fazer - Núcleo estudos de gênero

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fazer - Núcleo estudos de gênero
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
DANIELE SHORNE DE SOUZA
O CONHECIMENTO NÃO CORROMPE: O PENSAMENTO UTÓPICO DE
CRISTINA DE PIZÁN NO ALVORECER DA MODERNIDADE
CURITIBA
2008
DANIELE SHORNE DE SOUZA
O CONHECIMENTO NÃO CORROMPE: O PENSAMENTO UTÓPICO DE
CRISTINA DE PIZÁN NO ALVORECER DA MODERNIDADE
Monografia
apresentada
à
disciplina
de
Estágio
Supervisionado em História como
requisito parcial à conclusão do
curso de História da Universidade
Federal do Paraná.
Orientadora: Profa.
Paula Vosne Martins
CURITIBA
2008
Dra.
Ana
À Luiz Rodrigo, meu marido e Levi Emanuel, meu filho
Às mulheres que têm me ensinado a viver e a lutar pelos meus sonhos:
Tereza
Lucy Mary
Suzi Mara (in memorian)
Ana Carla
Dayani
Grace Kelly
Amanda
Bárbara
Bianca
AGRADECIMENTOS:
A Deus, pela vida, benção e proteção.
À Professora Dra. Ana Paula Vosne Martins, pela orientação apoio,
incentivo, confiança e principalmente pela amizade.
Ao colega Leandro Francisco de Paula, pela colaboração no início do meu
trabalho.
Aos meus amigos Juliana, Stefani, Elen, Leonardo e André pelo
companheirismo, carinho e apoio durante todo o curso e pela colaboração para a
realização deste trabalho. E aos demais colegas que de alguma forma
contribuíram com sugestões e críticas.
Ao meu marido Luiz Rodrigo e ao meu filho Levi, pelo precioso silêncio em
nossa casa quando eu precisava trabalhar.
Aos meus sogros Lucy Mary e Luiz Carlos que me adotaram como filha e
me deram todo tipo de apoio e auxílio durante minha pesquisa.
RESUMO
Palavras-chave: gênero; educação; escrita de mulheres
Meu interesse por este tema foi despertado durante a participação na disciplina de
História Moderna I onde fizemos algumas análises de fontes de pensadores do início Idade
Moderna e a professora ministrante da disciplina, Dra.Ana Paula Vosne Martins comentou
que algumas mulheres também escreveram durante este período e que eram pouco
estudadas. Quando precisei definir meu tema de monografia conversei com a professora, já
com meu interesse voltado aos estudos de gênero.
A professora me apresentou esta autora apaixonante chamada Cristina de Pizán, que
embora tenha vivido no final da Idade Média, revela um pensamento à frente de seu tempo,
demonstrando as influências de sua educação humanista, já anunciando com suas idéias o
alvorecer da Idade Moderna.
A fonte escolhida foi o livro “A Cidade das Damas”que foi publicado por Cristina
de Pizán na França em 1405. Essa obra foi elaborada como uma compilatio, que consistia
em fazer de vários textos um novo texto e que encontra no século XV seu momento de
maior expressão. Desta maneira Cristina reformulou o discurso de autores clássicos como
Boccaccio, dando-lhe nova forma, propondo-se a reescrever e reconstruir uma história das
mulheres até a sua época. Ao longo dos 138 capítulos de seu livro Cristina dialoga com
três Damas, Razão, Retidão e Justiça e exalta as qualidades femininas, citando a vida e a
obra de mais de cem mulheres. Argumentando contra a misoginia1 de seu tempo, ela
constrói sua Cidadela, que em forma de Utopia Moral servirá de abrigo para as mulheres de
várias épocas, etnias e religiões.
Utilizando o gênero como categoria de análise histórica2, esta pesquisa está inserida
no debate historiográfico a respeito das mulheres e das relações de gênero no final do
Medievo e início da Modernidade. Desde o advento do feminismo e de seu impacto na
historiografia muitas investigações foram realizadas sobre as realidades sociais e as
representações culturais das mulheres. Nesse sentido ressaltam-se as contribuições da
História Social e da História das Mentalidades, articuladas às outras disciplinas das ciências
humanas decisivas nesse processo no qual as mulheres são alçadas à condição de sujeitos
da história.3
1
Segundo R. Howard Bloch “misoginia é um modo de falar sobre as mulheres, o que é diferente de fazer
algo a elas, embora o discurso possa ser uma forma de ação e mesmo de prática social, ou pelo menos seu
componente ideológico.” (BLOCH, R. Howard, A misoginia medieval e a invenção do amor romântico
ocidental Tradução: Claudia Moraes, Rio de Janeiro, Editora 34, 1995 p. 12)
2
Gênero se torna uma maneira de indicar as “construções sociais”: a criação inteiramente social das idéias
sobre os papéis próprios aos homens e às mulheres, colocando ênfase sobre todo o sistema de relações que
pode incluir o sexo, mas que não diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a
sexualidade. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. (on line)
http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html acessado em 23/10/2008
3
SOIHET, Rachel História das mulheres e relações de gênero: algumas reflexões (on line)
http://www.historia.uff.br/nec/textos/text33.PDF acessado em 25/04/2008
Entender que a realidade histórica é social e culturalmente constituída é um
pressuposto central para o caso dos estudos de gênero no Medievo. A visão que aquela
sociedade produziu em relação aos sexos constrói-se de acordo com seu próprio
entendimento do que é ser homem e mulher, fundamentando-se, para isso, em uma série de
fatores determinados por seu ambiente cultural específico, no qual ainda há muito o que ser
explorado, tanto em termos temáticos, quanto em formas de abordagem, documentos a
serem analisados e na referenciação de diferentes teorias, métodos e técnicas de pesquisa,
incluindo aí o uso da categoria gênero.
A análise da obra A Cidade das damas de Cristina de Pizán recorrendo ao conceito
de gênero para a época tardo medieval apresenta uma inovação tendo em vista que os
medievalistas em sua grande maioria, apresentam abordagens generalizantes e descritivas
que constam nas “palavras dos homens” acerca das mulheres presentes principalmente nas
fontes clericais4– já que ao homem, e ao homem do clero, prioritariamente, cabia a escrita
na sociedade medieval - Assim, a análise do discurso proferido por Cristina de Pizán ao
elaborar sua Utopia moral teve em vista a compreensão de seu pensamento, procurando
contribuir para os estudos de gênero deste período.
Uma vez que tanto a racionalidade quanto o saber eram atributos do sexo masculino,
Cristina de Pizán surge nesse cenário como alguém que vem advogar em favor do seu
próprio sexo contra esse discurso, provando a capacidade intelectual feminina e construindo
seu livro como a cidade que beneficiará as mulheres enquanto um espaço moral para sua
própria produção intelectual.
Com uma idéia de Utopia5 moral, ela cria um mundo alternativo, e faz mais do que
refletir sobre outro lugar, pois sua utopia é transhistórica já que mulheres de várias épocas
estão ali com um propósito comum, que é a construção de um refúgio para elas.
Essa utopia não é apenas um projeto de sociedade ideal ou perfeita, mas também um
outro tempo6, onde o presente limitador da feminilidade é negado e o futuro passa a ser
uma promessa de realização no qual as mulheres podem se expressar, ter voz e
oportunidade de aprender tanto quanto os homens. Cristina de Pizán elabora uma dupla
arquitetura, crítica social e projeto de transformação social, ela cristaliza a partir da sua
obra de visionária um esquema de interpretação e unificação das experiências sociais
femininas e do horizonte de expectativas, recusas, temores e esperanças7 que estão a rodear
o “ser mulher” no século XV.
Assim, a partir de autores clássicos como Boccacio e Ovídio, ela abre caminho para
uma interlocução através do tempo entre as mulheres que se destacaram em diferentes
épocas como um meio de compartilhar experiências. Essas experiências que são
semelhantes e que se repetem, tanto nas situações de dificuldade, quanto nas situações de
ousadia entre elas, criam um vínculo, um traço identitário, laço fundamental para a criação
4
Para tal afirmação me baseio no levantamento presente no texto : SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da
Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003) (on
line) http://www.abrem.org.br/categoriagenero.pdf
5
O termo Utopia só será cunhado no século em 1516 por Thomas More com referência á sua obra
significando literalmente “lugar nenhum”. JAPIASSU Hilton MARCONDES, Danilo Dicionário Básico de
Filosofia , 4ªEdição Atualizada, Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed.,2006 p.274
6
SONTAG, Susan apud RAMOS, Maria Bernadete O Brasil dos meus sonhos (on line)
<http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11627.pdf> (acessado em 28/04/2008)
7
BRONISLAW, Bazcko, “Utopía” in: Enciclopédia ENAUDI. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda,
1985 V.5 p. 333-396
de uma linhagem, de uma ancestralidade onde as mulheres poderão ser modelos afirmativos
e importantes para outras mulheres.
A associação das mulheres com a imoralidade e com o pecado constitui algo que é um
topos cultural em sua época e que ela ousa transpor. Apesar dos homens atribuírem às
mulheres a ausência de capacidades intelectuais, Cristina demonstra que a sua inteligência é
viva e penetrante.
Em nossa análise pudemos nos deparar com o pensamento inovador dessa autora no
que se refere ao acesso das meninas a mesma educação que era ofertada aos meninos, sendo
essa uma bandeira levantada pela autora quando ela reivindica que ambos os sexos tenham
o mesmo acesso ao conhecimento8. A autora acreditava que desta maneira elas estariam tão
bem preparadas quanto eles para enfrentar qualquer adversidade que a vida pudesse
apresentar (a elas) , revelando através disso a igualdade da capacidade intelectual.
Cristina de Pizán também foi a primeira mulher a se envolver na Querelle des
Femmes, que foi um debate acerca da condição feminina tendo como aporte os quadros
sociais característicos do humanismo, Reforma e Contra- Reforma e passou a ser
simultaneamente agente e fruto das mudanças do período”9. Tal debate é considerado pela
historiadora Joan Kelly10 como um tipo de feminismo germinal, no sentido original do
termo e que tem como principais características a oposição dialética, a misoginia com base
na idéia de gênero – de forma muito semelhante ao conceito atual – e a possibilidade de
universalização da questão que se baseia numa concepção geral da humanidade,
questionando a idéia universal de humanitas que não incluía o sexo feminino
Cristina de Pizán defende a moral feminina, ela quer ressuscitar o respeito pelas
mulheres “que foram desrespeitadas em obras como A arte de amar, de Ovídio, o Roman
de la rose e outras mais, que faziam parte de uma literatura, que era considerada como um
tipo de manual de conselhos para enganar e seduzir mulheres”11. Defendendo também o
direito das mulheres à palavra, a autora procurou assim restabelecer o sentimento de
confiança no sexo feminino e combater idéias correntes na época.
8
Cf. PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.11
SANTOS, Giovanna Aparecida Schittini dos. Humanismo, Direito e Gênero: pontos de intersecção num
discurso do século XVI. (on line)< http://ler.letras.up.pt.uploads/ficheiros/artigos9671.pdf> (acessado em
10/10/2008)
10
KELLY, Joan. Early feminist theory and Querelle des Femmes, 1400-1789 in:Signs: Journal of Women in
Culture and Society (Chicago: University of Chicago Press, 1975-). 8:1 (1982): 3-28.
11
LEITE, Lucimara. Christine de Pisan: uma visão da mulher medieval Mestrado em Comunicação e
Semiótica PUC/São Paulo – 1999 - tese não pubicada
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................09
1 A vida de uma pioneira no campo das letras.............................................................12
1.1 Cristina de Pizán: A primeira autora profissional da história e sua conjuntura............13
1.2 A Cidade das Damas....................................................................................................20
2 O conhecimento não corrompe: O pensamento de Cristina de Pizán e sua
alegoria..............................................................................................................................28
2.1 O Exemplum “A Cidade das Damas”............................................................................30
2.2 A importância da educação para as mulheres no pensamento de Cristina de Pizán...39
3 Cristina de Pizán , a “Querelle des femmes” e a defesa da moralidade feminina...44
3.1 A “Querelle des Femmes”.............................................................................................45
3.2 A Cidade das Damas e a defesa da moral feminina.................................................... 52
CONCLUSÃO.....................................................................................................................62
REFERÊNCIAS..................................................................................................................64
INTRODUÇÃO:
Meu interesse por este tema foi despertado durante a participação na
disciplina de História Moderna I onde fizemos algumas análises de fontes de
pensadores do início Idade Moderna e a professora ministrante da disciplina,
Dra.Ana Paula Vosne Martins comentou que algumas mulheres também
escreveram durante este período e que eram pouco estudadas. Quando precisei
definir meu tema de monografia conversei com a professora, já com meu interesse
voltado aos estudos de gênero.
A professora me apresentou esta autora apaixonante chamada Cristina de
Pizán, que embora tenha vivido no final da Idade Média, revela um pensamento à
frente de seu tempo, demonstrando as influências de sua educação humanista, já
anunciando com suas idéias o alvorecer da Idade Moderna.
Cristina de Pizán escreveu e publicou um livro intitulado “A cidade das
damas”12. Isso é um fato muito inusitado não apenas por ser um livro escrito por
uma mulher no ano de 1405, mas também pelo teor dessa publicação que teve
suas bases em pleno “outono” da Idade Média, no início de um movimento que
objetivava voltar às fontes do pensamento e da beleza clássicas denominado
Renascimento13.
Esta pesquisa está inserida no debate historiográfico a respeito das
mulheres e das relações de gênero no final do Medievo e início da Modernidade.
Desde o advento do feminismo e das transformações da historiografia ocorridas a
partir da década de 1960 muitas investigações foram realizadas sobre as
realidades sociais e as representações culturais sobre as mulheres. Nesse sentido
ressaltam-se as contribuições da História Social e da História das Mentalidades,
12
13
“La ciudad de las damas” por uma questão idiomática usarei a tradução livre do título do referido livro.
DELUMEAU, Jean A civilização do Renascimento. Nova História 17 ,Lisboa:Stampa,1989 p.85
articuladas às outras disciplinas das ciências humanas decisivas nesse processo
no qual as mulheres são alçadas a condição de sujeito da história.14
O conceito “gênero” começa a ser usado à partir da década de 1970 como
uma categoria de análise histórica, não apenas para salientar a diferença de sexo,
mas como uma maneira de referir-se à organização social das relações entre
homens e mulheres.
Assim, “gênero” passa introduzir uma noção relacional no nosso
vocabulário analítico tendo como objetivo descobrir a amplitude dos papéis
sexuais e do simbolismo sexual nas várias sociedades e épocas, achar qual o seu
sentido e como funcionavam para manter a ordem social e para mudá-la”. 15
Entender que a realidade histórica é social e culturalmente constituída é
um pressuposto central para o caso dos estudos de gênero no Medievo. A visão
que aquela sociedade produziu em relação aos sexos constrói-se de acordo com
seu próprio entendimento do que é ser homem e mulher, fundamentando-se, para
isso, em uma série de fatores determinados por seu ambiente cultural específico,
no qual ainda há muito o que ser explorado, tanto em termos temáticos, quanto
em formas de abordagem, documentos a serem analisados e na aplicação de
diferentes teorias, métodos e técnicas de pesquisa, incluindo aí o uso da categoria
gênero.
Para fundamentar este direcionamento, encontramos respaldo na obra
referencial, História das mulheres no Ocidente, especificamente em seu segundo
volume, que trata do período medieval. Na introdução, escrita por Christiane
Kaplisch-Zuber16, esta autora utiliza o conceito gênero para aplicá-lo ao período
Medieval, mas não justifica sua escolha, disso podemos depreender que para a
autora não é necessária uma justificativa para a utilização de tal conceito, pois se
trata, para ela, de algo incontestável.
