendendo a decisão judicial os viveiros foram desativados e os 24 funcionários que
trabalhavam no empreendimento foram despedidos. O que pode ser comprovado pelas fotos
(figs. 25 a 28) tiradas durante a pesquisa de campo realizada no local em períodos diferentes,
antes e depois da decisão judicial que determinou o desativamento do empreendimento.
Fig.25 – Canal de abastecimento em atividade
Fig. 26 – Canal de abastecimento desativado
Canal de alimentação de água para os viveiros em
pleno funcionamento, antes da decisão judicial que
determinou a interrupção das atividades.
Canal de abastecimento de água em inatividade,
devido a decisão judicial, comprovando o
cumprimento da mesma.
Fotos: Juliana Fernandes Moreira
Fig. 27 – Viveiros em atividade
Fotos: Juliana Fernandes Moreira
Fig. 28 – Viveiros desativados
Buscando cumprir as determinações legais impostas, a AquaFer peticionou ao
IBAMA, em 28 de abril de 2006, solicitando o fornecimento do Termo de Referência do
Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, documento necessário para
que se pudesse dar início ao EIA/RIMA.
Em 05 de fevereiro de 2007, após 10 meses da requisição do Termo de Referência do
EIA/RIMA, o IBAMA/BRASILIA, através do Ofício 35/2007, comunicou que tal documento
estava sendo encaminhado em anexo. Mais uma vez observou-se a morosidade desse órgão
ambiental em manifestar-se acerca do tema, o que prejudica consideravelmente todo e
qualquer empreendimento que dele necessite.
Até o último contato realizado com o empreendimento, há aproximadamente dois
meses, o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) solicitado pela AquaFer ainda não havia
sido emitido. Assim sendo, até aquele presente momento os viveiros continuavam paralisados
e o EIA/RIMA já estava sendo providenciado, conforme consta na Declaração emitida pela
Consultoria Ambiental Ltda., responsável pela realização desse estudo no local.
4. 5 CONFLITO SÓCIO-AMBIENTAL ENTRE ÍNDIOS CARCINICULTORES, O IBAMA
E A FUNAI
Para os povos indígenas, a terra é muito mais do que
simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da
vida social e está diretamente ligada ao sistema de
crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural
- e tão importante quanto este - é um recurso sóciocultural (RAMOS, Alcida Rita - Sociedades Indígenas).
O processo de homologação das Terras Indígenas no Brasil ocorre por meio de
processo administrativo composto pelas seguintes fases administrativas: estudo, delimitação,
declaração, homologação e regularização da área. Este procedimento é imposto pela
Legislação indígena, cujo art. 1º do Decreto nº. 1.775, de 08 de janeiro de 1996, determina
que as TI sejam administrativamente demarcadas por iniciativa e sob a orientação da Funai.
Vale ressaltar, nesse momento, que apesar de se falar do processo de demarcação
como sendo o conjunto de procedimentos necessários para a delimitação da terra indígena, na
verdade, trata-se apenas de uma das fases do processo demarcatório. Observe que o Decreto
1775/96, em seu preâmbulo, afirma que “dispõe sobre o procedimento administrativo de
demarcação das terras indígenas” (grifo nosso), enquanto, efetivamente trata do todo, ou
seja, do processo demarcatório.
A Terra Indígena (TI) Potiguara, localizada na zona costeira do Estado da Paraíba, foi
demarcada em 1983 e homologadas em 1991. A TI Potiguara encontra-se dividida em três
áreas contíguas, quais sejam: TI Potiguara, TI Potiguara de Monte-Mor e TI Jacaré de São
Domingos, conforme mostra o mapa “Terras Indígenas Potiguara”, em anexo.Possuindo, em
sua totalidade, uma área de aproximadamente 33.757,73 ha.
