encontros teológicos 63

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encontros teológicos 63
Faculdade Católica de Santa Catarina – FACASC
Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC
ISSN 1415-4471
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FUNDAÇÃO DOM JAIME DE BARROS CÂMARA
FACULDADE CATÓLICA DE SANTA CATARINA – FACASC
INSTITUTO TEOLÓGICO DE SANTA CATARINA – ITESC
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Encontros Teológicos. Revista da Faculdade Católica de Santa Catarina – FACASC e do Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC, n. 63, Florianópolis,
2012.
Quadrimestral ISSN 1415-4471
I. Instituto Teológico de Santa Catarina
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ENCONTROS TEOLÓGICOS
Revista quadrimestral fundada em 1986
Diretor: Elias Wolff
Editor: Vitor Galdino Feller
Redator: Ney Brasil Pereira
Conselho Editorial:
Celso Loraschi – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Domingos Nandi – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Edinei da Rosa Cândido – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Elias Wolff – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
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Luiz Carlos Susin – PUC-RS e ESTEF – Porto Alegre, RS
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Maria de Lourdes Pereira Dias – UFSC – Florianópolis, SC
Marlene Bertoldi – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Ney Brasil Pereira – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
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Valter Maurício Goedert – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Vilmar Adelino Vicente – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
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Luís Inácio Stadelmann SJ – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Márcio Bolda da Silva – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Mari Hammes – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Marta Magda Antunes Machado – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Paulo Cezar da Costa – PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ
Roberto Iunskovski – UNISUL – Florianópolis, SC
Sérgio Rogério Junqueira Azevedo – PUC-PR – Curitiba, PR
Siro Manoel de Oliveira – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Vilson Groh – FACASC/ITESC – Florianópolis, SC
Nota: O autor de cada artigo desta publicação assume a responsabilidade das opiniões que expressa.
Publicação dirigida aos agentes de pastoral das igrejas e aos professores universitários, pesquisadores e alunos nas áreas da Teologia, das Ciências da Religião e Ciências Humanas em geral, com o
objetivo de favorecer a formação religiosa, social e humana, promover o debate e incentivar a troca de
informações sobre temas teológicos, pastorais e sociais.
Sumário
Editorial ....................................................................................................... CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: O protagonismo dos jovens na Igreja
e na Sociedade
Luiz Carlos Dias.......................................................................................................
Jornada Mundial da Juventude: Nova Evangelização em ação
Anísio José Schwirkowski.........................................................................................
Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
Eduardo Pinheiro da Silva........................................................................................ Cultura juvenil
Antonio Ramos do Prado, sdb.................................................................................. A Presença da Igreja no meio universitário
Maria Eugenia LLoris Aguado, FMVD.................................................................... Bíblia e Juventude
Celso Loraschi.......................................................................................................... Poema sobre a juventude na Bíblia: Medidas preventivas contra
a depressão
Luis I. J. Stadelmann, SJ........................................................................................... A força dos jovens na Primeira Carta de João
7
13
37
49
67
81
97
123
Ney Brasil Pereira....................................................................................................
139
Recensões .................................................................................................... 159
Crônicas........................................................................................................ 175
Índice Geral................................................................................................... 187
(Faça uma cópia, caso não queira recortar esta página da revista!)
Editorial
Mais uma vez, e no contexto da espiritualidade quaresmal, a Igreja
católica no Brasil lança a Campanha da Fraternidade, agora com o
tema Fraternidade e Juventude, e o lema “Eis-me aqui, envia-me!” (Is
6,5). Tema e lema da CF 2013 estão sintonizados na realização dos objetivos desta Campanha: possibilitar uma sincera acolhida aos jovens,
propiciando caminhos para seu protagonismo no seguimento de Jesus
Cristo, na vivência eclesial e na construção de uma sociedade fraterna
fundamentada na cultura da vida, da justiça e da paz.
Do objetivo geral desdobram-se três objetivos específicos:
1. propiciar aos jovens um encontro pessoal com Jesus Cristo, a
fim de contribuir para sua vocação de discípulo missionário
e para a elaboração de seu projeto pessoal de vida;
2. possibilitar aos jovens uma participação ativa na comunidade
eclesial, que lhes seja apoio e sustento em sua caminhada, a
fim de que eles possam contribuir com seus dons e talentos;
3. sensibilizar os jovens para serem agentes transformadores
da sociedade, protagonistas da civilização do amor e do bem
comum.
Isso nos conduz à reflexão sobre o modo de ser jovem, na Igreja
e na sociedade. Impele-nos à construção de uma Igreja jovem, que
assuma efetivamente um processo de nova evangelização da/com a
juventude.
A compreensão de “juventude” tem origem histórica e apresenta
variações na forma e no conteúdo, seja com relação aos “jovens” do
passado e, certamente, também do futuro. “Juventude”, como hoje
entendida, é uma forma de comportamento resultante de uma realidade
conjuntural, associada à formação da sociedade industrial moderna.
Não é que, estritamente, não houvesse juventude antes, mas sua construção obedecia a um modelo social diferente, com compreensão também
diferente em relação à de hoje.
Além das múltiplas compreensões no tempo, a juventude possui
também múltiplos rostos. Exatamente nisso está a sua diversidade de
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Editorial
significados. Não existe uma realidade juvenil única. Por isso falamos
hoje de “juventudes”, com diferentes expressões nos grupos, comunidades, setores da sociedade, tribos... Embora “ser jovem” implique
uma série de características comuns aos que têm a mesma idade, é
uma experiência altamente diferenciada entre os próprios jovens,
por fatores socioeconômicos, religiosos, geográficos, étnicos, de
gênero etc. São muito diferentes os rostos de jovens economicamente
abastados, dos rostos de jovens desempregados ou dos que vivem no
subemprego; são diferentes os rostos de jovens estudantes universitários situados nas grandes cidades, com esperanças no futuro, dos
rostos cansados de jovens indígenas e camponeses que vivem sem
expectativas no presente e no futuro. Temos rostos jovens moldados
pelo poder das mídias, computadorizados, imagens do faceboock, e
jovens analfabetos digitais. Diferem, também, o rosto dos jovens com
dependência química, dos que sofrem situações de violência ou se
tornaram violentos no submundo do tráfico e das injustiças; jovens
com rostos moldados pela academia e pelas clínicas de estética, e
jovens portadores de deficiências físicas; jovens com rosto de dor
pela ausência da fé e da esperança, e jovens que expressam, em suas
canções e seus hábitos, convicções acerca do futuro em Deus e de
uma sociedade de paz, de justiça e de fraternidade...
A realidade plural do mundo jovem faz da juventude uma experiência distinta para cada pessoa. Ser jovem é algo próprio e diferente,
originando diversos estilos que dão conta de experiências diferenciadas,
expressas mediante a construção de estilos de vida. Há subculturas
juvenis, heterogêneas entre si. No interior de cada um destes microuniversos jovens, diversas manifestações simbólicas são reordenadas e
recontextualizadas, resultando na construção de um estilo juvenil próprio, que se expressa na linguagem, na arte, no consumo e criação dos
bens, na estética, na sexualidade, numa religião. Por essas expressões,
o jovem de hoje – como em outras épocas – busca dizer quem ele é e a
que grupo pertence.
Muitas expressões do mundo jovem, além de manifestar a própria identidade, apresentam também resistências frente à realidade de
um mundo globalizado que uniformiza o comportamento das pessoas.
A apropriação de certos espaços geográficos e culturais (verdadeiros
territórios juvenis), como também a ação dos “grafitti” – onde os jovens
marcam seus territórios – são afirmações de identidade, manifestação
de sentimentos pessoais ou do grupo. Neste sentido entendem-se também
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Editorial
a apropriação do próprio corpo e a inscrição do selo distintivo pelas
perfurações corporais (piercings) e tatuagens (tatoo), como a fala de
verdadeiros grupos tribais.
Estas formas de ser jovem se configuram e são orientadas pelos
relacionamentos que envolvem a subjetividade, os afetos, as emoções
e os anseios profundos de cada um, com tendências a colocar em
segundo plano as construções marcadas pela racionalidade. Os vínculos afetivo-emocional da vida tribal, coletiva, com características
comunitárias, buscam compensar a atomização e a desagregação
das relações sociais.
Uma compreensão ampla das juventudes dos nossos dias só é
possível no horizonte amplo da realidade sócio-cultural em que vivemos,
conhecida como “época de mudanças e mudança de época”. Nas sociedades antigas existiam linhas que marcavam exatamente o momento de
transição da juventude para a idade adulta – nas sociedades arcaicas,
os rituais de circuncisão; mais tarde, o casamento e o início do trabalho
eram momentos-chaves para adquirir a condição de adulto. Atualmente,
as linhas que marcam as fronteiras entre a juventude e a idade adulta
são mais vagas, e os jovens consideram a vida cada vez mais como algo
instável, flutuante, descontínuo e reversível.
Na época em que vivemos, as culturas deixaram de ser corpos
compactos e homogêneos. Hoje vale o que se chama de “culturas híbridas”, onde convivem manifestações diversas e – às vezes – contrapostas,
num mesmo espaço, não sem tensões na construção das identidades. A
sociedade atual não mais vive de acordo com padrões preestabelecidos
(em grande medida lineares e determinados de fora), mas percorre diversos caminhos, por vezes em conflitos. Além disso, não estamos numa
sociedade de conquistas permanentes; os estudos já não são para toda
a vida; o trabalho é instável e dificilmente único; o espaço social onde
se morou sempre, já não se projeta até a morte, entre outras características. Há também o paradoxo de um avanço incomensurável em redes
de comunicação, mas, ao mesmo tempo, de grandes cidades povoadas
por anônimos.
No marco destas profundas mudanças, que não só afetam mas
que possibilitam um protagonismo diferente das juventudes, é possível
fazer duas observações:
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Editorial
1. Hoje os limites demográficos para definir a juventude estão
em questão. A compreensão de que o jovem é aquela pessoa
que tem entre 15 e 24 anos parece superada. A idade deixou
de ser um parâmetro fundamental que distingue socialmente
uma fase de outra, e ganha cada vez mais importância o fator de “passagem” ou “trânsito”. Hoje resulta fundamental
concentrar-se nas transições, já que estas, em si mesmas,
são inerentes ao jovem e não as idades, que podem variar
e variam significativamente. E dentro do conjunto amplo
de transições, duas delas são as principais: a passagem
da educação para o trabalho e a passagem da família de
origem para uma outra.
2. Numa realidade de ausência de itinerários lineares, as
transições facilmente podem sobrepor-se. A sobreposição
de diferentes fases da vida é hoje um dado majoritário: ser
estudante e ter responsabilidades como pai ou mãe, porém
vivendo na casa paterna, é cada vez mais freqüente. Como
também o trabalhar e seguir estudando, porém dependendo
dos pais. Um claro paradoxo da sociedade atual consiste
em encurtar a infância, mas alargar a adolescência. Hoje
incita-se as crianças a terem prematuramente comportamentos adolescentes, gerando neles uma precocidade que
não é sinônimo de maturidade. A criança é tratada como
adolescente. Por outro lado, tem-se o filho de quase 30
anos, que estuda ou que não tem trabalho, mas que se
sente despreparado para cortar o cordão umbilical e/ou
simplesmente não quer deixar, ainda, as comodidades do
lar familiar.
E há a questão da religiosidade, ou religiosidades, das juventudes dos nossos tempos. Como é característico à época em que
vivemos, também para as juventudes a pertença a um credo ou comunidade religiosa específica não é tão pertinente. À questão “como
as juventudes se relacionam com a religião?” leva-nos à constatação
de que os jovens, em sua maioria absoluta, são “jovens religiosos
sem religião”. Não se manifestam como ateus ou agnósticos. Mas
também não vinculam sua experiência religiosa à pertença a uma
comunidade específica.
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Nesse contexto, emergem inúmeras questões: como construir
uma sociedade de valores humanos e religiosos, onde a diferença
e a singularidade encontrem seu espaço? Como conseguir uma sociedade aberta para o global, mas que respeite a dimensão local?
Como orientar o desenvolvimento das capacidades para competir no
mundo de trabalho, sem desconsiderar a preocupação pela igualdade
de oportunidades? Como obter equivalência entre o desenvolvimento
material e o espiritual das pessoas?
Para a Igreja, essas questões se resumem em uma: o que é e
como evangelizar? Paulo VI, na sua Exortação apostólica “Evangelii
Nuntiandi”, de 1975, convida-nos a voltar o olhar especial para a juventude, uma população que cresce rapidamente, principalmente nos
centros urbanos, apresentando-lhe o Evangelho com zelo e cuidado.
Entende que a cultura juvenil sempre é aberta ao novo e à verdade.
Já na Carta Apostólica “Octogesima adveniens”, de 1971, o mesmo
Papa, preocupado com a cultura urbana dos jovens no mundo industrial, pergunta “qual seria o lugar dos jovens na mutação industrial
e qual seria o seu papel na transformação social”( n.13). Percebe-se
que a preocupação de Paulo VI era a dignidade da pessoa do jovem
e a valorização da cultura juvenil. Pois sabia que a juventude era
portadora de aspirações, de renovação e, também, de inseguranças
quanto ao futuro.
Na América Latina, os bispos reunidos na Conferência de Puebla (1979) proclamaram uma “opção preferencial pela juventude”.
Opção continuada nas Conferências posteriores. E no caminho de
sensibilização da relação entre Igreja e juventudes, vai também a
Igreja no Brasil, como o demonstra a CF 2013. O fundamental não
é falar do Evangelho ou fazer coias “para” os jovens. Mas torná-los
protagonistas da própria evangelização. É isso que a CF 2013 quer
favorecer. Trata-se de uma evangelização integral, do jovem e do seu
meio, de todos os jovens e do jovem como um todo.
A revista Encontros Teológicos vem, neste número, dar a sua contribuição para que a CF 2013 seja de fato acolhida e vivida em nossas
comunidades. Para isso oferece aos seus leitores reflexões consistentes
sobre temas relativos às juventudes. Luiz Carlos Dias apresenta a CF
2013 “Fraternidade e Juventude – O protagonismo dos jovens na Igreja e
na Sociedade”; Anísio José Schwirkowski trata sobre a “Jornada Mundial da Juventude – Nova Evangelização em ação”; Eduardo Pinheiro
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da Silva reflete sobre “Espiritualidade Juvenil – A alegria de ser firme
na Fé”; Antonio Ramos do Prado, apresenta um significativo estudo
da “Cultura Juvenil Urbana”; Maria Eugenia LLoris Aguado mostra
“ Presença da Igreja no meio universitário”; Celso Loraschi relaciona
“Bíblia e Juventude”; Luis I. J. Stadelmann, nos escreve o “Poema sobre
a juventude na Bíblia – Medidas preventivas contra a depressão”. Ney
Brasil Pereira analisa em que consiste “A força dos jovens – na primeira
carta de João” Temos, ainda, Recensões e Crônicas.
Elias Wolff
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Resumo: A CF-2013 integra o conjunto dos esforços da Igreja para evangelizar a
juventude. A maneira de ser jovem tem evoluído historicamente desde o começa
da sociedade industrial, caracterizada especialmente por fatores econômicos.
Nesse contexto, o/a jovem é entendido em seus estágios de formação e de passagem da dependência familiar para a autonomia e inserção social. A presente
mudança de época na qual vivemos, distancia-se dos paradigmas tradicionais
de compreensão da juventude, especialmente por causa das novas tecnologias,
da ciência e da cultura mediática. O jovem vem tornando-se muito vulnerável a
todo tipo de influências culturais, econômicas, morais e religiosas. Essa situação,
junto com as desigualdades sociais, desafia a ação evangelizadora da Igreja
em relação aos jovens. A evangelização deve ser capaz de guiar o jovem em
sua busca de sentido. Somente dessa maneira o jovem será confirmado em
seu papel de protagonista na Igreja e na Sociedade.
Abstract: The 2013 Fraternity Campaign integrates the whole of the efforts of the
Church in order to evangelize the youth. The way of being young is developed
historically since the starting of the industrial society, characterized mainly by
economical factors. In this context, the young man/woman is understood in his/her
stages of formation and of passage from the familiar dependency to the social
autonomy and insertion. The present epochal change in which we all live, cuts
from the traditional paradigms of understanding the youth, especially because
of the new technologies, the science and the mediatic culture. The young become highly vulnerable to every type of cultural, economic, moral and religious
influences. This situation, together with the social inequalities, challenges the
evangelizing action of the Church in regard to the young. The evangelization
must be capable of guiding the young in searching of sense. Only in this way the
young man/woman is confirmed as a protagonist in Church and Society.
CF 2013 “Fraternidade e Juventude”
O protagonismo dos jovens na Igreja
e na Sociedade
Luiz Carlos Dias*
*
O autor é presbítero da diocese de São João da Boa Vista, SP, e Secretário Executivo
das Campanhas da Fraternidade e Evangelização, da CNBB.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012, p. 13-35.
CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
Introdução
Diversas vezes ouvimos dos ministros ordenados e dos agentes de
pastoral a seguinte expressão: “Trabalhar com jovens é muito difícil!”
Esta frase deixa entrever uma série de desafios que devem ser enfrentados
por aqueles que se empenham nesta pastoral. Contudo, tais desafios não
podem ser compreendidos como impossibilidade ou motivos para desistência do anúncio e do serviço aos jovens. Na verdade, eles requerem um
esmerado esforço de nossa parte, a fim de compreender o mundo juvenil
e as profundas mudanças culturais que o envolvem.
Sabemos que a evangelização requer um amor redobrado e este,
por sua vez, requer conhecimento. Ninguém pode amar verdadeiramente
o que não conhece bem (cf. IJo 2,5-6). Por isso, o mundo juvenil, antes
de tudo, deve se apresentar a nós como uma fonte inesgotável de conhecimentos. E o conhecimento que daí se pode obter é sempre dialético.
Quando nos aproximamos dos jovens para conhecê-los, estamos
simultaneamente conhecendo e reconhecendo a nós mesmos. Isto, porque
todos experimentam o que é a juventude como uma fase da evolução do
ser humano e como um estado de espírito, que permanece dentro de nós
como força geradora de vida e esperança.
Também não podemos nos esquecer de que toda e qualquer
realidade pode ser evangelizada. A nossa fé nos impele a este anúncio,
pois “o amor de Cristo é que nos impulsiona” (2Cor 5,14). É o Espírito
Santo, Amor do Pai e do Filho, que infunde em nós um autêntico desejo
missionário de fazer Cristo conhecido, amado e adorado. Por isso, “sem
perdermos a coragem e renovando o nosso ser interior a cada dia” (2Cor
4,16), devemos à luz da fé nos esforçar para compreender o mundo atual
e o fenômeno juvenil, servindo-nos também das ciências modernas,
sobretudo das ciências sociais, e aprofundando as questões que se nos
impõem sob a guia da Sagrada Escritura e da Tradição da Igreja. Assim,
poderemos oferecer linhas e pistas de ação que contribuam eficazmente
para o serviço do Evangelho.
Neste sentido, a Igreja no Brasil, com a Campanha da Fraternidade
2013, deseja propiciar uma sincera acolhida aos jovens, propiciando
caminhos para seu protagonismo no seguimento de Jesus Cristo, na vivência eclesial e na construção de uma sociedade fraterna fundamentada
na cultura da vida, da justiça e da paz. Do objetivo geral, desdobram-se
três objetivos específicos fundamentais:
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Luiz Carlos Dias
Propiciar aos jovens um encontro pessoal com Jesus Cristo, a fim de contribuir para sua vocação de discípulos missionários e para a elaboração
de seu projeto pessoal de vida; possibilitar aos jovens uma participação
ativa na comunidade eclesial, que lhes seja apoio e sustento em sua
caminhada, para que eles possam contribuir com seus dons e talentos; e
sensibilizar os jovens para serem agentes transformadores da sociedade,
protagonistas da civilização do amor e do bem comum.1
A Igreja possui uma longa caminhada de experiências com a
juventude2. Basta recordar os movimentos lidados à Ação Católica
Especializada (JAC, JEC, JOC, JIC e JUC). Como grande educadora e
“mestra em humanidades”3, sempre fomentou e apoiou as iniciativas de
formação juvenil e defendeu a dignidade e a importância do jovem. É
devido a este imenso arcabouço de experiências e conhecimentos, que
a Igreja quer falar ao coração de cada jovem e convidá-lo a se abrir ao
encontro pessoal e profundo com Jesus Cristo, que pode dar verdadeiro
significado à nossa existência.
Para que este desejo se realize de modo eficaz, a Igreja no Brasil
se vê empenhada nesta tarefa e conclama especialmente o clero, os religiosos, os catequistas, os seminaristas e agentes pastorais, a assumirem
com o coração a opção preferencial pelos jovens e pelos pobres,4 para
que resplandeça cada vez, mais num mundo dilacerado por discórdias,
a luz de Cristo Ressuscitado, Senhor da História.
Tendo como embasamento o Texto Base da CF 2013, cujo tema
é “Fraternidade e Juventude” e lema “Eis-me aqui, envia-me!” (Is 6,5),
queremos com o presente artigo traçar algumas indicações e referencias
úteis ao serviço pastoral e que possam remeter os agentes a um aprofundamento dessas indicações nas fontes da fé cristã.
Este artigo se divide em três seções: na primeira, através de uma
mediação sócio-analítica, será considerada uma análise do fenômeno
juvenil e sequencialmente a análise se estenderá a uma reflexão fundamentada na categoria de “protagonismo juvenil” na sociedade; na terceira
seção será abordada a mediação hermenêutica, que procurará julgar os
dados da análise sócio-histórica a partir dos princípios da fé cristã, para
1
CNBB, Texto Base CF 2013. n. 1.
2
Cf. Idem, n. 78-79.
3
Cf. JOÃO PAULO II, Carta Apostólica “O Rápido desenvolvimento”. Vaticano. 25 de
janeiro de 2005, n. 10.
4
CELAM, Conferência de Puebla. Petrópolis, R. J., 1979, n. 1186.
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CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
que, como mediação prática, sejam delineadas algumas indicações importantes às ações pastorais, a fim de fomentar o protagonismo jovem
nas comunidades eclesiais.
1 O “fenômeno juvenil”
1.1 A constituição histórica do segmento
adolescente-juvenil
A constituição de uma classe adolescente-juvenil do ponto de
vista sociológico somente pôde ser identificada em meados do século
XX. E tratou-se de um fenômeno de abrangência mundial, com ampla
e importante incidência nas sociedades contemporâneas, pois a cultura
juvenil adquiriu caráter central em nossa sociedade.
Com a emergência das novas formas de marketing capitalista nos
EUA, em meados da década de 1940, a categoria social “jovem” começou a ser explorada por publicitários e industriais, que compreenderam
o poder de consumo dos adolescentes.5 Os jovens entraram no cenário
das reflexões e se tornaram um público-alvo. O que também significava
que eles tinham se transformado num grupo etário específico, com rituais,
direitos e exigências próprias.
A convergência de forças na década de 1960 viabilizou e concretizou o borbulhar de novas formas de subjetivação juvenil, que passou
a se compreender e se colocar no mundo como sujeito de direitos e
deveres, concluindo assim o processo iniciado em meados do século
XIX. Os movimentos estudantis apresentavam-se organizados e bastante
politizados em diversos países ocidentais. A juventude sentia-se impulsionada a manifestar seus desejos e anseios, procurando viver segundo
suas próprias regras, situação que provocou grave conflito de gerações
e a produção de novas maneiras de ser e estar no mundo.
Nesse sentido, o “Maio de 68” significou a independência da
juventude da tutela do mundo adulto, tomando em suas mãos o poder
sobre si. Seu quotidiano, modificado por suas práticas juvenis, gerou
novos modos de existência e a nova cultura juvenil das últimas décadas.
5
16
A constante exposição do jovem com suas peculiaridades nos meios de comunicação
foi um dos principais fatores para a sua configuração como categoria social. Conf.
BORELLI, S. H. S.; ROCHA, R. M.; OLIVEIRA, R. C. A. (Coords). Jovens na cena
metropolitana. São Paulo, Ed. Paulinas, 1ª Edição, 2009, p. 151.
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Luiz Carlos Dias
A Paris de 1968 foi o marco do movimento que eclodiu em várias partes
do mundo. Nos EUA, Woodstock marcou a emergência da cultura Hippie
numa luta pacífica contra o militarismo, o consumismo e a degradação
ambiental. Este movimento ganhou força no Brasil nos anos 70, fazendo
engrossar as fileiras daqueles que lutaram contra a ditadura militar e seu
modelo repressor.
A cultura juvenil, impulsionada pelo crescente capitalismo
selvagem e o marketing desenfreado, a buscar sempre mercados fiéis,
tem avançado em nossas sociedades ocidentais. O jovem é o objeto
de consumo cobiçado pelo mercado capitalista. É esta relação de consumo que alimenta a cultura juvenil, utilizando no marketing aquilo
que os jovens gostam e fazem: sua música, suas roupas, sua estética,
sua linguagem etc.
1.2 A juventude e suas abordagens
O reconhecimento da juventude como uma espécie de classe
social�������������������������������������������������������������������
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produtora de uma cultura própria���������������������������������
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conferiu relevância a este segmento no contexto da sociedade. Logo surgiram algumas perspectivas
de abordagens desta realidade, sobressaindo duas em particular: etapa
problemática e fase preparatória para a vida.
A leitura da juventude sob o viés de etapa problemática associa
o estrato juvenil da sociedade à ideia de liberdade, prazer, energia inesgotável, agitação, adrenalina, drogadição6, comportamentos exóticos,
de risco ou sem limites. Entende que o ser humano vive o período
da juventude como um tempo de experimentações, que, associadas
à irresponsabilidade, rebeldia e contestação, tornam este momento
propício a inúmeros erros. Assim, esta abordagem vincula a juventude
às questões da desordem social e, consequentemente, à implantação de
ações de controle social tutelar e repressivo pela sociedade, por meio
dos poderes públicos.
6
Drogadição ou Toxicodependência é termo genérico criado para designar toda e
qualquer modalidade de vício bioquímico por parte de um ser humano ou a alguma droga (substância química) ou à superveniente interação entre drogas (substâncias químicas), causada ou precipitada por complexo de fatores genéticos, bio-farmacológicos
e sociais, incluídos os econômico-políticos (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/>.
Acesso em 06 de junho de 2012).
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
17
CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
A compreensão da juventude como fase preparatória, inscreve-se
no que os estudiosos denominam de moratória social.7 Esta moratória
implica esforços da família e da escola na preparação dos jovens, para a
vida adulta e integração no convívio social e produtivo. Nesta ótica, após
a preparação juvenil, caberia aos jovens assumir papéis da vida adulta
percorrendo etapas: trabalhador, chefe de família, pai/mãe.
Abordagem típica de um período que passava às pessoas a sensação de uma realidade estável, e esta projetava um processo evolutivo
ideal e linear para o ser humano: primeiramente, o processo de formação
escolar; em seguida, viriam paulatinamente as primeiras experiência
afetivo-sexuais, a posterior entrada no mercado de trabalho, saída da
casa dos pais, casamento e domicílio próprio. Chegando a este último
ponto, alcançaria a estabilidade de vida, que nossa época de mudanças
deixou para trás. Aqueles cuja história de vida não apresentassem essa
trajetória, seriam taxados de desajustados, pois apresentavam problema
de socialização.8 Todas estas definições são produtos culturais e podem
incorrer em contradições que se fazem presentes na história. Por isso,
ao generalizar, incorre-se no perigo do esquecimento de elementos
diferenciadores no universo das juventudes, e as projeções podem ser
18
7
O termo moratória social foi cunhado por Erik Erikson no fim da década de 1950 e atualizado décadas depois por Mario Margulis e Marcelo Urresti (MARGULIS; URRESTI,
1996). Embora a extensão e as características desta moratória variem bastante segundo
as diferenças de classe social, gênero e geração, trata-se de uma noção útil para apreender a especificidade da juventude. Na sociologia da juventude, a ideia de moratória
social associa-se às transformações ocorridas desde o início do século XX, no modelo
de socialização dominante na Europa ocidental, sobretudo entre as famílias burguesas.
Antes, os jovens eram socializados em meio a outras gerações, sendo treinados para a
vida em contato direto com o universo adulto; nesse contexto, os jovens, diluídos entre
outros grupos etários, não formavam uma categoria sociologicamente diferenciada.
Posteriormente, no entanto, passaram a ser afastados da vida social e segregados em
escolas com o objetivo de aprender as normas e regras da vida em sociedade. A partir
de então, começam a se estruturar como uma categoria social específica (GOTTLIE;
REEVES, 1968; GALLAND, 1997). Mantidos fora do sistema produtivo, os jovens passam
a viver uma moratória, ou seja, ficam suspensos da vida social. Em certo sentido, este
período representa uma oportunidade para o ensaio e o erro, para experimentações,
durante o qual o jovem “constrói progressivamente sua identidade social e profissional
e tenta fazer coincidi-la com um status acreditável” (GALLAND, 1996, p. 74). De outra
parte, este processo também coloca os jovens em uma situação de alijamento dos
processos de decisão e criação do social e, no limite, de marginalidade. In. Org. Jorge
Abraão de Castro, Luseni Maria C. de Aquino e Carla Coelho e Andrade. Juventude e
políticas públicas no Brasil. Brasília, IPEA, 2009, p. 26.
8
Org. Jorge Abraão de Castro, Luseni Maria C. de Aquino e Carla Coelho e Andrade.
Juventude e políticas públicas no Brasil. Brasília, IPEA. 2009, pp. 25-26.
Encontros Teológicos nº 63
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Luiz Carlos Dias
tanto positivas como negativas. Diante disso, alguns mitos9 nasceram na
concepção de juventude:
1. Mito da juventude dourada – liga a juventude com o tempo
livre, o ócio, o cultivo do corpo, beneficiário da “moratória
social”. Os jovens são entendidos como despreocupados e só
se mobilizam segundo seus próprios interesses. Esta visão se
encontra nos meios de comunicação, os quais comercializam
a “juvenização”.
2. Mito da juventude cinza – entende que os jovens de hoje
seriam depositários dos males da sociedade como: competitividade, lógica do lucro, do cinismo, do espetáculo. Também:
suspeitos, especialmente os jovens das periferias; politicamente
apáticos; seres virtuais, sempre “navegando”, isolados do
mundo e de seus problemas e injustiças.
3. Mito da juventude branca – menos antropocêntricos, estes
jovens seriam vistos como personagens maravilhosos e puros,
portadores da salvação ao mundo, também em relação à sustentabilidade socioambiental. Estes jovens saberiam contornar
problemas que seus pais não foram capazes de resolver, como
a desigualdade social e o predomínio do racionalismo, sabendo
conjugar ética e estética.
2 A Juventude e a Sociedade
2.1 O impacto da mudança de época
O Texto Base da CF 2013 chama a atenção para a necessária
compreensão do contexto atual, que é uma “mudança de época”.10 Esta
mudança está marcada pelas transformações socioculturais que rompem
com os paradigmas tradicionais, que até então estruturavam a cotidianidade das pessoas.
Os principais conceitos que fundamentavam a visão de mundo
sofreram profundas modificações, chegando mesmo a suscitar certo
desorientamento nas pessoas. Esta mudança de paradigmas é acompa9
10
Teoria da pesquisadora sobre o universo juvenil Cecília Braslavsky. In NOVAES, R.
“Juventude, juventudes – Jovens das classes C e D frente aos dilemas de sua geração”, p. 5. Disponível em: <http://fictv.cultura.gov.br/wp-content/uploads/2008/12/
juventude-juventudes.pdf>. Acesso em 08/06/2012.
Cf. CNBB, Texto Base CF 2013. n. 5.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
19
CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
nhada do acelerado desenvolvimento das tecnologias e da ciência. Neste
quadro, a visão teocêntrica e o universo da fé foram relegados ao campo
da privacy, considerados como estágio infantil da evolução humana.
As novidades trazidas pela revolução tecnológica imprimiu nas
pessoas uma nova maneira de ser, o individualismo ganhou forma, a
lógica do consumo e a ética utilitarista tornaram-se a base de uma sociedade, que não obstante tanto progresso se viu cada vez mais mergulhada
em profundas crises existenciais. A título de exemplo servem-nos as
consequências das grandes guerras mundiais, dos sistemas totalitários,
e do abismo entre uma pequena parte rica e privilegiada e uma grande
parte miserável e oprimida.
O Documento de Aparecida alerta a Igreja da América Latina e
Caribenha a respeito da causa e consequência mais grave desta mudança:
“Vivemos uma mudança de época, e seu nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a concepção integral do ser humano, sua relação com
o mundo e com Deus”.11 Neste quadro, é evidente que uma inevitável
crise de sentido atordoa as pessoas, destruindo suas relações comunitárias e afetivas. A família e a juventude são os grupos mais vulneráveis
atingidos por essa crise.
2.2 A juventude e as desigualdades sociais
O segmento que a sociedade classifica como “juventude”
apresenta uma faixa etária comum12 e compartilha comportamentos e
desejos semelhantes. Mas as condições de vida oferecidas aos jovens
são desiguais.13
Situações socioeconômicas específicas como a renda familiar e o
nível de desenvolvimento do local onde vivem, práticas discriminatórias
e preconceitos ainda vigentes, tais como diferentes exigências advindas
dos papeis/lugares que homens/mulheres ou indivíduos pertencentes a
grupos raciais distintos tradicionalmente ocuparam na sociedade, tudo
11
20
CELAM, Documento de Aparecida. n. 44.
12
A Organização Internacional da Juventude entende que esta fase da vida da pessoa
compreende a faixa etária entre 15 a 24 anos. No Brasil, a lei que criou a Secretaria
Nacional de Juventude, o Conselho Nacional de Juventude e o PROJOVEM (lei 11129
– 30/06/2005), determina o período entre 15 e 29 anos.
13
Obs.: Essa desigualdade é demonstrada por dados estatísticos de um trabalho realizado
pelo IPEA. Org. Jorge Abraão de Castro, Luseni Maria C. de Aquino e Carla Coelho e
Andrade. Juventude e políticas públicas no Brasil. Brasília, IPEA, 2009, pp. 29-34.
Encontros Teológicos nº 63
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isso é determinante para as oportunidades concedidas aos jovens, e para
suas possibilidades futuras.
A desigualdade no universo juvenil é uma das realidades que justifica a expressão “juventudes”, que se tornou usual, pois aponta para a
diversidade de situações e demandas próprias dos jovens, mesmo que
partilhem certas experiências comuns. O Texto Base da CF 2013 elenca
uma série de desigualdades no âmbito social, tais como as desigualdades por renda, nos espaços urbanos, no ensino básico e médio14 e nas
universidades, por raça e cultura.15
2.3 Juventude e a efetivação dos direitos
Diante das atitudes de exclusão, preconceito e opressão, “a juventude se organiza em juventudes”, para buscar a igualdade de condições,
com a valorização da diferença, que é essencial para a manutenção dos
direitos de forma plena e libertadora. O grande desafio é a sociedade
como um todo perceber que as juventudes, como sujeitos de direitos,
devem ser protagonistas na promoção e recepção das políticas públicas
e na fomentação de uma espiritualidade fraterna e coerente.
Mundialmente, as juventudes estão se reafirmando enquanto sujeitos de direitos, com um movimento de contraponto aos modelos sociais e
econômicos estabelecidos e propondo a necessidade de uma nova ordem.
Vão às ruas, as praças, ocupam espaços políticos, redes virtuais e a mídia.
Acontece na Grécia, na Espanha, no Chile, no mundo Árabe, um grande
movimento de inquietação contra a opressão e a tirania.
E no Brasil? Eis um bom momento para somarmos a este coro, e deixar com que brilhe o rosto dos jovens que querem mais vida, especialmente
diante de um contexto marcado por situações violentas, que assassinam
inúmeros jovens e reduzem suas possibilidades no horizonte futuro.
14
Adolescentes de 15 a 17 anos são a maioria entre os brasileiros excluídos da escola,
mesmo fazendo parte da faixa etária que deve ter atendimento obrigatório por lei desde
2009. Estudo realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pela
Campanha Nacional pelo Direito à Educação mostra que esses jovens representam
42% dos 3,7 milhões em idade entre 04 a 19 anos fora da escola, ou um milhão e
quinhentos mil. Disponível em <http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/2012-08-31/
jovens-de-15-a-17-anos-sao-maioria-dos-excluidos-da-escola-brasileira.html>. Acesso
em 01/09/2012.
15
Cf. CNBB, Texto Base CF 2013. Brasília, Edições CNBB, 2012, n. 95-105.
Encontros Teológicos nº 63
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CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
O Texto Base da CF 2013 relembra que, com o debate estimulado
e a participação de jovens na formulação, desde a década de 80 no Brasil,
a implementação e gestão das políticas públicas avançou muito. Alerta,
contudo, “que é necessário aprofundar e qualificar melhor o trabalho
no que diz respeito principalmente à efetivação das políticas públicas
formuladas nos espaços de participação, como as duas Conferencias
Nacionais de Juventude que aconteceram em 2008 e 2011”.16
2.4 O impacto das novas mídias no ambiente
sociocultural
Vivemos num tempo de transições paradigmáticas, no qual a
contemporaneidade inaugura novas formas de pensar, de viver, de
sentir, de se relacionar, ou seja, novos “modos de ser” (novas formas
de subjetividade). Todo este processo é afetado em grande escala pela
tecnociência, na qual se destacam três áreas fundamentais: a informática,
as telecomunicações e as biotecnologias.
A tecnociência teve uma influência importante no processo de
transformação pelo qual passaram vários conceitos, que ao longo do
tempo pareciam firmemente estabelecidos. Essas mutações trazem
consigo ambiguidades nos conceitos e estas, por sua vez, são responsáveis pela crise de muitas instituições que tradicionalmente delineavam
papeis sociais e comportamentos, como a família, a escola e Igreja.
Vemos despontar um novo tipo de sociedade, multicultural, mais
dinâmica, mais globalizada, com maior acesso à informação, com o
sentimento de que o planeta é a “casa de todos” e totalmente dependente
das tecnologias digitais.
A tecnologia da informação e as telecomunicações avançam hoje
num patamar nunca antes imaginado, novas tecnologias tornam-se obsoletas em pouquíssimo tempo. A capacidade de armazenar e transmitir
informações torna-se maior a cada dia, equipamentos multifuncionais
e de grande mobilidade tornam-se mais populares e acessíveis a uma
camada maior da população.
Contexto em que, de todos os grupos sociais, a juventude é quem
primeiro aparece intrinsecamente ligada às novas tecnologias, na medida gradual em que o acesso a essas tecnologias seja universalizado.
16
22
Cf. CNBB, Idem. n. 116.
Encontros Teológicos nº 63
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Ávida por novidades, a juventude é o segmento com maior propensão
a fazer uso da informática e das telecomunicações, a apropriar-se das
suas vastas possibilidades, a promover novas utilizações, a levá-las
à obsolescência ou recriá-las segundo novas necessidades. Mas já se
constitui no instrumento fundamental para que os jovens exerçam o
protagonismo que deles se espera.
2.5 A cultura midiática
Fator importante para a compreensão do universo dos jovens na
atualidade é a cultura midiática,17
“processo comunicacional que se realiza por meio dos chamados Meios
de Comunicação de Massa (Mass Media), jornais, revistas, rádio, televisão, internet, instrumentos utilizados para comunicar, ao mesmo tempo,
uma mensagem a um número maior de pessoas”.18
Os jovens se constituem no segmento social mais adaptado ao
manuseio desta tecnologia, interagem por meio destes instrumentos tecnológicos e pela internet estabelecem redes, cada vez mais importantes no
universo juvenil, pelas quais além de relacionarem-se com outras pessoas,
protagonizam ações de várias naturezas, como sociais e políticas.
As redes sociais se constituem em nova ambiência midiática, na
qual os jovens se interagem com uma linguagem própria e são ouvidos,
vistos, considerados. Esta comunicação é geradora de vida e a “interação
entre as pessoas e a formação de grupos de afinidade possibilita uma
grande porta de acesso a todos, mas especialmente aos jovens, que têm
construído suas relações a partir desses meios”.19 No entanto, não podemos deixar de considerar os riscos da interação virtual, muitas vezes
frágil e superficial. A melhor forma de comunicação e de interação é a
presencial: o face a face entre pessoas não pode ser abandonado, dado
que possibilita um compartilhamento mais significativo e gerador de
compromissos. Igualmente, a eticidade nasce da autêntica alteridade, do
encontro com o outro e de suas interpelações. É preciso proporcionar a
17
Cf. CNBB, Idem. nn. 33-54.
18
CNBB, Idem. n. 33.
19
CNBB, Idem. n. 37.
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23
CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
esta geração hiperconectada a possibilidade de conexões pessoais duradouras e resistentes às crises.20
2.5.1 Um novo modo de relacionar-se
Desta forma, surgem rapidamente novos comportamentos, tendências, estilos de vida e expressões de subjetividade, e torna-se cada
vez mais difícil prever a maneira de comportar dos jovens e dos seus
grupos.
“Eles querem ser autores e participantes dos processos de relacionamento. Em virtude disso, cada vez mais, as pessoas, as empresas, as escolas,
têm deixado modelos hierarquizados, funcionalistas, para valorizar o
ser humano, a gestão do conhecimento, a criatividade, a originalidade
e o talento associados ao respeito, à individualidade e à busca da qualidade de vida, da valorização de si, do próprio corpo, do tempo livre,
da afetividade, da família”.21
2.5.2 As novas gerações diante da sociedade
Atualmente, os jovens dominam as relações de interatividade
pelos novos meios de comunicação, o que lhes confere poder em vários
ambientes, nos quais podem impor algumas mudanças. Em grande parte
das famílias, as novas gerações se autoafirmam perante as mais velhas,
pelo domínio da tecnologia e pelo conhecimento que adquirem. Este fato
pode gerar isolamento dos jovens em uma família, mas também pode
propiciar a manutenção dos laços quando distantes.
Esta tecnologia introduz modificações no modo do aprendizado,
pois a interatividade abre nova perspectiva para pesquisas e contribui
para se adquirir o conhecimento, possibilitando aos estudantes serem
coagentes do processo.
Naturalmente, a amplitude da conexão leva ao contato instantâneo
com o mundo todo e se partilham acontecimentos (i)relevantes ocorridos
em todas as partes do globo. Esse tipo de contato instiga a uma abertura
ao mundo com atitude de solidariedade, pois as redes de comunicação
24
20
Cf. CELAM, Documento de Aparecida. n. 489.
21
CNBB, Idem. n. 40 – 41.
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propiciam maneiras de inserção e contribuição efetiva em campanhas
com diversificados objetivos.
Esse modo de inserção nas dinâmicas sociais, com a magnitude que
ocorre, convida a atitudes mais críticas sobre os acontecimentos e temas
discutidos. Assim, os jovens, mediante as intensas interações pelos meios
de comunicação e novas ambiências midiáticas, protagonizam mudanças
importantes em várias dimensões da sociedade e, por esses meios, têm
oportunidades de atuarem de modo efetivo e edificador.
2.6 As formas de associação juvenis
As condições de vida enfrentadas pelas juventudes lhes impõem
uma série de dificuldades: na aquisição de uma formação adequada; de
inserção no mundo do trabalho; nas relações afetivas, com a fragmentação do núcleo familiar; são os mais afetados pela violência;22 acesso
restrito aos bens culturais da sociedade, não são contemplados com as
devidas políticas públicas.
Primeiramente, está claro que, apesar dos avanços socioeconômicos dos últimos anos, alavancados pela estabilidade econômica,
relativo crescimento e programas sociais do governo, no Brasil ainda
temos gritantes carências sociais que afetam diretamente grande parte
da população e diminuem o horizonte de milhões dentre aqueles que
formam as juventudes brasileiras.
Os números atestam um processo de desigualdade e exclusão na
sociedade, gerando condições desiguais para os jovens, o que praticamente lhes determina postos secundários ou irrelevantes no mercado
de trabalho e nas relações sociopolíticas, dificultando o exercício da
cidadania que se espera de cada um num ambiente democrático. Consequentemente, dificulta-se o “empoderamento” dos seus direitos mediante
ações autônomas e conscientes de forças alhures.
Existe uma lógica opressora no sistema-midiático-cultural, que
gera uma cultura voltada para a dinâmica consumista do atual sistema
de produção neoliberal. A cultura midiática explora a figura do jovem
22
Sobre o tema, o jornalista Gilberto Dimenstein afirmou em recente artigo: “O aumento
vertiginoso do assassinato de jovens no Brasil é apenas um reflexo do que considero
nossa maior bomba social: o abandono da juventude. É um tema que, apesar de todos
os avanços, ainda não está na agenda do brasileiro”. Disponível em: <http://portal.
aprendiz.uol.com.br/2012/07/18/nossa-maior-bomba-social/>. Acesso em 28/7/2012.
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CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
e suas qualidades como meio para sua finalidade comercial. Contribui
para uma espécie de juvenização da cultura, mas por outro lado associa
sua imagem à violência, o que não contribui para que as políticas públicas realmente sejam direcionadas para soluções de problemas reais
das juventudes. O contato dos jovens com esta realidade ocorre desde
muito cedo, nas relações familiares, com reflexos na formação de sua
subjetividade e identidade.
Esse contexto já introduziu modificações mesmo no que se entendia como juventude, tempo de preparação. Hoje, as trajetórias das
pessoas não primam pela linearidade, alguns, logo cedo estão nas labutas
pelo sustento, assumindo trabalhos precários e pouco rentáveis. Outros,
às voltas com relações afetivas que os conduzem a responsabilidades
conjugais e paternas/maternas, para as quais não estão preparados e nem
têm suporte financeiro e, assim, prolongam a permanência na casa dos
pais. Desta forma, o que se entendia por juventude fica no passado.
Deste modo, vemos essas profundas mudanças introduzindo grandes dificuldades para as juventudes, muitas vezes desamparando-as, até
mesmo pelas instituições que se incumbiam do cuidado dos jovens, como
a família e o próprio Estado. Os jovens têm dificuldades de encontrar
espaços para uma sadia sociabilidade e posterior inserção nas estruturas
sociais. Nesse sentido, nem mesmo as escolas podem garantir-lhes algo,
pois a formação secundária não é mais garantia de emprego.
As juventudes se deparam com um futuro que aos seus olhos é
cada vez mais incerto, indefinível e amedrontador. Por isso, se lançam
na vivência do presente sem elaborar grandes projetos, a não ser o que
indica a expressão latina carpe diem.23 E, assim, pode-se entender o
porquê dos índices de drogadição, alcoolismo, prostituição, entre as juventudes. Na tentativa de conceituar este drama dos jovens, já se cunhou
a expressão “presente estendido”.24 Lançar-se nas fruições do presente, é
o modo que os jovens encontram para viverem em tempos de mudanças,
fragmentação e insegurança.
26
23
Trata-se de uma expressão latina cuja tradução literal é: “colha o dia de hoje”, aconselhando para se aproveitar o momento presente. O termo consta no livro das “Odes”
de Horácio (65 a.C. – 8 a.C.), em que aconselha sua amiga Leucone na frase: “...
carpe diem, quam minimum crédula postero”. Uma tradução possível: “...colha o dia
de hoje e confie o mínimo possível no amanhã”. Cf. <http://www.significados.com.br/
carpe-diem/>. Acesso em 16/06/2012.
24
LECCARDI, C. Por um novo significado do futuro: mudança social, jovens e tempo.
In Tempo Social, vol 17, n° 2, Nov., São Paulo: USP, 2005, p. 43. In
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Apesar destas deficiências nas dimensões constitutivas da personalidade e sociabilidade humana, muitos jovens demonstram grande vitalidade e motivação para a vida. E numa era de mudanças, fragmentação e
subjetivismo, pode-se ainda deparar com positivas formas associativas
de jovens, tais como diretórios acadêmicos, partidos políticos, associações de bairros, ONGs. O Texto Base da CF 2013 elenca ainda outros
grupos afins, como os grupos ecológicos e, com particular atenção, os
das redes sociais.25
Muitos desses grupos estão engajados na luta por uma sociedade
mais justa e igualitária, e não raras vezes têm obtido resultados bem
sucedidos. Por isso, Sociedade e Igreja não podem de forma alguma
desconsiderar este fenômeno, mas juntas delineiem princípios norteadores para que a luta, o protagonismo desses grupos, sejam pautadas pela
aspiração ao bem comum e a uma vida mais digna e fraterna.
2.7 O protagonismo em um contexto de mudanças
e fragmentação
A grande maioria da população, sem grandes sonhos, decepcionadas com o processo político e tomadas pela impotência, passam a
focar o que é possível dentro do seu horizonte de realização. Surge uma
maneira de ser protagonista, a partir de realidades e causas imediatas
e quantificáveis, em uma situação palpável. Procuram abraçar causas
concretas, com um objetivo específico, ações determinadas e até número
de pessoas a serem atingidas. É o tipo de projeto que sensibiliza pessoas
desacreditadas em projetos de grande envergadura, que fogem do raio
de sua visão e domínio.
É um modelo que valoriza o ativismo privado,26 pois se trata de
ações e projetos concebidos sem a tutela do Estado, ou às vezes em par25
Cf. CNBB, Texto Base CF 2013. n. 75-90.
26
“Terceiro Setor é a denominação adotada para o espaço composto por organizações privadas, sem fins lucrativos, cuja atuação é dirigida a finalidades coletivas
ou públicas. Sua presença no cenário brasileiro é ampla e diversificada, constituída
por organizações não-governamentais, fundações de direito privado, entidades de
assistência social e de benemerência, entidades religiosas, associações culturais,
educacionais, as quais desempenham papéis que não diferem significativamente do
padrão conhecido de atuação de organizações análogas em países desenvolvidos.
Essas organizações variam em tamanho, grau de formalização, volume de recursos,
objetivo institucional e forma de atuação. Tal diversidade é resultante da riqueza e
pluralidade da sociedade brasileira e dos diferentes marcos históricos que definiram
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27
CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
ceria. Este ativismo privado se baseia em projetos bem concretos, com
resultados claros, em que as pessoas envolvidas trabalham como voluntárias, a não ser que a iniciativa cresça e exija uma estrutura de manutenção,
normalmente dispendiosa, como alerta o Papa Bento XVI, ao referir-se
aos organismos internacionais com grande aparato burocrático.27
O voluntariado sempre existiu nas sociedades, motivado por causas
que vão desde as religiosas até as políticas. No entanto, agora se reveste
de uma curiosa característica, funde-se com a noção de cidadania. Esta
nova modalidade de voluntariado, na sua junção com a cidadania, ganha
em eficiência na realização de projetos de mudanças sociais pontuais,
restritas. Dentro desta lógica, um agir amplo, capaz de realmente mudar
a sociedade, é substituído por um fazer28 algo, como se estivesse produzindo algo, o que se assemelha à visão do sistema produtivo atual.
O processo de anulação da política se completa pela obtenção
de um consenso construído mediante um discurso. Este consenso não é
construído por meio de um debate, mas por um processo de apropriação
e incorporação de outros discursos, mediante a ressignificação dos termos e argumentos destoantes. Assim, forma-se um discurso capaz de se
impor sutilmente às demais falas das diversas instâncias da sociedade,
mesmo àqueles que tentam divergir no todo ou em partes. Portanto, surge
um âmbito de política pública sem o sadio debate, sem agonia, um dos
significados que se encontram na origem da palavra protagonista.
Nessa “nova forma” de fazer política, não se protesta, se coopera,
não se cria, mas executam-se os projetos criativamente. O conflito é apaziguado ou mesmo omitido pelo discurso consensual, que homogeneíza
a sociedade e amortiza as diferenças entre as classes e assim procede
com outras tensões sociopolíticas.
Assim, é pertinente às sociedades atuais o conceito de “sociedade
dos indivíduos”,29 em que cada um, mesmo empenhado no “fazer” dos
os arranjos institucionais nas relações entre o Estado e o Mercado” . FISCHER, Rosa
Maria. O desafio da colaboração; práticas de responsabilidade social entre empresas
e terceiro setor. São Paulo, Editora Gente, 2002, p. 45/46. ISBN 85-7312-373-7.
28
27
PAPA BENTO XVI, Caritas in Veritate, Brasília, Edições CNBB, 1ª Edição, 2009, n. 47.
28
Hannah Arendt expressou sua teoria do agir na obra: HANNAH A.. “A Condição Humana”, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2001.
29
Conforme a teoria do sociólogo alemão Norbert Elias, Cf. ELIAS, N. A sociedade dos
indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1994.
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projetos voluntários, pensa a partir de interesses particulares, pensar que
pode se estender ao seu grupo, jamais à sociedade como um todo.
