Lucia Hippólito - Associação Paulista do Ministério Público

Transcrição

Lucia Hippólito - Associação Paulista do Ministério Público
Ano II # 18
Lucia
Hippólito
Por eleições
mais limpas
Consumidor
MP contra a invasão
de privacidade
Torneio Esportivo
Itália campeã
(também em Barra Bonita)
Expediente:
Novos desafios para o MP
A questão da violência e criminalidade organizada ocupou grande parte do
noticiário nos últimos dois meses. Isso mostra a importância da nossa Instituição. E, ao contrário do que possa parecer, não apenas na questão da repressão,
onde a sociedade com certeza precisará de nossos préstimos.
Mais necessária, porém, é a atuação do MP como agente de transformação
social. Precisamos intensificar a fiscalização para que os políticos realmente
destinem os recursos públicos para saúde, transporte e educação.
Necessitamos de mais e melhores instrumentos para combater a corrupção, mal que
corrói as esperanças da população.
É imperativo que as Instituições, estatais e privadas, cerrem fileiras para a
urgente mudança do status social.
É certo que este desafio é de toda a
sociedade, mas podemos - e devemos
- ser os indutores dessa mudança. Se
abrirmos mão desta prerrogativa, todos
os esforços de nossos antecessores poderão ser desperdiçados.
Não basta a nossa atuação esmerada
para a punição dos criminosos. Precisamos agir para evitar que a “indústria do
crime” continue recrutando crianças e
adolescentes.
Nesses últimos dois anos, lutamos para que a sociedade conhecesse um
pouco mais do MP de São Paulo e, de outro lado, que formadores de opinião
nos mostrassem como somos vistos pelos cidadãos.
E a entrevista desta edição talvez sintetize um pouco de tudo isso. Nossa
equipe procurou uma das primeiras pessoas a vaticinar a gravidade da crise
que se alastrou pelas Instituições políticas. Mais que isso, tratou de sair pelo
país afora para pregar eleições mais limpas e transparentes.
É com imensa honra que apresentamos entrevista
exclusiva com Lucia Hippólito, cientista política,
jornalista e historiadora.
Também nesta edição, artigo de nosso associado João Lopes Guimarães Júnior sobre a o
direito do consumidor à privacidade, a cobertura
do II Torneio Esportivo e a continuação do debate
sobre os limites da intervenção do Conselho Nacional do Ministério Público em nossos concursos
de promoção e remoção.
Boa leitura a todos.
Não basta a nossa
atuação esmerada
para a punição dos
criminosos. Precisamos
agir para evitar que a
“indústria do crime”
continue recrutando
crianças e adolescentes.
João Antonio Garreta Prats
Presidente
Revista APMP EM REFLEXÃO
Veículo mensal de comunicação
da Associação Paulista do
Ministério Público.
Ano II, Número 18 (2006).
Tiragem: 4.000 exemplares.
Conselho Editorial
João Antonio Garreta Prats
Cláudia Jeck Garcia de Souza
Paulo Roberto Dias Júnior
Sérgio de Araújo Prado Júnior
Contraponto |
Lucia Hippólito 04
Coordenação Geral
Luciano Ayres
Jornalista Responsável
Elaine Zaninotti – MTB 31.529
Redação
Ayres.PP – Comunicação
e MKT Estratégico
(19) 3242-1180
Assessoria de Imprensa
ReDe Comunicação
(11) 3061-3353
Fotos
Ayres.PP – Comunicação
e MKT Estratégico
Leandro Irmão
Acompanhe o
universo jurídico
com a APMP
TV Justiça
Quarta-feira - 19h30.
Reprises:
Domingo -10h30
Segunda-feira - 10h00
TV Justiça
Terça-feira - 19h30
Reprises:
Domingo - 18h00
Terça-feira - 09h00
Maxima Venia | A criação de bancos de dados
clandestinos e o direito
do consumidor à privacidade
14
MP em foco | Futuro do MP X MP do Futuro
24
História Institucional | 20 anos da Carta de Curitiba
32
APMP Esportes | II Torneio Esportivo.
Deu Itália aqui também!
34
Destinos |
Caribe 40
Gastronomia | Culinária Mexicana
Leia também:
Cultura e Lazer| A travessia de
Guimarães Rosa
44
48
Contraponto
Como os formadores de opinião enxergam o MP
Lucia
Hippólito
Que um bom cientista político é um analista arguto dos meandros e perspectivas da política nacional,
todo mundo sabe. Como também sabe que um bom
jornalista de rádio e TV tem como principais dons a
articulação e concisão de idéias, o domínio da palavra
e o pensamento rápido.
O que poucos sabem é que existem personalidades
que acumulam as duas qualidades. Lucia Hippólito
é uma delas.
O diploma de jornalismo veio muito tempo depois
de Lucia já dominar inteiramente a comunicação em
todas as mídias. Imprensa escrita, Internet, rádio e,
por fim, a “telinha”. A essa altura, impressionava a desenvoltura dessa cientista política, que se portava como
uma jornalista experiente, ainda que autodidata.
E o que dizer do conteúdo de suas manifestações.
Na Rádio CBN, o jingle do quadro “Por dentro da po-
www.apmp.com.br
lítica”, seguido do indefectível “Bom dia, Lucia” de
Heródoto Barbeiro, é a deixa para comentários e análises por vezes demolidores, mas sempre sensatos e
precisos.
Nesta entrevista exclusiva, Lucia Hippólito fala de
sua trajetória profissional, analisa com profundidade
o governo Lula e as perspectivas da política brasileira
e faz um balanço da atuação do Ministério Público no
combate à corrupção e na luta por eleições limpas
e transparentes.
Tudo isso só para você, leitor de APMP
em Reflexão.
www.apmp.com.br
Contraponto
Perfil
Lucia Hippólito é cientista política, historiadora, jornalista, consultora e conferencista.
Formada em História pela PUCRJ e em Ciência Política pelo IUPERJ, concluiu recentemente o
curso de Jornalismo.
Comentarista da Rádio CBN, do
UOL News e da Globonews, também colabora com diversos jornais
e revistas.
Em eleição promovida pela revista Imprensa, foi escolhida a melhor jornalista de rádio de 2004.
APMP em Reflexão: Como foi sua trajetória profissional?
Lucia Hippólito: Desde cedo a História e a Política
me interessaram muito. Sempre tive talento didático
para traduzir a política para o dia-a-dia. Comecei
como professora de História, fui fazer Ciência Política, até que enveredei para o campo das questões
constitucionais. O cientista político trafega numa
área muito próxima do Direito Constitucional. É preciso conhecer a Constituição, ter intimidade com a
lei e eu sempre gostei muito disso. Posteriormente,
achei que deveria ter uma experiência no Estado e
comecei a trabalhar no IBGE, onde fui chefe de gabinete da Presidência e coordenei a comunicação do
Censo.
APMP: E sua experiência no Jornalismo?
LH: Sempre escrevi para jornais. Fui convidada para
trabalhar em O Globo, como professora da Redação,
Acredito firmemente na
democratização da informação.
Na medida em que você coloca a
informação à disposição de um
maior número de pessoas, você está
trabalhando pela democracia.
www.apmp.com.br
APMP: Qual a importância da informação no desenvolvimento social?
LH: Acredito firmemente na democratização da informação. Na medida em que você coloca a informação à
disposição de um maior número de pessoas, você está
As pessoas de bem se afastaram da
política, que está entregue à pior
escória do país (...) A política, que
era uma vocação, hoje está sendo
encarada como profissão, como
forma de ascensão social ou para
escapar da cadeia, por conta desse
inadmissível foro privilegiado.
trabalhando pela democracia. Uma população mais
bem informada é uma população que pode escolher
melhor, fazer suas escolhas de maneira mais consciente e entender melhor o que está se passando.
ministrando aulas sobre política e questões constitucionais. Era a época do plebiscito e comecei a ensinar
os repórteres que desconheciam os diferentes sistemas
de governo. Fizemos também algo bastante interessante: passamos a responder às perguntas dos leitores sobre esse assunto, sobre regimes de governo no mundo
etc.
APMP: Como a sociedade brasileira tem avaliado o
exercício da política?
LH: Hoje, um dos problemas é que as pessoas de bem
se afastaram da política, que está entregue à pior escória do país. Quando mais da metade da Câmara dos
Deputados está envolvida em corrupção, “sanguessuga” e “mensalão”, as pessoas se perguntam: “mas o
que é isso?”. A política, que era uma vocação, hoje está
sendo encarada como profissão, como forma de ascensão social ou para escapar da cadeia, por conta desse
inadmissível foro privilegiado. Acho que é função de
todos fazer com que as pessoas de bem voltem a se
preocupar com a política.
APMP: E isso possibilitou sua ida para o rádio, não
é mesmo?
LH: É verdade. O trabalho em O Globo proporcionou o
convite da direção da Rádio CBN para fazer uma experiência nas eleições de 2002. Aceitei o desafio e fui
ampliando minha atuação, com comentários sobre a
área política na Internet e agora na TV. Senti, então, a
necessidade de fazer o curso de Jornalismo, que concluí
este ano, até para evitar essa controvérsia a respeito da
necessidade do diploma.
APMP: Essa indignação foi por você extravasada em
livro sobre a recente crise política ...
LH: Admito que fiquei muito assustada quando comecei a reunir os textos para esse livro, que contém comentários feitos na Rádio CBN desde 2003. Em agosto
de 2003, eu já falava do aparelhamento da máquina.
Em janeiro de 2004, depois do escândalo do Waldomiro, citei a desarticulação da base partidária, a suspeita
de que parlamentares estavam vendendo mandatos,
a história do deputado “pré-pago”. Isso é, ao mesmo
www.apmp.com.br
Contraponto
tempo, curioso e assustador. Cheguei a ficar assustada
ao ver como os ingredientes da crise estavam debaixo
dos nossos olhos.
APMP: E a maior parte da população não percebeu
nada...
LH: Nesse ponto a imprensa tem grande responsabilidade, porque os dados estavam ali expostos. Um livro
feito “a quente”, como foi, corre o risco de ficar obsoleto. Até agora não encontrei nenhuma razão para achar
que isso aconteceu.
APMP: Nem quanto à sua afirmação de que o governo Lula terminara?
LH: O livro foi lançado no final do ano passado e nele
mencionei que o governo Lula acabou em agosto de
2005. Acho que não errei, porque eu me referia àquele
governo Lula montado sob dois pilares muito firmes:
José Dirceu, de um lado, e Palocci, do outro. Com o
Dirceu cassado e o Palocci, naquela época, acossado
por denúncias, o Governo Federal, tal como desenhado
em 2003, de fato acabara. O que temos agora é uma
outra história, pois o governo, de lá para cá, mudou
radicalmente.
APMP: Que lições o país pode tirar de tudo isso? O
Brasil estará melhor na próxima legislatura?
LH: Melhor eu não sei. Tenho muitas dúvidas para trabalhar com esse conceito de “pior” ou “melhor”. Ele
está mais informado. Agora, as escolhas que o país vai
fazer é que serão analisadas. Nem sempre renovar é
melhorar. Está circulando na Internet uma campanha:
“Não reeleja, eleja!”; ou seja, para não votar em quem
tem mandato. Nada garante que o próximo Congresso,
se for todo renovado, será melhor que o anterior. Porque não adianta mudar as pessoas, se as práticas e os
métodos não mudarem.
APMP: A questão “Lula sabia?” ainda tem relevância?
LH: Sim. Acredito que o presidente Lula sabia. Ou, pior,
escolheu não saber. Há muito tempo ele escolheu não
saber quem pagava a casa onde ele morava, quem
custeava as despesas dele enquanto líder sindical, quem pagou as despesas de campanha...
e escolheu não saber como o partido dele
se viu às voltas com aquela quantidade
enorme de dinheiro. Eram jatinhos
alugados, festas, computadores
comprados para todos os lugares, enfim, campanhas milionárias, onde nunca faltava
dinheiro, muito diferente
www.apmp.com.br
A Petrobrás não era apenas uma
empresa estrangeira investindo na
Bolívia, ela fazia parte de acordos
firmados desde 1978 por dois
Estados independentes (...) Então,
a Petrobrás não era uma mera
empresa privada nesse episódio,
era um agente do Estado Brasileiro
para que os acordos fossem
viabilizados. E qual foi o sinal que o
Brasil deu ao mundo inteiro? Pode
interferir, encampar e se apropriar
de empresas brasileiras em
qualquer lugar do mundo, porque
isso não tem importância.
das campanhas anteriores. Para mim, o presidente tomou uma decisão: ele não quis saber. Mas no fundo eu
acho que ele sempre soube.
APMP: Nesse particular, o presidente reclamou muito que sua esfera pessoal foi invadida. Isso tem fundamento?
LH: Minha posição é a seguinte: autoridades não têm
vida privada. Ninguém é obrigado a fazer política e ninguém é obrigado a ser presidente da República. Ao escolher esse caminho, deve estar ciente de que viverá numa
vitrine. O presidente da República não deixa de sê-lo
nem quando está dormindo. Ele é presidente 24 horas
por dia. Se estourar uma crise pavorosa de madrugada,
ele não pode dizer para o assessor que está dormindo.
Vida privada tem o Ronaldinho, que pode ir para a boate
e reclamar de invasão da esfera pessoal. Não uma autoridade que mora num palácio pago pelo nosso dinheiro.
A comida que ele come, os lençóis da cama onde ele
dorme, tudo é pago por nós. Então, ele tem que prestar
contas à sociedade, sim, inclusive de sua vida privada.
APMP: Parte do Partido dos Trabalhadores parece
bastante incomodada com os desmandos da cúpula
do partido. É uma sensação correta?
LH: Acho que a esquerda do PT, que cobra ética de
seus dirigentes, tem sua parcela de responsabilidade,
porque não é possível que eles não estivessem vendo
os jatinhos com os quais o Delúbio se deslocava. Não
é possível que não vissem como o Silvinho Pereira progredia. Será que não estranharam como, em 2004, não
faltou dinheiro ao PT para as eleições municipais? Essa
esquerda de certa forma se beneficiou um pouco e foi
omissa. Teve várias oportunidades, inclusive nos últimos congressos do PT, e de novo se curvou à estratégia
quase que “bolchevique” de se apropriar do poder.
APMP: Pela primeira vez na história, uma crise política de tamanha proporção não migrou para o cenário econômico. Qual a razão disso?
LH: Até agora ela não havia migrado, mas acho que
ainda vai acontecer, porque há uma série de decisões
que dependem da esfera política. Por exemplo, a agricultura do Rio Grande do Sul está vivendo a pior crise
dos últimos 40 anos. Decisões políticas não foram tomadas no sentido de liberar créditos e consertar estradas. Por causa da crise e da quebra da safra de soja,
fomos salvos de um engarrafamento de caminhões de
100 km, do porto de Paranaguá até a cidade de Curitiba. Por isso devemos aplaudir a crise? Se a safra de
soja não tivesse quebrado, ia ser um desastre, porque
decisões políticas não foram tomadas.
www.apmp.com.br
Contraponto
APMP: Poderia dar outros exemplos?