Os conflitos atinentes às terras indígenas não são recentes, eles nos remetem ao
período da colonização brasileira, onde, num primeiro momento temos a invasão dos
portugueses, colonizando e desculturalizando os índios. Fazendo remissão aos Potiguaras,
têm-se notícia de sua existência na costa nordestina entre as regiões em que se encontram
atualmente a cidade de João Pessoa, no Estado da Paraíba, e a de Fortaleza, no Estado do
Ceará, como mostra a figura 29, desde o ano de 1501. De acordo com SANTOS (2005), “a
Baía da Traição é referida como o coração do território Potiguara na Paraíba, sendo
conhecido, também pelo nome indígena de Acajutibiró, ou ‘terra do caju azedo’ ”.
Fig. 29 - Mapa Etno-Histórico de Curt Nimuendaju
Fonte: IBGE
Como forma de garantir o direito às terras nas quais habitavam, os índios Potiguara
reivindicaram a propriedade delas. Assim sendo, D. Pedro II, em 1859, doou aos índios duas
sesmarias: São Miguel da Baía da Traição25 e Nossa Senhora dos Prazeres de Monte-Mor.
Contudo, em 1862, por determinação do Imperador, foi nomeado Antônio Gonçalves
da Justa Araújo para realizar o loteamento das duas Sesmarias doadas aos índios Potiguara,
mas apenas a de Nossa Senhora dos Prazeres de Monte-Mor chegou a ser loteada, entre os
anos 1866 e 1867, em 150 lotes, permanecendo a de São Miguel da Baía da Traição como
propriedade coletiva (SANTOS, 2005).
Não são poucos os conflitos referentes à propriedade da terra em relação aos índios
Potiguara situados no Estado da Paraíba. Eles tiveram suas terras invadidas, conseguiram
reaver a propriedade, e, novamente, estavam diante de uma situação organizacional políticosocial adversa a da sua cultura, ou seja, o individualismo estava sendo inserido na TI.
Na década de 1950, a Companhia de Tecidos de Rio Tinto (CTRT) mandou atear fogo
nas residências dos índios que habitavam na Vila de Monte-Mor, e, em decorrência disso os
índios moradores desta Vila se viram não mais na condição de proprietários de suas terras,
mas, sim, de inquilinos da Família Lundgren, os proprietários da CTRT26, que construíram
casas no local, locando-as aos índios. (SANTOS, 2005)
A TI de Monte-Mor ainda não foi regularizada, mas encontra-se em processo de
demarcação. Em decorrência da não regularização, até o presente momento, dessas terras
indígenas, 400 (quatrocentos) índios Potiguara, na liderança do cacique Aníbal Cordeiro
Campos, invadiram a sede da Funai no Estado da Paraíba, no dia 8 de outubro de dois mil e
sete, reivindicando a regularização das terras em questão (fig. 30). O prazo que foi dado à
União, a quem compete privativamente legislar sobre populações indígenas (art.22, XIV,
CF/88), pelos índios para a regularização da área citada foi novembro do ano em curso, caso
contrário eles tomarão outras medidas, medidas essas que preferiram não mencionar.
25
A título de curiosidade, Baía da Traição recebeu este nome em decorrência dos índios Potiguara terem se
aliado aos holandeses e franceses contra os portugueses no início da colonização.
26
A CTRT, Companhia de Tecidos de Rio Tinto, já não existe mais, foi extinta. Atualmente os herdeiros da
família Lundgren é quem “brigam” pela propriedade das terras.
Essas terras já foram identificadas pela Funai desde 1995, ou seja, a mais de dez anos
atrás, e, no dia cinco de outubro de 2007 o presidente nacional da Funai, Márcio Augusto
Freitas, emitiu relatório de identificação para o Ministério da Justiça, declarando a terra como
indígena. Assim sendo, a invasão que ocorreu teve como objetivo agilizar a regularização das
terras declaradas como indígenas, o que resultaria, dentre outras coisas, para os índios que
residem nessas terras a desobrigação de pagar aluguéis que variam de R$ 40,00 a R$ 90,00
reais à extinta CTRT (ZENAIDE, 2004).
Fig 30 – Invasão da sede paraibana da Funai, em 8 de outubro de 2007.
Fonte: Jornal O Norte, 11 de outubro de 2007.
Atualmente, em decorrência da delimitação da TI Potiguara, tem-se uma área total de
aproximadamente 33.757,73 ha, dos quais cerca de 21.000 ha já se encontra regularizada, ou
seja, o processo de demarcação previsto no Decreto 1775/96 já foi concluído, conforme
mostra a figura abaixo (fig. 31).