2.8 O protagonismo juvenil na cultura atual
Nos dias de hoje, o protagonismo da maioria dos jovens, nas
diversas esferas em que vivem, ocorre a partir das novas ambiências de
interação. O protagonismo deles passa pela conexão com outros jovens
e com a esfera pública, quando se apresentam para cooperar, partilham
o que pensam e mostram-se adaptados e habilitados para atuarem nessa
sociedade global e complexa.
“É comum entre os jovens a busca por experiências, o envolvimento e
participação em atividades diversificadas. Eles se sentem motivados
pelos desafios que esse novo universo comunicacional impõe. Nessa
realidade, criam um novo modo de se relacionar e de assumir compromissos com a família, com a educação, com a sociedade, com a Igreja,
com o ambiente”.30
3 A Igreja e a Juventude
3.1 O sentido da existência e o encontro pessoal
com Jesus Cristo
A busca pelo sentido da vida é uma questão peculiar a todos os
seres humanos nas mais diversas épocas da história, busca que se acirra
em períodos de transformações como o atual. O jovem de hoje busca um
sentido para sua vida, o que é pertinente e compreensível, pois uma crise
de sentido marca nossa época. No entanto, para que essa afirmação seja
adequadamente compreendida, deve-se entender o sentido não como uma
necessidade em meio a outras, como a econômica, a social ou cultural,
mas como a questão primeira a ser enfrentada por toda pessoa em sua
existência no mundo. O sentido é que dirá quais caminhos seguir na vida,
quando e porque se sacrificar, quais os valores a defender, o que esperar
da vida e o que buscar no outro.
Mas é necessário ressaltar que o sentido da vida não pode ser
mais entendido como uma espécie de princípio a priori, ao qual se deve
30
Cf. CNBB, Texto Base CF 2013. nn. 42-43.
Encontros Teológicos nº 63
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29
CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
aderir por tradição ou imposição. Nem tampouco, uma construção, que
cada um pode fazer como julgar mais cômodo ou adequado para si. O
sentido da existência é uma descoberta que cada um deve fazer, em seu
próprio contexto, em diálogo com sua própria tradição e as demais que
venham.
3.2 O Encontro com Jesus Cristo
A Igreja, fiel guardiã do depositum fidei, testemunha ao mundo,
que em Jesus de Nazaré, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, está a
resposta para o sentido da vida e da realidade última do ser humano.31
Este é o grande tesouro da fé da Igreja, o encontro pessoal, não
com dogmas e conceitos, mas encontro profundo e amoroso com a Pessoa32 mesmo de Jesus Cristo, morto e ressucitado por amor ao mundo. A
inestimável graça que brota deste encontro a Igreja a anuncia ao mundo
e apresenta a cada jovem, para que em Cristo descubra o modelo do
homem perfeito, criado à imagem e semelhança de Deus mesmo, que
tende para a beatitude eterna.
A comunidade cristã nasce de um encontro com o Ressuscitado,
da opção pelo projeto de Jesus de Nazaré, da fraternidade à qual Ele nos
compele. O Documento Evangelização da Juventude já preconizava isto:
“Ser cristão significa conhecer a pessoa de Jesus Cristo, fazer opção
por Ele, unir-se a tantos outros que também o encontraram e, juntos,
trabalhar pelo Reino e por uma nova sociedade”.33
3.3 A capacidade humana de abraçar “o mistério”
A contemporaneidade também é marcada por uma compreensão
de razão que restringe sua atuação aos limites das fronteiras da realidade
material. Na modernidade, a razão tem como incumbência maior produzir, com o auxílio da técnica, e não se aventura mais em investigações
nos âmbitos axiológico ou religioso, o que reduz e empobrece o seu
potencial.
30
31
Cf. CONCÍLIO VATICANO II, Gaudium et Spes, n. 10.
32
Cf. PAPA BENTO XVI, Discurso aos jovens de Luanda, 21 de março de 2009, n. 12.
33
CNBB, Evangelização da juventude, n. 52.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Luiz Carlos Dias
Essa versão da razão procura ver o mundo de modo neutro, sem
compromissos a não ser com os negócios e ganhos. Engendra o futuro
nos laboratórios, distante da realidade concreta, com projeções para a
sociedade e para as pessoas, mas não em função delas mesmas. Há um
desajuste entre necessidade real e projeções laboratoriais. Esta razão
instrumental a serviço da ciência não prima pela humanização.34
O Papa Bento XVI tem abordado frequentemente este tema para
além de um esforço apologético de defesa da fé perante os ataques da
modernidade. Em seus ensinamentos, tem mostrado a necessidade da
expansão da razão e de seu salutar diálogo com a fé. Seu intento é o de
exortar à expansão do alcance da reflexão racional, de modo a ultrapassar
os limites instrumentais e recuperar a capacidade de abraçar o sentido
amplo da realidade.
Portanto, mais do que questão de erudição, trata-se de abertura do
coração e da inteligência para algo que possa realmente transcender a
aparência imediata das coisas. O segundo passo, neste diálogo entre fé e
razão, é o exercício de discernimento ou julgar a realidade. Esta capacidade dá ao jovem a possibilidade de ir além da reatividade ao ambiente
ou da indiferença provocada pelo individualismo e pelo niilismo. A partir
do juízo, ele pode descobrir o próprio rosto e identificar espaços que
contribuam para a construção de sua humanidade e da sociedade.35
3.4 A afetividade
O sistema econômico neoliberal, hegemônico nas economias
industrializadas, submete o processo de produção a muitas cobranças e
a uma árdua competição, o que se reproduz no mundo vital das pessoas.
Assim, o caminho para se alcançar a estabilidade e segurança também
passa pela mesma dinâmica, o que faz a lógica da graça soar particularmente estranha no horizonte das relações entre as pessoas.
Dessa forma, apresenta-se como um grande desafio, para a sociedade atual, redescobrir uma afetividade que não se restrinja à subjetividade do sujeito, e se estabeleça a partir do embate com as várias facetas
da realidade. Superar o individualismo e a competição, que tolhem da
34
GILBERT, P. A paciência de ser. São Paulo, Editora Loyola, 2005, pp. 34-40.
35
Núcleo fé e cultura PUC-SP, coordenação – Francisco Borba Ribeiro Neto, Observações para uma Campanha da Fraternidade com o tema juventude. São Paulo,
2011.
Encontros Teológicos nº 63
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CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
sociedade a possibilidade de relações de gratuidade, é fundamental para
se acolher os valores que edificam e humanizam todos os âmbitos das
relações.
3.5 O empenho na transformação da sociedade
Neste tempo de profundas mudanças em que vivemos, as quais
afetam o modo de ver a si mesmo, o mundo e o outro, o jovem é chamado
a desenvolver uma consciência crítica e construir espaços alternativos
de vivência. Para que, assim, se geste o que pode vir a ser um horizonte
possível para a sociedade e um caminho alternativo, viável para o advento
de uma estruturação social mais justa e condizente com a dignidade das
pessoas.
O jovem deve protagonizar ações solidárias e perceber que abraçar
causas que requerem seu empenho, enriquece e alegra. As interpelações
são muitas, como as do universo juvenil, que clamam inclusão social, o
combate aos processos de marginalização e a violência contra os próprios
jovens. Diante disso, não podem permanecer indiferentes, quer numa
vivência subjetiva fechada, quer num grupo de convivência igualmente
fechado às interpelações da realidade e aos problemas que afetam as
juventudes e a sociedade.
3.6 A conversão pastoral e a opção preferencial
pelos jovens
A Campanha da Fraternidade 2013 quer apontar, como a atitude
mais fundamental para a práxis em favor do protagonismo juvenil, a
conversão pastoral da Igreja aos jovens, implícita na própria opção
preferencial36 por eles. Entendida como “uma atitude de autoavaliação
e de coragem para mudar as estruturas pastorais obsoletas da Igreja”,
que nasce da responsabilidade da fé assumida diante de Deus mesmo,
esta conversão não significa uma mudança externalista em razão do
marketing da fé.37
A conversão pastoral deseja superar o dualismo entre teoria da fé
e práxis da fé, entre mudança pessoal e mudança social, entre conversão
interior e conversão de aparência. A elaboração de um consistente instru-
32
36
CELAM, Conferência de Puebla. Petrópolis, R. J., 1979, n. 1186.
37
Cf. CNBB, Texto Base CF 2013. n. 238-239.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Luiz Carlos Dias
mento teórico para a evangelização da juventude implica necessariamente
a revisão dos métodos pastorais, da linguagem e da mediação dos novos
instrumentos de comunicação social.
Acolher efetivamente os jovens e ouvi-los, abrir-se às suas propostas com sinceridade e responsabilidade, constituem etapas fundamentais
desta conversão pastoral. E o Texto Base da CF 2013 conclama a isso
todo o corpo eclesial: Pastores, religiosos, seminaristas, catequistas,
movimentos eclesiais e novas comunidades, os próprios jovens, “são
convidados a se inserir profundamente nas estruturas desta mudança de
época, a encontrar novas linguagens para o anúncio do Evangelho, a testemunhar o amor de Jesus a cada jovem, a utilizar os recursos modernos
de comunicação, das artes, dos esportes, enfim, tudo aquilo que possa
ser útil e recomendável à consciência cristã”.38
3.7 Repensar as atitudes e posturas pastorais
A partir destes pressupostos fundamentais, para as pistas de ação
que possam gerar mudanças transformadoras no campo pastoral, seja
em âmbito pessoal, social e eclesial, é justo, portanto, remeter a um
aprofundamento das propostas do próprio Texto Base, que porta em si
o sopro fluente do Espírito que ecoa na voz das comunidades da Igreja
no Brasil.
Que esta Campanha ajude a favorecer os espaços e os momentos
para um encontro pessoal com Jesus Cristo; oferecer a melhor catequese,
que lance as bases da fé e introduza o jovem no mistério de Cristo e simultaneamente eduque para a criticidade, atitudes pastorais fundamentais
para a acolhida e evangelização da juventude. Saibamos valorizar o Setor
Juventude e os novos movimentos e comunidades, que são celeiros de
vocações e verdadeiras escolas de discipulado.
Para isto, precisamos da coragem e da conversão pastoral para
rever nossas posturas e instrumentos de anúncio. Quantas vezes nossos
métodos e centros catequéticos são obsoletos e desintegrados das novas
tecnologias que favorecem o anúncio do Evangelho! E ainda, muitos
dos nossos catequistas, despojados de uma formação sólida que possa
responder às demandas polêmicas em relação ao próprio conteúdo da fé.
Em relação ao protagonismo jovem, temos de repensar se nossa abertura
38
CNBB, Texto Base CF 2013. n. 246.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
33
CF 2013 “Fraternidade e Juventude”: o protagonismo dos jovens na Igreja e na Sociedade
e acolhida aos jovens e às suas propostas tem sido efetivas. A história da
Igreja nos mostra quantos jovens, em épocas diferentes, foram propulsores de mudanças importantíssimas no âmbito eclesial, contribuindo
para uma renovação autentica da comunidade cristã, tal como se deu em
Francisco, o pobre de Assis!
Caritas Christi urget nos! (IICor 5,14). Assim, que Deus ilumine
os nossos passos no caminho da fraternidade em favor das juventudes,
e a Santa Virgem Maria de Aparecida nos ajude a responder também
fiat mihi (Lc 1,38).
Conclusão
A Campanha da Fraternidade, ao escolher o lema “Eis me aqui,
envia-me!” (cf. Is 6,8) renova sua confiança nos jovens e crê que eles são
capazes de responder com profundidade de vida aos mais nobres intentos
que existem no coração humano, como tais vindos de Deus mesmo.
Os inúmeros grupos juvenis presentes no seio da Igreja e que de
forma maravilhosa são manifestos nos grandes eventos jovens, como a
Jornada Mundial da Juventude, são a maior prova concreta e motivação,
nas quais nossas pastorais podem visualizar a força operante de Jesus
Cristo no mundo de hoje.
Toda realidade pode ser evangelizada. O amor de Cristo nos
compele a sermos discípulos missionários da Palavra da vida que “nós
vimos com nossos olhos e tocamos com nossas próprias mãos” (IJo 1,1).
O jovem, assumido como locus teologicus39, é o protagonista de uma
verdadeira ação missionária, capaz de despertar no coração dos homens e
mulheres deste mundo o sentido mais profundo da existência humana.
A análise do contexto atual revela diversos desafios na concretização do protagonismo juvenil, sejam em âmbito social quanto eclesial.
Somente uma abertura e acolhida efetiva dos jovens, que brote de uma
sincera e autêntica conversão pastoral e social, pode reconhecer a força
do jovem como construtora de um mundo mais justo, fraterno e inspirado por uma espiritualidade fiel aos valores éticos e fundamentais do
ser humano.
39
34
CNBB, Idem. n. 192.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Luiz Carlos Dias
O Texto Base da CF 2013 quer ser o eco da voz do Espírito presente
nas comunidades eclesiais da Igreja no Brasil. Ouvindo e proclamando “o
que o Espírito diz às Igrejas” (Ap 2,7), ele conclama os ministros ordenados, os religiosos, os seminaristas, os catequistas, os líderes sociais, os
pais e os educadores e os próprios jovens, a se empenharem na formação
juvenil, no objetivo de construir uma nova sociedade, que tenha por base
a fraternidade, o respeito às diferenças, a justiça e a paz.
No coração de cada jovem, através da Igreja, Jesus Cristo continua
a bater. Se este o escuta e lhe abre a porta, Ele entra e, através de uma
ceia amorosa, ressignifica a vida, a existência deste jovem (cf. Ap 3,20).
Da força deste verdadeiro encontro pessoal com o Ressuscitado, só pode
brotar do coração do jovem e do ser humano em geral uma resposta de
amor corajosa: “Eis-me aqui, envia-me!” (cf. Is 6,8).
Endereço do autor:
Caixa postal 02.037
70259-970 Brasília, DF
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
35
Resumo: A partir do histórico de como nasceu a Jornada Mundial da Juventude,
o artigo busca resgatar a natureza, os objetivos e as temáticas dessas celebrações da fé, iniciadas com uma proposta apresentada na década de 80. O texto
também aborda a relação dos papas João Paulo II e Bento XVI com os milhares
de jovens reunidos nesses encontros. Quais são os principais problemas de
tal encontro, e os desafios que ele enfrenta. E, enfim, quais frutos a Jornada
Mundial da Juventude traz aos jovens.
Palavras-chave: Juventude, jovens, Jornada Mundial da Juventude, JMJ, João
Paulo II, Bento XVI, unidade, evangelização.
Abstract: Starting with the history of the World Youth Journey, the paper aims
at rescuing the nature, the purposes and the themes of these celebrations of
faith, started with a proposal presented in the 80 decade. The paper explores
also the relation of the popes John Paul II and Benedict XVI with the thousands
of young men and women assembled in these meetings. Which are the main
problems of such gathering, and the challenges it encounters. Finally, which are
the fruits the World Youth Journey brings to the young.
Jornada Mundial da Juventude
Nova Evangelização em ação
Anísio José Schwirkowski*
*
Presbítero do Sagrado Coração de Jesus (dehonianos), desde 2005. Especialista em
Teologia Pastoral e Comunicação Social. Mestre em Pastoral Juvenil e catequese. Foi
postulador da candidatura do Brasil para uma JMJ. Atualmente é vigário na Paróquia
N. Sra. de Copacabana e membro do COL-JMJ (Comitê Organizador Local).
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012, p. 37-48.
Jornada Mundial da Juventude: Nova Evangelização em ação
1 A origem das JMJs
Mais de 300 mil jovens do mundo inteiro responderam a um convite. O anfitrião os havia chamado para o “Jubileu Internacional da Juventude”, no Domingo de Ramos. A proposta foi contra a opinião de vários,
como contou em uma entrevista em julho de 2008 o cardeal Paul Josef
Cordes, hoje presidente do Conselho Pontifício «Cor Unum», naquele
momento vice-presidente do Conselho Pontifício para os Leigos1.
O ano da Juventude
As Nações Unidas declararam o ano de 1985 como “Ano Internacional da Juventude”. Ficou claro em Roma que deveria haver
outro encontro dos jovens de todo o mundo com o Papa. O tempo foi
curto, e trabalhou-se intensamente. Dessa vez, mais de 250 mil jovens
responderam ao convite do Papa, comparecendo em Roma no Domingo de Ramos. Uma semana depois do encontro com os jovens, o papa
anunciou que as Jornadas Mundiais da Juventude passariam a realizar-se
periodicamente.
A primeira Jornada Mundial da Juventude
Assim nasceu uma ideia que se espalhou pelo mundo. A Jornada
Mundial da Juventude foi celebrada pela primeira vez, de maneira oficial,
no Domingo de Ramos de 1986, em Roma. A partir de 1987 e depois, a
cada dois anos, como regra geral, organiza-se o evento em algum lugar
1
38
“Quanto mais se aproximava a primeira Jornada da Juventude, tanto mais fortes se manifestavam as resistências externas. De algumas dioceses que havíamos convidado,
chegavam comentários críticos, como: «Não é competência do Vaticano ocupar-se de
nossos jovens». O prefeito (comunista) de Roma cancelou na última hora autorizações
já concedidas, de maneira que não foi possível preparar o previsto acampamento no
parque Pineta Sacchetti de Roma, nem instalar ali os alojamentos designados. Aos
ecologistas se associaram jornalistas para dar o alarme sobre a imediata devastação
de jardins e áreas públicas da cidade. Apareceram artigos de jornal com títulos do
tipo «Chegam os Hunos». E, contudo, apesar de nossa total inexperiência quanto a
mega-reuniões desse tipo, e apesar dos obstáculos, o grande encontro foi um êxito
triunfal. Algo assim como trezentos mil jovens acolheram o convite do Papa e no
Domingo de Ramos participaram da Eucaristia na Praça de São Pedro. A massa de
estrangeiros era muito superior à esperada, e contudo se desenvolveu de modo tão
ordenado e exemplar que assombrou o mundo inteiro. O nonagenário cardeal decano
Carlo Confalonieri, que havia acompanhado algumas fases da festa juvenil do terraço
da basílica vaticana, observou: «Nem sequer os romanos mais velhos podem recordar
algo semelhante».”
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Anísio José Schwirkowski
determinado do mundo. Nos outros anos, celebra-se a Jornada Mundial
da Juventude no Domingo de Ramos, em cada diocese.
Em 1987, os jovens foram convocados a Buenos Aires, capital
argentina, onde um milhão de jovens escutaram, da boca do papa,
que são a “esperança da Igreja”. Dois anos depois, 600 mil jovens
foram em peregrinação ao santuário espanhol, na cidade de Santiago
de Compostela.
Depois da queda do Muro
Em 1991, 1,5 milhão de participantes participaram da Jornada, no
santuário mariano da cidade polonesa de Czestochowa. Depois da queda
da “cortina de ferro”, essa foi a primeira ocasião em que os jovens do
Leste Europeu puderam participar sem problemas do encontro.
Meio milhão de jovens encontraram o Papa João Paulo II em 1993,
na cidade americana de Denver. Diante do cenário das Rocky Mountains,
o Papa chamou os jovens a não terem vergonha do Evangelho e irem ao
encontro dos demais.
O maior encontro de todos os tempos teve lugar em 1995, por ocasião da Jornada Mundial da Juventude em Manila (Filipinas): 4 milhões
de jovens aplaudiram o papa, que evocava a relação com o próximo.
Em 1997, foram muitos jovens que responderam ao convite do
Papa para a Jornada em Paris, que terminou com um evento reunindo
quase um milhão de pessoas. Lá, João Paulo II deu um testemunho vivo
aos jovens, convidando-os a tomarem as ruas do mundo, da humanidade,
sem perder a união à Igreja de Cristo.
O Jubileu do ano 2000 converteu-se também no jubileu das Jornadas Mundiais da Juventude. Mais de 2 milhões de jovens reuniram-se em
Roma para estar com o Emanuel, Deus conosco, e ouvirem o chamado
à santidade feito por João Paulo II.
A cidade canadense de Toronto foi o palco do encontro de 2002,
quando 800 mil jovens encontraram-se para a última Jornada com o peregrino João Paulo II. O Papa lembrou a todos que o espírito jovem é algo
que não pode ser sufocado. Em sua despedida, João Paulo II preparou os
jovens para o encontro na Alemanha. Ao final das jornadas anteriores, ele
costumava saudar os jovens dizendo que retornaria a vê-los no encontro
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
39
Jornada Mundial da Juventude: Nova Evangelização em ação
seguinte. Naquela ocasião, não disse que estaria, mas lembrou a todos
que Cristo os esperaria na Alemanha.
Com Bento e a benção de João Paulo
A Jornada de 2005, em Colônia, na Alemanha, foi a primeira
com dois papas: um com os jovens em Marienfeld (Campo de Maria)
e outro intercedendo pelo encontro lá do céu. Mais de um milhão de
jovens se ajoelharam junto com Bento XVI na vigília de 20 de agosto,
repetindo o gesto dos Três Reis Magos, que saíram do Oriente para
adorar o Emanuel.
O encontro mundial dos jovens seguinte com o sucessor de Pedro
foi em Sydney, em julho de 2008. A JMJ da Austrália não foi a maior de
todas, mas encheu com a graça do Espírito Santo a sociedade australiana,
muito marcada pelo ateísmo. Foi uma renovação na igreja local, vinda
pelo Rosto Jovem do Corpo de Cristo.
Pela primeira vez na história, em 2011, um mesmo bispo foi o
anfitrião de duas JMJs. O cardeal de Madri, Antônio Maria Rocco Varela,
era bispo de Santiago de Compostela durante a JMJ de 1989, e também
esteve à frente da organização da Jornada de Madri, que reuniu quase 2
milhões de jovens na missa de encerramento.
Evento em mudança
Uma característica interessante da Jornada Mundial da Juventude é o seu caráter evolutivo, em permanente mudança. Os
primeiros encontros, na década de 1980 eram de um dia (Domingo
de Ramos) e, gradativamente, foram ampliados. Mais programações
surgiram, como a Via-Sacra, as catequeses dos bispos e as partilhas
com os jovens. Depois, surgiram os Festivais da Juventude. Logo
antes da Jornada de Paris (1997), outra proposta nasceu: conhecer
a realidade cultural, social e eclesial do país sede, começavam os
Dias nas Dioceses.
O Brasil propôs uma nova mudança, inserir na semana de preparação à JMJ um caráter eminentemente missionário, à luz do convite
do Documento de Aparecida para a Missão Continental, da Campanha
da Fraternidade 2013 e do próprio tema da JMJ Rio2013 “Ide e fazei
discípulos entre todas as nações” (Mt 28,19). A proposta feita pelos
40
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Anísio José Schwirkowski
bispos brasileiros ao Pontifício Conselho para os Leigos foi de transformar em Semana Missionária os dias que antecedem o grande evento no
Rio. Durante essa semana, jovens brasileiros e estrangeiros irão, como
discípulos missionários, às comunidades, para anunciar Cristo com a
vida e a palavra.
2 Joao Paulo II e as JMJs
Um dos padroeiros da Jornada Mundial da Juventude Rio 2013,
João Paulo II seguramente destacou-se como o criador e o principal
propagador desse encontro. Durante um seminário de reflexão sobre as
Jornadas Mundiais da Juventude em 1996, em Czestochowa (Polônia),
João Paulo II escreveu uma carta ao então presidente do Pontifício
Conselho para os Leigos, cardeal Eduardo Francisco Pironio, e definiu
o objetivo desses encontros de fé.
“O principal objetivo das Jornadas é fazer a pessoa de Jesus o centro da
fé e da vida de cada jovem, para que Ele possa ser seu ponto de referência
constante e também a inspiração para cada iniciativa e compromisso
para a educação das novas gerações.”2
Considerada como um momento de pausa para voltar a centralizarse em Cristo, para anunciá-lo logo ao mundo, a JMJ, como afirmou o
papa no mesmo documento, não pode ser desvinculada de uma pastoral
juvenil da Igreja local.
Esse acontecimento, “suscitando uma maior ação apostólica entre
os jovens, não quer isolá-los do resto da comunidade, mas fazê-los protagonistas de um apostolado que contagie as outras idades e situações
de vida no âmbito de uma nova evangelização”.
3 Os desafios e criticas desse tipo de encontro3
Há quase trinta anos que acontecem as Jornadas Mundiais da
Juventude, um evento capaz de mobilizar as jovens gerações.
2
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/letters/1996/documents/hf_jp-ii_let_19960508_czestochowa-gmg_sp.html>.
3
Estes elementos encontram-se no livro de Franco Garelli, “L’Italia cattolica nell’epoca
del pluralismo”, Il Mulino, 2006, p. 75-91.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
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Jornada Mundial da Juventude: Nova Evangelização em ação
Tais eventos não são imunes a críticas. O receio é que as dinâmicas
religiosas de multidão possam alimentar adesões de fé pouco profundas
e convictas, resultando disso uma fé mais exibida do que vivida.
O Documento 85 da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), sobre Evangelização da Juventude, fala como
“grandes eventos” como a JMJ não podem estar dissociados do
acompanhamento pastoral no processo de formação integral de
jovens nos pequenos grupos.
O grande perigo de encontros como esse é não refleti-lo e
não realizá-lo dentro de um plano pastoral de maior envergadura,
que faça parte de um processo trabalhado. O trabalho da Comissão Episcopal Pastoral para a Juventude, em articulação com os
regionais e as paróquias, é de refletir sobre como potencializar a
atuação do jovem discípulo sendo missionário. Podemos elencar
várias oportunidades geradas com a Jornada: peregrinação da Cruz
dos Jovens e do Ícone de Maria, eventos preparatórios, subsídios
de formação e Semana Missionária.
A maioria dos jovens participantes desses encontros provém de movimentos e associações eclesiais. Tais eventos atraem,
naturalmente, também jovens que não fazem parte dessa área de
militância religiosa; entre estes sobressaem os jovens que se caracterizam por uma continua busca de experiências religiosas intensas
ou marcadas pelo nomadismo. Nem faltam os jovens tocados pelo
fascínio de ultima hora. Mas o que impressiona positivamente é
o processo de preparação às vésperas do encontro. Tudo isso se
torna uma forma positiva de ação, pois a fé “jovem” precisa de
referências seguras, num tempo carente de propostas coletivas e
marcado pela incerteza. Há também a necessidade de partilhar
uma fé planetária, que se enriquece no confronto multicultural e
se encontra com os valores da solidariedade e da paz e se interroga
diante dos males do mundo.
A diversa representatividade
Esses encontros provocam reações diferentes nos jovens
católicos dos diversos países; a presença desigual à JMJ parece depender da diferente capacidade ou vontade das diversas Igrejas de
aderir a esse tipo de encontro, aos custos financeiros desse empre-
42
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Anísio José Schwirkowski
endimento e também ao peso diverso que o associativismo católico
tem nas diferentes nações. As grandes associações católicas estão
habituadas, de certa forma, a organizar ou participar de pequenos
ou grandes eventos, e por isso a sua adesão à proposta da JMJ já
é uma prática difundida e bastante conhecida. Grande número de
congregações e associações realiza encontros juvenis mundiais
na véspera da JMJ para que os jovens daquela expressão possam
alimentar sua vivência de fé com testemunhos de diferentes partes
do mundo.
Não está dito que um fenômeno como a JMJ possa revitalizar o
tecido cristão em ambiente fortemente secularizado, ainda que consiga,
certamente, contribuir para consolidar na sociedade uma imagem vital
da Igreja e dos grupos religiosos, e confirmar o dinamismo da tradição
onde ela está mais radicada e difundida.
A nota positiva vem, sobretudo, do grande envolvimento das
dioceses e das paróquias, que lhes permitiu sair dos limites do próprio
território para estabelecer relações mais amplas.
Pontos fortes do associativismo
A participação nesse tipo de experiências vem da variedade de
propostas típicas do associativismo de origem religiosa. Assim, há o
tempo da vida cotidiana caracterizado pelos compromissos ordinários, e
depois, o tempo extraordinário, constituído de experiências e momentos
particulares.
Um outro aspecto que distingue os grupos eclesiais é a possibilidade de oferecer aos jovens ambientes visíveis, onde não encontram apenas
uma proposta cultural ou religiosa, mas participam de uma experiência de
vida. E ainda, trata-se de realidades que atribuem grande valor à dimensão
educativa, que se articula, quer num conjunto de conteúdos, de modelos
de comportamento, quer num estilo comunitário e organizado de acordo
com os ideais e valores propostos.
A proposta de ideais e valores não é dada de uma vez para
sempre, e isto é um aspecto que atrai os jovens de hoje imbuídos pelo
contexto atual que privilegia o modelo do percurso e da viagem, da
busca contínua.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
43
Jornada Mundial da Juventude: Nova Evangelização em ação
Traços comuns
Como seus coetâneos, os jovens católicos querem viver uma
juventude prolongada, adiar as opções fundamentais, manter-se
abrigados na casa dos pais. Antes de ser católicos, portanto, eles são
jovens. Quem faz parte de um grupo, vai adotando um sentido de
pertença sem atribuir a esse liame um caráter totalizador, reunindo na
própria vida mais âmbitos cultuais, mais condições. Assim, pode-se
estar no grupo eclesial e contemporaneamente perceber a exigência
de fazer parte de outros grupos informais.
Entre os jovens católicos não faltam sujeitos caracterizados por
um fraco sentido de identificação na Igreja e no modelo oficial de religiosidade. Nesse sentido, eles se encontram mais num pequeno grupo
de pertença.
Elementos de diferenciação
O fato de pertencer a grupos religiosos cria neles também situações
distintas. Os jovens ligados a esta realidade geralmente vêm de famílias
de orientação religiosa, interessadas em oferecer a seus filhos ocasiões
de formação pessoal.
São indivíduos que parecem caracterizar-se por uma visão
sóbria e essencial da existência, assinalar-se por uma disposição de
ânimo construtiva, com a propensão ao serviço e à solidariedade,
acompanhada de certo espírito comunitário. Assinalam-se também
por uma concepção da vida e do mundo aberta ao mistério e à
transcendência.
Nova sensibilidade pela religião
Na nova sensibilidade religiosa entra a redescoberta do carisma,
e a busca de uma religião da experiência com forte acento emotivo e
comunitário, que procura uma expressão da fé mais envolvente, não
isenta de vínculos afetivos e de traços intimísticos.
É difusa a procura de uma religiosidade que fale mais a linguagem
das emoções do que da razão, que faça maior pressão sobre a pesquisa
e a dúvida do que sobre a verdade e as certezas. Portanto, prevalece a
44
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Anísio José Schwirkowski
procura de “novos santuários”, de ambientes em que se é confirmado na
própria busca religiosa.
Trata-se de um tipo de sensibilidade religiosa particularmente
atraente para grandes personalidades; os jovens são sensíveis aos líderes
carismáticos e às figuras que com sua vida testemunham os ideais
que proclamam. À sociedade da imagem paga-se a espetaculosidade
da religião, que não é totalmente negativa se acompanhada por um
impulso espiritual.
4 Os frutos
Em um discurso para a Cúria Romana no final de 20114, Bento
XVI apresentou cinco frutos que a vivência da Jornada Mundial da
Juventude traz.
Universalidade
O primeiro ponto, afirma o papa, é a experiência da catolicidade,
da universalidade da Igreja, vivenciada durante os dias da peregrinação. Jovens de línguas e costumes de vida diversos e, no entanto,
todos sentem-se unidos como família. Separação e diversidade exteriores ficam relativizadas. O fato de todos os seres humanos serem
irmãos e irmãs, segundo Bento XVI, não é apenas uma ideia mas
torna-se uma experiência real na Jornada. “E assim compreendemos
também de maneira muito concreta que, apesar de todas as fadigas e
obscuridades, é bom pertencer à Igreja universal, à Igreja Católica,
que o Senhor nos deu.”5
Serviço
O papa destaca também, como marca da Jornada Mundial da Juventude, o ser cristão e oferecer-se aos demais. Ele lembrou o trabalho
dos 20 mil voluntários que estiveram em Madri para servir, por semanas
ou meses, a outros milhares de jovens. “O tempo dado tinha um sentido;
4
Bento XVI, Discurso por ocasião da troca de votos natalícios com os cardeais, a
cúria romana e a família pontifícia. 22 de dezembro de 2011.
5
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2011/december/documents/hf_ben-xvi_spe_20111222_auguri-curia_po.html>.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
45
Jornada Mundial da Juventude: Nova Evangelização em ação
precisamente no dom do seu tempo e da sua força laboral, encontraram
o tempo, a vida. E então tornou-se-me evidente uma coisa fundamental:
estes jovens ofereceram, na fé, um pedaço de vida”. Segundo Bento XVI,
esse é um comportamento propriamente cristão.
Adoração
Um terceiro elemento que vai, de forma cada vez mais natural
e central, fazendo parte das Jornadas Mundiais da Juventude e da espiritualidade que delas deriva, é a adoração. “Em Cristo ressuscitado,
está presente Deus feito homem, que sofreu por nós porque nos ama.
Entramos nesta certeza do amor corpóreo de Deus por nós, e fazemo-lo
amando com Ele. Isto é adoração, e isto confere depois um cunho próprio
à minha vida.”
Penitência
Outro ponto apresentado pelo papa Bento XVI como fruto das
JMJs é o retorno ao sacramento da penitência. Esse retornar vem, de
acordo o Santo Padre, da necessidade da humildade que sempre de novo
pede perdão a Deus, que se deixa purificar e que desperta na humanidade
a força contrária, a força positiva do Criador.
Alegria
O último fruto apresentado pelo papa é a vivência da alegria cristã. Na opinião de Bento XVI, esse fruto é derivado da fé que permite
o jovem dizer: sou desejado; tenho uma missão na história; sou aceito
e amado. “Quem não é amado, também não se pode amar a si mesmo.
Este saber-se acolhido provém, antes de tudo, doutra pessoa. A fé faz-nos
felizes a partir de dentro. Esta é uma das maravilhosas experiências das
Jornadas Mundiais da Juventude.”
De acordo com dom Carlos Aguiar Retes, arcebispo de Tlalnepantla (México) e presidente do Conselho Episcopal Latinoamericano (Celam), as jornadas foram uma intuição profética do Papa
João Paulo II.
“O Papa, tendo uma alma e um coração que nasce com os jovens e
para os jovens, havia constatado a força que eles têm. Estas jornadas
46
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Anísio José Schwirkowski
têm muito que contribuir, estão sendo promotoras de uma pastoral
mais organizada nas dioceses. Estão sendo geradoras de processos de
seguimento de Cristo para o jovem, para conhecê-lo melhor, também
para descobrir a vida da Igreja...6”.
Para o bispo mexicano, a Jornada de Colônia, Alemanha, em
2005, trouxe como frutos “o crescimento dos jovens em sua fé, a
consciência de que a Igreja é universal, a necessidade de seguir
buscando expressões, de pôr em comum, de compartilhar a solidariedade, ou seja, eu creio que este encontro será sangue fresco para
renovar à Igreja.”
A experiência de acolher uma Jornada Mundial da Juventude em
sua própria diocese perdura na mente e no coração do cardeal Joachim
Meisner, arcebispo de Colônia. Em uma entrevista publicada no
L’Osservatore Romano de 9 de setembro de 2005, ele comenta a vivência do evento: A preparação da Jornada fez com que a Arquidiocese de
Colônia criasse em todas as paróquias numerosos grupos compostos de
jovens que se ocuparam dos preparativos espirituais e organizacionais. De
acordo com o cardeal, esses jovens são naturalmente os multiplicadores
que podem transmitir o impulso da Jornada Mundial da Juventude nas
paróquias, nos grupos, nas famílias.
As JMJs se tornaram um momento privilegiado dos jovens com
a universalidade da Igreja. Primeiramente é um encontro com Cristo
e seu vigário, e justamente por isso se evita o uso de ser somente um
“evento”. Verdadeiramente muitos jovens decidiram por uma vida mais
radical após a experiência de serem peregrinos por alguns dias em uma
JMJ. E’ o encontro com Cristo que transforma.
A caminho de Madri, para a Jornada Mundial da Juventude, ano
passado, o Papa foi questionado sobre os frutos, levando em consideração que muitos desses jovens, após o entusiasmo, voltam para suas
casas como se nada tivesse acontecido. Continuarão a vida sem nenhuma mudança consistente, poderiam nem voltar à Igreja e muito menos
engajar-se em alguma pastoral. Bento XVI respondeu que a missão da
Igreja é semear, mesmo sabendo que nem todas as sementes irão dar
fruto. “Certamente, muito se perde, e não podemos dizer imediatamente:
a partir de amanhã recomeça um grande crescimento da Igreja. Deus não
6
Entrevista concedida em 29-08-2005. Disponível em: <http://www.zenit.org/article8551?l=portuguese>.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
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Jornada Mundial da Juventude: Nova Evangelização em ação
age assim. Mas cresce em silêncio e muito. (...) Embora as estatísticas
não se pronunciem muito, a semente do Senhor realmente cresce e, para
muitos jovens, será o início de uma amizade com Deus e os outros, de
uma universalidade do pensamento, de uma responsabilidade comum,
que deveras nos mostra que estes dias dão fruto.”7
E-mail do autor:
[email protected]
7
48
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/speeches/2011/august/
documents/hf_ben-xvi_spe_20110818_intervista-madrid_po.html>.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Resumo: Constata-se, hoje, intensificar-se a perda de referências seguras que
orientam a busca de sentido para a vida das pessoas. A sociedade atual, movida
sobretudo pelo ufanismo da ciência, descarta a hipótese de algo permanente,
estável, como um Deus criador do cosmos e condutor da história da humanidade.
Daqui procedem as crises de valores, de sentido, as inseguranças existenciais
do ser humano. Nesse contexto, a afirmação da fé em Deus precisa ser convicta
e convincente, expressada com a alegria de ser discípulo-missionário de Jesus
Cristo. Três elementos são fundamentais para isso: a consciência da fé, a certeza da esperança, a vivência do que se acredita. Estes elementos alicerçam a
espiritualidade juvenil para os nossos tempos. A Jornada Mundial da Juventude,
que se realizará no Brasil em 2013, certamente muito contribuirá para isso.
Abstract: It’s evident today the growing loss of sure references to guide the
looking for sense in the people’s life. Modern society, moved especially by the
pride of science, denies the hypothesis of something permanent, stable, as a
God Creator of the world and Conductor of the human history. Hence proceed
the crises of values, of sense, the existential insecurity of the human being. In
this context, the proclamation of Faith in God must be convinced and convincing,
and expressed with the joy of being a missionary-disciple of Jesus Christ. Three
elements are fondamental for this: the conscience of faith, the certainty of hope,
and the practicing of what one believes. These elements consolidate the spirituality of the young men/women for our times. The World Youth Journey, which
is about to convene in Rio de Janeiro, Brasil, in 2013, certainly will cooperate
very much to this goal.
Espiritualidade juvenil: a alegria
de ser firme na Fé
Eduardo Pinheiro da Silva*
*
Salesiano, SDB, Bispo Auxiliar de Campo Grande, MS, presidente da Comissão
Episcopal Pastoral para a Juventude – CNBB.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012, p. 49-66.
Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
Introdução
Animados com a JMJ Rio 2013, que está sendo preparada, e pela
proclamação do Ano da Fé, de 11 de outubro de 2012 a 24 de novembro
de 20131, pelo Papa Bento XVI, todos aqueles que se dedicam à evangelização da juventude, somos convidados a renovar nossa consciência
a respeito da realidade que nos chama a viver a fé em Jesus Cristo Ressuscitado, nossa certeza. Para isso é indispensável fortalecer a condição
de “discípulos missionários” onde essa fé deve ser testemunhada, e
esclarecer como expressá-la na vivência cotidiana dos jovens.
Vivemos numa realidade que muito nos desafia nos valores, convicções, comportamentos, princípios, fé, principalmente na fase da nossa
juventude. Não é difícil encontrar pessoas que experimentam situações
de insegurança, medo, confusão, sofrimento nas diversas áreas da vida:
no discernimento vocacional, no exercício profissional, na vivência familiar, nos relacionamentos afetivos, nas convivências sociais, na busca
pela felicidade.
Participamos de uma sociedade na qual a cultura cristã já não
encontra mais espaço privilegiado para contribuir com a formação da
pessoa humana. Vivemos num contexto de ‘esquecimento de Deus’, um
laicismo difundido que elimina Deus da vida pública e, até, privada.
Cada um se torna a sua própria verdade, e qualquer coisa que venha
contradizer a vontade pessoal é posto de lado e, inclusive, rechaçado. O
relativismo que se propaga é um mal que precisa ser conhecido e banido
com veemência. Recorda-nos o papa: “O relativismo difundido, segundo
o qual tudo equivale e não existe verdade alguma, nem qualquer ponto de
referência absoluto, não gera a verdadeira liberdade, mas instabilidade,
desorientação, conformismo às modas do momento”2.
Há uma sensação de ‘faltar o chão’, de insegurança constante
que provoca o medo, nos paralisa, impede nossa atuação e criatividade,
alimenta uma espécie de defesa que nos isola das pessoas e incentiva,
inclusive, à violência. Quando se elimina Deus da vida pessoal e pública,
a identidade da pessoa acaba se prejudicando e a dignidade, se perdendo.
Onde encontramos motivação para o processo de amadurecimento pessoal, que exige empenho e sacrifícios? Em que se apoiar para defender
50
1
Em 11 de outubro coincidem dois aniversários: o 50º aniversário da abertura do Concílio
Vaticano II e o 20º aniversário da promulgação do Catecismo da Igreja Católica.
2
Mensagem do Papa para a XXVI JMJ, 1.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Eduardo Pinheiro da Silva
valores universais e coletivos? O que nos sustenta na luta contra todo
tipo de violência, injustiças, explorações?
É ridículo ver pessoas que, em nome da Ciência, chamadas para
contribuir com a qualidade de vida da criatura humana e de sua história,
gastam tempo e dinheiro tentando provar a inexistência de um Criador
Absoluto: Causa primeira e Motor contínuo da vida! Neste sentido,
escreveu Paulo Leonardo Medeiros Vieira3:
“... a ciência, sem prejuízo de seus significativos avanços, ainda está
longe de explicar o mundo. Para que se tenha uma ideia, pela ciência
somente conhecemos 4% do cosmos [...]. Os átomos e a energia que
compõem estrelas, planetas, etc. estão todos nesta categoria. Sem trocadilho, por enquanto, e não se sabe por quanto tempo, sob este aspecto
a ciência ainda está literalmente no escuro. De fato, não se sabe, ou
quase nada, sobre o que se encontra fora e além desses 4%, nas galáxias
perdidas da Energia escura. Estas galáxias, diz o Royal Astronomer Sir
Marteen Rees, não apenas são em princípio impossíveis de ser observadas agora – mas permanecerão para sempre fora do nosso horizonte.
[...] Um dia – quem sabe? – o homem avançará sobre o desconhecido,
para além dos limites do seu horizonte cósmico. Conquanto, a julgar
pelo estágio atual da cosmologia, esse dia esteja distante de raiar. É,
pois, muita pretensão de alguns cientistas discorrerem sobre o que
está para além do tempo e do espaço e da própria razão, quando
ainda lhes falta tanto para conhecer esta fatia do universo em que
vivemos – nossa própria casa.”
A dura constatação da expansão da miséria e das diversas misérias
humanas em pleno século XXI na face da Terra, também nos questiona
a respeito da finalidade da vida e da presença do Criador. O Documento
de Aparecida também nos provoca, afirmando: “É uma contradição dolorosa que o Continente com o maior número de católicos seja também
o de maior iniquidade social” (DAp 527).
Como manifestar a alegria de ser discípulo missionário diante
desta realidade? Quais são as nossas certezas, convicções que nos sustentam e nos animam, inclusive para contribuir com a mudança deste
quadro? A resposta é uma só: a consciência e certeza do amor de Jesus.
“A primeira causa da nossa alegria é a proximidade do Senhor, que me
3
Em seu livro: “Deus no banco dos réus – uma resposta da Ciência ao ateísmo militante’,
Florianópolis, Ed. Ledix, 2006, cap. 2º.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
51
Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
acolhe e me ama. De fato, do encontro com Jesus nasce sempre uma
grande alegria interior”4.
1 Consciência
Hoje, pressionados por uma cultura que nos quer convencer do
valor de uma vida sem Deus, os jovens cristãos ousam pautar sua vida
no que realmente vale a pena; querem estar firmes na fé em um nome,
em um rosto5, em um projeto de vida: Jesus Cristo.
Onde nossa vida está fincada? Quais são nossas raízes, nossas
opções fundamentais? Nossas raízes são profundas e aguentam as intempéries do cotidiano?
Atualmente há muitas alternativas de vida; há muitas vozes tentando nos convencer de seus princípios, inebriando-nos com propostas
de felicidade. O relativismo, por exemplo, nos seduz quando defende o
princípio da supremacia da verdade individual.
“O relativismo difundido, segundo o qual tudo equivale e não existe
verdade alguma, nem qualquer ponto de referência absoluto, não gera
a verdadeira liberdade, mas instabilidade, desorientação, conformismo
às modas do momento”6.
O hedonismo, por sua vez, nos atrai com seu discurso superficial
e incompleto sobre prazer. O consumismo enche nossos olhos com as
infindáveis ofertas de novidade, provocando-nos a aceitar pacificamente
a lei do descartável. A subjetividade, com a defesa do indivíduo, às vezes,
acaba se transformando em egoísmo ao nos conduzir à busca somente
daquilo que nos favorece, independentemente se isso possa trazer consequências negativas e prejudiciais para o outro e para a sociedade.
Diante desses “ismos” que nos afastam do caminho, Bento XVI
esclarece:
“para viver a verdadeira alegria, é necessário também identificar as
tentações que a afastam. A cultura atual com frequência induz a procurar
52
4
Bento XVI, Mensagem para a XXVII JMJ 2012.
5
A Mensagem do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus, em 2008, diz que por
Jesus “a Palavra eterna e divina entra no espaço e no tempo, assumindo um rosto e
uma identidade humana” (II.4).
6
Mensagem do Papa para a XXVI JMJ, 1.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Eduardo Pinheiro da Silva
metas, realizações e prazeres imediatos, favorecendo mais a inconstância
do que a perseverança na fadiga e a fidelidade aos compromissos. As
mensagens que recebeis incentivam a entrar na lógica do consumo, expondo felicidades artificiais. A experiência ensina que o ter não coincide
com a alegria: há tantas pessoas que, mesmo possuindo bens materiais
em abundância, com frequência sentem-se afligidas pelo desespero, pela
tristeza e sentem um vazio na vida. Para permanecer na alegria, somos
chamados a viver no amor e na verdade, a viver em Deus” 7 .
Uma coisa é certa: não dá para viver sem fazer escolhas. E a
escolha da ‘raiz’, da ‘rocha’, do fundamento, é a primeira e principal
das escolhas. Decidir ‘não escolher nada’ já é uma decisão, seguramente perigosa! Não escolher é viver à mercê do que parece mais atraente
em detrimento do que realmente é bom, um bem verdadeiro, saudável,
digno, santo. Todos sabem que só se pode construir algo seguro em base
sólida, caso contrário uma construção, apesar de bonita e agradável a um
primeiro momento, poderá desabar e trazer não só a destruição, mas o
desânimo de um recomeço. “Vós, jovens, tendes direito de receber das
gerações que vos precedem pontos firmes para fazer as vossas opções e
construir a vossa vida, do mesmo modo como uma jovem planta precisa
de um sólido apoio para que as raízes cresçam, para se tornar depois
uma árvore robusta, capaz de dar fruto.” 8
“O desafio para o jovem – assim como para todos os que aceitam
Jesus como caminho – é escutar a voz de Cristo em meio a tantas outras
vozes” (Doc 85, 60).
Ser ‘testemunhas de Cristo no Mundo’, mas em qual mundo?
As transformações culturais nos colocam diante do imperativo
da subjetividade, das inúmeras expressões da vivência do sagrado, da
centralidade das emoções. A individualidade é supervalorizada e, atualmente, corre-se o risco de minimizar o sentido comunitário e a busca
do bem comum. A vida em grupo e o espírito comunitário servem, neste
sentido, apenas como instrumento dos interesses particulares e não como
realidade teológica e vital. A força da razão vai cedendo lugar ao impulso
do coração, quando então as emoções, os sentimentos se destacam e ditam suas normas em vista do bem estar, geralmente individual. A busca
do Transcendente não caiu de moda – muito pelo contrário! – mas se
7
Mensagem para a XXVII JMJ 2012.
8
Mensagem do Papa para a XXVI JMJ, 1.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
53
Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
tornou algo da esfera particular e sentimental e, às vezes, superficial e
irracional.
O caminho do cristão é outro.
“Não pode jamais pensar que o crer seja um fato privado. A fé é decidir
estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz
na compreensão das razões pelas quais acreditamos. A fé, precisamente
porque é um ato da liberdade, exige também assumir a responsabilidade
social daquilo que se acredita” 9 .
Também a inspiração da JMJ Rio 2013 aponta para a necessidade
de convivência com espírito de generosidade: “Não se pode ser feliz se
os outros não o são: por conseguinte, a alegria deve ser partilhada.
Ide contar aos outros jovens a vossa alegria por ter encontrado aquele
tesouro precioso que é o próprio Jesus”10.
Principalmente no mundo juvenil, há o forte impacto das novas
tecnologias, dos diversos e sempre novos meios de comunicação, dos
relacionamentos virtuais. Não só, nós adultos, não conseguimos acompanhar a rapidez das inovações neste campo e o manuseio técnico dos
instrumentos, como, pior ainda, não conseguimos entender suficientemente toda a dinâmica produzida nos sentimentos, reflexões, opções, relacionamentos, linguagem juvenil e a lógica que aí impera. Esse impacto
gera, então, um divisor de águas com enormes desafios de comunicação
entre as gerações.
Contemplamos, também, a triste realidade de uma sociedade
que ainda não vive suficientemente a justiça, a partilha dos benefícios do
desenvolvimento econômico e social, a inclusão, a paz, a solidariedade.
A miséria e suas consequências ainda fazem parte de muitas realidades.
A juventude brasileira11 enfrenta os embates do narcotráfico, das
violências, das consequências nefastas da desestruturação do
núcleo familiar, da desconstrução de valores fundamentais, das
provocações dos princípios consumistas, hedonistas, individualistas
e do relativismo.
9
Bento XVI, Porta Fidei, 10.
10
11
54
Mensagem para a XXVII JMJ 2012
IBGE 2010: jovens de 15 a 29 anos: 51.340.473 = 27,65% da população.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Eduardo Pinheiro da Silva
2 Certeza
Diante de tudo isso, não podemos perder de vista nossas convicções!
A dignidade e a força do nosso Batismo nos colocam frente a
toda esta realidade de maneira profética e animadora. Os desafios do
momento presente – como de qualquer momento – jamais poderão enfraquecer ou desviar o seguidor de Jesus Cristo. O Apóstolo Paulo nos
recorda: “Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação, angústia,
perseguição, fome, nudez, perigo, espada? ... Em tudo isso, somos mais
que vencedores, graças Àquele que nos amou” (Rm 8,35.37).
O batizado é aquele que, inserido numa Comunidade de fiéis – a
Igreja – se sente amparado, valorizado, acompanhado, fortalecido, instruído pelo Senhor da Vida que veio no meio de nós ‘como aquele que
serve’, em vista da Vida em abundância de todos.
“Sem vida em comunidade, não há como efetivamente viver a proposta
cristã, isto é, o Reino de Deus. A comunidade acolhe, forma e transforma,
envia em missão, restaura, celebra, adverte e sustenta. Ao mesmo tempo
em que se constata, nesta mudança de época, uma forte tendência ao
individualismo, percebe-se igualmente a busca por vida comunitária”
(DGAE 94, 56).12
A experiência pessoal nos revela que naturalmente buscamos segurança, firmeza na vida. Há um desejo profundo e uma busca incessante
por algo que dê sentido à existência, dinamize o cotidiano, garanta uma
vida feliz. A amizade com Jesus, tão gostosa e necessária e cuja iniciativa é dele mesmo, deve ir além de um simples sentimento prazeroso. O
discípulo de Jesus forçosamente se torna divulgador desta experiência tão
marcante! Não se entende uma pessoa que se diz apaixonada por alguém,
que não fale deste alguém aos outros. Nossas agradáveis e profundas
experiências de relacionamento são naturalmente comunicadas com
brilho nos olhos, fogo no coração e mãos sedentas de ações concretas. Se
não buscamos em Deus este ‘algo’ que nosso coração reclama, iremos,
inevitavelmente, buscar em outras coisas para sanar esta falta. Precisamos acreditar em alguma coisa! O ser humano não vive sem acreditar,
sem depositar sua vida em um conjunto de crenças. “Todas as gerações
sentem este impulso de ir além do habitual. Faz parte do ser jovem –
diz o papa – desejar algo mais do que a vida quotidiana regular de um
12
Ver também Mensagem do Sínodo dos Bispos, III; e Verbum Domini, II Parte.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
55
Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
emprego seguro e sentir o anseio pelo que é realmente grande. Trata-se
apenas de um sonho vazio que esvaece quando nos tornamos adultos?