LH: Não foram tomadas decisões a respeito das parcerias público-privadas e do marco regulatório. O projeto
sobre as agências regulatórias está parado no Congresso. Quem irá investir no Brasil se não houver estabilidade das regras? Tudo o que aconteceu até agora foi
reflexo de boas ações plantadas por muitos governos
anteriores, como exportações recordes, safras recordes. O presidente reclama do Congresso, mas quando
o Executivo quer o Congresso vota. Daqui para frente,
as decisões políticas vão interferir muito fortemente
na economia.
tos mais interessantes foi a inserção internacional do
presidente. Fernando Henrique era quase um europeu,
um “igual”. Lula era o “diferente” e por isso chegou ao
cenário político cercado de expectativas pela esquerda
mundial, de que iria fazer um governo de esquerda não
populista e nem revolucionário, diferente da maioria
dos governos da América Latina. Sob esse ponto de
vista, ele despertou expectativas muito positivas da
comunidade internacional. Porém, no caso desse delírio em busca da cadeira no Conselho de Segurança da
ONU, o governo tomou decisões absolutamente equivocadas.
APMP: A ambição do presidente Lula era fazer um governo de projeção internacional. Ele conseguiu isso?
LH: No primeiro ano do governo Lula, um dos pon-
APMP: Como assim?
LH: Dar à China status de economia de mercado
acabou com a indústria têxtil do sul do Brasil e
Está circulando na Internet
uma campanha: “Não reeleja,
eleja!”; ou seja, para não
votar em quem tem mandato.
Nada garante que o próximo
Congresso, se for todo
renovado, será melhor que o
anterior. Porque não adianta
mudar as pessoas, se as práticas
e os métodos não mudarem.
O voto nulo, numa eleição
majoritária, tem um sentido enorme.
De outro lado, numa eleição
proporcional o voto nulo faz com que
você deixe de eleger o cidadão de bem
e acabe elegendo o “clientelista”, que
é o sujeito votado por gente menos
informada. Em suma, na ânsia de
protestar, com o voto nulo você acaba
piorando o resultado da sua ação.
com a indústria de calçados. Dar prioridade ao perdão da dívida de países africanos, às relações com
os países da América Latina...não que não devamos
mantê-las, mas em política internacional não existem amigos, existem interesses. Pela primeira vez
houve grande confusão ideológica no Itamaraty,
que é uma casa muito profissional e vem sofrendo com interferências indevidas durante o governo
Lula.
APMP: Nessa avaliação, como se insere a crise
Bolívia-Petrobrás?
LH: Esse episódio é algo complicado, porque a
Petrobrás ficou muito desamparada. A Petrobrás não
era apenas uma empresa estrangeira investindo na Bolívia, ela fazia parte de acordos firmados desde 1978
por dois Estados independentes. Houve aproximações
sucessivas entre Brasil e Bolívia, que culminaram na
presença da Petrobrás como investidor para viabilizar,
inclusive, a economia do gás. Então, a Petrobrás não
era uma mera empresa privada nesse episódio, era um
agente do Estado Brasileiro para que os acordos fossem viabilizados. E qual foi o sinal que o Brasil deu ao
mundo inteiro? Pode interferir, encampar e se apropriar
de empresas brasileiras em qualquer lugar do mundo,
porque isso não tem importância. É paradoxal você
conjugar uma posição de liderança com uma atitude
tão paternalista.
APMP: Como vê o crescente aumento da influência
de Hugo Chávez no continente?
LH: O presidente Chávez está numa situação também
um pouco complicada. Ele está sentado em cima de um
“mar de petróleo”, mas a indústria petrolífera venezuelana vive um momento difícil. Eles diminuíram muito a
produção nos últimos anos e, para honrar seus acordos
com os Estados Unidos, estão importando petróleo da
Europa para poder refinar e manter seus canais abertos com os EUA. Recurso natural é o seguinte: você
pode estar sentado em cima da maior mina ou jazida
do mundo. Se ela está no solo sem exploração, não
vale nada.
APMP: O Congresso não promoveu nem metade das
cassações que se esperava. Teme que isso cause uma
enxurrada de votos nulos?
LH: O voto nulo é uma faca de dois gumes. Por um
lado, é um voto legítimo de protesto, absolutamente
democrático. Uma das minhas brigas com a Justiça
Eleitoral é que a urna eletrônica tem teclas para voto
branco, mas não para voto nulo. O voto nulo, numa
eleição majoritária, tem um sentido enorme. De outro
10
www.apmp.com.br
www.apmp.com.br
11
Contraponto
lado, numa eleição proporcional o voto nulo faz com
que você deixe de eleger o cidadão de bem e acabe
elegendo o “clientelista”, que é o sujeito votado por
gente menos informada. Em suma, na ânsia de protestar, com o voto nulo você acaba piorando o resultado da sua ação.
APMP: Como projeta um possível segundo mandato
do presidente Lula?
LH: Imagine que em 2002, quando já havia aquela
maré de boa vontade em relação ao PT e ao presidente,
ele não fez maioria na Câmara, apenas 91 deputados,
ou seja, 17% da Câmara. Num eventual segundo mandato, é evidente que a posição do PMDB é estratégica,
porque o presidente precisa de apoio, de coalizão. O PT
deve “emagrecer” e o PMDB, que provavelmente fará
a maior bancada, sabe que seu apoio será crucial e já
está cobrando adiantado.
APMP: Qual a importância de associações como a
AMB e a APMP encamparem uma campanha como
a “Operação Eleições Limpas”?
LH: Tudo que ajudar a esclarecer o eleitor e aumentar
o grau de informação sobre o “pode” e “não pode” de
uma eleição é ótimo. Quem tem informação, tem poder. Na medida em que se democratiza a informação,
você tira o poder de certos grupos, de certas elites, de
certas corporações, e dissemina esse poder pela sociedade. Isso só pode ser bom. Uma iniciativa como essa
tem que ser aumentada e repetida inúmeras vezes. É
evidente que a APMP e a AMB têm um papel crucial
nessa história. O papel pedagógico de ensinar, de dividir conhecimento.
APMP: Volta e meia vem à tona a idéia de amordaçar o Ministério Público e impedir que investigue a
corrupção, além das tentativas de controlar a imprensa. Qual sua análise sobre isso?
LH: Qualquer forma de censura é uma barbaridade. Nós
lutamos demais neste país, perdemos energia, gente e
tempo de vida para instalar a liberdade de imprensa e
acabar com a censura. E lutamos muito para ver uma
instituição como o Ministério Público funcionar no país.
Qualquer atitude que signifique censura vai me colocar
na linha de frente contra isso. Eu e muita gente.
APMP: O Ministério Público tem trabalhado adequadamente para combater a corrupção estatal?
LH: A partir de um início um pouco exagerado, do
que eu chamava de “jovens jacobinos, salvacionistas”,
12
www.apmp.com.br
Desde a criação desse novo Ministério
Público, nós tivemos um avanço
extraordinário. E acredito que ele
seja uma das peças importantes na
instalação da democracia real, não essa
democracia formal, em qual falta a
universalização do acesso aos bens da
civilização, o que ainda está longe de
conquistarmos.
acredito que hoje o Ministério Público está equilibrado,
porque diminuiu aquele “namoro com os holofotes” e
passou a ter uma atuação mais discreta. O trabalho do
Procurador-Geral da República, por exemplo, no caso do
“mensalão”, foi impecável. O Ministério Público trouxe
um sopro de ar fresco na investigação. Portanto, é bom
não perder esse entusiasmo dos jovens promotores. Alguns equívocos que eles cometeram são naturais do
processo de aprendizado. De qualquer forma, desde a
criação desse novo Ministério Público, nós tivemos um
avanço extraordinário. E acredito que ele seja uma das
peças importantes na instalação da democracia real,
não essa democracia formal, na qual falta a universalização do acesso aos bens da civilização, o que ainda
está longe de conquistarmos.
“Por dentro do
Governo Lula”
Lucia Hippólito
Editora Futura
“Nunca mais as coisas serão as mesmas.
O PT não é mais o mesmo partido que era
até quinta-feira passada. O cristal se quebrou”. Com essa frase profética a cientista
política Lucia Hippolito se dirigiu a seus
ouvintes da Rádio CBN logo após o golpe
letal sofrido pelo mais poderoso ministro
do Governo, num enredo escabroso que
envolveu seu principal assessor, em fevereiro de 2004.
José Dirceu não caiu naquele momento,
mas desde então Lucia vem acompanhando de perto as manobras do Planalto para
colar os cacos. Esforços frustrados que,
somados a novas acusações de corrupção,
perda do controle da agenda política, derrota em eleições municipais e implosão
da base aliada, fizeram a autora afirmar,
antes do desfecho da crise, que o governo
Lula acabara “antes da hora”. Por Dentro do
Governo Lula mostra ao leitor tudo o que
ele quer saber sobre os bastidores de uma
crise política sem precedentes na história
da democracia nacional.
www.apmp.com.br
13
Maxima Venia
A
Contribuição de nossos associados para a Sociedade
A Revista APMP em Reflexão abre espaço para os seus associados divulgarem artigos de interesse
da comunidade e com isso aproximar nossa Instituição do destinatário final de nossas ações:
o cidadão. As condições para a publicação estão disponíveis na página: www.apmp.com.br/
apmpemreflexao/maximavenia. Colabore e escreva para: [email protected], com
sugestões de matérias ou artigos.
Os artigos da seção Maxima Venia são assinados, não refletindo necessariamente a opinião do Conselho Editorial da Revista APMP em Reflexão.
CRIAÇÃO DE BANCOS DE
DADOS CLANDESTINOS E O
DIREITO DO CONSUMIDOR
À PRIVACIDADE
João Lopes Guimarães Júnior
Promotor de Justiça do Consumidor em São Paulo
1. Privacidade como condição para a
liberdade e para a democracia
O direito à privacidade é uma das garantias fundamentais concernentes à liberdade. A Constituição
Federal assegura a todo cidadão proteção de sua
vida íntima, para que não seja devassada por terceiros: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito
a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5º, inc. X).1
Essa garantia, que consta da Declaração Univer-
14
www.apmp.com.br
sal dos Direitos Humanos2, é de inspiração liberal,
tendo sido concebida inicialmente para impedir a
intromissão indevida do Estado na esfera particular da vida das pessoas. É fruto também de uma
concepção individualista que surgiu como base da
democracia moderna, e que “repousa na soberania
não do povo, mas dos cidadãos”. Norberto Bobbio
afirma que “não há nenhuma Constituição democrática que não pressuponha a existência de direitos
individuais, ou seja, que não parta da idéia de que
primeiro vem a liberdade dos cidadãos singularmente considerados, e só depois o poder do Governo,
que os cidadãos constituem e controlam através das
suas liberdades”.3
No que concerne à privacidade, aspectos sociais
e psicológicos ajudam a compreender sua importância. Em qualquer sociedade humana, a hierarquia
estará presente e as pessoas tenderão a buscar prestígio e aceitação social.4 Para manter um bom nível
de auto-estima e uma boa posição no ranking social, cada indivíduo cuida de criar para si uma imagem aceitável nos ambientes em que circula. Nessa
lógica, há aspectos de sua vida pessoal que poderão
afetar negativamente o apreço que goza de seus pares e que, portanto, não lhe interessa que cheguem
ao conhecimento alheio.
Pela mesma lógica, a competição e as inimizades
estimulam a maledicência e a fofoca: o interesse em
divulgar informações depreciativas sobre os outros
mobiliza muita energia em qualquer ambiente social
humano.5 Existe interesse concreto na devassa da
vida privada e até mesmo o lixo doméstico pode se
transformar em fonte de informações sobre os hábitos de alguém.6
É, portanto, para preservação da honra pessoal
– bem que alcançou proteção da lei penal – que o
ordenamento jurídico preocupa-se com a manutenção de determinadas informações fora do alcance
de outras pessoas: ninguém é obrigado a suportar a
completa transparência do seu modus vivendi. Todo
homem tem direito de manter suas atividades pessoais, sejam elas excêntricas ou não, desconhecidas
do público.
Não se pode, antecipadamente, aquilatar a importância das diversas informações sobre a vida
pessoal de alguém: o repúdio e a admiração de cada
aspecto pode variar conforme os valores vigentes em
cada época ou grupo específico. Muitos homens, por
exemplo, avaliam que a divulgação de suas aventuras sexuais às vezes pode lhes trazer prestígio. No
entanto, para o juiz Clarence Thomas, da Suprema
Corte dos EUA, e para o ex-Presidente Bill Clinton,
episódios envolvendo relacionamento com mulheres
afetaram negativamente suas reputações. Há mais
de cem anos, o consumo de cocaína, que atraía intelectuais da importância de Sigmund Freud, não
trazia a depreciação social que traz hoje.
2. Conteúdo do direito à privacidade
Assim como outras liberdades, o direito à privacidade implica em comando negativo: garanti-la ao
cidadão significa proibir que aspectos de sua vida
particular sejam devassados. A CF, no art. 5º, X, quer
impedir que qualquer pessoa, sob qualquer pretexto,
invada sem autorização qualquer um dos diversos
aspectos da esfera pessoal do indivíduo, que devem
ser preservados em nome da privacidade.7
Para que a vida privada se mantenha sob sigilo é preciso impedir que terceiros a investiguem,
divulguem, ou mesmo conservem informações indevidamente obtidas.8 E são indevassáveis todos os
aspectos da intimidade 9, como “o modo de vida doméstico, nas relações familiares e afetivas em geral,
fatos, hábitos, local, nome, imagem, pensamentos,
www.apmp.com.br
15
Maxima Venia
segredos, e, bem assim, as origens e planos futuros dos
indivíduos”.10
Informações sobre os hábitos pessoais são objeto de proteção. A rotina de cada um, os locais que
freqüenta, as pessoas que encontra, os produtos
que consome: nada está disponível ao conhecimento alheio. Tércio Sampaio Ferraz Jr. lembra que o
“terreno da individualidade privativa é regido pelo
princípio da exclusividade”, explicando que “aquilo
que é exclusivo é o que passa pelas opções pessoais,
afetadas pela subjetividade do indivíduo e que não é
guiada nem por normas nem por padrões objetivos.