O conflito entre os índios Potiguara e o Ibama não é recente, ele existe desde a criação
da Área de Proteção Ambiental da Barra do Rio Mamanguape, onde também está inserida a
Área de Relevante Interesse Ecológico - ARIE.
Fig. 31 – Situação Fundiária das Terras Indígenas Potiguara
Fonte: http://www.funai.gov.br
Conforme relatos do Administrador da Funai-PB, o Ibama vem agindo de forma a
causar tensão e insegurança à população indígena. O último acontecimento narrado por este
funcionário foi o da notificação dos índios carcinicultores por parte do Ibama. Todavia, ele, o
Ibama, havia sido chamado para notificar aqueles que estavam realizando o corte ilegal de
madeira em área considerada Área de Preservação Permanente (APP).
Agindo dessa forma, conforme relato obtido durante a pesquisa, o Ibama, mais uma
vez, corroborou com o clima de tensão que se gerou, pois os índios carcinicultores sentiramse ameaçados nas suas próprias terras, sobretudo pela possibilidade de serem impedidos de
continuar praticando a criação de camarões em viveiros, sustento de muitas famílias
indígenas.
Contudo, não se pode afirmar que o Ibama age como um “vilão”, uma vez que, nesta
situação, está agindo em conformidade com a legislação ambiental, notificando aqueles que
estejam realizando uma atividade econômica no interior da APA que é Federal sem a devida
licença ambiental.
Fig. 32 – Viveiros de camarões situado nas TIs Potiguara
Fonte: pesquisa de campo
O Ibama exigiu que os índios Potiguara carcinicultores providenciassem o Estudo de
Impacto Ambiental, bem como o Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA), para que
possam dar continuidade à criação de camarão em viveiros em suas terras. Todavia, surge
outro questionamento: como realizar um EIA-RIMA se para isso se requer recurso financeiro
significativo, valor esse que os índios não dispõem, situação oposta àquela que ocorre com as
fazendas de camarão localizadas na outra margem do Rio Miriri, pertencentes à usina Jacuípe.
Sentindo-se ameaçados, os carcinicultores indígenas dirigiram-se até a Funai-Pb, onde
redigiram um abaixo assinado, documento 01, onde foram feitas algumas solicitações, dentre
elas encontra-se a exigência da liberação de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) para custear o
EIA-RIMA.
Segundo relatos do Administrador da Funai-Pb, não foi esta a primeira vez que os
carcinicultores Potiguara solicitaram verba para realização desse Estudo de Impacto
Ambiental, mas, diferentemente do que sucedeu nas solicitações anteriores, dessa vez a Funai
concordou em liberar a verba solicitada, conforme resta provado da leitura do documento 2.
Documento 01 – Abaixo assinado realizado pelos índios Potiguara à Funai Brasília.
Fonte: Funai-Pb
Documento 02 – Resposta da Funai ao abaixo assinado dos Índios Potiguara
Fonte: Funai-Pb
Apesar de o recurso ter sido disponibilizado, o Estudo de Impacto Ambiental e o
Relatório de Impacto Ambiental só serão realizados no primeiro semestre de 2008, em virtude
de não ser possível o início e término dos mesmos ainda no ano de 2007.
Observemos, assim, o conflito existente entre os índios Potiguara criadores de
camarão no interior da APA da Barra do Rio Mamanguape e o Ibama, que finda por gerar,
também, um conflito entre os índios e a Polícia Federal, conforme se depreende dos relatos
proferidos pelos índios, bem como do item dois do abaixo assinado acima transcrito.
O motivo de não aceitarem o ingresso dos policiais federais em suas terras se dá em
decorrência de que todas as vezes que houve o ingresso de tais agentes nas TIs estavam eles
munidos de armas de fogo. Esse comportamento é repudiado pelos índios que se sentem
ameaçados em suas próprias terras.