Não, o homem é verdadeiramente criado para aquilo que é grande, para o
infinito. Qualquer outra coisa é insuficiente. Santo Agostinho tinha razão:
o nosso coração está inquieto enquanto não repousar nEle.”13
Mais especificamente costumamos dizer ‘todo discípulo é missionário’. Como não se concebe um missionário que não seja um apaixonado
por Aquele que o envia, não se pode entender um discípulo que não seja
missionário do único projeto que realmente realiza por completo o ser
humano e pode garantir a bela experiência de convivência e corresponsabilidade comunitária e social.
A afirmação contida em diversos documentos eclesiais de que ‘o
jovem é o evangelizador privilegiado de outros jovens’ nos convoca
a olhar para ele com muita atenção. “Os jovens e adolescentes – diznos o Documento de Aparecida, 443 – ... representam enorme potencial
para o presente e o futuro da Igreja e de nossos povos, como discípulos
e missionários do Senhor Jesus.” O jovem tem uma contribuição ímpar
da qual nem ele próprio está consciente. Ao renovar periodicamente a sua
opção afetiva e efetiva pela juventude, a Igreja está acolhendo a realidade
teológica da manifestação constante de Deus para garantir o novo que
jamais pode faltar no seu Plano de Salvação para a humanidade:
“Considerar o jovem como lugar teológico, é acolher a voz de Deus
que fala por ele. A novidade que a cultura juvenil nos apresenta neste
momento, portanto, é sua teologia, isto é, o discurso que Deus nos faz
através da juventude. De fato, Deus nos fala pelo jovem. O jovem, nesta
perspectiva, é uma realidade teológica, que precisamos aprender a ler
e a desvelar” (Doc 85, 81).
Podemos dizer, então: a fé é algo necessário, natural e possível
ao coração humano! É ‘necessário’ porque nos dá sentido de vida e
segurança para caminhar. É ‘natural’ porque o ser humano é capaz de
acreditar, mesmo naquilo que não se vê, não se mede, não se quantifica.
É ‘possível’ porque desde pequenas coisas o ser humano faz experiência
de colocar uma certa dose de confiança e credibilidade.
Porém, para sustentar esta certeza, precisamos ter clareza do que
é a fé e em que ela se apoia.
13
56
Mensagem do Papa para a XXVI JMJ, 1.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Eduardo Pinheiro da Silva
“A fé é a certeza daquilo que ainda se espera, a demonstração de realidades que não se veem. Por ela, os antigos receberam um bom testemunho
de Deus. Pela fé compreendemos que o universo foi organizado por uma
palavra de Deus, de sorte que as coisas visíveis provêm daquilo que não
se vê” (Hb 11,1-3). “A fé é uma adesão pessoal do homem a Deus; é o
assentimento livre a toda a verdade que Deus revelou” (CIC 150).
A fé, dom de Deus e a serviço do sentido da vida, necessita indiscutivelmente de condições favoráveis para seu desenvolvimento,
que somente a vida comunitária – a Igreja – poderá proporcionar. É a
Igreja quem vai fornecer os nutrientes para que esta ‘raiz’ sobreviva e
cumpra seu papel de produzir felicidade pessoal e compromisso pelo
bem comum.
“A nossa fé pessoal em Cristo, nascida do diálogo com Ele, está ligada
à fé da Igreja: não somos crentes isolados, mas, pelo Batismo, somos
membros desta grande família, e é a fé professada pela Igreja que dá
segurança à nossa fé pessoal. O credo que proclamamos na Missa
dominical protege-nos precisamente do perigo de crer num Deus que
não é o que Jesus nos revelou: ‘Cada crente é, assim, um elo na grande
cadeia dos crentes. Não posso crer sem ser motivado pela fé dos outros,
e pela minha fé contribuo também para guiar os outros na fé’ (CIC, 166).
Agradeçamos sempre ao Senhor pelo dom da Igreja; ela faz-nos progredir
com segurança na fé que nos dá a vida verdadeira.”14
A fé não é algo mágico nem se pode compreendê-la repentinamente. É crendo na origem divina deste dom e exercitando-a em nosso
cotidiano que compreenderemos a sua grandeza e valor.
Acreditamos que, para viver uma vida ‘enraizada em Cristo’, é
preciso conhecê-lo, amá-lo e organizar-se a partir de sua proposta. Vejamos estes três exercícios complementares15:
a) “Conhecer”: Numa conversa com um jovem universitário que
busca ‘razões de sua fé’, recordei-lhe que para nós, cristãos,
o conhecimento de Deus se dá na experiência conjunta do
aprofundamento de sua Palavra, na celebração de sua Vida, no
exercício da Caridade. Conhecemos Deus acolhendo-O em sua
14
Mensagem do Papa para a XXVI JMJ, 5.
15
A celebração do Ano da Fé propõe à Igreja fortalecer a fé em suas quatro dimensões:
fé professada, celebrada, vivida e rezada, conforme as quatro partes do Catecismo
(Porta Fidei, 9).
Encontros Teológicos nº 63
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57
Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
Palavra, principalmente presente na Sagrada Escritura (estudo e
Lectio Divina) e nos pronunciamentos do Magistério da Igreja
que tem a missão de continuar, motivar e esclarecer a vontade
divina sobre o ser humano. Conhecemos Deus celebrando-O
através da liturgia, dos sacramentos (especialmente a Eucaristia e a Penitência), da oração pessoal e comunitária, em
ritmo de festa e convivência. Conhecemos Deus no exercício
da Caridade cristã com o próximo (amigos, familiares, colegas...), principalmente com aqueles que se encontram mais
excluídos, marginalizados, violentados, empobrecidos pelas
nossas estruturas.
b) É claro que estes caminhos expostos só serão completos se se
“amar” Aquele que não se cansa de se revelar. Apaixonar-se
por Cristo, o Filho enviado e muito amado do Pai, se torna
essencial. O envolvimento afetivo com Ele é fundamental:
sentir-se amado, valorizado, encorajado, curado, apoiado,
corrigido, liberto, salvo. E é interessante recordar que isto só
é possível porque Ele, por primeiro, nos amou e nos possibilitou o acesso: “Jesus, olhando bem para ele, disse-lhe com
amor: vende tudo, dá aos pobres... vem e segue-me” (Mc 10,
21) ; “Um samaritano chegou perto dele, viu, e moveu-se de
compaixão. Aproximou-se dele e tratou-lhe as feridas” (Lc 10,
33-34); “Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus
se aproximou e começou a caminhar com eles” (Lc 24, 15);
“Chamo-vos amigos” (Jo 15,15). Jesus Cristo é um apaixonado
por nós e, ao conscientizar-se disto, “O discípulo é alguém
apaixonado por Cristo, a quem reconhece como o mestre que
o conduz e acompanha” (DAp 277).
58
Esta relação afetiva com Jesus Cristo se dará de maneira
equilibrada, na medida em que, ao estudar sobre Ele, vamos
nos deixando invadir pelo Espírito Santo. É este Espírito que
faz arder nosso coração quando ouvimos a apresentação que
Jesus faz de si mesmo: “Eu sou Jesus, o primeiro e o último,
o começo e o fim, a luz do mundo, o Caminho, a Verdade, a
Vida, o pão da vida, o pão descido do céu, o bom pastor, a
porta das ovelhas, a fonte de água viva, a videira verdadeira,
a ressurreição e a vida. Podem ficar sossegados. Sou Eu! Não
precisam ter medo! A paz esteja com vocês!” (cf Ap 1,17-18 ;
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Eduardo Pinheiro da Silva
9,5 ; Jo 6,7.35; 7,37; 8,12; 10,11; 11,25; 12,46; 14,6; 15,1-2;
20,19 ; Mt 14,27).
Jesus Cristo é Deus feito homem e, pela Encarnação, se torna
presente, atual, acessível, envolvente. A aliança que o Pai faz
com a humanidade agora se torna mais clara pelo Filho, e segura pela ação do Espírito Santo. Revela e manifesta o amor
de Deus Pai que é constante na nossa vida; conscientiza-nos
de nosso compromisso fraternal que deve gerar corresponsabilidade. “Jesus é o rosto humano de Deus e o rosto divino do
homem” (Ecclesia in America, 67). Ele nos livra do pecado e da
morte; enche-nos de sentido e segurança: “Eu sou o Caminho,
a Verdade e a Vida” (Jo 14, 6).
Temos a certeza, então, de que Deus não é uma ideia ou um
conteúdo filosófico ou uma personalidade histórica passada!
Portanto, “não se começa a ser cristão por uma decisão ética
ou uma grande ideia, senão pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá um novo horizonte à vida e,
com ele, uma orientação decisiva”16.
c) Conhecer e amar profundamente a Deus sobre todas as coisas
nos cativa e orienta a “organizar” toda a vida a partir do tesouro
que se descobriu. Sabemos que ‘quem ama se compromete’.
Deus é o primeiro a amar e a se comprometer com nossa vida...
até as últimas consequências. Seu compromisso não é só de palavras nem de sentimentos, mas de vida concreta, de um projeto
pessoal que Ele assume desde todos os tempos para conosco:
“Conheço meus projetos sobre vocês, são projetos de felicidade
e não de sofrimento, para dar-lhes um futuro e uma esperança”
(Jr 29,11). Podemos dizer que Deus, amando-nos, se organiza
para que sejamos felizes, curados, salvos. Inspirados por esta
verdade teológica, somos convocados a agir da mesma forma:
nosso amor para com Deus necessariamente nos compromete
à organização do projeto pessoal de vida. Nossas motivações,
sentimentos, reflexões, comportamentos, opções precisam ser
todos eles iluminados, pautados, organizados pela vontade de
Deus, que é a única que carrega em si todo o sentido, a beleza
e o destino feliz de nossa existência. Também estamos certos
de que, sem um consistente discernimento vocacional e ade16
Bento XVI, Deus Caritas Est, 1.
Encontros Teológicos nº 63
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Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
quação da própria vida, a partir de passos bem concretos, em
vista do chamado específico que Deus faz a cada um, não se
pode encontrar a felicidade nem afirmar que se está ‘enraizado
em Cristo’.
3 Vivência
Os conhecimentos teóricos de nada valem se não se traduzem
em vida, se não se transformam em possibilidades de felicidade para
todos.
Três palavras-chave para nossa reflexão: ‘testemunhas-CristoMundo’.
A consciência e a vivência do ser discípulo missionário de Jesus
Cristo nos capacitam em nossa responsabilidade de sermos testemunhas
Dele. Em primeiro lugar, é urgente testemunharmos ao mundo, muitas
vezes descrente e descristianizado, a existência e a força do amor divino que nos cria, nos escolhe, nos satisfaz, nos reúne, toma sempre a
iniciativa, se entrega totalmente, nos capacita e nos fortalece em nossa
missão. Como seria bom se todos pudessem perceber em nossas palavras
e procedimentos o entusiasmo natural de quem encontrou o verdadeiro
tesouro e não teve dúvidas em vender tudo por sua causa. “Conhecer a
Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-lo é uma graça, e transmitir
este tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos confiou ao nos
chamar e nos escolher” (DAp 18).
Quanto ao ‘mundo’, ainda enfrentamos uma triste realidade não
condizente com a dignidade humana; falta muito para que a pessoa seja
favorecida em todas as suas necessidades e direitos, se reconheça um
ser criado, valorize os compromissos de solidariedade entre seus semelhantes. Por outro lado, quanto a Jesus Cristo, fazemos a experiência
de envolvimento com Ele; e isto nos preenche e anima.
Entre estas duas realidades (mundo e Jesus Cristo) nos entendemos como testemunhas de Cristo para a vida da humanidade, segundo
o Evangelho e sob a ação do Espírito Criador.
Damos, também, testemunho ao mundo, quando investimos na
vivência comunitária e deixamos claro que ser Igreja é muito mais do
que ‘estar’ na Igreja. Sentir-se parte integrante dela e, por ela, deixar-se
iluminar e se entregar de forma adulta e comprometida provocará as cons-
60
Encontros Teológicos nº 63
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Eduardo Pinheiro da Silva
ciências individualistas e utilitaristas a uma abertura para a convivência
e o engajamento eclesial. Testemunhamos ao mundo a alegria de fazer
parte da Igreja e de se deixar orientar por Ela? Como está meu grau de
comprometimento com a missão e santidade da Igreja no mundo?
Essa missão é o destaque que já vem sendo dado no tema para a
Jornada Mundial da Juventude do Rio de Janeiro. O tema é um versículo do Evangelho de Mateus: Ide, pois, fazer discípulos entre todas
as nações! (Mt 28, 19).
E assim, chamando os jovens de amigos, o Santo Padre conclui a
sua Mensagem para a XXVII Jornada Mundial da Juventude 2012:
“Queridos amigos, para concluir, gostaria de vos exortar a ser missionários da alegria. Não se pode ser felizes se os outros não o são: por
conseguinte, a alegria deve ser partilhada. Ide contar aos outros jovens
a vossa alegria por terdes encontrado aquele tesouro precioso que é o
próprio Jesus. Não podemos ter só para nós a alegria da fé: para que
ela possa permanecer conosco, devemos transmiti-la. São João afirma:
«Aquilo que ouvimos e vimos, nós vo-lo anunciamos, para que também
vós entreis em comunhão conosco... Escrevo-vos estas coisas, para que
a nossa alegria seja plena» (1Jo 1,3-4)”.
Cristo, acima de tudo, conta com nossa força de persuasão e de
ação junto à sociedade, em seus diversos aspectos e realidades. Testemunhar a força do Evangelho neste mundo em que vivemos nem sempre
é simples e tranquilo. Mas foi neste mundo e para esta tarefa que Deus
nos enviou! Quantos desafios frente à ciência, à cultura, à sociedade,
à política, às diversas expressões religiosas. A integração (diálogo) da
fé nestas realidades todas se faz urgente! Como implantar a ética cristã – que por ser completa é a proposta para todos os cidadãos – neste
contexto geralmente agressivo e avesso a tudo aquilo que se refere ao
transcendente?
Testemunhar Cristo no mundo nos coloca, também, em situações
de risco, sofrimento e renúncia. Não podemos ignorar esta condição
impregnada em nossa opção fundamental pelo Mestre. É o sentido da
Cruz de Cristo em nossa vivência! Bento XVI recorda aos jovens:
“Muitas vezes a Cruz assusta-nos, porque parece ser a negação da vida
(da felicidade e do prazer). Na realidade, é o contrário! Ela é o ‘sim’
de Deus ao homem, a expressão máxima do seu amor e a nascente da
qual brota a vida eterna... Portanto, não posso deixar de vos convidar
Encontros Teológicos nº 63
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Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
a aceitar a Cruz de Jesus, sinal do amor de Deus, como fonte de vida
nova. Fora de Cristo morto e ressuscitado, não há salvação! Só Ele pode
libertar o mundo do mal e fazer crescer o Reino de justiça, de paz e de
amor pelo qual todos aspiram”17
Nossa vivência batismal atual tem-nos preparado para isto? Somente
quem está apaixonado conseguirá enfrentar as adversidades. Somente
o amor carrega a força de que necessitamos para não nos deixarmos
vencer. Mais ainda: devemos, inclusive, estar convictos de que “ser
cristão não é uma carga, mas um dom” (DAp 28).
Há muito por fazer, mas não podemos deixar de reconhecer os
inúmeros jovens que, na entrega generosa do ‘Bom Samaritano’, não
medem esforços para contribuir com a diminuição das injustiças, dos
sofrimentos, das carências que atingem muito o nosso povo brasileiro.
O serviço solidário e as grandes reivindicações por vida mais digna
aparecem no cenário eclesial no meio daqueles jovens que estão mais
esclarecidos e empolgados pelo Evangelho de Jesus Cristo. A Campanha
Nacional que grita contra a violência aos jovens e entre os jovens no
Brasil, encabeçada pelas pastorais da juventude, tem sido uma destas
lutas e é um exemplo disto. É preciso que cresça o número de jovens
gritando contra a violência e a morte, geradas principalmente pelas drogas e bebidas alcoólicas, pelas aventuras no trânsito, pelo radicalismo
de gangues, pelos grupos de extermínio, pelas exclusões sociais, pela
vivência desregrada da sexualidade, pelo mau uso das novas tecnologias,
pelas famílias destruídas. Inúmeros jovens não têm medido esforços para
amenizar a dor daqueles menos favorecidos na sociedade. Como é bom
encontrar jovens que acolhem o chamado de Deus para serem protagonistas de um novo tempo e aceitam o convite para o serviço voluntário
cristão. Há poucos meses, por exemplo, ouvi com prazer o testemunho
de Jessyê e Antony que, morando no Exterior e há pouco tempo casados,
decidiram comemorar esta bênção de Deus doando dois meses de suas
vidas ao trabalho exigente junto aos jovens de duas unidades da Fazenda
da Esperança no Brasil. E os desafios e sofrimentos, perguntei? Disseram
eles que foram amenizados pelas convicções extraídas das profundas
experiências da gratuidade do amor-serviço e da presença de Deus.
A Igreja está preocupada com a fragilidade de tantos católicos
que, no envolvimento com a dinâmica social, são pressionados a abrirem
mão dos valores fundamentais do Evangelho, que não são outra coisa
17
62
Mensagem do Papa para a XXVI JMJ, 3.
Encontros Teológicos nº 63
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Eduardo Pinheiro da Silva
que valores perenes e fundamentais para todos os homens e mulheres. É
urgente a formação da consciência para uma melhor integração fé-vida,
fé-razão, fé-ciência. Somente se os jovens estudantes e profissionais fizerem o aprofundamento desta integração poderão fazer a experiência, no
mínimo, de uma dupla satisfação: a de viver constantemente sintonizados
com a proposta de Deus, e a de poder contribuir com o desenvolvimento
da vida, da sociedade e da história, por meio da ética cristã. Estudem e
pratiquem esta síntese vital que os tornará mais alegres e capacitados
discípulos missionários para os novos tempos!
Os ‘jovens apóstolos de jovens’, mais próximos das novas invenções tecnológicas e da linguagem digital, são, sem dúvida alguma, os
únicos capazes de darem um auxílio de qualidade para as questões atuais
ligadas à linguagem virtual. Nós precisamos dos jovens, inclusive para
descobrirmos o que Deus tem a dizer à Igreja e à Sociedade atual neste
novo momento histórico, revolucionário e desconcertante. É uma verdadeira mudança de época e não simplesmente uma época de mudanças!
A situação está de tal maneira que se nós, adultos, não os valorizarmos
por convicção teológica de que a sua juventude é preciosa e necessária
– já, hoje! – precisaremos recorrer à sua contribuição ímpar no desenvolvimento da vida e da sociedade por uma questão de sobrevivência. A
missão de vocês, portanto – jovens discípulos e missionários de Cristo
– é muito especial! Vocês têm um duplo poder nas mãos: a naturalidade
e rapidez em compreender e conviver com esta realidade inovadora das
diversas formas de comunicação e, ao mesmo tempo, a experiência vital
da força do Evangelho como critério primeiro e único para o bem da
humanidade. Façam esta síntese e proporcionem à Igreja e à Sociedade
um salto de qualidade que os tempos modernos aclamam!
Muito bem resumiu nosso Documento de Aparecida em seu número 123:
“Louvamos a Deus por aqueles que cultivam as ciências e a tecnologia, oferecendo imensa quantidade de bens e valores culturais que
têm contribuído, entre outras coisas, para prolongar a expectativa de
vida e sua qualidade. No entanto, a ciência e a tecnologia não têm as
respostas às grandes interrogações da vida humana. A resposta última
às questões fundamentais do homem só pode vir de uma razão e ética
integrais, iluminadas pela revelação de Deus. Quando a verdade, o
bem e a beleza se separam; quando a pessoa humana e suas exigências
fundamentais não constituem o critério ético, a ciência e a tecnologia
voltam-se contra o homem que as criou.” E mais: “Necessitamos que o
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Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
zelo missionário nos consuma para levar ao coração da cultura de nosso
tempo aquele sentido unitário e completo da vida humana que nem a
ciência, nem a política, nem a economia nem os meios de comunicação
poderão proporcionar-lhe” (DAp 41).
Conclusão
O papa nos recorda em sua Mensagem para a JMJ 2011(1): “Deus
é a fonte da vida; eliminá-lo equivale a separar-se desta fonte e, inevitavelmente, a privar-se da plenitude e da alegria: ‘De fato, sem o Criador
a criatura esvaece’ (Gaudium et Spes, 36)”.
Somente o Criador – e com Ele! – a criatura se descobre e adquire
sentido em sua vida. Ele é o primeiro interessado em que sua Criação
chegue a um final feliz, e a história da Salvação nos prova esta incansável
intervenção para que a gente não somente atinja este destino vitorioso,
mas, desde já, O reconheça e com Ele se relacione numa expressão profunda de amor. “Deus é amor” (1Jo 4, 16) e somente no exercício do
amor a Ele e a todas as suas criaturas é que podemos conhecê-lo e nele
desenvolver toda nossa humanidade.
A revelação máxima do significado de nossa vida se dá em Jesus
Cristo. É Ele quem revela à pessoa humana a sua natureza, dignidade,
vocação. É a resposta de Deus às grandes aspirações que se alojam em
cada um de nós. “A Igreja sabe, por revelação de Deus e pela experiência
humana da fé, que Jesus Cristo é a resposta total, superabundante e
satisfatória às perguntas humanas sobre a verdade, o sentido da vida e
da realidade, a felicidade, a justiça e a beleza” (DAp 380).
Estamos esperando o quê para firmarmos ainda mais a nossa fé
Naquele que se revelou e se entregou totalmente a nós, por amor, nosso
Bom Pastor, Jesus Cristo?!
‘Enraizar-se em Cristo’ não pode ser apenas uma expressão bonita e impactante. Precisamos efetivar esta verdade em nosso dia a dia.
As raízes se expandem, crescem, porque têm consciência de sua
missão e sabem que sua busca não será em vão. Elas geralmente não
aparecem nem são notadas, mas sua missão, quando cumprida, faz gerar
vida e graça para as pessoas.
‘Enraizados em Cristo’ teremos a firmeza de que precisamos na
vida e produziremos os devidos frutos que, além de nos trazer alegria,
64
Encontros Teológicos nº 63
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Eduardo Pinheiro da Silva
contribuirão com o processo de desenvolvimento da humanidade que é
chamada a crescer sempre.
Podemos crer em Cristo mesmo sem vê-lo (cf. carta do papa): nos
sacramentos (Eucaristia, Reconciliação), nos pobres e doentes, nos que
precisam de ajuda, nos momentos de oração, na participação de vida
comunitária, etc.
Enfim, podemos afirmar que a opção fundamental por Jesus Cristo
(= nossa Raiz!), que a um primeiro momento exige uma decisão pessoal,
nos envolve na família dos que se entregam a esta lógica (= a Igreja)
e nos compromete na corresponsabilidade de serviço ao próximo e à
sociedade em vista da construção da Civilização do Amor.
“Sem vida em comunidade, não há como efetivamente viver a proposta
cristã, isto é, o Reino de Deus. A comunidade acolhe, forma e transforma,
envia em missão, restaura, celebra, adverte e sustenta. Ao mesmo tempo
em que se constata, nesta mudança de época, uma forte tendência ao
individualismo, percebe-se igualmente a busca por vida comunitária”
(DGAE 94, 56).
Para dinamizar a reflexão deste artigo, os jovens podem partilhar algumas experiências concretas da importância da Fé. Quem
sabe, também, alguém possa relatar uma situação e nos provocar na
busca de soluções.
99 Como a fé influencia na vida? Quais foram as experiências
pessoais mais fortes de fé? Quando ela me sustentou, curou,
recuperou, impulsionou, corrigiu?
99 Que situações abalam, desafiam, põem em perigo nossa fé
jovem?
99 Em que sentido podemos falar da dimensão pessoal, comunitária e social da fé?
99 Como se adquire e se alimenta a fé que, sendo dom de
Deus, exige cuidados especiais de nossa parte?
99 Como andam o estudo da Sagrada Escritura e o exercício
da Lectio divina em minha vida?
99 Qual tem sido a fidelidade participativa, a qualidade de envolvimento, a frequência pessoal quanto aos sacramentos da
vida cristã, à participação eucarística dominical, à oração
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65
Espiritualidade juvenil: a alegria de ser firme na Fé
pessoal diária, à vivência eclesial no espírito de família,
comunhão e participação?
99 Como exercito a Caridade cristã na sociedade em que vivo
e para a qual fui enviado por Deus? Qual valor e prática
quanto ao voluntariado juvenil?
99 Qual é o conhecimento e o relacionamento afetivo que
tenho travado com a pessoa de Jesus Cristo, Filho amado e
revelado pelo Pai para nossa felicidade?
99 Quanto à organização do Projeto Pessoal de Vida com um
consistente discernimento vocacional: qual o chamado que
Deus faz à minha história? Tenho um PPV pensado, rezado,
elaborado, escrito, avaliado periodicamente?
Endereço do autor:
Rua Armando de Oliveira 448
Bairro Amambaí
79008-010 Campo Grande, MS
66
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Resumo: O modo de ser jovem é uma construção social. O meio em que o
jovem se encontra incluencia na construção de seus projetos, suas opções,
seus valores. Assim foi com o jovem de todas as épocas. O jovem dos da modernidade é objeto de desejo, como juventude eterna. A juventude é mais uma
representação simbólica do que uma condição biológica. O jovem dos anos 60,
integrados nos movimentos de mudanças culturais, apresenta-se como o jovem
da rebeldia e resistência. A juventude brasileira frente ao regime militar tem um
perfil de atuação política integrada nos movimentos sociais. É um grande desafio entender o conceito de cultura juvenil, caracterizada hoje pela urbanidade.
Para a Igreja, esse conceito está em sintonia com a evangelização do mundo
jovem. O jovem é aberto à proposta da fé cristã. Mas a Igreja precisa utilizar a
linguagem e os meios apropriados para que os valores do Evangelho tenham
incidência na cultura juvenil dos nossos tempos.
Abstract: The way of being young is a social construction. The middle in which
the young finds himself influences in the construction of his projects, his options,
his values. So it has been with the young men and women of all times. The
young of the modernity has the desire of the eternal youth. The youth is more
a symbolic representations than a biological condition. The young of the years
60, integrated in movements of cultural changes, presents himself as the young
of the rebelliousness and resistance. The brasilian youth in front of the military
regime has a profile of political actuation integrated in the social movements.
It’s a big challenge to understand the concept of juvenile culture, characterized
today by urbanity. To the Church, this concept is in harmony with the evangelization of the young world. The young men and women are open to the proposal
of the Christian faith. But the Church needs to employ the language and the
means necessary to make the values of the Gospel meaningful to the juvenile
culture of our times.
Cultura juvenil
Antonio Ramos do Prado, sdb*
*
O autor é Mestre em Pastoral Juvenil pela Universidade Salesiana do Equador. Salesiano de São Paulo. Assessor da CEPJ da CNBB.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012, p. 67-80.
Cultura juvenil
Introdução
O presente artigo tem como proposta apresentar e analisar as características mais significativas da cultura juvenil urbana. A juventude é
como uma fase da vida do ser humano. Assim, entendemos que a cultura
juvenil muda, de acordo com o tempo e o lugar onde a pessoa vive. Alguns
autores, como Feixa (1999), acreditam que a cultura juvenil consiste no
modo como os jovens se manifestam no grupo, por meio da construção
de vários etilos e formas de vida.
Segundo o pensador Maffesoli (2006), a urbanidade é o espaço
apropriado para as organizações juvenis. Para Costa (2000), o mundo
urbano é o espaço de sociabilidade das culturas, no qual criam e recriam
seus costumes e comportamentos. Cada tempo é reinventado, permanentemente, é imaginado, e nele a experiência de pertencer a um dado grupo
é cotidianamente vivida pelos jovens.
1 Aspecto histórico da cultura juvenil
O conceito “juventude” constitui uma construção social que possui
uma origem histórica e apresenta variações substantivas quanto à forma e
quanto aos conteúdos, com relação aos que foram chamados de “jovens”
no passado e, certamente, dos que serão chamados assim no futuro. Neste
sentido, a juventude, assim como hoje é entendida e conhecemos, é uma
forma de comportamento resultante de uma realidade histórica, que se
associa à formação da sociedade industrial moderna. Não é que, estritamente, não houvesse juventude antes, mas sua construção obedecia a
um modelo social diferente, ao qual se associavam conteúdos também
diferentes dos de hoje
1.1 Cultura juvenil e era moderna
Nos primórdios da era moderna, a fronteira entre a infância e a
juventude ainda não era tão definida. Para a maioria da população, a
escola ainda não se colocara em contraposição à vida de trabalho, como
normalmente ocorre hoje. Somente quando a frequência escolar tornouse obrigatória, no contexto do início do século XIX, passou a adotar-se
68
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Antonio Ramos do Prado, sdb
o corte dos catorze anos, estabelecendo uma clara demarcação entre
infância e juventude.1
Como em todas as épocas, os jovens modernos ardem em desejos,
promovem encontros nos becos, nas vias públicas, jovens de ambos os
sexos costumam frequentar e marcar encontros à noite no cemitério.
Estende-se então a longa mão das autoridades, vigiando e reprimindo as
atitudes dos jovens.2 Outro aspecto da juventude masculina, moderna,
consiste na atitude de dar sustos. Assustar as pessoas, sobretudo mulheres e crianças, uma atuação ritual que gira ao redor dos dois polos, da
coragem e do medo. Segundo Schindler, tal postura “confirma os papéis
sexuais tradicionais, e pode ser levada a cabo com êxito quando se está
protegido pela escuridão”.3 É nesse contexto que se explica por que no
carnaval tanta gente se mascarava de diabo: por exemplo, os jovens
insolentes vestiam-se de diabos ou então se envolviam em lençóis de
linho e assustavam as pessoas. Poderíamos olhar para a nossa sociedade
hodierna e pensar em quantos jovens usam cadernos e camisetas com
caveiras, imagens de filmes de terror etc.
Em outros momentos, jovens obstruíam passagens, colocando
troncos no meio do caminho e em becos escuros, para fazer tropeçar
quem passasse de noite, utilizavam também rodas de carros para bloquear estradas ou até mesmo o decurso normal de água, sempre com a
clara intenção de subverter a ordem estabelecida. Nessas molecagens e
vagabundagens noturnas dos jovens, vigorava a lei não escrita, não oficial
de que lhes pertencia tudo o que estava pelas ruas, sem limites. Todos
esses atos de vandalismo e excessos exibicionistas eram acompanhados
de uma gritaria selvagem, feita de berros e fúrias, de bater e socar em
caixas, perturbando a paz noturna e assustando velhinhos e enfermos.
Normalmente, os adultos se limitavam em ficar de olho nas ações e
inclinações dos próprios filhos, que para eles estavam crescendo. Essas
liberdades juvenis, essas correrias e inventadas e praticadas em grupo
representavam um campo de experiência e de aventuras e até mesmo
de integração social que se enfraqueceria lentamente, com a passagem
1
Cf. Schindler, Norbert. Os tutores da desordem: rituais da cultura juvenil nos primórdios da era moderna. In: LEVI, G.; SCHMIDT, J. (Org.). História dos Jovens: Da
antiguidade à era moderna. Vol 1.São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 270.
2
Cf. Ibid., 282-283.
3
Ibid., 285.
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69
Cultura juvenil
para a fase adulta e a aquisição de funções diferenciadas e baseadas na
propriedade e no status social.4
A juventude do início da era moderna permanecia inquieta, pois
grande mudança estava acontecendo. Com o século XX, o mundo do
consumismo positivou o ideal de juventude, passando a ser objeto de
desejo, sonhado por muitos, como a eterna juventude. Ideal que não deixa
de ser triste, pois se trata de uma utopia daqueles que desejam permanecer jovens para sempre, mas têm a época da juventude pelas costas.
Nesse contexto, a juventude passou a não mais ser definida pela condição
biológica, assumindo uma representação simbólica. Neste sentido, as
pessoas deixaram de ser jovens em decorrência apenas da idade, mas
por assumirem características próprias da juventude. Revela-se, então,
pelo modelo da condição juvenil, um apelo mais geral: o direito de fazer
retroceder o relógio da vida, tornando provisórias decisões tanto profissionais quanto existenciais, visando dispor de um tempo que não se pode
medir somente em termos de objetivos concretos.5 O jovem perde seu
espaço e sua identidade, enquanto outros a desejam e adquirem, mesmo
que parcialmente.
1.2 Juventude brasileira frente ao regime militar
É importante destacar ainda o perfil da juventude brasileira frente
ao regime militar. Uma juventude de muitos rostos, porém com o poder
de unir os diversos movimentos, abalando as convicções e as certezas da
década de 60, como constata Luís Antonio Groppo: “Ações estudantis,
beatniks, hippies, culto às drogas, misticismos orientais e contracultura,
guerrilheiros socialistas [...]. Tal juventude se expressa na valorização da
coragem guerrilheira e da opção pela luta armada”.6 Podemos acrescentar,
na diversidade de grupos, os escritores, intelectuais, gente do teatro, da
música e do cinema, perseguidos pela censura, toda uma geração que
não hesitou em pegar em armas e fazer resistência à ditadura, buscando
mudar, transformar a realidade social, compondo uma nova alternativa
70
4
Cf. Schindler, Norbert. Os Tutores da Desordem: Rituais da cultura juvenil nos
primórdios da era moderna. In: LEVI, G.; SCHMIDT, J. (Org.). História dos jovens: da
antiguidade à era moderna: 1.São Paulo: Companhia das Letras, 1996 p. 302.
5
Cf. Melucci, Alberto. Juventude, tempo e movimentos sociais. Revista Brasileira
de Educação. Juventude e contemporaneidade, São Paulo: Bartira, No 5 e 6, maiodezembro, 1997. Edição especial. p. 13.
6
Groppo, Luis Antonio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis de
1968. Piracicaba: Unimep, 2005, p. 15.
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Antonio Ramos do Prado, sdb
política, uma outra forma de viver a sexualidade, uma espiritualidade
original, uma distinta relação com a família.7
Nesse contexto, as principais capitais do País, principalmente Rio
de Janeiro, São Paulo e logo Brasília, em pouco tempo se tornaram praças
de guerra onde estudantes e policiais se enfrentavam quase diariamente.
O estopim foi a morte de um estudante, assassinado em uma operação
policial de repressão a um protesto em frente ao restaurante universitário
chamado “Calabouço”. Sobre esse episódio Zuenir Ventura relata que
“Em 68, a morte de alguém, mesmo a de um jovem desconhecido, podia levar o País a uma crise e o povo à indignação, como levou naquela
sexta-feira, 29, em que 50 mil pessoas acompanharam o corpo de Edson
Luís Lima Souto ao cemitério São João Batista.”8
Outro evento que evidenciou a força dos jovens, seu profundo
desejo de mudança, e o apoio de uma sociedade com medo, foi a passeata
dos 100 mil, que, em protesto à morte de Edson Luís de Lima, em plena
ditadura militar, parou as ruas do Rio de Janeiro.
É importante lembrar que, no mundo inteiro, o ano de 1968 foi
marcado por diversas manifestações. A juventude mundial sofria as disparidades dessa época, e com os jovens brasileiros não foi diferente. No
entanto, tais movimentos não esgotavam as juventudes brasileiras, nem
mesmo contemplavam a maioria dos jovens. Apenas uma pequena parcela
de jovens conscientes e politizados estava à frente de tais movimentos.
Podemos dizer que eram o “fermento na massa”.
Os jovens passavam por profundas mudanças de ordem pessoal
e social. Muitos mudaram a maneira de se vestir, deixaram os cabelos
crescerem, aderiram ao jeans, andavam descalços. Reavaliavam os valores sociais. Um fato interessante foi o 30º Congresso Nacional da UNE,
realizado em um sítio em Ibiúna, interior de São Paulo. O Congresso
terminou com a maioria dos jovens sendo presos. Os jovens foram
interrogados, presos, torturados e em muitos casos deportados do País.
Em 13 de dezembro de 1968, um golpe mortal para juventude e para o
País, o Ato Institucional número 5 passou a vigorar. Uma ditadura sem
disfarce, no qual o Congresso Nacional, a Assembleia Legislativa e algumas Câmaras Municipais foram postas em recesso. Muitos políticos
7
Cf.: Abramo, Helena; Freitas, Maria Virginia de; Sposito, Marilia Pontes (Org.).
Juventude em debate. São Paulo: Cortez, 2000, p. 42.
8
Ventura, Zuenir. 1968 O ano que não terminou. 3. ed. São Paulo: Planeta do Brasil,
2008. p. 93.
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71
Cultura juvenil
foram cassados, prisões, desaparecimentos e torturas passaram a fazer
parte da rotina. Inúmeros mortos e desaparecidos, terminando este tempo
de ditadura com as Diretas já, no ano de 1984.
2 Conceito de cultura juvenil
O conceito de cultura juvenil alcança várias compreensões. É
possível identificar uma concepção de cultura juvenil nos documentos
da Igreja e também em alguns pensadores.
2.1 Cultura juvenil nos documentos da Igreja
Nos documentos papais, o Papa Paulo VI (1963-1978) fala do
drama entre cultura e evangelização. O Papa destaca o desafio de promover a cultura sem perder a ternura do amor, que deve elevar a dignidade
humana acima da cultura. Focando especialmente a cultura juvenil, Paulo
VI demonstra uma preocupação com os jovens, pois a cultura confirma
a identidade da pessoa humana.
Nas Encíclicas de João Paulo II (1978), torna-se notória a preocupação com os jovens e sua cultura. A Encíclica Dives in Misericórdia
(02/12/1980) aprofunda o texto do filho pródigo e menciona a cultura
do consumismo do filho mais novo em herdar os bens do pai. Ao mesmo
tempo, a Encíclica enfoca a cultura da misericórdia que marca profundamente o arrependimento do filho e a acolhida incondicional do pai.
Alguns anos mais à frente, o mesmo papa, na Encíclica Centesimus Annus
(01/05/1991), fala do Estado e da Cultura, afirmando a visão realista da
natureza social do homem, a qual exige uma legislação adequada para a
proteção de todos. Visa ajudar os jovens a terem uma consciência ética
dos seus direitos e deveres na sociedade.
Já antes, o Concílio Vaticano II, no Decreto Apostolicam Actuositatem (1968, n. 12), apresentara a cultura juvenil como uma influência da
maior importância na sociedade moderna. As circunstâncias da vida dos
jovens, a mentalidade e as próprias relações com as famílias, estavam
profundamente mudadas. Eles passavam de maneira rápida para a nova
condição social e econômica. Aumentava dia a dia sua importância social
e política. Porém estavam muitas vezes despreparados para assumirem
determinados papeis na sociedade. A cultura e a vida social precisam
caminhar juntas, conservando os valores que promovem a vida. Ainda
72
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segundo o Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes
(1965, n. 53) é definida a plenitude da cultura quando a pessoa humana
atinge a humanidade verdadeira. De fato, ela se dá plenamente quando
o homem cultiva os bens e os valores da natureza humana.
O Documento de Puebla (1979, n. 51-53), falando dos aspectos da
cultura, confirma a importância e riqueza das várias raças que compõem a
cultura deste largo continente que é a América Latina. Ao mesmo tempo,
fala das influências externas com novas formas de vida e valores que
minam e deformam as culturas tradicionais de nossos países – minando,
assim, nossa identidade e nossos valores específicos. Pelo final (n. 586),
o documento afirma que a palavra “cultura” indica de maneira particular
como em determinado povo é cultivada a relação com a natureza, com
o outro, consigo mesmo e com Deus.
O recente documento de Aparecida (2007, n. 509-514) apresenta
a cultura urbana como complexa e plural. A cidade é o lugar de novas
culturas, e elas vão sendo gestadas e se impondo, com novas linguagens
e novas simbologias. No mundo urbano acontecem complexas transformações, que influenciam todos os aspectos da vida humana, em especial
na vida dos jovens.
2.2 Cultura Juvenil no pensamento de alguns autores
A cultura juvenil é marcada por trajetórias. Segundo Schäffer
(1996, p. 161), a noção de cultura juvenil como parte de uma sociedade
foi se desenvolvendo à medida que a juventude passou a ser vista como
uma categoria social e geracional específica e, conforme a autonomia,
foi sendo adquirida por esse grupo etário e seu estilo cultural de vida.
Schäffer afirma que é preciso ficar atento aos estilos, pois estudos mais
recentes associam a importância dos estilos culturais na adolescência às
tendências de desinstitucionalização do indivíduo, de individualização de
classes ou camadas sociais e de transformações estruturais da condição
juvenil. Neste ponto, o mesmo autor (p.47) explica: “Nesse sentido, os
estilos culturais são interpretados como reação às mudanças que estão
ocorrendo de uma forma global nas sociedades complexas.”
Para Savage (2009), em 1944, nos Estados Unidos da América,
o uso da categoria “jovem” de idade de 14 a 18 anos, desde o início foi
um termo de marketing usado por publicitários e fabricantes, que refletia
o poder do consumo dos adolescentes naquela época. O fato é que pela
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Cultura juvenil
primeira vez os jovens entraram no cenário das reflexões e se tornaram um
público-alvo, o que também significava que eles tinham se transformado
num grupo etário específico com rituais, direitos e exigências próprias.
Nesse contexto, a ideia de que a juventude poderia ser definida como
uma fase distinta da vida estava engatinhando. Mas as ideias surgiam
na mente de muitas pessoas da sociedade, baseadas em promessa de
juventude, transitória ou eterna.
Barbosa e Compbell (2006), ao falarem de cultura, consumo e identidade, classificam a cultura juvenil como uma combinação perfeita para
o atual mundo contemporâneo. O jovem é o objeto de consumo cobiçado
pelo mercado capitalista. Nessa relação de consumo, cria-se uma cultura,
utilizando aquilo que os jovens gostam e fazem bem como: a música,
roupas (moda), estética, linguagem etc. Cultura juvenil passa a ser aquilo
que interessa ao mercado. É bom retomar novamente o conceito utilizado
por Tylor (1871), segundo o qual a cultura é um conceito desenvolvido
inicialmente para designar o todo complexo metabiológico criado pelo
ser humano. A cultura é constituída por práticas sociais e ações sociais
que seguem um padrão determinado no espaço. E no caso do jovem, este
padrão de um determinado espaço é altamente influenciado pela mídia
e pelo neoliberalismo.
3 Cultura juvenil urbana
O Papa Paulo VI (1975), em sua Exortação Apostólica Evangelii
Nuntiandi, convida a Igreja a voltar um olhar especial para a juventude,
pois é uma população que cresce rapidamente na sociedade, principalmente nos centros urbanos, e devido aos problemas que os cercam devese apresentar a eles com zelo e cuidado o Evangelho. A cultura juvenil
sempre é aberta ao novo e à verdade.
Já na Carta Apostólica Octogésima Adveniens (1971), o mesmo
Papa, preocupado com a cultura urbana do jovem no mundo industrial,
perguntava “qual seria o lugar dos jovens na mutação industrial e qual
seria o seu papel na transformação social” (p.11 n.13). Percebe-se que
a preocupação de Paulo VI era a dignidade da pessoa do jovem e a valorização da cultura juvenil, pois sabia que a juventude era portadora de
aspirações, de renovação e, também, de insegurança quanto ao futuro.
Silva e Costa (2006), no livro “Sociabilidade Juvenil e Cultura
Urbana”, reúnem artigos, fruto de pesquisas sobre questões da juventude
74
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contemporânea, numa perspectiva em que o local e o global se articulam,
recriando e produzindo novas formas de viver nas grandes cidades. Assim,
Berlim e São Paulo aparecem como o cenário da pesquisa comparativa
sobre feminismo e hip-hop; mais adiante, vemos os jovens de Lisboa
através de trabalhos que discutem o corpo, a tatuagem e as bandas de
rock. Há também a transformação do status do adolescente na família,
observada na sociedade catalã. Juventude, globalização e modernidade,
trabalho, lazer e violência, são temas focalizados nessa obra, que aborda
a realidade juvenil, tendo como paisagem especialmente a metrópole
paulistana
4 A Tribo Urbana
Despedindo-se da infância, agora é momento de reforçar seu espaço na sociedade; o jovem sente necessidade de encontrar modelos. Em
tempos idos, eram os santos; hoje são os artistas, esportistas e os grupos
musicais, figuras da pop music, que invadiram o imaginário juvenil.9 O
jovem sofre com o dilema de morrer para a infância, ser inserido pelos
colegas e pela sociedade em outro grupo etário, ou prolongar a prazerosa
ausência de responsabilidade infantil. Neste ponto, a pesquisadora Silva
assim escreve:
O jovem está mais sensível com as mudanças sociais e culturais do meio
em que vive, porque é parte fundamental dessas mudanças, porque está
se preparando para escolher uma profissão e se tornar, mais tarde, um
adulto responsável com suas obrigações sociais.10
No contato com o outro o jovem se encontra, o grupo seduz e
permite experimentar o que na família e na sociedade ainda não havia
feito. Em casa, é filho dependente; no grupo é alguém, e isso o leva a
preferir passar mais tempo no grupo do que em sua casa.
Seus modos espetaculares de existir através da música, dança, vestuário, indicam que esses jovens paradoxalmente buscam a integração
[...]. Esses espaços, por onde o jovem vai construindo e/ou afirmando a
Cf. Libânio, João Batista. Jovens em tempo de pós-modernidade. Considerações
socioculturais e pastorais. São Paulo: Loyola, 2004, p. 25.
10
Silva, Wilma Regina Alves da. Tribos Urbanas, Você e Eu: conversas com a juventude.
2 ed. São Paulo, 2009, p. 30.
9
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Cultura juvenil
sua identidade, são importantes como potencialidades de gestar novas
identidades coletivas.11
A identidade pessoal dentro do grupo cresce, a segurança e a
preparação para estabelecer seu lugar na sociedade também. Dentre os
diversos grupos, destacam-se as “tribos” juvenis. O termo tribo urbana
surgiu na década de 80, com o sociólogo Michel Maffesoli, e designa
todos esses grupos que se expressam e têm maior evidência nas grandes
cidades. Devido à sua heterogeneidade e liberdade de expressão, as tribos
juvenis definem seus projetos e rumos em consonância com o momento
cultural e histórico, revestidos de vocabulário, estética e atitudes típicas.
Maffesoli avalia que: “O quotidiano e seus rituais, as emoções e paixões
coletivas, simbolizadas [...] a importância do corpo em espetáculo e do
gozo contemplativo, a revivescência do nomadismo contemporâneo, eis
tudo o que acompanha o tribalismo pós-moderno.”12
Nessas tribos, esse reencantamento tem como liga principal a emoção ou a sensibilidade, continua Maffesoli. O tribalismo, de maneira mais
profunda, é uma declaração de guerra ao esquema substancialista que
marcou o Ocidente: o Ser, Deus, o Estado, as Instituições, o Indivíduo.
Em suma, somente o que dura é estável, consistente, merece atenção. O
indivíduo é seu último avatar. Ele é o Deus moderno; a identidade, seu
modo de expressão. Diante dessa realidade, para o jovem tribal, o estar em
grupo, o participar de uma tribo, é relacionar-se com a realidade hodierna.
Neste sentido, Costa analisa que “Essas tribos ostentam um vitalismo
rebelde, opõem-se ao individualismo moderno e almejam situar-se à
margem das normas da sociedade.”13 Tratando de vitalismo, peguemos o
exemplo da música tecno, as raves: há nelas som alto, luzes, cores, muita
gente, o nativo, o bárbaro, o tribal: dizem e redizem a origem e, com
isso, restituem vida ao que tinha tendência a se esclerosar, aburguesarse, institucionalizar-se. O retorno ao arcaico expressa, na maior parte do
tempo, forte carga de vitalidade. Maffesoli elucida que:
11
76
Melucci, Alberto. Juventude, tempo e movimentos sociais. Revista Brasileira de
Educação. Juventude e contemporaneidade, São Paulo: Bartira, No 5 e 6, mai-dez,
1997. Edição especial.
12
Maffesoli, Michel. O tempo das Tribos. O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Trad. Maria de Lourdes Menezes. 4. ed. Rio de janeiro: Forense
Universitária, 2006, p. 03.
13
Costa, Márcia Regina da. Tribos Urbanas e identidades nas metrópoles. Eccos.
UNINOVE, São Paulo: v. 3, n. 1, jun. 2001, p. 46.
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Esse vitalismo aflora nas efervescências musicais, mas pode-se igualmente observá-lo na criatividade publicitária, na anomia sexual, no retorno
à natureza, no ecologismo ambiente, na exacerbação do pelo, da pele,
dos humores e dos odores, em suma, de tudo o que lembra o animal no
humano. A vida se torna selvagem! Eis o paradoxo essencial da pósmodernidade, mostrando a origem, a fonte, o primitivo e o bárbaro.14
Encontra-se, na análise de Maffesoli, a acentuação do “vitalismo
social e natural, sobretudo em certos períodos que assistem à desestabilização de seus valores e de suas convicções”,15 dentro do corpo social.
Movimentos tribais, como os hippies, punks, rappers, juventude de 1968
diante do regime militar, foram grandes exemplos de vitalismo natural
e social, respondendo às necessidades de suas respectivas épocas, com
protestos culturais, sociais e, até mesmo, luta armada. O tema das culturas
juvenis urbanas desvela-se fundamental para uma aproximação e intervenção qualificadas ao universo cultural do jovem. Desponta a dinâmica das
tribos urbanas, ressaltando vários elementos que trazem em suas histórias
e em paralelo dizem muito, sem quererem dizer, da própria sociedade em
que se encontram, como retratos juvenis da cultura vigente.
Considerações conclusivas
O tema das culturas juvenis urbanas desvela-se como fundamental
para uma aproximação e intervenção qualificadas ao universo cultural
do jovem. Conhecer a dinâmica cultural que move os jovens configura-se
como o ponto de partida para o estabelecimento de um diálogo fecundo e
sincero, tendo como perspectiva a evangelização.
As tribos juvenis urbanas carregam e guardam características
específicas, que não podem ser reduzidas a uma mesma realidade. No
entanto, de maneira geral, os jovens encontram nos grupos espaços de
proteção, reconhecimento e afirmação de identidade. Dimensões que
muitas vezes lhes são negadas tanto pela sociedade como um todo, quanto
pela família em particular.
A evangelização dos jovens configura-se como o grande desafio
para a Igreja. O jovem não está fechado à verdade do Evangelho, muito
pelo contrário. Mas é preciso adequar a linguagem, contextualizar as
14
Maffesoli, op. cit., p. 08.
15
Ibid., p. 125.
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Cultura juvenil
ações e práticas pastorais, sempre em criativa fidelidade com os ensinamentos da Igreja. O desafio está posto. A cultura juvenil urbana é uma
realidade. Há um vasto campo a ser evangelizado.
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Endereço do autor:
SE/Sul 801 – Conjunto B
70200-014 Brasilia, DF
E-mail: [email protected]
80
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Resumo: Próximos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) de 2013 e da
Campanha da Fraternidade dedicada à juventude do Brasil, dirigimos nosso
olhar para a juventude universitária. Um breve memória do passado dessa
juventude, que marcou história no Brasil com seu protagonismo e articulação,
nos impulsiona para compreendermos a importância da presença atual e atuante
da Igreja nesse meio. A Universidade é um denso espaço de interrogações e
desafios que inauguram um novo tempo para o jovem. Fixando o olhar em Jesus
de Nazaré, Mestre, Pastor e Sábio, vislumbramos algumas características dos
autênticos seguidores ou “passadores da fé” na Universidade: ser e estar nesse
meio em diálogo e sempre a caminho com as perguntas existenciais nascidas
da própria vida.
Abstract: Approaching to the 2013 World Youth Journey and to the 2013 Fraternity Campaign, dedicated to the youth in Brasil, we direct our eyes to the youth
in our Universities. A brief memory of the past of this youth, who marked history
in Brasil with its protagonism and articulation, helps us to understand the importance of the active presence of the Church in this surrounding. The University
is a thriving space of interrogations and challenges who inaugurate a new time
for the young man and woman. Fixing our eyes in Jesus of Nazareth, Teacher,
Shepherd and Wise, we discern some characteristics of the true followers or
transmitters of faith in the University: to be and to remain in this environment
in dialogue and always on the way with the existential questions born from the
bosom of life.