No recôndito da privacidade se esconde, pois, a intimidade. A intimidade não exige publicidade porque
não envolve direitos de terceiros. No âmbito da privacidade, a intimidade é o mais exclusivo dos seus
direitos”.11
Concerne à vida íntima do indivíduo tudo aquilo
que ele consome, inclusive os produtos que adquire num supermercado. Ninguém tem direito de saber
quais mercadorias ele leva para sua casa; se compra
produtos viciadores, cujo consumo abusivo é mal visto por alguns, como cigarro e bebidas alcoólicas; se
compra preservativos, cujo uso permite ilações sobre
sua vida sexual. Pode ofender o pudor do consumidor
a divulgação da informação de que compra raticida,
xampu que combate a caspa, tintura de cabelo ou fixador de dentadura. Pode haver legítimo interesse na
discrição sobre eventuais gastos exagerados com produtos caríssimos e supérfluos, como caviar. É evidente, pois, que da coleta e do armazenamento dessas
informações resulta uma ameaça à privacidade dos
consumidores.
Segundo Celso Bastos, “todas as despesas ordinárias
feitas pelo cidadão comum em sua
vida cotidiana devem ser
consideradas parte
de sua vida privada, familiar ou doméstica e, portanto,
protegidas contra interferências a despeito de qualquer
pretexto. Desde as condutas mais corriqueiras, como as
compras efetuadas em um supermercado para manutenção da família, quanto aquelas outras moralmente reprováveis, como presentes ou jóias compradas e
dadas a quem presta ao homem serviços de natureza
extraconjugal, tudo está abarcado pelo manto da proteção à vida privada, familiar ou doméstica”. 12
Para manter
um bom nível de
auto-estima e uma boa
3. Empresas privadas e seu interesse
por informações pessoais
posição no ranking social,
Quem pode devassar indevidamente a privacidacada indivíduo cuida de criar
de do cidadão?
para si uma imagem aceitável nos
Os Estados totalitários, com seus serviços de inteligência e polícias secretas,
ambientes em que circula. Nessa
ocuparam tradicionalmente o papel
lógica, há aspectos de sua vida pessoal
de grandes inimigos da privacidade
dos indivíduos. No final do século
que poderão afetar negativamente o apreço
passado, no entanto, as ameaças
que goza de seus pares e que, portanto, não lhe
passaram a vir de grandes conglointeressa que cheguem ao conhecimento alheio.
16
www.apmp.com.br
Ninguém tem direito de saber quais mercadorias
ele leva para sua casa; se compra produtos
viciadores, cujo consumo abusivo é mal
visto por alguns, como cigarro e bebidas
alcoólicas; se compra preservativos,
cujo uso permite ilações sobre
sua vida sexual.
merados que surgiram disputando
mercado numa escala massificada.13 Estratégias de marketing, essenciais para o bom desempenho das empresas
num mercado competitivo, alimentam-se de
informações sobre os hábitos dos consumidores.
Listas com determinados perfis de consumidores
possibilitam aos fornecedores um acesso direto a
seus compradores ou clientes potenciais, com racionalização e economia de custos.
Além disso, as informações servem para
aumentar o grau de rapidez e segurança nas decisões, dinamizando, assim, a economia, pois “se
o armazenamento ou uso dessa
informação é restringido, financeiras reagirão como reagiram
em outros países, através da redução do número e do universo
de pessoas para as quais concederão financiamentos. Um estudo do Banco Mundial de 2000,
por exemplo, mostrou que leis
de privacidade restritivas eliminariam 11 de cada 100 pessoas
normalmentequalificadas
para obter hipotecas,
cartões de crédito e outros empréstimos. Tais
leis, portanto, correm o
risco de negar oportunidade para dezenas de
milhões de consumidores americanos.”14
Os defensores da
eficiência do mercado
argumentam: “Quando há menos informação disponível, as
empresas
precisam
gastar mais para negociar seus produtos e
serviços. A concessão
de crédito e outras
decisões financeiras
são menos precisas e,
portanto, resultam em
mais inadimplência. O
uso indevido de identidade alheia e outras
perdas fraudulentas
aumentam”.15
Os cidadãos – agora
tratados como meros consumidores – são vigiados, pesquisados, interrogados.
Bancos de dados minuciosos armazenam diversas
informações pessoais, muitas delas íntimas: nome,
sexo, endereço, profissão, idade, estado civil, número
e idade dos filhos, patrimônio, rendimentos, hobbies,
hábitos de consumo etc.16 Cartões de fidelidade de
redes de comércio varejista permitem a reunião de
dados sobre os livros e os remédios que compramos.
No caso dos supermercados, temos a nossa despensa
vigiada. Empresas de cartões de crédito podem saber tudo sobre nosso cotidiano: as viagens que fazemos, as lojas e os restaurantes que freqüentamos, a
quantidade de dinheiro que gastamos. Empresas de
telefonia celular podem monitorar nossos deslocamentos pela cidade.
Pode-se afirmar que o cidadão moderno não se importa e que até gosta de ser tratado como consumidor.
Que nossa sociedade é de fato marcada pelo hedonismo, pelo materialismo e pela vaidade que geram o
consumismo e que é através do consumo que suprimos
necessidades primordiais. Nessa perspectiva, a violação
de nossa privacidade pelas empresas é aceitável: quanto melhor os fornecedores conhecerem os consumidores, melhor atenderão seus desejos.
Há, todavia, um limite ético a ser imposto: o ser
humano deve ser tratado sempre como agente, como
sujeito titular de direitos, e não como mero objeto na
lógica de um sistema voltado para o lucro. No que toca
a esse esquadrinhamento de sua vida pessoal, é preciso
que ele tenha pleno conhecimento da devassa, de seus
limites e de seu uso, e que ele expressamente a autorize. Cada indivíduo é o senhor de sua intimidade. Cabe
a ele permitir ou não qualquer intromissão.
O emprego de meios sub-reptícios para a obtenção
de dados, seu armazenamento e uso clandestinos são
práticas que violam o tratamento ético, fundado na
confiança e na boa-fé, que deve prevalecer nas relações de consumo.
www.apmp.com.br
17
Maxima Venia
4. Banco de dados de proteção ao
crédito e banco de dados com fins
mercadológicos: legalidade e requisitos
Apenas motivos relevantes – como a proteção ao crédito e o combate ao crime e à sonegação – autorizam,
excepcionalmente, o acesso a informações privadas.
Existem bancos de dados criados exclusivamente para
proteção ao crédito (Serasa, SPC etc.). A lei reconhece, e
portanto autoriza, sua existência e até lhes confere caráter público (CDC, art. 43, § 4º).17 Há, aqui, um evidente
balanceamento dos interesses envolvidos, com a ponderação de que o registro de informações destinadas à
segurança das transações é admissível porque resulta no
bom funcionamento do sistema econômico.18
Numa sociedade de consumo de massa, os fornecedores contratam com pessoas desconhecidas, estando
sempre presente um fator de imprevisão e, conseqüentemente, de risco. Esse risco pode ser minimizado através da consulta a um banco de dados com informações
sobre o nível de adimplência das pessoas em suas obrigações contratuais. Estamos diante de uma exceção,
pois o direito de privacidade não é absoluto: “O direito
à inviolabilidade dessa franquia individual – que constitui um dos núcleos básicos em que se desenvolve, em
nosso País, o regime das liberdades públicas – ostenta,
no entanto, caráter meramente relativo. Não assume
e nem se reveste de natureza absoluta. Cede, por isso
mesmo, às exigências impostas pela preponderância
axiológica e jurídico-social do interesse público”.19
É importante atentar para o silogismo subjacente: 1) o direito de privacidade é garantido
com ressalvas; 2) apenas uma
razão socialmente relevante autoriza
a sucumbência do direito de privacidade; 3) para fins
de proteção ao crédito justifica-se excepcionalmente a
existência de arquivos.
E é justamente por essa razão – proteção ao crédito – que a Lei Complementar nº 105/01 não considera violação do dever de sigilo o fornecimento,
pelas instituições financeiras, de informações constantes de cadastro de emitentes de cheques sem
provisão de fundos e de devedores inadimplentes a
entidades de proteção ao crédito (art. 1º, § 3º, II).20
É legal o banco de dados quando sua finalidade é
a proteção ao crédito: o consumidor não pode se opor
a sua criação. Há, no entanto, uma série de restrições,
como o direito do consumidor de ser comunicado de sua
abertura, de ter acesso às informações arquivadas a seu
respeito e de corrigir informação inexata. Existe ainda
a proibição de manter informações desabo-
Cartões
nadoras referentes a período superior a cinco anos e
de fidelidade
o dever de comunicação por escrito
de redes de comércio
(art. 43). E os Tribunais brasileiros vêm reconhecendo o dano moral resultante do uso indevarejista permitem a reunião
vido de bancos de dados de proteção ao crédito.
de dados sobre os livros e os
Ou seja, mesmo o banco de dados autorizado
por lei para proteção ao crédito está sujeito a
remédios que compramos. No caso
ressalvas. Herman Benjamin sustenta que “os
dos supermercados, temos a nossa
organismos privados ou públicos que armazenam informações sobre os consumidespensa vigiada. Empresas de cartões
dores necessitam, assim, de controle
de crédito podem saber tudo sobre nosso
rígido, seja administrativo, seja judicial. A acumulação de inforcotidiano: as viagens que fazemos, as lojas e os
mações sobre o consumidor,
restaurantes que freqüentamos, a quantidade de
por mais singelas que sejam,
não deixa de ser uma invasão
dinheiro que gastamos. Empresas de telefonia celular
de sua privacidade”.
podem monitorar nossos deslocamentos pela cidade.
O emprego de meios sub-reptícios para a
obtenção de dados, seu armazenamento
e uso clandestinos são práticas
que violam o tratamento ético,
fundado na confiança e na boafé, que deve prevalecer nas
O sigilo bancário não teria qualquer consistência se,
relações de consumo.
para aparelhar a execução, o credor pudesse desvelar os
As exceções devem ser interpretadas restritivamente. A finalidade está
limitada à proteção do crédito de caráter preventivo: outros interesses privados
de credores não prevalecem diante do direito
de sigilo de dados. O Superior Tribunal de Justiça
não admite violação dos sigilos bancário e fiscal em
outros casos, conforme os seguintes precedentes:
saldos depositados pelo devedor em instituições financeiras, valendo o mesmo para o pedido de acesso às declarações do contribuinte, em face do sigilo fiscal.23
Assentado na jurisprudência da Terceira Turma
do STJ o entendimento no sentido de que
as declarações, para fins de imposto
de renda, têm caráter sigiloso
que deve ser resguardado, salvo
21
22
18
www.apmp.com.br
razão excepcional, que não se configura pelo simples interesse de descobrir bens a penhorar.24
E o que dizer do banco de dado que não visa à proteção do crédito, cuja abertura não encontra justificativa
na segurança das transações? Não há nenhum interesse
público que legitime o armazenamento de informações
pessoais para fins meramente mercadológicos.
Existe, portanto, uma distinção fundamental: há
dois tipos de banco de dados. Um deles, que visa à
proteção ao crédito, é como visto admitido pelo ordenamento jurídico em razão de vantagens que propicia
ao sistema econômico
(segurança, rapidez, baixo custo etc.). O outro tipo de banco de dados não se relaciona à proteção ao crédito, mira apenas interesses
de fornecedores (criação de mailing lists, orientação de
decisões empresariais, marketing etc.).
Não há proibição legal para a formação desse
segundo tipo de banco de dados, desde que isso não
implique em violação do direito de privacidade. A garantia constitucional do art. 5º, X, impede que se bisbilhote o comportamento alheio e que se armazene
indevidamente informações pessoais. Assim, sob pena
de violar o direito de privacidade, só é possível colher
e arquivar informações pessoais de quem expressamente os autorize, ciente do alcance da
intromissão e de suas finalidades.
O consumidor pode, por um ato de liberalidade, participar de pesquisas de mercado
e divulgar, de qualquer modo, seus hábitos
de consumo. Só ele pode decidir soberanamente sobre os limites que concede
ao avanço na esfera de sua intimidade.
A coleta furtiva de informações é proibida. É
possível, neste particular, uma analogia com a inviolabilidade do domicílio, garantia constitucional também relacionada com a proteção da privacidade. O morador é soberano
para decidir quem adentra sua casa, quando, se o acesso
fica limitado à área social, se pode se estender à área íntima etc. Ou seja, inviolabilidade não significa proibição total
de acesso ao domicílio, mas sujeição à autorização do morador, que estabelecerá os limites.
É natural a circulação de informações pessoais nas diversas formas em que se desenvolvem os relacionamentos
sociais. Como afirma Tércio Sampaio Ferraz Jr., “ninguém
tem um nome, uma imagem, uma reputação só para si
mesmo, mas como condição de comunicação. Contudo,
embora sejam de conhecimento dos outros, que deles estão informados, não podem transformar-se em objeto de
troca do mercado, salvo se houver consentimento”.25
www.apmp.com.br
19
Maxima Venia
tradicional, quando a pessoa celebra contrato, estabelece, como regra, que o
seu nome, seu endereço e o número constarão no catálogo;
entretanto, se disser que não
o deseja, a companhia não
pode, de modo algum, fornecer tais dados. Da mesma
maneira, temos cadastro
nos bancos, entretanto, de
uso confidencial para aquela instituição, e não para ser
levado a conhecimento de
terceiros.26
5. Banco de dados e os
riscos para o consumidor
Sobre a soberania do cidadão quanto ao destino das
informações sobre si, o seguinte precedente do STJ:
Quando uma pessoa celebra contrato especificamente
com uma empresa e fornece dados cadastrais, a idade, o
salário, endereço, é evidente que o faz a fim de atender às
exigências do contratante. Contrata-se voluntariamente.
Ninguém é compelido, é obrigado a ter aparelho telefônico tradicional ou celular. Entretanto, aquelas informações
são reservadas, e aquilo que parece ou aparentemente é
algo meramente formal pode ter conseqüências seriíssimas; digamos, uma pessoa, um homem, resolva presentear uma moça com linha telefônica que esteja
no seu nome. Não deseja, principalmente se for casado, que isto
venha a público. Daí,
o próprio sistema
da telefonia
É preciso que o consumidor pondere sua autorização
à inclusão de dados sobre sua vida pessoal num arquivo
mantido por terceiros levando em conta todos os riscos
envolvidos. Os riscos à sua segurança, por exemplo:
A proteção da vida privada integra também o direito à segurança, porquanto (...) o conhecimento sem
justa causa das relações comerciais, bancárias e toda
sorte de gastos ordinários – em época onde até mesmo
os menos afortunados são alvo de extorsões, seqüestros e outras formas de violência – constitui grave risco
potencial à segurança pessoal e familiar.27
Outra conseqüência visível do banco de dados é o
assédio de ofertas, muitas vezes indesejada, que gera:
Nossa economia gera uma enorme quantidade de
dados. A maioria dessas informações provém de negócios honestos – ao receber e dar informação legítima.