Dentre os conflitos existentes na área objeto do nosso estudo destaca-se a existência de
inúmeros viveiros em plena atividade sem que possuam as licenças ambientais necessárias,
quais sejam: licença prévia (LP), licença de instalação (LI) e licença de operação (LO). A
inexistência de uma dessas licenças implica na não autorização da realização dessa atividade
econômica, pois significa dizer que o empreendimento não se encontra regular, de acordo com
as exigências legais. Essas licenças são emitidas pelo Ibama, órgão competente para tanto.
Contudo, apesar de não haver sido emitida a LO para os empreendimentos de
carcinicultura na região, a atividade carcinicultora continua em plena atividade. Isso ocorre
devido a existência da sobreposição de leis indígenas e ambientais na região em apreço, bem
como de liminares que permitem que os empreendimentos localizados na outra margem do
rio, ou seja, pertencentes a proprietários privados, continuem a funcionar. Observe-se, desta
feita, que são vários os atores sociais envolvidos no conflito sócio-econômico-ambiental do
local, quais sejam: a Funai, órgão tutor dos índios; Ibama; Organizações não governamentais
(ONG’S); Organizações Governamentais, e os produtores privados.
A título de ilustração, relembremos o que ocorreu em outubro de 2001, quando
funcionários do Ibama foram mantidos reféns pelos índios, ao tentarem impedir a
continuidade dessa atividade nas Terras Indígenas Potiguaras. Esse fato foi bastante veiculado
pelos meios de comunicação na época.
O Ibama, na qualidade de fiscalizador, observou a ocorrência de desmatamento de
uma área do mangue, no interior das terras indígenas dos Potiguaras, localizada no interior da
APA em apreço, para o fim de construção de um viveiro de camarão. Assim sendo, fazendose cumprir o princípio do poluidor-pagador, foi aplicada uma multa bem como a determinação
de que fosse replantado no local a flora nativa do mangue, e assim foi feito (fig. 33).
Fig. 33 – mangue replantado em conformidade com o determinado pelo Ibama
Foto: Juliana F. Moreira
Desta feita, não apenas o princípio poluidor-pagador foi utilizado como embasamento
para a aplicação das sanções administrativas, mas também o princípio da reparação.
5 COSIDERAÇÕES FIAIS
Com base no resgate conceitual levado a efeito, alguns aspectos de ordem
metodológico merecem ser realçados. Em primeiro lugar, no âmbito da discussão sobre
conflito, entendemos que o foco do estudo, o conflito gerado pela prática da carcinicultura na
APA da Barra do Rio Mamanguape, enquadra-se no que se convencionou denominar de
conflito “sócio-ambiental”. Isto na medida em que ele envolve interesses diversos que
extrapolam os interesses de classe (ambientais, legais, econômicos), múltiplos atores sociais
(remanescentes indígenas, proprietários de terra, usineiros, ONGs) e o próprio Estado através
dos organismos de proteção ao meio ambiente, do seu aparato judicial e até mesmo policial e
o meio ambiente, lidando assim, simultaneamente com as dimensões social e biofísica
assinaladas por Little (2004).
Em segundo lugar, entende-se que a APA da Barra do Rio Mamanguape é um
“território”. Enquanto tal ele pode ser compreendido na sua multidimensionalidade,
incorporando, por conseguinte, aspectos identificados por Foucalt, Magnaghi, Léfèbvre,
Raffestin, Haesbaert e Moreira e Targino. Na sua base, estão as noções de apropriação e de
dominação e, consequentemente, das relações de poder.
Outro aspecto que não pode ser descuidado é que, o conflito sócio-ambiental
envolvendo as comunidades indígenas potiguaras no interior da APA da Barra do Rio
Mamanguape, pode ser também considerado como uma manifestação da luta pela construção
de novas “territorialidades étnicas”, no caso a territorialidade dos potiguaras na Paraíba.
A disputa por frações desse território pelos diversos atores sociais envolvidos nos
diferentes conflitos identificados, embora convirja para um mesmo objetivo, a liberação da
atividade carcinicultora numa área de preservação ambiental, incorpora intenções diversas. De
um lado, a procura da diversificação de atividades e de aumento da lucratividade por parte do
setor empresarial sucro-alcooleiro; do outro, a busca da melhoria das condições de
sobrevivência por parte dos remanescentes indígenas potiguaras. Objetivos aparentemente
comuns, que, na verdade, camuflam interesses diversos resultantes do antagonismo de classes
presente na área de estudo, que embora não se constitua no único determinante do conflito
nele está presente assemelhando-se ao que Lukes (1980) denomina de conflito “encoberto”.