A Presença da Igreja no meio
universitário
Maria Eugenia LLoris Aguado, FMVD*
*
Missionária Religiosa, desde 1985, da Fraternidade Missionária Verbum Dei ( FMVD).
Desde 1998, dedicou-se pastoralmente em Belo Horizonte à pastoral universitária
na UFMG e na PUC- MINAS. Desde 2007, é assessora do Setor universidades da
Comissão Episcopal Pastoral para a Cultura e Educação, da CNBB.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012, p. 81-96.
A presença da Igreja no meio universitário
1 Um breve percurso histórico
Entre 1964 e 1968, depois de uma série de acontecimentos que
acabaram com a JUC, a Igreja não trabalhou mais com a Pastoral Universitária, a não ser por meio das Instituições de Ensino Superior Católicas.
No vazio que se criou, dentro de um contexto de forte repressão política,
surgiram movimentos de jovens (muitas vezes de e com universitários),
orientados para a problemática da juventude, numa perspectiva mais
individualista e intimista, buscando contornar a questão político-social.
Entre esses movimentos estavam, por exemplo, o TLC (Treinamento de
Liderança Cristã), e a CVC (Comunidade de Vida Cristã).
A partir de 1973, algumas Igrejas locais começaramm a organizar
centros de Pastoral Universitária, com grupos de jovens universitários,
geralmente na linha da Teologia da Libertação (opção pelos mais pobres), com o desenvolvimento do senso crítico e dentro de uma pastoral
transformadora. As dificuldades políticas não permitiam que esse trabalho
fosse muito reconhecido, mas pelo menos duas arquidioceses contavam
com trabalhos articulados e reconhecidos pela Igreja local: São Paulo,
com as “Comunidades Universitárias de Base”, que propositalmente
assumiam um nome semelhante ao das “Comunidades Eclesiais de
Base”, e Recife.
Na segunda metade da década de 70, na onda do Movimento
Estudantil, multiplicaram-se os grupos de Pastoral Universitária, que
nasciam espontaneamente engajados no movimento estudantil, sem
vínculos ou com vínculos precários com a Igreja institucional. Em 1979,
num encontro nacional clandestino, numa casa de veraneio no litoral
capixaba, iniciou-se a articulação da Pastoral Universitária em nível
nacional. Organizou-se em cinco regiões, com coordenadores regionais e
uma coordenação nacional constituída por cinco membros, um secretario
e um tesoureiro. Pela sua forte conotação política, não foi muitas vezes
compreendida pelas Igrejas locais e a Conferência Nacional dos Bispos
(CNBB) do Brasil, que se limitou a observar, nomeando um assessor
que acompanhasse a movimentação que nascia.
Houve vários encontros nacionais, nos quais se procurou esclarecer
qual era a natureza da Pastoral Universitária. Duas questões importantes
dividiam os vários grupos existentes: (1) a identidade eclesial e (2) o
vínculo com a hierarquia católica. Para alguns grupos, a urgência do
combate à ditadura justificava uma ação onde os aspectos mais carac-
82
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Maria Eugenia LLoris Aguado, FMVD
terísticos de uma experiência eclesial poderiam ser, ao menos temporariamente, deixados em segundo plano. Para outros, os gestos típicos da
vivência eclesial, como os sacramentos e oração, e uma postura cultural
própria da experiência católica, eram essenciais. Além disso, nas dioceses onde o apoio dos bispos tinha sido decisivo para o fortalecimento
e até a proteção dos primeiros grupos, era muito clara a importância
do vínculo eclesial. Já onde os grupos haviam se formado à revelia da
hierarquia, havia uma forte tendência à defesa da autonomia dos grupos
de universitários católicos.
O 4º. Encontro Nacional, em São Paulo, em 1984, foi importante
porque se desenvolveu um conceito de Pastoral Universitária Pluralista,
dentro da qual podiam coexistir as diferentes expressões ou iniciativas.
Naquele momento, três tendências haviam se formado entre os grupos
de universitários. Uma tendência, ligada ao movimento internacional
JECI-MIEC, defendia a vinculação conceitual à Teologia da Libertação,
e a formação de um movimento relativamente independente da hierarquia
eclesiástica, formando o Movimento Cristão de Universitários (MCU).
Uma segunda tendência, representada pelas Comunidades Universitárias
de Base (CUBs), de São Paulo, se vinculou principalmente ao magistério
de João Paulo II, acabando por incorporar-se ao movimento internacional
“Comunhão e Libertação” (CL). A terceira tendência, representada por
vários grupos menores, tendia a manter os vínculos com a hierarquia
local, por meio de assessores nomeados pelos bispos, e ter uma formação doutrinal mais eclética, dependente das opções pastorais e eclesiais
assumidas pelas dioceses. Na Carta de Betânia (documento conclusivo do
Encontro de 1987, em Campinas), se define a pastoral nas universidades
católicas e se aceita a possibilidade de que existam grupos de jovens que
se articulem independentemente e não necessariamente ao serviço da
pastoral da Universidade.
A segunda metade da década de 1980 viu a gradativa desestruturação da maioria dessas experiências. O MCU pouco a pouco desapareceu,
as CUBs se tornaram Comunhão e Libertação, deixando de ter seu foco
centrado na questão universitária, e os grupos menores – sem uma articulação que lhes desse apoio e consistência – também deixaram de existir.
Mais tarde, a Renovação Carismática criou os seus Grupos de Oração
universitários (GOU) e o Projeto Universidades Renovadas (PUR), que
se tornaram, por muitos anos, a única ação específica de constituição de
grupos de universitários católicos em nível nacional.
Encontros Teológicos nº 63
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A presença da Igreja no meio universitário
Durante esses anos, cunharam-se os termos de Pastoral Universitária (PU), para identificar as iniciativas que se dedicavam
à organização de grupos de jovens universitários; e Pastoral da
Universidade (PdU) à pastoral que era desenvolvida nas Universidades Católicas, serviço que oferece a Instituição pela sua própria
identidade católica.
Vários movimentos se dedicaram, nesses anos, ao trabalho
com universitários, como os Focolare, o Caminho Neocatecumenal, Comunhão e Libertação e as novas comunidades oriundas
da Renovação Carismática, como a Shalom. Contudo, não têm o
foco na problemática universitária que caracterizava os grupos
anteriores. Ao mesmo tempo, para uma compreensão rigorosa da
realidade, deve-se observar que estes movimentos não repetem a
trajetória dos movimentos de jovens do período da ditadura, pois
quase todos procuraram – com maior ou menor êxito – desenvolver
uma reflexão sociopolítica e uma presença transformadora nos
ambientes. Contudo, o ambiente pluralista de um país democrático, num horizonte cultural pós-moderno, não permitia mais os
alinhamentos políticos e ideológicos fáceis que haviam fascinado
os grupos de pastoral Universitária na década precedente.
Quando, em 1997, a CNBB buscou retomar a caminhada da
ação evangelizadora da Igreja no meio universitário, confiada a
Dom Eduardo Benes, criou-se o Setor Universidades. Percebese, como em 1984 (em outro contexto social e político), que esta
ação evangelizadora no meio universitário acontece por meio de
várias experiências diferentes. Existem os movimentos e as novas comunidades presentes no meio universitário, as paróquias
universitárias, e as pastorais nas Universidades Católicas, além
de iniciativas diocesanas com universitários. Com todos eles, o
Setor Universidades retoma o caminho de diálogo, articulação e
organização, para reavivar essa presença.
O Setor Universidades nasceu para ser um espaço abrangente e plural, de diálogo, comunicação e incentivador desta
presença da Igreja no meio universitário. Atualmente abriu o
espaço para a juventude, espaço ocupado por eles, exercendo o
protagonismo que os caracteriza e apreendendo com eles a viver
este novo tempo.
84
Encontros Teológicos nº 63
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Maria Eugenia LLoris Aguado, FMVD
2 A juventude universitária, um novo momento
na vida e na caminhada de fé
Os jovens que participaram de nossos grupos de paróquia ou
pastorais da juventude, ao chegarem à Universidade, geralmente não
conseguem viver e manter a sua adesão e pertença à Igreja. Isso, por
falta de tempo, pela mudança de cidade ou Estado que fizeram para poder
estudar, ou simplesmente porque a fé que viviam no seio familiar e nos
ambientes que frequentavam não responde mais às novas questões que
a realidade universitária lhes apresenta.
A fé que até agora viveram de maneira espontânea ou tradicional,
e foi acompanhada na paróquia, agora enfrenta a cultura pós-moderna
e é assaltada pelas dúvidas que os conhecimentos da ciência e outras
visões de mundo apresentam. Com frequência a crise de sentido, de
orientação e perspectiva toma conta do universitário. Crise que pode
significar crescimento e amadurecimento, ou confusão e desorientação,
necessitando – portanto – de um acompanhamento adequado.
A fragilidade da ação evangelizadora no meio universitário nos
últimos anos e a aceitação tácita, entre grande parte dos jovens cristãos,
da ruptura entre a razão e a fé, deixou um vácuo da presença da Igreja e
do diálogo dela com a Universidade. Sem uma unidade eclesial explícita,
as ações realizadas, desarticuladas e dispersas, não tiveram a visibilidade
e a influência necessária para iluminar o caminho da maioria dos jovens
universitários. O número de Instituições de Ensino Superior aumentou explosivamente1, sendo hoje um mundo que cada vez mais nos desafia.
Muitos jovens, para ingressar na Universidade, precisam iniciar um
êxodo da cidade natal para as cidades que lhe oferecem o estudo qualificado que almejam, onde poderão ser “jovens universitários”. Isto significa
sair do aconchego familiar, das próprias matrizes culturais e religiosas
e ser lançado em um espaço totalmente novo: a Universidade. Lugar da
criticidade e pluralidade de pensamentos, da autonomia e liberdade, no
qual o jovem precisa recorrer às suas convicções (se tiver) e integrar não
1
Segundo dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
educacionais (INEP), o Brasil possui 2.252 IES em funcionamento. Destas 90% são
instituições privadas e 10% são publicas. São dados consolidados em 2009, com base
em 2008. A coleta anual dessas informações tem por referencia as diretrizes gerais
previstas pelo Decreto n. 6425 de abril de 2008, sobre o censo da educação superior
em suas diferentes formas de organização acadêmica e categorias administrativas.
É importante salientar que estão incluídas aqui todas as IES que oferecem cursos de
graduação seja presencial ou à distância.
Encontros Teológicos nº 63
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85
A presença da Igreja no meio universitário
só os desafios da Universidade, mas também da mudança de endereço e
costumes; o confronto intelectual, as responsabilidade com o trabalho e
a sua manutenção, os custos de vida, e tudo isso com muito pouco tempo
para participar de atividades extra-curriculares, entre elas a participação
em atividades da Igreja ou da pastoral que eram com frequência a sua
referencia. A Universidade é uma nova etapa no processo de amadurecimento humano e integral. Crescer em “sabedoria e graça diante de Deus
e dos homens” (Lc 2,52) torna-se um desafio num ambiente marcado
pelo agnosticismo e no qual as pessoas de fé são minoria.
Por tudo isso, no ambiente universitário pode se dar esse processo
de amadurecimento na fé e pertença eclesial por escolha e experiência
pessoal. Mas a maior dificuldade é a falta de “passadores” – como afirma
Christoph Theobald,
[...] interessados não na reprodução da Igreja, de suas estruturas e
normas ou vivência da moral, mas de autênticos SEGUIDORES DO
CAMINHO capazes de suscitar a fé na vida, por sua maneira de ser e
sua competência social . É nosso interesse gratuito e desinteressado pela
vida de todos e cada um que nos valerá talvez o interesse de alguns pela
“fonte” de vida que é para nós o Cristo2.
3 A Pastoral Universitária e a presença da Igreja
na Universidade
A Pastoral Universitária é uma dívida da Igreja para com os
universitários. “Uma consistente pastoral universitária é necessária em
quase todas as dioceses”3.
Certamente quando falamos de pastoral, a palavra evoca em nós
essa ideia de acompanhar, doutrinar, ensinar, conduzir. Mas esquecemos
que, na imagem do Bom Pastor que alimenta este conceito (Jo 10 e Sl
23), o líder não é só aquele que conduz, mas é também o Anfitrião que
acolhe, que cuida, que alimenta as ovelhas.
No Salmo 23, versículo 4, passa-se da terceira à segunda pessoa:
“Mesmo que caminhe por vales escuros, nada temo: Tu vais comigo,
86
2
THEOBALD, Cristoph. O Evangelho da liberdade. São Paulo: Loyola, 2009, p. 27.
3
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da ação
evangelizadora da Igreja no Brasil: 2011-2015. 3. ed. Brasília: CNBB, 2011, p. 87-88,
n. 117.
Encontros Teológicos nº 63
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teu bordão e teu cajado me aquietam”. Este é nosso desafio na Pastoral
Universitária: colaborar para que cada um viva e tenha essa experiência
pessoal com Jesus Cristo, evocada no Documento de Aparecida.
A sabedoria e o conhecimento sempre passam pela experiência.
No Livro dos Provérbios, o Sábio, do alto de seus anos, volta-se
para o ouvinte: “Meu filho, escuta e recebe minhas palavras, e serão
longos os anos da tua vida” (Pr 4,10-14). Hoje, esta postura pode parecer inviável. Numa sociedade onde as mudanças são cada vez mais
rápidas, a experiência de uma geração parece não dizer nada à outra.
Mas esta é uma falsa aparência, pois o que caracteriza o sábio não são
os conhecimentos aparentemente imutáveis, mas sim a capacidade de ler
na experiência – seja ela qual for, apresente-se como se apresentar – os
sinais do caminho de realização da pessoa humana.
A cultura atual dissolveu qualquer reflexão relativa á realização
da pessoa, que se identifica cada vez mais com a satisfação imediata, o
poder e a posse. O jovem, despojado de um horizonte de significado que
lhe pareça adequado, se orienta em função de cada vivência pontual e
momentânea que faz.
Por isso, uma evangelização preocupada em passar conteúdos, normas e formalidades, não atinge o jovem, se não responde à sua realidade e
à sua necessidade pessoal. Esses conceitos e conhecimentos não atingem
nossas vidas, não se convertem em opções e atitudes de vida, se não
refletem essa sabedoria que é capaz de ligar o momento presente, o aqui
e o agora, com o horizonte da realização plena da pessoa, fazendo com
que “um gosto de Vida Nova” já se faça sentir no momento presente.
Vivemos numa época de poucas seguranças, também na Universidade. Questionamos como é possível à Universidade hoje, no meio
de tanta fluidez, falar com consistência, com autoridade. Na carta aos
Colossenses, afirma-se que Jesus Cristo é a consistência de tudo o criado.
“Nele tudo tem a própria consistência” (Cl 1,17); ou em (Cl 2,3): “Nele
se encerram todos os tesouros do saber e do conhecimento” .
O que a Palavra de Deus diz à Universidade é que ela seja lugar de
universalização do conhecimento. Nessa carta, o autor fala dos distintos
níveis da criação (majestades, dominações, autoridades, potestades)
porque está falando a uma cultura grega que os conhece bem.
A Igreja conhecia a cultura na qual estava e, por isso, falava sua
linguagem e mostrava a consistência de Jesus Cristo, que é o Deus que
Encontros Teológicos nº 63
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A presença da Igreja no meio universitário
se fez humano, a humanidade divinizada. A questão é que a comunidade
cristã não conhece mais a cultura da Universidade, apesar de estar imersa
nessa cultura. A Universidade é o lugar do diálogo e do embate entre as
várias antropologias do mundo pós-moderno, tanto laicas quanto cristãs.
Mas, se não existe um conhecimento do ser humano, tanto a nível das
ciências e da filosofia, quanto a nível teológico, como dialogar?
As ciências têm pretensão de universalidade, mas qual é a
ideologia de fundo que decide sobre quais pesquisas devem ter a
precedência? Isto não é universal, não é para todos. A Universidade
deveria ser o lugar de uma ciência universal, para todos, divulgada
para todos. Mas não é. Uma ciência, “boa para todos”. Mas quem
não questionou, depois do terremoto do Japão, a matriz energética
nuclear? Não é confiança demais no ser humano querer nos defender
do tsunami com os muros de contenção?
É isso que o cristianismo permite: ser para todas as pessoas, em
sua integralidade4, penetrando na cultura e chegando à cultura. Mas
se não sabemos o que é manipulado, se não sabemos dos interesses
que estão por trás dos estudos, como ter uma visão critica? Para isso,
o caminho da pastoral é abrir os olhos à realidade. O cristianismo
é para isso, ver a realidade com os olhos do Evangelho, descobrir em
tudo e, em todos, os sinais do Mistério presente, que convida todos
à conversão e à vida plena. Daí nasce uma visão crítica diante das
injustiças e a força moral para ir contra a mentalidade dominante. A
pastoral propõe que o jovem, na Universidade, perceba estes sinais
do Mistério e tenha o amadurecimento intelectual necessário para
desenvolvê-los como visão crítica e opção vocacional. Jesus Cristo
teve a coragem de dizer: “Eu vos asseguro” com a autoridade que
vinha de dentro: “Ele fala como quem tem autoridade” (cf Mc 1,22).
Autoridade que não vinha da Lei, mas da Vida.
O universitário cristão precisa saber de onde vêm, e quais são, as
raízes e as razões da sua fé, da sua origem cristã. O que muitas vezes nos
falta. Conhecer também muito bem o que estuda, para produzir respostas
que sejam para o bem de todos.
4
88
BENTO XVI. Carta Encíclica Caritas in veritate. São Paulo: Loyola, 2009, p. 12, n. 8;
PAULO VI. Carta Enciclica Populorum Progressio. São Paulo: Paulinas, 1973, p. xx,
n. 42.
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4 Aproximando-nos do Evangelho para
compreender o papel do agente de Pastoral
Universitária
“Eu vos asseguro: Aquele que não entra no redil pela porta, mas salta
por outra parte, é ladrão e bandido. Aquele que entra pela porta é o
pastor do rebanho. O porteiro lhe abre, as ovelhas ouvem a sua voz, ele
as chama as suas pelo nome e as retira”(Jo 10,2-3).
A leitura dos textos bíblicos onde aparece a Imagem do Bom
Pastor pode iluminar a caminhada de nossa pastoral. Ele, o Pastor, e nós,
agentes de pastoral, os porteiros que abrem a porta. A presença da Igreja
na Universidade consiste em encontrar as portas do conhecimento e da
cultura por onde o Evangelho possa exalar o seu perfume.
“Quem não entra pela Porta é ladrão” (v. 2): o texto começa
por uma afirmação negativa. Talvez, neste momento que vivemos, de
confusão e incertezas, seja mais fácil definir o que não deve ser feito
pela Pastoral:
1. “Pular a cerca”: desconsiderar o recinto, o lugar onde se encontram nossos interlocutores. Uma sociedade pós-moderna, que
vive uma virada copernicana, fazendo do indivíduo o centro de
tudo, que declarou a sua independência de Deus e da Igreja.
2. Impor sem conhecer.
3. Desejar resultados, mais do que priorizar o processo, o caminho; levar, entrar e sair, dar de comer.
4. Fugir da formação das consciências e do pensamento, deixando
as ovelhas à mercê dos meios de comunicação;
5. Não “chamar a cada uma pelo nome” para que saiam pela
Porta.
Por outro lado, sabendo que há outras, muitas outras, que “não
pertencem e não estão no redil” (há outros pensamentos, argumentos,
visões, ideologias), também é necessário dialogar e escutar a essas outras.
Sonhar por fazer presente o Reino, criando espaços nos quais sentarmos
à mesa e apreendermos juntos com pessoas muito diversas.
Na Universidade hoje, qual é o rebanho?
Hoje falamos de juventudes, porque são muitos os rostos. Não
existe um único rebanho. É tudo tão fluido. Pode ser que nosso rebanho
Encontros Teológicos nº 63
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A presença da Igreja no meio universitário
seja misturado. Pode ser até que num mesmo dia nos encontremos com
jovens pós-modernos, modernos, tradicionais, virtuais, de tribos diferentes. Difícil falar de uma única juventude, como de uma única cultura.
Há uma grande variedade.
Qual é a Porta? Talvez os sentidos numa cultura somática, oferecendo a chave que lhes permita encontrar a fresta mais profunda do ser?
Qual é o cuidado que se deve ter para que a nossa Pastoral seja
significativa? Qual a profundidade da nossa vida e convicções para que
falemos com autoridade, desde dentro?
O Pastor do qual nos fala o Evangelho pede licença ao porteiro.
Quem é esse porteiro ao qual Deus pede licença?
O Antigo Testamento falava de porteiros do palácio e do templo,
responsáveis da segurança. A parábola dá a entender que o porteiro não
deixa os ladrões entrar, mas abre sem mais ao Pastor. Pode ser uma explicação da nossa função como pastoralistas, como apóstolos, em relação
ao Pastor que é Jesus Cristo. E ao mesmo tempo contém uma critica aos
porteiros que não realizam a sua função.
O porteiro é quem abre a porta para que o Pastor possa entrar. Esta
é nossa função: abrir as portas de acesso ao mistério, na subjetividade
das pessoas, no neoliberalismo da nossa sociedade, nas estruturas burocratizadas das nossas universidades.
Existem brechas pelas quais exalar o perfume do Evangelho. Da
falta de sentido na nossa existência, na nossa sociedade que busca o lucro
e o crescimento, caindo no absurdo dela mesma em ficar como refém,
nos nossos pensamentos com frequência contraditórios, na nossa sensibilidade insatisfeita pela qual Deus encontra uma porta de acesso.
Todas essas fragilidades são brechas por onde podemos fazer penetrar a Boa Nova e deixar exalar seu perfume. Nosso papel é abrir essas
portas para que Ele possa entrar. E é Deus mesmo quem nos pede acesso.
“Vê: Estou batendo á porta. Se alguém escuta meu chamado e abre a porta,
entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20).
Há cristãos que têm medo de estar na Universidade porque se
reconhecem pouco preparados. Mas nunca estaremos totalmente preparados, pois nossa fé é comunitária, não é individualista, formamos um
só corpo, não precisamos estar preparados em tudo, mas ser aqueles que
formamos a rede. Aí esta a nossa força. Buscarmos juntos, professores,
90
Encontros Teológicos nº 63
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Maria Eugenia LLoris Aguado, FMVD
alunos, cientistas e especialistas, os caminhos da evangelização. É responsabilidade e função da Universidade, católica ou laica, a integração
do conhecimento. A Pastoral contribuirá para a formação de cristãos
maduros na Universidade, os quais, junto aos homens e mulheres de boa
vontade, viverão em si essa integração do conhecimento.
Nas Universidades, podem ser abertas as portas de acesso da cultura para que o Pastor possa entrar. As portas que Deus não está saltando:
a porta da subjetividade, da autonomia, da razão, da liberdade, porque
também são valores conquistados na sociedade. Nós somos chamados a
fazer com que essa subjetividade se abra ao outro, provocando o encontro
consigo mesmo no rosto do outro; uma autonomia, que não rivalize com
Deus, onde o humano e o divino se harmonizem; sem desprezo da razão
e em total liberdade. Eu pessoalmente também não quero renunciar a
esses valores conquistados.
Quando olhamos para a história dos grandes intelectuais católicos,
todos tiveram que integrar em si mesmos, na sua alma, a cultura nascente
e aquela na qual estavam imersos as suas convicções mais profundas.
Assim, Ismael Nery5, por exemplo, foi tradicional no plano filosófico e
teológico; moderno, no plano político e social; e ultramoderno, na arte.
Assim se definiu e esse foi o esforço que viveu: integrar em si, essa
diversidade. O desafio é fazermos a integração na alma. É na alma que
podemos integrar os planos intelectual, artístico e religioso.
“O Pastor chama cada ovelha pelo nome”. Ajudar a fazer essa
viagem na sala de aulas pela intelectualidade, mas também ajudar a que
essa viagem desça da cabeça ao ser profundo de cada um, é função de
professores e agentes de pastoral. Não sermos pastoral de números, mas
de pessoas com rosto, criando laços, relações, onde o importante seja
abrir espaços para que cada um seja, e encontremos um lugar no qual
sejamos reconhecidos por aquilo que profundamente somos.
E partir de uma convicção: “Estou batendo à porta. Se alguém
escuta este chamado e abre a porta, entrarei em sua casa e cearei com
ele, e ele comigo” (Ap 3,20). Existem buscas profundas naqueles que
nem são cristãos, pois não estamos mais numa sociedade católica. As
portas para o acesso a Deus às vezes estão onde nós não imaginamos, e
devemos ter coragem de anunciá-Lo.
5
SANTOS, Luciano. O cristianismo transmoderno: fé cristã e literatura brasileira contemporânea. 2010. Palestra proferida no Fórum do Cultura da CNBB, em Fortaleza,
2010.
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91
A presença da Igreja no meio universitário
5 Novos métodos e metodologia
Na exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, o Papa Paulo VI,
ao tratar sobre a evangelização no mundo contemporâneo, percebeu a
necessidade de um novo ardor missionário, e de novos métodos:
As condições da sociedade obrigam-nos a todos a rever os métodos, a
procurar, por todos os meios ao alcance, e a escutar o modo de fazer
chegar ao homem moderno a mensagem cristã, na qual somente ele
poderá encontrar a resposta às suas interrogações e a força para a sua
aplicação de solidariedade humana6.
O Concilio Vaticano, querendo aproximar-se das “tristezas e angústias do homem contemporâneo”, provocou a ‘volta às fontes’. Hoje,
as Novas Diretrizes da Igreja do Brasil traduziram este movimento de
volta à origem e à centralidade do Evangelho, na expressão “a partir de
Jesus Cristo”, convidando-nos a dirigir nosso olhar para a Pessoa de Jesus
Cristo, que faz brotar a verdadeira missão evangelizadora.
Precisamos observar o rosto da juventude que está passando por
esta época de mudança, a globalização e o mercado cada vez mais onipresente, que constantemente os desafia a estarem preparados, correndo
contra o tempo, em um sem fim de possibilidades e conveniências. Eles
estão, na busca de uma espiritualidade sem compromisso, leve, que lhes
permita transitar no mundo fluido; usando novas linguagens e novas
formas de participação, carentes de reflexão profunda mas cheios de
sentimento e emoção, com perguntas às quais a sua fé não responde.
Nessas condições, somos desafiados a perceber que o processo
de diálogo com a cultura e com a juventude pós-moderna e cibernética,
precisa encurtar as distâncias com as mídias que conseguem, conectando o que foi desligado e separado ao longo da história: o diálogo com
a juventude crítica; a espiritualidade e a ação social transformadora; e a
recuperação do diálogo com a cultura e a arte, como caminho de transformação e mudança.
Hoje, nosso caminho não é mais o da dedução, nem da indução,
mas da sedução. Seduzir nossos jovens para seguirem, como Jesus
Cristo nos indicou, com a autoridade que vem de dentro. Como afirma
6
92
PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. São Paulo: Paulinas, 1976, p.
xx, n. 3.
Encontros Teológicos nº 63
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a carta aos Hebreus: “Pelo sangue de Jesus, irmãos, temos livre acesso
ao santuário, pelo caminho novo e vivo que inaugurou para nós através
da cortina, ou seja, de seu corpo” (Hb 10,19).
É Cristo quem abriu para nós esse caminho sempre vivo e novo,
na carne e na história. Precisamos aceitar sempre mais o desafio de entrar por esses novos caminhos e métodos por Ele mesmo abertos: o
diálogo, o caminhar juntos em busca de resposta, como Ele próprio fez
com os discípulos de Emaús. Não dando respostas prontas, mas levantando as perguntas que os ajudem a dissipar as dúvidas e desconfianças
que estão em nós.
Porque muitos de nossos jovens, chegando na Universidade,
deixam a fé e seguem por outros caminhos? É porque a Universidade
repassa só pensamentos ateus? Não será porque ela levanta perguntas
que nós não fomos capazes de fazer, porque pensamos que a fé não pode
ser questionada?
Precisamos seguir com dedicação sempre maior a Jesus Cristo,
Caminho, Verdade e Vida, que foi ao encontro dos discípulos de Emaús,
desesperançados e cheios de dúvidas. Para eles, o sistema de verdades
que tinha sido construído veio por água abaixo, quando perceberam que
o seu Mestre não andava mais entre eles. Foi preciso caminhar com um
estrangeiro desconhecido e, de novo, na familiaridade de uma amizade
construída, reconhecer o Messias entre eles. A Universidade pode ser
esse espaço de pergunta, de formação, de interpelação, de abertura ao
novo, ao estrangeiro, e nesse caminho podemos mudar a rota. Voltar para
a fé, a comunidade, a Igreja.
Entretanto, não é possível realizar esse caminho se previamente
não deixarmos que brotem as dúvidas e até as negações, como os primeiros discípulos viveram: Pedro, Judas, Tomé. É preciso deixar que
Jesus Mestre nos acompanhe, nas dúvidas e questionamentos. Jesus
não teve pressa em receber respostas prontas, dos primeiros discípulos.
Simplesmente os convidou: “Vinde e vede”. E eles mesmos se deixaram
tocar pela vida de Jesus, “ficando com ele, naquele dia” (Jo 1,35ss).
Jesus Cristo nos ensina a ser mestres, professores, educadores, com
liberdade intelectual e de escolha, na busca da verdade, e a caminho,
sempre a caminho.
“Estando a caminho, chegou alguém correndo e lhe fez uma
pergunta” (Mc 10,7).
Encontros Teológicos nº 63
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93
A presença da Igreja no meio universitário
“Estando a caminho”: o texto nos relembra que jovem é um ser
humano em devir, está a caminho, em formação, está se construindo. A
Universidade é destinada à formação intelectual. A Pastoral Universitária quer contribuir nessa formação, para que seja uma formação universal, abrangente, ampla, humana. Quer formar um Novo
Humanismo arraigado no Evangelho, em contraste com a mentalidade
instrumental e funcionalista dos nossos tempos, e quer fazê-lo a caminho,
caminhando com aqueles que elegem a Universidade para crescer. Porque
a integração do saber na pessoa acontece no dinamismo do diálogo, no
aconchego e no confronto da amizade.
“É bom não esquecer que também a razão, na sua busca, tem necessidade de ser apoiada por um diálogo confiante e uma amizade sincera
(...) Os filósofos antigos punham a amizade como um dos contextos mais
adequados para o reto filosofar”7.
E assim é que o jovem rico chegou a Jesus, filosofando, com
perguntas existenciais: ”Que tenho que fazer para ser feliz? Onde está a
felicidade?”. Ele fez a pergunta “a caminho”, como é próprio do jovem,
espontâneo, arriscado, sem pensar nas consequências. O jovem não queria
saber de normas, de leis. Isso já conhecia desde a juventude, e hoje não
falta informação. Mas não seguiu, não quis vender tudo para ganhar o
tesouro futuro. “A essas palavras ele franziu a testa, ficou acabrunhado
– falam outras traduções – e retirou-se triste, pois tinha muitos bens”. E
Jesus não o julgou, olhou-o com carinho.
Jesus não o condenou, diante da sua negativa, da sua ‘não participação’, não o condenou, mas falou para os seus discípulos, para os
seus “agentes de pastoral”: “Como é difícil que um rico entre no reino
dos céus!”.
Esse questionamento, Jesus ainda hoje lança à Igreja, aos “seus”. A
dificuldade, para alguns jovens, de participação, é pelo “jeito dela ser”?
Ou somos nós que não abrimos ainda suficientes espaços, que nem sempre
estamos do lado deles, deixando se expressarem, para manifestar as suas
opiniões? Eles estão no espaço da internet, nos lugares onde podem agir,
inter-agir, reagir, falar, participar. O jovem busca felicidade, e nós agentes
de pastoral, “pastores”, o que buscamos? Projetos? Reuniões? Reflexões?
As nossas reflexões respondem às perguntas dos jovens? Talvez esteja7
94
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Fides et Ratio. São Paulo: Paulus, 1998, p. xx, n. 33.
Encontros Teológicos nº 63
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mos querendo responder a perguntas que eles não têm e dando respostas,
quando o que desejam é que continuemos caminhando juntos.
Qual é a nossa riqueza? Onde está o jovem, na nossa pastoral, na
nossa Igreja? Porque não segue? A juventude está nos questionando com
a sua não participação.
Conclusão
Os desafios da pastoral universitária, ou da ação evangelizadora
no meio universitário:
a) Integrar a reflexão acadêmica com a fé vivida e comprometida;
b) Envolver nessa reflexão professores e alunos;
c) Acompanhar a comunidade acadêmica, para que a formação
recebida seja integral e possa seguir o crescimento intelectual
e espiritual de cada membro (professor, aluno ou colaborador),
fomentando a acolhida, o acompanhamento pessoal, a escuta;
d) Estabelecer a parceria com a Pastoral da Cultura, pois a evangelização sempre acontece na cultura, de modo a encontrar as
brechas, a linguagem e os métodos próprios para a evangelização nos nossos dias.
Talvez alguns leitores esperassem encontrar neste artigo respostas
prontas a suas perguntas e, ao invés disso, encontraram novos questionamentos. Ou então, sentiram-se provocados a buscar com mais afinco
pelas respostas. Se assim for, este artigo terá alcançado a sua intenção,
pois esta tem sido a minha experiência:
Percebo que não tenho respostas para a pastoral, tenho paixão por
Cristo, por quem hoje estou aqui, a caminho, abrindo as portas da minha
vida para que em toda circunstância Ele possa entrar. Desço cada dia
na minha alma buscando a integração das minhas culturas, a ocidental e
europeia, racional, ateia e questionadora; e o ser sensível e simples que
apreendi e desenvolvi no Brasil. Junto à juventude universitária brasileira
que tanto me ensina, persigo a meta: ver se algum dia alcanço refletir o
Cristo (cf. Fl 3,12-14) no meu ser ‘trans-pós-moderno’.
Encontros Teológicos nº 63
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95
A presença da Igreja no meio universitário
Referências
BENTO XVI. Carta Encíclica Caritas in veritate. São Paulo: Loyola,
2009.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes
Gerais da ação evangelizadora da Igreja no Brasil: 2011-2015. 3. ed.
Brasília: CNBB, 2011. (Documentos da CNBB, 94).
JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Fides et Ratio. São Paulo: Paulus,
1998.
PAULO VI. Carta Enciclica Populorum Progressio. São Paulo: Paulinas, 1973.
_____. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi. São Paulo: Paulinas,
1976.
SANTOS, Luciano. O cristianismo transmoderno: fé cristã e literatura
brasileira contemporânea. 2010. Palestra proferida no Fórum do Cultura
da CNBB, em Fortaleza, 2010.
THEOBALD, Cristoph. O Evangelho de liberdade. São Paulo: Loyola,
2009.
Endereço da autora:
Fraternidade Missionária Verbum Dei
Rua Guajajaras,65 – apto. 502
30180-100 Belo Horizonte, MG
[email protected]
[email protected]
96
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Resumo: O conteúdo oferecido neste artigo é resultado das reflexões de um grupo de
acadêmicos do Curso de Teologia do Instituto Teológico de Santa Catarina*. Perpassa,
sinteticamente, as diversas etapas históricas da Bíblia, enfocando o protagonismo da
juventude. Há jovens de todas as condições sociais com testemunhos de fidelidade,
de coragem, de sabedoria e de entrega amorosa ao projeto de Deus em favor da vida
do povo. Há também jovens que preferem optar por projetos de morte. Há jovens
profetas, juízes, reis, soldados, sábios, artistas... Há jovens maltratados, injustiçados,
perseguidos e assassinados. Há jovens que resistem até à morte por fidelidade às
suas convicções de fé. Há jovens que seguem a Jesus com radical disposição e outros
que não conseguem desapegar-se dos seus próprios planos... Enfim, encontramos
na Bíblia rostos variados de juventude. Neles transparece a realidade vivida pelo povo
de Israel e das primeiras comunidades cristãs em seus diversos contextos históricos. Eles nos fazem refletir sobre a realidade na qual vivemos hoje e nos ajudam a
discernir o caminho que devemos seguir como agentes a serviço do plano de Deus
pela promoção da fraternidade e vida digna sem exclusão.
Abstract: The contents in this paper is the result of the reflections of a group of students
of the Catholic Faculty of Santa Catarina. It overpass, synthetically, the several historical
stages of the Bible, focusing on the protagonism of the youth. They recall young men
and women of all the social conditions, with testimonies of fidelity, courage, wisdom,
and full dedication to the project of God in favor of the life of the people. They find also
young who prefer to choose projects of death. They recall young prophets, judges,
kings, soldiers, wise, artists… Also young men and women mistreated, persecuted,
assassinated. Young who resist up to the death by fidelity to their convictions of faith.
Young who follow Jesus with radical dispositions, and other who don’t succeed in
detaching themselves from their own selfish plans. Finally, we find in the Bible different
faces of youth. In them appears the reality lived by the people of Israel and of the first
Christian communities. They make us reflect about our present moment of history,
and help us to discern the way to follow as agents on the service of the plan of God
for the promotion of fraternity and life without exclusion.
Bíblia e Juventude
Celso Loraschi**
*
Participaram destas reflexões os acadêmicos: Alcionir dos Santos, Alex Sandro Serafim, Chandi Salvador, Gabriel Schuch, Gilson Siqueira Alves, Rosália V. Teodósio
da Silva, Tiago Evaristo do Vale Santos e Wagner Alexandrino Nicola.
** Celso Loraschi é professor de Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos no ITESC/
FACASC.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012, p. 97-122.
Bíblia e Juventude
Introdução
Este artigo é, fundamentalmente, resultado das reflexões feitas
pelos participantes de um dos Seminários oferecidos pelo Instituto Teológico de Santa Catarina durante o 2º semestre de 2012. O tema proposto
foi Juventude e Bíblia. Propomo-nos a resgatar o rosto de alguns jovens
da Bíblia, à escolha de cada um dos oito acadêmicos que se interessaram
pelo assunto. Cada um deles partilhou sua pesquisa, situando a época
provável da narrativa bíblica, a situação histórica em que viviam as
comunidades na época da redação, as possíveis intenções dos autores,
culminando com reflexões hermenêuticas, visando contribuir para o fortalecimento da Pastoral da Juventude em nossos dias. Seria muito bom
expor toda a pesquisa realizada. Porém, isso não é possível pelo espaço
disponível para este artigo. Optamos por contemplar uma breve síntese
de cada uma destas pesquisas, permeada por comentários relacionados às
diversas etapas históricas do povo pertencente à tradição de fé judaicocristã, dentro da qual emergiu a Bíblia sagrada.
Juventude e liberdade
A partir do acontecimento do Êxodo, a Bíblia dá testemunho da
presença amorosa de Deus no meio do povo sofredor, abrindo caminhos
de libertação e vida. Ele age através de homens e mulheres que ouvem
a sua voz e seguem a sua vontade, como se constata logo no início da
formação do povo de Israel. O livro do Êxodo conta que Moisés, desde a
sua juventude, mostrou-se indignado com a situação de opressão em que
vivia o seu povo. Cometeu um grave erro quando quis fazer justiça com
as próprias mãos, usando da violência, o mesmo método dos opressores.
Fugiu do Egito e foi para a terra de Madiã. Casou com Séfora e trabalhou
como pastor até o dia em que Deus o chamou para animar a organização
do povo oprimido, tendo em vista a sua libertação. Apesar das resistências
de Moisés, Deus não deixa de realizar seus planos porque as pessoas se
acham limitadas. Contou com ele, apesar de suas tentativas de fugir da
missão que lhe foi confiada. Para ajudá-lo, Deus indicou o nome de seu
irmão Aarão. Estamos ao redor do ano 1.250 a.C.
A caminhada pelo deserto rumo à terra prometida foi feita com a
coragem juvenil. Na dureza do cotidiano de um deserto exige-se muita
fé e muita ousadia da parte dos animadores deste projeto de liberdade,
de paz e de fraternidade. Exige-se, sobretudo, capacidade de trabalhar
98
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em equipe. Miriam, irmã de Moisés e Aarão, manifesta sua liderança e
coloca seus dons a serviço do povo em caminhada. Ela é lembrada como
profetisa, pois percebe, celebra e anuncia os sinais de libertação de Deus
em favor do povo escravizado.
Foram muitos os desafios durante a caminhada de 40 anos pelo
deserto: fome, sede, reclamações, revoltas, tendência ao desânimo e à
acomodação. Foi a certeza da presença de Deus caminhando junto com
o povo, e a coragem sempre renovada dos animadores desta caminhada,
que proporcionaram a superação de todas as dificuldades e conflitos. Vários grupos de marginalizados se juntaram ao movimento de libertação:
camponeses, pastores, endividados, perseguidos pela polícia do faraó...
Como aprendizes uns dos outros e dos acontecimentos, vão descobrindo,
clareando e definindo o projeto de Deus: uma sociedade onde a economia seja baseada na partilha segundo a necessidade de cada pessoa (Ex
16,1-36); onde a política seja descentralizada e exercida na corresponsabilidade a partir das organizações de base (Ex 18,13-27); onde a religião
seja garantidora de relações igualitárias e fraternas (Êx 20,1-21). Foi o
projeto assumido pelas tribos ao chegar à terra prometida.
Juventude e organização social
Coube a um jovem, chamado Josué, a missão de liderar o povo
de Israel após a morte de Moisés. Com ele conclui-se a caminhada pelo
deserto e inicia-se a organização das tribos na nova terra. A missão é
desafiadora. Josué a assume na total confiança em Deus, que os tirou
da escravidão no Egito. Aprendeu com Moisés a ser servo de Deus.
Ser jovem não é sinônimo de incapacidade. Como muitos jovens de
hoje, colocou-se inteiramente a serviço da vida do povo. Sabe que pode
contar com a proteção divina. Eis o que Deus lhe diz: “Estarei contigo
como estive com Moisés; não te deixarei nem te abandonarei. Sê firme
e corajoso... Isto é uma ordem: sê firme e corajoso. Não te atemorizes,
não tenhas medo, porque o Senhor está contigo em qualquer parte para
onde fores” (cf Js 1,1-9).
O projeto social assumido pelas tribos de Israel durou aproximadamente 150 anos (1200-1040 a.C.). Tinha por objetivo garantir as
condições de vida digna para todas as famílias, clãs e tribos: um “povo
de irmãos”, como o definiram os autores do livro do Deuteronômio.
Organizado a partir da base, o povo era animado por lideranças “prudentes, tementes a Deus, íntegras e desinteressadas” (Ex 18,21). Foram
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denominadas de “juízes” ou “juízas” as pessoas que receberam a missão
de manter a unidade das tribos e administrar a justiça social. Entre elas
encontramos Débora (Jz 4-5). Além de juíza, é também lembrada como
profetisa, título de honra dado para quem toma iniciativas em nome de
Deus na defesa da vida do povo ameaçada pelos poderosos. Débora significa “abelha”. Com sagacidade, ela planeja as estratégias para vencer
o inimigo que ameaça a vida de seu povo com o poder das armas. Junto
com Débora, outra mulher, chamada Jael, usa de sua esperteza com o
mesmo objetivo: salvar a vida e a liberdade do povo de Israel.
Os juízes e juízas possuem a consciência de serem guiados pelo
Espírito de Deus, com quem cultivam uma relação de total confiança. As
dúvidas e fraquezas são superadas pela certeza da proteção divina. Assim
dão testemunho as narrativas bíblicas a respeito destas personagens.
Servem de inspiração para jovens e adultos de todas as épocas.
Juventude e poder
A transição do tribalismo para a o regime monárquico foi conflituosa. Samuel nasceu e cresceu nesse tempo de crise. A narrativa de sua
vocação (1Sm 3) ressalta o gradativo discernimento da missão para a
qual é designado, até a sua plena adesão: “Fala, Senhor, que o teu servo
escuta”. A vida de Samuel foi dedicada à defesa do projeto social de fidelidade à Aliança com Deus. Porém, Israel vai optar por outro caminho.
A Bíblia conta que os filhos de Samuel, Joel e Abias, não seguiram
o exemplo do pai, mas “deixaram-se arrastar pela cobiça, recebendo
suborno e violando o direito”. Há jovens que se deixam arrastar pela
ilusão do poder e da fama. Esta situação de corrupção das lideranças foi
um dos motivos para a implantação da monarquia, no intuito de imitar
outros povos. Samuel entristeceu-se profundamente e “se pôs em oração
diante do Senhor”.
O acadêmico Wagner Alexandrino Nicola, após o estudo dos
textos referentes a Samuel, faz o seguinte comentário:
SAMUEL: EXEMPLO E INSPIRAÇÃO
PARA OS JOVENS
O nome Samuel significa “aquele a quem Deus ouve”. Fez
parte da história de Israel por volta do ano 1040 a.C. Seu discerni-
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mento vocacional começou desde muito jovem. Sua mãe, Ana, o
consagrou ao serviço do Senhor. Foi educado sob a orientação do
sacerdote Eli. Quanto à sua relação familiar, seus parentes iam até
o templo uma vez ao ano para levar presentes ao menino que tão
cedo começou seu ministério e a sua vocação profética.
Vivemos em um mundo onde boa parte dos adultos tem a tentação de não sentir nos jovens nenhuma expectativa. Somos levados
a ressaltar a negatividade em tudo. As críticas e as correções quanto
às normas vêm automaticamente. É aí que se encontra a grande
dificuldade de aceitar e acolher o outro, neste caso, principalmente
o jovem. Neste embalo caímos na tendência de achar que tudo o
que os jovens pensam, falam e fazem, está errado. Esquecemos
que também já fomos crianças, adolescentes e jovens.
Devemos despertar o outro lado da nossa sensibilidade. A
sensibilidade de perceber, ver e valorizar as coisas positivas que
os jovens de hoje têm a oferecer. Devemos aguçar a contemplação
que nos educa a olhar o mundo com os olhos de Deus, como fez Eli
com respeito a Samuel. Samuel, um jovem como qualquer outro,
tinha muito para oferecer ao povo de Deus. Não só aquele povo de
um milênio antes de Cristo precisava de jovens como Samuel. Hoje
também a nossa sociedade clama pela atuação de jovens convictos,
acolhedores, reflexivos, perseverantes, corajosos e apaixonados
pela causa do reino de Deus. Onde encontrá-los? Eles estão em todo
lugar. Basta olhar o mundo com os olhos de Deus, para perceber
inúmeros jovens como Samuel.
Ainda muito cedo, caem, sobre a maioria dos jovens de hoje,
grandes responsabilidades. Há jovens que perdem os pais e são obrigados a deixar os estudos para trabalhar. Há jovens que assumem
responsabilidades políticas sendo precocemente líderes de classe,
de sindicatos, de movimentos estudantis, gerentes comerciais etc.
Os jovens cada vez mais são obrigados e exercer funções de grande
importância social.
O jovem Samuel de hoje é convidado a colocar-se aos cuidados de Deus para praticar funções de autoridade de modo sadio.
Em todo lugar é indispensável o exercício da autoridade. A autoridade, quando guiada por critérios divinos, sempre trará benefícios
para o povo. Em qualquer instituição que tem o ser humano como
mediador, torna-se indispensável o cultivo da amizade com Deus
e a consequente escuta e adesão à sua vontade, pois é ele quem
governa e liberta o povo.
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Bíblia e Juventude
Para isso é fundamental que tenhamos consciência de ser
porta-vozes do projeto de Deus. Samuel foi um jovem que soube
servir a Deus, colocando-se a serviço do povo com o propósito de
protegê-lo e libertá-lo de seus inimigos. Ele representa todos os
jovens que lutam pela organização popular, pela promoção da vida,
pela justiça e pelo direito; representa todos os que entregam sua
vida apostando numa sociedade de dignidade e justiça.
Os adultos precisam aguçar sua sensibilidade e perceber quais
as qualidades específicas que cada jovem possui, para orientá-lo com
sabedoria. A começar dentro da própria casa e da própria Igreja, o
exemplo de Samuel e do sacerdote Eli serve de grande inspiração.
Neste mundo da pós-modernidade, não podemos nos submeter à
ditadura do consumismo, do descartável e do relativo. Assim como
Deus, através do sacerdote Eli, chamou Samuel para uma missão de
grande importância na história de Israel, do mesmo modo ele chama
os jovens de hoje, pois continuam com potencial de grandes ideais,
capazes de revelar-se como protagonistas de uma nova história.
Exemplos não faltam em nossas comunidades, nas pastorais, nos
movimentos e organizações populares, na política...
A monarquia israelita vai ser julgada na Bíblia como o maior dos
pecados. Ela significou o rompimento da Aliança divina com graves
consequências para o povo. A fraternidade é quebrada sob o domínio
do egoísmo em suas diversas formas, tanto individuais como coletivas.
O relato da vida de José do Egito ilustra bem esta realidade (Gn 37-50).
A inveja e a ganância corrompem as relações sociais. Podia ser outra a
história de José, se fosse amado e acolhido por seus irmãos. A quebra da
fraternidade, porém, o tornou instrumento nas mãos do poder, a ponto de
usar suas habilidades para concentrar todos os bens nas mãos do faraó e
levá-lo a possuir o controle da vida do povo (Gn 47,13-26). É o retrato
do rei Salomão que solidificou o regime da monarquia com impressionante habilidade administrativa. O acadêmico Gabriel Schuch oferece
a seguinte reflexão:
JUVENTUDE, LIBERDADE E PODER
Uma sociedade justa depende de jovens conscientes. Com
José do Egito, percebemos claramente que o poder nos tenta à
corrupção. O poder pode ser uma faca de dois gumes. Quando as-
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sumido sem princípios valorativos, pode corromper e levar o jovem
a usá-lo em benefício próprio e, consequentemente, com atitudes
autoritárias e repressoras. Mas, se for exercido a partir de critérios
valorativos, pode ser libertador e promotor de vida.
Vemos na Bíblia que a vida do escravo no Egito (e também
em qualquer outro lugar) é sempre muito difícil. Os jovens escravos
são meros objetos e fonte de lucros para os seus senhores, os quais
exercem plenos poderes sobre suas vidas. Na atualidade, a escravidão está abolida. Porém, surgiram novas e acentuadas formas de
escravidão dos jovens. Podemos citar, por exemplo, o consumismo,
a escravidão sexual, a dependência dos meios de comunicação, a
busca insana pelo corpo perfeito, e muitas outras.
O jovem do passado foi o protagonista de muitas mudanças
e melhorias sociais. Infelizmente, esse espírito hoje não está tão
evidenciado. Grande parte da juventude atual é tida como “apática”,
não se mobiliza, não discute política, não sai às ruas, não monta
grêmios, não se filia a partidos, não vota com sede de mudança.
No âmbito social e político, podemos dizer que a juventude se deixa
escravizar pelos mandos e desmandos de todas as esferas de poder,
tanto público como privado. Cada vez mais é preciso recuperar em
nossos jovens o desejo de renovação. Com ele vem o entusiasmo
de fazer, criar, tentar, e a certeza de sempre conseguir.
Juventude deve ser sinônimo de querer experimentar o novo,
aprender com o velho e descartar os empecilhos criados por vícios
de acomodação. Juventude deve ser bandeira de liberdade (não
de libertinagem). Hoje ela parece um carvão ardendo embaixo de
cinzas. Não queremos que essa cinza se torne cada vez mais espessa. É preciso soprar para que virem chama. Saiam as cinzas,
a escravidão, a alienação, o conforto e flamejem as mudanças, as
melhorias, o novo tempo, a verdadeira liberdade!
Muitos reis, desde os dois primeiros, Saul e Davi, iniciam o seu
governo ainda muito jovens. Alguns até como crianças. Salomão assumiu o reinado como adolescente, usurpando o direito de seu irmão mais
velho, chamado Adonias, depois de mandar matá-lo (1Rs 1-3). Assim
como Salomão, vários outros reis usam da astúcia e da violência para
conquistar o poder. A maioria oprime o povo.
Davi, na memória popular, vai ser idealizado como o rei justo,
defensor dos direitos dos pobres e muito corajoso desde a sua juventude. Foi ele quem enfrentou o gigante Golias com fé e inteligência, sem
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Bíblia e Juventude
usar armaduras, na liberdade e com a habilidade de um pastor (1Sm
17). Davi é a figura que representa as aspirações do povo oprimido pela
monarquia, mas portador do ideal social de justiça e de liberdade. Ele é
citado por Jesus como um exemplo de quem defende o direito das pessoas
necessitadas (Lc 6,1-5).