Apesar dos benefícios de viver nessa era de informação, alguns consumidores eventualmente desejam limitar a quantidade de informação pessoal que querem
compartilhar. Isso é possível: mais e mais organizações
utilizam uma alternativa de ‘optar por não participar’
que limita a informação que é compartilhada com outros ou utilizada para propósitos promocionais. Quando você ‘opta por não participar’, é possível reduzir o
número de chamadas comerciais não solicitadas (telemarketing), correio promocional, e bombardeios publicitários enviados por correio eletrônico (spam e-mail)
que possa receber.28
A informática permite que as empresas criem bancos
de dados de forma mais rápida, barata e eficiente. Permite que uma quantidade imensa de informações
seja armazenada. E traz um risco concreto e notório de que essas informações sejam acessadas por estranhos, como advertem os
especialistas:
É
legal o banco
de dados quando sua
finalidade é a proteção
ao crédito: o consumidor não
pode se opor a sua criação. Há,
no entanto, uma série de restrições,
como o direito do consumidor de ser
comunicado de sua abertura, de ter acesso
às informações arquivadas a seu respeito e de
corrigir informação inexata.
20
www.apmp.com.br
O outro tipo de banco de dados não se relaciona
A Internet, a maior rede de
à proteção ao crédito, mira apenas interesses
computadores do planeta (4,5 mide fornecedores (criação de mailing lists,
lhões de computadores interligados,
mais de 30 milhões de usuários, 150
orientação de decisões empresariais,
mil novos usuários por dia) também
marketing etc.). Não há proibição legal para
tem os seus cibernautas delinqüentes.
São os “hackers”, geralmente jovens
a formação desse segundo tipo de banco
entre 15 e 25 anos de idade, que penede dados, desde que isso não implique
tram ilegalmente em computadores ligados à
rede, e roubam ou destroem dados acumulados
em violação do direito de privacidade
ali por centenas ou até milhares de usuários.
(...) Assim (...) só é possível colher
O Federal Trade Commission, dos Estados Unidos, também adverte:
e arquivar informações pessoais
Avanços na tecnologia dos computadores tornaram
de quem expressamente os
possível que informações detalhadas sobre as pessoas
sejam compiladas e partilhadas de modo mais fácil e
autorize, ciente do alcance
barato do que nunca. Isso é bom para a sociedade como
da intromissão e de
um todo e para os consumidores individuais. Por exemplo, é mais fácil para encalçar criminosos para a imple- t a d o r i z a suas finalidades.
29
mentação da lei, aos bancos para prevenir fraude, e para
os consumidores para aprender sobre novos produtos
e serviços, permitindo-lhes fazer decisões de compras
mais bem informados. Ao mesmo tempo, uma vez que
a informação pessoal torna-se mais acessível, cada um
de nós – empresas, associações, órgãos governamentais,
e consumidores – devemos tomar precauções para nos
proteger contra o uso indevido dessa informação.30
E é evidente que a proliferação de bancos de dados
pessoais afeta o direito à privacidade:
Com os computadores, o armazenamento de dados
fica cada vez mais fácil, com todos os riscos que uma
má utilização possa causar. ... Existem muitas entidades
privadas que possuem um sem-número de informações
dos cidadãos e que ficam com a guarda de muitos dados, sem que haja um controle efetivo sobre os mesmos. O conteúdo comercial, ao estabelecer um perfil do
consumidor, é evidente. A intimidade do cidadão fica
exposta por largo período de tempo. ( ... )
Os bancos de dados contêm informações que traduzem aspectos da personalidade, que permitem traçar
um perfil do consumidor. Essas informações são uma
nova mercadoria com interesse comercial. É necessário, por essa razão, proteger o cidadão juridicamente
com relação aos avanços da tecnologia, que pode ter
sua intimidade violada, caso os dados sejam divulgados
ou utilizados indevidamente.31
O risco à liberdade é expressamente reconhecido
pelo constitucionalista José Afonso da Silva:
O intenso desenvolvimento de complexa rede de
fichários eletrônicos, especialmente sobre dados pessoais, constitui poderosa ameaça à privacidade das
pessoas. O amplo sistema de informações compu-
das gera um
processo de esquadrinhamento
das pessoas, que ficam
com sua individualidade inteiramente devassada. O perigo é tão
maior quanto mais a utilização da informática
facilita a interconexão de fichários com a possibilidade de formar grandes bancos de dados que desvendem a vida dos indivíduos, sem sua autorização e
até sem o seu conhecimento.32
Autorização e conhecimento são dois aspectos
lembrados pelo jurista, que assumem grande relevância quando se estuda o tratamento jurídico do problema.33
www.apmp.com.br
21
Maxima Venia
6. Proteção legal à privacidade do
consumidor
Além da já referida proteção prevista de forma genérica na CF (art. 5º, X), o direito à privacidade é também
objeto de tutela por normas infraconstitucionais. O CDC,
como visto, impõe no art. 43 ressalvas aos bancos de dados de proteção ao crédito.
A Lei Complementar nº 105/01 determina que “As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados” (art. 1º).
O Código Civil traz importante dispositivo em seu art.
21: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz,
a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a
esta norma”. Essa regra repete a prescrição da Constituição Federal e sua utilidade consiste em afastar qualquer
discussão sobre a aplicabilidade da própria norma constitucional (discussão, aliás, que está afastada pelo que
determina o § 1º do art. 5º).34
O Código Civil, portanto, não deixa nenhuma dúvida
sobre o modo como deve ser efetivada a proteção do direito à inviolabilidade da vida privada: basta ao interessado requerer ao juiz as providências necessárias para impedir ou fazer cessar o ato atentatório. Importante observar
que a lei não quis apontar quais seriam as providências
possíveis, nem mesmo indicar quais atos devem ser considerados contrários ao direito tutelado. Preferiu atribuir ao
juiz tais poderes, o de identificar uma hipótese concreta
de violação da vida privada e o de impor as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar a violação. Toda
e qualquer providência, portanto, é, em princípio, admissível, desde que suficientes e imprescindíveis
para reparar ou prevenir a violação.
De grande utilidade, pois, tal comando legal, uma vez que tantas
são as formas possíveis de violação
da vida privada que seria impossível prevê-las completamente. Do
mesmo modo, muito variadas podem ser as medidas preventivas e
corretivas. Não seria conveniente,
ademais, deixar que tão relevante garantia constitucional ficasse
sem a proteção de um remédio
judicial.
22
www.apmp.com.br
Notas do texto:
1. Outros dispositivos do art. 5º da CF também salvaguardam
a privacidade: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém
nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo
em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial” (inc. XI).
“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no
último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a
lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal” (inc. XII).
2. Art. XII: “Ninguém será sujeito a interferência na sua vida
privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência,
nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”. Lembro aqui que “a Declaração Universal representa um fato novo
na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de
princípios fundamentais de conduta foi livre e expressamente
aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos
homens que vive na Terra” (Norberto Bobbio, A Era dos Direitos,
10ª ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 28).
3. A Era dos Direitos, 10ª ed., Rio de Janeiro: Campus, 1992, p.120.
4. Cf. Robert Wright, O Animal Moral, 9ª ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 1996, especialmente Capítulo 12.
5. “Em um pequeno grupo (digamos um grupo do tamanho de
uma aldeia de caçadores-coletores), uma pessoa tem um grande
interesse em diminuir a reputação dos outros, particularmente
outros do mesmo sexo e idade, por quem sente uma rivalidade
natural” (Robert Wright, op. cit., p. 230). Na lista dos universais
humanos compilados pelo antropólogo Donald E. Brown constam os mexericos e a preocupação com a percepção alheia
da auto-imagem (A lista está reproduzida em Tábula Rasa – a
negação contemporânea da natureza humana, de Steven Pinker,
São Paulo: Cia. Das Letras, 2004, pp. 587-591.
6. Cf. Eliane Cantanhêde, O lixo e a intimidade, Folha de S. Paulo,
08/12/2004.
7. Cf. ensina José Afonso da Silva, “o caráter imperativo das normas jurídicas revela-se no determinar uma conduta positiva ou
uma omissão, um agir ou um não-agir; daí distinguirem-se as
normas jurídicas em preceptivas – as que impõem uma conduta
positiva – e em proibitivas – as que impõem uma omissão, uma
conduta omissiva, um não-atuar, não fazer” (Aplicabilidade das
Normas Constitucionais, São Paulo: Malheiros. 3ª ed., 1999, p.
67). O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo concedeu
liminar determinando a proibição, a empresa atacadista, de
proceder a revistas ou conferências de compras já realizadas
por seus fregueses por ofensa à intimidade e privacidade, ao
direito de locomoção e à propriedade (Quinta Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento nº 252.684.4/9 – rel. Des.
Marcus Andrade – 24.10.02).
Sobre o sigilo dos vencimentos: “1. A remuneração dos servidores
públicos está prevista em lei, com publicidade ampla para conhecimento dos interessados. 2. Diferentemente, não pode o cidadão ter acesso à intimidade de cada servidor. 3. Impossibilidade
de conceder a Administração certidão nominal dos ganhos de
cada servidor. 4. Recurso ordinário improvido.” (STJ – RMS 14163
– Relatora Min. Eliana Calmon – Segunda Turma – 27.08.2002)
8. Cf. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros. 14ª ed., 1997, p. 204.
9. Tércio Sampaio Ferraz Jr. diferencia a vida privada da intimidade
pelo maior grau de exclusividade da última. Sustenta que “a intimidade é o âmbito do exclusivo que alguém reserva para si, sem
nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance de sua vida
privada que, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre
os outros (na família, no trabalho, no lazer em comum)”. Já a vida
privada, segundo o jurista, “envolve a proteção de formas exclusivas de convivência. Trata-se de situações em que a comunicação
é inevitável (em termos de relação de alguém com alguém que,
entre si, trocam mensagens), das quais, em princípio, são
excluídos terceiros” (Sigilo de Dados: O Direito à Privacidade e os Limites à Função Fiscalizadora do
Estado, Cadernos de Direito Constitucional e
de Ciência Política 1/79).
10. Citação da doutrina de Moacyr de Oliveira em José Afonso da Silva, op. cit, p. 202 .
11. Op. cit., p. 78. O autor baseia-se no pensamento de Hannah Arendt, inspirado
em Kant.
12. Sigilo Bancário, in Estudos e Pareceres de Direito Público, São Paulo: RT.
1993, p. 62.
13. Cf. Têmis Limberger, As Informações Armazenadas pela Instituição Bancária e
o Direito à Intimidade do Cliente. Revista de Direito do Consumidor 43/288; e
Fábio Comparato, A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo: Saraiva.
2ª ed., 2001, p. 310.
14. Fred Cate, Invasions of Privacy? artigo publicado no jornal Boston Globe Published, 2.9.2001, disponível no endereço http://www.aei.org/news/
newsID.14758,filter./news_detail.asp
15. Fred Cate, op.cit.
16. As informações básicas meramente identificadoras do indivíduo (nome, filiação,
endereço, CPF) não integram, em princípio, o âmbito da intimidade, embora componham a vida privada, porque são informações justamente destinadas à interação social. Não possuem o atributo da exclusividade que marca os aspectos da vida pessoal
que integram a intimidade. Tércio Sampaio Ferraz Jr. entende que este tipo de dado,
“embora privativo do sujeito, é condição de sua identificação para efeito dos intercâmbios sociais que ocorrem inclusive na vida privada. Destacados dos intercâmbios
privados, eles não estão protegidos pela privacidade” (op. cit., p. 87).
17. O caráter público de um banco de dados permite ao cidadão impetrar habeas
data (CF, art. 5º, inc. LXXII, a). Para ser considerado de caráter público, o registro ou
banco de dados deve conter informações que “sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora
ou depositária das informações” (parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.507/97).
18. Herman Benjamin aponta as vantagens para o sistema econômico das entidades de
proteção ao crédito que armazenam dados sobre os consumidores: “a um só tempo,
superam o anonimato do consumidor (o fornecedor não o conhece, mas alguém está
a par da sua vida), auxiliam na utilização do crédito (por receber informações de terceiros sobre o consumidor, a instituição financeira, mesmo sem conhecê-lo, lhe concede o crédito), e, por derradeiro, permitem que os negócios de consumo sejam feitos
sem delongas (se o crédito é rápido, o consumidor pode aproveitar essa economia
de tempo e adquirir outros produtos ou serviços de fornecedores diversos)” (Código
Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, Rio de
Janeiro: Forense Universitária. 5ª ed., 1998, p. 327).
19. Voto proferido pelo Min. Celso de Mello aos 25.3.92 na Petição nº 577-5 Distrito Federal – Questão de Ordem.
20. Observadas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional e pelo
Banco Central do Brasil.
21. Segundo precedente do STJ, “A inscrição do nome da contratante na Serasa
depois de proposta ação para revisar o modo irregular pelo qual o banco estava cumprindo o contrato de financiamento, ação que acabou sendo julgada
procedente, constitui exercício indevido do direito e enseja indenização pelo
grave dano moral que decorre da inscrição em cadastro de inadimplentes” (JSTJ
16/330). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que “constitui ilícito,
imputável à empresa de banco, abrir cadastro na Serasa sem comunicação ao
consumidor (artigo 43, § 2º, da Lei nº 8.078/90). O atentado aos direitos relacionados à personalidade, provocados pela inscrição em banco de dados, é mais
grave e mais relevante do que lesão a interesses materiais” (5ª Câm. Cível – Ap. nº
597.118.926 – Rel. Des. Araken de Assis – j. 7.8.97 – Boletim AASP 2.044/481).
22. Op. cit., p. 328. A manipulação de informações, ainda que para proteção ao
crédito, deve sofrer um estrito controle e seu limite pode gerar controvérsias. O
Ministério Público Federal questiona judicialmente, por exemplo, a possibilidade
da Serasa receber informações da Receita Federal (vide petição inicial do Procurador André de Carvalho Ramos publicada na RDC 39/205-224).
23. RESP 50354 - 01.06.99 - Terceira Turma - Relator Min. Ari Parglender - JSTJ 9/194
24. RESP 59812 - 050.9.95 - Terceira Turma - Relator Min. Waldemar Zveiter
- RT 725/165.
25. Op. cit., pp. 78-79. Em 1990, o legislativo da Califórnia aprovou uma lei
protegendo a privacidade do consumidor quando paga com cartão de crédito.