Àqueles interesses somam-se os defendidos pelo Estado que assumem a aparência de
interesses coletivos, materializados na busca de preservar uma área de manguezais e de
produção de espécies animais em processo de extinção. Nessa medida, eles se contrapõem aos
interesses privados de pessoas ou grupos que são regidos por objetivos imediatistas, que não
levam em consideração a preservação do meio-ambiente, bem intergeracional por excelência.
Todos estes aspectos reforçam a assertiva de que o conflito da APA da Barra do Rio
Mamanguape é um conflito eminentemente socioambiental.
Ao longo da análise efetuada ficou evidente a existência de pontos de vista
antagônicos entre os carcinicultores, sejam eles empresários ou indígenas, e os órgão públicos
responsáveis pela fiscalização e controle de atividades econômicas no interior da Área de
Proteção Ambiental, objeto desse estudo.
Apesar dos empreendimentos privados e indígenas estarem situados no interior da
APA da Barra do Rio Mamanguape, os destes apresentam a especificidade de se encontrarem
em área de sobreposição legal (legislação ambiental versus legislação indigenista), o que
contribui para dar maior complexidade aos conflitos oriundos da implantação e da exploração
da criação de camarões em viveiros. Pelos depoimentos colhidos, constatou-se que os
carcinicultores indígenas sempre se sentiram ameaçados pelo Ibama. Entendem que aquela
autarquia federal estaria “perseguindo-os”, uma vez que busca impedir que eles continuem a
desenvolver essa atividade econômica no interior de suas próprias terras. Este sentimento, na
realidade, parece exprimir um aspecto não bem resolvido da legislação ambiental. Ao
generalizar a exigência da realização do EIA-RIMA para que os empreendimentos possam
operar, a legislação não previu mecanismos para que produtores de menor poder aquisitivo
pudessem atender tais exigências, pois a realização dos estudos de impacto ambiental e de
relatórios de impactos ambientais é onerosa.
No estudo em apreço, mostrou-se que várias foram as tentativas dos índios junto à
Funai, para a obtenção de verba para o cumprimento da exigência do Ibama. Apenas no fim
do ano de 2007 foi que a Funai, através de documento oficial (doc 01), informou a liberação
de R$200.000,00 (duzentos mil reais) destinados à realização do Estudo de Impacto
Ambiental, bem como do Relatório de Impacto Ambiental, a ser realizado no primeiro
semestre de 2008.
O ponto central do conflito entre os carcinicultores indígenas e o IBAMA, consiste na
percepção que aqueles têm de que o uso da terra é a fonte de sua sobrevivência e que esse
princípio teria precedência sobre os demais, inclusive sobre o da preservação do meioambiente, embora não desconsiderem a importância dessa preservação como ficou
evidenciada em várias entrevistas realizadas.
Por fim, vale ressaltar que, apesar das dificuldades de operacionalização da legislação
ambiental e dos conflitos existentes entre ela e outras áreas do direito, é inegável o avanço
conseguido pela legislação brasileira com a promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988. Esta conquista não pode ser desconsiderada, particularmente
face à ameaça cada vez maior do aquecimento global, que coloca em questão a própria
continuidade da sociedade humana.
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OFÍCIO 027/2002 – GAB/IBAMA/PB
OFÍCIO 150/2002 – MPF/PR/PB/GAB
OFÍCIO 68/2003 – COAIR/IBAMA
OFÍCIO 792/2003 – IBAMA/ DILIQ
PROCESSO nº 2003.05.00.023169-4 / TRF – 5ª R
PROCESSO nº 2006.82.7053-1 JF
PARECER da Gerência da APA ao Processo nº 02016.000426/01-83. p. 23-25
RELATÓRIO de análise e vistoria técnica. In p.18-21

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