Juventude e profecia
Com a situação provocada pela monarquia, surgem os profetas
e profetisas. Muitos deles iniciam suas atividades ainda jovens. Isaías
Primeiro (Is 1-39) tinha aproximadamente 25 anos de idade quando se
sentiu chamado. Estava no templo em oração com a comunidade. Ele
conta: “Ouvi então a voz do Senhor que dizia: ‘Quem enviarei eu? E
quem irá por nós?’. ‘Eis-me aqui’ – disse eu – ‘envia-me” (Is 6).
Jeremias é outro exemplo. Deus dirigiu-se a ele nestes termos:
“Antes de formar-te no seio materno, eu já te conhecia; antes do teu
nascimento, eu já te havia consagrado e te havia designado profeta das
nações. E eu respondi: ‘Ah! Senhor Yahweh, eu nem sei falar, pois que
sou apenas uma criança’. Replicou, porém, o Senhor: Não digas: ‘Sou
apenas uma criança’; porquanto irás procurar todos aqueles aos quais
te enviar, e a eles dirás o que eu te ordenar. Não deverás temê-los porque
estarei contigo...” (Jr 1,4-8.
Ao redor do ano 550 a.C., em pleno exílio da Babilônia, aparece
o profeta Isaías Segundo ou Dêutero-Isaías (Is 40-55): um apaixonado
pela liberdade e pela vida digna de todos, inconformado com toda e
qualquer atitude de injustiça. Faz ecoar a voz dos silenciados, dando
atenção especial às suas aspirações e aos seus direitos. Sua paixão e
utopia o levam a fazer uma experiência inédita de fé: Deus assume a dor
de todas as pessoas vítimas de sistemas construídos na base da mentira e
da dominação, envolve-as no seu amor terno e misericordioso e confialhes uma missão especial: “Eis o meu servo que eu amparo, meu eleito
ao qual dou toda a minha afeição... Eu te chamei para o serviço da
justiça, tomei-te pela mão e te modelei, eu te pus como aliança do povo,
como luz das nações, a fim de abrir os olhos dos cegos, a fim de soltar
do cárcere os presos e da prisão os que habitam nas trevas”(Is 42,1-7).
É nesta teologia do servo sofredor que Jesus de Nazaré vai pautar sua
vida e fundamentar sua prática.
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Juventude e sabedoria
No pós-exílio surge o movimento profético de Isaías Terceiro
ou Trito-Isaías (Is 56-66). Com extrema coragem, denuncia as atitudes
orgulhosas das lideranças políticas e religiosas e anuncia o caminho da
mudança social: a prática do direito e da justiça. Os líderes religiosos
procuram incutir no povo a ideia de que ser justo é “cumprir a lei”. Dizem
que a pessoa “cumpridora da lei” garante boas relações com Deus. O
profeta, no entanto, insiste que as relações com Deus são determinadas
pelas relações de amor para com o próximo. O que importa não é “ser
justo” pelo caminho do legalismo e sim “fazer justiça”, garantindo as
condições de vida digna para todos. Deus não aceita cultos ou sacrifícios
oferecidos sem amor e sem a solidariedade com os pobres (Is 58). Isaías
Terceiro anuncia que Deus vai criar um “novo céu e uma nova terra”.
Para isso, porém, é necessário que se restabeleça a igualdade social. Os
grandes e poderosos devem descer e colocar-se em pé de igualdade com
o povo: “O lobo e o cordeiro pastarão juntos; o leão e o boi se alimentarão de palha” (65,17-25).
Nesse tempo organiza-se o sistema sacerdotal de pureza. Entre as
maiores vítimas estão as mulheres. Elas são consideradas impuras pela
própria natureza. As jovens não tinham nem o direito de escolher com
quem casar. A teologia oficial atribuiu à mulher a culpa do pecado no
mundo (Eclo 25,33). Deus, no entanto, não entra na ideologia dos dominantes. Suscitou o movimento sapiencial, com forte protagonismo das
mulheres. Várias novelas bíblicas o revelam. Ester e Judite são jovens,
lindas, inteligentes e sagazes. Tomam posição na defesa e promoção
dos direitos do povo. Usam de estratégia para derrubar os poderosos de
seus tronos confiando na força criativa de Deus, que jamais abandona
os oprimidos.
A história de Judite interessou particularmente à acadêmica Rosália V. Teodósio da Silva:
JUDITE: A JOVEM MULHER DE CORAGEM
E ORAÇÃO
O nome da heroína, Judite, significa em hebraico, “a judia”,
o que a coloca em estreita relação com seu povo. Jovem e viúva,
representa o próprio Israel ameaçado por seus inimigos. Ela é lemEncontros Teológicos nº 63
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Bíblia e Juventude
brada por sua coragem e por seu desempenho na libertação do povo
das mãos dos opressores, quando a força dos homens de Israel
se esgotou. Mulher de oração, buscava sua fortaleza no Senhor e
testemunhava sua fé através de palavras e atitudes.
O livro de Judite, obra de ficção, tem muito a ver com a realidade de uma época pós-exílica. Foi escrito na região da Judéia entre
os anos de 175 e 164 a. C. e mostra a situação dos judeus durante
a dominação do rei selêucida Antíoco Epífanes. Diante da onda de
helenização e descaracterização da vida judaica, foi um dos livros que
alimentou a resistência e a revolta pelos Macabeus. Por trás da ficção,
percebemos o tema da luta de um povo oprimido e explorado, contra
o poder de estruturas imperialistas, opressoras e destruidoras.
Embora o ato de Judite – assassinato e obtenção de sua finalidade por sedução implícita –, tenha sido julgado com dureza, seus
críticos não conseguiram captar a lição transmitida pelos escritos,
isto é, que os israelitas deviam confiar em Deus para protegê-los.
Seguindo a tradição deuteronômica, a personagem dos heróis e seus
métodos de guerra não eram objeto de avaliação moral estrita. Deus
age através dos seres humanos que agem como humanos.
A teologia transmitida pelo livro de Judite é a seguinte: Javé é
o Deus dos humildes, o socorro dos oprimidos, o amparo dos fracos,
o protetor dos abandonados, o salvador dos desesperados (9,11).
A doutrina do livro destaca ainda: a providência de Deus para com
o seu povo; o tributo às mulheres que salvaram Israel no passado
por sua piedade, sabedoria e ação; a ideia de cortar a cabeça do
comandante do exército inimigo foi a de acabar com uma ideologia
dominante e desarticular todo um sistema opressor; é Deus que age
através de seu povo e realiza seu projeto de vida, justiça e liberdade;
a força do povo de Deus é a prática da justiça; a mística do povo
de Deus; o valor do jejum, da oração e dos atos de penitência para
provocar transformações.
A história de Judite inspira os jovens e adultos de hoje a perceber, denunciar e transformar as estruturas opressoras que existem
na própria casa, na escola, na comunidade, no trabalho, na igreja e
no mundo. Inspira, igualmente, a não deixar-se dominar pela ideologia que manipula e deturpa a figura das mulheres, especialmente
das jovens, em sua corporeidade e beleza. Neste sentido, inspira
a adquirir uma espiritualidade de militância, usando as qualidades
físicas e morais para colaborar na construção de um mundo de justiça. Enfim, inspira o hábito da oração permanente e leva a depositar
nossa confiança no único absoluto que é Deus.
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Como expressão do movimento sapiencial não poderíamos deixar
de citar a jovem Sulamita do livro de Cântico dos Cânticos, apaixonada
pela vida, pela natureza e de modo particular pelo seu amado. Mulher
autônoma e independente, que não descansa enquanto não conquista o
seu projeto de amor e de plena realização. Deus precisa ser libertado
das amarras do Templo. A terra precisa ser libertada! É primavera! Toda
a natureza é convocada a participar, com entusiasmo, do amor que vai
crescendo e se fazendo pleno. Os animais se rejubilam solidários. O ar
se enche de aromas. A corporeidade humana se revela em sua nudez.
Transparecem os encantos de cada parte do corpo, os seus mistérios mais
profundos que constituem a originalidade do ser mulher e do ser homem.
Mistérios só revelados e experimentados por quem se entrega livre e
conscientemente ao amor. E o amor é abrasador, é “faísca de Deus” (Ct
8,6). Surpreendentemente, este é o único momento em todo o livro em
que aparece o nome de Deus.
Várias outras personagens jovens no contexto do pós-exílio poderiam ser evocadas, como Tobias e Sara. Sobre este jovem casal fala o
acadêmico Alex Sandro Serafim:
TOBIAS E SARA: O JOVEM CASAL QUE ESPEROU
A HORA CERTA
O livro de Tobias, escrito pelo ano 200 a.C., é uma novela que
interpreta acontecimentos do século VIII a.C., durante a dominação
assíria sobre Israel (Reino do Norte). Foi escrito em grego pelos
judeus da Diáspora, com o objetivo de manter a sua identidade num
ambiente estrangeiro. Tobias pretende fazer com que, a partir da
experiência concreta, se aprenda a viver e manter os valores tradicionais. Ele quer mostrar os desafios, possibilidades, limitações e
adaptações que os judeus enfrentaram na Dispersão. A essência do
livro é a fidelidade ao Deus que se manifestou na tradição histórica
do povo israelita.
Os personagens principais do nosso trabalho são Tobias e
Sara. Tobias que significa “Javé é bom”, nasce do casamento de
Tobit com Ana, e mora com os pais em Nínive. É um jovem correto,
trabalhador, obediente e temente a Deus. Sara, que significa “dama
ou princesa”, era uma moça justa. Sara é filha única de Ragüel e
Edna, e mora com os pais na região da Média, numa cidade chamada Ecbátana.
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Bíblia e Juventude
O velho Tobit, pai de Tobias é um refugiado dos Assírios. Mas,
aos poucos, ganha a confiança do rei, e passa a ter uma vida tranquila. Era muito fiel a Deus, frequentemente dava esmola, alimento
e roupa aos pobres, e chega ao ponto de fazer ações oficialmente
proibidas, como enterrar os mortos, contrariando a tradição local.
Denunciado pelos vizinhos, é expulso da comunidade. Com a intervenção de um primo, ele volta. Certa noite, depois de enterrar
um corpo e purificar-se, deita-se num lugar fresco, pois fazia muito
calor. É atingido nos olhos pelo excremento de um pássaro, e fica
completamente cego. Começa a passar por necessidades, e pede
para o filho ir à Média cobrar uma antiga dívida de um amigo chamado Ragüel. Começa a procura de um companheiro de viagem para
Tobias. Aparece um jovem, chamado Azarias, que significa “Deus
socorre”, o qual se coloca à disposição para guiar Tobias. Azarias,
na verdade, é um anjo chamado Rafael, que significa “Deus cura”.
Esse anjo é o mensageiro de Deus que escuta a oração desesperada de Tobias, que pedia a cura de sua cegueira, e a de Sara, que
implorava a libertação de sua desgraça.
A situação terrível de Sara é a seguinte: ela tinha sido dada
sucessivamente em casamento para sete pretendentes. Acontecia
que, na noite de núpcias, um demônio chamado Asmodeu, que significa “aquele que destrói”, matava o marido sem que o casamento
fosse consumado. Tudo isso acontecia por uma palavra maldita de
uma criada da casa. Sara cai em desespero e pensa até em suicídio.
Naquele tempo se tinha a mentalidade de que a principal função de
uma mulher era casar e gerar filhos. Mulher que não casasse ou
fosse estéril era considerada maldita e inútil.
Duas histórias, em que só a providência de Deus pode reverter a situação e trazer novamente a alegria, a festa e a vida. O
livro traz bonitos sentidos de obediência, de família, de fé, de fraternidade, de fidelidade, de sabedoria, de justiça, de integridade, de
persistência, de oração, de entrega, de outros valores ligados aos
temas pertinentes ao nosso contexto, como: o modelo dos pais, a
educação dos filhos, a necessidades de perseverança, os conflitos
dos jovens, a presença e manifestação de Deus, a esperança na
vida, o matrimônio...
“Tobias e Sara, o jovem casal que esperou a hora certa”,
diz muito aos jovens de hoje, principalmente, àqueles que estão
iniciando seu namoro e pretendem concretizá-lo em matrimônio. No
capítulo 8,1-9, fala da noite de núpcias; antes do ato sexual, foram
orar e imploraram a misericórdia, a saúde e a graça de chegarem
à velhice juntos. Ambos oravam ao Senhor, dizendo que a intenção
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Celso Loraschi
deles era reta, e não era um casamento por luxúria ou por outros
interesses egoístas.
O namoro entre os jovens na atualidade vive um dilema.
Existe uma confusão, primeiramente com as diferentes formas de
conceber o amor, que em muitos casos é uma deformação do amor
verdadeiro. Depois vêm as relações superficiais, onde não existe
mais o processo de mútuo conhecimento e da espera necessária
para o amadurecimento afetivo. Também se constata nas relações
uma nociva primazia do eu, transformando o outro num objeto à
minha disposição para ser usado e descartado. A sexualidade é
confundida somente com o ato sexual, havendo uma desvirtuação e
precocidade, adiantando atos que são para serem vividos só depois
do matrimônio. A presença de Deus e seus preceitos passam despercebidos nos namoros. O sacramento do matrimônio foi banalizado
pelo consumismo, moda, status, dinheiro, imediatismo, interesses e
conveniências. Por isso, constatam-se namoros e matrimônios cada
vez mais líquidos e que facilmente se acabam.
O livro de Tobias, quando refletido com o coração aberto, nos
dá indicações e nos transmite valores que nos ajudam em muitos
aspectos, principalmente com respeito ao namoro e ao matrimônio.
Finalizo este tema com uma fala de Tobias que diz: “Levanta-te,
Sara. E roguemos a Deus, hoje, amanhã, e depois de amanhã.
Estaremos unidos a Deus durante estas três noites. Depois da terceira noite consumaremos nossa união; porque somos filhos dos
santos (patriarcas), e não devemos casar como os pagãos que não
conhecem a Deus” (Tb 8,4-5).
Outra personagem jovem dessa época pós-exílica é Daniel, em
cujo livro encontra-se o mais forte fundamento da fé na ressurreição
da carne, no Primeiro Testamento (12,1-4). O livro expressa a resistência frente à opressão exercida pelo rei grego Antíoco IV, ao redor
do ano 170 a.C. A fidelidade ao Deus de Israel revela-se na atitude de
três jovens judeus que não se dobram frente às ordens idolátricas do
opressor. São jogados na fornalha ardente e poupados por Deus em
quem depositaram total confiança. Daniel, pelo mesmo motivo de
fidelidade a Deus, mantendo-se íntegro no seu cargo administrativo,
é injustamente acusado e lançado numa cova de leões. Deus o salva.
Daniel é o modelo do jovem sábio, justo e incorruptível, conforme se
constata no episódio de Susana, uma jovem recém-casada, prestes a
ser condenada sem nenhuma culpa (Dn 13,1-64).
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Bíblia e Juventude
O acadêmico Tiago Evaristo do Vale Santos, a respeito da história
contada no livro de Daniel, faz as seguintes considerações:
JOVEM, A QUE DEUS SERVES?
“O nosso Deus, a quem servimos, é capaz de
nos livrar da fornalha de fogo ardente”
De acordo com as datas que o texto bíblico nos apresenta, o
livro de Daniel, com seus doze capítulos, cobre todo o período do
exílio da Babilônia. Primeiramente, ele nos leva ao ano 605 a.C.,
quando imperava o rei Nabucodonosor, o qual levou boa parte dos
israelitas para o exílio. Por fim, chega ao ano 537 a.C., no tempo do
rei Ciro, época em que o primeiro grupo de exilados tinha retornado
a Judá para reconstruir as ruínas da cidade.
Tudo isso serve como pano de fundo, mas a verdadeira intenção dos autores do livro de Daniel era escrever uma resposta à
ameaça religiosa e política que pairava sobre a Judéia no século II
a.C., quando o livro foi escrito. Queriam, com isso, encorajar o povo
judeu a se opor ao opressor estrangeiro, incitando os fieis à resistência. É um livro que apresenta temas contundentes como choque
cultural, conflito interno, opressão política, imperialismo estrangeiro,
crise econômica e stress psicológico nas mudanças religiosas devido
ao contato com outras religiões consideradas pagãs. É em meio a
toda essa turbulência que surge o profeta Daniel.
Trata-se duma época na qual os sonhos eram considerados
revelações divinas (Dn 2); as punições eram duras; o orgulho dos
poderosos desafiava o Deus vivo. No entanto, o Senhor livrou seus
servos e o orgulho foi humilhantemente derrotado. Aos poucos, foise percebendo que os reinos humanos não duram muito, e Deus é
quem controla a evolução da história.
O livro conta que aqueles que gozavam de boa aparência,
perfeição física e grande inteligência eram escolhidos para fazer
parte da corte real. “Entre eles encontravam-se Daniel, Ananias,
Misael e Azarias” (Dn 1,6). Era comum entre os babilônios a prática de magia, feitiçaria, encantamentos e astrologia, as quais não
eram permitidas entre os israelitas. Assim, aqueles que entravam
para a corte tinham que estar firmes em sua fé no Deus de Israel e
não se deixar influenciar por tais costumes. Daniel e os outros três
jovens mantiveram-se firmes. Eles se sentiam livres para cumprir
unicamente as obrigações prioritárias para com o seu Deus. E as-
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sim, “o aspecto deles parecia melhor e eles se apresentavam mais
bem nutridos que todos os jovens que se alimentavam das iguarias
do rei” (Dn 1,15). Mesmo pequenos atos de autodisciplina, quando
feitos por lealdade, como um princípio, coloca os servos de Deus
sob sua aprovação e bênção.
Para mostrar ainda mais seu poder e opulência, o rei mandou construir uma estátua de ouro de aproximadamente 27 metros
e obrigou a todos que se prostrassem em adoração. Aqueles que
recusassem eram brutalmente punidos, lançados na fornalha ardente
(cf. Dn 3,6). As fornalhas babilônicas eram formadas por tijolos e o
combustível usado era o carvão. Para produzir altas temperaturas,
fazia-se circular o ar dentro das fornalhas. No entanto, três jovens
judeus – Sidrac, Misac e Abdênago – que ocupavam um bom cargo
no reino, não se renderam às ordens reais e foram acusados por
outros funcionários invejosos. Eles estavam preparados para arriscar
suas vidas em nome daquele a quem serviam; portanto, de modo
algum se envolveriam com a idolatria. Furioso, o rei manda acender
a fornalha com um fogo sete vezes maior que o de costume e ali
lançá-los amarrados. “O nosso Deus, a quem servimos, é capaz
de nos livrar da fornalha de fogo ardente” (Dn 3,17). E de fato, isso
aconteceu (cf. Dn 3,19ss). Ao ver o acontecido, Nabucodonosor ficou
surpreso com a coragem daqueles jovens que “preferiram expor os
seus corpos a servir ou a adorar qualquer outro deus senão o seu
Deus” (Dn 3,28). O texto busca convencer os leitores de que os
seguidores do verdadeiro Deus contam com a presença do Senhor
em meio às situações difíceis.
Como podemos observar, a idolatria é uma perversão do sentido religioso. Significa virar as costas para Deus e adorar aquilo que
é vão. Também em nossa cultura, ídolos é o que não falta. Muitos
deles são iguarias produzidas por aqueles que exercem o papel do
rei Nabucodonosor. Qualquer coisa pode se tornar um ídolo, mas
os mais comuns são o apego excessivo (a pessoas ou a coisas), o
poder, o prazer, o dinheiro, a fama, o culto ao corpo, o êxito esportivo,
o consumismo desenfreado, o individualismo egocêntrico, os fundamentalismos, etc. Facilmente, até mesmo o trabalho, os estudos, a
família, os amigos e o namoro acabam se tornando ídolos, quando
nos impedem de viver na fidelidade ao Senhor da vida. Os ídolos
são falsos e enganosos. Eles sugam o sangue de seus adoradores e
os obrigam a prostrar-se diante deles. Os que tentam resistir ao seu
poder são lançados na fornalha ardente da exclusão, da depressão,
da falta de sentido para a vida, do vazio interior. Tudo isso acaba
desgastando, causando sofrimento, frustração e desilusão.
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Bíblia e Juventude
Por outro lado, vemos crescer também a religiosidade – basta
ver o número de igrejas que surgem por aí – mas nem sempre o
respeito por Deus cresce na mesma proporção. Crescem as igrejas
e não o Evangelho. Em alguns lugares, incutem-se os medos de
feitiço, maldições, e acaba-se conferindo poder divino a coisas e
entidades. Só Deus é todo-poderoso e quem nele crê é salvo.
A única solução, como no exemplo dos jovens apresentados,
é recusar aos ídolos e adorar unicamente ao Deus vivo e verdadeiro,
capaz de nos livrar da fornalha de fogo ardente.
Nesta mesma linha de resistência e fidelidade e na mesma época
da repressão de Antíoco IV encontra-se a descrição emocionante do
testemunho de uma mulher anônima, mãe de sete filhos, consolando-os
e encorajando-os a fim de que permaneçam fiéis à tradição dos pais e
resistam até a morte. Por fim, ela também entrega sua vida (2Mc 7). Ela é
a imagem-símbolo do povo fiel, que, para resistir ao sistema helenizante,
recupera a memória subversiva e elabora uma contraideologia. Fiel às
suas convicções de fé, gera uma nova mística que produz a perseverança.
Como em Daniel, este texto aprofunda a fé na ressurreição a partir do
mesmo contexto de repressão. A fé na ressurreição se radicaliza na insurreição. A vida que receberão os ressuscitados não será mais semelhante
à vida do mundo presente: será uma vida nova, totalmente transformada
e transfigurada. Esta é a esperança que sustenta os mártires no meio de
provas muito duras: o Deus da vida, criador de todas as coisas e libertador
de todos os males, é também aquele que ressuscita os mortos.
Jesus de Nazaré e outros jovens
Jesus, em sua infância e juventude, viveu com seus pais em Nazaré
da Galileia. “Crescia em estatura, sabedoria e graça diante de Deus e dos
homens” (Lc 2,52). Assumiu a vida comum dos jovens judeus de sua
época. É precioso este tempo da “vida oculta” de Jesus. O fato do Filho
de Deus fazer-se um de nós, assumindo totalmente a condição humana,
revela que o cotidiano da vida de qualquer pessoa pode adquirir pleno
sentido. Os mínimos gestos podem tornar-se caminho de santificação.
Jesus foi santo não porque realizou grandes obras aos olhos dos outros,
mas porque em todas as coisas fazia a vontade do Pai.
Pelo seu ministério público, a partir dos 30 anos de idade, verificase que Jesus cresceu na verdadeira sabedoria extraída da observação do
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dia a dia das pessoas, do seu trabalho, de suas alegrias e tristezas, de
suas aspirações e angústias; da contemplação da natureza, dos pássaros,
dos campos, dos trigais, das figueiras, das vinhas... As palavras e ações
de Jesus demonstram que ele desenvolveu um espírito crítico frente às
instituições políticas, econômicas e religiosas de sua época, assim como
muitos jovens de hoje. Constata-se também que ele lia e meditava a Sagrada Escritura a partir da ótica dos pequenos e pobres. Seguiu a linha
dos movimentos proféticos e sapienciais. Posicionou-se contra o sistema
excludente de pureza. Rompeu com o poder dominante e optou pelo lugar
social das pessoas excluídas. No meio delas, gestou o seu programa e
anunciou o Reino de Deus: um mundo justo, fraterno e solidário.
Sua mãe Maria assumiu a proposta de Deus e aceitou ser sua serva
acolhendo Jesus em seu seio, enfrentando com coragem os preconceitos
da sociedade de sua época. Anunciou que a misericórdia divina se estende
de geração em geração para todas as pessoas que o temem... Assim se
expressa o acadêmico Chandi Salvador:
MARIA, MODELO DE FÉ E AUDÁCIA
Maria – também conhecida como Maria de Nazaré, Santa
Maria, Mãe Maria, Virgem Maria, Nossa Senhora, Santíssima Virgem
Maria, Theotokos: Mãe de Deus –, foi uma mulher israelita de Nazaré, da região da Galileia, que viveu no final do século 1 a.C. e início
do século 1 d.C. Ela é considerada pelos cristãos como a “primeira
discípula”, a “primeira cristã”. Ela é identificada no Novo Testamento
e no Alcorão como a mãe de Jesus através da intervenção divina
(Mateus 1:16-25, Lucas 1:26-56, Lucas 2:1-7).
Maria era uma jovem, noiva do também jovem José. Filha de
Ana e de Joaquim. Foi chamada pelo anjo Gabriel de “agraciada”,
por ter sido escolhida para ser a mãe de Jesus. Em Lucas 1,26-38,
a vocação de Maria está delimitada por dois verbos de movimento:
o anjo entra onde Maria se encontra e, depois que ela responde ao
chamado de Deus, o anjo sai de onde ela está. Nessa moldura está
narrada a vocação de Maria, escolhida para ser a mãe do filho de
Deus. Sair de si mesma e de seus próprios planos para entrar nos
planos de Deus: é assim que ocorre a comunicação entre Deus e
Maria, comunhão de vontades no mesmo projeto.
Deus precisava de uma pessoa corajosa, forte, audaciosa,
despojada, para receber o chamado de ser mãe do Salvador. Pois
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só alguém com essas qualidades, alguém que amasse mais a Deus
do que a si própria, é que poderia suportar tudo o que essa vocação acarretaria: dificuldades, perseguições e outros sofrimentos.
Maria tinha todas as qualidades que Deus buscava e almejava em
uma jovem. Poucos são os momentos da vida de Maria citados na
Sagrada Escritura, porém, não foram esses momentos que fizeram
dela a mulher que ela foi. O que faz com que uma pessoa seja
santa ou não, são as escolhas que ela faz durante a sua vida. E em
todas as escolhas de Maria, Deus sempre estava em primeiro lugar.
Antes de o anjo Gabriel aparecer à Virgem, ela já tinha planos de
se casar com José e José já se preparava para a missão que iria
a ele ser confiada.
Maria, a mulher que foi envolvida pelo Espírito Santo para
conceber o Messias, louvou a Deus por causa de Jesus, entoando
um hino de ação de graças, que ficou conhecido como “Magnificat”
(Lc 1,46-55), no qual declara: “A minha alma engrandece ao Senhor,
e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador...”. Seu noivo
José também foi avisado, através de sonho, que a criança gerada
no ventre de Maria era fruto do Espírito Santo. José era uma pessoa justa. Também ele, como Maria, renunciou aos seus esquemas
pessoais para aderir ao plano de Deus.
Maria é um belo exemplo bíblico de fé e vida piedosa para
todos os jovens. Mesmo em meio a muitas dificuldades e diante de
grandes desafios, é possível aceitar firmemente a missão que Deus
lhe pede. Aí está uma grande mensagem para a juventude atual:
perceber que hoje em dia, apesar das inúmeras dificuldades, Deus
nos chama e exige de nós resposta corajosa. O chamado de Deus,
num primeiro momento, faz brotar em nós várias interrogações, dúvidas e curiosidades. Mas é possível, sim, responder com fé e total
confiança, mesmo quando Deus nos provoca a viver um estado de
vida diferente do comum. Para isso, é necessário adquirir e cultivar
uma virtude que Maria e também José possuíam: a coragem. Uma
coragem que os levou a enfrentar todo e qualquer preconceito. Iluminados pelo Espírito Santo e imitando o exemplo da Virgem Mãe,
possamos em nossa vida, sempre dizer sim à vontade de Deus!
Desde o início de sua atividade pública, Jesus escolheu um grupo
para acompanhá-lo em sua missão. Certamente vários membros deste
grupo de seguidores eram jovens. Jesus trabalha em equipe e ensina
o modo de viver segundo o projeto de Deus, superando todas as formas de egoísmo, de discriminação e de domínio de uns sobre outros.
Especialmente dedicou-se para libertar as pessoas, dos espíritos que
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as impediam de serem livres para amar e serem amadas. Os espíritos
imundos ou impuros estão relacionados com a ideologia do sistema de
pureza, como vimos acima. Por causa deste sistema, as pessoas doentes,
pobres, trabalhadoras de vários tipos de profissões, desempregadas,
estrangeiras e mulheres, eram consideradas impuras e excluídas da
salvação divina, uma vez que não conseguiam cumprir as leis estipuladas pela instituição religiosa. Além disto, havia a dominação do
império romano: militarismo, escravização, invasões, saques, impostos,
violência de todo tipo...
Jesus ensina um novo jeito de pensar e de agir. Abre para a
juventude e para todas as pessoas de boa vontade um caminho novo
de liberdade, justiça e paz. Liberta e cura as vítimas do poder econômico, político e religioso de sua época. Entre elas, os evangelhos
citam alguns adolescentes e jovens, como a filha de Jairo, de doze
anos de idade (Mc 5,35-43). Todos já a consideravam sem vida. Jesus
toma-a pela mão e ordena: “Menina, eu te digo, levanta-te”. Ela é
um exemplo da situação das adolescentes no tempo de Jesus, onde o
patriarcalismo se impunha de forma truculenta. Jesus não segue as
leis que discriminam. Segue o único mandamento que sintetiza toda
a lei e toda profecia: o amor a Deus e ao próximo. Diante da dúvida
de quem é o próximo, Jesus ilustra com a parábola do samaritano
solidário (Lc 10,25-37).
A prática de Jesus, portanto, opõe-se a toda lei que impossibilita
a vida digna para todos. Sua proposta é boa notícia para as pessoas
de todas as idades. Mostra que o evangelho da vida e da salvação é
dom de Deus para toda a humanidade. Na parábola dos dois jovens
irmãos (Lc 15,11-32), Jesus revela o rosto misericordioso e acolhedor
do Pai. O irmão mais novo que sai pelo mundo afora representa os
estrangeiros, enquanto o mais velho representa os judeus. Eles têm
o mesmo pai, que não impõe ordens, mas proporciona o caminho de
mútua acolhida. Na sua casa tem lugar para todos. O Reino de Deus
é de fraternidade e de paz.
Jesus chamou para segui-lo não somente os doze apóstolos. Chamou também o jovem rico que o procurou para saber o que deveria fazer
para alcançar a vida eterna (Mt 19,16-22). Jesus gostou dele e percebeu
que ele tinha condições de avançar no caminho da perfeição. Porém,
este jovem não conseguiu dar o seu sim. Eis o comentário do acadêmico
Gilson Siqueira Alves:
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JESUS OU O DINHEIRO: A QUEM SERVIR?
A narrativa do encontro do jovem rico com Jesus, comum
nos três Evangelhos sinóticos (Lc 18,18-23; Mt 19,16-30 e Mc
10,17-31) é altamente paradigmática. Evidencia o desejo que toda
pessoa carrega em seu íntimo, de uma vida com profundo sentido.
Evidencia igualmente o conflito entre a proposta de Jesus e o apego
ao dinheiro. O jovem do evangelho revelou que já havia assumido
a opção pelo dinheiro, como absoluto dentro do seu coração. Não
havia mais lugar para o Deus de Jesus: o Deus da Vida.
Percebe-se que Jesus se mostra severo em relação ao dinheiro: severidade profética. Ele mesmo diz (cf. Mt 6,24) que “não
se pode servir a Deus e ao Dinheiro”. O mal não está no dinheiro em
si, mas no uso que se faz dele. E sobre o dinheiro se desenvolve um
culto de “adoração” e de “pertença”, algo infelizmente tão comum
em nossa sociedade pós-moderna, onde muitos bradam que são
livres e no fundo são escravos do “deus” dinheiro.
O conflito que se processa dentro do jovem rico e que Jesus
percebe é seu apego ao dinheiro, pois na religiosidade judaica a
riqueza estava ligada à bênção. Todavia, na radicalidade do seguimento de Jesus, o absoluto tem que ser Deus, e a palavra de
ordem não é mais fechamento, mas abertura; não mais acúmulo,
mas partilha. Jesus propõe ao jovem rico outras riquezas, outro
caminho de plenas realizações. Não mais a vivência de rituais exteriores ou práticas religiosas que nos fazem olhar somente para
o nosso umbigo. Jesus olha para o jovem rico com amor, destarte
apresenta outro estilo de vida.
O jovem, apesar de encontrar-se com Jesus, olhando-o em
seus olhos, ouvindo suas palavras e experimentando seu amor, diz
não à proposta de Jesus. O fechamento o abraça, o “deus” dinheiro
ainda governa seu ser a ponto de o evangelho de Marcos (10,22)
dizer: “Saiu pesaroso, pois era possuidor de muitas propriedades”
(10,22). O problema desse jovem rico não era o dinheiro em si, mas
o fato de o dinheiro já ser seu “deus” e governar seu íntimo a ponto
de fazê-lo renunciar ao convite de Jesus.
Não é exagero afirmar que o dinheiro, numa sociedade de
consumo como a nossa, se tornou o “deus” dos jovens. Ao dinheiro,
todo culto, todo sacrifício para tê-lo. Muitos acabam por renunciar aos
valores mais altos para possuí-lo. Afinal, o dinheiro concede falsas
liberdades, abre portas, escancara horizontes, prolonga o prazer.
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Em nome do dinheiro, hoje se renuncia à fé, refreia-se a prática
religiosa, deixa-se de participar de ritos cristãos a ponto de afirmarse que o sacramento do Crisma tornou-se a “festa da despedida”.
Assim como o jovem rico dos Evangelhos, muitos jovens hoje se
fecham à proposta de Jesus.
No cenário moderno, o que presenciamos nada mais é do que
a espiral da morte, engolindo os jovens. A falsa segurança que o
dinheiro passa não é capaz de sustentar por muito tempo os ideais
da juventude. O “deus” dinheiro exige culto permanente e dedicação
absoluta e, consequentemente, a perda de valores. É preciso ter
muita coragem para não se dobrar frente ao sistema dominante e
não se sentir inferiorizado nessa sociedade onde as pessoas são
números e só valem pelo que consomem. Parafraseando Descartes: “Consumo, logo, existo”. É uma realidade sombria, que ilude e
engana os jovens.
Cabe aos cristãos de nosso tempo repropor um estilo de vida
novo e encantador aos jovens, que não é outro a não ser o de Jesus de Nazaré. Ele é nossa riqueza, ele abre novos horizontes. Em
Jesus encontramos o sentido que o dinheiro nos faz perder. Abraçar
seu projeto é ir em direção à outra lógica. É quebrar as cadeias das
“pseudoescravidões” como a última moda, o novo celular, a nova
roupa, as cores do shopping... Enfim, é ter a ousadia de construir
uma nova humanidade, pautada no uso consciente e responsável
dos recursos da natureza, uma vida sustentável em todos os âmbitos, participação ativa na política, destronando o “deus” dinheiro e
deixando de prestar-lhe culto. É dar a Deus o primeiro lugar. É ser
seguidor alegre do homem de Nazaré.
Atitude diferente do jovem rico tiveram as mulheres, Maria Madalena, Joana, Susana e muitas outras. Mesmo sem serem convidadas
explicitamente por Jesus, puseram-se a segui-lo colocando seus bens a
serviço de sua missão (Lc 3,1-3).
Há jovens também que crescem e se educam em ambientes que não
proporcionam uma visão verdadeira de Deus e servem aos interesses dos
dominantes. Um exemplo é a filha de Herodíades, mulher de Herodes.
Para satisfazer o desejo de sua mãe, ela pede a morte do profeta João
Batista (Mc 6,14-29). A Bíblia mostra que há dois caminhos: o da vida
e o da morte. O caminho da vida, por excelência, identifica-se com a
pessoa de Jesus de Nazaré que veio não para ser servido, mas para servir
e dar sua vida pela salvação de todos.
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Juventude no movimento de Jesus
O movimento de Jesus continuou após sua morte e ressurreição.
Muitos jovens o seguiram, como Saulo de Tarso. De perseguidor dos
cristãos, transformou-se num dos mais corajosos evangelizadores na
Igreja primitiva. Sua conversão (At 9) se deu quando ele tinha 26 anos,
logo após o martírio de Estêvão (At 7). Saulo estava presente à execução.
A roupa de Estêvão foi colocada aos seus pés. O testemunho de fé do
primeiro mártir cristão abriu o caminho para a mudança radical da vida
de Saulo. Tornou-se um exemplar seguidor de Jesus, a ponto de afirmar:
“Não sou mais eu que vivo, é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Assim,
“se alguém está em Cristo é nova criatura. O que era antigo passou,
agora tudo é novo” (2Cor 5,17).
Barnabé é outro exemplo para o seguimento de Jesus. Ele “sendo
proprietário de um campo, vendeu-o e trouxe o valor aos pés dos apóstolos” (At 4,36-37). Foi um grande companheiro de Paulo, ajudou-o a
encontrar-se e dialogar com os apóstolos em Jerusalém (At 9,26-30) e
participou da equipe missionária. Barnabé recebeu um belo elogio do
autor do livro de Atos dos Apóstolos: “Era um homem bom, cheio do
Espírito Santo e de fé” (At 11,24).
Um exemplo contrário ao de Barnabé foi o do casal Ananias e
Safira (At 5,1-11). Venderam um campo, retiveram uma parte do valor
e mentiram para a comunidade. Colocaram aos pés dos apóstolos apenas
a metade do valor arrecadado. Devido à mentira, os dois, em momentos
diferentes, caem mortos diante da palavra de Pedro. Esta história tem a
intenção de mostrar que na comunidade cristã não podem ser admitidas
atitudes de desonestidade e corrupção. Quem vai enterrar os corpos de
Ananias e Safira são os jovens. Eles representam a novidade do Evangelho. Toda maldade deve ser imediatamente “enterrada” para preservar
a proposta de Jesus de uma vida nova.
Outro jovem que se tornou um grande discípulo missionário de
Jesus foi João Marcos. Sua mãe chamava-se Maria, animadora de uma
comunidade cristã. Na sua casa, em Jerusalém, reunia-se uma igreja
(At 12,12). Marcos ou João Marcos cresceu nesse ambiente de fé e de
acolhida, orientado pelos conselhos e pelo exemplo de sua mãe. Era
primo de Barnabé (Col 4,10) e integrou-se na equipe missionária junto
com Paulo e também acompanhou Pedro em Roma. Pedro o chama
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de “meu filho” (1Pd 5,13). A tradição atribui a este jovem a autoria do
Evangelho de Marcos.
Há muitos outros nomes de seguidores e seguidoras de Jesus que
poderiam ser evocados. Ainda nos Atos dos Apóstolos encontramos a
informação de que o diácono Filipe tinha quatro filhas solteiras que exerciam o ministério da profecia. Seguindo o caminho do pai, dedicavam-se
à pregação do Evangelho (At 21,9). Timóteo é mais um exemplo que não
pode ser esquecido. É o acadêmico Alcionir dos Santos que comenta
sobre este discípulo missionário de Jesus:
TIMÓTEO, UM JOVEM HONRADO
Timóteo significa “aquele que honra a Deus”. Sua mãe se
chamava Eunice, que era judia e de seu pai apenas sabemos que
era grego (At 16,1). Ele aprendeu as Escrituras desde pequeno
através de sua mãe e de sua avó Loide (2Tm 1,5).
Tudo indica que Paulo o conheceu em sua segunda viagem
missionária e que já era cristão, a partir da primeira viagem (At 15,3618,22), quando estava passando por Derbe e Listra, atual Turquia,
aproximadamente entre os anos 49 a 52. Timóteo tinha, mais ou
menos, 16 anos de idade. Paulo o leva consigo para continuar a
missão (At 16,3). Na terceira viagem missionária, Paulo vai para
Macedônia e pede para que Timóteo fique em Éfeso, para organizar
a Igreja nesse local. Após isso recebe duas cartas de Paulo, pois
certamente Timóteo passava por algumas dificuldades. Sua tarefa
seria de convencer alguns a parar de ensinar doutrinas que fossem
contrárias à fé cristã (1Tm 1, 3-4). Em torno do ano 57, Timóteo foi
enviado de Éfeso a Macedônia para recolher ofertas que seriam
enviadas aos cristãos necessitados em Jerusalém (At 19,22; 16,110), pois estes passavam por dificuldades. Uma das causas destas
dificuldades, provavelmente, estaria ligada à crença no retorno
imediato de Jesus Cristo e, por isso, davam tudo o que possuíam.
O tempo em que Timóteo esteve com Paulo, aprendeu o Evangelho e tornou-se animador da comunidade cristã de Éfeso, ainda
muito jovem. Paulo, através de carta, o ajuda a permanecer firme na
missão de ensinar a verdadeira doutrina pela palavra e pelo exemplo,
sem esmorecer diante dos que se arvoravam como doutores da Lei
(1Tm 1,5-7) e ensinavam doutrinas que não condiziam com a fé cristã. Timóteo devia discernir o que era verdadeiro, agir com sabedoria,
corrigir com caridade e dar ele próprio o exemplo, vivendo a vida
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com toda piedade e respeito. Não desprezar quem agia de modo
desordenado, mas orientar com ternura. Devia conservar a pureza
de coração para amar verdadeiramente e pregar coerentemente
(1Tm 1,5). Devia cultivar “a fé sincera e a boa consciência”. Sua
missão revestia-se de grande responsabilidade: cuidar para que os
novos ministros fossem irrepreensíveis diante de Deus e diante dos
homens, aptos para ensinar com toda a caridade, criando seus filhos
sob a disciplina. Estes ministros deveriam aprender com consciência
reta para exercer o ministério com convicção e coerência.
Timóteo é encorajado a pregar a palavra de modo insistente,
oportuna e inoportunamente; exortar, convencer, repreender com
toda a paciência e empenho de instruir (2Tm 4,2). O ministro precisa
saber dar atenção, respeito e honra para com os mais velhos, mas
se caso necessário aplicar a correção. Os cristãos devem rezar
também pelos líderes do governo, para que eles possam dispor de
uma vida mais tranquila e pregar o Evangelho sem serem impedidos.
Numa palavra, é importante para o discípulo saber que Cristo é a
coluna da Igreja e que é nessa coluna que ele deve estar apoiado,
com firmeza e sabedoria.
O que os pais, a Igreja e a sociedade esperam dos jovens
é que sejam conscientes, empenhados, firmes e convictos de sua
tarefa frente à sua própria vida e àquilo que buscam alcançar. O
jovem que age com coração puro, consciência boa e fé sincera
possui autodomínio, sabe equilibrar-se na vida, responsabilizar-se
diante de seus estudos, de trabalhos e de questões que às vezes
nem sempre são de fácil solução. Também o jovem deve agir segundo a palavra do Senhor, pois assim ficará firme na tribulação;
ver o que prejudica a sua vida e corrigir-se; pregar a verdade com
coragem; não desprezar quem pensa e age de modo desordenado,
antes mostrar pela palavra e pelo exemplo o modo correto de viver,
fazendo a correção com caridade; ser puro de coração para poder
amar verdadeiramente; estar atento aos falsos mestres, para não
se perder com eles; aprender com consciência reta e depois exercer
o ministério; atenção, respeito e honra para com os mais velhos;
ensinar e recomendar as coisas boas conforme a vontade de Deus,
com fé, amor e constância.
Numa das cartas dirigida a Timóteo, atribuída a Paulo, encontram-se estas instruções: “Ninguém te despreze por seres jovem. Ao
contrário, torna-te modelo para os fiéis, no modo de falar e de viver,
na caridade, na fé, na castidade. Aplica-te à leitura, à exortação, ao
ensino...” (1Tm 4,12-13).
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Que ninguém despreze os jovens de hoje. Para cada um Deus
tem um desígnio que precisa ser descoberto, acolhido e assumido com
toda convicção. “Os jovens são sensíveis a descobrir sua vocação, a
ser amigos e discípulos de Cristo. São chamados a ser ‘sentinelas da
manhã’ (João Paulo II) comprometendo-se na renovação do mundo à
luz do Plano de Deus” (DAp. 443).
Consideração final
Neste artigo procuramos destacar algumas personagens, nem todas com a segurança de serem cronologicamente jovens, nos principais
períodos históricos de Israel e da Igreja cristã primitiva. Ressaltamos as
que a Bíblia guardou como testemunhas edificantes da fé judaico-cristã,
colaboradoras na defesa e promoção do projeto de Deus: de amor e
de fraternidade no mundo. Muitas outras poderiam ser referenciadas.
Deus age e realiza seu plano de salvação universal através, sobretudo,
de multidões de pessoas anônimas que, no cotidiano de suas vidas, o
amam de todo o coração e se dedicam para o bem do próximo. Esse é o
jeito jovem de ser. É o compromisso que desejamos assumir, com ânimo
e perseverança, os que participamos do Seminário sobre Juventude e
Bíblia: Rosália, Alex, Gilson, Chandi, Gabriel, Tiago, Wagner, Alcionir
e Celso. É dentro de Deus que encontramos esta energia rejuvenescedora. Deus “dá forças ao ser humano acabrunhado, redobra o vigor do
fraco. Até os adolescentes podem esgotar-se, e jovens robustos podem
cambalear, mas aqueles que contam com o Senhor renovam suas forças;
ele dá-lhes asas de águia. Correm sem se cansar, vão para frente sem
se fatigar” (Is 40,39-31).
Bibliografia
BORILLE, Edenilso. Bíblia e Juventude: Um encontro marcado! Crisenovidade, caminho para uma hermenêutica bíblica na ótica da juventude.
Monografia de Conclusão do Curso de Teologia, Florianópolis: Instituto
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Introdução a uma leitura militante da Bíblia. Petrópolis: Vozes, 1999.
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Endereço do autor:
Faculdade Católica de Santa Catarina – FACASC
Caixa Postal 5041
88040-970 Florianópolis, SC
[email protected]
122
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Resumo: O tema sobre a juventude é abordado na Bíblia para despertar o senso
de fascínio por uma etapa de crescimento que é muito auspicioso e projeta muita
alegria porque a vida é dom de Deus. O autor bíblico é um mestre de ensino
que anima os jovens a fazer da alegria na juventude um sentimento que se
prolonga pela vida inteira. Mas inculca também o fato de que a felicidade é fruto
da aprendizagem que se adquire com a reflexão e aprofundamento metódico.
Assim, o discípulo vai evoluindo, assumindo o papel de tutor de si mesmo e
contribuindo com a experiência pessoal à qualidade da vida em crescimento,
até a idade adulta. Outra dimensão desenvolvida neste artigo é a terapia contra
a depressão como a “doença do século”, que uma entre quatro pessoas em
algum momento da vida tem que enfrentar, já desde a juventude.
Abstract: This article deals with the study of the stage of life which has a decisive
role in all human beings. It embodies a style of human behavior where adults are
engaged as teachers contributing to the growth of youth since the formative years
up to the development of one’s character while at the same time assuming the
responsibility to develop the profile of personalities endowed with the personal
qualities which enable the students to face up to the acceleration of change in
the world. Since many juveniles undergo an identity crisis, not simply in terms of
emotional stress, but as conflicts in meaning, orientation, and finality, the biblical
author offers effective therapies to overcome feelings and attitudes of frustration
with the help of experts in the field of psychology and spiritual guidance.
Poema sobre a juventude na Bíblia:
Medidas preventivas contra
a depressão
Luis I. J. Stadelmann, SJ *
*
O autor, Doutor em Línguas e Literatura Semíticas, Cincinnati, e Mestre em Ciências
Bíblicas, é Professor no ITESC.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012, p. 123-138.
Poema sobre a juventude na Bíblia: medidas preventivas contra a depressão
Introdução
O elogio da felicidade desde a vida juvenil até a idade avançada
quer enaltecer, não somente os pontos culminantes, mas também as
etapas marcantes de sua vivência. Todas as fases estão aí incluídas: seus
antecedentes, a pujança de vitalidade no auge do vigor, beneficiando as
iniciativas, desde os preparativos até o pleno desenvolvimento de toda
a energia da juventude.
Em vez de enveredar pelo entusiasmo, que anima de alto a baixo,
será mais proveitoso encarar as etapas de formação humana entre os
jovens, facilitando-lhes a aprendizagem e o amadurecimento. Nos anos
de interação com a comunidade educacional, os sonhos se realizaram,
as amizades se fortaleceram, as afeições se compartilharam, e então
surgiram e se consolidaram os grandes ideais, na vivência e na interação com os adolescentes e sob a supervisão dos educadores. Na medida
em que os projetos de vida foram inserindo os conteúdos da formação
mais abrangente e os desafios da atividade profissional se delinearam
num leque de possibilidades para o desenvolvimento do educando, na
sociedade, os jovens antecipam seu compromisso de contribuir para o
desenvolvimento da vida em comum, iniciando no contexto da família
e no emprego, pondo em prática técnicas aprendidas e aprendendo competências e habilidades em uso no mundo do trabalho.
Quem apregoa, em poema, a felicidade da vida jovem é um mestre
de ensino que, no entardecer da vida na terra, manifesta mais vivamente
a alegria pelo surgimento da aurora de um novo dia do que o descanso
após uma árdua labuta. A aproximação do crepúsculo torna mais intensa
a satisfação pela vida, antes que o idoso se despeça do convívio junto
com a geração dos adolescentes. Nostálgico da juventude, o mestre de
ensino, sem invejar os jovens, aconselha-os a desfrutarem da vitalidade
e da alegria1, insistindo, porém, em que não percam as chances de programar o seu futuro, pois quem não aproveitar essa fase da vida dará
a Deus contas de sua negligência. O julgamento de Deus não significa
castigo por ter gozado, antes, pelo contrário, convida a gozar a juventude
e a fruir a plenos haustos a experiência de ter realizado algo de valor e
que será de proveito para os anos vindouros.
1
124
Vem a propósito a alocução do Papa Bento XVI sobre “A alegria é um serviço ao
mundo”, porque se fundamenta na sintonia com a Criação e com a harmonia com
o próprio Criador, e por isso as pessoas celebram o dom da vida, cf. L’Osservatore
Romano, ano 43, n. 32-33, agosto de 2012, sábado 11-18, p. 13.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Luis I. J. Stadelmann, SJ
Ao vislumbrar novas perspectivas para a geração dos jovens, o
formador dos jovens não se concentra em reflexões sobre experiências
passadas e, sim, assume o modo de expressão de quem se empolga com
ideais e prospectivas como era típico na cultura de então. Pois, na cultura semita da antiguidade, costumava-se expressar em poesia assuntos
importantes para a vida humana. Era a forma literária que se escolhia
para inculcar temas que devessem empolgar os leitores para transmitilos à geração seguinte.
Poema sobre a juventude (Ecl 11,7-10)2
O conteúdo lírico é apresentado num poema que expressa a alegria
do jovem pela profunda satisfação de poder, no estágio inicial da vida,
prelibar de forma antecipada felizes auspícios para os anos vindouros.
São vislumbres de muitas ocasiões de experiências alegres junto com
outros jovens: não são meros sonhos de quem se retrai para fugir do
convívio social. É no ambiente de uma comunhão de vida, inserida numa
ecologia humana, que se abre a todos os tipos de felicidade pessoal e
comunitária, sem esquecer a satisfação da alma estimulada pela virtude
da caridade como dom de Deus3, e não meramente por sentimentos ou
outras reações emocionais suscitadas pelo temperamento.
É de notar que o poeta apresenta uma energia latente que se
manifesta nas coisas vivas: é um élan vital que perdura através das
diversas fases de idade sendo responsável pela evolução criadora da
vida, do instinto e da inteligência, nos seres vivos. A estrofe se compõe
de vários versos:
Doce é a luz,
e é agradável aos olhos ver o sol.
8
Ainda que alguém viva muitos anos,
e em todos eles se alegre,
lembre-se de que virão dias sombrios! E serão muitos:
tudo o que está por vir é vaidade.
9
Alegra-te, pois, na adolescência,
7
2
O autor bíblico é chamado Eclesiastes, na tradução grega da Bíblia (Septuaginta),
correspondendo ao nome Qohélet, no hebraico, identificando a função de liderança
na comunidade.
3
É de notar que a alegria é fruto da caridade concedida por Deus, manifestando o
efeito da virtude divina, cf. Sto. Tomás de Aquino, Suma Teológica, 2ª2ª, questão 28,
artigo 4.
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Poema sobre a juventude na Bíblia: medidas preventivas contra a depressão
e seja feliz teu coração,
nos anos da juventude!
Segue os impulsos do coração
e o que agradar a teus olhos,
mas fica sabendo que de tudo isso
Deus te pedirá contas!
10
Lança fora do coração a tristeza,
e poupa a teu corpo o sofrimento!
porque adolescência e juventude são vaidade (Ecl 11,7-10).