14
SOIHET, Rachel História das mulheres e relações de gênero: algumas reflexões (on line)
http://www.historia.uff.br/nec/textos/text33.PDF acessado em 25/04/2008
15
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. (on line)
<http://www.dhnet.org.br/direitos/textos/generodh/gen_categoria.html> acessado em 12/05/2008
16
DUBY, Georges (org.) ; PERROT, Michelle (org.) ; KLAPISCH-ZUBER, Christiane (dir.). História das
Mulheres no Ocidente: A Idade Média. Coimbra: Afrontamento, 1990 v. 2 p. 22
A análise da obra A Cidade das damas de Cristina de Pizán, foi inovadora
do que já foi produzido no Brasil em termos de estudos de gênero na Idade Média
pelo fato destes estudos, em sua grande maioria, apresentarem abordagens
generalizantes e descritivas que constam nas “palavras dos homens” acerca das
mulheres presentes principalmente nas fontes clericais17– já que ao homem, e ao
homem do clero, prioritariamente, cabia a escrita na sociedade medieval - Assim,
a análise do discurso proferido por Cristina de Pizán ao elaborar sua Utopia Moral
visou compreender seu pensamento, procurando contribuir para os estudos de
gênero durante este período.
Esta monografia está dividida em três capítulos, o primeiro apresenta a
autora Cristina de Pizán e sua obra “A Cidade das Damas” que foi nosso objeto de
estudo nesta pesquisa. O segundo capítulo apresenta sua obra como parte de
uma categoria literária denominada exemplum e está focado na principal tese da
autora que se refere a educação feminina, e fianalmente no terceiro capítulo
apresentamos esta autora envolvida na chamada “Querelle des femmes” e
analisamoso livro “A Cidade das Damas”como uma obra que serviu de resposta a
este debate.
A análise do pensamento humanista de Cristina de Pizán, dentro do debate
sobre a feminilidade entre o final da Idade Média e o início da Idade Moderna fazse necessária uma vez que ela a transforma a moral feminina numa causa a ser
defendida em seu livro “A Cidade das Damas”.
Cristina de Pizán afirma: “Dificilmente pude achar um livro de moral em que
mesmo antes de tê-lo lido inteiro, eu não encontrasse vários capítulos ou
determinadas seções atacando mulheres, não importa quem fosse o autor”
18
A
associação das mulheres com a imoralidade e com o pecado, constitui algo que é
um topos cultural em sua época e que ela ousa transpor. Apesar dos homens
atribuírem às mulheres a ausência de capacidades intelectuais, Cristina
demonstra que a sua inteligência é viva e penetrante não se limitando às obras de
17
Para tal afirmação me baseio no levantamento presente no texto : SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão
da Reflexões sobre o uso da categoria gênero nos estudos de História Medieval no Brasil (1990-2003)
(on line) <http://www.abrem.org.br/categoriagenero.pdf> (acessado em 25/06/2008)
18
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.64-65
outrem, ao contrário, elaborando ela mesma uma obra que fará ouvir não apenas
a sua voz, mas as de suas “irmãs de condição” através dos tempos.
1. A VIDA DE UMA PIONEIRA NO CAMPO DAS LETRAS.
Os objetivos deste capítulo são a apresentação da autora Cristina de Pizán,
com um breve resumo de sua vida e obra, uma vez que essa autora é pouco
conhecida do público brasileiro. Tratamos do contexto em que ela viveu e
escreveu, uma vez que sua obra é muito influenciada por suas experiências
pessoais, e principalmente por sua educação privilegiada, pois seu pai a iniciou
nos estudos das letras e das ciências, aguçando sua curiosidade e inteligência.
Graças a esta educação privilegiada Cristina de Pizán foi capaz de
repensar a condição feminina bem como o papel das mulheres na sociedade do
início do século XV. Todos os questionamentos levantados por ela levaram-na a
escrever a obra “A Cidade das Damas” publicada em 1405, que foi objeto de
nossa pesquisa para essa monografia, por isso também apresentamos neste
capítulo um resumo desta obra e de sua estrutura que é muito peculiar pela
defesa das mulheres na construção de uma utopia moral que é transhistórica.
1.1– CRISTINA DE PIZÁN : A PRIMEIRA AUTORA PROFISSIONAL DA
HISTÓRIA E SUA CONJUNTURA.
Cristina de Pizán nasceu em Veneza no ano de 1365 e mudou-se para
França ainda muito jovem. Tinha cerca de cinco anos quando seu pai Tommaso di
Bevenuto da Pizzano foi convidado à corte de Carlos V como astrólogo e médico
pessoal do rei. Segundo Marie José Lemarchand, na corte. Cristina de Pizán foi
educada como uma verdadeira princesa, uma vez que Carlos V ordenou que a
filha de seu físico participasse de todas as festas e divertimentos da corte
compatíveis com sua idade1.Seu pai incentivou seus estudos, algo extremamente
incomum para a época uma vez que Cristina como mulher não teria acesso aos
conhecimentos palavra escrita em sua educação elementar.
Com incentivo de seu pai, ela teve uma educação humanista, ou seja,
profundamente antiintelectualista , mais fideísta do que racionalista, mais literária
do que científica e que encontra em Platão seu “supremo filósofo”, guardando
como princípios as letras clássicas e a retórica.2 Essa formação baseada no
ensino das humanidades visava a formação do indivíduo como um ser livre,
autônomo e liberado das servidões da natureza e da ignorância, permitindo que
ele fosse construtor de si mesmo, isto é tendo não só a capacidade de decidir
segundo padrões morais elevados, mas também fosse pessoalmente livre ao fazer
essas escolhas3.
Desde a infância Cristina esteve cercada de livros e acostumou-se a ler
sobre as questões mais diversas, uma vez que podia desfrutar da biblioteca real,
considerada uma das melhores bibliotecas da época devido ao seu excelente
conteúdo em termos de livros e manuscritos. A autora refletiu este conhecimento
dando exemplos de autores clássicos, com os quais tivera contato, revelando
1
LEMARCHAND- Marie José Introducción in: PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela,
2001 p.11
2
LE GOFF, Jaques Os intelectuais da Idade Média. Lisboa: Studio Cor, _________ p.166
3
Ibid. p. 164-175
grande familiaridade com os mesmos. Provavelmente a partir desta aproximação
com os livros é que Cristina iniciou suas reflexões sobre a necessidade de as
meninas terem acesso ao conhecimento e acesso aos estudos como os meninos
tinham.4
A mãe de Cristina, que embora fosse filha de um homem instruído, o
anatomista Mondino de Luzzi, se opunha duramente à instrução da filha em
matérias que não se referissem as tarefas domésticas. Ela refletiu o pensamento
da grande maioria das pessoas de sua época, de que os estudos corrompiam as
mulheres, sendo então impróprio esse tipo de educação “masculina” á uma jovem.
Cristina referiu-se em uma passagem de seu livro ‘A Cidade das Damas’5 a este
momento da sua vida:
“Teu pai [diz uma dama a Cristina], grande sábio e filósofo, não pensava que por
se dedicarem à ciência, as mulheres seriam menos valorosas. Ao contrário, como
bem sabes, lhe causou grande alegria tua inclinação ao estudo. Foram os
julgamentos femininos de sua mãe que te impediram de durante a juventude
aprofundar e estender teus conhecimentos, porque ela só queria que te
entretivesses em fiar e outras miudezas que são ocupações habituais das
mulheres.(...) E tua mãe não pode arrancar-te este gosto pela ciência, esta
tendência natural te permitiu ir construindo o saber, ainda que fosse recolhendo
migalhas.”6
Assim, Cristina muito cedo entrou em contato com a realidade de que
nascer mulher é algo determinante na sociedade e seu papel “honrado” seria o de
cumprir seus deveres de esposa fiel, mãe carinhosa e servil, cujas únicas tarefas
bem vistas eram aquelas relacionadas ao âmbito doméstico7. É contra este tipo de
pensamento misógino8 que Cristina de Pizán levantou-se mais tarde.
4
LEITE, Lucimara. Christine de Pisan: uma visão da mulher medieval Mestrado em Comunicação e
Semiótica PUC/São Paulo – 1999 - tese não pubicada p. 21-22
5
“La ciudad de las damas” por uma questão idiomática usarei a tradução livre do título do referido livro.
6
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.199-200 (tradução nossa)
7
VASQUEZ, Maria Gabriela Algunas reflexiones sobre Cristina de Pizán y su obra ‘La Ciudad de las
damas´ (on line) <http://agendadelasmujeres.com.ar/pdf/reflexiones_cristina_de_pizan.pdf> (acessado em
25/08/2008)
8
Segundo Howard R. Bloch, qualquer definição essencialista da mulher, seja ela positiva ou negativa , feita
por um homem ou uma mulher , é a definição fundamental da misoginia. (BLOCH, R. Howard, A misoginia
medieval e a invenção do amor romântico ocidental Tradução: Claudia Moraes, Rio de Janeiro, Editora
34, 1995 p. 13)
Cristina casou-se jovem, aos 15 anos, o que não era incomum em sua
época, já que se devia evitar que as mulheres, “inclinadas ao vício por natureza”
segundo ditava a tradição misógina, se corrompessem em uma prolongada espera
por um marido. Seu casamento com Estienne de Castel, um nobre francês dez
anos mais velho que ela não foi arranjado como era a maioria das uniões neste
contexto. Ela estava muito apaixonada e com isso teve um casamento feliz “já
desde a primeira noite” como escreveu em uma de suas baladas. Após um ano de
casamento, em 1380, Estienne é nomeado secretário do rei9.
A década de 80 foi conturbada para a França. Com a morte do rei deu
início a um período de incertezas, tanto na política interna quanto na política
externa deste país. O filho de Carlos V, já era órfão de mãe e estava com apenas
onze anos na ocasião da morte de seu pai. Embora Carlos VI tenha sido coroado
rei no ano seguinte à morte de seu pai, quem governava de fato eram seus tios
paternos, devido a sua menoridade. A luta pelo poder na corte entre os tios de
Carlos VI desencadeu outra crise, também pela liderança da Universidade de
Paris
Desde o momento do funeral, aliás, já se instalara uma disputa de poder
entre o prévôt10 de Paris e os universitários comandados pelo reitor. Com o
afastamento de Hugues Aubriot do cargo de prévôt e o fortalecimento do poder do
reitor, a própria universidade, agora, impunha-se como a ‘única detentora de todo
o saber’. Esse fato teve conseqüências na vida de Christine alguns anos mais
tarde, por ocasião de seu envolvimento na Querelle des Femmes11.
Toda esta tensão também desencadeará uma crise econômica e política
entre a população que protestava contra os aumentos constantes nos impostos.
Momento conturbado também para a família de Cristina que perde o prestígio que
tinha junto a corte. Seu pai morre em 1386 e três anos depois seu marido também
faleceu, deixando-a viúva após uma década de felicidade conjugal12.
9
LEITE, Lucimara. Christine de Pisan: uma visão da mulher medieval Mestrado em Comunicação e
Semiótica PUC/São Paulo – 1999 - tese não pubicada p. 12
10
Segundo Lucimara Leite, A palavra prévôt refere-se ao nome dado a diversos oficiais e magistrados, de
ordem civil ou judiciária, a partir do século XII.
11
Cf. supra nota 9. p.23-24
12
LEMARCHAND- Marie José Introducción in: PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela,
2001 p.15
Cristina, então com 25 anos, a mercê da própria sorte, com seus três filhos
e sua mãe (algumas fontes citam também uma ou até mesmo duas sobrinhas
prestes a casar)13a quem deveria prover pois seu pai não tinha economias para a
família. Com a morte de Estienne muitos falsos credores aproveitaram-se e
tomaram os bens da viúva, algo que era muito comum na época, uma vez que
normalmente a esposa não tinha conhecimento dos negócios em que o marido
falecido estava envolvido14.
Cristina com sabedoria, astúcia e o conhecimento que tinha no campo do
direito foi em busca do que lhe era devido e embora tenha tido que lutar nos
tribunais, anos mais tarde conseguiu reaver os bens que legalmente pertenciam a
ela e a seus filhos. Para prover sua casa passou a fazer aquilo que melhor sabia,
ou seja, escrever para poder cuidar da família.15
Assim, recolhida em seu scriptorium – lugar em que se exercia, em alguma
medida a atividade intelectual - Cristina dedicou-se à literatura sob a forma de
romances encomendados pelas esposas dos príncipes que necessitavam de algo
para entreter-lhes a tão enfadonha vida palaciana.16 Por esse motivo Cristina de
Pizán foi intitulada como a primeira escritora profissional da literatura francesa que
reivindica tanto o “estudo" como o espaço íntimo (e isto constitui uma novidade no
século XV, já que a partir deste momento haverá uma câmara separada do resto
das dependências das residências aristocráticas para poder retirar-se) como lugar
de criação literária e instrução pessoal
17
. Assim, Cristina de Pizán iniciou a
reivindicação do "EU" literário de um ponto de vista feminino em um momento em
que a palavra "autoria" só se referia ao autor masculino.18
Toda a sua dedicação aos estudos e às letras fizeram-na muito respeitada
em sua época, pois além de ser a biógrafa de Carlos V, fez traduções de várias
13
LEITE, Lucimara Christine de Pizan : uma resistência na aprendizagem da moral de resignação
Doutorado - em Língua e Literatura Francesa e Estudos Medievais. USP. Maio 2008 (tese não publicada) p.
13
14
Cf. supra nota 12 . pp.24-25
15
ibid. , p.14-16
16
WUENSCH, Ana Miriam Mundos Reflexionados: Filósofas através da história (on line)
http://www.crearmundos.net/primeros/Revista/Edicao01/Cuestiones/Cuest_Mulheres_Filo.htm acessado em
15/11/2007
17
Algo reivindicado ainda no século XX por Virgínia Woolf em seu livro “Um teto todo seu”.
18
LÓPEZ, Beatriz (2004), “Cristina de Pizán. La ciudad de las damas", Letra de Dona in Centre Dona i
Literatura, Barcelona, Centre Dona i Literatura / Universitat de Barcelona. (on line)
<http://www.ub.edu/cdona/lletra_de_dona/fitxautora/pizan.htm> (acessado em 02/11/2007)
obras e escreveu manuais didáticos, sendo muito apreciada pelos críticos.
Participou da “Querela do Romance da Rosa”, a discussão sobre a obra de
Guillaume de Lorris, que em sua primeira parte exaltava a mulher, com poemas
românticos que louvavam o amor. A segunda parte foi escrita cinqüenta anos
depois por Jean de Meung, que ironizou a primeira parte e utilizou os ideais que
nela existiam para parodiar e com isso ridicularizar as mulheres. A obra logo se
tornou clássica e todos os escritores notáveis do final da Idade Média de alguma
forma se referiram a ela, suscitando as primeiras formas da crítica literária19 e
sustentada nos círculos humanistas da época que haviam chegado à corte e à
Universidade.
Mais tarde essa discussão em torno do Romance da Rosa passou a ser
vista como a primeira manifestação da Querelle de Femmes,20 debate que seguirá
séculos depois até a Revolução Francesa. Cristina aceitou a qualidade literária
dos poemas de Meung, mas criticou a atitude que ele tinha diante das mulheres:
“Que não me acusem de desatino, de arrogância ou presunção, de ousar
eu mulher, opor-me e replicar a um autor tão sutil, nem de reduzir o elogio
devido à sua obra, quando ele, único homem, ousou difamar e censurar
sem exceção todo o sexo feminino21”.
Esse debate se encontra no “L’Epistre au dieu d’Amours” (Carta ao Deus de
Amor, 1399), a primeira obra de Cristina. Nas obras seguintes ela continuou esse
pensamento de enaltecimento das mulheres e de suas virtudes. Esse pensamento
é encontrado em diversas obras de Christine22.