Essa lei impede os varejistas de colher informação pessoal sobre transações com
cartões de crédito e de usá-las para suas próprias finalidades de marketing ou
vender as informações para especialistas em mala-direta. (Cf. California’s Advocate For The Public Interest, no sítio http://calpirg.org/CA.asp)
26. RHC 8493 - 20.05.1999 - Sexta Turma - Relator Min. Luiz Vicente Cernicchiaro - JSTJ 9/402
27. Celso Bastos, Sigilo Bancário, in Estudos e Pareceres de Direito Público, São
Paulo: RT. 1993, p. 67. Em sua edição do dia 22.2.03, o jornal “Folha de S. Paulo”
(p. C5) informou que um estudante de 18 anos foi preso pela Polícia Federal dois
dias antes “em Petrópolis (região serrana do Rio), sob a acusação de clonar sites
de instituições bancárias do Brasil e do exterior e aplicar golpes em correntistas
pela internet. Segundo agentes da CGCOIE (Coordenação Geral de Combate ao
Crime Organizado), o estudante criou páginas idênticas às de bancos brasileiros
como o Bradesco, a CEF (Caixa Econômica Federal) e o Banco do Brasil, além de
instituições da Coréia, do Peru e dos Estados Unidos, e conseguiu ter acesso a senhas e números de contas e de cartões. A partir daí, teria realizado compras, saques e transferências, lesando um número ainda não determinado de pessoas.”
28. Sua Informacão Privada: O Que Você Sabe Pode Protegê-lo, texto disponível
no site do Federal Trade Commission dos EUA na Internet.
29. Renato M.E. Sabbatini, Os piratas da Internet, Jornal Correio Popular, Caderno
de Informática, 21/4/95, Campinas-SP. Em outro artigo, o professor escreveu que
“a Internet é um verdadeiro faroeste, em matéria de proteção da privacidade do
usuário. Enquanto você usa um site de comércio eletrônico, dezenas de informações são coletadas sobre você, desde seu nome, endereço e número de cartão de
crédito, até os seus hábitos de navegação e de compra. Você não tem a menor
idéia de onde estão sendo armazenadas essas informações, se elas não são alteradas sem o seu conhecimento, vendidas para outros sites, ou roubadas.
Assustador? Pode apostar que sim. A segurança da Internet, como se pode ver
pelos recentes ataques de hackers a grandes sites de comércio eletrônico nos
EUA, é precária, para falar o melhor. A ausência de diretivas morais e legais também é rampante entre os sites de comércio eletrônico. Um levantamento recente
feito pela Federal Trade Commission, órgão do Governo Americano que regulamenta as atividades comerciais naquele país, descobriu que apenas 8% dos sites
de comércio eletrônico têm um ‘selo de privacidade’, ou seja, alguma política,
claramente visível, de que os usuários daquele site têm garantia de privacidade.
A FTC deseja que os sites tenham quatro normas básicas: aviso, escolha, acesso
e segurança. Em outras palavras, o site deve avisar claramente ao usuário qual
informação está sendo coletada sobre ele, e como é usada; dar opção para que
ele escolha como a informação será usada, dar acesso às informações já coletadas sobre ele, para fins de verificação, correção e apagamento, e tomar as
medidas necessárias para proteger os dados de acesso por terceiros. No levantamento realizado nos EUA, apenas 20% dos sites de comércio eletrônico com
mais de 40 mil visitantes por dia tinham implementando essas quatro políticas
de privacidade.
Como conclusão de um estudo de 208 páginas sobre práticas de privacidade na
Net, a poderosa FTC concluiu que o Governo deve implementar exigências legais
de proteção, pois a indústria falhou em regulamentar a si própria de maneira
independente, como os líderes empresariais do setor desejam.
A controvérsia se instalou. A Aliança de Privacidade na Internet, um grupo que defende a ausência de quaisquer barreiras ou legislação que tente domar o vale-tudo
da Internet, é contra. ‘Achamos que os consumidores bem informados devem decidir que nível de privacidade preferem. Eles podem disciplinar o mercado para que
ele forneça a proteção de privacidade que exigem e merecem. As recomendações
da FTC são muito amplas, prematuras, pouco práticas e desnecessárias’.
Já os consumidores pensam diferente. De acordo com um relatório de outubro
de 1999 da empresa Forrester, 90% dos consumidores querem controlar como a
informação coletada sobre eles é coletada e usada por terceiros, 57% favorecem
leis destinadas à proteção da privacidade online, e 56% não permitiriam a coleta,
se a eles fosse dada a escolha.” (Os piratas da Internet, Jornal Correio Popular,
Caderno de Informática, 26/5/2000, Campinas-SP)
30. Texto disponível em seu site na Internet aos 20.2.03.
31. Têmis Limberger, As Informações Armazenadas pela Instituição Bancária e o Direito
à Intimidade do Cliente. Revista de Direito do Consumidor 43/286-287 e 297.
32. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros.1997, 14ª ed.,
p. 205.
33. Quando, no início da década de 90, os geneticistas pretenderam estudar a
diversidade genética das diversas populações humanas, surgiu um impasse: grupos
indígenas norte-americanos recusaram-se a fornecer as amostras de sangue imprescindíveis para o mapeamento dos genes. A recusa se baseava na desconfiança
sobre a utilização das informações que seriam coletadas. Nesse contexto, Henry
Greely, professor de Direito em Stanford, empregou o conceito de consentimento informado, para, junto com geneticistas, criar um Protocolo Modelo de Ética.
Pelo processo do consentimento informado, “as pessoas que estão pensando em se
submeter a um teste genético devem saber exatamente o que as espera. Precisam
conhecer a precisão do exame e o que será feito com os resultados. Precisam saber
de que forma os resultados poderão afetar os membros da família, os patrões,
as seguradoras e outras pessoas envolvidas. Apenas depois que as pessoas forem
perfeitamente informadas a respeito do teste e suas possíveis conseqüências é
que se deve perguntar se desejam ser testadas” (Steve Olson, A História da Humanidade. Rio de Janeiro: Campus. 2003, p. 247. (v. Annual Review of Antropology
27 (1998):473-502) (Henry Greely, Informed Consent and Other Ethical Issues in
Human Population Genetics. Annual Review of Genetics. 2001. 35:785-800)
34. “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata.”
www.apmp.com.br
23
MP em Foco
X
Futuro do MP
O merecimento e o
Conselho Nacional do
Ministério Público
(Parte II)
MP do Futuro
Discussão sobre fatos que repercutirão nos rumos de nossa Instituição.
TRECHO DA EMENTA DA DECISÃO DO CNMP
“Normas gerais que estabelecem critérios para avaliação do merecimento,
Novos capítulos foram adicionados ao imbróglio envolvendo o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Superior do Ministério
Público de São Paulo.
Como noticiamos na edição anterior, liminar concedida pela integrante do Conselho Nacional do Ministério Público Janice Ascari suspendeu
“qualquer ato de promoção ou remoção de membro do Ministério Público do Estado de São Paulo até o julgamento do mérito deste processo”.
Essa decisão atingiu diretamente o concurso, por remoção, para provimento dos 75 cargos de promotores de justiça substitutos de segundo
grau criados pela Lei Complementar Estadual nº 981/2005.
No julgamento do mérito do feito (Procedimento de Controle Administrativo nº 93/2006), malgrado o reconhecimento de que “as normas
do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo (...) de um modo
geral, não discrepam muito das diretrizes gerais fixadas por este Conselho Nacional”, decidiu-se, por unanimidade, anular o referido concurso
e determinar a exclusão e a alteração de dispositivos do art. 70 do Regimento Interno do Conselho Superior de São Paulo, que regulamenta os
critérios de merecimento.
Sobre essa decisão e suas implicações é que dedicamos esta seção.
24
www.apmp.com.br
para fins de promoção e remoção estabelecidas, no caso em exame, na Lei
Orgânica Nacional do MP – Lei nº 8.625/93, na Lei Orgânica do Ministério
Público de São Paulo – Lei nº 734, de 26/11/1993 e no Regimento Interno do
Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, aprovado
pelo Ato nº 005/94 – CSMP, de 18 de outubro de 1994 e publicado no D.O.E.
de 21 de outubro de 1994. Normas internas que não discrepam muito das
diretrizes gerais fixadas por este Conselho Nacional, a não ser nos pontos
destacados no acórdão. Exclusão dos critérios que não se coadunam com a
Resolução CNMP nº 02/2005. Anulação do concurso de promoção/remoção
por merecimento, desde o seu edital, inclusive, procedendo-se integralmente
a novo certame, com a observância, doravante, dos critérios ora redefinidos.”
www.apmp.com.br
25
MP em Foco
O reflexo da decisão do CNMP
nos critérios de merecimento
Regimento Interno do Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo (aprovado pelo Ato nº 5/94CSMP, de 18/10/94)
Art. 70: Para aferição do merecimento, o Conselho
levará em conta:
I - os dados constantes de seu prontuário;
II - o exercício das funções institucionais com esforço e independência;
III - o volume de serviços da Promotoria de Justiça
ocupada pelo candidato, bem como a sua operosidade;
IV - os problemas e as dificuldades que o promotor de justiça enfrentou;
V - a conduta do membro do Ministério Público na
sua vida pública e particular;
VI - o conceito de que goza na Comarca;
VII - a dedicação no exercício do cargo;
VIII - a presteza ou pontualidade e a segurança no
cumprimento das obrigações funcionais (v. arts. 129,
§ 4º, e 93, II, b, da CF);
IX - as iniciativas que resultaram na modificação de
leis, orientações jurisprudenciais ou de procedimentos
administrativos internos;
X - a eficiência no desempenho de suas funções,
verificada através das referências dos procuradores
de justiça em sua inspeção permanente, dos elogios
insertos em julgados dos Tribunais, da publicação de
artigos e trabalhos forenses de sua autoria e das observações feitas em correições e visitas de inspeção;
XI - a contribuição à organização e melhoria dos
serviços judiciários e correlatos da Comarca;
XII - o número de vezes que já tenha participado de listas
de promoção ou remoção, pelo critério de merecimento;
XIII - a freqüência e o aproveitamento em cursos
oficiais, ou reconhecidos, de aperfeiçoamento (v. arts.
129, § 4º, e 93, II, b, da CF);
XIV - participação como conferencista, palestrante, autor de teses ou assistente em cursos, seminários
e congressos de interesse institucional;
XV - o aprimoramento de sua cultura jurídica, através
da publicação de livros, teses, estudos, artigos e a obtenção
de prêmios relacionados com sua atividade funcional;
XVI - a participação em debates, mesas redondas, painéis, exposições e conferências de cunho institucional;
26
www.apmp.com.br
XVII - o fato de ter exercido efetivamente seu cargo
em Comarcas de difícil provimento, e sua permanência
no cargo;
XVIII - a atuação em Comarca que apresente particular dificuldade para o exercício de suas funções;
XIX - a participação em atividades da Promotoria de
Justiça que tenham trazido destacado retorno social;
XX - iniciativas que redundaram em reais benefícios
para a comunidade;
XXI - atuação em inquéritos ou processos com especiais dificuldades e com grande relevância ou repercussão social;
XXII - a observância das Recomendações expedidas pelos Órgãos da Administração Superior do Ministério Público;
XXIII - iniciativas visando à defesa de prerrogativas institucionais;
XXIV - elaboração de peças forenses que serviram
de modelos para Centros de Apoio Operacional ou Promotorias de Justiça;
XXV - colaboração ou palestras em cursos de
adaptação ou atualização de membros do Ministério
Público;
XXVI - notória especialização em matérias de interesse institucional;
XXVII - elogios e votos de louvor consignados pelos Órgãos Superiores do Ministério Público ou em
decorrência da inspeção permanente dos procuradores de justiça;
XXVIII - exercício da função de professor em cursos
de Direito;
XXIX - titulação universitária;
XXX - o tempo de exercício na entrância ou no cargo, bem como a posição relativa do interessado na lista
de antigüidade, entre outros fatores (v. arts. 134 e 147,
§ 2º, c, da LOEMP).
incisos ou expressões excluídos pelo CNMP.
segundo o CNMP, apenas a avaliação negativa
desses critérios deve ser levada em conta.
segundo o CNMP, esses critérios só devem
ser considerados se a participação não tiver
ocorrido por indicação do Procurador-Geral
de Justiça ou do Conselho Superior do
Ministério Público.
www.apmp.com.br
27
MP em Foco
A repercussão no Conselho Superior
28
Na reunião de 4 de julho de 2006, o conselheiro
José Benedito Tarifa apresentou proposta de modificação do art. 70 do Regimento Interno do CSMP de
São Paulo, para adequá-lo integralmente à decisão
do CNMP. Seguiu-se, então, interessante discussão
sobre a possibilidade de o CNMP excluir dispositivos do Regimento Interno do CSMP de SP que, na
verdade, reproduziam normas previstas em nossa Lei
Orgânica Estadual.
Cabe ressaltar que a conselheira Janice Ascari, em
seu voto, não tratou da questão. Ou seja, não fez referência direta aos dispositivos da Lei Orgânica envolvidos e, por conseqüência, não analisou, no caso
concreto, se essas normas foram ou não recepcionadas depois da alteração do art. 93 da Constituição
Federal, com seus reflexos no art. 129, § 4º, da Carta
Magna.
Veja os aspectos principais do debate:
“ (...) apesar de o voto condutor mencionar o artigo
61 da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público) e transcrever o artigo 134 e seus
incisos da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público
do Estado de São Paulo, conclui pela exclusão
integral ou parcial de incisos constantes do
Regimento Interno do Conselho Superior
do Ministério Público do Estado de
São Paulo, que são cópias do
constante nessas leis...Vejamos:
a) A expressão “particular”,
constante do inciso
V, que se refere à
expressão “verificada através das referências
dos procuradores de justiça em sua inspeção
permanente, dos elogios insertos em julgados dos
Tribunais, da publicação de artigos e trabalhos
forenses de sua autoria e das observações feitas
em correições e visitas de inspeção” (art. 70, X,
RICSMP). Isto porque tal expressão é cópia do
constante na Lei Orgânica do Ministério Público do
Estado de São Paulo (art. 134, IV e VII) (...)
As observações feitas no voto condutor a respeito
dos incisos II, VII e VIII do artigo 70 do RICSMP,
por contrariarem o disposto no artigo 93, inciso
II, “c”, da Constituição Federal, tampouco podem
conduta na vida particular do membro da Instituição,
e a expressão “o conceito de que goza na Comarca”,
constante no inciso VI. Tais expressões constam da
Lei Complementar Estadual (art. 134, I) e, mesmo
que se admitisse que o Conselho Nacional
do Ministério Público pudesse proceder a
tais alterações em normas internas do
Ministério Público do Estado de São
Paulo – o que se admite apenas para
argumentar –, restaria o texto legal,
o qual não pode ser revogado pelo
Conselho Nacional do Ministério
Público, que não tem atribuições
constitucionais e legais para
tanto (...)
As mesmas observações
feitas acima são
válidas quanto à
ser aceitas, ainda mais que recomenda a análise
do desmerecimento do membro da Instituição.