As palavras expressam um significado já conhecido na linguagem
do nosso dia a dia, exceto o sentido do termo: “vaidade” que hoje se usa
como referência à “presunção e futilidade”, como é usada na «ética das
atitudes», ao passo que o autor bíblico designa a transitoriedade, em
«sentido sapiencial». O termo hebr.: hebel − “sopro” designa a brisa do
vento como também a respiração das narinas, significando algo que, não
tendo consistência em si mesmo, é efêmero, embora incida no clima ou
na vitalidade dos organismos. A relevância desses sinais de vida na natureza inanimada e animada está nos indícios daquilo que é vital no mundo
natural, mas adquire um significado todo especial, quando relacionado
com a vida sobrenatural. É que o ser humano aspira profundamente a
superar a vida transitória no âmbito terrestre para chegar à vida eterna.
São dois estágios inerentes na vida terrena e na sobrenatural, uma desembocando na outra, graças ao desígnio divino na criação do mundo,
ao fazer do homem um misterioso compêndio de tudo o que existe na
terra. E isso para que, contemplando o universo inteiro, e recopilando-o
em si mesmo, tudo refira a Deus, como fonte de tudo o que é bom, em
suas criaturas (cf. Sl 8).
A prospectiva da adolescência
Trata-se da felicidade juvenil, que tem de perdurar por toda a
vida. É mais do que mera exuberância de euforia passageira, induzida
por ocasiões de entusiasmo emocional entre os jovens; suas motivações
perduram, na vivência de intensa jovialidade em suas várias etapas, desde
o começo e seguindo o curso dos anos da vida.
a) É preciso não esquecer, porém, que essa jovialidade não
pode deixar de estar ligada ao senso da auto-estima do
jovem, porque brota de sua personalidade em vias de se
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Luis I. J. Stadelmann, SJ
consolidar, alimentando-se de um caráter aprimorado que
se irradia por atitudes no relacionamento social. Ele espera
que tem muito a dar aos outros e precisamente os dons de
partilha são os mais valorizados por seus iguais e pelos
adultos também. Além disso, ele está sobressaindo entre os
demais, quando se prepara para engajar-se na sua missão na
vida, discernindo entre a opção de ser medíocre ou “fazer
algo a mais”, no âmbito do Reino de Deus (cf. Mt 5,47).
b) Outro fator de grande repercussão é, sem dúvida alguma, o
senso da dignidade pessoal, que se impõe como personalidade no convívio social. É um traço do indivíduo com a marca
de um líder, sem diluir-se em configurações genéricas, pois o
próprio andar e suas atitudes adquirem como que um estilo
personalizado. Em situações de decadência ou defasagem, ele
se sente culpado por ter falhado ao seu ideal que tanto desejava
incorporar. Será também um incentivo para sair do estado lastimável e voltar ao que era antes. Há, porém um pré-requisito
para redimir-se: ele precisa pertencer à comunidade de fé da
Igreja, já que, unicamente nessas condições, pode participar
plenamente do conteúdo sobrenatural da graça divina que
encontra sua expressão e seu penhor de integração no Povo
de Deus. Essa integração que consiste na entrega do homem a
Deus, e de Deus, pela graça, ao homem.
A felicidade é fruto da aprendizagem
O estilo de vida em crescimento, desde os anos de juventude até
a idade adulta, implica vários estágios de escolaridade. O objetivo desse
tirocínio não é ensinar fazendo e, sim, “ensinar aprendendo”. A aprendizagem visa desenvolver a habilidade de adquirir um lastro cultural para
vencer na vida e não apenas para sobreviver no meio das conjunturas
sociais e ambientais. Além disso, vencer o desafio mais árduo é saber
superar o desgaste da transitoriedade, como também evitar o perigo de
cair na esparrela da inércia. O autor bíblico é quem se levanta como
voz inigualada, na literatura mundial, exortando os jovens a buscarem o
sentido da felicidade frente à transitoriedade:
Vaidade das vaidades – diz o Eclesiastes −
Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade (Ecl 1,2).
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Poema sobre a juventude na Bíblia: medidas preventivas contra a depressão
A lição que podemos colher, ao fim da visão de conjunto do plano
de ensino para os jovens, é a função de aprendizagem, na qual o aluno
assume o papel não apenas de vencer a ignorância na respectiva área, mas
procura impulsionar-se para exercer a função de tutoria no conhecimento
intelectivo. Os gregos antigos aplicaram o método da diatribe, na qual o
aluno se questiona a si mesmo acerca do sentido e da maneira de assimilar
o conhecimento intelectivo. Afinal, qual é, para mim, o significado de
tudo isso e como é que isso poderá tornar-me mais feliz?
Os princípios de minha felicidade dizem respeito ao “sentido da
vida”, e implicam na superação da transitoriedade. O plano de ensino
do autor bíblico abarca seis áreas mais importantes:
I. Cosmologia (1,4-11): Suas reflexões abrangem as diversas áreas
da filosofia, começando pela cosmologia.
II. Antropologia (1,12-3,15): As informações sobre a história da
cultura e civilização mostram as limitações e as conquistas feitas pela
humanidade.
III. Ética social (3,16-6,10): A vida em sociedade impõe obrigações
para o progresso e a defesa contra situações de iniquidade.
IV. Crítica das ideologias (6,11-8,12a): Os princípios da doutrina
sapiencial para a orientação da existência humana precisam ser analisados
por cada geração à luz dos valores e das implicações.
V. Teologia (8,12b-8,17): “O homem fala sobre Deus, dizendo o
que pensa dele” (Antropologia teológica), mas na revelação divina tratase de “Deus falando ao homem dizendo-lhe o que dele quer” (Teologia
da salvação) [8,16-17].
VI. Ética de atitudes (9,1-12,8): As motivações do agir humano
e a busca da auto-transcendência são poderoso estímulo ao esforço de
conformar as atitudes com as convicções.
Nesse plano de ensino, o autor bíblico é bem explicito na apresentação das áreas de estudo. Sua elaboração aborda temáticas que
facilmente podem ser formuladas em lições de resposta sobre problemas que atormentam o homem. Sem polêmica ou controvérsia, abre-se
um caminho de encontro com Deus, em meio à problemática da vida
atribulada ou obnubilada pelas contradições e insolúveis antinomias da
existência humana. Sua ênfase na escolha do projeto pedagógico está
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Encontros Teológicos nº 63
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Luis I. J. Stadelmann, SJ
num encontro aprofundado com Deus, excluindo terminantemente um
humanismo secularizante.
Na área dos estudos acadêmicos hodiernos, constam as ciências
exatas ao lado das ciências humanas. Ora, em muitos centros de ensino
abre-se espaço aos alunos interessados em matérias sobre a Metafísica
do Homem, abordando temas de auto-transcendência e espiritualidade;
da substancialidade do ser humano e da alma; da pessoa humana; da
morte e da imortalidade.
O tema da felicidade recebeu destaque todo especial na pesquisa
científica: “Felicidade pode ser herdada”, Happiness can be inherited
(YAHOO news de 06-03-2008). Em mais detalhes:
Você não pode comprar felicidade, mas parece que você pode ao menos
herdá-la. É o que pesquisadores britânicos e australianos disseram, na
data referida.
Um estudo de aproximadamente mil pares de gêmeos idênticos e nãoidênticos descobriu genes que controlam a metade das características
de personalidade que tornam a gente feliz, ao passo que fatores tais
como relacionamentos, saúde e carreira são responsáveis pelo restante
do nosso bem-estar: (50% por 50%).
Descobrimos que aproximadamente a metade das diferenças em felicidade eram genéticas, disse Tim Bates, um pesquisador da Universidade
de Edinburgo (Escócia) que encabeçou o estudo. “É realmente um fato
surpreendente”. Os pesquisadores formularam para voluntários – desde
a idade de 25 até 75 anos – uma série de perguntas sobre sua personalidade, sua educação, e se estavam satisfeitos com a vida.
Gêmeos idênticos partilham dos mesmos genes, ao passo que gêmeos
fraternais não os partilham; é a razão por que os pesquisadores puderam identificar genes comuns que resultam em determinados traços de
personalidade e predispõem as pessoas para a felicidade.
Pessoas que são sociáveis, ativas, estáveis, laboriosas e conscienciosas
tendem a parecer mais felizes, é o que os pesquisadores relataram no
Jornal de Ciência Psicológica. O que esse estudo mostrou é o fato de
que gêmeos idênticos numa família eram muito parecidos em personalidade e no bem-estar, ao passo que, por contraste, gêmeos fraternos
eram parecidos apenas pela metade, afirma Bates.
Os resultados são importante dado de uma enquête para pesquisadores
que se esforçam por melhor entender a depressão e os fatores que fazem
com que determinadas pessoas se tornem felizes ou infelizes4.
4
É bom lembrar que uma terapia contra a “depressão” tem que incluir uma análise de
taras hereditárias.
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Poema sobre a juventude na Bíblia: medidas preventivas contra a depressão
Medidas preventivas contra a depressão
O poema sobre a juventude tem para os jovens uma importante
mensagem. Embora milênios tenham passado desde a data de sua composição, o texto chegou até os nossos dias e surpreende pela relevância
para a geração atual. O pressuposto dessa reflexão é que a razão busca a
verdade que goza de universalidade, não nas suas manifestações históricas e concretas, mas como resposta à própria natureza da inteligência
criada para a Verdade absoluta. Ora “toda cultura autêntica é abertura ao
essencial, e não existe verdade que não possa tornar-se universal”5.
Entre as medidas preventivas contra a depressão, mencionamos
três,que têm sua atualidade em nosso tempo. Merecem, portanto nossa
atenção e também uma abordagem mais detalhada.
Antes de iniciar a análise do texto e a tentativa de interpretação, é
preciso objetivar o tema em pauta, para que a definição da “depressão”
possa funcionar com o objetivo primordial de servir como referência do
texto e da terapia:
“A depressão é um transtorno psíquico e mental que seriamente afeta o
estado emocional e mental do paciente. Esse estado consiste em transtornos da vivência interna do indivíduo e costuma atingir, com diversas
acentuações, segundo a saúde, o temperamento e os estímulos, as zonas
mais sensíveis do psiquismo e da espiritualidade humana”.
Quando se fala de terapia contra a depressão é necessário atender
a determinados pré-requisitos:
1. Consultar um profissional com conhecimento clínico. Portanto,
é preciso buscar uma ajuda de fora e não pensar que bastam os
meios de “auto-ajuda” que a gente costuma utilizar para sair
de um aperto.
2. A consulta de um profissional requer um diálogo franco,
sem reticência ou inibição de ter que desvendar as próprias
fraquezas ou frustrações, que venham a demolir sua imagem
de um indivíduo bem sucedido. O profissional precisa estar
disposto a ouvir uma conversa detalhada sobre o estado de
saúde do paciente.
5
130
João Paulo II, n. 45, Discurso ao CERN, Genebra, 15-06-1982.
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3. As terapias em voga para curar diversos estados de malestar não podem ser aplicadas pelo indivíduo por própria
escolha, mas devem ser submetidas à consulta de um e outro
profissional. Acontece que uma terapia bem-sucedida para
um paciente tem aplicação para ele mesmo, mas não pode
ser utilizada por outrem.
4. É bom lembrar que a opção por um profissional (psiquiatra, psicólogo, perito em clínica de tratamento de diversos
tipos de estresse etc.) precisa passar pelo crivo de seleção,
rejeitando benzedeiras, curandeirismo, espiritismo e autodidatas usando práticas exotéricas com plantas medicinais
de supostos efeitos curativos, mas sem conhecimento dos
efeitos colaterais nocivos.
Meios terapêuticos baseados na espiritualidade
bíblica
O fato de esses meios serem mencionados na Bíblia faz o homem
tomar consciência da auto-transcendência, sobretudo nas situaçõeslimite6. São meios terapêuticos baseados na espiritualidade bíblica, sem
omitir o procedimento de terapias clínicas. A Bíblia oferece várias modalidades de aplicar a ajuda recomendada por autores bíblicos, certificada
pela comunidade no atendimento dos pacientes que ficaram aliviados
de suas aflições. É de notar que ultrapassam tentativas de auto-ajuda,
porque receberam o comprovante de validade por peritos que aplicaram
os meios clínicos de épocas antigas e recomendam que se recorra à
graça divina:
a) o primeiro passo é livrar-se do sentimento de culpabilidade;
b) o segundo passo é ficar atento aos temperamentos que determinam nossas ações, a fim de evitar que o coeficiente de
energia destrutiva venha a desfazer o coeficiente de energia
construtiva;
c) o terceiro passo é adotar um estilo de vida que se baseia na
experiência da felicidade.
6
O filósofo Karl Jaspers chamou “situações-limite” (Grenz-Situationen) os momentos
críticos em que o homem se encontra nas crises de ansiedade etc., sentindo não haver
saída nem previsão de alívio (cf. La filosofia dell’existenza, Bompiani, Milão, 1967).
Encontros Teológicos nº 63
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Poema sobre a juventude na Bíblia: medidas preventivas contra a depressão
a) Sentimento de culpabilidade
Para sair de uma crise de ansiedade, a espiritualidade bíblica
recomenda a revisão dos atos humanos à luz da Lei moral. A finalidade
é livrar-se do sentimento de culpabilidade. O que se quer descobrir é
a causalidade subjacente a esses atos, juntamente com a propensão à
autenticidade ou à mentira, que determinam as opções e aumentam ou
diminuem a responsabilidade por tais atos.
No fundo, trata-se da liberdade da vontade humana sem os determinismos psicológicos, culturais ou sociais que impõem à vontade o jeito
de agir desta ou daquela maneira. Chama nossa a atenção a recomendação
de praticar a religião bíblica do Povo de Deus, porque ali se ensina como
ganhar a graça divina e os méritos da obra de Salvação. Além disso, quando
se recomenda a prática da religião entra em pauta a distinção entre a mera
leitura da Bíblia, como se lê um livro de literatura (filosofia, história, arte),
e a cultura religiosa, convertendo o conteúdo do livro em vivência, por
meio da liturgia, que celebra a experiência religiosa. Ora, essa experiência
dá grande valor à celebração da liturgia penitencial. Nela constam onze
ritos sucessivos que exercem a função de livrar de seus pecados o pecador
arrependido: Exame de consciência sobre os atos culposos cometidos e sua
gravidade. No mais recôndito de seu ser, o pecador descobre a maldade,
não apenas como mancha ou transgressão faltosa, mas como pecado, como
ofensa pessoal a Deus. Reconhecer-se culpado é assumir a responsabilidade
de seus atos perante Deus, como quem carrega um pesado fardo que só
Deus pode retirar de seus ombros. Revisão de vida, que no passado estava
sob a proteção divina, visando-se descobrir a possibilidade de reagir diante da situação de crise no presente. Lamento pela ausência de Deus, que
deixa campo aberto ao assédio do Maligno, a ponto de amigos e parentes
abandonar em o infeliz à sua triste sorte. Contrição como uma aversão e
repúdio do pecado cometido, com o propósito de evitá-lo no futuro. Compunção exprime o pesar e a dor interior do pecador por ter ofendido a Deus.
Prece por perdão do pecado por um ato da graça de Deus. Sinais rituais
da absolvição são a aspersão e a purificação, ao passo que a consolação
espiritual é produzida na alma pela graça divina.
O penitente reconciliado tem por reflexo, em sua consciência, o
semblante amigo de Deus. Fruto da graça divina, a renovação interior se
manifesta por tríplice moção espiritual: o espírito de decisão mantém o
estado de fidelidade a Deus; o espírito de santidade conserva-o na presença de Deus, na vida e na liturgia; o espírito de generosidade sustenta
132
Encontros Teológicos nº 63
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a dedicação à causa de Deus, enchendo a alma de alegria pela graça da
salvação. Apesar das fraquezas do espírito, que às mais das vezes levam o
ser humano a uma situação periclitante, segue a expressão de inabalável
confiança na ajuda de Deus, sem temor de o não obter. Confissão do pecado
diante do ministro da liturgia penitencial, acompanhada de sentimentos
de profunda dor e insegurança. Testemunho de inocência , seja no âmbito
social ou no âmbito do foro privado. Ora, as faltas que tocam o âmbito
privado costumam ser menos sentidas do que as transgressões que têm
influência no âmbito social público. Mas neste rito se distingue claramente
entre a culpa do pecado, na esfera privada, de que o penitente se acusou
na confissão, e a integridade pessoal na esfera social pública. Súplica de
salvação, que contém o pedido para uma vida em segurança na presença
de Deus. Propósitos para a vida. O primeiro concerne à rejeição do mal
e de toda a cumplicidade, pessoal, dos que estão implicados no pecado
e são responsáveis pelo modo como ele se configura atualmente e como
influi na sociedade. O segundo é buscar a relação com Deus baseada na
confiança em que Ele há de escutar a oração da alma, que percorre diversas
fases em seu caminho, desde a conversão até a santidade.
Para os pacientes que não têm acesso ao sacramento da confissão
e reconciliação, se aplicam algumas modalidades análogas aos ritos da
liturgia penitencial, com a finalidade de livrar-se do sentimento de culpabilidade. O objetivo é a purificação desse estado de aflição, eivada de
tristeza e frustração. O autor bíblico admoesta:
Lança fora do coração a tristeza,
poupa a teu corpo o sofrimento,
porque adolescência e juventude são vaidade (Ecl 11,11).
Na referência ao coração cheio de tristeza, são mencionados os
sofrimentos do corpo, porque, segundo a antropologia hebraica, o homem, em todo o seu ser, é ao mesmo tempo “carne” (ser mortal), “alma”
(dinamismo vital difundido em toda a pessoa) e “espírito” (vida unida à
sua fonte divina). O elemento concreto do ser humano é o “corpo”, ao
passo que a “alma” é o princípio espiritual. Ora, os sofrimentos do corpo
afetam também a alma humana. Entretanto, o antídoto do sofrimento não
é alegria da alma e, sim, a terapia da causa nociva.
A “tristeza” é um dos sentimentos fundamentais experimentados por
qualquer um, sob a conotação de desagrado e na linha da dor e do mal. Ela
costuma atingir, com acentuações diversas, segundo a saúde, o temperamento
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Poema sobre a juventude na Bíblia: medidas preventivas contra a depressão
e os estímulos, as zonas mais sensíveis do psiquismo e da espiritualidade
humana. Porém, ordinariamente, é mais sentida nas pessoas que não conseguem descobrir o sentido da vida. Neste caso pode degenerar em melancolia, angústia e desespero. À luz da fé, a tristeza poderia ser amargo fruto
do pecado. No mais, o diabo, querendo levar alguém ao pecado, lança-o na
tristeza. Aconselha-se a tática de fazer um ato de humildade, que põe o diabo
em fuga. Da Bíblia tiramos duas passagens referentes à tristeza: “Da tristeza
pode provir a morte; a tristeza do coração abate as forças” (Eclo 38,18).
“Expulsa a tristeza para longe de ti, pois a tristeza já causou a perdição de
muitos e não traz proveito algum” (Eclo 30,23). A tristeza tem muitos matizes, por exemplo: abatimento, desgosto, desolação, dor, desagrado, apatia,
aflição, amargura, pena, pesar e melancolia. Essas emoções são cumulativas,
agregando-se a cada novo incidente desagradável que tende a reforçar esse
estado de alma. Os sentimentos de angústia que sempre acompanham a
melancolia podem afetar seriamente o estado psíquico e o sistema nervoso
do paciente. Convém distinguir a melancolia-doença, que precisa de tratamento psiquiátrico ou psicológico, e a melancolia-sentimento. As raízes da
tristeza podem estar na frustração pessoal, num estado de depressão ou num
pessimismo que vem de longe.
A título de ilustração mencionamos o romance de Françoise Sagan
“Bom dia tristeza” «Bonjour tristesse»7, que faz uma mescla de circunstâncias triviais e situações existenciais, num clima de desencanto e
solidão. Trata-se de uma abordagem de deboche encarando um estado
psíquico e mental, que causa crises de ansiedade, com uma leviandade
zombeteira, e fazendo uma defesa pública da justificativa de se ter que
recuperar o estado de euforia por meio das drogas. Em vez de buscar
soluções do problema, vai apregoando um derrotismo com o objetivo de
oferecer alternativas (ineficazes) contra a aflição e o conflito dos hábitos
urbanos devido ao aumento de violência e dos índices de delinquência,
a propagação do alcoolismo e da droga, cuja dependência se pode
tornar crônica e criando casos de ansiedade generalizada, ou crises de
transtornos e fobias, ataques de pânico, causando prejuízos à saúde e
à vida social, afetiva e profissional, até se transformar em doença. Esse
romance tornou-se como que um símbolo da juventude dos anos 50.
Para sair das crises de ansiedade, a espiritualidade bíblica recomenda a revisão dos atos humanos à luz da vivência da fé na comunidade
7
134
Cf. Françoise Sagan, Bom dia Tristeza, Ed. Ulisseia, Lisboa, 1954.
Encontros Teológicos nº 63
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Luis I. J. Stadelmann, SJ
dos fiéis8. O que se quer descobrir é a causalidade subjacente a esses
atos, juntamente com a propensão à autenticidade ou à mentira, que
determinam as opções e aumentam ou diminuem a responsabilidade por
tais atos. No fundo, trata-se da liberdade da vontade humana, sem os
determinismos psicológicos, sociais, culturais, ou de fobias que impõem
à vontade o modo de agir desta ou daquela maneira.
b) Interação dos temperamentos
O autor bíblico fornece aos jovens um incentivo à atuação e vivência, nos seguintes termos:
Segue os impulsos do coração
e o que agradar a teus olhos,
mas fica sabendo que, de tudo isso,
Deus te pedirá contas (Ecl 11,9)!
Entre os critérios de identificar os “impulsos do coração” partimos
do pressuposto de que existem distintos referenciais teórico-técnicos das
escolas do pensamento psicanalítico e dos exegetas dos livros sapienciais.
Optamos pela identificação dos “impulsos do coração” em termos de
temperamentos. Trata-se de uma reação impulsiva, à maneira instintiva,
sem que se reflita sobre o efeito que terá. São impulsos que nascem do
temperamento, manifestando-se nas atitudes. É importante notar que o
temperamento tem efeito no indivíduo como também em atitudes para o
contexto social. As motivações que visam objetivos bem pensados e são
realmente construtivos, recebem uma complementação pela emotividade:
se for positiva, resulta em atitudes boas, mas se for negativa, terá por efeito
atitudes nocivas. Por exemplo, as reações impulsivas, oriundas do temperamento irritadiço e agressivo, são destrutivas. Comparam-se a atitudes de
alguém que destrói com uma mão o que construiu com a outra.
A propósito, convém aprofundar-se na análise dos vários temperamentos que influenciam o comportamento e a convivência social.
Quando a influência dos temperamentos não for devidamente levada em
consideração na pedagogia infantil, é de se prever, na vida adulta, um
descalabro imprevisível. Desde a infância se tem que coibir uma permis8
É de notar que a “vivência religiosa” da comunidade de fé é o fator determinante que
nos leva a distinguir entre a Bíblia como literatura e Bíblia como cultura religiosa, pois
os livros de literatura se conservam na biblioteca, ao passo que os livros da cultura
religiosa se usam na liturgia.
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Poema sobre a juventude na Bíblia: medidas preventivas contra a depressão
sividade de manias típicas de imaturidade. É que os temperamentos não
são instintivos e no indivíduo não são invariáveis, mas são intermitentes:
ora vai surgindo um tipo, ora vem outro. O segredo está em não deixar-se
dominar por um temperamento hostil, mas aguardar até que surja outro
do tipo ameno e então falar ao próximo e reagir ao comportamento de
acordo com a convivência entre os membros da comunidade.
O temperamento é bem distinto de uma tendência de caráter que se
herdou por nascimento e uma disposição de ânimo que foi aperfeiçoada ou
negligenciada nos estágios de formação, no lar e na escola. Ora, a agressividade e a maldade não se restringem aos moradores da periferia, mas se
manifestem também na alta sociedade, embora de maneira mais refinada.
Igualmente, estados depressivos surgem entre pessoas da classe abastada e
também entre os marginalizados, só que esses não se concentram no estado
de ânimo por causa da luta pela subsistência. Entretanto, quando um temperamento hostil “explode”, acontecem crimes violentos por causa da falta de
autodomínio na hora do acirramento de ânimos e no momento do conflito.
Durante a noite, quando a escuridão envolve os seres vivos, os fiéis
não ficam à mercê dos pesadelos, em horas de insônia e, sim, procuram
diluir as tensões, vasculhando o subconsciente para desvendar a raiz
de suas inclinações. Desvendam também os determinismos, de ordem
psicológica, moral e espiritual, que eventualmente estejam influenciando
as iniciativas e o desempenho das atividades cotidianas.
“Deus te pedirá contas” sobre o modo de reagir aos “impulsos
do coração”. Trata-se de uma reação impulsiva, à maneira instintiva,
sem que se reflita sobre o efeito que terá. São impulsos que nascem do
temperamento, e se manifestam em atitudes. Seu impacto sobre as ações
humanas pode resultar num coeficiente de energia negativa, que venha
a desfazer o coeficiente de energia construtiva.
c) Estilo de vida
A terceira modalidade de terapia baseada na espiritualidade bíblica é adotar um estilo de vida comprovada pelo ensinamento para a
juventude, recomendada no “poema sobre a juventude” (Ecl 11,7-10).
A lição do autor bíblico é a seguinte: Deleitar-se com a vivência cheia
de alegria na juventude e fazer disso uma experiência que se prolongue
durante a vida inteira. Convém pensar nisso, porque o otimismo sadio é
o clima que envolve todos os momentos da vivência humana com uma
136
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vitalidade sempre renovada, ao passo que o pessimismo causa danos à
saúde e deixa o jovem na privação da alegria.
Em vez de uma abordagem genérica, o “poema sobre a juventude”
propõe uma lição sapiencial sobre o gozo da felicidade, que um mestre,
de idade provecta e comprovada experiência, está ministrando aos jovens.
Em suas palavras: «No entardecer da vida na terra, ama-se mais vivamente a aurora de um novo dia, e a aproximação da noite torna mais intensa
a satisfação pela vida, antes que seja demasiado tarde». O autor bíblico
explicita os parâmetros de um estilo de vida com base em princípios e
não por meras ideias. É que nesses parâmetros os jovens devem buscar as
coordenadas para uma conduta de vida, baseada num sadio otimismo (a
fim de evitar o pessimismo)9. É importante notar que é preciso empregar
também a capacidade intelectiva e não apenas a faculdade volitiva na
área da saúde, ao atender as disposições naturais da pessoa.
O objetivo de elencar as áreas de estudo é precisamente buscar uma
ou mais atividades que se oferecem ao esforço humano para acrescentar aí
a valiosa dimensão da auto-transcendência. O autor fala da “vaidade” (isto
é, transitoriedade) que está inerente à agitação de interminável azáfama,
desgastando as energias de quem não tem tempo para cuidar de si.
A vida é preciosa, porque é dom de Deus. Entretanto, o valor
propriamente dito consiste não em estar vivo, mas no modo como se
valoriza a vida (Ecl 11,9c). A dita de poder deliciar-se com a experiência
do mundo não é um resultado automático da ação humana. A alegria como
atuação humana está aí inserida no meio. O homem tem que alegrar-se
com a felicidade que lhe é concedida, enquanto pensa na morte. Então a
luz lhe será doce. O pensamento na morte não relativiza a alegria, mas
reforça-a e justifica-a (Ecl 11 8). É de notar que a alegria concentra-se na
juventude, na medida em que se estende para a vida inteira. Propriamente
trata-se de uma visão proléptica, pois compete ao ser humano abraçar e
promover um estilo de vida consistente no hábito de alegrar-se por um
tempo o mais prolongado possível. Pois os dias sombrios serão muitos,
em contraste com os dias de brilhante luz, irradiando sobre os anos de
juventude.
9
O ensino de uma motivação na vivência humana baseada no otimismo tem sua atualidade comprovada pela religião cristã e constitui um antídoto contra um profundo
pessimismo propalado pelas religiões asiáticas.
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Poema sobre a juventude na Bíblia: medidas preventivas contra a depressão
Conclusão
Uma visão de conjunto sobre as etapas da vida humana, desde
os albores da infância, que passou, e o estado de amadurecimento que
o adulto já alcançou, tem sua atualidade quando se encara os jovens em
seu devir e os adultos como formadores. Mas quem cruza os braços e se
exime da responsabilidade de colaborar na formação, com a desculpa de
que os desafios do tempo atual, os descalabros da sociedade, a violência
entre os moradores dos bairros e os conflitos nas escolas são problemas da
juventude, abdica do direito de cidadania e da dignidade de pessoa atuante
na promoção do bem comum e do aprimoramento de novas gerações. Na
verdade, todos têm direito a ocupar seu lugar ao sol e a conviver com os
seres humanos, criando seu espaço vital para desfrutar juntos a alegria da
vida e a felicidade em comum, pois somos todos criaturas de Deus e estamos colocados no mundo para conviver num clima de ecologia ambiental,
reconhecer o próximo como concidadão num clima de ecologia humana,
e partilhar os dons de Deus num ambiente de ecologia espiritual.
Referências bibliográficas
Fernando Hellmann & Luana Maribele Wedekin (org.), O Livro das
Interagências, Ed. Unisul, Tubarão, SC, 2008.
Amadeo Cencini, A Hora de Deus: A crise na vida cristã, Ed. Paulus,
São Paulo, 2011.
Anselm Grün & Christiane Sartorius, Amadurecimento espiritual e humano na vida religiosa, Ed. Paulinas, São Paulo, 2006.
Susan C. Cloninger, Teorias da Personalidade, Ed. Martins Fontes, São
Paulo, 1999, Verbete: “Temperamento”, p.10, 222, 274; “Depressão”,
p. 199.
David E. Zimmerman, Manual de técnica psicanalítica, Ed. Artmed. Porto
Alegre, 2008 reimp., cap. “Estados depressivos” p. 299ss.
Ludger Schwienhorst-Schönberger − Elisabeth Birnbaum, Das Buch
Kohelet, Verlag Katholisches Bibelwerk, Stuttgart, 2012.
Endereço do Autor:
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Resumo: Entre os vários textos que, na Bíblia, se referem aos jovens e à
juventude, a passagem da primeira carta de João 2,12-14, é certamente uma
das mais significativas1. De fato, nesses três versículos encontramos, por duas
vezes, a bela dedicatória aos jovens “que são fortes” e que, cultivando em sua
vida “a palavra de Deus”, são “vencedores do Maligno”. O autor começa analisando o texto, examinando a seguir seu contexto e o contexto da carta à qual
o texto pertence, e enfim detendo-se na sua interpretação propriamente dita. E
conclui que a força invencível dos “jovens” da comunidade joanina, força também
hoje, dos jovens das nossas comunidades, é a força da “palavra de Deus”, que
neles permanece, se e enquanto permanece! E essa Palavra, concretamente,
se identifica com o próprio Cristo, a Palavra encarnada do Pai.
Abstract: Among the several texts that, in the Bible, refer to the young and the
youth, the passage of 1 John 2,12-14 is certainly one of the most meaningful. In
fact, in these three verses one finds, twice, the beautiful address to the young
men and women who are strong and who, dedicated in their lives to the Word
of God, are conquerors of the Evil one. The paper starts examining the text, and
proceeds investigating its context and the context of the Letter to which the text
belongs, and finally proposes its interpretation as such. The conclusion is that
the invincible strength of the young of the johannine community, strength also of
the young of our communities, is the power of the Word of God wich remains in
them, if and while it remains! And this Word, concretely, is identical with Christ,
the incarnate Word of the Father.
A força dos jovens
na Primeira Carta de João
Ney Brasil Pereira*
*
O autor, Presbítero da arquidiocese de Florianópolis, é Mestre em Ciências Bíblicas
e Professor na Faculdade Católica de Santa Catarina, FACASC.
Este artigo, reelaborado e atualizado, foi publicado originalmente em “Encontros
Teológicos”, revista do ITESC, Florianópolis, n. 11(1991/2), pp. 6-12.
1
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012, p. 139-157.
A força dos jovens na Primeira Carta de João
Introdução
Entre os vários textos que, na Bíblia, se referem aos jovens e à
juventude, a passagem da primeira carta de João 2,12-14, é certamente
uma das mais significativas. De fato, nesses três versículos encontramos, por duas vezes, a bela dedicatória aos jovens “que são fortes” e
que, cultivando em sua vida “a palavra de Deus”, são “vencedores do
Maligno”. Antes, porém, de situarmos esta passagem no seu contexto,
para podermos depois analisá-la e daí tirar algumas conclusões, vale a
pena transcrevê-la toda, na tradução que me parece a mais próxima do
texto original2:
v.12: v.13a:
13b: v.14a: 14b: 14c: Eu vos escrevo, filhinhos: os vossos pecados
estão perdoados
por meio3 do seu nome.
Eu vos escrevo, pais: vós conheceis Aquele que é
desde o princípio.
Eu vos escrevo, jovens: vós vencestes o Maligno.
Sim, venho escrevendo a vós, crianças: conheceis o Pai.
Venho escrevendo a vós, pais: conheceis Aquele que é
desde o princípio.
Venho escrevendo a vós, jovens: sois fortes,
pois a palavra de Deus permanece em vós
e vencestes o Maligno.
Se o leitor comparar esta tradução com a de outra das Bíblias que
temos hoje à disposição4, notará uma série de diferenças, para não dizer
140
2
Levo em conta, na tradução, além de algumas edições recentes, as sugestões
de BROWN, R.E., no seu grande comentário das cartas de João, “The Epistles of
John”, Col. Anchor Bible, Doubleday, N. York, 1982, pp. 293-328. Além de BROWN,
consultei também os seguintes comentadores, que, quando citados, o serão só pelo
sobrenome e pelo número da página: SCHNACKENBURG, R., “Cartas de San Juán”,
Barcelona, Edit. Herder, 1980, trad. do original alemão de 1974, 5ª edição; STOTT, J.
R. W., “I, II, e III João”, Introdução e Comentário, Série Cultura Bíblica, Ed. Vida Nova
e Mundo Cristão, São Paulo, 1982, trad. do original inglês de 1974; ZEVINI, G., “Uma
comunidade que ama – As três cartas de João às Igrejas da Ásia”, Edit. Salesiana
Dom Bosco, São Paulo, 1987, trad. do original italiano; CHAMPLIN, R. N., “O Novo
Testamento interpretado versículo por versículo”, vol. VI, Distribuidora Millennium,
São Paulo, 1982; AGOSTINHO, Santo, “Comentário da 1ª Epístola de São João”,
Ed. Paulinas, São Paulo, 1989, tradução do original latino.
3
“Por meio de” traduz literalmente o gr. diá, que a NV traduz por própter, como a CNBB
por “por causa de”, e a Século XXI por “por amor de”
4
Por exemplo, a Bíblia da CNBB, 11ª edição, 2011; a Bíblia “Almeida Século XXI”, SBB,
2008; a Bíblia de Jerusalém, nova edição, Paulus, 8ª reimpressão, 2012; a “Bíblia do
Peregrino”, Paulus, 2002 etc, sem esquecer a Nova Vulgata.
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Ney Brasil Pereira
divergências. É até estranho que, num texto de vocábulos relativamente
comuns e fáceis, haja tantos detalhes passíveis de interpretação diversa.
Estranho, mas assim é. Comecemos, pois, analisando o texto, para vermos a seguir seu contexto e o contexto da carta à qual o texto pertence,
e enfim nos determos na sua interpretação propriamente dita.
1 O texto: 1Jo 2,12-14
Apoiando-nos nas pertinentes observações de BROWN 294-305,
notamos três problemas maiores:
1) Há alternância de tempo no verbo principal: “escrevo”, “estou
escrevendo”, gr. gráphô, nos vv. 12-13 e “escrevi”, gr. Égrapsa, no v. 14.
Resumindo as hipóteses, o v. 14 não parece supor alusão a algum escrito
precedente (nem ao quarto evangelho, nem à 2ª ou 3ª cartas do Autor),
nem parece supor a parte já escrita da carta, que poderia ter sido interrompida por algum motivo, e o Autor então se referiria ao que já escrevera.
Por sinal, o mesmo vergo gráphô, no presente, é empregado três vezes
antes: em 1,4 (na primeira pessoa plural: “isto vos escrevemos”), e em
2,7 e 2,8; e a forma égrapsa, “escrevi”, depois de 2,14 aparece também
em 2,21 e 2,26, além de quase no final da carta, no começo do epílogo,
em 5,13: “Eu vos escrevi estas coisas...”. Resumindo as muitas opiniões,
parece tratar-se, em 2,14, de simples variação estilística em relação aos
vv. 12-13, reforçando o já escrito: “Eu vos escrevo” (vv.12-13) e “Sim,
venho escrevendo...” (v.14).
2) Os destinatários são distribuídos pelo autor em três grupos:
filhinhos, pais, e jovens, sendo que os “filhinhos”, gr. teknía, do v.12,
correspondem às “crianças”, gr. paidía, do v. 145. Que pretende João com
essa tríplice designação? Quereria ele distinguir três estágios de desenvolvimento na fé, a saber, os neófitos, recém-convertidos, os confirmados,
recém-engajados, e finalmente os líderes da comunidade, já maduros?
Tal é a interpretação, entre outros, de CLEMENTE de Alexandria, entre
os antigos, e de STOTT, entre os modernos (cf. BROWN 297 e o próprio STOTT 83). Ou mesmo três diferentes idades da vida – crianças,
jovens, adultos – à semelhança de IRENEU em Adv. Haer. II, 22, 4, o
5
Etimologicamente, como observa STOTT 84, “teknía salienta a associação natural
entre a criança e seu pai (de tékein, gerar ou procriar), ao passo que paidía se refere
à menoridade da criança como alguém sob disciplina (de paideuein, adestrar, educar,
castigar)”. A NV traduz aqui paidía por párvuli, “pequeninos” enquanto em Jo 21,5 por
púeri, “meninos”, “rapazes”.
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A força dos jovens na Primeira Carta de João
qual apresenta Cristo santificando as várias fases da vida humana pelas
quais ele mesmo passou: “Pois Ele veio para salvar a todos, por meio
de si mesmo – todos, digo, que através dele nascem de novo para Deus
– infantes, crianças, adolescentes, jovens e adultos”6.
Ou interpela João toda a comunidade ao mesmo tempo, uma vez
que as características de “criança, jovem e adulto” são simultâneas em
cada um de nós? Assim, por exemplo, AGOSTINHO, para quem todos
os cristãos são “crianças” porque nasceram de novo pelo batismo; são
“pais”, porque acreditam “naquele que é desde o princípio”; e todos são
“jovens”, porque “são fortes” e lutam, em Cristo, contra o Maligno7.
Terceira e última interpretação é a que considera João dirigindose primeiro a toda a comunidade, interpelando-a conjuntamente como
“filhinhos” no v. 12 e como “crianças” no v. 14, à semelhança da interpelação de Jesus a seus discípulos na última Ceia, em Jo 13,33 (teknía
– filhinhos) e junto ao mar de Tiberíades, em Jo 21,5 (paidía – meninos,
com o sentido provável de “moços”, “rapazes”). A seguir, nessa comunidade de “filhinhos” e “crianças”, interpelação que já ocorrera, na carta,
em 2,1 e voltará em 2,28; 3,7 e 3,18; 4,4 e, no final do epílogo, em 5,21,
sempre sob a forma de teknía – filhinhos, João distingue dois grupos de
membros, por ordem de idade ou maturidade: patéres – pais, e neanískoi
– jovens8. Aqui, nova surpresa nos prepara João, fugindo aos esquemas
normais: esperar-se-ia “anciãos”, contrapondo-se a “jovens”; ou “filhos”,
contrapondo-se a “pais”. Poderia esperar-se também, em grego, termos
como presbýteroi, “mais velhos”, “anciãos”, contrapondo-se a neôteroi,
“mais novos”, ou mesmo “bispos”/“presbíteros” contrapondo-se a “diáconos”, como em Fl 1,1 e 1Tm 3,2 e 89.
Mas não. Por motivos que nos escapam, João expressa a totalidade
bipolar da sua comunidade em termos de “pais” e de “jovens”, à semelhança – mas uma semelhança original – dos “velhos” e “jovens” que
exprimem essa totalidade em textos como Ex 10,9; Js 6,21; Is 20,4; Ez 9,6;
Jl 2,28/3,1 (cf. At 2,18), à semelhança/diferença também dos “pequenos”
142
6
Cit. em CHAMPLIN 240.
7
Assim BROWN 298 sintetiza o pensamento de AGOSTINHO.
8
A NV, retomando a Vulgata, traduz neanískoi por adulescentes.
9
BROWN 299 faz interessante observação: “Como os epískopoi eventualmente
tornaram-se distintos dos presbýteroi e superiores a eles nos escritos de INÁCIO DE
ANTIOQUIA (primeira década do séc. II), assim também os diákonoi parecem ter-se
tornado distintos dos neôteroi e também superiores a eles, como se vê na carta de
POLICARPO aos filipenses 5,3, na primeira metade do séc. II”.
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Ney Brasil Pereira
e “grandes”, ou “do menor ao maior”, em textos como Gn 19,11; 1Sm
5,9 e, especialmente, Jr 31,34 no seu anúncio da Nova Aliança: “Porque
todos me conhecerão, do menor ao maior, oráculo do Senhor”.
Também na comunidade de Qumran distinguem-se dois tipos de
membros: os menos instruídos e os já iniciados: os “simples de Judá”, que
cumprem a Lei, e os plenamente iniciados, que participam do Conselho
da comunidade, segundo o que nos informa o Pesher de Habacuc10. Notar
como o Senhor Jesus também se refere a semelhante distinção, embora
subvertendo-a: é aos infantes, gr. Népioi, e não aos sábios, ou “sabidos”,
que Deus se revela (Mt 11,5 e Lc 10,21)!
3) A conjunção hóti, traduzida literalmente como “porque”, com
sentido causal, em praticamente todas as versões, antigas e modernas,
parece ser melhor traduzida com sentido declarativo, como propusemos,
com a Nova Vulgata e a Bíblia da CNBB11, introduzindo os dois pontos
em vez do “porque”: “Eu vos escrevo, filhinhos: os vossos pecados estão
perdoados...” A diferença pode ser subtil demais, mas o sentido declarativo parece expressar melhor o pensamento de João, que pretende deixar
bem claro a seus destinatários, filhinhos/pais/jovens, que são eles, e não
os gnósticos separatistas, que “estão perdoados”, “conhecem o Pai”,
“venceram o Maligno”. Notar, aliás, que João sabe usar a conjunção
devida, quando quer expressar, por exemplo, uma finalidade. Assim, em
2,1 ele explicita a sua intenção: “Eu vos escrevo, filhinhos, para que (gr.
hína) não pequeis...”. Da mesma forma, em 5,13: Eu vos escrevi tudo
isso para que... saibais que tendes a Vida eterna!”
2 O contexto
O contexto próximo de 1Jo 2,12-14 inclui, por oposição, os vv.
15-17 imediatamente seguintes, nos quais os destinatários, “filhinhos/
pais/jovens”, depois de terem sido tranquilizados sobre o seu estado de
salvação (vv. 12-14), são exortados a rechaçarem decididamente o amor
do mundo (!): “Não ameis o mundo nem o que há no mundo...” É o mesmo “mundo” tão amado pelo Pai, que dele recebe o dom de seu Filho
10
11
Pesher é o midraxe que atualiza o texto profético. Cf. BROWN 299, que cita 1Qpab
12,4-5.
Única exceção, quanto me consta, em português, era a da TEB, Tradução Ecumênica
da Bíblia, Ed. Loyola, SP, 1987, trad. do original francês de 1972, além de BROWN,
SCHNACKENBURG, BOISMARD, BONSIRVEN, MALATESTA, RIVERA etc, cf.
BROWN 300-301.
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A força dos jovens na Primeira Carta de João
(Jo 3,16) mas que, obstinando-se em não acolhê-lo, torna-se indigno da
oração do mesmo Filho: “Por eles – os discípulos – eu rogo, não pelo
mundo...” (Jo 17,9). Mundo, porém, que, mesmo odiando os discípulos,
como já odiara o Mestre (Jo 15,18-19), terá ainda a chance de recebê-los,
os discípulos, como enviados do Filho: Como tu me enviaste ao mundo,
assim também eu ao mundo os envio...” (Jo 17,18).
Ainda quanto ao contexto próximo literário: a unidade dos vv.
2,12-14.15-17, por sua vez, tem relação com o que precede (2,3-11): é
preciso fazer a vontade de Deus observando seus mandamentos, que se
resumem no mandamento do amor fraterno, e com o que segue (2,18-27):
os “filhinhos” do autor da carta deverão preservar-se dos “anticristos”,
que “saíram do meio de nós mas não eram dos nossos” e que, negando
ser Jesus o Messias, “negam o Pai e o Filho” (2,23).
Com esta menção dos “anticristos”, figura apocalíptica que João
desmitiza, identificando-os nos separatistas da própria comunidade – eles
saíram do meio de nós – percebemos o contexto conflitivo das cartas joaninas. Delas, a 2ª e a 3ª são como que bilhetes assinados pelo “Presbítero”,
o mesmo personagem que a tradição identificou com o Apóstolo João,
considerado autor também da 1ª carta, esse escrito admirável que nada
fica a dever ao 4º evangelho, com cujo estilo tem parentesco inegável.
BROWN, o exegeta americano que, como o alemão SCHNACKENBURG, produziu extensos comentários tanto ao 4º evangelho
como às cartas joaninas, escreveu também interessante livrinho de 200
páginas sobre “A Comunidade do Discípulo Amado”12, isto é, a comunidade no meio da qual foi elaborado o 4º evangelho e, depois, abordando
problemas surgidos com a interpretação conflitiva da alta cristologia
joanina, também o conjunto das três cartas.
Salta aos olhos o contexto sócio-eclesiológico diferente do 4º evangelho, comparado com o das cartas, mesmo se produzidos, um e outras,
na mesma comunidade. É que o 4º evangelho, cuja redação começa,
num primeiro estágio, na Palestina, e que se apresenta, em sua primeira
conclusão, como um escrito missionário, ad extra, para que seus leitores
12
144
BROWN, R.E., “A Comunidade do Discípulo Amado”, Ed. Paulinas, São Paulo, 1984,
tradução do original americano de 1979, com o seguinte expressivo subtítulo: “A vida,
amores e ódios de uma Igreja particular na época do Novo Testamento”. Ver a breve
recensão escrita por ANDERSON, Ana Flora, em “Estudos Bíblicos” n. 2, Vozes,
Petrópolis, 1984, pp. 79-80.
Encontros Teológicos nº 63
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Ney Brasil Pereira
creiam13 que Jesus é o Cristo e, crendo, tenham a vida em seu nome (cf.
Jo 20,31), supõe um confronto mais ou menos tenso com “o mundo” (= o
Império romano? o sistema e a sociedade do Império?) e com “os judeus”
(estes, visados mais nos capítulos 5 a 12). Há confronto também com
os discípulos do Batista (nos capítulos 1 a 3), com os “cripto-cristãos”,
isto é, judeu-cristãos ainda ligados à Sinagoga e sem coragem para o
desenlace, e ainda com os próprios gnósticos helenistas, cuja linguagem
João assimila, desmitizando-a14. Ao contrário do 4º evangelho, as cartas
joaninas são escritos claramente intra-eclesiais, ad intra, dirigidos a discípulos fiéis do autor, os quais, como diz o início do epílogo da 1ª carta,
já crêem “no nome do Filho de Deus, e por isso devem estar conscientes,
devem saber que já possuem a Vida eterna! (cf. 1Jo 5,13).
Esses discípulos fiéis, no entanto, correm o risco de ser desviados,
“seduzidos” por muitos “sedutores”, que “não reconhecem Jesus como o
Messias encarnado”, e “avançam”, mas não permanecem na reta doutrina
(cf. 2Jo 9). Além disso, prejudica-os a ambição de falsos líderes como
Diótrefes, o qual “ambiciona o primeiro lugar” e não recebe os enviados
do Ancião, difamando-o com palavras mal-intencionadas (cf. 3Jo).
Isto é, a comunidade joanina, pelo que apreendemos desses documentos autênticos da sua história, não se apresenta absolutamente
como o idílio do amor fraterno que marcou pelo menos os momentos
iniciais da comunidade de Jerusalém, segundo a descrição de Lucas em
At 2,42-47 e 4,32-35: “eram perseverantes na comunhão fraterna... um
só coração e uma só alma”.
Pelo contrário, a comunidade joanina, como aliás também as
comunidades paulinas (cf. as cartas aos coríntios, aos filipenses, aos
gálatas: quantas lutas internas, quantas defesas Paulo sente-se obrigado
a fazer do seu apostolado!), a comunidade de Tiago (quantos desmandos
Tiago nela reprova!), e também as igrejas do Apocalipse (cf. Ap 2-3),
foi uma comunidade de árduos conflitos. E isso não só ad extra, com
o “mundo”, a sociedade, o Império romano (cf. o Apocalipse!), mas
também ad intra: se “a águia joanina parece sobrepairar a terra” no 4º
13
O subjuntivo do presente, no texto original, poderia implicar sobretudo “o progresso na
fé entre aqueles que já pertencem à comunidade dos que creem; mas uma intenção
missionária é também possível”, como o lembra a Nota da TEB (já citada acima) a
este versículo.
14
Sirva como exemplo o mito do Lógos, a Palavra, que se faz “carne”, assumindo a
condição humana na pessoa histórica de Jesus de Nazaré (cf. Jo 1,14).
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A força dos jovens na Primeira Carta de João
evangelho, já “nas cartas descobrimos seus filhotes debatendo-se entre
si pela posse do ninho”15.
3 A interpretação
Tendo visto, embora resumidamente, o texto e seu contexto, podemos agora passar para a interpretação propriamente dita da palavra de
João aos “jovens” da sua comunidade. Começaremos investigando, em
3.1, o sentido de “jovens” (gr. neanískoi), para depois, em 3,2, investigarmos o que significa a sua força (“vós sois fortes”), a Palavra que
neles permanece, e sua vitória sobre o Maligno.
3.1 Os “jovens”
Já vimos, na análise geral do texto que nos ocupa, como João distingue, na sua comunidade de “filhinhos” (também “crianças” em 2,14a),
duas categorias de discípulos: os “pais” e os “jovens”. Já observamos
também como isto é surpreendente, porque seria mais lógico a “pais”
contrapor “filhos”, como também a “jovens”, “anciãos”. Quem seriam,
pois, estes “jovens” (gr. neanískoi) da comunidade joanina?
Antes de respondermos diretamente a esta pergunta, parece interessante recordar alguns textos bíblicos que se referem aos jovens (é
claro que a título de amostra, sem pretendermos ser exaustivos). Entre
os textos positivos, favoráveis à juventude, podemos começar com uma
passagem de Amós, referente aos jovens nazireus: “Suscitei entre vossos
filhos, profetas, e dentre vossos jovens, nazireus” (Am 2,11). A esse texto
soma-se a profecia de Joel, que Pedro vê realizar-se no dia de Pentecostes: “Derramarei meu Espírito sobre toda carne... vossos anciãos terão
sonhos e vossos jovens, visões” (Jl 2,28-29 = 3,1-2, cf. At 2,17-18). O
sábio Qohélet encontra “mais valor num jovem pobre, mas sábio, do que
num rei velho e insensato, que não sabe aceitar conselhos” (Ecle 4,13).
O mesmo Sábio dá o seguinte conselho aos jovens, inicialmente com
muita abertura, mas depois advertindo sobre o julgamento: “Alegra-te,
jovem, na tua juventude, e regozija-te na flor da idade. Vai aonde teu
coração te leva e os olhos te atraem, mas fica ciente de que sobre tudo
isso Deus te fará entrar em julgamento” (Ecle 11,9). Prossegue ainda
o Sábio, recomendando a lembrança de Deus na juventude, quando o
15
146
Cf. a contracapa do citado livro de BROWN, R.E., “A comunidade do Discípulo Amado”.
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vigor juvenil poderia levar a esquecer a sua presença: “Lembra-te do
Criador na tua juventude, antes que cheguem os dias dos achaques e se
aproximem os anos dos quais dirás: Não tenho prazer neles” (Ecle 12,1).
Também o autor dos Provérbios focaliza os jovens, dos quais diz que
“seu ornato é sua força”16, enquanto “o adorno dos velhos é suas cãs”
(Pr 20,29). Aliás, um dos objetivos do seu livro é, justamente, “ensinar
sagacidade aos simples, e sabedoria e reflexão aos jovens” (Pr 1,4). Da
mesma forma o Sirácida, falando da sua experiência aos jovens das “boas
famílias” de Jerusalém, aos quais dirige seu livro, recomenda-lhes discrição e modéstia nos banquetes: “Fala, ó jovem, se precisas fazê-lo, mas
não mais de duas vezes, caso sejas interrogado. Resume a fala, dizendo
muito em poucas palavras; sê como aquele que sabe, mas fica calado.