19
DUBY, Georges O Roman de la Rose in: Duby, Georges Idade Média Idade dos Homens:do amor e
outros ensaios. São Paulo, Companhia das letras, 2001. p.66-93
20
Segundo Joan Scott a “Querelle de femmes”no século XV, era um debate predominantemente literário e
filosófico- dentro dos círculos masculinos- sobre as capacidades intelectuais das mulheres . (Conf. SCOTT,
Joan W. “La querelle des femmes" no final do século XX (on line)
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000200004> ( acessado em
15/11/2007)
21
PIZÁN, Cristina Apud: DUBY, Georges (org.) ; PERROT, Michelle (org.) ; KLAPISCH-ZUBER, Christiane
(dir.). História das Mulheres no Ocidente: A Idade Média. Coimbra: Afrontamento, 1990 v. 2
p. 530
22
Entre as principais obras de Cristina de Pizán encontram-se: “Le dit de la Rose” (Os contos da Rosa, 1402);
“Epistres du debat sur le Roman de la Rose” (Cartas sobre o Debate de O Romance da Rosa, 1401-1403); “Le
Livre de la Cite des Dames” (O Livro da cidade das damas, 1405); “Livre de Trois Vertus or Le Tresor de la
Escreveu também sob encomenda e em homenagem a rainha Isabeau da
França, sobre outro tema muito comum na época, a vida bucólica. Na França do
início do século XV, as transformações na vida estavam chegando de forma muito
rápida, as urbes estavam se sobrepondo à vida no campo e o apego às coisas
mais simples era uma maneira de se garantir um mínimo de segurança, tão
ansiada naqueles anos. As disputas entre França e Inglaterra passavam por
alguns momentos de trégua, o casamento entre o Rei inglês Richard II com a filha
de Carlos VI Valois, selou um acordo de paz entre os dois países que estavam
alternando momentos de guerra e paz desde 1337, momento historiograficamente
denominado de “Guerra dos cem anos”.
Esta aliança entre os dois países foi favorável a família de Cristina de
Pizán, pois possibilitou a ida do filho mais velho da escritora, Jean, para a
Inglaterra a fim de que fosse educado juntamente com o filho do conde de
Salisbury. Outra vantagem foi a possibilidade de que algumas obras de Cristina
fossem traduzida para o inglês, o que lhe rendeu um convite para que vivesse na
Inglaterra. Este convite não foi aceito pela autora, pois com a morte do rei em
1400 houve uma mudança de poder e as relações políticas entre França e
Inglaterra voltam a se conturbar23.
Com isso Cristina preocupa-se com seu filho que continuava seus estudos
na Inglaterra. Ele regressou a França após três anos, sob a proteção do duque de
Orleans, mais tarde Jean exerceu a mesma profissão de seu pai como secretário
do rei.
Enquanto esperava o filho mais velho voltar, Cristina sofria com o
falecimento de seu filho mais novo e sua filha decide contra a sua vontade entrar
no convento de Saint- Louis de Possy24, é neste mesmo retiro que Cristina de
Pizán encontrou-se em ocasião de sua falecimento em 1430.
Cristina de Pizán saiu do lugar que lhe era destinado dentro da sociedade
para mover-se em um meio masculino, primeiro quando pleiteou seus direitos e
Cite des Dames” (O Livro das Três Virtudes ou O Livro do Tesouro das damas, 1405) – sequência do “ O Livro
da cidade das damas” – e “Le Ditie de Jehanne d'Arc” (Canção em honra de Joana d’arc, 1429).
23
LEITE, Lucimara. Christine de Pisan: uma visão da mulher medieval Mestrado em Comunicação e
Semiótica PUC/São Paulo – 1999 - tese não pubicada pp 29-30
24
Ibid. pp 31-32
tentou recuperar seus bens, enquanto aguardava respostas, decidiu escrever
como forma de sustentar sua família. Continuou assim entre homens, devido ao
fato das letras bem como o direito serem domínios masculinos por excelência no
Medievo.
A vida e os feitos de Cristina de Pizán explicam-se mutuamente, pois suas
experiências pessoais, a dificuldade enfrentada quando ficou viúva bem como o
feito de enfrentar o mundo masculino e trabalhar nesse meio, a levaram a refletir
sobre a situação de inferioridade e subordinação das mulheres na sociedade
levando-a a questionar o por quê dos constantes ataques de homens renomados
como Ovídio e Boccaccio. Usando sua pena como arma, ousou defender suas
“irmãs de condição”, fazendo dessa defesa tema de sua obra.25
Cristina de Pizán conseguiu reconhecimento no meio literário, pois foi
referenciada por autores contemporâneos a sua obra. É no ano de 1405, ou seja,
já em sua maturidade, que Cristina
escreveu o seu livro mais conhecido e
reconhecido, A Cidade das damas, obra que analisamos nesta monografia, Nela
questiona a autoridade masculina dos grandes pensadores e poetas que
contribuíram para formar a tradição misógina sob a decisão de fazer frente às
acusações e insultos contra as mulheres. Vislumbra com firmeza e segurança uma
utopia, um espaço próprio para as mulheres e reivindica uma genealogia de
mulheres valorosas e de qualidades excelentes ao longo da história.
25
Cf. supra, nota 7
1.2 – “A CIDADE DAS DAMAS”
“A Cidade das Damas” teve o seu título inspirado na obra “A Cidade de
Deus”de Santo Agostinho e foi construído tendo como principais referências o
“De Claris Mulieribus” (mulheres célebres) e o Decamerão, ambos escritos por
Giovanni Boccaccio (1313-1375), sendo o primeiro uma coletânea de 104
biografias de mulheres famosas por seus vícios e virtudes26. Entretanto, ela não
poderia utilizar Boccaccio por completo em “A Cidade das Damas” porque seu
objetivo era exaltar as mulheres que serviriam como modelo para todas as
outras. Portanto, teve de adaptar as obras do florentino para que as narrativas
dele
fossem adequadas ao ideal de moralidade da autora.De forma muito
inteligente, ela escolheu as biografias das mulheres mais virtuosas do “De
Claris Mulieribus” e destacou bem as virtudes delas, omitindo as informações
que não interessavam para os ideais de sua obra.
Quanto ao “Decamerão”, ela adaptou algumas histórias para “A Cidade
das Damas”, utilizando-se da mesma estratégia; ela reconta a nona novela do
segundo dia do “Decamerão”, na qual Barnabé, de Gênova, é ludibriado por
Ambrosinho – este afirma que dormiu com a esposa de Barnabé – e perde a
aposta; ordena que sua esposa, inocente, seja morta. Ela foge e em trajes de
homem serve um grande sultão. Encontra o ludibriador e atrai Barnabé a
Alexandria. Ali, o enganador é castigado. A esposa volta aos trajes femininos e
regressa com o marido, ambos ricos, para Gênova. Neste conto, Cristina
esconde o detalhe de que a esposa de Barnabé despe-se na frente de várias
pessoas, mostrando os seios e revelando a identidade feminina. Esta atitude
seria considerada imoral para uma dama, portanto, Cristina omite esta
informação.
Da mesma forma, modifica o conto do quarto dia, a primeira novela, em que
Tancredo, príncipe de Salerno, mata o amante da filha e envia o coração dele
para ela numa taça de ouro. A filha coloca sobre o coração, na taça, água
envenenada, bebe e desse modo morre. Neste conto Cristina exclui o romance
26
OS IMORTAIS da Literatura Universal, Boccaccio. São Paulo: Abril Cultural, 1971. 20 p. p. 5-20
erótico dos amantes, que se entregavam aos prazeres27. Da mesma maneira
que omite que Lisabetta, a personagem da quinta novela do segundo dia do
“Decamerão”, entrega-se aos prazeres carnais de seu amante. Ou seja, Cristina
consegue adaptar Boccaccio de uma forma muito peculiar e favorável à
moralidade cristã da qual foi defensora, e quando esta adaptação parece muito
complicada de se fazer, ela opta por trocar por versões similares da obra
“Metamorfoses” de Ovídio.
Cristina fez essas adaptações reescrevendo as histórias desses autores
utilizando-se de algumas personagens, descartando outros e ainda alterando
algumas das biografias, não apenas porque ela queria apagar a imagem de
imoralidade que alguns homens utilizavam para argumentar contra o sexo
feminino, mas principalmente ela alterou suas fontes a fim de que obtivesse sua
própria autoridade sobre elas. Além disto, Cristina acrescentou as biografias de
mulheres santas que não constam nas obras que ela leu e se baseou.
Este procedimento é chamado pela poética medieval de compilatio, que
consistia em fazer de vários textos um novo texto e que encontra no século XV
seu auge. Desta maneira Cristina reformulou o discurso dos homens dando-lhe
novas formas, propondo-se a reescrever e reconstruir uma história das
mulheres até a sua época , reformulou e descontextualizou os autores
clássicos.
Outro recurso interessante que Cristina de Pizán recorreu é o que Marie
José Lemarchand chamou de “construção em aspiral” que se trata de
interromper a história para retoma-la mais adiante, ou de voltar a recordar a
história de uma mesma mulher em vários capítulos como em um jogo de
espelhos ou de pontos de vistas diferentes sobre um mesmo assunto.28
Assim, dentre as operações realizadas pela autora podemos citar a
supressão de dados históricos , a exclusão de epítetos, a simplificação de
27
BOCCACCIO. Decamerão. São Paulo: Abril Cultural, 1971. 582 p. (Os imortais da literatura universal, 5) p.
126-135, 212-219, 236-239
28
LEMARCHAND- Marie José Introducción in: PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela,
2001 p.28-30
situações fora do comum, a supressão de situações que envolvem
assassinatos, luxúria, incesto, principalmente se as heroínas participassem
delas de forma que fossem contra a moral cristã. Todas essas alterações fazem
parte da passagem da obra de Boccaccio escrita sob a ótica masculina para a
ótica feminina de Cristina dentro do contexto que buscou a moral cristã como
ideal.29
A obra “A Cidade das Damas” é dividida em três livros com um total de 138
capítulos, construído como um catálogo biográfico e estruturado através do uso
de uma alegoria principal que é a construção de uma cidadela na qual figuram
como moradoras e também como pedras angulares mulheres virtuosas e
célebres de diferentes épocas, nacionalidades e religiões.
Adotando uma forma alegórica e dialógica com a presença de três
personagens femininas, A Razão, a Retidão e a Justiça, que aparecem para
Cristina e propõem a construção de uma cidade para as mulheres. Os materiais e
as defesas desta cidade imaginária são as próprias mulheres excelentes. Trata-se
de uma verdadeira alegoria da autoridade feminina, que permite a Cristina de
Pizán revisar a história e ir incorporando todas as figuras femininas, desde as
amazonas e outras personagens mitológicas até princesas e grandes damas da
França, suas contemporâneas, passando pelas Sibilas, as mulheres ilustres e
fortes da antigüidade, as mártires, entre outras.30
No começo do livro I Cristina diz-se cabisbaixa, triste e desolada diante das
afirmações dos homens tão sábios e competentes. Ela estava lendo o livro
“Lamentações de Mateolo”, pois ouvira dizer que ali havia considerações acerca
das mulheres, mas ficou extremamente decepcionada com o que encontrou e cita
pela primeira vez sua indignação pela maneira como os homens referiam-se às
mulheres.
“ Considero que este livro não tem autoridade nenhuma, sua leitura [refere-se as
Lamentações de Mateolo] me deixou sem dúvida pertubada e em completa
perplexidade. Me perguntava quais poderiam ser as razões que levam a tantos
29
JULIANI, Talita Janine; A construção do livro Cite des Dames de (1405) de Christine de Pizan. (on line)<
http://www.historia.uff.br/nec/textos/text36.PDF> ( acessado em 25/04/2007).
30
Cf. supra, nota 9
homens, clérigos ou laicos a mal dizer as mulheres criticando-as tanto em palavras
como em escritos e tratados (...) filósofos, poetas, moralistas, todos – e a lista seria
demasiado longa – parecem falar com a mesma voz para chegar a conclusão de
que a mulher, má por essência e natureza, sempre se inclina ao vício. Trazendo
todas essas coisas a minha mente , eu, que tendo nascido mulher, me coloquei a
examinar meu caráter e minha conduta e de muitas outras mulheres que pude
conhecer , tanto princesas e grandes damas como mulheres de mediana e
modesta condição que tiveram por bem confiar-me seus pensamentos mais
íntimos. Me Propus decidir em plena consciência , se o testemunho reunido por
tantos homens ilustres poderia estar equivocado.”31
Ainda no capítulo 1 do Livro I, a autora descreve um momento de profunda
dor e indignação, em que ‘questiona’ Deus por tê-la feito nascer num corpo de
mulher: “[...] Ai de mim! Deus meu! Por que não me fez nascer homem para servirte melhor com todas as minhas inclinações, para que não me equivoque em nada
e que tenha esta grande perfeição que os homens dizem ter.[...]”32 A partir daqui
ela recorreu a diversos simbolismos como o da visita das “Três Damas”, Razão,
Retidão e Justiça, que a convocam para um grande feito que é a construção de
um refúgio para as mulheres, uma cidadela que tem como função proteger as
mulheres dos ataques misóginos.
Essa grande fortaleza teria muros tão altos e de estrutura tão rígida que
nunca seria conquistada, apesar de em alguns momentos poderia vir a ser
tomada por assaltos. Teria os alicerces tão profundos, e seria tão bem
estruturada, que poderia existir eternamente, pois os sistemas de defesa
assegurariam a paz e a ordem.
Cristina estaria então, encarregada de construir esta cidade, povoada pelas
mulheres mais maravilhosas que já existiram e, no governo desta, adornada
pelos mais magnificentes louvores, estaria Maria, a mãe de Jesus, a Rainha da
“Cidade das Damas”. Claro que aqui temos um grande simbolismo alentado por
uma linguagem figurativa. A cidade seria a nova visão que surgiria a partir da
obra de Cristina, e que viria fundamentada na escrita: “Partamos para o campo
das letras; é neste país rico e fértil que será fundada a Cidade das Damas, aí
31
32
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.64 (tradução nossa)
Ibid. p.65
onde se encontram tantos frutos e doces rios, aí onde a terra abunda em todas
as coisas boas”33.
O espaço da Cidade seria assim com efeito o espaço das palavras, “um
campo que seria cavado pela enxada da interrogação, onde trabalhar a terra é
usar a palavra do questionamento, e ousar dizer pela ponta da pena.”34Nesta
Cidade as mulheres ocuparam uma posição forte no domínio jurídico e as
guerreiras são letradas. Zenóbia rainha de Palmira é citada como perfeita no
combate e dedicada ao estudo, sabia grego, latim e escreveu nessas línguas
um compêndio sobre história .
Virgínia Woolf nos esclarece a respeito das mulheres escritoras, de maneira
brilhante que se é verdade que as mulheres sempre quiseram escrever,
também é verdade que nunca puderam fazê-lo, e que tiveram menos ainda
oportunidades de publicar, simplesmente por não possuírem condições
materiais favoráveis para exercer o ofício intelectual em meio as urgentes e
intermináveis demandas domésticas.35
Cristina de Pizán abre caminho, sendo uma teimosíssima senhora,
iluminando com suas chamas tênues as devastadoras noites das almas
femininas que mereciam mais do que lhes era permitido viver. Ela foi exemplo
para as mulheres, com argumentos jurídicos e filosóficos para que estas
tivessem o direito de pensar e criar, partindo do conhecimento literário.
Sua obra foi elaborada como um catálogo biográfico, que resgatou
mulheres de diferentes épocas permitindo um diálogo que possibilitou o
compartilhar de experiências semelhantes entre elas. Essas experiências
repetem, tanto nas situações de dificuldades, como nas situações de ousadias.