O Conselho Superior do Ministério Público deve
avaliar o merecimento (...) apenas quem contar
com a maioria dos votos dos conselheiros é
que será indicado, sem que se faça referência
ao “desmerecimento” dos demais membros da
Instituição inscritos e não indicados, o que poderia
representar uma ofensa a esses colegas, com sérios
desdobramentos jurídicos (...)
A recomendação feita a respeito dos demais
incisos é desnecessária. Conclui-se, por
conseguinte, que a decisão do Conselho Nacional
do Ministério Público não é apta para produzir
resultados concretos quanto aos critérios de
merecimento do Ministério Público do Estado
de São Paulo.” (manifestação do conselheiro
Fernando José Marques)
www.apmp.com.br
“ (...) gostaria de deixar bem claro que sempre fui
– e continuo sendo – favorável ao controle externo
do Ministério Público e do Poder Judiciário,
considerando-o, mesmo, fator primordial para a
evolução dessas instituições (...)
É extremamente saudável, por outro lado, a
preocupação do Colendo Conselho Nacional do
Ministério Público com o tema “merecimento”,
em virtude da extraordinária importância que tem
para o estímulo do bom desempenho funcional (...)
Sem embargo desses registros, cabe desenvolver
análise crítica da decisão daquele órgão, o qual,
de vida recente em nosso ordenamento, não tem
definidos com absoluta clareza os limites de sua
atuação (...)
O questionamento, respeitoso e de fundo
essencialmente jurídico, é um dever para
aqueles que, como nós, atuam nos órgãos de
direção do Ministério Público estadual: temos a
responsabilidade de zelar para que o âmbito de
nossas competências não seja indevidamente – ou
seja, de forma contrária à lei – invadido por quem
quer que seja (...)
Pois bem, depois de se dedicar à análise de alguns
dispositivos do Regimento Interno do Conselho
Superior do Ministério Público de São Paulo – mais
especificamente de alguns incisos do seu art.
70 –, o Conselho Nacional do Ministério Público
de Controle Administrativo, expurgá-la, ainda
que parcialmente, de nosso ordenamento. Por
outro lado, a expressão “verificada através das
referências dos procuradores de justiça em sua
inspeção permanente, dos elogios em julgados dos
Tribunais, da publicação de artigos e trabalhos
forenses de sua autoria e das observações feitas
em correições e visitas de inspeção” consta do
disposto no art. 134, inciso IV, da Lei Orgânica
estadual e também deveria ser “excluída”. Tem o
Conselho Nacional do Ministério Público o poder
de revogar lei em vigor? Pode fazê-lo por decisão
proferida em Procedimento Administrativo? Em
outro ponto, aquele órgão pode ter exorbitado
de seus poderes, mais exatamente quando
determinou que a presteza nas manifestações dos
membros do Ministério Público somente poderia
ser considerada negativamente, ou seja, no caso de
impontualidade (...)
O entendimento desse Colendo Órgão, sem dúvida,
restringe a aplicação da norma constitucional,
cabendo uma vez mais indagar: pode o Conselho
Nacional, em procedimento administrativo,
determinar que os Ministérios Públicos
estaduais adotem interpretação restritiva
(e inegavelmente subjetiva) de
regra da Constituição
Federal? (...)
determinou a exclusão de alguns deles (...)
Acontece que alguns desses dispositivos apenas
repetem normas da Lei Orgânica do Ministério
Público do Estado de São Paulo (Lei Complementar
nº 734, de 26 de novembro de 1993)! Assim, a
decisão do Conselho Nacional, embora se refira
apenas ao Regimento Interno, na verdade alcançou
normas legais em pleno vigor. O art. 134, inciso
I, da Lei nº 734/93 manda que na aferição do
merecimento se levem em conta, dentre outras
coisas, o conceito de que goza o membro do
Ministério Público na Comarca e a conduta por ele
observada em sua vida pública “e particular”. Não
se trata, aqui e agora, de discutir o acerto ou a
modernidade dessa norma legal, mas de questionar
a possibilidade do Conselho Nacional do Ministério
Público, no âmbito de simples Procedimento
Por todas essas razões, dirijo-me ao Excelentíssimo
Senhor Procurador-Geral de Justiça para
solicitar que, no exercício da representação do
Ministério Público do Estado de São Paulo, tome
as providências necessárias para a defesa das
competências deste Conselho Superior, assim
como da própria Lei nº 734/93, seja em eventual
pedido de reexame da decisão do Egrégio Conselho
Nacional do Ministério Público, seja por meio das
medidas judiciais cabíveis”.
(manifestação do conselheiro Antonio Augusto
Mello de Camargo Ferraz)
www.apmp.com.br
29
MP em Foco
“ (...) o caso deve ser discutido judicialmente,
conforme propostas dos conselheiros Fernando e
Antonio Augusto” (manifestação do conselheiro
Dráusio Lúcio Barreto)
“A Emenda nº 45 modificou o artigo 93
da Constituição, em especial o seu inciso
II, alínea c, ao estabelecer a “aferição do
merecimento conforme o desempenho e
pelos critérios objetivos de produtividade e
presteza no exercício da jurisdição e pela
freqüência e aproveitamento em cursos oficiais
ou reconhecidos de aperfeiçoamento”, com
aplicação ao Ministério Público em razão
do disposto no artigo 129, § 4º, do texto
constitucional. A Legislação Federal, a Legislação
Estadual e as normas regulamentares que
não estiverem de acordo com os critérios
estabelecidos pela nova redação dada a este
dispositivo não foram recepcionadas pela
ordem constitucional estabelecida pela Emenda
Constitucional nº 45. Desta forma, não se trata
de reconhecer a esse Órgão Administrativo o
poder de revogar leis, mas sim de interpretar
as leis vigentes de acordo com o novo texto
constitucional aprovado pelo Poder Constituinte
Derivado (...)
Devemos observar a inexistência, por ora,
de elementos seguros para a aferição do
merecimento conforme o desempenho e pelos
critérios objetivos de produtividade e presteza.
Como comparar desempenho, produtividade
e presteza entre colegas que atuam em áreas
tão diferentes, como uma Promotoria Criminal,
uma Promotoria de Execução Criminal, uma
Promotoria de Família e uma Promotoria de
Interesses Difusos? Salvo situações claras
de demérito apontadas pela Corregedoria da
Instituição ou colegas de notório merecimento
para determinados cargos, que possam ser
motivados com clareza, a utilização da
antigüidade como critério de desempate, como
feito há muito no Ministério Público de São
Paulo, se mostra, no meu entender, adequado.”
(manifestação do conselheiro e PGJ
Rodrigo César Rebello Pinho, à qual aderiu
o conselheiro José Oswaldo Molineiro)
30
www.apmp.com.br
Desfecho (parcial) do caso
Por maioria de votos o Conselho Superior deliberou aguardar a decisão do Conselho Nacional
do Ministério Público nos pedidos de providências
formulados por membros do MP de São Paulo para,
depois, discutir as questões relativas à abertura de
novos concursos de promoção e remoção (em todas
Direto do
Conselho Super
ior
Proposta do cons
elheiro Tarifa de
ção do art. 71 do
alteraRegimento Inte
rno do CSMP
(redação propos
ta: “Os assentam
entos relativos às atividad
es funcionais e
à
conduta dos
membros do M
inistério Públic
o,
pa
ra fins de
apuração de seu
merecimento, se
rão coligidos
em seu prontuár
io individual (v.
ar
t. 42, X, da
LOEMP). Parágr
afo único – O C
on
selho levará
em conta os da
dos constantes
dos assentamentos, além do
s documentos e
trabalhos do
promotor de just
iça por ele próp
rio enviados à
Corregedoria-G
eral ou ao Con
selho Superior
do Ministério Pú
blico”) (reunião
de 4/7)
o
d
o
t
e
r
i
D
l
a
i
c
e
p
s
Órgão E
criaosta de
p
o
r
p
J
G
P
ea
tada pela rador de justiça
Apresen
u
c
o
entes
pr
rgos de
respond
r
a
o
c
c
5
s
7
o
e
d
to
ção d
cância substitu
a
v
a
a
iç
t
n
s
ju
extinção e promotor de
7/6)
os d
união de
75 carg
e
r
(
u
a
r
ndo g
de segu
as entrâncias) e aos critérios de merecimento (votos
vencedores: conselheiros Sabella, Fernando, Dráusio,
Shimizu e Rodrigo, com voto de desempate; votos
vencidos: conselheiros Tarifa, Garrido, Antonio Augusto, Zanellato e Molineiro; ausente, justificadamente, o conselheiro Fink).
Retrocesso?
atual
to anterior, o
da
an
m
u
se
Em
rtaria nº
al baixou a po
er
-G
or
ad
ur
oc
alPr
6, pela qual form
/0
/2
17
de
,
06
932/20
de estuiu a comissão
tu
ti
ns
co
te
en
2m
Normativo nº 40
to
A
no
ta
is
ev
dos pr
julho de
CGMP, de 27 de
P/
SM
/C
PJ
C
J/
PG
nco
é implantar o ba
vo
ti
je
ob
jo
cu
2005,
ucional do MP.
06,
de dados instit
de março de 20
21
e
14
as
di
Nos
al inteProcurador-Ger
por iniciativa do
eiras
as as duas prim
ad
iz
al
re
m
ra
fo
rino,
comissão.
reuniões dessa
pois da
atro meses de
qu
,
to
an
et
tr
En
eral para
l Procurador-G
posse do atua
e nedato, não houv
an
m
o
nd
gu
se
seu
união.
nhuma outra re
rtante
tiva tão impo
ia
ic
in
e
qu
ra
Pa
itucional
olvimento inst
para o desenv
APMP
te estancada, a
en
m
va
no
ja
se
não
palavras
fazendo suas as
em Reflexão,
Mello
onio Augusto
nt
A
o
ir
he
el
ns
do co
de 6 de
rraz na reunião
de Camargo Fe
ita ao
o Superior, solic
lh
se
on
C
do
o
junh
or-Geral
Senhor Procurad
Excelentíssimo
hos da
ados os trabal
m
to
re
m
ja
se
que
.
Comissão Mista
www.apmp.com.br
31
ayres|pp
H istória Institucional
Transparência
e responsabilidade
na distância de um clique.
Mais uma inovação da Diretoria e do Conselho Gestor.
Para que você saiba como anda saudável o seu Plano APMP-Gama.
A partir deste mês, o usuário do Plano de Saúde APMP tem acesso ao balanço online das contas do Plano.
Com um simples clique, você pode ver onde e como são aplicados os recursos obtidos com as mensalidades,
os gastos detalhados com reembolsos e rede credenciada e vários outros dados importantes.
E, assim, comprovar a solidez e eficácia do Plano de Saúde APMP. Feito especialmente para você e sua família.
Com transparência e responsabilidade.
13%
Acessando o site da APMP
você saberá que entre janeiro
e abril deste ano foi possível
formar um “colchão” com
13% do total arrecadado,
conforme o gráfico ao lado.
50%
37%
Para garantir a segurança e a
privacidade dos associados, os
dados permanecerão na área
restrita do site.
DESPESA
32
www.apmp.com.br
R E C E I TA
SALDO
A PMP Esportes
II Torneio Esportivo
Deu Itália aqui também!
Confraternização na medida certa!
O Brasil pode não ter vencido a Copa, mas os
associados da APMP tiveram muitos motivos para
comemorar de 09 a 11 de junho. O II Torneio Esportivo reuniu no Hotel Estância Barra Bonita - SP
cerca de 300 pessoas, que desfrutaram de diversas atividades culturais e eventos, como o show da
Banda Saigon, o famoso Churrasco do Bassi e a tão
esperada Festa Junina.
Nos esportes, as competições foram marcadas pela
euforia e animação, que motivaram todos os atletas
durante os jogos. E, claro, não foram economizados
gritos da torcida, do pontapé inicial ao último apito.
No futebol, as equipes vencedoras foram: Itália
(campeã), Togo (vice-campeã) e em terceiro lugar a
Fúria Espanhola. Destacaram-se os atletas: Tomas Busnardo Ramadan (artilheiro e gol mais bonito) e Luciano
Coutinho (goleiro menos vazado).
Aqui em Barra Bonita, Cafu, Roberto Carlos e Cia. Limitada esquentariam o banco de reservas dos craques
da APMP.
Confira as equipes participantes do futebol:
ITÁLIA
Luciano G. De Qu
eiroz Coutinho
André Luiz dos
Santos
Julio Sérgio Abbu
d
Tatsuo Tsukamot
o
Flavio Okamoto
José Augusto M
ustafá
Alexandre Cid de
Andrade
Felipe Freitas
Paulo Henrique
de O. Arantes
TOGO
Coutinho
De Queiroz
.
G
o
n
a
ci
Lu
ndes
rlando Me
Marcelo O
eida
ldo de Alm
José Reyna
dan
ardo Rama
Tomas Busn
ndelai
eovam Sca
Anderson G
s Júnior
s Guimarãe
o
rl
a
C
io
n
Anto
Jr.
rto Melluso
Carlos Albe
o
ias Brandã
Eduardo D
rreira
l
e
u
io Mig Fe
Luiz Anton
a Zarif
Tiago Cintr
ira
eu G. Teixe
Marcos Tad
anu
Roberto Livi
ESPANHA
mra
Rafael Abuja
es
ando Mend
Marcelo Orl
Costa
isto Fabricio
Heitor Evar
tas
ncini de Frei
Fábio Bianco
icius Seabra
Marcus Vin
eitas
ancisco S. Fr
Salvador Fr
io Masson
Cleber Rogér
o Loubeh
Silvio de Cill
rzella Vaz
Gustavo Zo
Lima
gues Franco
Fabio Rodri
INGLATERRA
Virgilio Antonio Ferraz do Amaral
Marcelo Freire Garcia
Eduardo Caetano Querobim
Ismael Marcelino
Gilberto Nonaka
José Carlos Cosenzo
Mário de Magalhães Papaterra
Landolfo Andrade de Souza
Paulo Cesar Correa Borges
Gabriel Lino de Paula Pires
Rodrigo Mazzili Marcondes
34
www.apmp.com.br
www.apmp.com.br
35
A PMP Esportes
Nas demais modalidades a participação também
foi intensa. A premiação aconteceu na noite de sábado
durante o jantar dançante com a apresentação da Banda Saigon, que animou a festa até altas horas.
Tranca
Natação
Campeões: Irineu Jorge Fava e José Eduardo Monaco.
Vice-Campeãs: Mariana Santiloni e Eni C. de Andrade.
1º lugar - Fabio Rodrigues Franco Lima.
2º lugar - Antonio Carlos Guimarães Júnior.
3º lugar - Luiz Henrique Cardoso Dal Poz.
Biribol
Corrida Feminina
Campeões: Alex Facciolo Pires, Salvador Francisco de
Souza Freitas, Haroldo César Bianchi e Luiz Henrique
Cardoso Dal Poz.