No meio dos grandes não ostentes autoridade; e onde há anciãos, não
tagareles muitas coisas...” (Eclo 32,7-9).
Entre os textos negativos, bem menos numerosos, vale a pena
recordar 1Rs 12,8-14 e seu paralelo 2Cr 10,8-14, sobre os insensatos
jovens amigos de Roboão, filho e sucessor de Salomão, que havia recebido do povo o pedido de aliviar o jugo de seu pai. Os anciãos da corte
o aconselharam a que atendesse o povo. Roboão, porém, consulta ainda
os jovens que foram seus amigos de infância e o assistiam. E estes, levianamente, o aconselham a endurecer mais ainda, a tornar ainda mais
pesado o fardo que Salomão impusera ao povo... Resultado: as tribos do
Norte separaram-se da dinastia de Davi e consuma-se o Cisma! Outro
texto negativo sobre os jovens é do cap. 7º dos Provérbios, onde o Sábio, advertindo contra os perigos de sedução da “mulher estrangeira, da
estranha cuja palavra é sedutora” (Pr 7,5), fala de “jovens ingênuos” e
destaca, “entre os adolescentes, um rapaz sem juízo”, que se encaminha
“ao entardecer, no coração da noite e da sombra”, para a casa da adúltera.
Esta o precede, vai ao seu encontro, atrai-o... “e o infeliz corre atrás dela,
como o boi vai ao matadouro...” (cf. Pr 7,6-23). Também o Segundo
Isaías, para reforçar o contraste com o vigor renovado dos que “põem
sua esperança em YHWH”, observa que “mesmo os jovens se cansam e
se fatigam, até os moços começam a tropeçar...” (Is 40,30-31).
16
Curiosa transformação desse texto lemos na tradução dos Setenta, que menciona a
sabedoria, e não a força, como o “ornato” dos jovens.
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A força dos jovens na Primeira Carta de João
Nos evangelhos, é conhecida a cena do “jovem” rico, em Mt
19,16-2217, o qual não se sente com coragem para a renúncia total que
Jesus lhe propõe, e “retira-se pesaroso, porque possuía muitos bens”. Por
outro lado, em Lc 7,14, o jovem filho da viúva de Naim, recém-falecido
e sendo transportado ao cemitério, ouve a poderosa palavra do Senhor,
que o devolve à sua mãe: “Jovem (gr. neaníske), eu te ordeno, levantate!” Em Jo 21,15-19, no belo diálogo entre Jesus e Pedro, às margens do
“mar de Tiberíades”, Jesus alude à liberdade de movimentos própria do
jovem, quando anuncia a Pedro o seu martírio: “Em verdade, em verdade
te digo: quando eras mais moço (gr. neôteros), tu te cingias e andavas
por onde querias; quando envelheceres, estenderás as mãos e outro te
cingirá, e te conduzirá aonde não quererás ir” (Jo 21,18).
Nas cartas apostólicas, além das exortações aos “filhos” em Ef
6,1 e Cl 3,20, temos alguns exortações aos jovens, p. ex., na primeira
carta de Pedro. Aí encontramos uma contraposição entre os mais jovens
(gr. neôteroi) e os mais velhos (gr. presbýteroi) da comunidade, sendo
aconselhada a submissão18 daqueles a estes: “Jovens, sede submissos aos
mais velhos”. Na carta a Tito, o Apóstolo o adverte a exortar os jovens,
gr. neôteroi, a terem “bom senso em tudo” (Tt 2,6). E, na primeira carta
a Timóteo, depois de garantir-lhe que a sua jovem idade, gr. neôtês, não
deve impedi-lo de ser reconhecido como seu porta-voz autorizado (1Tm
4,12: “Ninguém te menospreze por seres jovem”), Paulo o aconselha a
exortar os jovens como a irmãos, assim como os anciãos como a pais
(cf. 1Tm 5,1).
Quem, pois, são os “jovens” (gr. neanískoi) da 1ª carta de São
João? Seriam os moços da comunidade, os que se encontravam na faixa
etária dos 18 aos 25 aproximadamente, cheios portanto de vigor e, também, da turbulência da juventude? Ou seriam os recém-convertidos, mesmo se adultos, “jovens” por contraposição aos “pais”, e ainda “jovens”
por não terem tido a experiência madura desses “pais”, que possuem o
conhecimento daquele “que era desde o princípio”, isto é, o Cristo, tal
148
17
Notar que, dos três Sinóticos, só Mt, nos vv. 20 e 22, refere-se ao personagem como
“jovem” (gr. neanískos”), enquanto Mc e Lc, nos textos paralelos (Mc 10,17-22 e lc
18,18-23), não lhe atribuem essa característica de juventude. E até o fazem dizer a
Jesus: “Tudo isto observei desde a minha mocidade”, supondo, pois, um personagem
adulto, que Lc 18,18 qualifica de “homem de posição” (gr. árchôn).
18
Sobre a submissão mútua, entre os cristãos, cf. minhas observações à “submissão
da mulher nas cartas paulinas posteriores”, in PEREIRA, N.B., “A mulher em Paulo”,
art. in “Encontros Teológicos” n. 8 (1990/1), pp. 7-8.
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como foi revelado e apreendido no começo da experiência cristã (cf. 1Jo
1,1)? Ou seriam ambos, moços e recém-convertidos, estes em todo caso
participando das qualidades juvenis daqueles? O fato é que João lhes dá
atenção especial, e os interpela como tais, isto é, como “jovens”19, com
todo o fascínio e com todas as implicações (cf. os textos bíblicos acima)
que esse termo traz em si.
Estariam as jovens incluídas na interpelação joanina? Nossa
sensibilidade hoje sente falta de explicitar o feminino, o que não ocorre
ainda com os autores bíblicos, mesmo com João, que dá tanta atenção
às mulheres no seu evangelho20, e no entanto não lhes faz a mínima referência em suas cartas. Como o observa, porém, Cornélio A LÁPIDE,
o grande comentarista jesuíta do século XVII, o testemunho das jovens
mártires cristãs como Inês, Luzia, Cecília, Blandina etc, comprova suficientemente a força e a vitória também das jovens, ao lado dos jovens
aos quais o Apóstolo explicitamente se dirige.
3.2 A força, a Palavra, e a vitória dos jovens
“Vós sois fortes, pois a palavra de Deus permanece em vós, e vencestes o Maligno” (1Jo 2,14c). Trata-se da mais elaborada interpelação a
um dos dois subgrupos de destinatários do autor. Provavelmente porque
estes, sendo “jovens”, seriam mais vulneráveis que os “pais” aos atrativos
do “mundo” (cf. 2,15-17) e à propaganda secessionista dos “anticristos”
(2,18-26), pelo fato de não terem tido, como os “pais”, a experiência
daquele e daquilo que era “desde o princípio” (2,13 e 1,1).
3.2.1 A força
“Vós sois fortes” (gr. ischyrói). Impressiona esta declaração de
João a seus “jovens”, reconhecendo que são “fortes”, quando tantos textos
bíblicos anteriores apresentam não a declaração, mas a exortação, p. ex.,
de Moisés a Josué: “Sê forte e corajoso, pois tu entrarás com todo este
19
Talvez a etimologia nos revelasse algo do substantivo “jovem”, do latim júvenis, mas
não encontrei mais do que o próprio vocábulo júvenis e seus cognatos, como o adjetivo
juvenílis, juvenil; juvenália, festas romanas da mocidade, especialmente o juvenális
dies, acrescentado por Calígula às Saturnales; juvénculus, jovenzinho; juventa, mocidade etc (cf. QUICHERAT/SARAIVA, “Novíssimo Dicionário Latino-Português”, Livr.
Garnier, Rio de Janeiro/Paris, 1927.
20
Cf. o apêndice II do já citado livro de BROWN, “A Comunidade do Discípulo Amado”,
pp. 193-209: “Papéis de mulheres no quarto evangelho”.
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A força dos jovens na Primeira Carta de João
povo na terra...” (Dt 31,7.23); do próprio Deus a Josué, repetidamente,
no capítulo 1º do livro homônimo: “Sê forte e corajoso, porque farás
este povo herdar a terra... Não temas e não te apavores, porque YHWH
teu Deus está contigo...” (Js 1,6.7.9.18); de Moisés aos israelitas, em Dt
31,6 e do próprio Josué, por sua vez, também aos israelitas: “Não temais
nem vos acovardeis mas sede fortes e corajosos” (Js 10,25); de Davi, já
idoso, ao jovem Salomão: “Sê forte e porta-te varonilmente” (1Rs 2,2);
no livro do profeta Ageu: “Agora sê forte, Zorobabel, oráculo de YHWH;
sê forte, Josué, filho de Josedec, sumo sacerdote; sede fortes, vós, povo
da terra, e trabalhai, porque Eu estou convosco, oráculo de YHWH dos
exércitos...” (Ag 2,4).
Impressiona, também, esta declaração joanina, tendo em vista o
fato, já ressaltado no diálogo de Jesus com o seu rico interlocutor em Mc
10,17, de que só Deus é forte, assim como “só Ele é bom”. Já o reconhecera o salmista: “Quem é como tu, YHWH, Deus dos exércitos? Só tu és
forte...” (Sl 89,9), como também Ana em seu cântico: “Ninguém é forte
como o nosso Deus!” (1Sm 2,2c na Vulgata). Por isso, também Jeremias,
na última e mais famosa de suas Confissões, reconhece que YHWH é
“mais forte”, e sendo assim o dominou e seduziu... (cf. Jr 20,7). Por isso
também o autor do Apocalipse proclama que “é forte o Senhor”, o Deus
que julgou Babilônia (cf. Ap 18,8), que só a Ele pertencem “o poder e a
força” (Ap 7,12), e por três vezes menciona o “anjo forte” que anuncia
e realiza os divinos desígnios (Ap 5,2; 10,1; 18,21).
Entre os dons do Messias o profeta enumera o “espírito de fortaleza” (Is 11,2), isto é, o carisma da força, que corresponde a um dos
nomes divinos do menino-rei de Is 9: “Deus forte” (lit. “Deus guerreiro”
ou “Herói divino”, cf. Is 9,5b). E o Precursor referir-se-á a esta força do
Messias, ao proclamar: “Aquele que vem depois de mim é mais forte
(gr. ischyróteros) do que eu” (Mt 3,11 e paralelos). Da mesma forma, a
parábola sinótica do “forte” que é vencido pelo “mais forte” (cf. Lc 11,2122 e paralelos), isto é, Satã sendo vencido pelo Senhor Jesus ou por seus
discípulos em seu nome, proclama igualmente que “o forte mais forte”
é Jesus. E é pela força de Jesus que os jovens da comunidade joanina
são logo proclamados vencedores, e vencedores porque decididamente
empenhados numa luta cujo desfecho está garantido: “Tende confiança,
Eu venci o mundo” (Jo 16,33).
“Fortes”, portanto, não para repousar, mas para lutar! Contra
quem e contra quê? Contra o Maligno e contra “o mundo”, logo a seguir
150
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caracterizado pelos seus atrativos (cf. 1Jo 2,16): a “concupiscência da
carne” (desejos da carne, fechada ao Espírito), a “concupiscência dos
olhos” (curiosidade, mesclada da cobiça de tudo o que se vê, levando
ao consumismo), e a “soberba da vida” (confiança orgulhosa nos bens
e recursos humanos)21. Luta com vitória garantida, sem dúvida, desde
que a “palavra de Deus” neles permaneça.
3.2.2 A Palavra
“A palavra de Deus permanece em vós” (2,14c). Um dos verbos
preferidos de João é “permanecer” (gr. ménein), empregado 40 vezes no
quarto evangelho e 23 vezes na primeira carta, além de mais três vezes
nos poucos versículos da segunda carta, enquanto os três Sinóticos o
empregam 12 vezes ao todo. Assim, o sinal de condenação dos adversários de Jesus é o fato de que a palavra do Pai “não permanece” neles
(Jo 5,38), exatamente o contrário do que aqui se diz dos jovens da comunidade joanina, que são fortes e vencedores porque a palavra de Deus
neles permanece! Em Jo 6,27 Jesus recomenda, aos que o procuram após
a multiplicação dos pães, que trabalhem “pelo alimento que permanece
até a vida eterna”. Em Jo 8,31 Jesus promete a libertação verdadeira
aos que “permanecerem na sua palavra”, isto é, aos que aceitarem que
a Palavra permaneça neles, como nos jovens da comunidade joanina.
Em Jo 15, na alegoria da Videira, o tema da “permanência” em Jesus é
insistente: “Permanecei em mim, como Eu em vós” (15,4)... “Aquele que
permanece em mim e Eu nele, esse produz fruto abundante” (15,5b)... “Se
alguém não permanece em mim, é lançado fora, como o ramo seco”...
(15,6) Em 15,7 temos a síntese: “Se permanecerdes em mim e minhas
palavras permanecerem em vós”... Também em 15,10: “Se observardes
meus mandamentos, permanecereis em meu amor”... E ainda: “Fui eu
que vos escolhi e designei para irdes e produzirdes fruto, e o vosso fruto
permaneça!” (15,16)
Em sua primeira carta, João insiste nos critérios dessa “permanência”: “Quem diz que permanece nele (=em Jesus), deve andar como
ele andou” (1Jo 2,6), isto é, deve imitar a prática de Jesus. Em 2,10 João
apresenta o critério do “permanecer” na luz: é amar o irmão! Em 2,17
21
Esta tríplice característica do “mundo”, sem ser exaustiva, não deixa de ser significativa
ainda hoje, podendo ser expressa por outras tríades equivalentes: o prazer, o ter, o
poder... ou o pan-sexualismo, o materialismo consumista, o secularismo... quem sabe,
ideologicamente representados por FREUD, MARX, NIETSZCHE.
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lemos a promessa: “Quem faz a vontade de Deus, esse permanece para
sempre!” Em 2,19 novamente um critério, desta vez para identificar os
“anticristos”, os secessionistas: “Saíram dentre nós mas não eram dos
nossos. Se tivesse sido dos nossos, teriam permanecido conosco..” Em
2,24 encontramos um tríplice permanecer: “Procurai que permaneça em
vós o que ouvistes desde o princípio (isto é, desde o primeiro contato
com o querigma cristão). Se em vós permanecer o que ouvistes desde
o princípio, então vós também permanecereis no Filho e no Pai!” Da
mesma forma, em 2,27, numa declaração que exprime, como tantas vezes nesta carta, não um voto mas uma certeza: “Quanto a vós, a unção
que recebestes dele (a unção interior, do Espírito, recebida de Jesus)
permanece em vós!” Segue, no fim do mesmo v. 27 e no v. 28, reiterada,
a exortação: “Permanecei nele!”
Novo critério da verdadeira permanência, em 3,6: “Todo o que permanece nele, não vive pecando!” Também em 3,9: “Não vive pecando22
o que nasceu de Deus, porque a semente divina (da Palavra!) permanece
nele...” É tragicamente possível, porém, “permanecer na morte, deixando
de amar” o irmão, como nos lembra o Apóstolo em 3,14. E no v. 15,
interpretando a omissão como verdadeiro homicídio, afirma: “Nenhum
assassino tem a vida eterna permanecendo nele! ” Em 3,17, novamente
focalizando o pecado da omissão, que, também segundo Mt 25,31-46,
será o responsável pela nossa condenação, reafirma que o amor de Deus
não permanece naquele que, “possuindo os bens deste mundo, e vendo
o irmão em necessidade, lhe fecha o coração”... Em 3,24, novamente
o critério: “Aquele que guarda os mandamentos permanece em Deus
e Deus nele; e nisto reconhecemos que Ele permanece em nós, pelo
Espírito que nos deu”.
Em 4,12, o critério é o amor fraterno: “Se nos amarmos uns aos
outros, Deus permanece em nós”, enquanto em 4,15 o critério é doutrinal,
cristológico: “Aquele que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus
permanece nele e ele em Deus”. Em 4,16, retomando a afirmação capital
já apresentada em 4,8, João nos declara: “Quem permanece no amor
permanece em Deus, e Deus permanece nele, porque Deus é amor!” Não
diferentemente, a segunda carta fala da “verdade que permanece em nós”
(novamente uma declaração, um fato, não uma exortação), e fala também
22
152
“Não vive pecando” (assim, na Bíblia da CNBB), em vez da tradução usual “não peca”,
por causa do sentido de ação continuada do tempo presente em grego, e para se
entender que essa afirmação não contradiz a afirmação de 1,10: “Se dissermos que
nunca pecamos...”
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da necessidade de, mesmo “avançando”, “permanecer na doutrina do
Cristo”23. E conclui que “o que permanece na doutrina (autêntica), esse
é o que possui o Pai e o Filho”.
“Permanecer”, portanto, na Palavra, permanecer no amor (de Deus
e dos irmãos), permanecer na luz, permanecer na comunidade, permanecer na reta doutrina cristológica, permanecer em Jesus, permanecer em
Deus, todas são “permanências” equivalentes e mútuas. Se João diz dos
“jovens” da sua comunidade que “a palavra de Deus permanece neles”
(1Jo 2,14c), é porque eles próprios estão permanecendo “na palavra de
Deus”, como aliás o explicita o próprio Jesus na sua promessa em Jo
15,7: “Se permanecerdes em mim e as minhas palavras permanecerem
em vós, pedi o que quiserdes...”
Qual é, porém, “a palavra de Deus” à qual os jovens da comunidade joanina estão aderindo com tanta firmeza, a ponto de haurirem
dela o vigor que os torna “fortes” na luta e já vitoriosos, “vencedores do
Maligno”? – Não é o caso de nos estendermos aqui em toda uma digressão
sobre esse conceito tão vasto, que abrange afinal toda a revelação, mas
também não podemos deixar de ressaltar o alcance cristológico que João
lhe dá, apresentando o Cristo como “a Palavra que estava no princípio
em Deus e era Deus” e que, “assumindo a condição humana, armou
sua tenda entre nós” (cf. Jo 1,1.14). Ele é também a “palavra da Vida”
que se manifestou entre nós, que “vimos com nossos olhos e que nossas
mãos apalparam”, como o lembra com emoção o início da primeira carta
(1Jo 1,1-2). Mas Ele é também, para os ímpios, os injustos, os sequazes
da Besta e do Falso Profeta, o “cavaleiro Fiel e Verdadeiro, que julga
e combate com justiça, revestido de um manto embebido em sangue, e
cujo nome é ‘Palavra de Deus’24 ” (cf. Ap 19,11-13). Pois bem, creio
que é esta dimensão cristológico-apocalíptica da Palavra que enfrenta
a injustiça, a mentira, a maldade em todas suas formas, em todas as
atuações do Maligno, é esta dimensão a que melhor responde à breve,
mas tão densa interpelação de João a seus “jovens” que, sendo “fortes”
e “vencedores”, estão empenhados numa luta decisiva25. Clima pareci23
Como o explica a Nota da Bíblia de Jerusalém, pode tratar-se tanto do ensinamento
prático de Jesus como da reta doutrina cristológica a seu respeito. Pelo contexto,
também da primeira carta, a segunda acepção é a mais provável.
24
“Palavra justiceira”, como em Jo 12,48: “Quem me rejeita... tem quem o julgue: a
Palavra que eu falei o julgará no último dia”.
25
BROWN pensa que “a palavra de Deus” é aqui o mandamento do amor fraterno,
“palavra” por excelência na comunidade joanina, ouvida desde o princípio (cf. 2,7).
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A força dos jovens na Primeira Carta de João
do, embora em tom exortativo, é o que respiramos no final da carta aos
efésios, em que seu autor alude à “espada do Espírito, que é a Palavra
de Deus” (Ef 6,17b, mas cf. todo o texto: 6,10-17)26.
3.2.3 A vitória
“Vós vencestes o Maligno” (2,14c, repetido de 13b). Não tantas
vezes como o verbo permanecer, também o verbo vencer ocorre mais
vezes em João do que em qualquer outro autor do Novo Testamento.
Uma única vez no quarto evangelho27, embora num texto capital: “No
mundo encontrareis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo!” É sabido que esse “venci”, no perf. grego neníkêka, tem o sentido
de perduração: venci e venço, continuo vencendo... Na primeira carta,
além das duas ocorrências nesta passagem dirigida aos “jovens”, temos
quatro empregos do verbo, além do substantivo “vitória”, em 5,4; e ainda dezesseis (16) ocorrências no Apocalipse. Assim, na 1Jo 4,4, o autor
escreve aos “filhinhos”, referindo-se aos “falsos profetas que vieram ao
mundo” e infestam a comunidade: “Vós sois de Deus e os vencestes”
(gr. nenikêkate, perf. com sentido de perduração, cf. supra), da mesma
forma que os “jovens” venceram, são vencedores do Maligno, segundo
2,13b e 14c. Em 5,4-5 o autor afirma insistentemente que, assim como
o próprio Jesus (em Jo 16,33), “todo aquele que nasceu de Deus vence o
mundo, pois esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé!” E continua,
triunfante: “Quem é o vencedor do mundo, senão aquele que crê que
Jesus é o Filho de Deus?”
Não é de estranhar que o Apocalipse, livro da esperança e da resistência cristã, fale tantas vezes em “vencer”, justamente porque convida
a lutar e testemunhar. Assim, nos capítulos 2 e 3, cada uma das cartas às
sete Igrejas termina por solene promessa ao “vencedor”, isto é, àquele
que, tendo perseverado na luta, for digno da vitória (cf. Ap 2,7.11.17.26;
3,5.12.21). No cap. 5º, onde pela primeira vez aparece o Cordeiro, “de
Em vista, porém, da argumentação que faço, tenho a impressão de que o alcance
cristológico-apocalíptico se impõe.
154
26
Não vejo porque a “palavra de Deus”, segundo SCHNACKENBURG 160, “não se
considera aqui como arma na batalha, como o faz, p. ex. Ef 6,17b, e sim como força
divina que age interiormente...” Penso não ser necessária aqui, como em tantos outros
casos, a disjuntiva ou/ou, sendo perfeitamente possível a conjuntiva: arma exterior e,
também, força interior.
27
Como uma só vez em Lc 11,22 e nunca em Mt ou Mc, e apenas duas vezes nas cartas
de Paulo: só em Rm 3,4 e 12,21.
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pé e como imolado” (5,6), se afirma que ele é vencedor, venceu, e por
isso é capaz, o único capaz de abrir o Livro lacrado (5,5) que ninguém,
no céu nem na terra nem debaixo da terra, tinha sido capaz de abrir (5,3).
No cap. 6º, na abertura do primeiro dos sete selos, a marcha da história
é deslanchada pelo montador do cavalo branco, ao qual é dada a coroa,
símbolo de realeza e de vitória, e “ele parte, vencedor e para continuar
vencendo” (6,2). No cap. 11 antecipa-se a ação da Besta “que sobe do
abismo” e cuja origem é descrita no cap. 13: ela “combaterá” contra as
duas Testemunhas que “têm a missão de profetizar” (11,3), e “as vencerá
e matará” (11,7). O mesmo se diz novamente da Besta no cap. 13: “foilhe dada a permissão de guerrear contra os santos e vencê-los”, mesmo
se temporariamente! São, aliás, as duas únicas vezes em que a vitória,
embora temporária, é atribuída, não a Cristo nem aos que “permanecem”
nele, mas ao instrumento de Satanás, a Besta, que o Apocalipse claramente identifica com Roma. No cap. 12,11 se canta a vitória dos que
“venceram o Dragão pelo sangue do Cordeiro e pela Palavra da qual
deram testemunho...” No cap. 15,2-3 o vidente vê “os que venceram a
Besta, a sua imagem e o número do seu nome, de pé sobre o mar de
vidro, cantando o cântico de Moisés e do Cordeiro”, celebrando o Êxodo
definitivo! No cap. 17,14 menciona-se a guerra dos dez reis, vassalos
da Besta, contra o Cordeiro, “mas o Cordeiro os vencerá, porque ele é
Senhor dos senhores e Rei dos reis, e com ele estarão os chamados, os
escolhidos, os fiéis! ” Finalmente, no “novo céu e nova terra” (21,1),
quando se fizerem “novas todas as coisas” (21,5), proclamar-se-á definitivamente: “O vencedor – aquele que venceu a sua luta – receberá em
herança estas coisas...”
Ora, quem fala em vitória supõe luta, batalha, guerra. Contra alguém ou alguma coisa. E João explicita: a guerra é “contra o Maligno”,
o Diabo, personagem maléfico que o quarto evangelho chama também
“Satanás” uma única vez, em Jo 13,27 e, por três vezes, “Príncipe deste
mundo”: primeiro, afirmando a vitória de Jesus sobre ele e a sua esfera de
influência, o mundo: “É agora o julgamento do mundo, agora o Príncipe
deste mundo será lançado fora” (Jo 12,31); segundo, afirmando a sua
impotência contra Jesus: “O Príncipe deste mundo está vindo, mas nada
pode contra mim” (Jo 14,30); terceiro, anunciando a sua condenação
definitiva, posta às claras pelo Paráclito: “O Príncipe deste mundo já
está julgado!” (Jo 16,11). Também o termo “Diabo” ocorre três vezes
no quarto evangelho: primeiro, em 6,70, quando Jesus diz de Judas,
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A força dos jovens na Primeira Carta de João
um dos Doze (!), que é um “Diabo”28; segundo, em 8,44, quando Jesus
afirma que o Diabo “é homicida desde o princípio... mentiroso e pai da
mentira”; terceiro, em 13,2, quando o evangelista atribui ao Diabo o
projeto, instilado no coração de Judas, de trair Jesus.
Também na primeira carta joanina ocorre o termo, por três vezes,
em 3,8: “Aquele que comete o pecado é do Diabo, pois o Diabo é pecador desde o princípio. Para isto se manifestou o Filho de Deus, para
destruir as obras do Diabo...” Mas o termo mais frequente na carta é
“o Maligno”, encontrado uma só vez no quarto evangelho, na oração
sacerdotal de Jesus, em Jo 17,15: “Não peço que os tires do mundo, mas
que os preserves do Maligno”, pedido semelhante à última súplica do Painosso em Mateus (Mt 6,13)29. Além da afirmação reiterada de que seus
“jovens” venceram “o Maligno” (2,13b e 14c), a primeira carta lembra
ainda que “do Maligno” era Caim, que matou o seu irmão (3,12), e que
“o mundo inteiro está sob o poder do Maligno” (5,19), embora este não
possa atingir “todo aquele que nasceu de Deus” (cf. 5,18).
BROWN 304 observa que não há clara evidência pré-cristã
desse título, “o Maligno”, para designar o Diabo, nem é frequente seu
uso na literatura rabínica, embora ocorra nos escritos mandeus e nas
“Odes de Salomão”. O mesmo autor lembra que, se os autores joaninos
não falam da possessão diabólica, frequente nos Sinóticos, no entanto
concentram-se nesse personagem cósmico maléfico cujos instrumentos
humanos resistem ao plano de Deus revelado em Jesus, uma vez que o
fim dessa revelação era “destruir as obras do Diabo” (cf. 1Jo 3,8). As
outras referências do Novo Testamento ao “Maligno” concor-dam em
que sua atividade prossegue e é perigosa: segundo Mt 13,19 é o Maligno que arrebata a semente da Palavra semeada no coração, antes que se
enraíze; também segundo Mt 13,38 “pertencem ao Maligno” as plantas
de joio semeadas no meio do trigo; em Ef 6,16, Paulo aconselha-nos a
sobraçar “o escudo da fé, para podermos extinguir os dardos inflamados
156
28
A propósito, notar a evolução da tradição evangélica que faz Jesus chamar de “Satanás” não Judas mas Pedro, quando este se opõe ao caminho da Cruz em Mc 8,33 e
seu paralelo Mt 16,23. A passagem sinótica em Lucas já omite esta censura a Pedro
(apresentando-a, reelaborada, em Lc 22,31-32), enquanto em Jo 6,70 o “Diabo” é
Judas.
29
Tanto em Jo 17,15 como em Mt 6,13 costuma-se traduzir de maneira impessoal: “que
os preserves do mal, livra-nos do mal”, quando é mais provável que se trate também
aí do agente pessoal do mal, o “Maligno”, como o gênero masculino da expressão
na 1Jo 2,13b e 14c – exatamente na nossa perícope dos “jovens” – o afirma sem
equívoco: “vós vencestes o Maligno” (gr. tòn ponêrón).
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do Maligno”, enquanto na 2Ts 3,3 ele nos assegura: “O Senhor é fiel, há
de manter-vos firmes e vos guardará do Maligno...”
Conclusão
Qual é, pois, a força invencível dos “jovens” da comunidade joanina, força também hoje, dos jovens das nossas comunidades? É a força
da “palavra de Deus” que neles permanece, se e enquanto permanece!
Palavra que não é apenas informação, erudição, conhecimento exterior da
Bíblia, mas, como expusemos acima, em 3.2.2, é o próprio Jesus Cristo,
Palavra viva do Pai, Palavra justiceira que enfrenta e debela o Maligno e
todos os seus agentes na sociedade e no mundo em que vivemos, neste
início do século XXI como no final do século I. É Ele que, de fracos,
nos torna fortes, como já o proclamava Paulo aos filipenses: “Eu posso
tudo, naquele que me fortalece” (Fl 4,13). E é também Ele que envia
nossos jovens, como outrora YHWH a Gedeão, diante da ameaça dos
madianitas: “Ide, e com esta força que tendes, libertai o meu povo. Sou
Eu que vos envio!” (cf. Jz 6,14)
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BOFF, Leonardo. Cristianismo: o mínimo do mínimo. Petrópolis:
Vozes, 2011. p. 199.
Armando Rafael Castro Acquaroli*
Leonardo Boff, no rol dos mais renomados teólogos do país,
novamente nos presenteia com um texto interessante. Com formação
franciscana desde seu ingresso na Ordem dos Frades Menores (OFM),
tem-se dedicado ao estudo filosófico-teológico, em cujas áreas doutorouse no ano de 1970 em Munique, Alemanha.
Além de sua vasta referência de publicações, mais de setenta livros,
muitos dos quais foram traduzidos para outros idiomas, é famoso por polêmicas com o Vaticano. Após a publicação do livro “Igreja: Carisma e
poder”, várias vezes editado, foi punido com o silêncio obsequioso e, em
seguida, deixou o ministério presbiteral. De mais a mais, é também um ícone
na defesa dos direitos humanos e da ecologia e, junto com outros nomes
latino-americanos, é propugnador e defensor da Teologia da Libertação.
Desta vez, com um pequeno livro dedicado aos cem anos do nascimento de seu pai, o autor quer “dizer em poucas palavras o que pretende
o cristianismo” (p. 9). A síntese é baseada em seus mais de cinquenta anos
dedicados à teologia. Na exposição, é fiel ao que se propõe, isto é, “manter a
dialética inerente à história, fazendo com que nela coexistam simultaneamente dimensões de luz e de sombras, o sim-bólico e o dia-bólico” (p. 12).
Dividido em quatro capítulos, o livro não segue um esquema
tradicional (fundamentos bíblicos, primeiras comunidades, Idade Antiga, Média, Moderna, Contemporânea) ao falar do cristianismo. Sua
arguição é mais dinâmica. Parte da criação do mundo, passa pelas eras
da Trindade, Jesus e o desenrolar histórico do movimento desencadeado
pelos seguidores do Messias.
*
Graduando do 3º ano de Teologia do ITESC, Instituto Teológico de Santa Catarina,
Florianópolis, SC.
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No primeiro capítulo, dividido em doze partes, por acaso ou não,
número cujo conteúdo simbólico é significativo, trata de Cristianismo e
Mistério (p.13-57). Após uma bela citação não referenciada, afirma que tudo
é mistério, o que nos fascina e atrai e, ao mesmo tempo causa estranheza.
Ao abordar a “comunhão”, diz que no princípio está a comunhão
dos Três (Pai, Filho e Espírito), não a solidão do Uno. A partir disso, na
origem de todo ser já existe uma fonte de energia, “um abismo amoroso
no qual estão todos os possíveis elementos que alimentarão o universo
a surgir” (p. 22). Tal “Energia de Fundo” (p. 22), como o autor insiste
em chamar, se inflacionou ao tamanho de um átomo e explodiu. Eis o
Big-Bang. Esta é uma interpretação muito bela que conecta de modo
exímio ciência cosmológica e fé no Deus Criador.
Com locuções envolventes, Boff nos transporta para os recônditos
do universo, passando pelo surgimento do sol, o qual “esposa a terra” (p.
28). O curioso é que o proto-sol era chamado de Tiamat e, ao explodir, deu
origem à atual estrela de quinta grandeza. Isso nos faz recordar, embora não
assinalado pelo autor, o mito babilônico da criação, do qual a Bíblia judaicocristã é herdeira. Além disso, dentre as muitas evoluções, que ocorreram
ao longo de milhares de anos, uma das maiores foi a dos seres humanos. A
partir deles, “a terra deixa de ser simplesmente um planeta do sistema solar.
Transforma-se em Gaia, Pacha Mama, Grande Mãe” (p. 32).
Quando passa a avaliar o universo “por dentro”, usa uma expressão
um tanto problemática: “O universo é autoconsciente e carregado de
propósito” (p. 35). Embora o autor insista, no decorrer do livro, que não
é adepto do panteísmo, afirmar que o universo é consciente soa estranho.
Parece que o cosmo tem uma inteligência em si, mas essa inteligência
não se confunde com o que lhe é diferente.
No processo de hominização, descrito de forma muito didática,
o ser humano chega até o limiar do mistério. Então o próprio Mistério
irrompe no mundo ao se humanizar. Nesse momento, “o universo se fez o
grande espelho no qual a Trindade se vê a si mesma. Ele se transformou
no Templo sacrossanto que acolheu e hospedou a Trindade” (p. 41).
O espaço escolhido para a encarnação foi Maria, oportunamente
lembrada como Míriam de Nazaré, valorizando assim seu ambiente
vital. Nesse tópico, o autor introduz um teologúmeno idiossincrático:
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“O espírito se fez mulher. A mulher se fez Espírito” (p. 44). Ainda que
a tese seja interessante, não é aceita como oficial.
Quando o assunto é Jesus de Nazaré, ressalta suas características
que advêm da região na qual viveu: a Palestina. Dentre os elementos
que mais apontam para o chamado “Jesus Histórico” está a expressão
Abbá-paizinho. Não desconsidero seu caráter ímpar, corroborado por
Boff: “é a primeira vez que em nossa galáxia, em nosso sistema solar e
em nossa Terra alguém tem consciência de ser filho de Deus-Abba.” (p.
47) Não obstante isso, já no Antigo Testamento encontra-se a expressão
Pai dirigida a Deus (2Sm 7,14; Sl 68,6; 103,13; Eclo 51,14...). O original,
em Jesus, é a radicalização dessa experiência filial.
Interessante é o valor atribuído a José, o pai adotivo tantas vezes
esquecido, devido ao seu silêncio na Bíblia. Nele “o Pai projetou alguém
que pudesse expressar seu caráter de mistério e de trabalhador em sua
criação” (p. 51). Em seguida, vem uma afirmação muito questionável ao
dizer que José “era viúvo com vários filhos que os evangelhos chamam
de irmãos de Jesus (Jo 7, 3.5)” (p. 51). Qual é o fundamento para tal
asserção? Evangelhos apócrifos dependentes de Hegesipo (meados do
séc. II) ou vice-versa? Não vale, antes, o que dizem Mateus e Lucas,
que, se falam de “irmãos de Jesus”, jamais falam de “filhos de José”? No
mínimo, o pressuposto usado pelo autor parece-me arbitrário.
Após apresentar brevemente a concepção bíblica do panenteísmo,
isto é, quando “Deus será tudo em todas as coisas” (1Cor 15,28), iniciase o segundo capítulo: “Cristianismo e as eras da Santíssima Trindade”
(p. 59-78). A Primeira era é a do Espírito Criador, que enche a face da
terra com o sopro da vida. Fiel ao gênero do hebraico Ruah, “o Espírito
despertou as dimensões femininas de Deus: o amor, o cuidado, a solidariedade, a sensibilidade por tudo o que vive...” (p. 61)
Na Era do Filho, faz uma distinção entre o Cristo glorioso, pantokrátor, desenvolvido pelos teólogos gregos, e o Jesus de Nazaré, pobre
e servo sofredor. Sem pretender um rompimento com a tradição, é preciso
voltar ao Jesus histórico, seus ideais, sonhos, práxis... Já na Era paterna,
o protótipo é o amor, a misericórdia, a acolhida do filho pródigo... Em
José, tal figura é paradigmática, pois aponta para o trabalhador, silencioso, de mãos calejadas, pai exemplar... Na expressão de Boff: “O pai se
autocomunicou a José. Fez-se José (p. 77). O Pai também é o Ignotus
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Deus das religiões diversas, sob diferentes nomes, mas acolhido como
uma só realidade. Aqui poderia haver a citação do grande insight que
teve São Paulo ao anunciar o Deus desconhecido (At 17,23).
No Terceiro capítulo, Cristianismo e Jesus (p. 79-145), abre-se outra perspectiva. Agora o foco é Jesus, o qual foi herdeiro de uma visão de
mundo, de uma composição corporal, e de uma época peculiar. Tudo isso
certamente o influenciou. Uma das correntes de então era a apocalíptica,
para a qual o fim do mundo era iminente. Por conta disso, anunciou-se
o Reino de Deus e não a Igreja. O autor apresenta uma curiosa hipótese
segundo a qual o mundo seria violentamente atingido por um meteoro
detectado pelos cientistas. Perante tal expectativa, a atitude não devia
ser de desespero, mas de mudança de vida, pois “apresenta-se a ocasião
propícia para Deus, enfim, destruir o império da maldade e inaugurar
o novo céu e a nova terra, o seu reino definitivo” (p. 87).
Além disso, tece algumas considerações acerca do Reino, que não
é um território, mas uma nova ordem das coisas. Não é só espiritual,
mas engloba toda a criação. Não pode ser reduzido a algumas formas
de poder, pois “não é deste mundo, mas neste mundo” (p. 94). O sonho
do reino, porém, só é verdadeiro quando se torna prático, isto é, quando
a prática do “amor incondicional se torna o princípio organizador das
relações entre as pessoas” (p. 96).
Em seguida, trata do “Pai nosso”, como núcleo da mensagem de
Jesus, junto com o “pão nosso”, no arco do sonho do Reino de Deus. E se
perguntarem mais ainda sobre o mínimo do mínimo, diz Boff, “devemos
responder: Jesus quis trazer o Reino de Deus, ensinando que sentíssemos a
Deus no íntimo, como Pai e mãe de bondade (Abba), e que juntos buscássemos o pão nosso” (p. 103). Consequentemente, é mister lutar contra os
malefícios do império da iniquidade, salvaguardando a sacralidade da vida.
Junto com o clamor que sobe aos céus: “Venha a nós o vosso reino”, só
nos resta “crer e esperar” (p. 145), pois não sabemos quando ele virá.
O quarto capítulo fecha a presente obra abordando “Cristianismo
e história” (p. 147-185). Jesus deixou um opus inconclusum, isto é,
como não veio o Reino em plenitude, ficou a Igreja e, logo, as Igrejas.
Lembra, porém, que ambas as realidades não se confundem: “O Reino
é o principal; a Igreja, o secundário” (p. 149).
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Ao analisar a Igreja, diz que ela possui duas dimensões: a petrina e a
paulina. A primeira, mais institucional; e a segunda, mais carismática. Ambas
devem se equilibrar, mas o que muitas vezes ocorre é que o carisma é sufocado pela estrutura. Aos poucos, foram surgindo outros problemas históricos
que geraram cismas irremediáveis, como o do Oriente, e a Reforma.
Quando fala mais explicitamente a respeito da Igreja católica romana,
um dado interessante é que ele diz “por ser aquela na qual nos inscrevemos”
(p. 156). Por isso, ao contrário do que dizem alguns, Boff ainda se considera
católico! Tal Igreja, por circunstâncias históricas, aliou-se ao poder político já
na época imperial romana. Daí em diante, muitas outras iniciativas tiveram
caráter de vinculação com os poderosos e não com os pequenos. Assim,
afastou-se de seu carisma inicial, e fortaleceu sua instituição. O preço por isso,
que chega a ser patológico, são as frequentes “disputas, conflitos e guerras
com outros portadores de poder, ora aliando-se a eles, ora depondo-os de
seu trono e excomungando-os” (p. 162-163).
Não obstante isso, ao lado do cristianismo poderoso sempre houve o
popular, diante do qual o autor assume uma postura bem positiva. Mesmo
com seu limites, “é festeiro, acompanhado de santos e santas protetores,
cheio de cores, danças, bebidas e comidas” (p. 167). O que não se pode esquecer, em meio a tantas falhas dos cristãos historicamente condicionados,
são os grandes valores que o cristianismo trouxe consigo à civilização. Isto
se expressa na ciência, música, espiritualidade, celebração, arte, literatura,
poesia e imagens virtuais. Porém, sua contribuição mais elevada reside
nos vários testemunhadores da Boa-Nova ao longo da história, elencados
desde Orígenes até Paulo Freire, destacando-se os mártires.
Por fim, sob a expressão “Et tunc erit finis” (p. 187) conclui-se
o livro apresentando 13 pontos para reflexão. Após uma agradável leitura, a sensação que se tem é de que o cristianismo é realmente belo e
significativo para a atualidade. Certamente, com esta rica síntese, tanto
para os que já seguem Jesus, quanto para os que não O conhecem “pessoalmente”, eis uma grande oportunidade alvissareira.
Apesar de ser muito interessante, o livro não traz novidades nãoboffianas, visto que parece ser uma síntese – aliás, aí está o seu mérito – de
elementos apresentados em outros textos de Leonardo Boff. Isso se percebe
inclusive nas indicações de leitura (20 livros do autor). Carece também de
uma boa revisão de concordância verbo-nominal, de preposições, artigos,
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pronomes e de digitação. Do jeito como está, tenho a impressão, devido às
dezenas de erros, de que o texto é um rascunho que não foi revisado.
Uma boa opção metodológica foi, ao citar expressões aramaicas,
hebraicas, gregas e latinas, sempre traduzi-las. Devido a esse fato, mesmo
ao leitor pouco familiarizado com tais vocábulos, é possível compreender,
ao menos, algum alcance semântico. Além disso, suas críticas, sempre
tão cítricas à Instituição, mas muitas vezes razoáveis, diminuíram. Talvez
a idade mais provecta lhe tenha dado condições de analisar a situação,
na qual a Igreja se encontra, com mais misericórdia. Enfim, é um livro
cuja leitura é muito recomendável.
Endereço do recensor:
Instituto Teológico de Santa Catarina – ITESC
Caixa Postal 5041
88040-970 Florianópolis, SC
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Equipe Editorial Ave Maria (org.). CHAVE BÍBLICA CATÓLICA.
São Paulo: Edit. Ave Maria, 2012, 21 x 14cm, 496 pp.
Ney Brasil Pereira*
Há muitos anos, com grande proveito, uso a “Chave Bíblica” da
Sociedade Bíblica do Brasil. Para pesquisas mais completas, sirvo-me
da “Concordância Bíblica”, da mesma SBB. Como explica o Prefácio
desta “Concordância Bíblica”, a primeira edição da “Chave Bíblica”
data de 1960, seguida de uma segunda, em 1966, e de uma terceira, em
1970: esta, com 511 páginas, sucessivamente reeditada. O texto por elas
empregado, é o da clássica tradução de João Ferreira de Almeida, edição
revista e atualizada.
A lacuna que nós, católicos, nelas encontramos, é a opção pelo
texto protocanônico, com exclusão dos sete livros deuterocanônicos, que
a tradição protestante chama de “apócrifos”. São eles: Tobias, Judite, 1-2
Macabeus, Baruc, Eclesiástico (Sirácida), e Sabedoria de Salomão. Desde
a primeira “tradução ecumênica” da Bíblia, na década de 70, esses livros
têm sido novamente incluídos no cânon do Antigo Testamento.
O que é que se esperava, então, de uma “Chave Bíblica Católica”?
Com esse título de “Chave Bíblica”, e com o adjetivo de “Católica”, eu
esperava uma obra similar à da SBB, mas baseada numa tradução católica. No caso da Editora Ave Maria, uma “Chave Bíblica” baseada na
“Bíblia da Ave Maria”, tradução católica muito popular no Brasil, que
naturalmente inclui os deuterocanônicos.
Quando recebi a notícia e propaganda dessa “Chave Bíblica Católica”, nem me preocupei em examinar primeiro um exemplar, e logo
encomendei 15 exemplares, de saída, para os alunos do nosso Instituto
Teológico, ITESC, hoje Faculdade Católica de Santa Catarina, Facasc.
Chegada a encomenda, a decepção! Apesar das 496 páginas, não era
uma “Chave Bíblica”, mas um Glossário, ou Vocabulário Bíblico... isto
é, outra coisa que o esperado!
É claro que, da parte católica, temos real dificuldade em preparar
uma “Chave Bíblica”, por causa da multiplicidade das nossas traduções.
*
O recensor é Mestre em Ciências Bíblicas, e Professor na Faculdade Católica de
Santa Catarina, em Florianópolis, SC.
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Não temos um “clássico” como o Almeida. Mesmo atualmente, com o
lançamento da Bíblia da CNBB já em 2001, seu texto está ainda sendo
revisto. Seja como for, se formos esperar até esse texto “definitivo”, não
teremos tão cedo uma verdadeira “Chave Bíblica” católica. Contentemonos, então, com uma “Chave Bíblica” de uma editora católica, baseada
na tradução de sua preferência, como já disse acima. Mas que seja,
realmente, uma “Chave Bíblica”, não um “Glossário”.
Isso não quer dizer que esta “Chave Bíblica católica” não tenha
valor. Claro que tem. Como o subtítulo explica, ela vem “com acepções
e contextualização dos verbetes” e “com reprodução ampliada das passagens bíblicas”. Como diz a contracapa, ela é “um guia para a leitura
e pesquisa bíblica”. Com ela, o leitor “encontrará facilmente passagens
bíblicas para a preparação de palestras, pregações e homilias, e também
para seus estudos pessoais”.
Possa, então, esta “Chave Bíblica Católica” alcançar o objetivo
que seus editores visaram, e realmente contribua para o melhor conhecimento das Escrituras, pois “nelas se encontra a Vida Eterna, que é o
próprio Cristo” (cf. Jo 5,39). Apesar de tudo, ela ainda não preencheu a
lacuna de uma verdadeira “Chave Bíblica” (não sei se precisa o adjetivo
“católica”) que inclua os deuterocanônicos.
E-mail do recensor:
[email protected]
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POYARES DOS REIS, Sara Regina. IGREJA NOSSA SENHORA
DO DESTERRO, a Matriz de Florianópolis. Florianópolis: PapaLivro, 2012, 122 p.
Ney Brasil Pereira*
Esperei ansiosamente o lançamento deste livro da competente historiadora Sara Regina Poyares dos Reis, obra que devia marcar o início
das comemorações dos 300 anos de criação da paróquia de N. Sra. do
Desterro, em Florianópolis, mas que, de fato, foi lançada três dias depois,
no Palácio Cruz e Souza. Publicado sob os auspícios do Instituto Histórico
e Geográfico de Santa Catarina, o livro conta com o Proêmio “O Templo
no Tempo”, assinado por Augusto César Zeferino, Presidente do referido
IHGSC. Edição primorosa, da editora local Papa-Livro, encadernada,
com magnífica reprodução da foto da igreja-matriz na capa.
O Prefácio, de Valter Manoel Gomes, da Academia Desterrense
de Letras e também membro do IHGSC, assinala que a autora “soube
selecionar as decisões que se transformaram em fatos e, de maneira bem
clara, ofereceu significado humano à história de um templo: a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Desterro. Sem deixar de criticar severamente,
Sara Regina oportuniza, para o leitor, a emoção de admiração e de amor
pelo trabalho de tantos e pela beleza do objeto” (p. 13).
O livro, excelentemente documentado, tem 132 notas de rodapé,
além do elenco de cerca de 50 obras ou coleções consultadas (pp. 106-108).
Grande riqueza documental são também as “Plantas e fotos da Igreja”,
incluindo as plantas originais de Silva Paes, datadas de 1748 e conservadas
no Arquivo Histórico ultramarino de Lisboa (pp. 109-11). Entre as fotos e
gravuras, algumas coloridas, destaca-se o “primeiro documento iconográfico da Matriz”, desenhado por Duché de Vancy, em 1785 (p. 117), e também
a aquarela de Vitor Meireles, ainda adolescente, de 1846 (p. 120).
O texto da autora começa na p. 17, com o cap. 1º, dedicado aos
“Antecedentes” da fundação de Dias Velho (pp. 17-21). Precede-o belo
soneto de J. Batista Crespo, publicado em 1954, com o título “Nossa
Senhora do Desterro” (p. 16). O cap. 2º, mais longo (pp. 22-32), estuda a
*
O recensor é Mestre em Ciências Bíblicas, membro da Academia Desterrense de
Letras, e professor na FACASC/ITESC.
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“fundação da Póvoa”, dando conta da dificuldade documental de definir
as datas, muito discutidas pelos vários historiadores. Assim, quanto à data
da morte de Dias Velho, discute-se se ocorreu em 1687, 1689, ou 1692.
Esta última data é referendada por Pedro Taques, o “historiador que mais
perto chegou dos documentos originais”, escrevendo apenas meio século
após a morte do fundador (p. 29). Morte trágica, que Taques considera
verdadeiro martírio, porque infligida enquanto Dias Velho tentava defender da profanação as “sagradas imagens” (p. 23). Quanto à “data da
chegada de Dias Velho à Ilha e a época de construção da capelinha”, a
autora afirma não termos condições de decidir (pp. 31-32).
O cap. 3º tem por título “Sobre a primitiva igreja”, ou ermida, de
Dias Velho (pp. 33-37), precedida de um “cruzeiro de pedra”, datado de
1651. Essa “primitiva igreja” tornou-se paróquia quando? É outra data discutida: 1713? ou 1712? Em todo caso, a paróquia atual optou pela primeira
data, para a comemoração dos seus 300 anos. A propósito, são quase 50
anos depois da criação da primeira paróquia catarinense, a de N.Senhora
da Graça, em São Francisco do Sul, em 1665. Em 1723, Desterro é elevada
a “vila”, desmembrando-se de Laguna. Em 1730, é elevada à condição de
“Vigararia colada” (não “Vigairaria”, p. 35). Na penúltima alínea da p.
35 há algum equívoco na referência ao Pe. Paiva, o Arcipreste, que viveu
em meados do séc. XIX, e não pode ter organizado o Livro de Tombo da
Matriz “em 1727”: parece que há uma vírgula mal colocada.
O cap. 4º trata de “A Igreja de José da Silva Paes”, fruto da solicitação deste “primeiro governador da Ilha”, “brilhante engenheiro militar
português”, aqui chegado em 1739. Recebida em 1748 a provisão do rei
de Portugal, Dom João V, Silva Paes dá início à construção, segundo suas
próprias plantas, e deixa a Ilha em 1749. O governador seguinte assenta
a “pedra fundamental” em 1750 – “para colocar seu nome na obra já
em andamento”, comenta a autora – e as obras de acabamento “vão-se
arrastando por quase 30 anos” (p. 39). A partir do exame das “plantas e
alçados”, conservados no Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, a
autora defende a tese de que “a Matriz do Desterro data mesmo de 1748,
e que apenas a continuação das obras e a decoração interna, altares etc, é
que vieram a ser realizadas no decorrer das décadas posteriores” (p. 43,
em cima). “Infelizmente”, insiste a autora, “com a sua planta original
descaracterizada” (p. 45 em cima).
“A Igreja, a Vila e o que delas se mostrou”, é o título do cap. 5º,
dedicado aos registros dos “antigos visitantes que passaram pela Ilha de
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Santa Catarina”. O “primeiro desenho iconográfico” da Igreja Matriz é
o realizado por Duché de Vancy em 1785 (p. 46), conforme já mencionado acima. Há também uma gravura de Zimmermann, de 1808 e, mais
conhecido, o “óleo sobre tela” de Joseph Brüggemann, de 1866. De 1820
temos a descrição da cidade e da “igreja paroquial” segundo o famoso
viajante Auguste de Saint-Hilaire. Pela mesma época, outros viajantes,
como John Mawe e Louis Isidore Duperrey, deixaram-nos suas impressões (pp.49-50). Ambos falam na “Catedral”, título que a igreja de N.S.
do Desterro ainda não tinha, pois só ia recebê-lo em 1908, quando da
criação da diocese de Florianópolis. Na p. 50, a autora dá interessante
detalhes sobre a aquarela do então adolescente, ilhéu, Victor Meirelles de
Lima, “no futuro, um dos gênios da pintura brasileira do século XIX”.