Assim foi criado um vínculo, um traço identitário comum, que possibilitou a
33
Ibid. p. 68
KLAPISCH-ZUBER, Christiane (dir.). História das Mulheres no Ocidente: A Idade Média. Coimbra:
Afrontamento, 1990 v. 2 p.533
35
ALMEIDA, Lélia Mulheres que escrevem sobre mulheres que escrevem (on
<www.unisc.br/cursos/pos_graduacao/mestrado/letras/anais_2coloquio/mulheres_que_escrevem.pdf>
acessado em 28/04/2008
34
line)
criação de uma linhagem feminina, de uma ancestralidade onde as mulheres
podiam ser modelos afirmativos e exemplos importantes para outras mulheres.
A união dessas mulheres tem um eixo comum, o reconhecimento da
violência contra o corpo feminino, que pode ser evidenciada de forma mais ou
menos central na violência ancestral quase atávica sobre o corpo feminino.
Cristina de Pizán se posiciona contra toda sorte e toda espécie de violência:
doméstica, sexual, moral entre outras.Num movimento que torna claro que
somente o conhecimento do passado, de nossas antecessoras, suas
expressões artísticas, suas lutas, dúvidas, individuais e coletivas, é capaz de
construir uma memória que nos sirva de modelo.
Essa possibilidade de procedimentos genealógicos , tanto da recuperação de
personagens históricos, como da reconstrução de uma voz do passado no tempo
presente, Ciplijauskaité chamou de novelas de conscienciación, em que a busca
da identidade se dá através de uma viagem a memória e suas origens. A
recuperação de personagens femininas históricas , presente na obra de muitas
autoras se dá por que elas escolhem como protagonista uma figura que de algum
modo tenha contribuído para a emancipação da mulher.36
Sob este ponto de vista o interesse pela história e o conhecimento clássico
fez com que Cristina reelaborasse o significado de algumas figuras clássicas.
Resgatou a história de vida de algumas mulheres37 , estabelecendo um diálogo
ininterrupto entre mulheres de diferentes gerações e etnias.
Cada uma das Damas com quem Cristina dialogou trazia consigo um
instrumento na mão direita, o qual caracterizaria a principal função da cada uma
delas. O fio argumentativo de Cristina consiste nas indagações que ela elabora
a cada Dama ao expor suas dúvidas e aflições acerca do sexo feminino. Estas
por sua vez respondem a Cristina com exemplos que contradizem o discurso
misógino, fazendo com que desta maneira as personagens sejam distribuídas
36
Ibid. p.4
Segundo Lélia Almeida, esta é uma das tendências mais marcantes e singulares da literatura de autoria
feminina no mundo inteiro. (ALMEIDA, Lélia Mulheres que escrevem sobre mulheres que escrevem (on
line)<www.unisc.br/cursos/pos_graduacao/mestrado/letras/anais_2coloquio/mulheres_que_escrevem.pdf>
acessado em 28/04/2008 p.4-5)
37
ao longo da obra através de um critério temático discutido entre a autora e a
dama correspondente a cada parte do diálogo.
A Dama Razão, se apresentou como uma “fiel guia para que Cristina acabasse
a obra sem equivocar-se.”38 Correspondia à própria consciência dela e de todas
as pessoas que passariam a rever seus conceitos e pensamentos.
Razão
carregava um espelho na mão direita, ou seja, as pessoas passariam a agir
guiadas pela racionalidade; olhariam para o reflexo a se formar no espelho que
Razão carregava consigo e fariam uma leitura de si mesmos. Inclusive os
homens que agrediam as mulheres em seus discursos misóginos seriam
capazes de julgar se suas atitudes estavam certas ou erradas.
É o auto-conhecimento, capaz de levar ao autocontrole, um dos
instrumentos presentes no processo civilizador do Renascimento. O homem
tomou consciência de sua própria existência e controla intencionalmente seus
atos a fim de provocar reações em outrem, desta maneira dominando sua
própria natureza é capaz denominar tudo que o cerca. Essa é a idéia presente
no pensamento enunciado por Cristina já no final da Idade Média, anunciando o
alvorecer da modernidade.
Norbert Elias, especialmente na obra “A Sociedade de Corte”, ressalta a
importância de se controlar as emoções e afetos no interior de uma sociedade
distinta e refinada como a sociedade cortesã. Segundo Elias, uma das regras
de sobrevivência previa que os homens deveriam “conhecer a fundo suas
próprias paixões para poder na verdade encobri-las.”39.
Embora Elias esteja se referindo à sociedade de corte na França de Luis
XIV, podemos identificar o pensamento de Cristina de Pizán como o de alguém
que percebeu o processo de mudança que estava se engendrando em seus
dias e que prosseguiria a tornar o homem, que antes era educado para a arte
da Guerra num indivíduo “civilizado”, educado para a arte da política, capaz de
disputar poder por meio da retórica e persuasão. A autora propõe que
38
39
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.71 (tradução nossa)
ELIAS, Norbert A Sociedade de Corte. Lisboa: Difel, 1990 p.143
as
mulheres tomassem consciência de seus papéis nesse processo civilizador
incluindo-as nele.
A Retidão ajudaria nesse processo de tomada de consciência. Ela diz ser o
escudo que protege os servos de Deus e também aquele que resplandece a
bondade divina de quem seria a mensageira40. Com a ajuda dela os seres
humanos saberiam o que é certo e errado. Na sua mão direita ela carregava
uma régua brilhante, para adequar as atitudes das pessoas. Ou seja, a Retidão
é o pensamento cristão que deve erguer-se na mente dos seres humanos,
capaz de ajuda-los a viver de acordo com as regras de Deus. Saber estabelecer
a diferença entre o Bem e o Mal e assim, junto com a tomada de consciência,
agir inclinando-se para a bondade, e com isso voltar-se para os preceitos
divinos.
A Justiça ajudaria a manter a ordem na cidade. Essa Justiça não é a dos
homens, mas a justiça divina. Ela se anuncia como filha predileta de Deus, de
cuja essência ela precedia e cuja única obrigação era dar a cada um segundo
seu próprio mérito.41 Carregava na sua mão direita um vaso de ouro, que
simboliza o julgamento das ações. Mesmo os homens tendo sua justiça na
Terra esta poderia ser falha. A Dama Justiça dialogo com Cristina, ela diz que
vive no céu para glorificar os santos, na terra para apontar o Bem e o Mal, e no
inferno para a punição dos pecadores, tendo como função julgar e decidir o
que deve ser feito nos três mundos.
As três damas completam uma tríade de perfeição. Assim como formam
uma trindade o Pai, o Filho e o Espírito Santo, estas três compõem o “corpo”
divino. Uma não consegue existir sem a outra, são interdependentes; elas
dizem que estão em Deus e Deus está nelas. Cristina consegue, dessa forma,
revelar um “lado feminino” de Deus, utilizando-se de alegorias e linguagem
figurativa.
“Estou em Deus e Deus está em mim, porque somos por assim dizer uma só
coisa. (...) Nós três somos por assim dizer uma só: o que propõe a primeira
40
41
Ibid.,p.72
PIZÁN, op cit., p.72-73
[Razão], a segunda [Retidão] dispõe e aplica, e eu a terceira [Justiça] levo ao
perfeito término (...)”42
Dentre os assuntos tratados pela autora ao longo da construção deste
refúgio para as mulheres encontramos princesas que se opuseram em sabedoria
com renomados reis, mulheres guerreiras, mulheres com capacidade científica,
damas prudentes, sibilas e profetisas, filhas amorosas, esposas que amaram seus
maridos imensamente, mulheres que salvaram seus maridos da execução graças
à astúcia, mulheres que foram boas confidentes e conselheiras, algumas mulheres
bíblicas.Com essas histórias Cristina buscou construir ao longo de sua obra uma
teia de antecedentes favoráveis as mulheres reivindicando o reconhecimento
sobre a capacidade feminina para o Bem. Provavelmente isso se deveu em parte
ao contato que a autora teve com o direito após a morte de seu marido, embora
este também fosse um campo masculino por excelência. Ela precisou enveredar
por ele para buscar resgatar seus bens, estudando desta maneira leis e tratados
de direito que acabaram por ajudar a fundamentar suas argumentações.
O objetivo de Cristina de Pizán era fazer com que os homens saíssem da
sua ignorância sobre as mulheres e que os exemplos e conselhos por ela
apresentados pudessem servir de espelho para outras mulheres, ela colocou
sua visão feminina sobre a posição e sentimentos das mulheres, já que sempre
quem já havia escrito a este respeito haviam sido sempre homens.43
42
43
Ibid., p.73
Cf. supra nota 17 pp. 38-42
CAPÍTULO 2 : “O CONHECIMENTO NÃO CORROMPE” O PENSAMENTO DE
CRISTINA DE PIZÁN E SUA ALEGORIA.
O objetivo deste capítulo é a apresentação do nosso objeto de estudo a
obra “A Cidade das Damas” publicada em 1405, como parte de uma categoria
literária denominada exemplum.
Analisando as escolhas de Cristina de Pizán ao fundamentar suas
discussões no campo das letras, tendo como principal instrumento a crítica, ela
apresenta para as damas Razão, Retidão e Justiça argumentos e exemplos para
fundamentar sua afirmação de igualdade das capacidades intelectuais entre
homens e mulheres.
A proposta de nossa autora para a regeneração da imagem das mulheres
diante da sociedade era o acesso à educação e ao conhecimento, pois para ela o
que determinava a exclusão da mulher da esfera pública , era o fato de elas terem
esse acesso negado , o que originava a desigualdade entre homens e mulheres.
O texto de “A Cidade das Damas” construído com argumentos a favor do
sexo feminino e exemplos para as mulheres, mantivemos nosso foco na
reivindicação de Cristina à moral feminina, afirmando que “o conhecimento não
corrompe os bons costumes.”
2.1- O EXEMPLUM “A CIDADE DAS DAMAS”.
Ao dedicar-se à sua obra “A cidade das damas” no ano de 1405, Cristina de
Pizán já estava com cerca de 40 anos, ou seja, já era uma mulher madura, que
tinha passado por dificuldades com a morte do pai e do marido. Ela teve que
sustentar sua família e sofreu com a perda de seu filho mais novo, mas, tinha
suas idéias claras e também era uma escritora reconhecida.
Graças a sua formação privilegiada, as suas leituras e as suas experiências
pessoais, reconheceu a situação de inferioridade e subordinação em que se
encontravam as mulheres e decidiu lutar escrevendo a este respeito.
Ao começar a escrever sua obra, primeiro Cristina se dedicou a “limpeza do
terreno” no campo das letras. Para isso ela começou “varrendo” o pensamento de
toda uma época de ataques misóginos para depois, juntamente com as Damas
Retidão, Razão e Justiça, se empenhar na construção dos muros e habitações da
cidadela. Dentro desses muros se refugiariam apenas as mulheres virtuosas, com
qualidades e méritos, entre elas foram incluídas mulheres mitológicas, bíblicas,
santas e personagens históricas e muitas outras ultrapassando barreiras históricas
e étnicas. Todas juntas ali viveriam tendo como senhora suprema a Virgem Maria
mãe de Cristo, exemplo supremo de virtude.
O livro “inspirador” que Cristina cita estar lendo antes da visita das três
Damas que lhe pediram para que construísse a Cidade das Damas é
“Lamentações de Mateolo” escrito no século XIII que assim como “O Romance da
Rosa” serviu e atuou como influência para a necessidade de uma construção de
defesa ao seu sexo. Cristina de Pizán elaborou seu compilatio formando uma teia
de antecedentes jurídicos para as mulheres, valorizando a inteligência e as
virtudes delas atravessando barreiras temporais, históricas e religiosas.
Cristina de Pizán trabalha com o questionamento, contemplando também
as possibilidades que eram negadas às mulheres, que estavam presas aos
discursos misóginos e generalizantes de sua época, assim ela imagina sua
utopia1e como uma pensadora medieval via que no ato de trilhar um caminho para
imaginar uma
um lugar melhor residia uma das formas mais completas de
reflexão. A utopia medieval fornecia um caminho para a perfeição.2
Com uma idéia de utopia moral, a autora cria um mundo alternativo, que faz
mais do que refletir sobre outro lugar, serve também para pensar o presente além
do tempo, já que mulheres de várias épocas estão ali com um propósito comum,
que é a construção de um refúgio para elas.
Essa idéia de utopia não é apenas um projeto de sociedade ideal ou
perfeita, mas também um outro tempo3, onde o presente limitador da feminilidade
é negado e o futuro passa a ser uma promessa de realização, no qual as mulheres
podem se expressar, ter voz e sobretudo ter oportunidade de aprender tanto
quanto os homens.
Com essa representação de uma sociedade futura e
imaginada, a autora se opõe à sociedade do seu tempo com suas mazelas, vícios,
possibilidades, intrigas, e realidades. Dupla arquitetura, crítica social e projeto de
transformação social, cristalizando a partir da sua obra visionária um esquema de
interpretação e unificação das experiências sociais e do horizonte de expectativas,
recusas, temores e esperanças4 que estão a rodear o “ser mulher” no século XV.
Sob esta ótica Cristina trabalha em sua construção evocando exemplos de
mulheres que além de habitantes de sua cidadela são também as pedras
utilizadas na construção desta cidade. Mulheres guerreiras como Semiramis5 são
invocadas para serem as pedras de fundação, já que primeiramente teriam que
lutar para se posicionarem nesse campo masculino que é o da palavra. Mulheres
sábias e fundadoras do saber seriam os muros da Cidade, podendo dar a
segurança que se alcança com o conhecimento e as sibilas e profetisas são
convidadas para traçar as primeiras construções, por serem aquelas que têm a
1
Apesar de os medievais não terem pensado o conceito de utopia, que foi cunhado por Tomas More no ano
de 1516 para designar uma ilha imaginária cujo nome remete a “nenhum lugar” tomo como base a definição
do medievalista Hilário Franco Jr. (“...toda sociedade idealizada, concebida como evasão do concreto ou
como proposta de mudanças nele.”) FRANCO JR., Hilário. As Utopias medievais. São Paulo: Brasiliense,
1992 p.11.
2
COSTA, Ricardo (on line) www.miniweb.com.br/historia/artigos/i_media/novela _idad.media6.html (acessado
em 16/09/08)
3
SONTAG, Susan apud RAMOS, Maria Bernadete O Brasil dos meus sonhos (on line)
http://www.scielo.br/pdf/ref/v10n1/11627.pdf (acessado em 28/04/2008)
4
BRONISLAW, Bazcko, “Utopía” in: Enciclopédia ENAUDI. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda,
1985 V.5 p. 333-396
5
Mulher do Rei Nuno que acompanhava o marido no campo de batalha.
capacidade de se ligarem com o divino, trazendo esse caráter intrínseco para as
construções.
Agrupando as mulheres que foram convocadas para a tarefa de construir e
serem as primeiras habitantes da Cidade das Damas além das que já foram
citadas a autora inclui:
•
Mulheres que possuíram discernimento mesmo sendo submissas aos
homens, atuando como boas administradoras das tarefas domésticas;
•
Mulheres que se destacaram no exercício da política;
•
Mulheres que foram fiéis e amorosas aos pais;
•
Mulheres que foram fiéis em seus casamentos;
•
Mulheres que foram boas confidentes e boas conselheiras para ajudar seus
maridos;
•
Mulheres bíblicas que contribuíram tanto no plano do cotidiano quanto no
espiritual;
•
Mulheres, que refutando a crença da época, foram instruídas e não se
corromperam por isso;
•
Mulheres belas e castas;
•
Mulheres que resistiram à violência sexual, refutando o argumento misógino
de que as mulheres gostavam de ser violentadas;
•
Mulheres que foram caluniadas e permaneceram virtuosas;
•
Mulheres que foram constantes em seu amor, como argumento contra
aqueles que insistiam em apregoar a frivolidade feminina;
•
Outras mulheres que se tornaram célebre s pelos mais diversos motivos.
Casadas, Viúvas e Virgens são aconselhadas cada qual segundo sua condição
e em todos os estados sociais, pois Cristina vai além do filtro medieval de
categorizar as mulheres apenas segundo seu estado conjugal, mas as orientou
segundo suas condições sociais também alertou a todas as mulheres quanto as
armadilhas sedutoras.