Vice-Campeões: André Luiz Dezotti, Virgilio Antonio
Ferraz do Amaral, Paulo Sérgio Ribeiro da Silva e Paulo
Cesar Correa Borges.
Campeã: Sandra Barros Antunes.
Vice-Campeã: Ruth Duarte Garcia.
Medalhas: Katia Dezotti e Maria Clara Dezotti.
Os vencedores de cada categoria foram:
Tênis
Campeões: Carlos Romani e Natalia Tsukamoto.
Vice-Campeões: João Antunes de Souza e Priscila Walcker.
Truco
Campeões: Marcelo Freire Garcia e Tito Lívio Seabra.
Vice-Campeões: Antonio Padovani e Carlos Alberto
Melluso Júnior.
36
www.apmp.com.br
Corrida Masculina
Campeão: André Luiz Dezotti.
Vice-campeão: José Maria Gomes.
Medalhas: Luiz Carlos Gonçalves Filho e Salvador Francisco de Souza Freitas.
Além dos eventos esportivos, a APMP zelou pela saúde
de seus atletas. Em parceria com o CLUB D.A MEDICINA
DIAGNÓSTICA, empresa do GRUPO DIAGNÓSTICOS DA
AMÉRICA, foram realizados exames de dosagem de glicose no sangue e verificação de pressão arterial. Além disso,
uma ambulância disponibilizada pela Medicar Emergências Médicas permaneceu a serviço dos associados e familiares durante todas as competições, desde o check-in
até o check-out.
www.apmp.com.br
37
A PMP Esportes
38
A Copa no Telão!
Replay do Bassi!
E viva São João!
Os colaboradores do Torneio
O público também pôde acompanhar os melhores momentos dos primeiros jogos na Alemanha em telão disponibilizado especialmente para transmitir a Copa.
Para quem não quis “suar a camisa”, caminhadas, relaxamento na hidrospa, massagens e o curso de maquiagem foram muito procurados. O Parque Aquático, sempre
cheio, fez a alegria das crianças e também dos adultos,
que se divertiram com as aulas de mergulho.
Para repetir o sucesso do ano passado, a APMP trouxe mais uma vez Marcos Guardabassi para preparar o
seu famoso churrasco. E a surpresa! Simulando estar na
Alemanha, com link ao vivo no telão, Bassi surge inesperadamente na festa, para admiração dos presentes.
Sua equipe, composta por especialistas no preparo e corte da carne, foi muito elogiada pelo jantar servido.
Para animar ainda mais o evento, um empolgante arraial agitou a noite. Quentão, pipoca, doces,
entre outras comidas típicas que devolveram as calorias queimadas nas competições.
Para a realização deste evento, a APMP teve a honra
de contar com a colaboração de importantes parceiros. O
Club Med do Brasil sorteou entre os associados hospedagens em qualquer uma de suas filiais. Já a SulAmerica Turismo ofereceu hospedagens no Hotel Nogaro, em Bueno
Aires. Por sua vez, a Narwhal - Atividades Sub-aquáticas
disponibilizou todos os equipamentos de mergulho, além
das aulas e sorteios de vários cursos.
www.apmp.com.br
www.apmp.com.br
39
APMP Destinos
Ondas musicais
Beleza, história e sons do
Caribe
Banhado por um dos mares mais bonitos do
planeta, o Caribe seduz turistas do mundo inteiro
por suas belezas naturais e sua música caliente
KD
15
36.0
Quilômetros de praias continentais e mais de 7 mil
ilhas traduzem as muitas facetas do Caribe. Cada pedaço de terra banhada pelo Mar das Caraíbas possui
características próprias.
A diversidade cultural é resultado da influência de
povos europeus. Espanhóis, ingleses, holandeses, suecos, entre outros, colonizaram a região. Africanos e índios também deixaram seu legado.
Mesmo com todas as diferenças, existe um ponto
em comum entre os caribenhos: a musicalidade.
Um dos sons mais bonitos
do Caribe é produzido pela
natureza, não pelo homem.
Trata-se do barulho do mar.
65
001 00
Um dos sons mais bonitos do Caribe é produzido
pela natureza, não pelo homem. Trata-se do barulho
do mar.
Tulum é um bom lugar para ouvir a sinfonia de ondas quebrando na praia. Esse centro arqueológico fica
no México, 130 quilômetros ao sul de Cancún. O contraste entre o mar cristalino e as ruínas maias impressiona.
As praias de Tulum são pequenas, algumas desertas.
O principal atrativo da cidade são palácios e templos
que datam de 1400 d.C, resquícios do fim da civilização
maia.
Outra atração são os cenotes, lagoas incrustadas
em pedras e que se estendem pelo subterrâneo. Mergulhos com snorkel dentro dessas cavernas mostram
estalactites, estalagmites e peixes coloridos.
Se preferir praias mais badaladas, Cancún é a pedida. De intensa vida noturna, há uma profusão de bares
e boates para todas as faixas etárias, além de ótimos
restaurantes.
Algumas páginas adiante e você terá informações
completas sobre a culinária mexicana. Por ora, recomendamos os tacos e burritos, sem muita pimenta,
para evitar efeitos indesejados que impeçam aproveitar
tudo o que o balneário tem a oferecer.
Durante o dia, por exemplo, pode-se simplesmente
ficar na praia tomando piña colada ou então praticar
esportes náuticos. Jet Sky, passeios de veleiros ou lanchas, windsurf e mergulhos são algumas das modalidades oferecidas.
Por falar em mergulho e saindo do México, Aruba
é o lugar certo para os aficionados. A água do mar é
cristalina e, em alguns pontos, a visibilidade chega a
30 metros.
001 0065
001
5
006
001 0065
001 00
65
40
www.apmp.com.br
www.apmp.com.br
41
APMP Destinos
Um dos passeios mais procurados pelo turista é o
que leva ao Antilla. Em 1945, esse cargueiro alemão foi
afundado de propósito pelo comandante, para evitar
que a embarcação caísse em mãos holandesas.
Para os mergulhadores experientes, vale a pena conhecer Bonaire, vizinha de Aruba e que, juntamente
com Curaçao, compõem o ABC holândes do Caribe.
Isso porque Aruba é um território dependente dos Países Baixos. Sendo assim, o holandês é um dos quatro idiomas ensinados nas escolas da ilha. Os outros são o inglês,
o espanhol e o papiamento. Este último é uma mistura de
vários idiomas, entre eles, o português. Por isso, não estranhe ao ouvir os nativos pronunciarem sons conhecidos. O
que você ouvirá assim que chegar é bon bini (bem-vindo).
Outro lugar que vale a visita é Cuba. Se quiser conquistar a simpatia dos cubanos, mostre interesse pela
música do país. Ritmos como a rumba, o danzón e o
cha-cha-cha nasceram na ilha.
O son é um estilo musical ligado à formação da nacionalidade cubana. Ele começou a se popularizar nos
carnavais do final do século XIX. No início, era apenas
tocado nos bailes destinados às classes mais pobres.
Por muitos anos, o ritmo foi tido como imoral e sua
execução proibida (qualquer semelhança com o tango,
na Argentina, não é mera coincidência).
Com o tempo, esse estigma foi desaparecendo e, em
1920, ele já era considerado o principal gênero musical do país. Os instrumentos de corda (tres e o violão)
são legados hispânicos; a percussão (conga e maracá)
é fruto da influência africana.
A musicalidade de Cuba é tão rica quanto sua história. Inicialmente ocupada pelos espanhóis, tornou-se
posteriormente um protetorado dos Estados Unidos.
Assim como a música, o rum
anima a viagem do turista.
Sua origem data do século XVI.
Conhecido como “bebida dos
piratas”, era moeda de troca no
comércio de escravos.
0065
No século XX, foi palco de dois fatos marcantes. A Revolução de 1959, que trouxe Fidel Castro e o comunismo para o poder e afastou o país
da influência norte-americana, e a Crise dos Mísseis, em 1962, que envolveu Cuba, os EUA e a extinta URSS e gerou o temor de um confronto nuclear.
As marcas do passado podem ser vistas nas ruas,
rostos, relatos e costumes dos habitantes. A arquitetura de alguns prédios evidencia o passado colonial; os
Cadillacs e Oldmobiles nos dão pistas sobre os efeitos
do comunismo na economia cubana; a elevada expectativa de vida e as baixas taxas de analfabetismo mostram as conquistas da ditadura de Fidel Castro; a baía
de Guantánamo é um resquício da Guerra Fria. Enfim,
Cuba oferece ao turista mais do que belas praias.
Confluência sonora
Os ritmos cubanos são apenas um aperitivo. O Caribe nos traz o limbo, calipso e reggae, comuns nas áreas
de influência inglesa, como a Jamaica. Já o zouk aparece nos locais onde houve ocupação francesa, enquanto
o merengue é característico das ilhas espanholas.
Essa divisão, entretanto, não é rígida. Existe um intercâmbio intenso entre os vários estilo, a ponto de um
compositor cubano propor a expansão dos limites do
Caribe levando em conta a música. Natalio Galán (19311985) sugeriu que fossem integrados ao território caribenho o sul dos Estados Unidos, o norte e nordeste do
Brasil e alguns outros países da América Latina.
Não entendeu? Então, pense na salsa, gênero criado na década de 40, nos Estados Unidos. Nessa época,
reuniam-se em bares americanos centenas de músicos
latinos, oriundos de diferentes países, como a Venezuela, Cuba, Porto Rico, México etc. O contato entre eles
deu origem a uma nova maneira de fazer música.
Entendeu agora? A salsa é a síntese de vários estilos e expressa uma característica tipicamente caribenha: a alegria.
E já que sua imaginação viajou embalada pela música, arrume sua mala e vá para o Caribe.
”
a a viacaribenha
rum anim
o
lo
A “cachaça
música,
do sécu
a
t
a
d
como a
m
tas”,
orige
Assim
dos pira
ta. Sua
is
a
r
id
u
t
b
e
o
ab
gem d
de escr
como “
o
io
c
id
r
c
é
e
m
h
n
a no co surgimento de
XVI. Co
de troc
a
d
e
o
ado
, com o
era m
o destil
ulo XIX
e
c
u
é
s
q
,
o
n
m
ltrage
, a bevos. Foi
dos de fi
ior. Hoje
r
o
e
t
é
p
u
m
de
s
s
e
novo
espécie
ualidad
a
q
m
a
u
m
u
a
e dois
siderad
ganhou
a base d
ser con
é
e
m
d
o
u
r
p
aliO
bida
ião: o M e
g
ibenha”.
e
r
r
a
c
a
d
a
ç
“cacha
amosos
amaica
s mais f ue é feito na J
e
r
o
c
eita.
li
dos
sua rec
aria - q
m
e
M
r
a
ia
c
T
ú
bu e o
a e aç
baunilh
,
é
f
a
c
leva
001 0065
001
O son cubano
ay
tel Holid
m no Ho e seguro
e
g
a
d
e
sp
ho
os
noites de manhã, traslad partir de
ianca, 7
A
a
Aéreo Av ree com café d 006 (Feriado).
/2
sp
ro
n
b
u
m
S
Inn
/Sete
Saída 02
415
viagem. R$ 890 + 5x R$
)
5
6
.9
2
(R$
o Hotel
dagem n slados
e
sp
o
h
a
e
d
n
tra
Punta oCpaa Airlines, 6 noitsteesma ALL INCLUSIV9E/D, ezembro.
Aéreo C ravo Golf com si º/Setembro a
1
a
Barceló B viagem. Saídas 1
3
4
ro
$
u
R
g
x
se
5
e
921 +
$
R
)
6
7
.0
(R$ 3
o Hotel
edagem n 23/Agosto
sp
o
h
e
n
d
Cancúeromexico, 6 noites manhã. Saídas4
Aéreo A com café da 805 + 5x R$ 37
$
Flamingo bro. (R$ 2.675) R
m
e
z
e
a 8/D
o Hotel
edagem n iagem.
sp
o
h
e
d
v
es
in
St. Mamretrican Airlines, 6 naonithã, traslados e seg+uro5x R$ 405
8
A
m
6
a
8
o
d
Aére
afé
3) R$
za com c
. (R$ 2.89
Beach Pla ulho a 31/Outubro
ulo,
e São Pa
/J
saindo d lidos para
Saídas 24
lo
p
u
d
vá
to
Aruba
001 0065
001 00
65
001 00
65
001 00
001 0065
m ap
aviso,
pessoa e ração sem prévio
mbio do
ços por
e
re
lt
uárias. Câ lados
P
a
rt
e
:
o
e
p
ta
d
o
ro
a
e
N
id
a
u
il
s
a
ib
a
x
n
c
o
ta
disp
ciais lc ue.
em
sujeitos a licação. Não inclu 2. Preços referen
cheq
m
e
o
,3
b
v
2
u
si
p
$
data de
1,00 = R arcelamento exclu
/06 US$
P
dia 14/07 o dia do pagto.
to.
anciamen
io d
ao câmb tras formas de fin
u
o
Consulte
65
42
www.apmp.com.br
www.apmp.com.br
43
Gastronomia
México:
Entre tacos e quesos!
Os antropólogos afirmam que a escolha dos alimentos e a formação dos hábitos alimentares obedecem a
critérios culturais. No México, costuma-se fazer três
refeições por dia: o café da manhã, a merienda e a
ceia. Cada qual de um modo diferente, uma vez que
os habitantes locais, em geral, seguem um ditado segundo o qual para ter saúde deve-se quebrar o jejum
como um rei, almoçar como um príncipe e jantar como
um plebeu.
O banquete do Rei
Desde o tempo dos astecas, o café da manhã é uma
refeição farta para os mexicanos. Comem-se frutas,
pães doces e até mesmo carnes. Para acompanhar esse
banquete, hochata (água de arroz). O milho – base
da culinária do país – também é herança dos povos
pré-colombianos. Maias e astecas já cultivavam esse
alimento, usado para fazer panquecas recheadas com
girinos, lagartas ou peixes.
Hoje, utiliza-se o grão para o preparo das tortillas:
massa feita com água, farinha de milho branco (masa
harina), manteiga e sal. Essa receita é utilizada na confecção de outros pratos, como os burritos, enchiladas,
fajitas, chimichangas, nachos e tacos.
Quem, na faixa de 40 anos, não se lembra dos
indefectíveis tacos do Jack in the Box da rua
Augusta, esquina com a alameda Santos?
Essa lanchonete não existe mais no Brasil, mas a iguaria continua fazendo sucesso
no mundo, em grande parte devido ao seu
44
www.apmp.com.br
A cozinha mexicana também
sofreu influência espanhola.
Assim como aconteceu no
Brasil, a tradição dos povos
locais misturou-se com os
costumes do colonizador.