No cap. 6º, a autora aborda “a Matriz e o Plano urbano no século
XIX – obras, fatos, acontecimentos”. É óbvio que a cidade nasceu a partir
da ermida, depois igreja matriz de N.Sra. do Desterro, com o Largo que
chegava até à rua da praia, e suas transversais. A mim, pessoalmente, na
minha qualidade de regente do Coral da Catedral, chamou-me a atenção a
notícia sobre Missas cantadas e Te Deums, p. ex. em 1767, por ocasião do
nascimento do Infante português, e em 1801, pelo casamento do mesmo
Infante. Não entendi a informação da autora sobre a “festa solene de São
Exposto” (p.55): seria Corpus Christi, então, “Santíssimo Exposto”? Na
p. 56, várias notícias sobre reformas na igreja, com recorrentes problemas
de conservação, em meados do séc. XIX. Em 1858, em janeiro, segundo
notícia do jornal “Argos”, houve solene festa de Santa Cecília, padroeira
dos músicos, com direito a panegírico do Arcipreste Paiva, “brilhante orador”, e participação da “Associação Musical” que, à noite, após a Ladainha,
foi saudar o Padre com uma serenata em sua residência, repetindo a dose
na residência do mecenas Dr. Raposo de Almeida (pp. 59-60).
Na p. 61, a autora reproduz interessante notícia do jornal “A
quinzena”, de 2-2-1862, sobre as exéquias de Dom Pedro V, de Portugal,
solenizadas na Matriz inclusive com o “Dies Irae” de Mozart !. Este,
executado por uma orquestra (e coro?) de “32 professores e amadores,
entre os quais, algumas jovens catarinenses”... Essas, e outras notícias
semelhantes, confirmam-me na suposição de que, desde o séc. XVIII,
a nossa Igreja do Desterro deve ter produzido boa música sacra, a qual
porém espera ainda por um pesquisador. Comovente a notícia do falecimento e sepultamento do estimadíssimo Pe. Paiva, em 29-01-1869, com
50 anos de idade inconclusos, segundo notícia do jornal “O Mercantil”,
de 31-1-1869 (pp. 63-64). Na p. 64, a referência ao testamento do ArciEncontros Teológicos nº 63
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preste menciona seu desejo de ser sepultado “com alva e casulo”: deve
ser “casula”, não “casulo”.
Ainda quanto à Matriz, sua “primeira grande reforma”, segundo
a autora, deu-se entre os anos 1870-1872. Ela fala na “terrível guerra de
personalidades” entre os profissionais da Província, quanto à participação
nas obras. Note-se que, bem pouco depois, em 1875 e 76, e também entre
1877-78, fala-se novamente de consertos necessários...
Um breve capítulo, o 7º, aborda os “Enterramentos na Matriz” ou
no seu entorno, até que a Lei Provincial 137, de 22-4-1840, proibia “terminantemente” essa prática, já deplorada por Jerônimo Coelho em 1832
(p. 74). Passava a funcionar o “Cemitério Público, situado no Morro do
Vieira, no caminho do Estreito”, segundo o historiador Osvaldo Cabral.
Outro breve capítulo, o 8º, é dedicado a “Nossa Senhora do Desterro – o
culto e a imaginária”. É interessante a distinção que a autora faz dos dois
momentos do “desterro”: a fuga, representada por Maria com o menino
ao colo, no lombo de um burrinho conduzido por José, e a volta do Egito
para Nazaré, com o menino já andando com seus próprios pés. Em nossa
Catedral temos agora os dois momentos, um vis-à-vis do outro, no centro
da parede de ambas as naves laterais: o conjunto admirável de Demetz,
vindo da Áustria em 1902, por iniciativa do Mons. Topp, e o conjunto mais
antigo, representando a volta do desterro, “com características do barroco
setecentista ou do início do oitocentos”, “provavelmente vindas da Bahia”
(p. 77). Esse conjunto esteve por 50 anos afastado da Catedral, doado que
foi pelo Arcebispo Dom Joaquim ao Museu de Azambuja, inaugurado em
1960. Felizmente, retornou à sua casa. Na p. 78, a autora tece interessantes
considerações entre a possível relação entre a devoção à Senhora do Desterro e os “desterrados”: às vezes, desterrados por sentença judicial, como
os fundadores de Jundiaí; mais vezes, “desterrados” nas suas andanças,
como os bandeirantes, aos quais aliás se liga o nosso Dias Velho.
O último capítulo, o mais alentado (pp. 79-105), intitula-se “A
Matriz no século XX”. A autora começa reproduzindo um inventário da
Igreja, elaborado em 1902 pelo então vigário Pe. Francisco Xavier Topp,
um missionário alemão de grandes méritos para a cidade. Entre outras
benemerências, ele foi o principal articulador da criação da diocese, que
elevou a Matriz ao státus de Catedral, em 1908. Algumas observações
sobre o inventário: 1) na primeira linha da p. 80, o termo “pálio” está indevidamente grafado como paleo; 2) no item 8, menciona-se um “órgão”:
deve ter sido um harmônio, pois o atual órgão de tubos foi instalado só
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em 1924; 3) no mesmo item 8 mencionam-se 26 “casulos”, mas deve ser
“casulas”, o paramento colorido e bordado que cobria a alva do padre.
Outro pequeno equívoco na p. 81, na penúltima alínea: a imagem é de São
Vicente de Paulo (não “de Paula”), embora o Santo padroeiro da antiga
matriz de Canasvieiras seja São Francisco de Paula (não “de Paulo”).
Interessante, no final da p. 81, as duas alternativas da origem da cadeira
episcopal que se encontra ainda no lado direito da ábside.
Quanto à capelinha de N. Sra. da Conceição, inaugurada em 1907
nos fundos da atual Praça Getúlio Vargas, a autora comenta que ela foi
demolida na década de 70, “sem qualquer respeito à nossa história” e
substituída por outra, “maior, é verdade, mas de péssimo gosto e em
outro local” (p. 82). Infelizmente, não se trata de apenas uma “capelinha
antiga destruída”, mas de tantas outras edificações da antiga Desterro/
Florianópolis, tantas vezes “tombadas” pelo Patrimônio Histórico até
que tombem de vez e assim possam ceder lugar a outro espigão. Na p.
83, em baixo, dá-se como data de criação da diocese de Santa Catarina
o mês de novembro de 1907, mas a data oficial da Bula respectiva é
19-3-1908. Na p. 84, a autora dá justo relevo à sua participação, como
Professora da UFSC, na “defesa histórica” da ação de Usucapião, movida
pela Cúria Metropolitana em 1977, para a legalização do terreno onde
se encontra a Catedral.
Em 1920, uma “Mensagem” do Governador Hercílio Luz anuncia
a construção da “futura catedral” como uma “contribuição do Estado
para as comemorações da Independência”. De fato, não se tratava de
“uma nova igreja”, como comenta a autora, mas da “ampliação do velho
templo, já pequeno...” (p. 86). No ano do centenário, 1922, o papa Pio
XI declara Santa Catarina como padroeira da diocese, que então abrangia
todo o Estado.
Declarou-a também co-titular da catedral, junto com N. Sra. do
Desterro, a qual não “perdeu assim o seu lugar”, como comenta a autora,
mas o codividiu com a Santa Mártir (p. 86 em baixo). Quanto à grande
reforma e alargamento da Catedral, inaugurada solenemente no Natal
de 1923, assim comenta a autora: “... a grande reforma, ou reconstrução,
como aparece em documentos da época, causou a quase total descaracterização do templo original, o qual foi preservado externamente por
fotografias e pinturas; do seu interior, porém, quase nada ficou registrado
fotograficamente, da época anterior ao ano de 1922” (p. 87).
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Em 1924, em agosto, o benemérito Mons. Topp benzeu o novo órgão de tubos, vindo da Alemanha, ainda solenizando nossas liturgias. Em
setembro de 1931 foi inaugurada a “nova pintura da capela-mor”, realizada
pelo pintor local Acari Margarida. Em julho de 1938, novos trabalhos de
pintura e decoração, assumidos pelo decorador Manoel Rovira e o pintor
Crispim Crespo (p. 95), preparando a Catedral para os festejos do jubileu
de prata episcopal do Arcebispo Dom Joaquim no fim de maio do ano
seguinte, quando se realizou em Florianópolis o 1º Congresso Eucarístico
Estadual. Na p. 96, a autora manifesta a sua estranheza pela notícia de tantas
“reformas, reconstruções, consertos”, “tantos problemas de conservação
em tão curto espaço de tempo”... Na p.98, em cima, lê-se “harmônico”
onde devia estar escrito “harmônio”, o instrumento musical que substituía,
quando necessário, o grande órgão de tubos. Em 1948, inauguraram-se os
magníficos vitrais em ambas as naves laterais.
Na década de 70, como informa a autora, “ocorreu a última grande
transformação da Catedral”. Pensou-se numa “nova Catedral”, no aterro,
mas a ideia não vingou. Em junho de 1974, teve início, por conta da firma
“Ceísa” (p. 100), a “reforma interna”, que resultou no encobrimento das
pinturas do interior. No livro de Tombo da paróquia encontra-se uma
carta-relatório, assinada pelo arquiteto Grubba, justificando essa decisão,
por se tratar de “desenhos decorativos que, além de pobres na combinação
das cores, dão um aspecto lúgubre devido aos tons escuros...” (p. 101).
A autora, porém, entendendo que nada justifica “a retirada da pintura
original” (de quando? não é da década de 30?), classifica de “nova destruição da Catedral” o que foi inaugurado no Natal de 1975. A autora
omite, por não tê-la encontrado no Livro do Tombo, a referência
à reforma de 1995, que recuperou belamente os altares e restaurou
o órgão de tubos, dotando-o de uma console instalada na ábside,
console infelizmente retirada na “restauração” em curso.
Neste ponto, o recensor, que viveu pessoalmente toda essa história
da Catedral desde o fim da década de 30, e que, bem ou mal, prezava
aquelas pinturas, expressa a sua opinião. Senti verdadeiro alívio com o
seu encobrimento: a luminosidade do “tom azul bem claro e fosco”, praticamente branco, fez ressaltar a verdadeira riqueza da Catedral, que são
os seus altares de talha com os frisos dourados. A propósito: de quando
datam esses altares? quem os talhou? Infelizmente, a restauração atual,
a cargo da “Concrejato”, e supervisionada pelo IPHAN (?), deixou os
altares sem os frisos dourados, insistiu em recuperar a cena da entrega
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das chaves a São Pedro, acima do arco central de pedra, com aquela
barra vermelha que quase o encobre, e deixou inacabadas, como peças
de museu, as superfícies complementares que tinham as efígies de quatro Santas. Ora, a Catedral de N. Sra. do Desterro e Santa Catarina não
é museu, mas uma igreja viva, onde os fieis se reúnem em celebrações
diárias de manhã, ao meio dia e à tardinha, além de tantos que diariamente a freqüentam ou visitam. Um detalhe, também do recensor: a
autora, devidamente, ao noticiar as reformas na igreja/Catedral, registra
os custos, que constam nos arquivos. E os custos da atual restauração?
Até agora, não os vi publicados em parte alguma...
Chegando ao final desta recensão, cito literalmente o juízo, bastante
negativo, da autora: “Após todas as reformas por que passou em seus mais
de 250 anos, a vetusta Igreja Matriz da capital catarinense é, hoje em dia,
uma construção sem estilo definido; perdeu a beleza singela daquela construção jesuítica colonial e tornou-se um amontoado de espaços que parecem
se contradizer, a lutar por suas prioridades, tentando sobreviver em meio
ao caos em que os homens transformaram sua História e memória. Nossa
Catedral não é bonita; linda é a sua História, porque a sua História também
é a nossa!” (pp.103-104). Quanto a mim, respeitando a opinião da autora,
mas questionando – como o fiz acima – o resultado atual da “restauração”
em curso, ouso dizer que a nossa Catedral, apesar de tudo, “é bonita, sim”,
pelas joias que ainda conserva: os altares, as imagens históricas, o som
do canto da assembléia, quer do povo, quer do Coral, acompanhados pelo
órgão quase secular e reboando em suas arcadas...
Na última frase do seu texto (p. 104), a autora considera “humilde”
este seu trabalho, a meu ver precioso, “sobre a velha Matriz”. E arremata
com um texto poético anônimo, encontrado em recorte de jornal, sem
referência cronológica:
“Rijas tempestades, rudes ventanias, duros aguaceiros
fustigaram aquela construção heróica através de anos,
sem que ela se perturbasse na sua inalterável fortaleza.
É uma velhice triunfante, que assistiu ao nascimento e à prosperidade
do que hoje é uma linda cidade, penetrando os anos à beira das águas
atlânticas.
A velha Catedral...”
E-mail do Recensor:
[email protected]
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Crônicas
UMA NOVA DIOCESE EM SANTA CATARINA
DIOCESE DE ITAJAÍ: URGENTE!
No ano 2000, dois anos depois da diocese de Criciúma, foi criada
a décima diocese do nosso Estado, a de Blumenau. Em abril de 2009, há
quase quatro anos, em meio à vibração da celebração litúrgica da “posse”,
ou seja, do início do ministério episcopal de seu segundo Bispo, Dom José
Negri, na magnífica Catedral de São Paulo Apóstolo, meu pensamento
revoou para outra “magnífica Catedral”, já pronta, mas sem Bispo, a de
Itajaí. E continua revoando...
É que, entre as dioceses do nosso Estado, a Arquidiocese já tem três
vezes a população da diocese de Blumenau, e cinco vezes a população
das de Rio do Sul, de Lages, de Caçador, de Joaçaba etc. E a população
da Arquidiocese cresce a olhos vistos, num crescimento desproporcional
ao das outras dioceses.
Ora, na eclesiologia da Igreja Particular, recuperada pelo Vaticano
II, mas evidente nos textos do Novo Testamento – vejam-se as cartas
às Igrejas, nos cc. 2 e 3 do Apocalipse e também as cartas de Inácio de
Antioquia, no início do século II – a Igreja particular, ou local, concentrase na pessoa do Bispo, que deve ter acesso viável a seu rebanho. Não
seria solução bíblico-eclesiológica um Vicariato Episcopal, com um
Bispo-auxiliar, p. ex., em Itajaí. Não é a mesma coisa. Até em questão de
patrimônio, veja-se o que Criciúma, criada em 1998, e Blumenau, criada
em 2000, construíram em poucos anos! Por esses e outros motivos, é
urgente a criação imediata da diocese de Itajaí.
Que municípios a integrariam? Naturalmente, Navegantes deveria
unir-se a Itajaí. Depois, os municípios litorâneos de Camboriú, Balneário Camboriú, Itapema, Porto Belo, Bombinhas... Só esses municípios
dariam uma população maior que a da diocese de Blumenau!
Quanto aos municípios interioranos de Brusque, Nova Trento,
S.João Batista, Canelinha, pertenceriam à nova diocese, ou, por causa
dos Santuários de Azambuja e Nova Trento, afetivamente ligados a Florianópolis, poderiam continuar com a Arquidiocese?... São perguntas e
questionamentos que devem ser considerados, debatidos, mas não contraEncontros Teológicos nº 63
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Crônicas
riam a proposta. Quanto ao Seminário de Azambuja, por que não poderia
no início servir às duas dioceses, até que Florianópolis crie seu próprio
Propedêutico e/ou, também, seu Filosofado e Seminário Menor?
Só a Ilha de Santa Catarina ultrapassou a casa dos 400.000 habitantes, população já suficiente para uma diocese. Era, aliás, o total da
população de todo o Estado em 1908, quando da criação da diocese de
Florianópolis, que abrangia toda Santa Catarina. Mas temos, ainda, junto
à Ilha, a “Grande Florianópolis”, que inclui Biguaçu, São José, Palhoça,
além de outros municípios interioranos, numa população que ultrapassa
os 800.000, já muito grande para uma diocese. Isto, em termos de Santa
Catarina, que nunca foi macrocéfala, mas agora estamos todos percebendo a litoralização da população.
Essas reflexões são as que me vieram, espontâneas, tarde da noite
daquele dia tão belo da “posse” do novo Bispo de Blumenau. Então,
quase quatro anos atrás, divulguei este texto por email, sem publicá-lo
na imprensa. Agora, que a Arquidiocese acaba de aprovar um Plano de
Pastoral “com vigência para dez (10) anos” e que, apesar de constatar
o fato do enorme crescimento populacional, não faz sequer menção de
encaminhar uma nova circunscrição eclesiástica, penso, com a liberdade acadêmica e a responsabilidade de presbítero já octogenário, que é
preciso discutir abertamente o problema.
Claro que será preciso acrescentar, ainda, preto sobre branco,
mapas e dados de superfície e população da diocese proposta, de necessidade inegável. O crescimento populacional é um fato que requer uma
solução administrativo-eclesiástica adequada aos “sinais dos tempos”,
e isso com urgência.
É o que torno a propor – porque já o fiz mais vezes, verbalmente,
em encontros e assembléias – e agora o faço por escrito, nesta revista da
FACASC/ITESC, dirigindo-me, além de aos nossos primeiros leitores,
os Professores e Alunos da Faculdade, também aos colegas no Presbitério, aos irmãos do Diacônio, ao Conselho Presbiteral, ao Conselho
Arquidiocesano de Pastoral, ao Conselho Arquidiocesano de Leigos, ao
Coordenador Arquidiocesano de Pastoral, ao Vigário Geral e, enfim, ao
sr. Arcebispo Metropolitano e demais Bispos do Estado. E, por que não,
logo que possível, à Nunciatura? Mas, também, não seria oportuno um
abaixo-assinado do povo e da cidade de Itajaí e comarca respectiva?
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Crônicas
Numa das estrofes do Hino do Centenário da diocese, em 2008,
de minha lavra, cantávamos assim: “Em Santa Catarina a Igreja cresceu, deu frutos: / de uma só diocese, agora são dez!” Espero podermos
cantar novamente esses versos, mas com pequena modificação: “de uma
só diocese, agora mais dez!” E que tudo se faça para o maior bem da
Igreja e para a maior glória do seu Senhor.
Florianópolis, 02 de dezembro de 2012, 1º domingo do Advento
de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Pe. Ney Brasil Pereira, professor na FACASC/ ITESC,
membro da Pontifícia Comissão Bíblica, e Coordenador
Arquidiocesano da Pastoral Carcerária
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Crônicas
NOSSO DEUS, UM DEUS QUE SE REBAIXA
PALAVRAS AOS FORMANDOS DO ITESC – 2012
Caríssimos bacharelandos: quando todos celebramos o triunfo
de um ano que passou, felizes pelas vitórias alcançadas, o Espírito nos
assusta colocando diante de nós o Deus Menino na gruta de Belém,
pobrezinho cercado por pobres, para nos chamar a atenção: a vitória
cristã é a pobreza de Deus, a riqueza da Igreja é adorar o Senhor que se
faz pouca coisa. Somente assim teremos a alegria da fé, a felicidade que
nos faz aceitar ser loucos aos olhos do mundo, mas, inteiramente livres
para adorar um Deus Menino.
Como fomos acostumados a refletir sobre Deus a partir da filosofia,
da metafísica, temos dificuldade de pensar Deus, a criação e a redenção, com
os critérios da revelação bíblica, da história da Salvação, pois, nela, Deus se
revela como “aquele que se diminui”, aquele que se contrai, se autolimita,
enquanto preferimos um deus que se expande, se impõe poderosamente.
Antes da criação, Deus ocupava todo o Universo, de modo que não
haveria lugar para as criaturas. No seu amor, Ele se diminuiu, se contraiu
para dar lugar à criação. Ele, perfeito, despiu-se de parte de seu poder e criou
o espaço para sua obra. Simone Weil (1909-1943), encantadora filósofa e
teóloga francesa, que percorreu os caminhos do judaísmo, ateísmo e chegou
ao catolicismo (religião dos pobres e ignorantes, por isso verdadeira) sem
aceitar o batismo (julgava a Igreja incapaz de se identificar com os pobres)
afirmou em sua obra A sombra e a Graça: “Deus, junto com todas as suas
criaturas, é menos do que Deus sozinho”. Então, por que criou o mundo?
Por amor e com amor. Loucura de amor.
É nesse espaço de autolimitação, diminuição, que nós podemos
fazer uso da liberdade, entrar em diálogo com Deus. E é nessa liberdade que podemos entender as grandes tragédias da humanidade, as
guerras, os genocídios que Deus permite porque, por sua decisão, não é
mais perfeitamente onipotente. É incrível, mas o Deus dos judeus e dos
cristãos é um Deus enfraquecido pelo amor. Dois pensadores e teólogos
contemporâneos, André Neher e Hans Jonas, conduzem a essa verdade a
partir da reflexão bíblica e da cabala judaica. Aceitam o Tzimtzum – contração – termo hebraico que a cabala usa para designar essa autolimitação
divina para possibilitar a criação.
Bento XVI, seguindo a tradição bíblica, expõe o amor erótico de
Deus pelo ser humano, o que é possível somente com a diminuição de
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Encontros Teológicos nº 63
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Crônicas
Deus: “O amor apaixonado de Deus pelo seu povo — pelo homem — é
ao mesmo tempo um amor que perdoa. E é tão grande, que chega a virar
Deus contra Si próprio, o seu amor contra a sua justiça. Nisto, o cristão
vê já esboçar-se veladamente o mistério da Cruz: Deus ama tanto o homem que, tendo-se feito Ele próprio homem, segue-o até a morte e, deste
modo, reconcilia justiça e amor” (Deus caritas est, 10). Deus é totalmente
transcendente, está acima de tudo, e é totalmente imanente, está em tudo.
Somente o amor é capaz desse milagre, aceitável apenas por quem sabe o
que é amar. Criação e redenção só existem como fruto do rebaixamento
de Deus cuja última “contração” é encarnar-se em Jesus de Nazaré.
Por amor e com amor “no princípio Deus criou o céu e a terra”,
sem medo de competição das criaturas, mas para entrar em diálogo
com elas.
Jesus, uma doença que não tem cura
Deus rebaixou-se sempre mais, sempre por um amor estranho. Ele
foi ao encontro de Abraão em Ur da Caldéia. Anos depois, foi ele que
visitou o velho Patriarca para anunciar-lhe que a velha Sara conceberia.
Ele desceu para comunicar-se com Jacó, chegando a lutar fisicamente
com ele e, no final da luta, ferindo-o na coxa.
Ele desceu para falar com Moisés, não se cansou de ter paciência
com os cabeçudos hebreus no deserto. Quando o povo o esquecia, era
Deus quem o procurava pelos profetas, pelos Santos da velha Aliança.
E, como já lembramos acima, cansado de falar diretamente com seu
povo, povo rebelde, enviou seu Filho que, no meio de nós, viveu todas
as experiências humanas da pobreza, da alegria e da festa, da dor, da
incompreensão, da ingratidão, cruz, morte e ressurreição.
Abū Bakr Muhammad ibn ‘Alī ibn ‘Arabi (1165-1240), místico
muçulmano sufi, filósofo e teólogo nascido na espanhola Andaluzia e
falecido em Damasco, recebeu uma consulta a respeito de converter
cristãos para o islamismo. Para ele, era trabalho perdido: “Os que sofrem
da doença chamada Jesus nunca se recuperarão”. Seguir a Jesus é uma
doença incurável. Não há remédio ou terapia que restabeleça a “saúde”
dos seguidores de Jesus. Nem os campos de reeducação chineses, nem os
gulags soviéticos, nem as igrejas, neles anulam a humanidade da fé.
Paulo, doutor na escola de Jerusalém, cidadão romano, fez a
experiência de trocar tudo pela loucura da cruz, e testemunhava: Deus
escolheu o que para o mundo é loucura e fraqueza para envergonhar os
Encontros Teológicos nº 63
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Crônicas
sábios e fortes, escolheu o que não tem nome nem prestígio, que não
é nada, para mostrar a nulidade dos importantes (cf. 1Cor 1,18.27-28).
De fato, às vezes, uma igreja feita de sábios, teólogos e doutores, não é
capaz de dar testemunho da “loucura da cruz”, do amor pelo Crucificado,
pelo Desprezado, pelo Alienado que morreu na cruz. Prefere optar por
refinadas teologias que não exigem o sacrifício da sabedoria humana.
Diante de um espantado Pilatos que lhe perguntava se era rei, o
Abandonado declarou com toda segurança: “Tu o dizes. Eu sou rei!”. O
pobrezinho estava sujo de escarros, sangue, açoites, tabefes, sem amigos
que o defendessem na hora da condenação à morte, e se diz “rei”. Um rei
muito diferente e, por isso mesmo, rei verdadeiro, um rei acima do poder,
da força, da riqueza, um rei apenas rei. Pouco antes, traído por um discípulo,
aceitara ser trocado por 30 moedas. Sua doação era total na hora em que,
à sua libertação, seus amados preferiram a do criminoso Barrabás: amava
sem nenhum desejo de retribuição a não ser ouvir a palavra “ele nos amou
até a morte”. Ressuscitado, sai à procura dos Apóstolos que o abandonaram
vergonhosamente e, ao negador Pedro, entrega o cuidado dos seus.
Os frutos do presépio e da cruz
No decorrer dos séculos, discípulos de Jesus aceitaram viver a
alegria da loucura da cruz na perseguição, entregues às feras, na doação
da vida pelos sem vida ou escondidos no deserto. Quando Atanásio perguntou a Santo Antão o que eram os monges, logo respondeu que “eram
leigos sem importância”.
Francisco de Assis (†1226) se auto-definia: “sou o palhaço de
Jesus”, “sou o louco em Cristo, ingênuo e ignorante”.
Inácio de Loyola (†1556) definia sua companhia de jesuítas como
“sociedade de loucos e dos que professam a loucura”. Ele recomendava
que vez ou outra se escolhesse um superior meio “desparafusado” para
obedecer-lhe em decisões estapafúrdias e assim não se dar muita importância ou seriedade.
Marcelo Cândia (†1983), rico industrial italiano, vendeu tudo e
veio trabalhar com os leprosos em Marituba, no Pará: um rico que se fez
pobre para se tornar santo. E ele o fez por um motivo simples: queria ser
feliz e trocou o nada da riqueza pelo tudo do amor.
Jornalista americana, observando Madre Teresa de Calcutá (†1997)
tratando carinhosamente de um doente coberto de feridas, exclamou:
“Madre Teresa, nem por 5 milhões de dólares eu faria isso”, ao que
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Crônicas
Madre Teresa retrucou: “Nem eu!”. Era a loucura do amor a força que a
impelia a essa consagração.
A doença Jesus é especialmente indicada para quem quiser possuir
a verdadeira alegria. Necessitamos lembrar com maior freqüência que
o programa que Jesus nos ofereceu está nas “bem-aventuranças”, na
felicidade somente alcançada por quem assumir a simplicidade como
regra de vida (cf. Mt, 5).
O servo de Deus François Van Thuan (†2002) bispo e cardeal vietnamita que passou 13 anos em cárceres imundos, afirmava que seu fascínio
por Jesus tinha origem nos “defeitos” de Jesus: má memória (esquece os
pecados quando perdoa, como ao Bom Ladrão), mau matemático (deixa
99 ovelhas garantidas para procurar uma extraviada), sem lógica (os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros), mau candidato (a
quem o segue promete cruzes e perseguições), mau administrador (paga o
mesmo salário a quem trabalhou uma hora e a quem suou por oito), amigo
da covardia (dar a outra face a quem bateu numa) e assim por diante.
O Evangelho é a narração humilde de uma vida humilde, cheia
de pessoas pobres, doentes, pecadoras. O Evangelho é Jesus, esse pobre
fascinante que nos revelou o coração frágil e paterno de Deus. Quem
sentiu esse amor não tem mais cura: podem oferecer-lhe todo o ouro e
poder do mundo, fama, prazeres sem conta e ele rirá de tudo. Não por
desprezo, mas pela insignificância.
Após séculos de Evangelização, fala-se agora de “nova” Evangelização. Permitam-me um momento de sinceridade: como pode a evangelização ser “nova” se Evangelho é boa notícia? Por detrás não estaria,
inconscientemente, o desejo de parecer nova uma estrutura envelhecida?
Para evitar a necessidade de uma vida cristã nova, do mesmo modo que os
governos criam ministérios e secretarias, mudando tudo para não mudar
nada, segundo o princípio de Lampedusa no clássico O Leopardo.
Criam-se novas pastorais, organismos e um novo Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização. Deus nos dá a graça
de termos Bento XVI, um humilde sábio e teólogo. Mas, tudo que ele faz,
tem que ser cercado dos mesmos homens, da mesma solenidade que não
consegue despertar o afeto e a confiança das outras Igrejas cristãs, dos
pecadores em busca de redenção, dos homens e mulheres de boa vontade
em busca de resposta para suas existências. Não estaria acontecendo que
queiramos identificar evangelização com um modelo visível de Igreja?
Encontros Teológicos nº 63
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Crônicas
Pois, não podemos imaginar que o Espírito não continue suscitando na
humanidade a busca do Evangelho da Vida.
Há muita boa vontade, muito suor e trabalho na Igreja. Falta que
nos rebaixemos no nível de Jesus, para ocupar o penúltimo lugar. Porque
o último está ocupado, nas palavras do Padre Huvelin que ficaram indelevelmente gravadas no coração de Charles de Foucauld: Jesus tomou de tal
maneira o último lugar que ninguém jamais pode tirá-lo de lá. Ao soberbo
oficial francês que desejava discutir teologia e religião, Pe. Huvelin ordenou:
“Ajoelhe-se e se confesse”. Em outras palavras, rebaixe-se e se reconheça
pecador. E tinha início a aventura espiritual de Charles de Foucauld.
Enquanto os Ibn ‘Arabi deste mundo identificarem gente com a
incurável doença Jesus o cristianismo e a Igreja estão com boa saúde e
representarão uma ameaça ao sossego do mundo. Uma Igreja poderosa,
carregada da sabedoria dos doutores e teólogos e de impressionantes
estruturas e projetos, não oferece perigo para o mundo. Apenas causa
boa impressão e entra na concorrência do mundanismo.
Num dia, Martinho de Tours (†397) teve uma visão: um homem
resplandecente, com roupas reais, coroado com diadema de pedras preciosas, lhe falou: “Martinho, eu sou Cristo. Antes de retornar à terra quis
em primeiro lugar manifestar-me a ti, pois bem o mereces”. Martinho
fixou-o nos olhos e disse: “Eu não creio que Cristo voltará ao mundo
com veste e aspecto diferentes daqueles com os quaissofreu a paixão,
sem carregar os sinais da cruz. Afasta-te, Satanás!”.
Não têm futuro os que gozarem da ótima saúde que o mundo oferece: neles Jesus não tem seguidores, apenas admiradores que carregam
cruzes de ouro penduradas ao peito e cheios de razão multiplicam regras
que terão a força do medo, não do discipulado. Mas, Jesus continuará
oferecendo a todos o contágio da doença do amor. Até o fim dos tempos.
Jesus nos oferece uma doença sem cura, sem vacina: Ele!
Caros bacharelandos: essa é a beleza do anúncio cristão. Mantenham a mesma simplicidade de nosso Deus. Nunca deixem os pobres
para ir evangelizar os ricos ou intelectuais, que se contentam em discutir
os Dez Mandamentos e preferem discutir a fé cristã como conhecimento.
Não criem muros, mas não percam os pobres de vista. Somente eles estão
abertos às Bem-aventuranças.
Pe. José Artulino Besen
Itesc/Facasc – 7XII2012
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Crônicas
Conclusão do ano letivo de 2012
No último dia 07 de dezembro foram encerradas as atividades
acadêmicas da Faculdade Católica de Santa Catarina e do Instituto
teológico de Santa Catarina. Dom Wilson Tadeu Jönck, presidente da
CNBB – Regional Sul IV e arcebispo de Florianópolis, presidiu a missa
de ação de graças, concelebrada com os padres professores ou formadores do ITESC e FACASC. Os demais membros da assembleia litúrgica
eram professores, funcionários e estudantes, além de familiares e amigos
dos formandos. Na homilia, Dom Wilson comparou a busca teológica
e a curiosidade da fé ao pedido que o cego fez a Jesus para enxergar.
Também nos estudos teológicos, buscamos a luz da razão, para abrir a
mente e o coração aos mistérios da luz de Deus.
Em seguida, celebrou-se a formatura dos alunos do curso de
teologia do ITESC, doze seminaristas e uma leiga. No dia anterior, os
seminaristas enfrentaram a banca examinadora do Exame de Universa
composta por três docentes, sendo um deles o professor Pe. Francisco
das Chagas Albuquerque, representante do Centro de Estudos Superiores,
que concede o grau de bacharelado eclesiástico aos alunos seminaristas
do ITESC. Todos foram aprovados, bom número deles com notas máximas. Pe. José Artulino Besen, paraninfo da turma, agradeceu a honra do
convite e deixou a todos, particularmente aos formandos, uma mensagem
de comprometimento com o Cristo do Evangelho, no sentido de não se
deixarem seduzir por ideologias religiosas, mas buscarem a simplicidade e a pobreza de Jesus de Nazaré. O orador da turma, Rafael Uliano,
proferiu seu discurso recordando os colegas de turma que seguiram para
outras missões. Disse que os formandos “não apenas passaram pelo
ITESC, mas que, mais que isso, o ITESC passou por eles”. Ao final, o
diretor Pe. Vitor Galdino Feller lembrou: “este evento é histórico não
só para cada qual de vocês, mas para todo o Instituto, pois se trata da
formatura da 40ª turma do Instituto Teológico de Santa Catarina, que
neste ano celebrou a comemoração de seus 40 anos”. Encerrou pedindo
aos formados que permaneçam vinculados ao ITESC por meio da recém criada Associação Paulo Bratti, que reúne os atuais e ex-alunos do
ITESC e da FACASC.
Processo Seletivo do Curso de Teologia
No último dia 2 de dezembro realizou-se o Processo Seletivo para
o curso de teologia da Faculdade Católica de Santa Catarina. Foram
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Crônicas
aprovados 21 candidatos, a maioria deles seminaristas provenientes das
dioceses catarinenses. A segunda chamada, para as vagas remanescentes, acontecerá no dia 3 de fevereiro próximo, domingo, e constará das
seguintes modalidades, à escolha do candidato: a) Prova dissertativa
(Redação) e apresentação do Histórico Escolar do Ensino Médio ou
Boletim Individual de Resultado do ENEM; ou b) Reingresso, através
da apresentação de Histórico Escolar de Curso Superior, reconhecido
pelo MEC. A Prova Dissertativa versará sobre o tema “Religião e fé no
mundo atual”. Para prepará-la sugere-se a leitura de alguns artigos, que
constam do edital, que pode ser acessado no site da FACASC.
Cursos de Extensão
A Faculdade Católica de Santa Catarina – FACASC – realizou
na segunda-feira, dia 3 de dezembro, a formatura de mais uma turma
de lideranças leigas formadas nos cursos de extensão, oferecidos às
segundas-feiras à noite. A celebração aconteceu nas dependências da
igreja matriz da Paróquia de Nossa Senhora de Lourdes e São Luiz
Gonzaga, na Agronômica. Após a missa, presidida pelo diretor Pe. Vitor
Galdino Feller, os formandos receberam seus certificados. Neste ano de
2012 foram dados os seguintes cursos: Bíblia, Teologia, Liturgia, Catequese e, como novidade, também Canto e Música Litúrgica. As aulas
do próximo ano terão início no dia 25 de fevereiro e serão oferecidos os
seguintes cursos: Bíblia – Segundo Testamento, Teologia Sistemática,
Liturgia Fundamental, Catequese-Pastoral e, como novidade, também
Canto e Música Litúrgica. A coordenadora dos Cursos de Extensão,
Profa. Sílvia Togneri, motivou os participantes a voltarem em 2013 para
cursos que ainda não frequentaram, trazendo consigo outras lideranças
de suas paróquias e comunidades, pastorais e movimentos, em vista da
formação do laicato cristão da Grande Florianópolis.
ITESC celebra 40 anos
Fundado em janeiro de 1973, o ITESC iniciou naquele ano seu
curso de teologia. Por isso, estamos no 40º. ano de história do ITESC.
Pode-se considerá-lo como um dos frutos do Concílio Vaticano II. Nos
seus 40 anos o ITESC matriculou cerca de 1200 alunos, entre seminaristas, religiosas e lideranças leigas. Contribuiu para a formação teológica
e pastoral de mais de 500 presbíteros para as dioceses de Santa Catarina
e do sudoeste do Paraná e para ordens e congregações religiosas. Mais
de dez de seus professores e alunos foram chamados ao episcopado.
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Encontros Teológicos nº 63
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Crônicas
Consolidou sua biblioteca, especializada em teologia, com mais de
30 mil volumes. Conta com mais de 25 professores, qualificados com
mestrado e doutorado.
A Faculdade Católica de Santa Catarina – FACASC –, criada
pelo episcopado catarinense em 2009 e credenciada pelo MEC no final
de 2011, abriga, desde o início de 2012, o curso de teologia que vinha
sendo oferecido pelo ITESC desde 1973. A diferença é que, agora, sendo
o bacharelado de teologia reconhecido pelo MEC, os seus estudantes
podem concluí-lo com a obtenção de um diploma de graduação com
validade civil. O ITESC continua a existir para dar aos alunos seminaristas a possibilidade de obterem também o bacharelado eclesiástico,
reconhecido pela Santa Sé.
Para celebrar os 40 anos do ITESC, a FACASC promoveu em
setembro um Congresso Teológico especial, centrado na reflexão dos
documentos mais importantes do Concílio Vaticano II. Patrocinou também a apresentação da peça teatral “O Contestado”, pelo Grupo Toca
de Teatro Universitário, da Universidade do Oeste de Santa Catarina –
UNOESC –, de Joaçaba.
No dia 15 de outubro, aconteceu o Encontro dos Ex-Alunos do
ITESC. A programação constou da conferência do Pe. Antônio José
de Almeida sobre o “Concílio Vaticano II: memórias e perspectivas”,
a Missa de Ação de Graças, o almoço festivo, exposição de fotos e a
assembleia de criação da Associação dos Ex-Alunos do ITESC. À noite,
às 19 horas, na Assembleia Legislativa, houve o Ato Parlamentar Solene
pela passagem dos 40 anos de fundação do ITESC.
Ação busca contribuir com evangelização juvenil e organização
para JMJ 2013
Para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Rio 2013 atingir seus
objetivos, o sucesso de ações locais é crucial. Por esse motivo, a Ação
Evangelizadora “Rio que Cresce entre Nós”, é promovida pelo Regional
Sul 4 da CNBB (Santa Catarina) em todo o Estado. O intuito é divulgar a
Jornada e viabilizar o custeio de ações de evangelização, como os shows
do “Bote Fé” e a Semana Missionária.
A pedagogia da ação é inspirada no milagre da multiplicação dos
pães, no qual Jesus alimenta cinco mil pessoas a partir de cinco pães e
dois peixes , oferecidos por um rapaz. “O alimento chegou às mãos certas,
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Crônicas
Jesus. Quando nas mãos certas, a coisa acontece”, avalia o secretário
executivo regional Ademir Freitas.
Como no milagre, jovens voluntários são protagonistas. Percorrem
suas comunidades com o material de divulgação. Eles também pedem
doações correspondentes a pães (um real) e peixes (dez reais). Segundo
Jonathan Velho Burigo, coordenador paroquial da Pastoral da Juventude
em Timbé do Sul, eles tem sido bem recebidos. “Quando as pessoas sabem
a finalidade dessa ação e que assim estão ajudando os jovens, contribuem.
Tivemos alguns casos de famílias, em nossa paróquia, que contribuíram
com todos os pães e os peixes do panfleto”, contou.
Como em outros locais houve a mesma recepção, o encerramento,
que aconteceria em novembro, foi prorrogado pelo Conselho Regional
de Pastoral para fevereiro. Camila Gonzaga, líder do Setor Juventude
da Diocese de Blumenau, achou a decisão adequada, porque mais perto
do fim os jovens “estão pegando o jeito”. Para ela, “é válida a prorrogação, pois dessa forma teremos um resultado bastante produtivo aqui”,
analisou.
Marcelo Luiz Zapelini
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Ano 27 / número 3 / 2012
Índice Geral
ÍNDICE GERAL dos números 61, 62 e 63
(2012/1, 2 e 3)
a) Indice Geral dos três números monográficos
– n. 61 (2012/1): CF 2012 – Fraternidade
e Saúde Pública
- DIAS, Luís Carlos, “Fraternidade e Saúde Pública”, pp.11-30.
- DE OLIVEIRA, José Luís, “História da saúde no Brasil: dos
primórdios ao surgimento do SUS”, pp. 31-42.
- CAMPOS, Geniberto Paiva, “Brasil Século 21: os desafios da
saúde”, pp.43-56.
- DE BARCHIFONTAINE, Christian de Paul de, “Ética e saúde
pública”, pp. 57-73.
- NIERO, Edna Maria e LORASCHI, Celso, “Bíblia e saúde
pública. A Vida com dignidade”, pp. 75-85.
- BACARJI, Arlene Denise, “A saúde da Igreja”, pp. 87-104.
- PEREIRA, Ney Brasil, “Eclo 38,8: Saúde? Paz? Bem-estar?
Texto e contexto bíblico do lema da CF 2012”, pp. 105-118.
- STADELMANN, Luís, “Na saúde e na doença”, pp. 119-134.
- MACHADO VIEIRA, Maria Eni e ROCKENBACH, Lúcia
Herta, “A Pastoral da Saúde de Santa Catarina e a sua
caminhada”, pp. 135-143.
- FRIGO, Luís Antonio, “Atendimento espiritual no Hospital
Universitário, HU, de Florianópolis”, pp. 145-154.
- GIORDANI, Júlio, “Fraternidade e saúde pública”, pp. 155-157.
- ROSA CÂNDIDO, Edinei, “Aula Inaugural 2012: Modelos e
Momentos de Igreja”, pp. 159-168.
- PEREIRA, Ney Brasil, recensão de KÜNG, Hans, “Ciò che
credo”, trad. italiana do original alemão de 2009, Rizzoli, 2010,
361 pp., pp. 169-178.
- PEREIRA, Ney Brasil, “A Nossa Senhora do ITESC”, poemaoração, p. 192.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
187
Índice Geral
– n. 62 (2012/2): Vaticano II – 50 anos
- PINHEIRO, José Ernanne, “Como a igreja do Brasil adubou
o terreno para o concílio Vaticano II ”, pp. 13-27.
- LIBANIO, João Batista, “A Igreja a 50 anos do Concílio
Vaticano II”, pp.29-50.
- FERREIRA, Antonio Luiz Catelan, “Eclesiologia do Concílio
Ecumênico Vaticano II: antecedentes históricos”, pp. 51-79.
- GOEDERT, Valter Maurício, “A liturgia no Concílio Vaticano
II”, pp. 81-94.
- PEREIRA, Ney Brasil, “A Palavra de Deus no Vaticano II”,
pp. 95-106.
- SUESS, Paulo, “A ‘virada popular’: Discipulado missionário
do Brasil para o mundo secularizado e pluricultural à luz do
Vaticano II e da caminhada lationo-americana”, pp. 107-123.
- STADELMANN, Luís, “Concílio Vaticano II: 50 anos depois”,
pp. 125-138.
- MENDES, Vitor Hugo, “Vaticano II: a modernidade da igreja
em um contexto de mudanças”, pp. 139-163.
- CNBB – Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o
Diálogo Inter-religioso, “Carta das Religiões e o cuidado da
Terra”, pp. 165-168.
- BOMBAZAR, Lucas Fernandes, recensão de ALMEIDA,
Antonio José de, “Lumen Gentium. A transição necessária”,
Paulus, 2005, 274 pp., pp. 169-177.
- PEREIRA, Ney Brasil, resenha de BESEN, José Artulino,
“História da Igreja no Brasil – o Evangelho acolhido pelos
pobres”, Ed. Mundo e Missão, 2012, 280 pp., p. 178.
- PEREIRA, Ney Brasil, resenha de BESEN, José Artulino,
“História da Igreja – da Idade Apostólica aos nossos
tempos”, Ed. Mundo e Missão, 2012 (2ª edição), 295 pp.,
pp. 179-180.
- SERAFIM, Claudemir, Hino para os 40 anos do ITESC,
p. 188.
188
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Índice Geral
– n. 63 (2012/3): CF 2013 – Fraternidade e Juventude
- DIAS, Luís Carlos, “Fraternidade e Juventude: o protagonismo
dos jovens na igreja e na Sociedade”, pp. 13-36.
- SCHWIRKOVSKI, Anísio José, “Jornada Mundial da
Juventude: Nova Evangelização em ação”, pp. 37-48.
- PINHEIRO DA SILVA, Eduardo, “Espiritualidade juvenil: a
alegria de ser firme na Fé”, pp. 49-66.
- DO PRADO, Antonio Ramos, “Cultura juvenil”, pp. 67-80.
- LLORIS AGUADO, Maria Eugênia, “A presença da Igreja no
mundo universitário”, pp. 81-96.
- LORASCHI, Celso (org.), “Bíblia e Juventude”, pp.97-123.
- STADELMANN, Luís, “Poema sobre a Juventude na Bíblia:
Medidas preventivas contra a depressão”, pp. 123-138.
- PEREIRA, Ney Brasil, “A força dos jovens – na primeira carta
de João”, pp. 139-158.
- ACQUAROLI, Armando Rafael Castro, recensão de: BOFF,
Leonardo. Cristianismo: o mínimo do mínimo. Petrópolis:
Vozes, 2011, 199 pp. 159-164.
- PEREIRA, Ney Brasil, recensão de: Editorial Ave Maria (org.).
CHAVE BÍBLICA CATÓLICA. São Paulo: Edit. Ave Maria,
2012, 21 x 14cm, 496 pp, pp.165-166.
- PEREIRA, Ney Brasil, recensão de: DOS REIS, Sara Regina,
“Igreja Nossa Senhora do Desterro, a Matriz de Florianópolis.
Florianópolis: Papa-Livro, 2012, 122 pp., pp. 167-173.
- PEREIRA, Ney Brasil, comunicado: “Uma nova diocese em
Santa Catarina. Diocese de Itajaí: urgente! pp.175-177.
- BESEN, José Artulino, discurso de paraninfo: “Nosso Deus, um
Deus que se rebaixa”. Palavras aos bacharelando do ITESC –
2012, pp. 178-182.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
189
Índice Geral
b) INDICE GERAL dos três números monográficos de
2012, por autor:
- ACQUAROLI, Armando Rafael Castro, recensão de: BOFF,
Leonardo, “Cristianismo: o mínimo do mínimo”. Petrópolis,
Vozes, 2011, 199 pp., n. 63 (2012/3), pp. 159-164.
- BACARJI, Arlene Denise, “A saúde da Igreja”, n. 61 (2012/1),
pp. 87-104.
- BESEN, José Artulino, discurso de Paraninfo: “Nosso Deus, um
Deus que se rebaixa”, Palavras aos bacharelandos do ITESC
– 2012, n. 63 (2012/3), pp. 178-182.
- BOMBAZAR, Lucas Fernandes, recensão de: ALMEIDA,
Antonio José de, “Lumen Gentium – a Transição necessária”,
Paulus, 2005, 274 pp, n. 62 (2012/2), pp. 169-177.
- CAMPOS, Geniberto Paiva, “Brasil, século 21: os desafios da
Saúde”, n. 61 (2012/1), pp. 43-56.
- CNBB, Comissão Episcopal Pastoral para o Ecumenismo e o
Diálogo Inter-religioso, “Carta das Religiões e o cuidado da
Terra”, n. 62 (2012/2), pp. 165-168.
- DE OLIVEIRA, José Luís, “História da saúde no Brasil:
dos primórdios ao surgimento do SUS ”, n. 61 (2012/1),
pp. 31-42.
- DIAS, Luís Carlos, “Fraternidade e Saúde Pública”, n. 61
(2012/1), pp. 11-30.
- DIAS, Luís Carlos, “Fraternidade e Juventude”, n. 63 (2012/3),
pp. 13-36.
- DO PRADO, Antonio Ramos, “Cultura Juvenil”, n. 63
(2012/3), pp. 67-80.
- FERREIRA, Antonio Luiz Catelan, “Eclesiologia do
Concílio Vaticano II: antecedentes históricos”, n. 62
(2012/2), pp. 51-79.
- FRIGO, Luís Antonio, “Atendimento espiritual no Hospital
Universitário, HU, de Florianópolis”, n. 61 (2012/1), pp.
145-154.
- GIORDANI, Julio, “Fraternidade e saúde pública”, n. 61
(2012/1), pp. 155-157.
190
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
Índice Geral
- GOEDERT, Valter Maurício, “A liturgia no Concílio Vaticano
II”, n. 62 (2012/2), pp. 81-94.
- LIBANIO, João Batista, “A Igreja a 50 anos do Vaticano II”,
n. 62 (2012/2), pp. 29-50.
- LLORIS AGUADO, Maria Eugênia, “A presença da Igreja no
mundo universitário”, n. 63 (2012/3), pp. 81-96.
- LORASCHI, Celso (org.), “Bíblia e juventude”, n. 63 (2012/3),
pp. 97-123.
- MACHADO VIEIRA, Maria Eni, e ROCKENBACH, Lúcia
Herta, “A Pastoral da Saúde de Santa Catarina e a sua
caminhada”, n. 61 (2012/1), pp. 135-143.
- MENDES, Vitor Hugo, “Vaticano II: a modernidade da Igreja
em um contexto de mudanças”, n. 62 (2012/2), pp. 139-163.
- NIERO, Edna Maria, e LORASCHI, Celso, “Bíblia e Saúde
Pública. A vida com dignidade”, n. 61 (2012/1), pp. 75-85.
- PEREIRA, Ney Brasil, “Eclo 38,8: Saúde? Paz? Bem-estar?
Texto e contexto bíblico do lema da CF 2012, n. 61 (2012/1),
pp. 105-118.
- _____, recensão de KÜNG, Hans, “Ciò che credo”, trad.
italiana do original alemão de 2009, Rizzoli, 2010, 361 pp., n.
61 (2012/1), pp. 169-178.
- _____, “A Nossa Senhora do ITESC”, poema-oração, n. 61
(2012/1), p. 192.
- _____, “A Palavra de Deus no Vaticano II”, n. 62 (2012/2),
pp. 95-106.
- _____, resenha de BESEN, José Artulino, “História da Igreja
no Brasil – o Evangelho acolhido pelos pobres”, Ed. Mundo
e Missão, 2012, 280 pp., n. 62 (2012/2), p. 178.
- _____, resenha de BESEN, José Artulino, “História da Igreja –
da Idade Apostólica aos nossos tempos”, Ed. Mundo e Missão,
2012 (2ª edição), 295 pp., n. 62 (2012/2), pp. 179-180.
- _____, “A força dos jovens – na primeira carta de João”, n.
63 (2012/3), pp. 139-158.
- _____, recensão de POYARES DOS REIS, Sara Regina,
“Igreja Nossa Senhora do Desterro, a Matriz de Florianópolis”,
Florianópolis, Papa-Livro, 2012, 122 pp., n. 63 (2012/3), pp.
167-173.
Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012
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Índice Geral
- _____, comunicado: “Uma nova diocese em Santa Catarina.
Diocese de Itajaí: urgente!”, n. 63 (2012/3), pp. 175-177.
- PINHEIRO, José Ernanne, “Como a Igreja do Brasil
adubou o terreno para o concílio Vaticano II”, n. 62
(2012/2), pp. 13-27.
- PINHEIRO DA SILVA, Eduardo, “Espiritualidade juvenil: a
alegria de ser firme na Fé”, n. 63 (2012/3), pp. 49-66.
- ROSA CÂNDIDO, Edinei, “Aula Inaugural 2012: Modelos e
Momentos de Igreja”, n. 61 (2012/1), pp. 159-168.
- SERAFIM, Claudemir, “Hino para os 40 anos do ITESC”, n.
62 (2012/2), p. 188.
- STADELMANN, Luís, “Na saúde e na doença”, n. 61 (2012/1),
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- _____, “Concílio Vaticano II: 50 anos depois”, n. 62 (2012/2),
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- _____, “Poema sobre a juventude na Bíblia. Medidas
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- SUESS, Paulo, “A ‘virada popular’: Discipulado missionário
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- SCHWIRKOVSKI, Anísio José, “Jornada Mundial da
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Encontros Teológicos nº 63
Ano 27 / número 3 / 2012

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