Assim, a partir de autores clássicos como Boccacio e Ovídio, ela abre caminho
para uma interlocução através do tempo com as mulheres que se destacaram em
diferentes épocas, com uma verdadeira conversa possibilitada pelas três Damas
(Razão, Justiça e Retidão) como um meio de compartilhar experiências. Essas
experiências que são de temática universal, ou seja são semelhantes e se
repetem, tanto nas situações de dificuldade, como nas situações de ousadias
entre elas, criam um vínculo, um traço identitário, laço fundamental para a
constituição de uma linhagem onde as mulheres poderão ser modelos afirmativos
e importantes para outras mulheres.
Ao criar sua teia de argumentações em defesa das mulheres por meio da
palavra escrita, Cristina enfrenta o preconceito de uma época. Como mulher ela
não deveria se posicionar com palavras, pois pela tagarelice de Eva o pecado
entrou no mundo e por isso a pregação feminina deveria ser sem verbalização,
feita apenas pela mortificação corporal.6 Ela trabalha reunindo um catálogo
biográfico que fosse capaz de servir como manual de exemplos para as mulheres
serem capazes de combater os discursos misóginos tão arraigados na sociedade
de sua época.
Por isso “A cidade das damas” se insere em uma categoria literária
denominada exemplum, que tem como característica ser a reunião de uma série
de histórias, fictícias ou não, geralmente curtas, que servem para induzir aqueles
que têm contato com elas a seguir o modelo apresentado. Esse tipo de literatura
era muito usada nos mosteiros e nos sermões,
buscando orientar o
comportamento dos fiéis com modelos que mereciam ser imitados, sendo assim,
um recurso retórico que objetivava convencer e persuadir.
De um fato passado, a pessoa que pregava o sermão ou fazia o discurso,
era capaz de deduzir pelo raciocínio uma lei geral ou uma regra de conduta moral
capaz de ser aplicado na vida dos ouvintes.7
Dentro desta categoria literária pode-se distinguir quatro tipos de
exemplum:
6
L’ERMITE LECLERCQ, Paulete A Ordem Feudal(séc. XI-XIII) in: DUBY, George e PERROT,
Michelle (dir.) História das Mulheres no Ocidente: A Idade Média. Coimbra: Afrontamento, 1990
v. 2
7
LEITE, Lucimara Christine de Pizan : uma resistência na aprendizagem da moral de
resignação Doutorado em Língua e Literatura Francesa e Estudos Medievais. USP. Maio 2008
(tese não publicada) p. 22
1. Exempla tirados de histórias ou lendas, principalmente de histórias da
antiguidade, de crônicas, da vida de santos e da bíblia.
2. Exempla tirados de acontecimentos contemporâneos de anedotas de
domínio público, ou de lembranças do autor ( de modo a formar um registro
de comportamentos com revelações curiosas).
3. Exempla-fables tomados da tradição popular .
4. Exempla tirados dos bestiários como descrições morais.8
Esses Exemplum têm várias características comuns, entre elas podemos
encontrar na obra de Cristina de Pizán a univocidade, já que não permite
interpretações múltiplas; a breviedade, as histórias são concisas; autenticidade,
mesmo quando se trata de lendas a autora tem como base os autores antigos de
quem faz a compilatio;
a verossimilhança, uma vez que o acontecimento é
possível; o prazer, o texto precisa agradar aqueles que têm contato com ele; a
metáfora, com sentido figurado por efeito de comparação ou analogia; a facilidade
de memorização para ser facilmente lembrado e aplicado no cotidiano9.
No livro “A cidade das damas” podemos contar mais de 100 exemplos de
mulheres que figuram ali para serem imitados, desta maneira a autora forneceu
meios para que as mulheres pudessem desarmar seus adversários e
conseguissem triunfar sobre eles. O texto de Cristina é todo permeado por
argumentos e exemplos capazes de mostrar o quanto as mulheres podem deixar
de ser sujeitos passivos em suas vidas, atribuindo a elas poder de decisão e de
iniciativa tendo como propósito eliminar a ignorância dos homens em relação às
mulheres.
A autora encaminha a discussão e o ensinamento no título de cada capítulo,
como por exemplo : Capítulo XXXIII “Cristina pergunta a Razão se alguma vez
uma mulher descobriu uma ciência desconhecida”10, usando na discussão
o
método socrático inspirado na maiêutica11 como forma de ensinar os indivíduos a
8
Ibid. pp.22-26
Ibid.
10
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.127
11
A Maiêutica consiste em um procedimento dialético no qual Sócrates, partindo das opiniões que seu
interlocutor tem sobre algo, busca fazê-lo cair em contradição ao buscar defender seu ponto de vista, vindo
assim a reconhecer sua ignorância acerca daquilo que julgava saber. (JAPIASSU Hilton MARCONDES,
9
aprenderem por eles mesmos. O leitor já sabe o que buscar em cada capítulo e
com que intenção a autora escreveu cada um deles.
Argumentando com cada uma das damas em cada capítulo, Cristina apresenta
em seus argumentos um posicionamento feminino acerca de temas que eram
discutidos apenas entre os homens. Defendendo o direito das mulheres à palavra,
procurou estabelecer a confiança no sexo feminino e combateu com isso a idéia,
corrente na época, de que Cristo apareceu a Maria Madalena com o único intuito
de usá-la como propagadora da notícia da ressurreição.12Desta maneira, o texto
de “A Cidade das Damas”serviu como um manual a ser seguido pelas mulheres e
também
para ser lido pelos homens, dando-lhes informações menos
preconceituosas em relação ao sexo feminino.
Usando exemplos para persuadir as mulheres e também mudar a visão dos
homens quanto as prerrogativas que determinavam sua então superioridade em
relação as mulheres, Cristina de Pizán reivindica a dignidade feminina como o seu
ideal maior.
A nova cidade se fundou em pleno território do saber androcêntrico – dentro
do perímetro do campo das letras – o qual significa reconhecer que a construção
dos muros é contingente e momentânea porque nada escapa da cultura, nem
mesmo uma utopia medievalista. Admitimos que todo pensamento crítico se
produz, ao menos em parte, com as ferramentas conceituais disponíveis e dentro
dos limites de um contexto histórico, por mais incômodo que se apresentem para
os sujeitos em questão.
Nas pedras metafóricas de Cristina de Pizán, que eram as vidas dessas
mulheres exemplares ou comuns que representam o valor concedido ao vivido e a
importância que a autora coloca na experiência. Essa experiência é entendida
como prática e funciona como refúgio, memória e impulso ético e político13.
Danilo Dicionário Básico de Filosofia , 4ªEdição Atualizada, Rio de Janeiro : Jorge Zahar Ed.,2006) pp.175176.
12
A idéia de que as mulheres são mexeriqueiras remonta a Aristóteles e ao Apóstolo Paulo, para quem os
homens devem falar e falar bem, enquanto as mulheres devem permanecer taciturnas (LEITE, Lucimara.
Christine de Pisan: uma visão da mulher medieval Mestrado em Comunicação e Semiótica PUC/São
Paulo – 1999 - tese não pubicada p. 47)
13
CHANETON, July Edith., “LA ciudad de las damas teorias y práticas feministas” Nueva Sociedad, numero
155. mayo – junio 1998 pp.37-53.
Quando Cristina questiona a Dama Razão acerca da superioridade e
inferioridade dos sexos, esta lhe responde que a superioridade ou inferioridade de
uma pessoa não deriva se seu sexo e sim da perfeição de seus modos e virtudes.
“Pelo que me diz Dama minha, a mulher é uma criação muito nobre. Porém,
Cícero disse que um homem não deve nunca servir a uma mulher porque se
colocaria a serviço de alguém menos nobre e que o mesmo seria inferiorizar-se.
Ela me respondeu com essas palavras:
-Maior é aquele ou aquela que mais méritos tem, a superioridade ou inferioridade
das pessoas não reside em seu corpo atendendo ao seu sexo, e sim na perfeição
de seus hábitos e qualidades.”14
Cristina luta usando como arma o questionamento, fazendo papel de
advogada de seu sexo, argumentando com as damas sobre os preconceitos,
alegando e buscando nelas respaldo, citando exemplos que refutassem a
misoginia. Podemos perceber ao longo da obra alguns juízos vigentes na época,
segundo os quais as mulheres por incapacidade de inteligência deveriam ser
excluídas de funções mais importantes dentro da sociedade. É contra estes juízos
que a autora argumenta.
Cristina defende que meninos e meninas deveriam ser instruídos e
educados da mesma maneira15; que a fragilidade do corpo feminino é
compensada pela natureza com uma inteligência mais viva e aguda16que os
homens são mais sábios porque têm oportunidade de se depararem com mais
problemas do mundo fora do lar, diferentemente das mulheres; que eles são os
responsáveis pelas tarefas mais importantes17. A autora fundamentou seu
argumento sobre as funções de homens e mulheres dentro da sociedade
enquanto uma construção cultural e não uma predisposição determinada pela
natureza de cada um dos sexos:
“(...) se o costume fosse mandar as meninas para a escola e ensinassem-lhes as
ciências com método, como se faz com os meninos, aprenderiam e entenderiam as
dificuldades e sutilezas de toda as artes e ciências tão bem quanto eles.”18
14
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.81 (tradução nossa)
Cf. PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.119 (tradução nossa)
16
Cf. ibid. p.92
17
Cf. supra nota 13. p.120-121
18
Ibid. p.119 (tradução livre)
15
Cristina de Pizán se empenhou na reflexão a partir de sua própria
experiência e das mulheres que ela conhecia quando questionou as palavras dos
homens ilustres, como pudemos observar nessa passagem:
“(...) filósofos, poetas, moralistas, todos – e a lista seria demasiado grande –
parecem falar com a mesma voz para chegar a conclusão de que a mulher, má
por essência e natureza, sempre se inclina para o vício. Trazendo todas essas
coisas para minha mente, eu, que tendo nascido mulher, me coloquei a examinar
meu caráter e minha conduta e também a de outras mulheres que tenho tido a
oportunidade de visitar tanto princesas e grandes damas como mulheres de média
e modesta condição que tiveram por bem confiar-me seus pensamentos mais
íntimos. Me propus a decisão de que a opinião de tantos homens ilustres
pudessem estar equivocadas.”19
Ela se negou a aceitar a inferioridade feminina que era proclamada e aceita
em sua época e imersa em suas reflexões escreveu a partir de uma alegoria que
começa com a visita das três Damas Razão, Retidão e Justiça que a convocaram
para se levantar em defesa do sexo feminino com a construção de uma cidadela
que serviria de refúgio naqueles tempos de misoginia elevada.
Ao ser convocada pelas Damas, Cristina responde:
“Eu sei que para Deus nada é impossível, e que vou crer que tudo
acontecerá com vossa ajuda e conselho, será feito. Com todas as minhas
forças, rindo a Deus e a vós, Damas minhas, que me honrais com tão nobre
cargo . Aceito gozosamente, eis-me aqui disposta a servir-vos. Faça-se em
mim segundo as suas palavras.”20
Analisamos
aqui
uma
semelhança
entre
a
resposta
que
Cristina da às Damas após ser convocada para a tarefa de construir a cidade, com
a fala de Maria que ao receber o anjo da anunciação e saber que ficaria grávida
mesmo sendo virgem, sujeita a todo julgamento da época e às conseqüências que
isto poderia implicar,21respondeu ao anjo: “Eu sei que para Deus não haverá
19
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.64 (tradução nossa)
Ibid. p.74 (tradução nossa)
21
Segundo o livro de levíticos, a morte era o castigo para aqueles que se relacionavam sexualmente antes do
casamento.Cf. Levíticos 20:10
20
impossíveis em todas as suas promessas,(...)Aqui está a serva do Senhor que se
cumpra em mim conforme a sua palavra.”22
A resposta de Cristina as Damas parafraseando o texto bíblico, revelou um
sentimento da autora, o de ser uma eleita de Deus, que através das Damas deu
para a autora a missão de levar adiante a construção de uma cidade de mulheres.
Cidade esta que quando pronta teria como rainha a própria Virgem Maria, o que
remeteu a vontade da autora em retomar o culto mariano que teve seu auge nos
séculos XII e XIII, e também como uma forma de valorizar e homenagear aquela
que havia sido a primeira mulher a ter seus feitos reconhecidos pelos cristãos.23
22
Lucas 6:37-38
LEITE, Lucimara. Christine de Pisan: uma visão da mulher medieval Mestrado em Comunicação e
Semiótica PUC/São Paulo – 1999 - tese não pubicada p.66-67
23
2.2-
A
IMPORTÂNCIA
DA
EDUCAÇÃO
PARA
AS
MULHERES
NO
PENSAMENTO DE CRISTINA DE PIZÁN.
O desmensurado apreço pelo conhecimento que Cristina de Pizán revela
ao longo de sua obra é observado muito claramente em “A Cidade das Damas”
quando ela defendeu a educação como um elemento indispensável à formação
humana. Com um sentido que vai além do saber adquirido pela ciência, que
implica também no saber empírico baseado na experiência que guia o indivíduo, a
partir de um estado inicial julgado insuficiente em direção a um outro considerado
superior.
No final da Idade Média as categorias escolares que conhecemos já
estavam definida. Na base encontravam-se as escolas paroquiais, “as pequenas
escolas”. As paróquias estavam muitas vezes na dependência dos senhores
feudais que eram os responsáveis pela contratação dos mestres. Poderia ocorrer
também que os habitantes de uma aldeia se associassem para contratar um
mestre, a imagem tradicional da escola “laica e obrigatória” na França data de pelo
menos mil anos atrás. O ensino era ministrado contiguamente ao espaço da igreja
ou mesmo na própria igreja. O mestre era geralmente um leigo que exercia
simultaneamente as profissões de sacristão, de participante do coro, entre outras
funções. Recebia ordinariamente dos alunos uma modesta remuneração em
espécie: favas, peixe, vinho e algumas vezes algum soldo.24
As moças se beneficiavam também do ensino, menos apurado e sem
dúvida muito mais vigiado. A educação feminina começava cedo, aos três anos de
idade, as meninas eram separadas dos quartos dos meninos, mas ainda poderiam
sair para brincar com os meninos. Aos doze anos sua liberdade chegava ao fim e
eram enclausuradas em suas casas sendo constantemente vigiadas pelos seus
pais e irmãos. As voltas pela cidade, passeios e tagarelices particulares eram
proibidas. Acreditava-se que só o trabalho doméstico, o silêncio e a oração seriam
capazes de vencer os sonhos alimentados por elas. A chegada do casamento
24
DIAS, Ivone Aparecida Mulheres e Educação na Idade Média: Damas e Religiosas (on line) acessado
em 30/09/2008)
suavizaria esse confinamento , mas as esposas encontravam-se subjugadas às
vontades do marido e aos cuidados com as crianças.25
“A uma mulher não se deve ensinar as letras nem a escrever.”26 Dar às
mulheres o domínio da escrita era considerado algo perigoso, mesmo se certos
moralistas são menos afirmativos que Felipe de Novara: “As palavras das
mulheres letradas deixaram durante muito tempo aflorar o temor das audácias e o
medo das impotências”.27
Para nossa autora a educação era um meio das mulheres não serem mais
consideradas
indiferentes em relação a determinados assuntos, sobretudo
aqueles que envolviam responsabilidades políticas ou sociais. Na medida em que
a educação proporciona o conhecimento para a mulher sobre diversos domínios
de interesse, possibilitando a experiência que fosse além do ambiente doméstico
lugar onde o saber feminino estava historicamente predestinado pela sociedade
patriarcal.28
Na nossa análise pudemos nos deparar com o pensamento inovador dessa
autora no que se refere ao acesso à educação, sendo essa uma bandeira
levantada por Cristina. Quando ela reivindica que meninos e meninas tenham o
mesmo acesso ao conhecimento29. Ela argumenta que estariam tão bem
preparadas quanto os meninos para enfrentar qualquer adversidade que a vida
pudesse apresentar, revelando através disso a igualdade da capacidade
intelectual entre homens e mulheres como a autora resgatou nessa passagem:
“[As mulheres sabem menos] sem dúvida porque não têm, como os homens, a
experiência de tantas coisas diferentes, elas são limitadas ao cuidado do lar, se
fecham em casa. Porém, não há nada tão instrutivo como um ser dotado de razão
como exercitar-se e experimentar coisas variadas.”30
25
SILVA, Paulo Thiago S. Gonçalves Idade média, Idade das “trevas”? Uma análise da historiografia das
mulheres medievais (on line) in: http;//unb.br/ih/his/gefem/labrys1_2/paulo1.html (acessado em 30/09/2008)
26
NOVARA, Felipe Apud. BOHLER, Danielle Régnier Vozes literárias, Vozes místicas in: DUBY, Georges
(org.) ; PERROT, Michelle (org.) ; KLAPISCH-ZUBER, Christiane (dir.). História das Mulheres no Ocidente:
A Idade Média. Coimbra: Afrontamento, 1990 v. 2 p. 536
27
DUBY, Georges (org.) ; PERROT, Michelle (org.) ; KLAPISCH-ZUBER, Christiane (dir.). História das
Mulheres no Ocidente: A Idade Média. Coimbra: Afrontamento, 1990 v. 2 p. 536
28
CALADO, Luciana. Saboreando o saber; a aventura intelectual de Christine de Pisan no seu “caminho
de longo estudo” (on line) in:
<www.uesc.br/seminariomulher/anais/luciana%20eleonora%20de%20freitas%20calado.pdf >(acessado em
19/09/2008)
29
Cf. PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.119
30
Ibid.