Os espanhóis trouxeram as
especiarias, a cebola, a carne
de porco e o requinte de suas
receitas. O resultado dessa
fusão é uma culinária saborosa
e muito colorida.
www.apmp.com.br
45
Gastronomia
Apesar das diferenças,
temos duas unanimidades:
tomar um aperitivo antes
da merienda e fazer a sesta
depois. Noutras palavras,
uma bebida para “abrir o
apetite” e um cochilo após
a refeição.
recheio à base de carne moída, pimenta, milho, tomate,
cebola e guacamole (abacate).
Outra peculiaridade dos hábitos alimentares mexicanos está no fato de as tortillas serem usadas como
talher. Essa antiga prática vem do tempo em que as
pessoas não tinham dinheiro para comprar talheres.
Por isso, ao invés das mãos, era como se uma unidade
de “Doritos” substituísse garfo e colher.
A cozinha mexicana também sofreu influência espanhola. Assim como aconteceu no Brasil, a tradição dos
povos locais misturou-se aos costumes do colonizador.
Os espanhóis trouxeram as especiarias, a cebola, a carne
de porco e o requinte de suas receitas. O resultado dessa
fusão é uma culinária saborosa e muito colorida.
46
www.apmp.com.br
O aperitivo e a sesta do
príncipe
A merienda, servida entre as 14 e 17 horas, é composta por quatro pratos: sopa leve, prato principal,
porção de feijão e sobremesa. Os ingredientes utilizados variam de acordo com a região do país. No norte,
devido à criação de gado, a carne é muito utilizada. Na
região central, consome-se muito feijão. E no Golfo do
México predominam os peixes e a carne bovina.
Apesar das diferenças, temos duas unanimidades:
tomar um aperitivo antes da merienda e fazer a sesta depois. Noutras palavras, uma bebida para “abrir o
apetite” e um cochilo após a refeição.
Se você quiser experimentar esse costume local, pode beber uma cerveja mexicana. Elas são mais
suaves do que as européias. Pode também tomar um
vinho nacional. Mas a rainha dos aperitivos é a tequila,
produzida a partir do Agave, planta parecida com um
cactus.
O nome da bebida surgiu entre os século XVIII e XIX.
Na província de Jalisco existia uma cidade chamada
Tequila. Como o destilado produzido naquela região
era o melhor do país, o produto foi batizado com o
nome do local.
As características da tequila mudam de acordo com
a forma como é produzida. As brancas, mais fortes,
normalmente são usadas na preparação de drinks. As
escuras, envelhecidas, possuem gosto mais suave, o
que recomenda que sejam bebidas puras.
A bebida não pode envelhecer mais de dez anos, caso
contrário seu sabor fica amargo. Sua textura deve
ser sempre um pouco oleosa.
Outro destilado famoso no país
é o mezcal, ainda mais antigo do
que a tequila, de sabor
mais forte e que guarda uma característica
pitoresca: dentro de sua
garrafa é colocada uma larva
de gusano, inseto que cresce entre
as plantas de Agave. O simpático bichinho serve para indicar o teor alcoólico do líquido.
Se a concentração de álcool for pequena, a larva se
desintegra.
Lendas populares afirmam que se um homem ingerir o gusano, ficará mais másculo e corajoso. Será a
versão mexicana da “Jurubeba Leão do Norte”?
Tem pimenta na ceia do plebeu
A ceia ou jantar é a refeição mais leve: sopas, pães,
sanduíches. Como acontece no café da manhã e na
merienda, os pratos são preparados com bastante
pimenta, muito apreciada pelos mexicanos.
Os botânicos afirmam que ela é originária do continente americano. Os índios já cultivavam a planta
quando os europeus chegaram. Com os nativos, os colonizadores aprenderam a utilizá-la e difundiram-na
pelo mundo.
As cores das pimentas têm relação com seu ardor. As
vermelhas, por exemplo, são mais fortes do que as verdes. A pimenta realça o sabor dos alimentos, mas alguns
chefs afirmam que ela mascara o paladar. Essa idéia é
reforçada por restaurantes fast food que exageram no
uso desse ingrediente, enquanto as receitas mexicanas
tradicionais usam o tempero com parcimônia.
Ardida ou não, a culinária é uma das atrações do
México. Por isso, uma vez lá, certifique-se apenas que
o restaurante é de qualidade. Se for, aproveite. Entre
garfadas e goles de tequila, você não estará apenas conhecendo a cultura mexicana: estará vivenciando-a.
História de Chocolate
Os suíços carregam
a fama de produzirem
o melhor chocolate
do mundo, embora os
belgas disputem com eles
essa primazia. O cacaueiro,
entretanto, é originário da América Central.
Os astecas cultivavam a planta, cuja semente era símbolo de riqueza e poder, tanto que
servia como moeda. Esse povo adorava o deus
Quetzalcoatl, personificação do conhecimento
e sabedoria. Segundo lendas, foi essa divindade
que trouxe o cacau para a terra. A bebida extraída do cacau, o xocoalt, era usada em rituais
sagrados. Naquela época, o precursor do chocolate não tinha o sabor doce e agradável que
possui hoje. Ao contrário, era amargo e apimentado. Sua preparação incluía um purê de milho
fermentado e pimenta.
www.apmp.com.br
47
Cultura & Lazer
A travessia de
Guimarães Rosa
“Que nasci no ano de 1908, você já sabe. Você não deveria me pedir mais dados
numéricos. Minha biografia, sobretudo minha biografia literária, não deveria ser
crucificada em anos. As aventuras não têm tempo, não têm princípio nem fim.”
João Guimarães Rosa nasceu em Cordisburgo no
dia 27 de junho. Era o filho mais velho de Francisca
Guimarães Rosa e Floduardo Pinto Rosa, o “Seu Fulô”.
Passou a maior parte da infância em sua cidade natal e
desde cedo mostrava interesse pela natureza e pelo estudo das línguas. Aos seis anos, leu o primeiro livro em
francês. Aos dez, foi morar com o avô em Belo Horizonte, onde cursou o ginasial junto com Carlos Drummond
de Andrade, que se tornaria seu grande amigo.
Com apenas 16 anos ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade de Minas Gerais e, durante o curso, passou a se dedicar à literatura. Começou escrevendo
quatro contos para um concurso da revista O Cruzeiro:
Caçador de camurças; Chronos Kai Anagke; O mistério
de Highmore Hall; Makiné. Todos foram premiados e publicados. Anos depois, confessou que escrevera os contos motivado apenas pelo prêmio de 100 mil réis.
Casou-se com Lígia Cabral Penna, seis anos
mais nova que ele, no mesmo ano em
que se formou em Medicina. O
48
www.apmp.com.br
casal teve duas filhas: Vilma e Agnes. Formado, foi
exercer a profissão em Itaguara, um distrito do município de Itaúna. Esse período foi decisivo em sua
carreira literária. Guimarães Rosa andava sempre
com um caderninho, no qual anotava os costumes, as
crenças, as terminologias, os ditos e as histórias do
povo, informações sobre fauna, flora e tudo mais que
despertasse seu interesse. Essas anotações serviram
de subsídio para muitos de seus livros.
Quando explodiu a Revolução Constitucionalista de
1932, ele tornou-se voluntário na Força Pública. Por
meio de concurso, efetivou-se e foi trabalhar em Barbacena como Oficial Médico do 9° Batalhão de Infantaria. Nessa época, aproveitou para se aprofundar
em idiomas estrangeiros. Certa vez, revelou
para sua prima:
“Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um
pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agar-
Guimarães Rosa andava
sempre com um
caderninho, no qual anotava
os costumes, as crenças,
as terminologias, os ditos
e as histórias do povo,
informações sobre
fauna, flora e tudo mais
que despertasse seu
interesse.
rado); entendo alguns dialetos alemães;
estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do
tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do
finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um
pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E
acho que estudar o espírito e o mecanismo
de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração.”
www.apmp.com.br
49
Cultura & Lazer
“...Só posso agir satisfeito
no terreno das teorias, dos
textos, do raciocínio puro, dos
subjetivismos.”
Essa declaração foi retirada de uma carta na qual
Guimarães Rosa confidencia a um amigo que não estava feliz com sua profissão. Desmotivado com a medicina, resolveu prestar um concurso para o Ministério
do Exterior. Sua erudição e a fluência em vários idiomas garantiram-lhe a segunda colocação. Em 1938, é
nomeado cônsul-adjunto em Hamburgo e vai para a
Europa. Já separado de sua primeira mulher, conhece
Aracy Moebius de Carvalho, que se tornaria sua segunda esposa.
Durante a II Guerra Mundial, vivenciou uma experiência que trouxe à tona seu lado supersticioso. No
meio de uma noite, sentiu uma vontade irresistível, de
acordo com suas palavras, de fumar. Saiu para comprar
cigarros e, quando voltou, encontrou apenas os escombros de sua casa, que fora sido destruída por um bombardeio. Depois desse episódio, o misticismo o acompanhou pelo resto da vida. Ele acreditava em energias
positivas e negativas, nas forças da lua, no kardecismo,
no conhecimento de curandeiros e feiticeiros.
Uma das maiores realizações do diplomata, durante
a guerra, foi facilitar a fuga dos judeus perseguidos
pelo nazismo. Sua mulher, Aracy, o ajudou nessa tarefa.
Em 1985, o Estado de Israel homenageou os dois com
a mais alta distinção
que os judeus prestam
a estrangeiros: um local
público, no caso um bosque próximo a Jerusalém,
foi batizado com o nome do
casal.
Quando o Brasil declarou
guerra à Alemanha, ele ficou
detido em Baden-Baden com
outros compatriotas. Quatro
meses depois, libertado,
50
www.apmp.com.br
Durante a II Guerra Mundial,
vivenciou uma experiência que
trouxe à tona seu lado supersticioso.
No meio de uma noite, sentiu uma
vontade irresistível, de acordo com
suas palavras, de fumar. Saiu para
comprar cigarros e, quando voltou,
encontrou apenas os escombros de
sua casa que fora sido destruída por
um bombardeio.
O Sertão de Guimarães
Rosa na Estação da Luz
A primeira exposição temporária do Museu
da Língua Portuguesa homenageia uma das
maiores obras da literatura nacional: Grande
Sertão: Veredas. Conheça a história de amor de
Riobaldo e Diadorim através dos sete caminhos
criados por Bia Lessa. Cada um corresponde a
um personagem ou aspecto importante do livro.
Uma das maiores atrações é a gravação da voz
de Maria Bethânia lendo as 14 últimas páginas
do Grande Sertão.
Museu da Língua Portuguesa
Endereço: Estação da Luz, Praça da Luz, s/nº,
voltou para o Brasil e logo em seguida foi transferido
para Bogotá. Alguns anos depois, tornou-se conselheiro
diplomático em Paris. Em 1958, ascendeu a ministro de
primeira classe (embaixador). Um de seus últimos encargos profissionais foi chefiar o Serviço de Demarcação de Fronteiras, participando da solução de dois casos
famosos: Pico da Neblina (1965) e Sete Quedas (1966).
“E meus livros são aventuras; para
mim são minha maior aventura.
Escrevendo descubro sempre um
novo pedaço de infinito.”
Apesar de médico e diplomata,
Guimarães Rosa tinha como grande
paixão escrever. Depois da experiência da época da faculdade,
participou de mais dois concursos literários. Em 1936, a
coletânea de poemas intitulada Magma recebeu o prêmio de poesia
da Academia Brasileira
de Letras. Depois de
um ano usando o pseudônimo Viator, concorreu
ao prêmio Humberto de Campos com a obra intitulada Contos, que anos depois seria revisada e
se transformaria no livro Sagarana.
O reconhecimento veio com a publicação de
Corpo de Baile e Grande Sertão: Veredas. Depois
dessas duas obras, publicou também Primeiras Estórias (1962) e Tutaméia:Terceiras Estórias (1967).
Guimarães Rosa renovou o romance brasileiro com
São Paulo, SP
Telefone: (11) 3326-0775
Em 19 de novembro de 1967, três
dias após assumir sua cadeira na
Academia, João Guimarães Rosa prova
ao mundo que viveu. No mesmo ano
ele fora indicado para o prêmio Nobel
de Literatura, mas a indicação foi
cancelada devido a sua morte.
seus experimentos lingüísticos, sua técnica, seu mundo ficcional. Os críticos chamam-no de “romancista
instrumentalista”. Esse apelido referia-se à extrema
preocupação que o escritor tinha com o “instrumento da palavra” na construção de seus trabalhos. Essa
preocupação fica evidente quando observamos a riqueza e a ousadia na reinvenção de vocábulos: fiúme, levantante, maravilhal, fluifim, ossoso e muitos outros.
Outra característica de sua obra é a aproximação
entre narrativa e lírica. O resultado é um texto que
possui musicalidade, como podemos perceber nesse
trecho do conto O Burrinho Pedrês, que está no livro
Sagarana:
“As ancas balançam, e as vagas de dorsos, das
vacas e touros, batendo com as caudas, mugindo no
meio, na massa embolada, com atritos de couros, es-
tralos de guampas, estrondos de baques, e o berro
queixoso do gado junqueira, de chifres imensos, com
muita tristeza, saudade dos campos, querência dos
pastos de lá do sertão...”
O autor extraiu do sertão a matéria-prima para
escrever seus livros. No entanto, o sertão de Guimarães Rosa não é restrito aos limites geográficos
brasileiros. O crítico literário Antônio Cândido fez
considerações sobre esse assunto:
“A experiência documentária de Guimarães Rosa, a
observação da vida sertaneja, a paixão pela coisa e o
nome da coisa, a capacidade de entrar na psicologia
do rústico - tudo se transformou em significado universal graças à invenção, que subtrai o livro da matriz
regional, para fazê-lo exprimir os grandes lugares-comuns, sem os quais a arte não sobrevive: dor, júbilo,
ódio, amor, morte, para cuja órbita nos arrasta a cada
instante, mostrando que o pitoresco é acessório, e na
verdade, o Sertão é o Mundo”.
A alta qualidade de sua literatura garantiu-lhe um
lugar na Academia Brasileira de Letras. A indicação
aconteceu no ano de 1963. Guimarães Rosa adiou sua
posse por quatro anos. No seu discurso, proferiu as
seguintes palavras:
“(...) a gente morre é para provar que viveu.”
Em 19 de novembro de 1967, três dias após assumir
sua cadeira na Academia, João Guimarães Rosa prova
ao mundo que viveu. No mesmo ano ele fora indicado
para o prêmio Nobel de Literatura, mas a indicação foi
cancelada devido a sua morte.
Lançamento de Livros
A APMP dá uma “forcinha” para que
surjam novos Guimarães Rosa, Gustave
Flaubert, James Joyce, Friedrich Nietzsche
e Franz Kafka. Participe!
www.apmp.com.br
51