Pudemos perceber quanto Cristina considerava as mulheres como seres
racionais iguais aos homens e que se sabiam menos era justamente porque sua
educação era deficitária e limitada quando comparada com a educação que era
dada aos homens.
Outra idéia que a autora se empenhou em combater com determinação ao
longo de sua obra foi a crença profundamente arraigada de que o conhecimento
além de corromper as mulheres também arruinava os costumes.
“Isto demonstra (...), que as opiniões dos homens não se fundamentam todas
sobre a razão, porque está bem claro que aí andam equivocados. Não se pode
admitir que o conhecimento das ciências morais, que ensinam precisamente a
virtude, corrompa os costumes. Ao contrário, é certo que as melhora e enobrece.
Como crer que fomenta a corrupção? É algo que não se pode pensar nem dizer.”31
Não era comum durante a Idade Média dar a mesma educação aos
meninos e meninas, uma vez que elas eram consideradas intelectualmente
inferiores a eles, e uma vez não tendo a mesma capacidade eram condicionados a
métodos e ciências diferentes para cada um. Mas, Cristina de Pizán estava
convencida do contrário e por sua própria experiência de vida tinha muito claro de
que o conhecimento não corrompia, ao contrário, era capaz de enobrecer os seres
humanos por igual.
Muito interessante também é fazer uma referência ao raciocínio de Cristina
sobre as acusações misóginas de que as mulheres eram frívolas, inconstantes,
volúveis e sem caráter. Apesar da exposição das idéias da autora sobre estes
aspectos ser extensa, achamos interessante transcrever suas palavras para que
nenhum detalhe da argumentação se perca.
“[disse Retidão a Cristina] (...) como todos dizem que a natureza feminina é
instável, se poderia supor que eles [os homens] sempre têm o ânimo bem
temperado, ou ao menos são mais constantes que as mulheres, porém o resultado
é que exigem muito mais das mulheres do que eles mesmos demonstram. Os
homens que sempre proclamam sua força e coragem, caem em tamanhas falhas e
crimes não por ignorância, mas, sabendo que estão errados, sempre buscam
desculpas, dizendo que o erro é humano. Agora bem, se uma mulher apresente a
menor falha – provocada em geral pelo abuso do poder por parte do homem – já
estão prontos para acusá-las de inconstância e superficialidade (...) não existe lei
nem tratado que lhes outorgue o direito de pecar mais que as mulheres nem que
estipule que os defeitos masculinos são mais desculpáveis. Na realidade eles vão
31
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.118 (tradução nossa)
se carregando de tanta autoridade moral que se atribuem o direito de acusar as
mulheres dos piores defeitos e crimes, sem saber nunca compreender ou
desculpá-las. (...) Assim, o homem sempre tem o direito a seu favor porque pleiteia
representando ambas as partes.32
A autora foi capaz de condensar algumas de suas idéias mais inovadoras
para o alvorecer da modernidade sobretudo por ser mulher. Quando ela escreveu
que os homens sempre têm o direito a seu favor, porque era sempre uma figura
masculina que representava ambas as partes perante um tribunal, ela remete à
sua experiência quando teve que pleitear juridicamente para reaver seus bens
após a morte de seu marido, trazendo novamente sua vivência para dentro da sua
obra, refletindo a partir daí seu pensamento.
Embora a introdução do direito comum tenha representado um impacto
sobre a posição legal da mulher, os códigos medievais tradicionais da Europa
reservavam à mulher um status legal secundário, baseados geralmente na sua
falta de habilidade para o serviço militar feudal. Essa relação de tutela baseada no
gênero gradualmente se extinguiu no final da Idade Média na medida em que as
mulheres solteiras e viúvas puderam servir como testemunhas para testamentos.
Mesmo tendo alguns benefícios, estes eram muitas vezes encarados como
favorecimento em relação ao seu sexo inapto às tarefas masculinas e frágil.
Juntamente com os camponeses e dementes as mulheres eram consideradas
como irresponsáveis legalmente por seus próprios atos e não poderiam ser
compelidas a comparecer diante de uma corte, sendo que sempre, em todos os
casos, seu testemunhos eram menos dignos de confiança do que o dos homens.
Essas idéias levaram muitos juristas na Europa a recomendar e implantar a
reintrodução da guarda baseada no gênero; mulheres adultas, solteiras, casadas
ou viúvas deveriam estar novamente tuteladas sob a autoridade masculina e com
isso proibidas de tomar qualquer decisão financeira, até mesmo no que se
referisse a doações para instituições religiosas, sem uma aprovação masculina.33
32
Ibid. p.208 (tradução nossa)
SANTOS, Giovanna Aparecida Schittini dos. Humanismo, Direito e Gênero: Pontos de Intersecção num
discurso do século XVI. In: Anais do VII Seminário Fazendo Gênero (On line)
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigos9671.pdf> (acessado em 19/09/2008
33
A autora começou a perceber que com o passar do tempo os homens
estavam adquirindo cada vez mais autoridade sobre as mulheres o que resultava
em um papel de cada vez maior subordinação para elas. Cristina ousou impor
suas idéias através da pena escrevendo em defesa da moral feminina, o que
resultou no seu envolvimento na “Querelle des femmes” como veremos no
próximo capítulo.
Capítulo 3 : CRISTINA DE PIZÁN, A “QUERELLE DES FEMMES” E A DEFESA
DA MORALIDADE FEMININA.
A defesa da moral feminina fez com que Cristina de Pizán se envolvesse na
“Querelle des femmes” ao opor-se aos ataques às mulheres que Jean de Meun
fez na segunda parte do Roman de la Rose. A autora ilumina as mentes daqueles
q quem ela quer responder neste debate ao longo da sua exposição de exemplos.
No seu livro ela exaltou o valor, a inteligência e as virtudes femininas
atravessando barreiras temporais, históricas e religiosas.
O objetivo deste último capítulo é apresentar Cristina de Pizán como uma
defensora da moral feminina. Analisamos como ela elaborou um tratado moral em
defesa do sexo feminino a partir da compilação da obra de Boccaccio, ressaltando
que seu texto tem a inclusão de personagens, como as santas mártires, que não
figuraram na obra do autor toscano.
Percebemos como os capítulos foram construídos com exemplos e contraexemplos e que a autora teve uma preocupação principal que era a de converter o
discurso misógino, colocando as mulheres em uma posição não de igualdade
perante os homens, pois ela reconhece que as diferenças deviam ser
respeitadas.O que ela elabora é uma valorização da mulher diante do discurso
misógino presente em sua época.
3.1: A “QUERELLE DES FEMMES”.
A obra de Cristina de Pizán esteve centrada na mulher por mais de 30
anos, de 1398 a 1429. A primeira obra que trata do tema é a “Epístola ao Deus do
Amor”, em seguida ela se dedica às “Cartas da Querella do Roman de la
Rose”(1398-1402), depois escreve sua obra chave que é “A Cidade das Damas”
(1405) que é seguida pelo “Tesouro da Cidade das Damas”, onde ela propõe um
modelo pedagógico para as mulheres que habitariam a Cidade das Damas,
portanto é a continuidade da sua obra mais importante.
Toda este empenho que Cristina de Pizán revela na defesa da moralidade
feminina, faz com ela se envolva na chamada “Querelle des Femmes”, que inicia o
debate acerca do Roman de la Rose. Sua entrada no cenário filosófico e
intelectual parisiense é marcado por este envolvimento reafirmando assim seu
papel de escritora, sua voz e autoridade como uma campeã do sexo feminino.1
A Querelle des Femmes é como um intenso debate literário e filosófico
sobre as condições das mulheres, seus vícios e virtudes, permitindo que
apareçam as diversas contradições existentes a respeito deste tema. Percebemos
claramente as marcas deixadas nesse debate durante cada época, pois na Idade
Média os exemplos a serem seguidos eram os religiosos e com o advento da
modernidade passa a haver uma ênfase em temas diferentes, a mudança de
perspectiva deixa de ser puramente cristã para entrar em outras questões que vão
além do casamento ou da virgindade para incluir outras questões referentes até
mesmo ao Estado.
A Querelle atingiu diversos países, como Inglaterra, França e Espanha.
Pode-se dizer que este foi um ensaio para balizar o início do feminismo, de suas
correntes e de um esforço em sentido contrário à possibilidade aberta para as
lutas das mulheres em defesa de igualdade de direitos e em reconhecimento de
seus papéis.
Porém, um dos problemas deste debate está relacionado à utilização de
sua estrutura, que era muito usado para que os estudantes universitários
1
LEMARCHAND- Marie José Introducción in: PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela,
2001 p.24
exercitassem habilidades de metodologia e retórica desde a Idade Média e
especialmente no século XVIII. Desta maneira, muitas críticas misóginas podem
ter sido escritas pelos mesmos autores que defenderam a igualdade entre os
sexos em textos com as mesmas características e estilos de escrita, porém em
sentidos contrários, podendo ser em algumas circunstâncias mais um exercício do
que efetivamente um debate entre indivíduos que divergiam sobre o tema.
O cuidado para analisar as discussões da Querelle deve ser redobrado
para diferenciar o que faz parte da Querelle e o que foi realizado com o fim de
praticar método e retórica, já que este era um tema recorrente dos exercícios
devido a riqueza de possibilidades de argumentos e contra-argumentos.2
Inicialmente chamada de “Querela do Romance da Rosa”, a discussão foi
em torno da obra de Guillaume de Lorris, “Romance da Rosa”, escrita no século
XII que em sua primeira parte exaltava a mulher, com poemas românticos que
louvavam o amor, cujo enredo se baseava na história de um jovem que penetrava
num jardim onde uma Rosa que estava para desabrochar e que se tornou objeto
de seu desejo. Para chegar perto da Rosa ele contou com a ajuda de Bel Accueil
que o defendeu contra os inimigos (Danger, Jalousie e Malebouche)3
que
representavam sentimentos personificados, algo que era comum, neste tipo de
literatura. Representante da lírica trovadoresca, a primeira parte do poema conta
com cerca de quatro mil versos e não foi terminado.
A segunda parte com cerca de dezoito mil versos foi escrita cinqüenta anos
depois por Jean de Meun, que ironizou a primeira parte, mudando o tema e
satirizando a sociedade humana. Misturando razão e fantasia ele pretendia fazer
um retrato do período histórico, acrescentou outras personagens, Raison, Nature e
Genius. Esta última era um padre
que como homem, representava a
intelectualidade. A conquista passa por estratégias racionais, desprezando as
mulheres, dando espaço ao amor instintivo e não mais dando importância aos
sentimentos e à imaginação.
2
MILOSCI, R. Os processos revolucionários das mulheres: experiências preparatórias da primeira e
segunda onda do feminismo no Ocidente (on line) <http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgibin/PRG_0599.EXE/11173_4.PDF?NrOcoSis=36063&CdLinPrg=pt> (Acessado em 11/10/2008)
3
Perigo, Ciúme e Maldição
A obra logo se tornou clássica e todos os escritores notáveis do final
da Idade Média de alguma forma se referiram a ela, suscitando as primeiras
formas da crítica literária4, e sustentada nos círculos humanistas da época que
haviam chegado à corte e à Universidade. Mais tarde essa discussão em torno do
Romance da Rosa passa a ser vista como a primeira manifestação da Querelle de
Femmes,5 debate que seguirá séculos depois até a Revolução Francesa.
O cristianismo medieval colocou a diferença dos sexos como centro de
suas reflexões antropológicas, por isso o debate sobre o Romance da Rosa
acabou sendo tão relevante. Cristina aceitou a qualidade literária dos poemas de
Meun, mas criticou a atitude que ele tinha diante das mulheres:
“Que não me acusem de desatino, de arrogância ou presunção, de ousar eu
mulher, opor-me e replicar a um autor tão sutil, nem de reduzir o elogio devido à
sua obra, quando ele, único homem, ousou difamar e censurar sem exceção todo
o sexo feminino6”.
Esse debate se encontra no “L’Epistre au dieu d’Amours” (Carta ao Deus de
Amor, 1399), a primeira obra de Cristina.
A segunda parte do Romance da Rosa foi muito apreciada pelos
universitários da época. Jean de Meun ao traçar o perfil feminino foi incisivo
colocando as mulheres numa posição de fragilidade e inferioridade, fato que
colaborou para que a misoginia fosse ainda maior na esfera do conhecimento, da
qual as mulheres eram excluídas por serem consideradas menos capazes. O texto
também foi inovador ao atribuir uma aura de superioridade para aqueles que
freqüentaram a universidade, que passaram a ser vistos como detentores do
conhecimento e por isso também do poder. Isso fortaleceu ainda mais a idéia do
saber masculino, pois as mulheres foram excluídas deste campo.
4
DUBY, Georges O Roman de la Rose in: Duby, Georges Idade Média Idade dos Homens:do amor e
outros ensaios. São Paulo, Companhia das letras, 2001. p.66-93
5
Segundo Joan Scott a querelle no século XV era um debate predominantemente literário e filosófico- dentro
dos círculos masculinos- sobre as capacidades intelectuais das mulheres . (Conf. SCOTT, Joan W. “La
querelle des femmes" no final do século XX (on line)
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000200004> (acessado em
15/11/2007)
6
PIZÁN, Cristina Apud: DUBY, Georges (org.) ; PERROT, Michelle (org.) ; KLAPISCH-ZUBER,
Christiane (dir.). História das Mulheres no Ocidente: A Idade Média. Coimbra: Afrontamento, 1990 v. 2
p. 530
A Querelle des Femmes foi então um debate acerca da condição feminina
que passou a ter lugar entre os debates da sociedade européia, tendo como
“aporte os quadros sociais característicos do humanismo, Reforma e ContraReforma e passou a ser simultaneamente agente e fruto das mudanças do
período”7. Tal debate é considerado pela historiadora Joan Kelly8 como um tipo de
feminismo germinal, no sentido original do termo e que tem como principais
características a oposição da dialética, a misoginia com base na idéia de Gênero –
de forma muito semelhante ao conceito atual – e a possibilidade de
universalização da questão que se baseia numa concepção geral da humanidade,
questionando a idéia universal de humanitas que não incluía o sexo feminino.
Alguns historiadores atribuem a Cristina de Pizán o início da Querelle, com
sua obra “A Cidade das Damas”, em 1405. Em nossa pesquisa não reconhecemos
Cristina de Pizán como “detonadora” da Querelle des Femmes, uma vez que o
debate já fora iniciado. O que confere destaque a Cristina foi o fato de ela ter sido
a primeira mulher a se envolver na Querelle e em sua obra “A Cidade das Damas”
reivindicar a igualdade de capacidade intelectual para homens e mulheres e no
que diz respeito à educação, tratou a diferença dos sexos como uma questão
social. Figurando uma das mulheres que Virgínia Wolff chamou de “filhas de
homens cultos”, Cristina de Pizán foi também educada por humanistas e se
rebelou contra a sociedade que proibia a entrada das mulheres no terreno do
saber.
Ela intervém no debate sobre a Querelle não por questões literárias, morais
ou filosóficas, mas pelo conjunto de argumentos condenatórios e insultantes para
as mulheres que o Romance da Rosa continha. Reagiu contra a literatura
misógina que havia desde a antiguidade e que alcança uma expressão
generalizada em sua época. Não apenas denuncia este desprezo em relação às
7
SANTOS, Giovanna Aparecida Schittini dos. Humanismo, Direito e Gênero: pontos de intersecção num
discurso do século XVI. (on line) http://ler.letras.up.pt.uploads/ficheiros/artigos9671.pdf (acessado em
10/10/2008)
8
KELLY, Joan. Early feminist theory and Querelle des Femmes, 1400-1789 in:Signs: Journal of Women
in Culture and Society (Chicago: University of Chicago Press, 1975-). 8:1 (1982): 3-28.
mulheres como também a situação de desamparo que as mulheres se
encontravam perante este empreendimento por não terem acesso à cultura.9
Com o aparecimento das Três Damas no início do seu primeiro livro, ela
declara sua insatisfação em ter nascido mulher, questiona Deus ter dado esse
castigo de nascer em um corpo feminino e ela interpela com as três Damas
Razão, Retidão e Justiça, sobre a condição feminina.
“(...) Assim me desfazia em lamentações para Deus , aflita em minha
tristeza e chegando em minha loucura a sentir-me desesperada, porque Ele
me havia feito nascer dentro de um corpo de mulher”10.
A Razão contribui para que Cristina desconfiasse de tudo o que os filósofos
já haviam sentenciado até então sobre a inferioridade da mulher. Graças a sua
formação cristã, ela conclui que se Deus é perfeito, ele não pode criar seres
imperfeitos, inferiores e assim ela atinge uma igualdade primeira entre homem e
mulher. A mulher não pode ser um homem imperfeito, incompleto, ela é igual,
caso contrário, Deus não seria perfeito.
“- Senhor como pode ser, como crer sem cair no horror de que tua sabedoria
infinita e tua perfeita bondade poderiam criar algo que não fosse perfeito? Acaso
não criou a mulher deliberadamente, dando-lhes todas as qualidades que lhes
agradassem? Como poderia ser possível que se equivocasse? Sem dúvida aqui
estão acusações juízos e condenações contra as mulheres”11.
Segundo Cristina de Pizán Maria, a mãe de Cristo, foi quem redimiu os
pecados de Eva por isso ela é a regente de sua cidade. Para Cristina há uma
ligação direta entre o feminino e o plano divino e por isso ela defendia que os
homens deveriam tratá-las bem e com respeito, a autora reconhecia a violência
física e moral sofrida pela maior parte das mulheres de sua época e o fato das
mulheres em sua maioria não terem acesso à educação da mesma forma que os
homens por serem obrigadas a ficar em casa.
O seu esforço em defender e demonstrar as virtudes feminina e a inovação
em perceber a mulher, abriu caminho para uma discussão que ao mesmo tempo
9
WUENSCH, Ana Miriam Mundos Reflexionados: Filósofas através da história (on line)
<http://www.crearmundos.net/primeros/Revista/Edicao01/Cuestiones/Cuest_Mulheres_Filo.html> (acessado
em 11/10/2008)
10
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.65 (tradução livre)
11
Ibid.
que defende uma mulher preparada para sobreviver sem a figura masculina de um
pai ou marido, também defende que cada um dos sexos tem papéis específicos e
complementares segundo a criação divina .
“(...) Quis Deus que o homem e a mulher lhes sirvam de forma distinta, que
se prestem mútua ajuda, cada um a sua maneira. Porque ele dotou aos dois sexos
com a natureza e as qualidades necessárias para cumprir com seus deveres
(...)”12
Em sua obra ela questiona a autoridade masculina dos grandes pensadores
e filósofos que contribuíram para formar a tradição misógina e de como as
mulheres além de serem a origem do mal eram tratadas como as possuidoras dos
piores vícios da humanidade. Propôs com firmeza e segurança que o seu
conhecimento podia lhe dar uma utopia um espaço próprio para as mulheres e
reivindica uma genealogia de mulheres de capacidade e qualidades excelentes ao
longo da história.13
A disposição funcional da Cidade das Damas foi uma invenção de Cristina
que logo no início de sua obra preocupa-se em edificar um lugar onde as mulheres
ficassem tranqüilas e sem inquietações cotidianas, sem dificuldades econômicas e
principalmente onde as mulheres pudessem estar seguras, longe dos ataques
misóginos. Ela introduz em seu texto exemplos de mulheres famosas como prova
das qualidades especiais das mulheres e de sua importante contribuição para a
humanidade14.
A autora encontra um meio de repetir com insistência em seu texto as
palavras “homem”, “varão” e “sexo feminino” e Cristina encontra novos meios de
usar os referidos termos. Ela evitou utilizar a palavra homem em sentido abstrato e
universal. Quando ela se refere aos dois sexos faz questão de frisar “o homem e a
12
Ibid. p.87 (tradução livre)
WUENSCH, Ana Miriam Mundos Reflexionados: Filósofas através da história (on line)
<http://www.crearmundos.net/primeros/Revista/Edicao01/Cuestiones/Cuest_Mulheres_Filo.html> (acessado
em 11/10/2008)
14
LEITE, Lucimara. Christine de Pisan: uma visão da mulher medieval Mestrado em Comunicação e
Semiótica PUC/São Paulo – 1999 - tese não pubicada p.58
13
mulher”ou vice e versa, “os homens e as mulheres” fazendo questão de introduzir
o gênero feminino como parte integrante da humanidade.15
Cristina de Pizán defendia a moral feminina, ela queria ressuscitar o
respeito pelas mulheres “que foram desrespeitadas em obras como A arte de
amar, de Ovídio, o Romance da rosa e outras mais, que faziam parte da
configuração de uma literatura suspeita, espécie de manual de conselhos para
enganar e seduzir mulheres”16. Cristina de Pizán defendia o direito das mulheres à
palavra, procurando, assim, restabelecer o sentimento de confiança no sexo
feminino e combatendo as idéias correntes na época sobre a incapacidade
feminina.
15
LEMARCHAND- Marie José Introducción in: PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela,
2001 p.23-24
16
LEITE, Lucimara. Christine de Pisan: uma visão da mulher medieval Mestrado em Comunicação e
Semiótica PUC/São Paulo – 1999 - tese não pubicada
3.2: A CIDADE DAS DAMAS E A DEFESA DA MORAL FEMININA.
Cristina de Pizán elaborou seu ato de defesa da moralidade feminina como
uma resposta à “Querelle des femmes”. Na cidades das damas ela se propôs
a construir uma cidade que fosse povoada pelas mulheres mais virtuosas e
sábias que já haviam existido e no governo desta cidade, adornada pelos mais
magnificentes louvores, estava Maria, a mãe de Jesus, a rainha da Cidade das
Damas.
A cidade era uma nova visão que surgiria a partir da obra de Cristina, e que
viria fundamentada no campo das letras:
“Partamos para o campo das letras; é neste país rico e fértil que será
fundada a Cidade das Damas, aí onde se encontram tantos frutos e
doces rios, aí onde a terra abunda em todas as coisas boas”.17
Esta cidade fundada no campo literário, eternizava as vidas daquelas mulheres
que fizeram parte de sua construção. O livro de Cristina de Pizán é a cidade das
damas e as mulheres são pedras metafóricas que estão ali para configurar a
construção desta cidade em uma defesa moral para as mulheres com suas
histórias de vidas exemplares para qualquer época no passado, presente e futuro.
As três Damas tiveram seus papéis definidos já no início do Livro: Razão
seria a responsável por fazer as fundações e os muros, demonstrando
claramente que a principal defesa desta cidade seriam os argumentos
racionais. Retidão construiria as casas, palácios e templos, usando como
material para essas construções as vidas exemplares de mulheres de diferentes
épocas. Justiça terminaria a nova cidade, faria o acabamento e iniciaria o
povoamento ao convocar as primeiras moradoras. Essas seriam mulheres que
foram constantes em seu amor, refutando a corrente anti-matrimonial presente
em sua época.18Assim, baseadas em vários exemplos que serviriam de modelo
para a conduta moral das mulheres, elas dialogam elaborando um plano para
17
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.65 (tradução nossa)
LEITE, Lucimara Christine de Pizan : uma resistência na aprendizagem da moral de resignação
Doutorado em Língua e Literatura Francesa e Estudos Medievais. USP. Maio 2008 (tese não publicada) p.125
18
alcançarem seu objetivo que era a defesa da mulher e das capacidades
femininas.
Traçado o plano, Cristina começou a primeira parte de seu livro dedicandose a construção sob o comando de Razão, que a ajudou a marcar o terreno. Este
terreno que como já vimos está no campo literário precisa ser limpo com respostas
às argumentações misóginas. É o que ela fez dialogando com Razão defendendo
as mulheres e demonstrando com exemplos porque elas merecem ser defendidas.
E mais, em seu primeiro livro ao defender uma cultura intelectual refinada às
mulheres e grandes senhoras, indica sua pretensão audaciosa em relação ao
sexo feminino.
Nesta primeira parte do livro, Cristina começou sua defesa do sexo feminino e
a sua argumentação à “Querelle des Femes”. Foram destacadas mulheres
instruídas, com habilidades e mulheres prudentes. Entre as que executaram
atividades políticas e militares, destacamos a Imperatriz Nicaula da Etiópia, que foi
muito poderosa; Fredegunda da França, que por astúcia, tirou seu filho dos braços
dos inimigos; e a rainha Blanche, que governou a França na menoridade do filho e
depois ocupou um lugar principal no conselho. Nestes exemplos, Cristina
demonstrou que as mulheres têm capacidade de governar tão bem quanto
qualquer homem. Ela afirmou que existem mulheres com prudência e com mentes
esclarecidas para a política e para a justiça.
Quando Cristina disse que alguns afirmavam que as mulheres têm corpos
fracos e que eram covardes por natureza, Razão deu o exemplo de Aristóteles,
que era feio e tinha um olho menor que o outro, porém foi um grande filósofo; e
Alexandre, “O Grande” era muito baixo de estatura, mas isso não o impediu de
conquistar boa parte do mundo conhecido na época dele. Além disso, as
mulheres, por seus corpos serem mais delicados, são impedidas de fazer
grandes atrocidades.
Razão afirmou também – expondo sempre o humanismo - que as mulheres
tinham o poder de amar a Deus e de adquirir conhecimento. Cristina de Pizán
enfocou muito neste aspecto afirmando sempre que esse conhecimento não
seria capaz de corromper os bons costumes. Segundo ela, algumas mulheres
tinham menos conhecimento somente pelo motivo de que não se envolviam
com algumas atividades mais comuns aos homens. Elas se dedicam
exclusivamente aos afazeres domésticos. Para Cristina, estas mulheres
conheciam tanto de justiça quanto um homem que vivia nas montanhas ou nas
fazendas, ou seja, não por ignorância, mas por falta da experiência com o
mundo externo ao lar e suas variadas ocupações.
Razão segue com a construção dos muros apresentando para Cristina
alguns exemplos de damas que foram instruídas e que chegaram a ultrapassar
os homens na sabedoria. Como Cornificia, que foi mandada aos estudos e que
se tornou uma excelente poeta e filósofa, chegando a ultrapassar o próprio
irmão, Cornificius. Do mesmo modo, Proba, a romana, que se tornou mestre
nas artes e escreveu poesia, dedicando-se à leitura de grandes poetas como
Virgílio; adaptou-o, escrevendo uma grande obra intitulada "Cento”, composta
por cem versos. Cristina também relembra Safo, cujos escritos são apreciados
por diversos autores. Nossa autora chegou a comentar que Horácio relatou que
quando Platão morreu, um livro dela foi encontrado debaixo do travesseiro dele.
Cristina escreve que os homens gabam-se por terem feito inúmeras
descobertas, mas estes esquecem que as mulheres também desvendaram
muitos segredos da natureza e realizaram grandes feitos. É o caso de
Nicóstrata, que fundou uma fortaleza num lugar onde os homens eram
selvagens. Por esse motivo teve de criar leis e empregar a justiça. Ela
estabeleceu o alfabeto latino e a introdução para a gramática. Cristina disse
que alguns tolos crêem que essas mulheres extraordinárias são divindades,
mas ela entende que elas viveram na terra e foram humanas.
Destaca Minerva, considerada deusa pelos gregos e romanos; adquiriu
muito conhecimento, de modo que contribuiu para a escrita grega. Também
inventou os números. Além disso, ela foi a primeira a empregar recursos para
se fazer roupas de lã, e, posteriormente, armaduras feitas com fios de aço.
Minerva também foi a responsável pela técnica de extração de óleos de
diferentes frutas, como a oliva e com seus conhecimentos elaborou
instrumentos musicais. Ela conservou-se virgem a vida inteira e devido as
grandes habilidades adquiridas, inclusive melhoramentos para o campo bélico,
ela foi considerada a deusa da guerra pelos gregos.
Cristina também relatou a importância de Ceres, que descobriu a arte de
cultivar a terra. Isis, deusa dos egípcios, também é lembrada. Estes exemplos
de mulheres extraordinárias serviram para Cristina mostrar que indivíduos do
sexo feminino são muito capazes. Ela acreditava que os homens consideraram
deusas essas damas somente pelo fato de elas serem especiais, como se
mulheres normais não tivessem a competência para realizar grandes feitos.
Cristina achava uma ingratidão os ataques dos homens as mulheres. Nessa
primeira parte do livro, Cristina continua a relatar as “mulheres célebres” que
compõem a obra de Boccaccio, as quais, segundo ela, devem também ser
exaltadas.
Para terminar a primeira parte de seu livro Cristina lembra as damas
prudentes. Ela deu grande importância para a epístola de Salomão, que foi
dedicada à prudência feminina. Ela menciona algumas rainhas importantes e
prudentes da história, como Gaia Cirilla, a rainha Dido e a rainha Ops de Creta.
Na segunda parte Cristina se deixou conduzir pela Retidão que a convocou;
“ (...) agora venha comigo, pegue suas ferramentas e siga em frente. Misture a
argamassa no seu pote de tinta, e então você poderá fortificar a cidade com sua
caneta”.19
Iniciou a construção das torres, dos palácios reais e das nobres
habitações. As mulheres que foram convocadas para traçar essas primeiras
edificações foram as sibilas e profetisas, que com sua linguagem irão construir
o mundo.
Cristina começa relatando sobre as 10 sibilas que viveram em diferentes
épocas, mas segundo ela, todas têm algo em comum: são mensageiras de
Deus. Elas profetizavam a vinda de Cristo para os pagãos, e os criticavam por
19
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.155 (tradução nossa)
adorarem os deuses, dizendo que só havia um Deus supremo. Erythrea é
ressaltada porque teria escrito sobre Jesus. Profetizou a vida, a morte e a
ressurreição de Cristo e a descida do Espírito Santo entre os apóstolos.
Também escreveu sobre o Juízo Final dos cristãos.
Evidenciamos que novamente Cristina oferece destaque a uma mulher que
além de ser importante, conservou sua virgindade, pois a pureza corporal é
muito apreciada por Cristina. Contudo, ela especifica que estas damas não
eram as únicas a profetizar: Débora, no tempo dos juízes; Elizabeth, a virgem, e
inúmeras outras, recebiam visões diretamente de Deus, segundo Cristina.
Outro tópico referente à “Querelle des femmes” na segunda parte é o
diálogo entre Cristina e Retidão a respeito dos homens que preferem ter filhos
ao invés de filhas. Retidão afirma que isso aconteceu devido à simplicidade e
ignorância dessas pessoas. Ela citou que os pais têm medo do custo que
pagarão no casamento das filhas, ou seja, preferiam os filhos por motivo de
vantagens financeiras. Ela ainda ressaltou que geralmente os filhos homens,
quando ficavam ricos, desprezavam os pais pobres, e se os pais fossem ricos,
eles esperavam a morte destes para que adquirissem a herança. Cristina segue
exemplificando com mulheres que amaram seus pais e cuidaram deles.
Nesta segunda parte outro ponto importante que encontramos é a
importância do casamento. Refutando a corrente antimatrimonial presente na
época. Como uma cristã, Cristina acreditava que a união entre um homem e
uma mulher
pelo casamento era apreciada por Deus. Através de Retidão,
passou a mostrar exemplos de amor conjugal apresentados por mulheres
ilustres. Estas amavam tanto seus maridos que os seguiam a vida inteira.
Algumas, como Artemísia, chegaram a construir imensos túmulos para que
sepultassem seus companheiros. Outras, como Argia, foram até os campos de
batalha para procurarem pelos corpos de seus amados; cuidaram dos maridos
quando estes estavam doentes. Cristina cita mulheres que fizeram de tudo por
amor aos seus cônjuges, até morrer. Percebemos que houve o emprego de
uma linguagem ”romântica” com que ela retratou essas histórias de amor.
Cristina não pretendia que as mulheres tomassem o lugar dos homens,
ela queria reabilita-las moral e intelectualmente. A mulher ideal de Cristina era
cristã, bondosa, amorosa, delicada, casta ou virgem, entre outras qualidades.
Não é uma guerra diretamente contra a masculinidade, mas é um
reconhecimento, a retomada da honra e da moral feminina.
Neste ponto nossa autora retoma a defesa da educação e do ensino
para as mulheres, partindo do seu próprio exemplo, uma mulher que adquiriu
tanto conhecimento e sabedoria e chegou a igualar-se aos homens.Como já
vimos, ela acreditava na capacidade feminina provou isso à sociedade que
reprimia as mulheres, negando-lhes oportunidade que Deus deu a todos os
seres humanos, o direito de adquirir o Saber.
Dando continuidade à questão das virtudes femininas, o diálogo entre
Retidão e Cristina trata das mulheres que conservam a castidade e também
homenageava as que guardavam a virgindade, dando suma importância para
esse bem corporal e simbólico. Nossa autora citou diversos exemplos de
mulheres que se mantiveram castas e puras, mesmo após a morte de seus
companheiros. Assim, faz referência a Sara, esposa de Abraão; Rebeca,
esposa de Isaac e Rute, a hebréia. Estas mulheres ilustram o Antigo
Testamento, e foram modelos femininos de boa conduta.
Diante da defesa da moral feminina Cristina tinha um estilo próprio quando
argumentava a favor da castidade, diferente de seus opositores que colocam a
castidade como única qualidade pertinente a uma mulher.
"Al hombre muchas cosas le son necesarias; verbigracia: la prudencia, el
bien hablar, la ciencia politica, la memoria, el talento, el arte de vivir, la
justicia, la liberalidad, la magnanimidad y otras cosas que sería prolijo
enumerar. Si le falta alguna de éstas parece menos de culpar, con que
tenga algunas. Empero en la mujer nadie busca la elocuencia, ni el talento,
ni la prudencia, ni el arte de vivir, ni la administración de la República, ni la
justicia, ni la benignidad; en suma: nadie reclama de ella sino la castidad, la
cual, si fuere echada de menos, es igual que si al hombre le faltaren todas.
La castidad en la mujer hace las veces de todas las virtudes"20 .
20
L. VIVES, Formación(1010) apud. ______________________, A educação feminina. Entre as funções
conjugais, o governo da casa e as práticas espirituais. (on line)
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo9671.PDF >(Acessado em 10/10/2008)
L. Vives foi um escritor e redigiu estas palavras em 1322 refletindo o
pensamento contemporâneo ao de Cristina de Pizán quando escreveu “A Cidade
das Damas”. A castidade era a base de todas as virtudes femininas e esta virtude
básica ligavam-se outras duas virtudes “femininas”como a honestidade e a
vergonha, por sua vez. Estas virtudes estavam intimamente dependentes da
piedade, já que "es en el sexo feminino preferente virtud la de la piedad, y por su
propia naturaleza más inclinado a la devoción que el sexo masculino..."21
Cristina tem outra visão da castidade. Manter-se virgem ou casta,
fechando-se em seu próprio corpo sem ter relações sexuais com seu marido ou
amante era um estilo de vida capaz de trazer para as mulheres um encontro
consigo mesmas, um único modo de libertar as mulheres das amarras dos
deveres conjugais e de tudo que a vida tinha para lhes oferecer em forma de
prisão, como os sofrimentos recorrentes das gravidezes e dos partos, além da
submissão que se esperava de uma mulher mesmo quando o marido fosse
violento, algo que era muito comum nesta época em que os homens tinham
autoridade e plenos poderes sobre as mulheres. Ela também recomenda que as
mulheres casadas não se sintam menos dignas que as virgens, por estarem
submetidas aos seus maridos, “porque o interesse próprio nem sempre reside em
ser livre”22
Para Cristina de Pizán, a castidade é uma virtude feminina soberana, por
isso ela citou em sua obra muitas mulheres que preferiram a morte a renunciar a
pureza citando exemplos bíblicos.
Quanto ao tema da possível inconstância feminina, que Cristina declarou
ser mais um ponto utilizado como argumentação por aqueles que atacavam as
mulheres, Retidão responde relembrando a inconstância de diversos imperadores
romanos, como Nero, que praticaram todos os tipos de vícios, inclinando-se a
loucura e crueldade. Nossa autora chegou a fazer uma pequena menção à
conduta eclesiástica, num tom crítico.
21
L. VIVES, Formación (1089) apud. ______________________, A educação feminina. Entre as funções
conjugais, o governo da casa e as práticas espirituais. (on line)
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/artigo9671.PDF >(Acessado em 10/10/2008)
22
PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela, 2001 p.273 (tradução nossa)
Cristina alegou que muitos atacavam
as mulheres dizendo que eram
inconstantes, no entanto, eles não lembravam que eram poucas as mulheres
perversas encontradas nos escritos, sendo que os exemplos masculinos de
crueldade abundavam na história mais do que os femininos.
Ao final da segunda parte do livro Cristina deteve-se em descrever o
imenso amor que as mulheres carregam consigo23. Menciona o amor de Dido, de
Medea, Thisbe, Hero, Ghismonda, Lisabetta; mulheres que sofreram, choraram e
morreram por amor; mais modelos de boa conduta feminina. Ela confirmou
também a generosidade nata como mais uma virtude feminina, mulheres que
deram suas riquezas para ajudar os necessitados.
Na seqüência de seu texto, Cristina convocou as damas de seu tempo
para que povoassem a mais nova cidade recém fundada, a Cidade das Damas:
convidou Isabela da Bavaria, a rainha da França; a Duquesa de Berry;
Valentina Visconti, a duquesa de Órleans; a Condessa de Clermont, entre
outras personalidades de suas época. Cristina pretendia confirmar o sucesso
de seu trabalho de construção de um novo pensamento sobre a mulher e para
isso ela pedia auxilio das personagens femininas mais importantes de seu
tempo.
Ao fim da segunda parte do livro, Cristina declara que a Cidade das
Damas está finalizada e pronta para ser povoada. Dirigindo-se às mulheres de
todas as condições, que amaram, amam ou amarão a virtude e a sabedoria,
sua cidade não se situou em um tempo ou um lugar, ela era eterna, existiria
enquanto houvessem pessoas que tivessem acesso ao seu livro, à escrita
Finalmente, na última parte de seu livro Justiça, que iria fortificar a cidade
guiou Cristina. Maria, Mãe de Jesus Cristo foi coroada como rainha e as
escolhidas para figurarem como imperatrizes foram Maria Madalena e as irmãs
de Maria. Neste momento também foram escolhidas as intercessoras que
seriam as santas mártires.
23
Ibid. p.225-240
Dedicada a vida contemplativa, nesta última parte do livro Cristina
apresenta as santas como mulheres independentes e auto-suficientes, mulheres
que só se casaram com Deus rejeitando a submissão ao sexo masculino. A ela
não interessava o travestismo, ela não queria que as mulheres de sua Cidade se
vestissem ou se portassem como homens e sim que elas aparentassem o que
eram realmente, mulheres. “A mulher deveria se apropriar deste mundo sem
deixar de ser mulher, só assim teria mérito. Essa é uma das extraordinárias lições
de nossa autora”.24
Embora ela também faça referências às mulheres que amavam e
auxiliavam seus maridos é a castidade que significava para as habitantes da
Cidade das Damas tanto força quanto independência. A virgindade era uma
marca de fama e auto-realização das mulheres que fora do jugo matrimonial
renunciaram aos papéis tradicionais de esposas e mães para que vivessem
segundo suas próprias vontades e julgamentos. Balizadas pelo pensamento
cristão não seriam conduzidas ao mau caminho em suas escolhas.
Nossa autora convoca a todos que encarem sua cidade como um refúgio,
uma fortaleza e principalmente como um exemplo de virtudes. Em seguida ela se
dirige a todas as mulheres segundo seu estado civil, casadas, solteira e viúvas, e
vai além desta categorização ela estendeu seu discurso a todos os estamentos
sociais, pedindo-lhes que tomassem cuidado com as armadilhas que pudessem
vir a seduzi-las.
Cristina de Pizán ofereceu seus manuscritos ao duque de Borgonha Juan
Sem Medo e o dedicou ao Duque de Berry, considerando que os primeiros
destinatários, que ajudariam no processo dessa mudança de mentalidade acerca
do papel feminino, seriam os homens. Como explica Razão no princípio do livro,
“O homem é duplamente ingrato: não reconhece a contribuição da mulher ao
progresso da humanidade nem tão pouco o agradece.”25
Reconhecemos que a obra “A Cidade das Damas” tem um grande
significado histórico devido ao contexto em que foi escrito. Cristina foi uma mulher
24
LEMARCHAND- Marie José Introducción in: PIZÁN, Cristina La ciudad de las damas. Madrid: Siruela,
2001 p.48-50
25
Ibid.p.41-44
douta que escreveu, falou e descreveu, enfrentando o tabu de que “as mulheres
não devem falar, porque seus lábios levam os estigmas de Eva cujas palavras
selaram o destino do homem”, como proclamou o Papa Honório III quando
ordenou que os bispos de Valência e Burgos proibíssem a palavra do púlpito às
abadessas.26
Cristina enfrentou o desafio de promover, elevar e levantar como uma
verdadeira fortificação a imagem do corpo feminino saudável e harmonioso, como
fonte inesgotável de confiança. Ela fez com que as mulheres percebessem as
experiências a partir delas mesmas e de seus próprios corpos para que pudessem
argumentar contra as acusações e os estereótipos da incapacidade e da
inferioridade feminina.
26
Ibid. p.51
CONCLUSÃO
Cristina de Pizán foi uma mulher incomum para sua época. Ela se autointitulou a primeira escritora profissional, uma vez que se sustentava, graças à
venda de suas obras, mas Cristina é mais do que isso. Podemos declará-la como
uma pioneira e ainda como uma lutadora, pois ao escrever o livro “A Cidade das
Damas” ela mesma usou sua pena como arma; e arma de defesa.
Ela defendeu o sexo feminino das acusações que vinha sofrendo ao longo
de centenas de anos e apontou as causas culturais para as diferenças de
papéis de homens e mulheres na sociedade.
Cristina vislumbrou com firmeza e segurança uma utopia, um espaço
próprio para as mulheres e reivindicou uma genealogia de mulheres valorosas e
de qualidades excelentes ao longo da história. Seu livro adotou uma forma
alegórica e dialógica, com a presença de três personagens femininas, a Razão,
a Retidão e a Justiça, que aparecem para Cristina e lhe propõem a construção
de uma cidade para as mulheres. Os materiais e as defesas desta cidade
imaginária são as próprias mulheres excelentes. Como diz Maureen Quilligan,
trata-se de uma verdadeira alegoria da autoridade feminina, que permitiu a
Cristina de Pizán revisar a história e ir incorporando todas as figuras femininas,
desde as amazonas e outras personagens mitológicas até princesas e grandes
damas da França, suas contemporâneas, passando pelas Sibilas, as mulheres
ilustres e fortes da Antigüidade, as mártires, entre tantas outras.
Cristina de Pizán saiu do lugar que lhe era destinado dentro da sociedade
para mover-se em um meio masculino. Primeiro quando pleiteou seus direitos e
tentou recuperar seus bens, sem sucesso, decidiu escrever como forma de
sustentar sua família. Continuou assim entre homens, devido ao fato das letras,
assim como o direito, serem domínios masculinos por excelência no Medievo. A
vida e a obra dessa mulher explicam-se mutuamente, pois suas experiências
pessoais, a dificuldade enfrentada quando ficou viúva, bem como o feito de
enfrentar o mundo masculino e trabalhar nesse meio, a levaram a refletir sobre a
situação de inferioridade e subordinação das mulheres na sociedade levando-a a
questionar o porquê dos constantes ataques de homens renomados como Ovídio
e Boccaccio. Usando sua pena como arma, ousou defender suas “irmãs de
condição”, fazendo dessa defesa tema de sua obra.
Sua cidade-refúgio é seu próprio livro que faz com que mulheres de
diferentes religiões, épocas e etnias possam comungar seu pensamento
transhistórico. Ele não está no passado ou no futuro longínquo. A realidade de sua
utopia consiste na grande verdade de que enquanto houver pessoas com acesso
ao seu livro a cidade das damas servirá novamente de abrigo, pois ela contém os
exemplos perfeitos para que todos tenham como modelo a conduta daquelas que
serviram como pedras de construção e das suas nobres habitantes.
Cristina de Pizán soube mover-se entre os limites que foram impostos a seu
sexo.Graças a sua educação privilegiada ela conseguiu tornar-se uma escritora
prestigiada e mais do que isso ela conseguiu fazer com que ouvissem sua voz no
domínio literário, este que era um reduto exclusivamente masculino em sua época.
Cristina de Pizán não apenas escreveu, mas precisava escrever, uma vez
que foi da venda de seus livros que dependeu o sustento de sua família, já que ela
perdeu sua herança quando o marido morreu, fazendo assim de sua capacidade
intelectual, sua ferramenta profissional. Ela precisou se “aventurar” neste mundo
de dominação masculina, legitimando a experiência das mulheres, suas
expressões artísticas e intelectuais através do seu livro “A Cidade das Damas”.
Mesmo quando ela propôs a obediência feminina como uma virtude, ela
também pregou uma ruptura dentro dessa relação de submissão quando ao
insistir no direito da mulher ter o mesmo nível de educação dos homens. Ela não
defendia homens e mulheres fossem iguais, reconhecendo que Deus os fez para
diferentes funções, mas defender a honra feminina, pois nada que Deus pudesse
ter feito poderia ser assim tão mal como diziam os detratores das mulheres.
Defendendo o direito das mulheres à palavra, a autora procurou
restabelecer o sentimento de confiança no sexo feminino e combater idéias
correntes na época.
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